Mónica Gomes
Quantas vezes sentimos que a nossa vida teria sido diferente se tivéssemos feito escolhas diferentes. Após uma vida solitária, sem grandes acontecimentos, Sandra decide deixar de ser uma espectadora da sua própria vida.
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O mês de Maio passou e o verão estava para chegar. As roupas encolhiam e as pessoas mostravam alegremente o seu corpo. Pela primeira vez,, em trinta anos, comprei um biquíni. Já tinha perdido cerca de 30 quilos chegando ao meu peso objetivo: 50 quilos. Olhava-me no espelho e sentia-me orgulhosa pela minha persistência sem antecedentes. Agora, sentia-me bem com o meu corpo e isso refletia no meu humor. Todo o meu esforço de não comer, ou de vomitar o que comia, estava a ser recompensado por um novo corpo. No meu trabalho, os meus colegas notaram a minha transformação física e psicológica. Porém, eu continuava a ser uma espécie de sombra onde trabalhava. O meu superior hierárquico era rude. Não havia mais mulheres e eu não me sentia realizada profissionalmente. Mas era o meu sustento e eu não podia me dar ao luxo de abandonar aquele emprego. Os meus refúgios eram a minha casa, o meu cão, o ginásio e os fins de semana maravilhosos que eu agora vivia.
Mónica Gomes
Mónica Gomes nasceu em 1980, em Coimbra, Portugal, onde viveu e estudou durante toda a sua vida, formando-se em Engenharia do Ambiente. Um acordar foi escrito em 2004 no período em que finalizava o curso superior. Sempre teve o hábito de escrever. Inicialmente, começou a história para publicá-la como conto, mas o texto tomou vida e acabou virando um romance. Para a autora, esta história tem uma importância pessoal tendo sido, até certo ponto, catártico, pois fala muito de mudança de vida e das dificuldades que isso acarreta quando as pessoas não sabem bem o que querem. Mónica já havia escrito um livro na sua adolescência, mas deixou na gaveta por não gostar de submeter sua obra aos outros. Segundo ela, escreve, em primeiro lugar, para ela mesmo. Porém, um dia conheceu a Mesa do Editor e, por brincadeira, disponibilizou sua obra na esperança de alguém fazer uma crítica construtiva, sendo procurada pela Editora Aped, que, agora publica seu primeiro romance.
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Acreditando que necessitava “acordar” para vida, Sandra resolve dar uma guinada e começa mudando sua forma de pensar e a sua aparência. Sua vida então começa a tomar um novo rumo. São mudanças e mais mudanças que fará com que Sandra torne-se uma nova pessoa, e entender que a felicidade está nos momentos, e principalmente dentro de cada um. E quando tudo parecia perfeito, sua vida sofre uma nova reviravolta.
APED - Apoio e Produção Editora Ltda.
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Um Acordar é um romance que levará o leitor a refletir sobre sua vida e entender que a felicidade só depende de si mesmo.
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Copyright © 2013 by Mónica Gomes Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor. ISBN: 978-85-8255-036-6 Projeto gráfico: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Editoração eletrônica: Thiago Ribeiro Revisão: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Capa: Thiago Ribeiro
CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros – RJ G615a Gomes, Mónica, 08101980 Um acordar / Mónica Gomes. - 1. ed. - Rio de Janeiro : APED, 2013. 256 p. ; 21 cm. ISBN 9788582550366 1. Romance brasileiro. I. Título. 13-00615
CDD: 869.93 CDU: 869.134.3(81)-3
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Aped - Apoio & Produção Editora Ltda. Rua Sylvio da Rocha Pollis, 201 – bl. 04 – 1106 Barra da Tijuca - Rio de Janeiro – RJ – 22793-395 Tel.: (21) 2498-8483/ 9996-9067 www.apededitora.com.br aped@wnetrj.com.br
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Ao meu marido e filhos.
