Improbidade Administrativa - Administração Pública

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FACULDADE DE TECNOLOGIA DO IPIRANGA CURSO DE TECNOLOGIA EM GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS ANA PAULA BARROS, CÍNTHIA DE SÁ RIATO, EDUARDO ARAÚJO PIMENTEL, JACELINE DE SOUZA FARIAS, LEONARDO DE ASSIS DOS SANTOS

A MÁ-FÉ NO CONTEXTO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

SÃO PAULO 2014


FACULDADE DE TECNOLOGIA DO IPIRANGA CURSO DE TECNOLOGIA EM GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS ANA PAULA BARROS, CÍNTHIA DE SÁ RIATO, EDUARDO ARAÚJO PIMENTEL, JACELINE DE SOUZA FARIAS, LEONARDO DE ASSIS DOS SANTOS

A MÁ-FÉ NO CONTEXTO DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Trabalho para compor parte da nota da 2ª nota de avaliação das disciplinas de Administração de Pessoal Aplicada a Gestão Pública e Metodologia da Pesquisa Científico – Tecnológica do Curso de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos da FATECFaculdade de Tecnologia do Ipiranga. Orientadoras: Profa. Elisabete Helena Villas Boas, Ma.; e Profa. Giseli Angela Tartaro Ho, Ma.

SÃO PAULO 2014


FACULDADE DE TECNOLOGIA DO IPIRANGA CURSO DE TECNOLOGIA EM GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS

SUMÁRIO INTRODUÇÃO.............................................................................................................6 2 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA.....................................................................8 2.1 Justificativa......................................................................................................8 2.1.1 Importância do tema/oportunidade do projeto.........................................8 2.1.2 Viabilidade do projeto..............................................................................9 2.2 Metodologia.................................................................................................10 2.2.1 Objeto de pesquisa...............................................................................10 2.2.2 Tipo de pesquisa em função de seu objetivo.......................................10 2.2.3 Técnica da coleta de dados..................................................................10 3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.................................................................................11 4 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.....................................................14 4.1 Princípio da Legalidade.................................................................................14 4.2 Princípio da Impessoalidade.........................................................................15 4.3 Princípio da Moralidade.................................................................................15 4.4 Princípio da Publicidade................................................................................16 4.5 Princípio da Eficiência...................................................................................16 5 MORALIDADE E PROBIDADE ADMINISTRATIVA..............................................18 5.1 Princípio da Boa-fé........................................................................................21 6 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.......................................................................24 7 LEI Nº 8. 429 DE 2 DE JUNHO DE 1992 – LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.....................................................................................................27 8 CONCEITUALIZAÇÃO DE MÁ-FÉ E DOLO..........................................................32 8.1 Má-fé..............................................................................................................32 8.1.1 Automentira..........................................................................................32 8.2 Dolo................................................................................................................34 9 MÁ-FÉ E DOLO EM ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.....................37 9.1 Má-fé e Dolo sob a Ótica da Lei de Improbidade Administrativa...................40 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................44 REFERÊNCIAS..........................................................................................................47


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RESUMO A presente pesquisa buscou desenvolver um estudo disposto a averiguar a essencialidade do elemento subjetivo (má-fé ou dolo) para a caracterização de atos de improbidade administrativa. Identificamos que o dever de lealdade institucional remete à indispensável observância de uma sucessão de regras efetivas em detrimento à relação do agente público com a Administração Pública. Esses preceitos se agregam na moralidade administrativa, obrigatoriamente, de modo que a transgressão normativa motiva o envolvimento do agente na esfera desleal. Constatamos que os aspectos centrais que compõe o conceito de improbidade administrativa são a desonestidade, a ilegalidade e o desvio de poder configurando comumente a uma variante caracterizada como grave. Diante desse panorama, realizamos uma investigação de caráter exploratório por meio da jurisprudência vigente (com maior ênfase na Constituição de 1988 e Lei de Improbidade Administrativa) e também pelo intermédio de pesquisa bibliográfica plausível. Com o estudo, certificamos a indispensabilidade da comprovação de conduta dolosa no que diz respeito às sanções aplicáveis aos agentes públicos em atos configurados como enriquecimento ilícito e transgressão dos princípios da Administração Pública, admitindo tanto o dolo quanto a culpa apenas no caso de lesão ao erário. Desse modo, procuramos evidenciar a importância da adequada apreciação do Poder Judiciário e da própria sociedade mobilizada por meio de instituições que a representam, a consolidação de um consistente movimento público de ordem ética, o fortalecimento do sistema diligente de punições aos atos ímprobos, a erradicação de condutas danosas, contraditórias aos ideais éticos de atividade empenhada com valores íntegros da coletividade, com a finalidade de eliminar da dinâmica pública condutas

ilegais,

desonestas

e

extremamente

desfavoráveis

à

sua

ideal

administração.

Palavras-chave: Administração Pública. Moralidade Administrativa. Má-fé. Dolo. Improbidade Administrativa.


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ABSTRACT The present research was conducted in order to develop a study on the very essence of the subjectivity elements (misconduct or misdeed) which determinate acts of crookedness within administration charges. We identified that the commitment to the institutional loyalty is directly linked to an indispensable observance of a series of effective rules in detriment of the public agent’s relation with the Public Administration. These principles find themselves gathered on the administration morality, with no exceptions, so that the normative transgression motivates the involvement of the agent on the disloyal sphere. We noticed that the core aspects which compose the crookedness concept within public administration routine are the dishonesty, the law breaks and the empowerment transgression, resulting commonly on a variant characterized as serious. In face of this landscape, we conducted an investigation led by an exploratory direction through the current jurisprudence (with major emphasis on the 1988’s Brazilian Constitution and the Administrative Misconduct Law) and also plausible bibliographic research. Along this study, it was possible to certify the indispensability of proving the willful misconducts regarding penalties to be applied on the public agents for their acts such as unjust enrichment and the break of the Public Administration principles, admitting deceit as much as the blame just in cases of injury to the public treasury. Thus we seek to unveil the importance of the proper Judiciary Authority assessment as well as the society’s mobilization itself through the representative institutions; and also the consolidation of a consistent public movement, of ethical order, the diligent strengthening of the punishments system to misconduct acts, the eradication of harmful behavior, contradictory to the ethical ideals of integrity committed to the community values, looking forward to eliminate from the public dynamics the unlawful, dishonest and extremely unfavorable acts to its ideal administration.

Keywords: Public Administration. Administrative Ethics. Misconduct. Misdeed. Crookedness. Administrative Misconduct Law. Dishonest Acts.


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INTRODUÇÃO O declínio dos valores é um fenômeno nacional e de evidente percepção no contexto atual histórico-político com ampla repercussão nacional, em que se multiplicam os atos de corrupção. A esse respeito, há exemplos numerosos e concretos que denotam efeitos danosos à coletividade, uma conduta dolosa. A sociedade brasileira atravessa grave crise ética, resultado de sua formação cultural. Ao pressupor atos de improbidade, automaticamente considera-se o desprovimento

quanto

às

questões

imprescindíveis

voltadas

para

áreas

consideradas básicas ao bem comum englobando saúde, educação e segurança pública. A má administração pública e a disseminação da postura desonesta de seus agentes prejudicam a sociedade como um todo depreciando o benefício coletivo. A improbidade administrativa representa a deterioração dos órgãos públicos, uma vez que revela a incapacidade de cumprir seu próprio papel e por essa razão deve ser erradicada. Devido à complexidade bem como a amplitude do assunto, se fez necessário um estudo objetivo visando o esclarecimento e o aprofundamento da abordagem acerca do questionamento: A má-fé é requisito essencial para a caracterização do ato da improbidade administrativa? Visto que o objeto que se pretendeu analisar contempla a improbidade administrativa tendo como sujeito a Administração Pública. A elaboração do projeto possibilitou ao grupo o desenvolvimento da visão de senso crítico e a necessidade de potencializar a investigação, buscando a solução de um problema específico por meio de uma pesquisa exploratória com levantamento bibliográfico e documental. O estudo configurou em um processo apurado de grande importância, tanto para o desenvolvimento pessoal quanto profissional de todos os envolvidos, aprimorando o referencial teórico e ampliando os conhecimentos pragmaticamente. O presente trabalho teve como objetivo a constatação da necessidade do elemento subjetivo (má-fé ou dolo) para configuração de atos de improbidade administrativa, evidenciando assim, as percepções mais concretas de conceitos relacionados às disciplinas Administração de Pessoal Aplicada à Gestão Pública e Metodologia de Pesquisa Científico-Tecnológica, aplicando as fontes de pesquisa, contextualizando e compreendendo melhor os processos, explorando e delimitando as temáticas de modo a desvendar as peculiaridades associadas.


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Após análises sucintas acerca do que configura o ato de improbidade administrativa, constatamos que o elemento subjetivo (dolo ou má-fé) está intimamente ligado à consciência e à vontade do agente público em casos concretos de improbidade administrativa, salvo em casos em que há a constatação da culpa. Contudo, foi possível deduzir que a constatação da má-fé é subjetiva e impõese ao Poder Judiciário devida apreciação de caso a caso, para adequada interpretação.


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2 CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA Estamos inseridos em um contexto histórico-político extremamente crítico marcado pelo desvirtuamento político, ilegalidades, práticas disfuncionais e desviantes, que se multiplicam ganhando ampla repercussão midiática. Ao pressupor atos de improbidade, automaticamente considera-se o desprovimento

quanto

às

questões

imprescindíveis

voltadas

para

áreas

consideradas básicas ao bem comum que envolvem a saúde, educação e segurança pública. A má administração pública e a disseminação da postura desonesta de seus agentes prejudicam a sociedade como um todo depreciando o benefício coletivo. A improbidade representa a deterioração dos órgãos públicos, uma vez que revelam a incapacidade de cumprir seu próprio papel e por essa razão deve ser erradicada. O foco do estudo se desencadeia por meio de atos ímprobos que tenham sua representatividade essencialmente ligada à questão da má-fé ou dolo, condutas consideradas atualmente como as chagas do sistema administrativo público. O contexto envolve condicionantes subjetivas bem como a presunção da boa-fé. Devido à complexidade bem como a amplitude do assunto, se faz necessário um estudo objetivo visando o esclarecimento e o aprofundamento da abordagem acerca do questionamento: A má-fé é requisito essencial para a caracterização do ato da improbidade administrativa? 2.1 Justificativa 2.1.1 Importância do tema/oportunidade do projeto O tema em análise é de extrema importância por abranger o desvirtuamento dos direitos fundamentais que envolvem o interesse público. A ética, a integridade e a honestidade são fatores essenciais de conduta a serem preservados pela Administração Pública e seus agentes para atender as expectativas/necessidades dos cidadãos, eleitores e contribuintes de impostos, para quem a máquina pública atua. Culturalmente, é possível notar que a falta de rigor quanto às penalidades aplicadas aos casos de improbidade criaram na população um sentimento de descrença na justiça e no funcionamento das ferramentas de regulamentação da Administração Pública.


