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CIÊNCIA
from Revista "O Hospital" | Nº 29
by APDH
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BÁRBARA LACERDA TEIXEIRA
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M.D., Médica Interna de Formação específica em Cardiologia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central - Hospital de Santa Marta, Serviço de Cardiologia
INÊS ESPÍRITO SANTOS
PhD; Assistente Social, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central - Hospital de Santa Marta, Serviço de Cardiologia
SARA TAVARES VARÃO
MsC; RN; Enfermeira Especialista em Enfermagem de Reabilitação; Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central - Hospital de Santa Marta, Serviço de Cardiologia
Abordagem integrada ao doente com insuficiência cardíaca
Introdução
A Insuficiência Cardíaca (IC) é uma síndrome causada por uma anomalia cardíaca estrutural/funcional, manifestando-se por sintomas (dispneia, fadiga) e sinais típicos (ingurgitamento jugular, fervores pulmonares, edemas). A IC traduz-se na redução do débito cardíaco e/ou elevação das pressões intracardíacas conduzindo a limitações (European Society of Cardiology [ESC], 2016). Os dados nacionais têm refletido um aumento dos internamentos com valores superiores a 18.700 internamentos, em 2016 (PNDCV, 2017). Recomenda-se que o tratamento da IC seja através de um sistema de cuidados integrado e multidisciplinar. A recomendação para que os doentes estejam inscritos nestes programas é classificada como I-A (ESC, 2016).
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As estratégias terapêuticas devem centrar-se numa abordagem integral e contínua que integre diferentes níveis de cuidados do sistema de saúde e social (Coelho, et al., 2010). Um adequado planeamento de alta tem impacto na eficiência, segurança e satisfação do doente, disponibilidade de camas e estandardização da gestão das altas. O presente estudo de caso pretende analisar a abordagem integrada a um doente com IC.
Descrição médica
Trata-se de um doente com miocardiopatia dilatada não isquémica, com IC com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida (último ecocardiograma FEVE36%), classe NYHA III-IV. Tem diagnósticos: Fibrilação Auricular (FA) permanente (sob anticoagulação oral e é portador de pacemaker definitivo), doença renal crónica estadio 4, síndrome apneia obstrutiva do sono, sob Ventilação não Invasiva (VNI) noturno, e insuficiência respiratória global crónica com padrão pulmonar restritivo grave (sob Oxigenioterapia longa duração 1L/m no domicílio). Foi ao serviço de urgência por dispneia com 3 dias. Ao exame objetivo: vígil, orientado, pálido, hidratado. Dispneico, dificuldade em articular frases. PA132/93mmHg, FC91bpm, SpO297% sob 3L/m. À auscultação: tons arrítmicos, taquicardíacos, Murmúrios Vesiculares mantidos, diminuído nas bases, com fervores bibasais. Membros inferiores com edema periférico, até aos joelhos, godet positivo. Analiticamente: FR creatinina 2.41-»2.65, ionograma equilibrado, sem leucocitose, PCR 79mg/, MNM negativos, NT-proBNP 35000. Radiografia ao tórax com aumento do Índice Cardiotorácico e alguma estase nos campos inferiores, sem evidência de condensações pneumónicas. Foi admitido na Unidade de cuidados intensivos (2 dias), transferindose para enfermaria.
Sendo um doente com IC avançada, múltiplos internamentos por IC (6 em 12 meses), com comorbilidades, em que 13 dias após internamento foi readmitido no SU, repetiu-se estudo da IC para otimização terapêutica. Neste internamento, destacase ferritina >500, sem indicação para carboximaltose. Reprogramou-se PMD para FC 50bpm (sem indicação para upgrade para Dispositivo de Ressincronização Cardíaca – ETT: FEVE>35%). Cumpriu ciclo de levosimendan. Ao 3º dia, fez-se switch de furosemida em perfusão para bólus e, após 1 semana, atingiu-se O2 suplementar no seu basal 1L/min e constatouse descida NT-proBNP 35000-»5680, passando-se furosemida a oral.