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Capítulo i
O
lhei-me no espelho nessa manhã cinzenta de Novembro e fiquei horrorizada com a minha figura obesa e deselegante. Ali, nua, eu observava no que me havia tornado: uma mulher feia, gorda, com algumas rugas conjuntamente com uma vida desinteressante e sem personalidade. Nesse dia eu fazia trinta anos. “O que fiz com a minha vida?”, perguntei a mim mesma. Sempre havia sonhado com o sucesso. E o que tinha eu? Um cubículo por pagar, um carro velho (oferecido pelos meus falecidos pais), sem amigos, uma personalidade fraca inserida num corpo medonho. A minha vida profissional também estava longe do que desejara. Trabalhava arduamente, sem grandes frutos financeiros ou reconhecimento. “Tenho que dar volta a isto!”, pensei, “Não posso continuar assim!”. Engoli o pequeno almoço e saí para trabalhar, sempre com esta ideia latente de que tinha que mudar. No trajeto, parei o carro e, por alguma razão, que ainda hoje não entendi, mudei de direção e fui até à praia. “Hoje não vou trabalhar! Estou farta! Vou tirar o dia só para mim.”, matutei. E assim fiz, telefonei para o trabalho e disse que não ia porque não me sentia bem. 7
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Nota da Editora Prezado Leitor, Um Acordar é um romance da escritora portuguesa Mónica Gomes, residente em Portugal. Nossos idiomas, ditos iguais, na realidade possuem bastantes diferenças. Diversas são as palavras que encontramos com significados e grafias diferentes. Optamos, em alguns trechos, não alterar essa grafia, mantendo a riqueza da obra, que está além das fronteiras, além dos acordos ortográficos, mas será lida e compreendida por todos os países que falam a língua portuguesa. Zélia de Oliveira
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Na praia senti um vento cortante, sentei-me e vislumbrei o mar revolto durante algum tempo. Nesse momento, iniciei uma viagem nostálgica aos meus tempos de estudante. Sempre quisera ir para a escola, pois queria aprender e ser alguém. À custa de muito esforço fui uma boa aluna. Fazia tudo para conseguir. Era assídua, pontual, participativa nas aulas e estudava bastante. Nas relações com os outros falhava um pouco, pois, por alguma razão, sempre tive tendência para me isolar. Via os colegas nas aulas e passava o tempo livre sozinha, porém sentia falta do convívio. E, assim, foi até acabar o liceu. Por vezes, tentava me integrar procurando combinar saídas, no entanto acabava sempre por ser um membro periférico do grupo. Lembro-me de ser a última a ser escolhida quando eram constituídas as equipas de futebol em educação física. Por ser tão medíocre em relações interpessoais, deixei de tentar me integrar, concentrando-me mais em ser boa aluna para conseguir sucesso profissional. Porém, apesar de todo o meu esforço, acabei o liceu com notas medianas, muito abaixo do potencial que eu poderia ter. Entrei para o curso de engenharia civil e terminei há cerca de cinco anos. Escolhi esse curso não só porque era boa em matemática e física, mas também porque era um curso frequentado maioritariamente por rapazes. Dessa maneira, eu teria mais chances com o sexo oposto. De fato, o meu único namorado até a data foi meu colega de curso. Namoramos três anos, contudo ele traía-me frequentemente e, apesar de tê-lo perdoado nas primeiras vezes, acabei com ele. Namorei tanto tempo com ele porque fora o único a demonstrar interesse por mim. No meio desta retrospectiva, lembrei-me dos meus pais. Eles eram pessoas reservadas, com algum sucesso profissional, mas sem grandes dotes sociais. Criticavam-me muito e nunca, ou raras vezes, elogiavam-me. Para eles eu tinha sido um “acidente de percurso”. Não estava planejado terem uma filha tão cedo. Educaram-me, mas posso dizer que não me sentia em casa. O tempo na praia foi passando e eu continuava sentada, absorta em fazer uma retrospectiva da minha vida. Quando olhei o relógio já era quase meio-dia. Decidi ir almoçar. Entrei num 10