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O intuito primordial do estudo pretende iluminar a discussão acerca do tema visando determinar modelos corretos de atuação. A contribuição atribuída à pesquisa dirige-se: a)

a desmistificação dos temas que compõem sua problemática;

b)

proporcionar maior entendimento, idealizando a correção de situações

potencialmente desfavoráveis no contexto da Administração Pública; c)

colaborar com o campo acadêmico à medida que procura analisar um

assunto contributivo e de grande complexidade, com a finalidade de sua utilização em demais pesquisas; d)

denotar um valioso estímulo para todos os envolvidos no estudo sob o

foco de proporcionar a reflexão teórica no que diz respeito a um assunto em proeminência; e)

ao aprimoramento e discernimento quanto aos conhecimentos que

envolvem as disciplinas: Administração de Pessoal Aplicada à Gestão Pública e Metodologia da Pesquisa Científico-Tecnológica. Prática; f)

criar oportunidade de discussão de aspectos para subsidiar a evolução

do conhecimento, possibilitando o progresso quanto à formação profissional e pessoal de cada um dos integrantes do grupo bem como da sociedade em geral; g)

ao desenvolvimento do senso crítico como fator de competência.

2.1.2 Viabilidade do projeto O tema improbidade administrativa possibilita um campo de pesquisa acessível no que diz respeito às áreas de Direito Administrativo, Direito Constitucional e Administração Pública. As fontes documentais aplicadas à pesquisa são a Lei nº 8429/92 – Lei da Improbidade Administrativa bem como o art. 37, § 4 da Constituição Federal de 1988, que retratam o assunto de modo objetivo com relação às definições, considerando má fé e as devidas punições para os atos de imoralidade administrativa, favorecendo a elaboração do projeto. Há consistentes fontes bibliográficas que debatem o tema e os subtemas (livros e artigos virtuais) escolhidos, bem como estudos de casos encontrados em fontes confiáveis como o site do Tribunal de Justiça de São Paulo na área de jurisprudência. Em virtude de tais motivos, fica clara a viabilidade de realização da pesquisa de modo que as informações consultadas servem de base para o estudo proposto.


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2.2 Metodologias 2.2.1. Objeto de pesquisa Este trabalho tem como objeto de pesquisa a improbidade administrativa, mais especificamente, se pretende analisar se a má-fé é essencial para a caracterização do ato de improbidade administrativa.

2.2.2 Tipo de pesquisa em função de seu objetivo Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória, que proporcionou uma maior familiaridade com o tema improbidade administrativa, além de torná-lo mais explícito e inteligível. Foi possível uma maior assimilação do tema em questão, ao passo que foram analisados vários exemplos que facilitaram a compreensão do tema, proporcionando maior clareza a esse. Realizamos um minucioso levantamento bibliográfico

para

obter

fundamentação

teórica

visando

à

resolução

da

problematização exposta na presente pesquisa.

2.2.3 Técnica da coleta de dados Os dados utilizados nesse trabalho foram obtidos por meio de pesquisa documental e levantamento bibliográfico. Na pesquisa documental a consulta se deu por meio da Constituição Federal, a Lei nº 8.429/92 de Improbidade Administrativa, bem como a lei nº 9.784/99 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. No levantamento bibliográfico foram consultados e citados autores renomados a cerca do tema improbidade administrativa, os quais fundamentaram a realização deste trabalho.


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3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Administração Pública pode ser descrita como os órgãos, agentes e pessoas jurídicas responsáveis por exercer a função administrativa ou caracterizada como a própria função administrativa. Como atesta Di Pietro no livro Direito Administrativo: “[...] a Administração Pública pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime jurídico total ou parcialmente público, para a consecução dos interesses coletivos.” (DI PIETRO, 2014, p. 57). Paralelamente, à Administração Privada, os objetivos da Administração Pública são conduzidos pelas vontades externas, entretanto, suas atividades são direcionadas pela lei. A interpretação de Sarmento complementa a reflexão: O novo paradigma exige que a empresa-Estado seja ágil e produtiva a fim de que os lucros coletivos possam ser partilhados igualitariamente em forma de bens, serviços e benefícios sociais. Deve orientar suas atividades para a promoção do bem-estar e da felicidade pública, imprimindo o máximo de eficiência aos seus órgãos. (SARMENTO, 2002, p.19).

É importante ressaltar, neste momento, o conceito que engloba a figura do servidor público: “agentes públicos são todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal” (MEIRELLES, 2006, p.75) bem como “agente público é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta.” (DI PIETRO, 2014, p. 596, grifo da autora). Ainda segundo Di Pietro, o viés subdivide-se em quatro classes: Perante a Constituição de 1988, com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 1 8/98, pode-se dizer que são quatro as categorias de agentes públicos: 1. agentes políticos; 2. servidores públicos; 3. militares; e 4. particulares em colaboração com o Poder Público. (DI PIETRO, 2014, p.596).

Tomando por base o discurso da autora acerca da definição conceitual de Administração Pública, há dois sentidos geralmente aplicados à sua percepção: a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa; b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo. Há, ainda, outra distinção que alguns autores costumam fazer, a partir da ideia de que administrar compreende planejar e executar:


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a) em sentido amplo, a Administração Pública, subjetivamente considerada, compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais (Governo), aos quais incumbe traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como também os órgãos administrativos, subordinados, dependentes (Administração Pública, em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém objetivamente considerada, a Administração Pública compreende a função política, que traça as diretrizes governamentais e a função administrativa, que as executa; b) em sentido estrito, a Administração Pública compreende, sob o aspecto subjetivo, apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais e, no segundo, a função política. (DI PIETRO, 2014, p. 49, grifo da autora).

O Estado apresenta duas subdivisões que emergem o aspecto subjetivo da Administração Pública, fundamentais para a compreensão do Poder Público que consiste em: Administração Direta e a Administração Indireta, como cita Di Pietro: Assim, compõem a Administração Pública, em sentido subjetivo, todos os órgãos integrantes das pessoas jurídicas políticas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), aos quais a lei confere o exercício de funções administrativas. São os órgãos da Administração Direta do Estado. Porém, não é só. Às vezes, a lei opta pela execução indireta da atividade administrativa, transferindo-a a pessoas jurídicas com personalidade de direito público ou privado, que compõem a chamada Administração Indireta do Estado. (DI PIETRO, 2014, p.58).

Sendo assim, a concepção de Administração Direta é constituída por órgãos compostos por pessoas públicas políticas (União, Estados e Municípios) uma vez que a legalidade garante o exercício das funções administrativas do Estado por meio desses. Por sua vez, a Administração Indireta ocorre quando a lei atribui o exercício das funções administrativas a instituições com personalidade jurídica, detentoras de deveres e obrigações sendo elas: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. Entende-se, portanto, os conceitos a partir do desfecho da autora Di Pietro: No direito positivo brasileiro, há uma enumeração legal dos entes que compõem a Administração Pública, subjetivamente considerada. Trata-se do artigo 4º- do Decreto-lei nº 200, de 25-2-67, o qual, com a redação dada pela Lei nº. 7.596, de 10-4-87, determina: "A administração federal compreende: I - a administração direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios; II - a administração indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) autarquias; b) empresas públicas; c) sociedades de economia mista; d) fundações públicas." (DI PIETRO, 2014, p. 58-59).


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Visando garantir o cumprimento eficaz das atividades administrativas atribuídas aos órgãos públicos e, consequentemente, aos agentes públicos, foram estabelecidos cinco princípios básicos que direcionam as ações desses. Os princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência foram tratados no capítulo posterior.


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4 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Definem-se como princípios as regras que servem de interpretação das demais normas jurídicas, apontando os caminhos que devem ser seguidos pelos administradores públicos. Os princípios procuram eliminar brechas, oferecendo coerência e harmonia para o ordenamento jurídico. No artigo 37 da Constituição Federal de 1988, são citados cinco princípios da Administração

Pública,

são

eles:

legalidade,

impessoalidade,

moralidade,

publicidade e eficiência. No artigo também estão descritos quem obedecerá a esses princípios, a saber: A Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...]. (Artigo 37, Constituição Federal, 1988).

Todo e qualquer administrador público está sujeito ao cumprimento dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, independente da esfera do setor público ao qual está inserido, o administrador público está sujeito a esses princípios, definidos abaixo:

4.1 Princípio da legalidade O princípio compreende a total submissão dos atos da Administração Pública às leis, ou melhor, Administração Pública somente poderá executar aquilo que está descrito na lei, sendo-lhe vedada a atuação no silêncio legal, se a lei não deixar claro o que requer, a ação é automaticamente proibida. O princípio da legalidade surge como um limite à atuação do Poder Público, uma vez que esse só poderá operar com base na lei, como cita Di Pietro: “[...] a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende da lei”. (DI PIETRO, 2013, p. 65).

Diante do mencionado, foi possível perceber a

subordinação da Administração Pública à lei. A partir de tais definições notou-se que há uma grande diferença entre a Administração Pública e a Administração Privada, onde o agente público em hipótese alguma poderá agir conforme o que a lei não proíbe, a saber, isso é explicitado por Idalberto Chiavenato no livro Administração Geral e Pública: A Legalidade, decorrente do art. 52 da Carta Magna, aplicada ao setor publico, significa que o agente público deverá agir em conformidade com a Lei, fazendo estritamente o que esta determina. [...]. Diferentemente do


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particular, a quem é licito fazer tudo o que a Lei não proíbe (por exclusão, portanto), o servidor pode e deve agir exatamente conforme previsto, limitando-se, assim, sua autonomia. (CHIAVENATO, 2008, p.458).

Assim como foi colocado por Chiavenato o administrador, ou seja, o agente público não pode realizar o que é de sua vontade, mas sim agir segundo a lei, somente executar aquilo que a legislação autoriza e determina e no silêncio dessa, o servidor está proibido de agir. Percebe-se que na esfera da Administração Privada, acontece totalmente o contrário já que não há problemas em realizar ações que a lei não proíbe. 4.2 Princípio da impessoalidade A Administração Pública deve ser neutra em relação aos administrados, sendo proibida de estabelecer discriminações de qualquer natureza de modo que tudo deverá ser igual para todos os cidadãos. Segundo Di Pietro: “[...] a Administração [Pública] não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento”. (DI PIETRO, 2014, p. 68). Di Pietro explicita que o interesse público sempre deve estar acima do interesse particular e que o comportamento da Administração Pública necessita ser orientado sempre pelo interesse público. Assim como a autora, Chiavenato partilhou do pensamento referente à supremacia do interesse público em relação ao individual, tratando do princípio de impessoalidade: A Impessoalidade determina que o agente público deve ter sua conduta orientada para o interesse público, em detrimento de interesses particulares, próprios ou de terceiros, sob pena do ato ser caracterizado pelo desvio de finalidade, e, portanto, nulo. Assim, aqueles que estiverem em situações idênticas dever receber o mesmo tratamento (isonomia). (CHIAVENATO, 2008, p.458).