Descrição de enfermagem
No início, o doente apresentava peso de 76,8 Kg, cansaço a mínimos esforços, dispneia e Score35 na Escala de Barthel, com dependência moderadaelevada nas Atividades Vida diária (AVD). Apresentava dificuldade na gestão do regime terapêutico e não adesão à VNI. Identificaram-se os diagnósticos de enfermagem: Dispneia Presente, Ventilação Comprometida, Posicionar-se/Vestuário dependente em grau elevado, Alimentar-se/Higiene/Sanitário/ Movimento muscular dependente em grau moderado, Gestão do Regime terapêutico comprometida. Procurou-se que o plano de cuidados de enfermagem promovesse a autonomia do doente, através do ensino e treino de estratégias de conservação de energia, de posições de descanso e treino de AVD. Melhorou- -se a tolerância ao esfoço e a capacidade funcional, através de exercício aeróbio (principalmente treino de marcha), aumentando a complexidade, mediante a resposta. Procurou-se desmitificar crenças sobre VNI e terapêutica.
Diagnóstico social
O doente vive com esposa de idade igual, tem 2 filhas com agregados autónomos, demonstrando em todo o processo preocupação e disponibilidade para colaborar no plano de alta e cuidados. No entanto, sem disponibilidade face à atividade laboral e familiar (crianças pequenas) para apoiar presencialmente os pais. Residem em habitação à renda, antiga e com barreiras arquitetónicas exteriores e interiores de acessos à habitação. Sem apoio formal prévio.
Ambos auferem pensões de velhice inferiores ao IAS (Indexante de Apoios Sociais). A esposa com capacidade funcional nas suas AVDs, mas com doença crónica que impede a realização de esforços físicos. Indicadores de risco: Problema social na escala de Gijón (15), Dependência funcional do doente; desconhecimento dos recursos da comunidade e direitos sociais; fragmentação de cuidados, iliteracia em saúde e incapacidade familiar de apoio.
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Abordagem Integrada Multidisciplinar
Admitiu-se o doente no Projeto PIAH (Plano Integrado de Alta Hospitalar) por ter 79 anos, IC NYHA III-IV, incumprimento terapêutico e risco social. Na admissão e semanalmente, informou-se a Unidade de Saúde do seu internamento, necessidades e plano.
Dado não haver mais a oferecer em termos de dispositivos, a equipa focou-se em otimizar o regime terapêutico. Uma vez que o doente respondeu bem à terapêutica instituída, permaneceu a dúvida sobre a sua adesão no domicílio. Agendou-se conferência familiar com esposa, uma filha e equipa hospitalar (médico, enfermeiro e assistente social). O plano de cuidados acordado: apoio domiciliário, para ajudar na mobilização, higiene e medicação. Percebeu-se que o incumprimento terapêutico desencadeou a descompensação (dosagens prescritas e administradas não coincidiam). Esta ocorreu por comunicação não adequada à perceção da cuidadora sobre a terapêutica prescrita e por falta de apoio domiciliar para deteção de erros na sua administração.
Na véspera da alta, enviaram-se os relatórios clínicos e social à equipa interdisciplinar da Unidade de Saúde com: medicação prescrita, dependências (reduzida) e alerta sobre vigilância dos sinais de descompensação. Envolveu-se a família na gestão da doença, identificação de sinais de alarme e gestão do regime terapêutico (medicação, restrição hídrica), entregando-se uma tabela com a medicação. Orientou-se a família para acionar direitos sociais, nomeadamente o Certificado Multiusos e Complemento por Dependência.
Conclusões
A Unidade de Saúde informou sobre o follow-up 72h pós alta, verificando inexistência de descompensação e adesão ao regime terapêutico. O doente foi reavaliado em consulta e foi realizado o follow-up telefónico de enfermagem, 1 mês depois. Apresentava maior autonomia e tolerância ao esforço e vontade de se deslocar fora do domicílio, tendo solicitado um concentrador de OLD portátil. Manteve-se a terapêutica, remarcando-se consulta. Recordando no último ano, o doente não esteve no domicílio por mais que 30 dias sem ser (re)internado e ou recorrido à urgência.