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restaurante e sentei-me. Fui atendida por um empregado novo, muito charmoso. — O que deseja? — Perguntou. Na minha cabeça surgiu um pensamento lascivo: “ Desejo-te…” — Não sei… Quais são os pratos do dia? — Questionei. “O meu prato eras tu!”, pensei. — Cabrito assado, bacalhau à moda da casa e feijoada à transmontana. — Pode ser um cabrito. E uma água natural. Ele escreveu num bloco, sorriu e foi-se embora. Olhei à minha volta e vi um casalzinho de mão dada por cima da mesa. A mulher era bonitinha, com cabelo curto, olhos grandes e um sorriso impecável. O rapaz era novo, não muito bonito, mas apresentável. Conversavam baixinho e com um ar enamorado. “Porque não eu?”, cogitei. Em outra mesa estavam três homens, todos gordos e com um ar entediado. Deviam falar de negócios. Um deles olhou para mim e eu corei logo. Entretanto, apercebi-me que na realidade não estavam a olhar para mim, mas sim na minha direção, parecendo meditar sobre alguma coisa. O cabrito estava delicioso, todavia sentia-me triste por estar sozinha. De tarde fui ver montras e experimentar roupa. Entrei numa loja para experimentar umas calças. — Boa tarde, em que posso ajudar? — Perguntou a empregada. — Queria umas calças pretas. — Tamanho? Corei e disse: — Quarenta e seis. — Vou ver o que há. Dali a uns instantes, trouxe-me dois pares de calças. Experimentei-as, mas nenhuma me servia. “Devo ter engordado!” — Pensei. — Tem maior? — Perguntei. — Vou ver… 11
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Experimentei-as novamente e quando tentava vesti-las à força é que reparei no mar de celulite em que as minhas coxas tinham se tornado. Perante esta figura só me apetecia chorar. Fui para casa e devorei uma caixa de bombons enquanto assistia a um filme. À hora de jantar, apercebi-me que ninguém havia se lembrado do meu aniversário. O que teria eu feito de errado? A minha única ligação à sociedade era o meu trabalho. Se, por ventura, ficasse desempregada não teria ninguém para me ajudar. Comecei a imaginar um cenário catastrófico em que perderia o pouco que tinha e teria que viver na rua, pedindo. Senti-me muito abandonada. Apaguei a televisão e deitei-me no sofá de barriga para cima, meditando. “Tenho que mudar!”. Mas como? O que poderei fazer para mudar a minha vida? Levantei-me e fui até ao quarto para dormir. Foi então que me olhei ao espelho do móvel do corredor. Ali estava eu, uma mulher de trinta anos, gorda, feia, sem amigos e presa à sociedade por um fio. Falei alto para mim mesma: — Bem… O que eu posso fazer para já é perder uns quilos! Estou mesmo uma lástima! E olha para este cabelo! Está na hora de mudar o corte… Pintar… Amanhã, depois do trabalho vou cortar o cabelo e vou também iniciar uma dieta! Depois disto fui-me deitar, sentindo-me um pouco melhor e mais aliviada, pois já tinha uma solução para o meu aspecto. No dia seguinte fiz a minha rotina matinal e fui trabalhar. Passei o dia inteiro no computador e ao final da tarde fui a um cabeleireiro. Pintei as unhas, fiz a depilação e o meu novo corte de cabelo assentou-me maravilhosamente. Senti-me logo melhor. Ao chegar em casa, o telefone tocou. Pensei imediatamente: ”Finalmente um telefonema!”. Do outro lado era uma moça que queria fazer uma sondagem. Eu respondi, mas no meu interior sentia-me extremamente magoada, pois não era ninguém que eu conhecia. Depois de jantar, senti-me entediada. Era sexta-feira e, no dia seguinte, não tinha que ir trabalhar. Não me apetecia ver televisão nem ler livros. Apetecia-me conversar, comunicar-me com 12