Conforme foi apontado por Chiavenato, o agente público deve agir de maneira uniforme em relação aos interesses coletivos, o interesse público deve sempre se sobrepor ao interesse particular, próprios ou de terceiros. 4.3 Princípio da moralidade O conceito de moralidade está intimamente ligado ao conjunto de regras e condutas. A Administração Pública deve operar com moralidade, de acordo com a lei. As ações e atividades públicas devem subordinar-se aos princípios morais e éticos. Di Pietro institui uma definição clara e objetiva do que implica a moralidade administrativa: “[...]; implica saber distinguir não só o bem e o mal, o legal e o ilegal,


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o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, mas também entre o honesto e o desonesto [...]”. (DI PIETRO, 2013, p. 77, grifo da autora). Ainda segundo Di Pietro (2013), a moralidade não pode ser reduzida a legalidade, ambas possuem conceitos diferentes, um ato pode ser considerado legal, mas em contrapartida, pode ser considerado imoral, ou seja, o ato pode estar em conformidade com a lei, mas, mesmo assim, pode ser imoral, assim afirma a autora: Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa. (DI PIETRO, 2013, p. 79).

Com isso, notamos a possibilidade de existirem ações ou atos na Administração Pública que ao passo que são legais podem ser também imorais. Segundo Di Pietro, a imoralidade não tem nenhuma identificação com a legalidade, compreendemos a ideia diante da afirmação da autora: Embora não se identifique com a legalidade (porque a lei pode ser imoral e a moral pode ultrapassar o âmbito da lei), a imoralidade administrativa produz efeitos jurídicos, porque acarreta a invalidade do ato, que pode ser decretada pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário. (DI PIETRO, 2013, p. 79).

Desta forma percebemos que a ao passo que a lei pode ser imoral, a moral pode ultrapassar o campo da lei; não se pode restringir a moral à lei. 4.4 Princípio da publicidade O princípio determina que todos os atos da Administração Pública devem ser públicos com a devida publicação no Diário Oficial. A Administração Pública tem o dever de manter total transparência de todas as suas ações e comportamentos. Evidenciamos o fato no artigo 5º da Constituição Federal de 1988: Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena da responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível á segurança da sociedade e do Estado. (Artigo 5º, XXXIII Constituição Federal, 1988).

Está assegurado na Constituição Federal, todos têm direito de saber tudo quanto for pertinente referente à Administração Pública de seu Município, Estado e também da União.


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4.5 Princípio da eficiência O princípio da eficiência proclama que a Administração Pública deve buscar um aperfeiçoamento na prestação dos serviços públicos, mantendo ou melhorando a qualidade, com economia de despesas, racionalizando gastos e realizando suas atribuições com agilidade, presteza e rendimento, assim como afirma Di Pietro: O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público. (DI PIETRO, 2013, p. 84, grifo da autora).

O agente público tem a responsabilidade de desenvolver seu trabalho, de modo a demonstrar suas atribuições da melhor maneira possível, atentando sempre à economia dos insumos, para obter os melhores resultados dentro de uma esfera cada vez menor de tempo. Chiavenato explana sobre eficiência: A eficiência, conforme explicitada em capítulo à parte, guarda relação com o modas operandi. Tem a ver, portanto, com o consumo adequado dos insumos utilizados em determinado processo. Cumpre ressaltar que a introdução desse princípio no ordenamento jurídico corroborou para flexibilizar o instituto da estabilidade. Ou seja, a partir de sua introdução, é possível exonerar o mal servidor em virtude de desempenho insuficiente, avaliado anualmente. (CHIAVENATO, 2008, p.459, grifo do autor).

O servidor que não cumprir suas atribuições levando em consideração a economia dos insumos em determinado processo, estará passivo de exoneração por não ter cumprido o princípio que rege a Administração Pública. Di Pietro (2013) também menciona no livro Direito Administrativo, que a eficiência não pode se sobrepor a nenhum dos demais princípios da Administração Pública, pois se soma aos demais princípios.


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5 MORALIDADE E PROBIDADE ADMINISTRATIVA Para a composição do Estado ideal, a ética deve ser o elemento indispensável. Os modelos éticos dos agentes públicos derivam de sua categoria, com propriedade de caráter social, partilhado, relativo à coletividade. O aspecto ético está essencialmente associado aos princípios fundamentais que regulamentam a Administração Pública. A moralidade é um dos principais valores que retratam a conduta ética dos indivíduos em geral. Primeiramente, é importante acentuar a distinção primordial que o autor Maurício Antônio Ribeiro Lopes alega ao debater o princípio da moralidade administrativa, em que afirma que a moralidade administrativa não se mescla à definição usual que implica ao termo moral. Como notamos no fragmento: A moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum o que, contudo, não as antagoniza, pelo contrário, são complementares. A moralidade administrativa é composta de regras de boa administração, ou seja: pelo conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas não só pela distinção entre os valores antagônicos bem e mal; legal e ilegal; justo e injusto - mas também pela ideia geral de administração e pela ideia de função administrativa. Vislumbra-se nessa regra um caráter utilitário que é dado por sua intensa carga finalista. (LOPES, 1993, p. 34).

A questão também é argumentada por Meirelles no livro Direito Administrativo Brasileiro, de modo a iluminar os entendimentos implícitos: A moralidade administrativa constitui hoje em dia, pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública (Const. Rep., art. 37, caput). Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como "o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração". (HAURIOU apud MEIRELLES, 2006, p.89).

A ideia de moral usual é atribuída ao homem com relação à sua conduta externa; a moral administrativa é fixada ao agente público para a sua ação interna, de acordo com as imposições da instituição a que serve, e a finalidade de sua atuação: o bem comum. Portanto, o ato administrativo terá que obedecer tanto à lei jurídica como também aos princípios éticos pertinentes à Administração Pública, pois nem tudo que é legal é honesto, como promulgavam os romanos – 'non omne quod licet honestum est'. (Meirelles, 2006) A esfera que abrange a Administração Pública bem como o Direito Administrativo Público tem como característica fundamental a hegemonia do interesse coletivo prevalecente aos benefícios individuais visto que o Estado


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constitui-se da função administrativa a fim de proporcionar aos cidadãos, contemplada e satisfatória experiência em sociedade. A moralidade, um dos princípios administrativos de maior relevância, precisa ser considerada pelo servidor público por possuir expressiva simbologia e deve estar inseparável de qualquer conduta realizada. As explanações, a seguir, tornam-se nítidas diante da visão de Sarmento: A moralidade está inexoravelmente vinculada à noção de boa administração. Os princípios que a compõem apontam para uma única direção: a satisfação do bem comum, dos interesses primários da coletividade. Portanto a mediação concretizadora tem de levar em conta a finalidade dos atos administrados como um componente essencial de sua validade. (SARMENTO, 2002, p. 115).

Também se faz necessário evidenciar que: “A Moralidade é percebida no comportamento do bom administrador. Diante de alternativas possíveis, escolhe aquela que resultará em maior ganho para a coletividade.” (CHIAVENATO, 2008, p.458). Para que as atividades não deturpem as finalidades estatais, a Administração Pública se submete a normas e regras que objetivam o comportamento ético de todo servidor público vinculado ao Estado. Contudo, a moralidade é o fundamento estrutural do qual a probidade se estabelece, acarretando pragmaticamente o estudo de valores incorporado ao termo "moral", representando o administrador que se orienta pelos princípios éticos que compõem a moralidade. Significa que o servidor público deve pautar sua atitude de acordo com a probidade, honestidade e retidão de conduta como constatamos na passagem: “[...] o princípio da probidade emerge como um dever deontológico que se fundamenta na honestidade, cujo conteúdo absorve a imparcialidade e a lealdade às instituições.” (SARMENTO, 2002. p. 118). O autor correlaciona a probidade ao aspecto da honestidade funcional em que a moralidade está incorporada à concepção da adequada administração e arremata articulando: “a probidade tem como núcleo o dever de honestidade no trato da coisa pública.” (SARMENTO, 2002. p. 121). Na elucidação de Figueiredo, no livro Probidade Administrativa, o termo probo adquire substancial interpretação que abrange a moralidade: A probidade, denominada “moralidade administrativa qualificada”, refere-se a determinado aspecto da moralidade administrativa. A probidade se encontra vinculada ao aspecto da conduta do administrador; assim, pode-se dizer que viola a probidade o agente público o qual, em suas tarefas e


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deveres cotidianos, atrita os denominados ‘tipos’ legais. (FIGUEIREDO, 2000, p. 22).

Ambos

os termos,

moralidade

e

probidade

administrativa,

denotam

honestidade na Administração Pública, não se abstendo à obediência da legalidade formal, mas também executando os princípios éticos de modo a assegurar uma boa administração.

Deste

modo,

certificamos

que

o

conceito

de

moralidade

administrativa engloba todos os princípios da Administração Pública, notadamente o princípio da probidade. (SARMENTO, 2002). Di Pietro menciona no fragmento abaixo, a norma presente na Constituição de 1988 que dispõe: “São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: [...] V - a probidade na administração;” (Art. 85, inc. V, Constituição Federal de 1988), relata também sobre o avanço que implica o princípio da moralidade administrativa ressaltado à ordem de princípio constitucional e que persiste expresso no caput do art. 37, ao lado da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, regular as atividades da Administração Pública e acrescenta ao debate o trecho da Lei de Procedimento Administrativo que discorre: “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.” Em que se sobressai o trecho: “IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;” (Artigo 2º, inciso IV, Lei nº 9.784/99): [...] a Constituição de 1988, além de repetir aquela norma no artigo 85, V, faz um avanço, ao mencionar, no artigo 37, caput, como princípios autônomos, o da legalidade e o da moralidade. (...) A Lei nº 9.784/99 prevê o princípio da moralidade no artigo 2º, caput, como um dos princípios a que se obriga a Administração Pública; e, no parágrafo único, inciso N, exige “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé” com referência evidente aos principais aspectos da moralidade administrativa”. Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa. (DI PIETRO, 2014, p. 77- 80).

Com isso, concluímos que a análise da moralidade que envolve a conduta administrativa

compreende

reflexão,

razoabilidade,

proporcionalidade

e

discernimento resoluto do interesse social em questão. A boa-fé e a lealdade devem ser

empregadas

como

parâmetros

indispensáveis

visando

fundamentar

a


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interpretação de atos de conduta moral ou imoral, no âmbito administrativo. Assim como Maria Sylvia Zanella Di Pietro doutrina: Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos. Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda ou mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna. (DI PIETRO, 1991, p. 111).