Conclui-se que a abordagem holística da pessoa, e a articulação entre os diferentes níveis de cuidados é imperiosa para que a alta se efetue estruturadamente. O doente deve ser o ponto central do sistema e as organizações e profissionais devem articular-se. Jack, et al. (2009) corroborou que um acompanhamento próximo reduz as reincidências hospitalares (em 30%), através de follow-up telefónico, na confirmação da medicação e articulação com outros cuidados e concluiu que uma abordagem sistemática na alta reduz o uso desnecessário dos serviços de saúde. Naylor (1994) estudou um protocolo de planeamento de alta adaptada para idosos e verificou que é necessário um planeamento, para potenciar resultados, diminuir reinternamentos e melhorar a prestação de cuidados. Doentes com IC submetidos a um planeamento de alta integrado tendem a apresentar menos reinternamentos e idas à urgência quando comparados com doentes com uma alta desfragmentada (Naylor, 1994).
A aplicação de uma alta integrada em doentes de alto risco clínico/social reduz a ocorrência de reinternamentos, morte e descompensação e melhora o planeamento dos cuidados de forma estruturada e normalizada, assegurando a sua continuidade com segurança.
Referências Bibliográficas
Coelho, A., Escoval, A., Diniz, J., Rodrigues, M., Moreira, F., & Espiga, P. (2010). Gestão Integrada da Doença: Uma abordagem experimental de gestão em saúde. Revista Portuguesa Saúde Pública, 9. European Society of Cardiology. (2016). Insuficiência Cardíaca - Recomendações para o Diagnõstico e Tratamento da Insuficiência Cardíaca Aguda e Crónica. Jack, B. W., Chetty, V. K., Anthony, D., Greenwald, J. L., Sanchez, G. M., Johnson, A. E., . . . Culpepper, L. (2009). A Reengineered Hospital Discharge Program to Decrease Rehospitalization – a Randomized Trial. Ann Intern Med., 150(3), pp. 178-181. doi:https://doi.org/10.7326/00034819-150-3-200902030-00007 Naylor, M. B.-M. (1994). Comprehensive Discharge Planning for the Hospitalized Elderly. American College of Physicians, 120(12), pp. 9991006. doi:https://doi.org/10.7326/0003-4819-120-12-199406150-00005 Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Vasculares. (2017). Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Vasculares 2017. Ministério da Saúde, Direção-Geral da Saúde. Lisboa: Direção-Geral da Saúde.
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ANA PAIS
Diretora Clínica do IPO de Coimbra
Um ano de experiência do IPO de Coimbra
“(…) Este programa, pela inovação e dimensão alcançadas, num momento em que a experiência do doente foi fundamental para a confiança na Instituição, exigiu, para além da garantia da segurança do medicamento, um acompanhamento e avaliação criteriosos. Importava assim conhecer a experiência do doente para melhorar a qualidade dos Serviços, correspondendo às suas necessidades, expectativas e interesses, no contexto da pandemia de COVID-19 (…)
A Gestão do Medicamento, numa instituição como o IPO de Coimbra, é uma área primordial para garantir o acesso à inovação terapêutica de forma responsável e sustentável, para a qual a Comissão de Farmácia e Terapêutica e o Serviço de Farmácia Hospitalar desempenham um papel fundamental.
A pandemia de COVID-19 foi o evento mais disruptivo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), condicionando mudanças sem precedentes na prestação de cuidados de saúde. Implicou reagir e responder com urgência face à complexidade, vulnerabilidade e elevado risco de complicações dos doentes oncológicos no sentido de proteger doentes e profissionais, e garantir a qualidade e continuidade dos cuidados, privilegiando a humanização, apanágio da Instituição.
O IPO de Coimbra procurou reinventar-se e encontrar novas formas de prestar cuidados. O impacto na gestão do medicamento colocou desafios únicos à Instituição e aos seus profissionais.