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alguém. Decidi sair um pouco, ir ver gente! Vesti-me e saí. Fui a um café, mas estava cheio de fumo e não havia lugar para me sentar. Mesmo que houvesse, qual era a piada? Estava sozinha! Lembrei-me de ir a um cybercafé: via gente e podia navegar pela Internet. Sentei-me em frente a um computador e comecei a pesquisar coisas sobre emagrecer e dietas. Entrei em inúmeros sítios, vi alguns artigos sobre nutrição, fitness, saúde. Depois acessei a um chat. As pessoas com quem falava começavam sempre por perguntar a mesma coisa: dd tc, idd, altura, peso, como és… Diverti-me muito, pois inventei ser uma morenaça de 25 anos e com apetite sexual insaciável. Às três da manhã fui para casa. Estava embriagada de tanta conversa jogada fora, mas feliz e divertida. No sábado limpei a casa toda e ao final da tarde vesti uma roupa de treino e fui correr. Fiquei muito admirada quando vi que não tinha resistência nenhuma e que não conseguia correr mais de dez segundos. “Estou mesmo em baixo de forma!”, pensei. Optei por caminhar rápido, o mais rápido que conseguia. Ao jantar, mantive a dieta e adormeci em frente à televisão. No domingo pesei-me: oitenta quilos. Nesse momento tomei consciência que teria que mudar radicalmente os meus hábitos alimentares e fazer mais exercício senão iria ter problemas, não só para arranjar namorado como para ter saúde. Fui fazer outra caminhada pela calçada, junto à praia, onde via de vez em quando uma pessoa a correr ou a andar de bicicleta. Quando me dirigia para casa, passou um grupo de jovens por mim. Riam muito e um deles olhou para mim e roncou como se fosse um porco. Eu fiquei sem reação, eles continuaram a caminhar, segredavam entre eles e depois riam-se. Sem dúvida que me tinham chamado de porca! Nunca me senti tão humilhada como naquele momento. Retraí-me, baixei a cabeça e continuei. Cheguei em casa e fui tomar banho. Inevitavelmente as lágrimas começaram a correr pela minha face. Como é que puderam gozar assim de mim? Eu era uma pessoa! Gorda? Sim! Mas não deixava de ter sentimentos por causa disso. Estava tão furiosa que depois do banho, em vez de almoçar corretamente, agarrei-me num pacote de cereais e engoli-o todo! Posterior13
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mente senti-me culpada, pus as mãos à boca e vomitei tudo. Passei mais de meia hora a vomitar, pois não queria que ficasse nem um pedaço de comida no meu estômago. De tarde, fiz flexões e abdominais enquanto assistia a um filme. À hora de jantar recebi um telefonema inesperado. —Sandra? Parabéns!... Atrasados… Desculpa! É que tenho andado tão ocupada que só hoje me lembrei! Era a minha prima Andreia. Morava em Lisboa, já era casada e tinha duas filhas. Era mais velha que eu dois anos, mas tinha se casado com 26 anos. — Não faz mal! — Respondi. — Então? Quantos foram? Trinta, não foram! É uma bela idade! Estás a ficar velhota! — Sim é verdade… — O teu aniversário foi bom… Sentiste falta dos teus pais… Eu engoli a seco, pois tinha que mentir. Não lhe contaria que ninguém havia lembrado. — Não… Foi ótimo! Vieram uns amigos para jantar… — Ah! Vida de solteira! Ainda me lembro… Que maravilha! — Pois… — Bem… Que tenhas um bom ano e que vivas por muitos mais! Quando quiseres aparecer por aqui, esteja à vontade! — Certo… Obrigada. — Beijinhos! Consegui passar o dia seguinte só com um café da manhã. Não almocei, nem lanchei. Para quê? As minhas gorduras eram suficientes para me alimentarem durante um bom período de tempo! No final do dia passei por um ginásio só para espreitar. Perguntei se seria possível experimentar uma aula grátis só para ver. A menina da recepção disse que sim, mas que teria que trazer um atestado médico. Alguns dias depois arranjei consulta com a minha médica de família e falei-lhe da minha vontade em emagrecer e ficar em forma. Ela deu-me alguns conselhos sobre alimentação, avisando-me que o jejum era perigoso e passou-me um atestado para iniciar a prática de cardio-fitness. 14