5.1 Princípio da boa-fé O princípio implícito da boa-fé, alusivo ao procedimento administrativo, deriva do princípio da Moralidade, sendo que ambos referenciam conteúdos éticos, estabelecendo-se em um recurso de adequação por impor aos integrantes que compõem a Administração Pública uma conduta proba, correta e honesta com ênfase na cooperação da geração de um ambiente adequado à efetivação dos princípios constitucionais, como sugere Di Pietro: Na Constituição, o princípio não está previsto expressamente, porém pode ser extraído implicitamente de outros princípios, especialmente do princípio da moralidade administrativa e da própria exigência de probidade administrativa que decorre de vários dispositivos constitucionais (arts. 15, V, 37, § 42, 85, V). (DI PIETRO, 2014, p. 88).

O preceito que abrange a boa-fé se difere da moralidade na percepção de que sua lógica está para um meio auxiliar a ascensão dos valores elencados na Constituição, idealizando uma relação de confiança que necessita se consolidar entre a Administração Pública e os cidadãos. A questão torna-se evidente diante da argumentação de Di Pietro: Pode-se dizer que o princípio da boa-fé deve estar presente do lado da Administração e do lado do administrado. Ambos devem agir com lealdade, com correção. O princípio da proteção à confiança protege a boa-fé do administrado; por outras palavras, a confiança que se protege é aquela que o particular deposita na Administração Pública. O particular confia em que a conduta da Administração esteja correta, de acordo com a lei e com o direito. (DI PIETRO, 2014, p. 88, grifo da autora).

Com isso, inferimos que o termo boa-fé implica diretamente à conduta do agente público expressa pelo dever de agir legalmente; sem ofensa a lei; sem intenção dolosa; com lisura e honestidade; aplicando a lealdade, a franqueza, a verdade, o certo.


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O princípio da boa-fé é o instrumento fundamental de regeneração da crença e eficácia das relações referentes à Administração Pública. O servidor público possui o compromisso em comportar-se sob uma conduta espelhada na boa-fé em relação à sociedade, assegurando a boa execução de suas atividades. Aprofundando no tema, Di Pietro propõe em seu livro Direito Administrativo, um cenário propício à compreensão acerca do princípio da boa-fé relatando, no fragmento abaixo, um breve histórico legislativo sobre a questão: O princípio da boa-fé começou a ser aplicado no direito administrativo muito antes da sua previsão no direito positivo, o que veio a ocorrer com a Lei federal nº 9. 784, de 29-1-99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. No artigo 22, parágrafo único, IV, a lei inclui entre os critérios a serem observados nos processos administrativos a "atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé". Também está previsto no artigo 42, II, que insere entre os deveres do administrado perante a Administração o de "proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé". Na Constituição, o princípio não está previsto expressamente, porém pode ser extraído implicitamente de outros princípios, especialmente do princípio da moralidade administrativa e da própria exigência de probidade administrativa que decorre de vários dispositivos constitucionais (arts. 15, V, 37, § 42, 85, V). (DI PIETRO, 2014, p. 88).

Com isso, é de suma importância relevar que a Constituição de 1988 consagrou “o reconhecimento da dualidade de conceitos em nossa legislação, haja vista que se utilizou de princípios como o da dignidade da pessoa humana e promoveu uma reinterpretação de todo o direito civil e processual civil.” (PRETEL, 2007). Diante do panorama apresentado, torna-se necessária a caracterização relativa ao princípio da boa-fé para melhor retratar a complexidade que abrange a temática. De caráter abstrato, o preceito é segmentado sob a ótica de dois prismas: aspecto objetivo e aspecto subjetivo onde “o princípio da boa-fé abrange um aspecto objetivo, que diz respeito à conduta leal, honesta, e um aspecto subjetivo, que diz respeito à crença do sujeito de que está agindo corretamente.” (DI PIETRO, 2014. p. 88, grifo da autora). Destacamos também os temas sob a perspectiva de Giacomuzzi: [...] a distinção entre boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva. É que, ao invocarmos aquela, algo de essencial à compreensão do tema insurge: a desnecessidade de investigação do eventual elemento psicológico do agente; ou seja, a boa-fé objetiva prescinde de qualquer consideração subjetiva ou intencional do agente. O ato administrativo que fere a boa-fé objetiva é ato da Administração, pouco importando de quem partiu e quais suas intenções. O comportamento administrativo, despessoalizado, deve ser conforme a boa-fé objetiva. É com esse sentido que aceito a distinção ‘objetivo’ x ‘subjetivo’.(GIACOMUZZI, 2002, p. 241).


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Presumimos que o conceito de boa-fé subjetiva se reporta a dados psicológicos, elementos internos, que norteiam o indivíduo a uma imperícia do caráter ilegítimo de suas condutas, já a boa-fé objetiva, é atribuída a elementos externos, normas de conduta, que designam o agir de um indivíduo, conforme os padrões de honestidade. (PRETEL, 2007) Entretanto, a boa-fé é um elemento externo ao ato, por situar-se no pensamento do indivíduo, na intenção contida em sua ação. Pragmaticamente, sua definição é inviável, porém é possível regular a boa-fé ou a má-fé, por conta das alegações que estruturam um caso concreto.


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6 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Para garantir a boa conduta e o desenvolvimento pleno das atividades inerentes aos agentes públicos, foram estabelecidos os princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, fundamentais à Administração Pública. Entretanto, as inúmeras práticas desonestas e imorais apresentadas no histórico do funcionalismo público evidenciam a falta de unanimidade no que diz respeito à aderência desses princípios. Denominam-se, portanto, atos de improbidade administrativa, as ações ilegais, contrárias aos objetivos da Administração Pública. A ideia de improbidade, interpretada pelo autor José Náufel, é abrangente, podendo ser aplicada com integralidade aos comportamentos inidôneos observados na gestão: O termo improbidade denota “falta de probidade, isto é, de honestidade e de retidão no modo de proceder, particular ou publicamente. Ato de improbidade é todo aquele contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes; aquele que denota falta de honradez e de retidão no modo de proceder.” (NÁUFEL, 2000, p.515).

Márcia Noll Barboza, por sua vez, baseia-se na LIA (Lei de Improbidade Administrativa) para definir sucintamente o conceito de Improbidade: A partir da LIA, devemos entender a improbidade administrativa como aquela conduta considerada inadequada – por desonestidade, descaso ou outro comportamento impróprio – ao exercício da função pública, merecedora das sanções previstas no referido texto legal. (BARBOZA, 2008, p.13).

Há também o desenvolvimento do conceito realizado por Prado, retomando em sua interpretação, a ligação entre probidade e moralidade administrativa com relação à conduta ímproba: Parece-nos que improbidade está exclusivamente vinculada ao aspecto da conduta (do ilícito) do administrador. Assim, em termos gerais, diríamos que viola a probidade o agente público que em suas ordinárias tarefas e deveres (em seu agir) atrita os denominados “tipos” legais. A probidade, desse modo, seria o aspecto “pessoal-funcional” da moralidade administrativa. Nota-se de pronto substancial diferença. Dado agente pode violar a moralidade administrativa e nem por isso violará necessariamente a probidade, se na análise de sua conduta não houver a previsão legal tida por ato de improbidade. (PRADO, 2001. p.23).

O mesmo autor conclui seu pensamento fazendo menção aos ditames de José Afonso da Silva, no relato a seguir: Como assinala José Afonso da Silva, “a probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial pela Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de direitos políticos”; aduzindo sobre a improbidade, que, “cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada”. (SILVA apud PRADO, 2001, p.23).


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E para complementar, cabe citarmos a visão mais clara dos autores Pazzaglini Filho, Rosa e Fazzio Júnior sobre o tema: Improbidade Administrativa é: "o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano) revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas as expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos." (PAZZAGLINI FILHO, ROSA, FAZZIO JÚNIOR, 1996. p.35).

A concretização do ato ímprobo acontece a partir da coexistência de dois subsídios indispensáveis: o sujeito passivo e ativo. Segundo Alexandre Mazza, “sujeito passivo é a entidade que sofre as consequências do ato de improbidade administrativa” (MAZZA, 2012, p.494), enquanto sujeito ativo é todo agente público que pratique atos de improbidade (MAZZA, 2012). Os conceitos apresentados pelo autor podem ser complementados pelo artigo 1º da LIA: Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. (Lei Federal n º 8.429 de 1992, artigo 1º).

Bem como há um aprofundamento quanto aos sujeitos passivos mencionados no parágrafo único da Lei em questão: Estão também sujeitos às penalidades desta Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou renda anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. (Lei Federal n º 8.429 de 1992, parágrafo único).

As punições aplicáveis ao agente responsável pela prática ímproba estão previstas na Constituição Federal, segundo o trecho: Os atos de improbidade administrativa importarão à suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (Artigo 37, § 4º, Constituição Federal, 1988).

Os atos condenáveis e ilegítimos assolam a realidade dos órgãos do setor público por se tratar de uma prática prejudicial à Administração Pública bem como ao interesse público, como expressa Di Pietro no trecho a seguir: O ato de improbidade afeta ou pode afetar valores de natureza diversa. Com efeito, o ato de improbidade afeta, em grande parte, o patrimônio público econômico-financeiro; afeta o patrimônio público moral; afeta o interesse de toda a coletividade em que a honestidade e a moralidade


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prevaleçam no trato da coisa pública; afeta a disciplina interna da Administração Pública. (DI PIETRO, 2014, p.922).

Portanto, a improbidade administrativa é uma lesão que decompõe a Administração Pública. Por seu efeito danoso acomete a vida da sociedade acarretando descrédito contra os dirigentes e acaba por afligir os princípios fundamentais que constituem o Estado Democrático.


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7 LEI Nº 8. 429 DE 2 DE JUNHO DE 1992 – LEI DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A princípio, a Constituição Federal de 1988 menciona a respeito da improbidade administrativa e suas consequências tais como as penalidades cabíveis para o ato ímprobo, sendo puníveis judicialmente os atos que acarretassem enriquecimento ilícito, como o sequestro e a perda de bens (em âmbito cível), as sanções penais cabíveis (em âmbito criminal) bem como na esfera administrativa, com a aplicação de penalidade conjecturada no estatuto dos servidores de cada ente da Federação, com o intuito de preservar a probidade administrativa, expressos nos seguintes fragmentos: Os atos de improbidade administrativa importarão à suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (Constituição Federal de 1988, artigo 37, 4º parágrafo). A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. (Constituição Federal de 1988, artigo 37, 5º parágrafo). É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º. (Constituição Federal de 1988, artigo 15). Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Constituição Federal de 1988, artigo 14, 9º parágrafo). É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º. (Constituição Federal de 1988, artigo 15, inciso V).

A autora Di Pietro complementa o pensamento, interpretando os trechos citados: Vale dizer que, nessa Constituição, quando se quis mencionar o princípio, falou-se em moralidade (art. 37, caput) e, no mesmo dispositivo, quando se quis mencionar a lesão à moralidade administrativa, falou-se em improbidade (art. 37, § 4º); do mesmo modo a lesão à probidade administrativa aparece como ato ilícito no artigo 85, V, entre os crimes de responsabilidade do Presidente da República, e como causa de perda ou suspensão dos direitos políticos no artigo 15, V. (DI PIETRO, 2014, p.899).