No sentido de minimizar as deslocações ao IPO de Coimbra e de otimizar a permanência dos doentes na Instituição, os protocolos terapêuticos foram revistos pelo Grupos Multidisciplinares de Patologia, privilegiando formulações orais e esquemas terapêuticos com menor periodicidade de administração. O aumento considerável de consultas sem a presença do doente exigiu uma resposta célere para garantir o acesso e a continuidade dos tratamentos oncológicos, tendo o IPO de Coimbra sido pioneiro, a nível nacional, em iniciar,, em março de 2020, um programa de entrega de medicamentos oncológicos no domicílio dos doentes. O modelo de proximidade de entrega no domicílio foi aquele que, no contexto epidemiológico de pandemia, garantia uma maior segurança do medicamento e potenciava uma maior adesão do doente, minimizando o risco de contágio.
Assumindo o transporte dos medicamentos e o cumprimento das boas práticas de distribuição de medicamentos para uso humano, até ao final do ano de 2020 foram enviadas 2.311 remessas de medicamentos, com periodicidade mensal, de forma atempada, a doentes em seguimento na Instituição, residentes em várias regiões do país, do Algarve a Trás-os-Montes e Alto Douro. Em 2021, o acesso a medicamentos em contexto de proximidade foi mantido. Em maio de 2021, tinham já sido realizadas, desde o início da pandemia, 3.356 entregas de medicamentos.
Este programa, pela inovação e dimensão alcançadas, num momento em que a experiência do doente foi fundamental para a confiança na Instituição, exigiu,
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para além da garantia da segurança do medicamento, um acompanhamento e avaliação criteriosos. Importava assim conhecer a experiência do doente para melhorar a qualidade dos Serviços, correspondendo às suas necessidades, expectativas e interesses, no contexto da pandemia de COVID-19.
Em janeiro de 2021, foi enviado, por correio, um questionário elaborado no âmbito de um projeto de investigação desenvolvido pelo Serviço de Farmácia Hospitalar, validado pela Comissão de Ética para a Saúde do IPO de Coimbra, a 1.635 doentes que participaram no programa de entrega de medicamentos oncológicos no domicílio. Até ao final de fevereiro de 2021, foram recebidas 602 respostas, o que equivale a uma taxa de resposta de 36%.
Antes da pandemia de COVID-19, mais de metade dos doentes que participaram no inquérito iam à Farmácia do IPO de Coimbra, todos os 6 meses para levantar a sua medicação. O meio de transporte mais utilizado era o automóvel próprio e, normalmente os doentes demoravam entre 30 minutos a 2 horas para chegar à Instituição. 93% dos doentes levantavam a quantidade suficiente de medicação até à próxima consulta.
Mais de 80% dos doentes revelam-se muito satisfeitos com o serviço da Farmácia Hospitalar e com a entrega de medicamentos ao domicílio. Apesar de todos os itens terem uma boa avaliação, a simpatia e disponibilidade dos profissionais da Farmácia Hospitalar foi o melhor avaliado.
A poupança no custo da deslocação e a maior comodidade foram as vantagens mais referidas. Se pudessem escolher, 70% dos doentes preferiam que a medicação fosse entregue ao domicílio.
Este programa, criado em resposta a uma necessidade imposta pela pandemia de COVID-19, ganhou consistência e abrangência, aliando as necessidades aos recursos disponíveis, gerando ganhos em saúde e mais-valias para os doentes, para o SNS e para a sociedade.
Apesar de se encontrar em fase avançada de autonomia e maturidade, integrado na dinâmica dos Serviços, conhecer a experiência do doente foi fundamental para consolidar a sua continuidade.
Já em 2021 foram disponibilizados contactos telefónicos dedicados, estando prevista a implementação do acompanhamento farmacêutico para monitorização da adesão terapêutica.
Consoante a evolução da pandemia, o modelo de proximidade será repensado no sentido de envolver as farmácias comunitárias e os hospitais de proximidade, de acordo com a preferência do doente, promovendo a articulação estreita dos diferentes níveis de prestação de cuidados de saúde e dos seus intervenientes.