Bem como explica o fato das punições presentes na legislação dos entes da Federação não serem aplicáveis em um âmbito geral:


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No entanto, as penalidades cabíveis na esfera administrativa são apenas as previstas nos Estatutos dos Servidores. Não pode especificarnenternente ser aplicada a pena de suspensão dos direitos políticos, por atingir direito fundamental, de natureza política, que escapa à competência puramente administrativa. Não se pode enquadrar a improbidade administrativa como ilícito puramente administrativo, ainda que possa ter também essa natureza, quando praticado por servidor público. . (DI PIETRO, 2014, p.907).

Prado disserta sobre as transformações advindas com o preceito da moralidade administrativa presente na Constituição Federal de 1988: A Constituição de 1988 veio trazer inovações substanciais. Destaca-se a preocupação de reforçar a proteção à probidade da conduta dos agentes públicos. Essa preocupação transparece nítida na explicitação da moralidade administrativa como um dos princípios fundamentais da Administração Pública. Além da consagração expressa do princípio da moralidade administrativa, a atual Constituição cuidou de prever a edição de uma disciplina jurídica especificamente destinada ao combate à Improbidade na Administração Pública (PRADO, 2001. p.15).

E Di Pietro conclui refletindo sobre a relevância da inserção do princípio da moralidade administração na Constituição Federal: A inclusão do princípio da moralidade administrativa na Constituição foi um reflexo da preocupação com a ética na Administração Pública e com o combate à corrupção e à impunidade no setor público. Até então, a improbidade administrativa constituía infração prevista e definida apenas para os agentes políticos. Para os demais, punia-se apenas o enriquecimento ilícito no exercício do cargo. Com a inserção do princípio da moralidade na Constituição, a exigência de moralidade estendeu-se a toda a Administração Pública, e a improbidade ganhou abrangência maior, porque passou a ser prevista e sancionada com rigor para todas as categorias de servidores públicos e a abranger infrações outras que não apenas o enriquecimento ilícito. (DI PIETRO, 2014, p.900).

Com isso, a Lei de Improbidade Administrativa instituiu os delineamentos do artigo 37, § 4º, da Constituição Federal de 1988, ao tratar das hipóteses, sanções e dos processos de apuração dos atos de improbidade administrativa sendo válido lembrar que: [...] a lesão ao princípio da moralidade ou a qualquer outro princípio imposto à Administração Pública constitui uma das modalidades de ato de improbidade. Para ser ato de improbidade, não é necessária a demonstração de ilegalidade do ato; basta demonstrar a lesão à moralidade administrativa. (DI PIETRO, 2014, p.901).

A Lei dispõe sobre três dispositivos: as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública na administração pública direta, indireta ou fundacional (artigo 9º) bem como aos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (artigo 10º) e que atentam contra os princípios da Administração Pública


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(artigo 11º). Contudo, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014) que os atos de improbidade definidos na Lei possuem amplitude muito maior do que as hipóteses de enriquecimento ilícito previstas nas Constituições anteriores e disciplinadas pelas referidas leis visto que “o ato de improbidade pode corresponder a um ato administrativo, a uma omissão, a uma conduta”. (DI PIETRO, 2014, p. 916). A Lei da Improbidade Administrativa tem como maior finalidade regular nomeadamente as normas de combate e erradicação da corrupção pública. Com isso, destacamos o segmento a seguir: [...] a improbidade administrativa tem como peculiaridade seu grave potencial lesivo. Mais que sua nociva repercussão sobre a vida social, pelo mau exemplo que dissemina e pelo rótulo de descrédito que aplica à classe dirigente, agride agudamente os princípios nucleares da ordem jurídicoconstitucional positiva. (PAZZAGLINI FILHO, ROSA, FAZZIO JÚNIOR, 1996. p.13).

O artigo 9º da Lei especifica o enriquecimento ilícito na gestão pública por meio de métodos ilegais como o recebimento de dinheiro ou qualquer bem econômico para consumo próprio ou de terceiros e, também, utilizando-se dos bens públicos a favor pessoal. Figueiredo considera o artigo 9º de suma importância na Lei, explanando no seguinte trecho: Acreditamos que o art. 9º, caput, apresenta-se como sendo a norma central, o verdadeiro coração da Lei de Improbidade. Isso porque os atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito,sem duvida alguma, afiguram-se como um dos mais graves tipos que a lei encerra em seu conteúdo. (FIGUEIREDO, 2004. p.76).

O ponto principal da Lei, como mencionou Figueiredo, refere-se ao artigo 9º, que proclama: Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei. (Lei Federal n º 8.429 de 1992, artigo 9º).

Desse modo, há o enriquecimento ilícito quando o agente auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial imprópria em detrimento de seu vínculo com a Administração Pública. Nesse caso, em que o agente público incorrer em improbidade administrativa por enriquecimento ilícito, estará sujeito às seguintes sanções: Na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa


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jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos. (Lei Federal n º 8.429 de 1992, artigo 12º, inciso I).

A Lei de Improbidade Administrativa, em seu artigo 10º, consagra os atos ímprobos lesivos ao erário admitindo a culpa e o dolo: Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei. (Lei Federal n º 8.429 de 1992, artigo 10º).

As penalidades cabíveis na ação ilícita condizente a prejuízo ao erário são: Na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. (Lei Federal n º 8.429 de 1992, artigo 12º, inciso II).

O artigo 11º aborda a transgressão aos princípios da Administração Pública, sendo

cabível

de

pena

qualquer

agente

público

que

descumprir

suas

responsabilidades, ditas em lei, para com o serviço público e suas regras, como relatado no fragmento: Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições. (Lei Federal n º 8.429 de 1992, artigo 11º).

O artigo traduz de forma ampla e aberta a preocupação com a violação ao princípio da moralidade administrativa. Os deveres que o agente público deve cumprir, baseados na ética administrativa, possuem variadas características. Sendo assim, no passado, qualquer ação ou omissão, qualquer ato de ilegalidade denotava improbidade. Atualmente, os atos ímprobos se detêm às causas de maior gravidade, após decisão do Poder Judiciário. Para maior compreensão, Di Pietro explana sobre o preceito na passagem: A rigor, qualquer violação aos princípios da legalidade, da razoabilidade, da moralidade, do interesse público, da eficiência, da motivação, da publicidade, da impessoalidade e de qualquer outro imposto à Administração Pública pode constituir ato de improbidade administrativa. No entanto, há que se perquirir a intenção do agente, para verificar se houve dolo ou culpa, pois, de outro modo, não ocorrerá o ilícito previsto na lei, como se verá no item subsequente. (DI PIETRO, 2014, p.917)

As penas pertinentes aos danos aos princípios da Administração Pública são:


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Na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. (Lei Federal n º 8.429 de 1992, artigo 12º, inciso III).

As punições proclamadas na Lei podem ser aplicadas de maneira isolada ou cumulativa, independente das sanções penais, civis e administrativas, como diz o artigo 12º. Diante disso, mencionamos o relato da autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro a fim de aclarar a questão: Consoante j á assinalado, os atos de improbidade estão definidos nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92. Muitos deles podem corresponder a crimes definidos na legislação penal e a infrações administrativas definidas nos Estatutos dos Servidores Públicos. Nesse caso, nada impede a instauração de processos nas três instâncias, administrativa, civil e criminal. A primeira vai apurar o ilícito administrativo segundo as normas estabelecidas no Estatuto funcional; a segunda vai apurar a improbidade administrativa e aplicar as sanções previstas na Lei nº 8.429/92; e a terceira vai apurar o ilícito penal segundo as normas do Código de Processo Penal. (DI PIETRO, 2014, p.908-909).

Contudo, nos três dispositivos foram elencadas hipóteses exemplificativas com o intuito não taxativo, como explica Di Pietro: Trata-se de critérios para orientar o juiz na fixação da pena, cabendo assinalar que a expressão extensão do dano causado tem que ser entendida em sentido amplo, de modo que abranja não só o dano ao erário, ao patrimônio público em sentido econômico, mas também ao patrimônio moral do Estado e da sociedade. (DI PIETRO, 2014, p.923).

As aplicações das penalidades prenunciadas na Lei ocorrerão somente a partir da constatação de um atributo indispensável para caracterizar o ato de improbidade: a má-fé. O tema foi desenvolvido posteriormente de modo a elencar o presente estudo.


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8 CONCEITUALIZAÇÃO DE MÁ-FÉ E DOLO 8.1 Má-fé A má-fé é designada com a disposição de espírito em praticar a deslealdade, perfídia, traição ou fraude de uma forma consciente. Expressão derivada do latim malefatius (mau destino ou má-sorte) é empregada no âmbito jurídico para promulgar tudo àquilo que se faz com maldade, para denominar o que é feito contra a lei e com a plena consciência do mal contido no ato concretizado ou do vício que se pretende acobertar. A disposição de espírito implica em intencionalidade. É enganar, fingir, transmitir a ideia de que certo ato é legítimo impelido na mentira. Os animais agem por instinto, não podendo ser aplicado a eles o conceito de má fé. A liberdade deles é limitada à suas necessidades. Por exemplo, se um macaco rouba uma carteira, é em virtude de sua traquinice, não se podendo considerar um ato de má fé, pois ele não necessita de dinheiro, não é dotado de razão a ponto de saber o que fazer o dinheiro, e que este possui valor de troca. Agora, se um ser humano treiná-lo para roubar, o indivíduo que o treinou está imbuído de más intenções, pois arquitetou a situação, é o mentor intelectual e sabe qual o valor do dinheiro e as vantagens que leva ao obtê-lo. Menosprezou as noções morais e éticas que regem o relacionamento entre as pessoas. A abordagem da má fé se faz em um contexto humano. O homem é um ser que pode adotar atitudes negativas com relação a si mesmo. Para Sartre (1997), a má-fé institui na tentativa frustrada em negar a liberdade, pois o homem só pode negá-la à medida que ele é livre. Por conta disso, o homem elege a conduta de má-fé e a proclama como estratégia evasiva por conta da angústia em decidir e suas respectivas consequências. Com isso, o homem deseja negar a responsabilidade de seus atos adotando a má-fé. 8.1.1 Automentira O ser humano, muitas vezes, refugia-se em seu mundo imaginário, construindo uma fantasia para ludibriar a percepção de uma verdade. A má-fé emerge como uma atitude plausível porque permite ao homem encontrar um refúgio diante do deserto de seu ser. "Aceitemos que má-fé seja mentir a si mesmo, desde que imediatamente se faça distinção entre mentir a si mesmo e simplesmente mentir" (SARTRE, 1997, p. 93). O autor trata de distinguir o conceito que implica a má-fé da mentira, por ser muito comum compreendê-las como sinônimos.


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A mentira presume aquele que mente: o ludibriador, o doloso, e a vítima da mentira, o ludibriado. O farsante conhece os fatos que esconde, é consciente de seus atos dissimulados, ao passo que o ludibriado desconhece os fatos completamente. A má-fé é uma conduta em que a consciência nega a si mesma, sendo impossível uma pessoa exercer, simultaneamente, os papéis de ludibriado e ludibriador. A possibilidade da má-fé depende da impossibilidade da sinceridade do ludibriador, implica em sua intenção consciente em agir de má-fé. Morin relata sobre o tópico referente à automentira: Cada mente é dotada também de potencial de mentira para si próprio (self deception), que é fonte permanente de erros e ilusões. O egocentrismo, a necessidade de autojustificativa, a tendência a projetar sobre o outro a causa do mal com que cada um minta para si próprio, sem detectar essa mentira da qual, contudo, é o autor. (MORIN, 2001, p. 21)

Constatamos, contudo, que a má-fé compõe-se na atitude possível diante do vazio do ser que habita a realidade humana, ideia indicada no fragmento a seguir: Fugir da angústia e ser angústia, todavia, não podem ser exatamente a mesma coisa: se sou minha angústia para dela fugir, isso pressupõe que sou capaz de me desconcentrar com relação ao que sou, posso ser angústia sob a forma de ‘não sê-la’, posso dispor de um poder nadificador no bojo da própria angústia. Esse poder nadifica a angústia enquanto dela fujo e nadifica a si enquanto sou angústia para dela fugir. É o que se chama de má-fé. (SARTRE, 1997, p. 89)

Como fuga do nada que condiz ao ser e da angústia, o homem acolhe-se na atitude que nega sua condição natural. Refugia-se em ideologias, éticas ou religiões que completam sua condição “nadificada”, constituindo um sentido para sua existência, uma causa e um fim. O entendimento se ilumina diante das palavras de Sartre: Convém escolher e examinar determinada atitude que, ao mesmo tempo, seja essencial à realidade humana e de tal ordem que a consciência volte sua negação para si, em vez de dirigi-la para fora. Atitude que parece ser a má-fé. (SARTRE, 1997, p. 93).

O ser humano acoberta-se sob a má-fé para explicar o próprio fato de existir, diante da angustiante realidade de não haver uma justificativa para si mesmo. O grande dilema envolvendo a má fé está na questão que abrange a intencionalidade. O egocentrismo impulsiona muitas vezes o indivíduo a agir de modo que o fim justifique os meios. A má-fé arquiteta-se no pensamento do individuo que, por sua vez, evita o diálogo interno, pois a verdade o incomoda. Vejamos o pensamento de Malcom sobre a relação da imaginação com a liberdade e a má-fé:


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Há de se notar, então, esse caráter dúbio da imaginação, na medida em que ela será a plataforma tanto da liberdade quanto da má-fé, de modo, que a diferença entre uma e outra será dada por uma escolha original, não deliberada, e sim espelhada em cada ato do sujeito. (RODRIGUES, 2010, p.168).

A escolha do indivíduo pela alienação da conduta ilegal e das suas escolhas individuais é a maior prova do indício de má fé. Os integrantes de uma coletividade também podem ser coniventes com a má fé da seguinte forma: imaginemos que uma determinada população de uma cidade tenha elegido um determinado líder político por vários anos consecutivos, e que apesar de muitos escândalos, ainda lhe é cedido um voto de confiança. Poderíamos nos perguntar se os habitantes são masoquistas, ou são coniventes com os benefícios adquiridos a qualquer preço, afinal, não importam os meios, mas os fins, constituindo um quadro de verdadeira troca de favores. Nenhum dos lados assumirá a responsabilidade, por exemplo, pela falta de dinheiro nos cofres públicos ou pelo déficit financeiro. Neste momento, é de suma importância a interpretação de Sarmento em que relata sobre a temática e sua relação danosa com a Administração Pública, no fragmento: A deslealdade manifesta-se pela traição à confiança que a Administração Pública depositou na autoridade. Trata-se de deformação moral que se exterioriza pela má-fé, pela incapacidade de reter informações confidenciais, pelo prazer da delação e, sobretudo, pela absoluta indiferença à dignidade da pessoa humana. O funcionário desleal é carreirista do serviço público. Não tem vocação republicana nem respeito ao erário. É um corpo estranho à máquina estatal. A conduta desviante repercute negativamente na qualidade do serviço público. Inflige aos cidadãos prejuízos financeiros e danos morais de diversos matizes, justificando a exoneração a bem do serviço público. (SARMENTO, 2002. p.125-126).

Atualmente, notamos um expressivo aumento quanto ao número de mal intencionados emergidos na Administração Pública, que apenas vislumbrando seus honorários, empregam os artifícios que possuem para obter vantagens e acabam por banalizar o Direito e o Estado, desrespeitando as regras morais de conduta, com a finalidade de suas conquistas pessoais, a qualquer preço. 8.2 Dolo A compreensão acerca do elemento subjetivo dolo se caracteriza pela vontade consciente em se obter resultado visando o prejuízo ou a fraude de forma proposital. O dolo é a vontade e a consciência de realizar a conduta, ou seja, o


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caminho intencional percorrido pelo agente. A intenção pressupõe a consciência . (OSÓRIO, 1998) Termo jurídico normativo procedente de conceituada semântica do Direito Civil e Penal, também pode incidir quando não se ansiou o resultado, contudo, houve a obviedade do risco em produzi-lo. A conduta dolosa ofende e viola os princípios morais e dos bons costumes, além de possuir relações intrínsecas com a má fé. Segundo Cera (2014), o conceito de dolo subdivide-se em duas categorias: o dolo direto, configurado quando o agente antevê um resultado conduzindo sua conduta buscando a sua realização. E dolo indireto quando o agente, por meio de sua conduta, não procura resultado determinado. O dolo indireto, por sua vez, possui dois prismas: o dolo alternativo sucede quando o agente prevê pluralidade de resultados e dirige sua conduta na procura de realizar qualquer resultado a esmo e o dolo eventual quando a intenção do agente prevê pluralidade de resultados, dirige sua conduta na busca de realizá-los, porém assume o risco de produzir os demais. Rogerio Grecco também elabora a definição pertinente ao dolo: A consciência, ou seja, o momento intelectual do dolo, basicamente diz respetio à situação fática em que se encontra o agente. O agente ter consciência, isto é, deve saber exatamente aquilo que faz, para que lhe possa atribuir o resultado lesivo a título de dolo. Fala-se em dolo eventual quando o agente, embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir o resultado que por ele já havia sido previsto e aceito.(GRECCO, 2014, p. 207)

Fábio Medina Osório enfatiza o elemento subjetivo afirmando no seguinte segmento: O dolo, em direito administrativo, é a intenção do agente que recai sobre o suporte fático da norma legal proibitiva. O agente quer realizar determinada conduta objetivamente proibida pela ordem jurídica. Eis o dolo. Trata-se de analisar a intenção do agente especialmente diante dos elementos fáticos – mas também normativos – regulados pelas leis incidentes à espécie. (OSÓRIO, 1998, p.135).

Com isso, a simples vontade e pensamento não convêm para caracterizar o dolo. Esse ocorre apenas quando a vontade se exterioriza no comportamento, produzindo o resultado, atingindo assim a finalidade. Insere-se aqui a questão da conduta do agente público ou de terceiros, sabendo que o ser humano é dotado de razão e livre arbítrio, agindo em função de sua livre escolha e de forma premeditada. Fernando Capêz ilustra a questão que sugere a conduta humana enfatizando: Só as pessoas humanas podem realizar conduta, pois são as únicas dotadas de vontade e consciência para buscar uma finalidade. Animais


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irracionais não realizam condutas, e fenômenos da natureza não as constituem. (CAPÊZ, 2011, p.161).

Vontade, finalidade, exteriorização e consciência. Essas são importantes variantes para a compreensão da conduta dolosa. Acrescentam-se o fator ação e omissão, além da razão e do livre arbítrio, elementos aos quais os seres humanos são providos. O conceito de dolo é essencial para a funcionalidade do Direito Penal, pois o conceito está implantado diretamente nos tipos penais, qualificando a aplicação da legislação em sua devida interpretação. Tal relevância está representada no artigo 18º do Código Penal que determina textualmente crimes dolosos e crimes culposos. Contudo, o Código Penal brasileiro consagrou no mesmo artigo, inciso I, como crime doloso “quando o agente quis realizar o tipo penal ou assumiu o risco de realizá-lo, consentindo ou aceitando de modo indiferente o resultado”, acarretando dificuldade de interpretação por conta de tamanha subjetividade, não havendo objetividade, transparência e ratificação constitucional em seus dizeres. Com o passar do tempo, o dolo começou a ser compreendido por meio de caracteres que atestam a intenção do agente em alcançar resultado ilícito, sendo evidente com a vontade de concretizar o fato fraudulento; o entendimento de que a ação produzirá o efeito almejado; a consciência do resultado esperado; e a decisão de agir perante os fatos aqui abordados. A ideia de dolo se assemelha ao elemento intencional do agente e, por meio da vontade, se propaga no ato juridicamente proeminente sob a forma de infração ou falta grave. Quanto ao Direito Administrativo, é importante destacar que a sua integração se dá por meio de um conjunto de regras e princípios refletidos diretamente sobre a atuação da Administração Pública, submetendo o administrado a acatar os preceitos impostos para o seu ideal funcionamento, que visa o bem da coletividade. Nessa esfera, o dolo deve obediência ao princípio da tipicidade, baseado no desrespeito à legalidade. Desse modo, a constatação da conduta dolosa é imprescindível com a finalidade de conferir a responsabilidade do ato ilícito ao agente ímprobo bem como a terceiros, expressa na vontade e atuação desses contra a boa-fé estatal.


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9 MÁ-FÉ E DOLO EM ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A evidência do desvio de finalidade ou a comprovação da má-fé em atos ímprobos impõe aos agentes de Direito, por vezes, uma complexa reflexão acerca do tema, por conta de sua natureza subjetiva, peculiar e indireta. A ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador, pressupondo o desrespeito aos deveres de imparcialidade e de lealdade às instituições. Constatamos que a definição de má-fé bem como de dolo apresentam similaridades no que diz respeito

aos efeitos jurídicos, porém possuem

características distintas, sendo o dolo ativo (afirmação ou inversão da qualidade com o intuito de prejudicar) enquanto a má-fé é passiva (ocultação ou omissão do defeito com o intuito de se beneficiar). Diante de tais alegações, evidenciamos as disparidades associadas à noção acerca da probidade e improbidade administrativa e sua relação com a conduta dolosa, exemplificadas nas palavras de Sarmento: A honestidade é o núcleo da probidade administrativa. A atuação funcional do agente público deve ser pautada pela defesa intransigente da ordem jurídica e dos interesses primários da coletividade. Seu elemento subjetivo é sempre a boa-fé. Ao contrário, a Improbidade pressupõe, invariavelmente, vontade livre e consciente de enriquecer ilicitamente, de causar prejuízos ao erário abusando das atribuições do cargo. Por isso é que se diz que a conduta desonesta também é dolosa. (SARMENTO, 2002. p.126).

Com

isso

entendemos

que

a

improbidade

administrativa

traduz

necessariamente a falta de boa-fé, a desonestidade, o desvio ético, a transgressão consciente, o desrespeito às regras morais de conduta bem como é considerada argumento do ato ilegal, ímprobo e, muitas vezes, doloso. O autor José Armando da Costa esclarece a questão por meio da contemplação do jurista Délio Maranhão: Frase do jurista Délio Maranhão: “Mas, de qualquer modo, o que é certo é que não existe improbidade, ou fraude, onde não há dolo. Eis porque, para que todo ato praticado pelo reclamante pudesse significar improbidade, seria preciso que ele, assim agindo, tivesse procurado iludir a boa-fé da reclamada e obter proveito ilegítimo para si ou para terceiro”. (LACERDA apud COSTA, 2002. p.27).

De modo a aclarar ainda mais o debate, Di Pietro retoma o conceito que implica os atos ímprobos bem como a importância da constatação de dolo ou culpa: A rigor, qualquer violação aos princípios da legalidade, da razoabilidade, da moralidade, do interesse público, da eficiência, da motivação, da publicidade, da impessoalidade e de qualquer outro imposto à Administração Pública pode constituir ato de improbidade administrativa. No entanto, há que se perquirir a intenção do agente, para verificar se houve dolo ou culpa, pois, de outro modo, não ocorrerá o ilícito previsto na lei. (DI PIETRO, 2014. p. 917).


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A concepção acerca de improbidade não é configurada como uma ilicitude comum, pois dispõe de especificações particulares. A questão da conduta dolosa ou culposa demanda impreterivelmente a imposição de princípios penais e civis, não apenas disciplinares, por conta da interpretação do ato como criminoso. Os termos dolo e culpa elencam o Código Penal brasileiro sendo que, no contexto do presente estudo, o dolo prevalece em atos ímprobos, que só podem ser sentenciados pelo Poder Judiciário e a culpa prepondera em violações administrativas, julgadas e punidas pela Administração Pública. As colocações adquirem maior entendimento nas palavras de Prado, dispostas no seguinte segmento: Pode-se mesmo afirmar, com alguma liberdade, que os atos de improbidade administrativa ocupam posição intermediária entre as infrações penais e as faltas disciplinares, embora não se confundam com qualquer delas. A proximidade entre as infrações penais e os atos de improbidade está em que em ambos predomina o dolo, enquanto que nas demais infrações administrativas preponderam a culpa (geralmente sob a forma de imprudência) como elemento subjetivo. Ademais, tanto quanto as infrações penais, os atos de improbidade só podem ser julgados pelo Poder Judiciário, ao contrário do que se sucede com a generalidade dos ilícitos administrativos, que são julgados e punidos pela própria Administração. Cumpre salientar, também, que, tanto quanto os delitos, os atos de improbidade administrativa contêm uma conotação infamante ensejando uma particular reprovação social que não se observa, de ordinário, na generalidade das infrações administrativas. (PRADO, 2001. p.24-25).

Visando um melhor esclarecimento, o autor aprimora a ideia de improbidade administrativa

presumindo

a

desorientação

de

ordem

ética,

elemento de

desonestidade agregado à ilegalidade, que requer qualificação infamante, admitindo excepcionalmente modalidade culposa presente na alusão a seguir: Os atos de improbidade administrativa, ao contrário do que sucede com os fatos disciplinares, encontram-se muito mais do domínio do dolo que da simples culpa. A ideia de culpa, traduzida na imprudência, imperícia ou negligência, é incompatível com a noção da improbidade, que, pressupondo um desvio de ordem ética e merecendo uma qualificação infamante, só muito excepcionalmente poderá admitir modalidade meramente culposa. Chega a ser difícil imaginar-se uma conduta que, eivada de mera negligência, possa erigir-se em ato ímprobo, incluindo-se no âmbito da nova categoria de ilícitos que a Constituição de 1988 veio contemplar. (PRADO, 2001.p.37).

Contudo, é importante ressaltar que é fundamental agir com prudência e retidão quanto à interpretação dos atos por conta da amplitude presente nas considerações que envolvem os dispositivos legais, visando não cometer erros julgando como ato ímprobo uma conduta estritamente irregular. Sarmento recomenda cautela nos dizeres:


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É fato que a tomada de decisões administrativas comporta certa margem de riscos. O servidor pode incorrer em erros de avaliação ou irregularidades funcionais de pequena monta, contrárias aos princípios da Administração Pública e passíveis de sanções cíveis, penais e administrativas. Mas seria injusto considerá-las, a priori, Improbidade sem uma análise profunda da culpabilidade a fim de verificar se houve simples erro de avaliação ou má-fé do agente público. (SARMENTO, 2002. p.123).

Para isso, é imprescindível a presença da comprovação do elemento subjetivo: dolo ou má-fé, visando a apropriada aplicação da pena no caso concreto de improbidade, devendo ser interpretado e administrado corretamente baseando-se no princípio Constitucional da proporcionalidade e razoabilidade, como ensina Di Pietro: A quantidade de leis, decretos, medidas provisórias,regulamentos, portarias torna praticamente impossível a aplicação do velho princípio de que todos conhecem a lei. Além disso, algumas normas admitem diferentes interpretações e são aplicadas por servidores públicos estranhos à área jurídica. Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bomsenso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto de proporcionalidade entre meios e fins. (DI PIETRO, 2014. p.919).

A improbidade administrativa designa em deplorável desvio de caráter do servidor público, que desempenha de maneira contrária à vertente dos interesses institucionais do órgão ao qual pertence. A desonra da improbidade arruína os diversos

níveis

administrativos

públicos

reproduzindo

graves

malefícios

à

coletividade. Neste sentido, George Sarmento discorre sobre o assunto de modo interessante: A deslealdade manifesta-se pela traição à confiança que a Administração Pública depositou na autoridade. Trata-se de deformação moral que se exterioriza pela má-fé, pela incapacidade de reter informações confidenciais, pelo prazer da delação e, sobretudo, pela absoluta indiferença à dignidade da pessoa humana. O funcionário desleal é carreirista do serviço público. Não tem vocação republicana nem respeito ao erário. É um corpo estranho à máquina estatal. A conduta desviante repercute negativamente na qualidade do serviço público. Inflige aos cidadãos prejuízos financeiros e danos morais de diversos matizes, justificando a exoneração a bem do serviço público. (SARMENTO, 2002. p.125-126).

Na sequência, realizaremos uma averiguação sobre os aspectos acerca da Lei nº 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa) com ênfase na conduta dolosa e de má-fé.


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9.1 Má-fé e dolo sob a ótica da Lei de Improbidade Administrativa A Constituição de 1988 acarretou em consideráveis progressos acentuados pela atenção em intensificar a proteção à probidade da conduta dos agentes públicos, retratada na elucidação à moralidade administrativa como um dos princípios fundamentais da Administração Pública. Ademais, a Constituição presumiu a publicação de uma especialidade jurídica indicada ao combate à improbidade administrativa, concedendo ao legislador federal competência para interpretar ilícitos nessa disciplina e pressupondo sanções a serem aplicadas aos responsáveis (PRADO, 2001. p.15). A passagem é explicitada no fragmento: Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. (Artigo 37, parágrafo 4º, Constituição Federal, 1988).

Contudo, novas sanções foram estabelecidas com o advento da Lei de Improbidade Administrativa aprimorando e especificando as penalidades recorrentes aos atos ímprobos, como diz o trecho a seguir: Enquanto o 4º parágrafo do art. 37 da Constituição só mencionou como consequências a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, a Lei 8.429/92 em seu art.12, estabeleceu outras sanções, tais como a perda dos bens, a multa civil, a proibição temporária de contratar com o Poder Público e a creditícios. (PRADO, 2001. p.31).

De modo transformador, a Lei 8.429/92 expandiu a categoria de comportamentos lesivos à probidade administrativa, instituiu severas sanções e designou mecanismos cautelares de grande abrangência, como sugere Sarmento: A Lei nº 8.429/92 é inovadora. Em primeiro lugar porque ampliou o conceito de corrupção no exercício de cargos públicos (antes se resumia aos casos de enriquecimento ilícito, agora também abrange a má gestão do erário e a transgressão dos princípios que fundamentam a Administração Pública). Em segundo lugar, por estabelecer severas sanções de natureza cível e política que afetam a cidadania e o patrimônio do agente ímprobo. Finalmente, por criar mecanismos cautelares de grande alcance destinados a assegurar a efetividade das sentenças prolatadas no âmbito das ações civis públicas. Por isso, está incluída entre as leis mais avançadas do Brasil contemporâneo, uma demonstração inequívoca de que o país tem tomado atitudes concretas no sentido de honrar o compromisso de combater a Improbidade nos termos da Convenção Interamericana contra a corrupção e de outros Tratados Internacionais. (SARMENTO, 2002. p.20).

Nesse contexto, é impreterível a menção concisa do autor José Armando da Costa sobre a importância do elemento subjetivo para a caracterização de atos ímprobos: Não sendo concebível que uma pessoa enriqueça ilicitamente, que cause prejuízo ao erário ou que transgrida os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e deslealdade às instituições públicas, por ação


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meramente culposa (negligência, imprudência ou imperícia), forçosamente haveremos de concluir que o elemento subjetivo do delito disciplinar da improbidade é o dolo. (COSTA, 2002. p.27).

Difundindo a temática, os atos que implicam enriquecimento ilícito e que transgridem os princípios da Administração Pública são punidos de modo doloso (exigência da evidência do elemento subjetivo) enquanto os atos que causam prejuízos ao erário admitem tanto a forma dolosa quanto culposa (ação ou omissão), ideia expressa nas palavras de Di Pietro: A tendência da jurisprudência é a de somente admitir a conduta culposa na hipótese do artigo 10 da lei de improbidade, já que o dispositivo legal a prevê expressamente. Nas hipóteses dos artigos 9º e 11º, exige-se comprovação de dolo. (DI PIETRO, 2014. p. 920).

O conceito se torna ainda mais claro com a interpretação de Sarmento: A Lei nº 8.429, de 2-6-92 (Lei da Improbidade Administrativa), considera como ato de improbidade que atenta contra os princípios da Administração Pública "qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições" (art. 11). Os art. 9 e 11 da Lei silenciam quanto ao elemento subjetivo das ilicitudes. Apenas o art. 10, que sanciona as condutas que causam prejuízo ao erário, prevê dolo e culpa como móveis da transgressão. O silêncio dos mencionados dispositivos legais deve ser interpretado restritivamente, admitindo-se apenas o dolo como móvel do enriquecimento ilícito ou da violação aos princípios da Administração Pública. (SARMENTO. p.123).

Portanto, a presença do elemento subjetivo na Lei de Improbidade Administrativa é essencial para a caracterização de atos ímprobos pelo fato de ser finalidade fundamental do legislador constituinte assegurar a probidade, a moralidade, a honestidade na Administração Pública. Sem um mínimo de má-fé, não seria razoável ponderar a aplicação de austeras penalidades. (DI PIETRO, 2014. p. 920). Para muitos juristas o artigo 9º da Lei, referente ao enriquecimento ilícito, é considerado como o tipo de improbidade mais grave por manifestar um comportamento do agente público direcionado a afrontar a coisa pública, como a aquisição de bens em montante superior à renda (inciso VII) e a incorporação ou uso de renda, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades públicas (incisos XI e XII). A incongruência financeira gera a ilicitude do enriquecimento,

por

conta

da

disponibilidade

econômica

ao

patrimônio

desproporcional e incompatível resultante de progresso na renda ou patrimônio, não há justificativa íntegra à sua aquisição, sendo os recursos obtidos de maneira ilícita. O artigo 10º da Lei nº. 8.429/92 proclama os atos que causam lesão ao erário, representados como qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que possibilite


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perda patrimonial, desvio, apropriação ou dilapidação de bens mencionados no artigo 1º da Lei. Em relação ao artigo 11º, que procede dos atos ou omissões que violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, é relevante o fato de a afronta assinalar-se como ato de improbidade administrativa em relação ao fato de que somente o enriquecimento ilícito e os atos lesivos ao erário seriam adequados para a caracterização na visão anterior à lei e não se enquadra como ato de improbidade aquele cometido por imprudência, imperícia ou negligência. O assunto fica claro com a reflexão de Sarmento presente na seguinte passagem: O art. 11 considera Improbidade Administrativa qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Uma leitura apressada pode levar ao entendimento de que todo ato contrário ao direito praticado pelo agente público configura Improbidade. Isso não é verdade. Ao referir-se à legalidade, a Lei pune as condutas que maculam os princípios correlatados ao dever de honestidade, que é o núcleo da probidade administrativa de forma que só é improbus administratur o agente público que, ao mesmo tempo, contrariar regra jurídica e o dever da honestidade. (SARMENTO, 2002. p.110).

O autor Francisco Octavio de Almeida Prado discorre sobre o aspecto doloso referente ao enriquecimento ilícito de modo a auxiliar em maior compreensão a questão central dessa pesquisa: Nenhuma das modalidades admite a forma culposa: todas são dolosas. É que todas as espécies de atuação suscetíveis de gerar enriquecimento ilícito pressupõem a consciência da antijuricidade do resultado pretendido. Nenhum agente desconhece a proibição de se enriquecer às expensas do exercício de atividade pública ou de permitir que, por ilegalidade de sua conduta, outro o faça. Não há, pois, enriquecimento ilícito imprudente ou negligente. De culpa é que não se trata. (PRADO, 2001. p.39).

E Sarmento complementa a abstração enfatizando a conduta dolosa do agente ímprobo: Para configurar ilicitude do art.11, o atraso na prática do ato de ofício tem de ser injustificável, indevido, ilegítimo. Marcado, portanto, pela vontade consciente de causar prejuízos aos consumidores do serviço público. Existe o desejo deliberado de transgredir os princípios da Administração Pública, mormente a legalidade, moralidade e eficiência. A Lei da Improbidade pune a ação procrastinadora da autoridade em praticar dolosamente ato comissivo ou omissivo de sua competência, capaz de provocar danos morais e materiais aos cidadãos. (SARMENTO, 2002. p.127).

Em um sentido abrangente, Di Pietro arremata a questão que implica a amplitude

quanto

às aplicações de penalidades da

Lei de

Improbidade

Administrativa, parafraseando o autor Marcelo Figueiredo: Quanto a esse aspecto, muito precisa é a lição de Marcelo Figueiredo (1997:101), quando ensina: "Entendemos que se pretendeu afirmar que a lei


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pune não somente o dano material à administração, como também qualquer sorte de lesão ou violação à moralidade administrativa, havendo ou não prejuízo no sentido econômico. De fato, pretende a lei, em seu conjunto, punir os agentes ímprobos, vedar comportamentos e práticas usuais de 'corrupção' (sentido leigo). Muitas dessas práticas revertem em benefício do agente e nem sempre causam prejuízo 'econômico-financeiro' à Administração. O dispositivo, ainda, ao não exigir 'a efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público', pode levar o intérprete a imaginar que o juiz será obrigado a aplicar as sanções da lei independentemente de dano. Não parece a melhor exegese, como vimos. Já desenvolvemos alhures a ideia de que ao Judiciário é cometida a ampla análise da conduta do agente. Assim, poderá, ao aplicar a pena, dosá-la em função do prejuízo causado ao erário. Nota-se que, ausente qualquer tipo de prejuízo, mesmo moral, seria um verdadeiro 'nonsense' punir-se o agente." (FIGUEIREDO apud DI PIETRO, 2014, p. 918-919).

Com isso, a definição de atos de improbidade administrativa requer a conduta dolosa bem como, em alguns casos, a conduta culposa dos agentes públicos ou de terceiros, ocasionando consequências práticas e severas. Nesse entendimento, cada caso deve ser interpretado com precaução, atribuindo ao aplicador realizar o acolhimento do fato à lei, com fundamentação adequada e obedecendo aos princípios da regra da proporcionalidade e razoabilidade, preservando os direitos do agente público e consolidando o combate à corrupção.


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CONSIDERAÇÕES FINAIS O poder público brasileiro é historicamente marcado por falhas quanto à concretização dos direitos fundamentais em prol da coletividade e, levando em consideração o cenário atual, em que há a depreciação das instituições que administram e legislam a nação por seus próprios atos, a situação predominante no país é de tumulto de ordem ética, de percepção do não avanço na prática de uma sociedade mais respeitosa de valores que compartilha. O Estado contemporâneo é maior do que a sociedade. Não representa o desejo do povo, mas sim de quem retém o poder. O eleitor vota e não mais participa das decisões do governo. As mudanças na Constituição de 1988 advindas da Emenda Constitucional de 1998, com a inclusão de princípios essenciais como a moralidade administrativa e a eficiência, bem como a criação da Lei de Improbidade Administrativa, resultaram na atualização do modelo, estabelecendo a exigência da conduta proba, maior equilíbrio de poderes, penalidades austeras aos atos ímprobos. Vimos que tanto a probidade como a moralidade administrativa remete à honestidade na Administração Pública, não bastando à observância da legalidade formal, mas também a aplicação de princípios éticos de modo a possibilitar uma administração eficaz sendo a improbidade administrativa configurada como conduta criminosa e reprovável. A ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta

antijurídica

fere

os

princípios

constitucionais

da

Administração

Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. Com essa averiguação, concluímos que é indispensável a constatação do elemento subjetivo: dolo ou má-fé em casos concretos de improbidade administrativa, no que diz respeito aos artigos 9º (alusivo ao enriquecimento ilícito) bem como ao artigo 11º (referente à transgressão aos princípios da Administração Pública) que compõem a Lei de Improbidade Administrativa, por haver obrigação por parte do legislador em garantir a probidade, moralidade, honestidade na Administração Pública; sendo excluída, nesses casos, a possibilidade de culpa. O artigo 10º (remete aos danos ao erário) admite tanto a culpa quanto o dolo. Portanto, o elemento subjetivo ligado à má-fé se apresenta em todas as premissas da Lei. Diante de tais argumentos, constatamos que o elemento subjetivo (dolo) está intimamente ligado à consciência e à vontade do agente público em cometer ato ilícito, salvo em casos em que há a constatação da culpa, referente ao artigo 10º.


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Os últimos anos têm se caracterizado pela agilidade e eficiência às rápidas mudanças que ocorrem no macroambiente. Nessa linha de raciocínio, a sociedade se tornou extremamente dinâmica e vivencia a realidade interativa intensamente, possui acesso à informação propagando a fiscalização, a realização de movimentos e comoções sociais que aceleram e potencializam o processo de transformação. Todavia, os problemas necessitam ser compreendidos em toda a sua extensão política, econômica e social. Para ser válida a mudança da qual necessitamos, essa não poderá ser de caráter superficial e tão pouco ser realizada sem a participação direta e objetiva da opinião pública, concretizando o regime democrático baseado na verdade, a partir da igualdade de valores. A reflexão do autor George Sarmento se torna oportuna em um contexto de transmutação: A luta pela boa administração e pelo respeito ao patrimônio coletivo pressupõe o rompimento com antigos vícios do serviço público e a construção de uma nova mentalidade baseada na qualificação do funcionalismo e no respeito a inflexíveis princípios éticos. (SARMENTO, 2002. p.127).

A dinâmica pública funcional deve ser bem implementada e necessita ser bem avaliada, controlada e fiscalizada para o crescimento da democracia, progresso social e realização da cidadania. É de suma importância realizar um movimento de resgate da transparência e da credibilidade, detectando e coibindo a desonestidade em nome de uma conduta invicta, proba e justa. Sarmento desenvolve a ideia de modo muito interessante: A moralização da Administração Pública nacional também é uma questão de cidadania. A probidade na Gestão do patrimônio coletivo depende de uma sociedade civil mobilizada, de uma imprensa livre e vigilante. Só assim será possível fiscalizar as atividades governamentais, interferir nas políticas sociais e lutar pelo desenvolvimento sustentável baseado no uso racional dos bens do erário. (SARMENTO, 2002. p.21).

Diante do panorama demonstrado, notamos a suma importância da observação e da efetivação de elementos éticos, morais e institucionais para o desenvolvimento ideal da sociedade. Concluímos que na verdadeira democracia, os direitos individuais deveriam ser garantidos por uma Administração Pública preocupada com a ascensão da sociedade. Contudo, nos encontramos em um processo de transição e também de conscientização, decorrente de fenômeno entrópico, em que forças conjuram contra a moralização da atividade administrativa visando conservar as regalias políticas e econômicas. Nesse sentido, vale salientar que necessitamos de uma mudança


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efetiva visando sanar a problemática recorrente de uma cultura de forte resistência, baseada na impunidade e no imobilismo. Complementamos o debate, então, relatando que a improbidade é um mal que deve ser combatido através da conscientização social e pelo intermédio da admissão de um sistema proveniente de meios eficazes de punição àqueles que desrespeitam os valores consagrados da nação. O alcance dos efeitos de atos qualificados como ímprobos sobre a sociedade demanda, de modo progressivo, porém urgente, a extrema instância de erradicação de nosso contexto social. Entretanto, pudemos inferir que a comprovação da má-fé é indiciária, indireta, subjetiva e impõe-se ao Poder Judiciário um esforço cognitivo maior, devida análise de caso a caso, para sua correta interpretação, sendo preciso considerar as normas e princípios de diversas disciplinas do Direito bem como cautela e prudência quanto à apreciação que compõem os processos de improbidade administrativa.


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âmbito

da

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