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— Comece devagar! — Disse. — Não vá com muita sede ao pote! Eu não liguei muito aos seus conselhos de alimentação, pois o que eu queria era emagrecer o mais rápido possível. Iniciei o meu treino na semana seguinte e seguindo alguns conselhos do monitor fui começando devagar. Passada uma semana de treino e jejum, consegui chegar aos setenta e cinco quilos. Tinha perdido cerca de cinco quilos em duas semanas. Fiquei tão contente que irradiava felicidade. Houve um colega de trabalho que reparou. — Olá Sandra… Está emagrecendo! Já se nota qualquer coisinha… Eu sorri e ele piscou-me o olho. Depois disto fiquei ainda mais motivada. No ginásio comecei a conhecer algumas pessoas. No início sentia-me um pouco intimidada, mas depois de quase um mês de freqüentar a academia, foi organizado um jantar de natal para os praticantes e monitores. Eu estava renitente em me inscrever, no entanto pensei que seria uma ótima oportunidade de conhecer alguns colegas. No dia do jantar saí mais cedo do trabalho e fui arrumar o cabelo e as unhas. Vesti um vestido que me tinha deixado de servir, mas que agora graças aos meus oito quilos a menos, já me assentava bem. No jantar sentei-me junto a um rapaz e uma mulher que conhecia de vista dos treinos. Enquanto o meu coração palpitava, decidi conversar, coisa que era raro fazer. — Olá! Tudo bem! Eu sou a Sandra… Costumamos treinar à mesma hora! O rapaz olhou para mim com um sorriso amarelo e cumprimentou-me. A mulher também me dirigiu um olá um pouco insípido. Continuaram a conversar um com o outro como se eu não existisse. Tentei puxar assunto mais algumas vezes, mas infrutíferas. Em suma, o jantar fora um fracasso. Cheguei em casa muito cedo, num sábado à noite. 15
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No dia vinte e três de Dezembro deram-me folga no trabalho para comprar presentes de Natal. Ora, eu não tinha nenhuns presentes para comprar! Ninguém da minha família me havia convidado para a consoada e eu também não ia telefonar e pedir que me convidassem. Passei o dia em casa, enrolada numa manta assistindo televisão. No dia da consoada fiz exatamente o mesmo e passei o Natal sozinha. Era a primeira vez que passava um Natal assim. No ano anterior, os meus pais ainda eram vivos e eu costumava passar a consoada com eles. Se já é triste estar só, passar o Natal sozinha é bem pior, pois em todo o lado nos lembram que o Natal é reunião, uma festa divertida em família. Mas, apesar de não ter companhia humana, tinha comida. Comi tudo o que tinha direito e o que não tinha direito. Deixei-me prostrada no sofá enquanto engolia guloseimas. Ao final da noite, coloquei tudo para fora, como estava habituada a fazer. Depois, senti-me muito melhor e fui-me deitar. No dia vinte e seis fui trabalhar e sentia-me contente por isso, enquanto que os meus colegas se sentiam revoltados por terem de trabalhar no dia seguinte ao Natal. Nesse mesmo dia, depois do trabalho fui até um centro comercial. Olhei para uma vitrine e apaixonei-me de imediato. Ele era fofo, querido, tinha uns olhos castanhos muito tristes e estava deitado com um ar entediado. Eu não resisti e comprei-o. Era um cachorrinho muito amoroso, que só apetecia apertar. Além do cachorro, comprei a guia, comida e uma alcofa para ele dormir. Nesse dia cheguei em casa com companhia. Só não sabia o nome que lhe haveria de dar. Como gostava muito dos Beatles decidi chamá-lo de Ringo. No sábado agarrei no carro e fui dar um passeio com o Ringo visto não estar a chover. Ele era espetacular, fazia-me companhia em tudo: eu corria, ele corria; eu caminhava, ele caminhava; eu via televisão, ele deitava-se ao meu colo; eu comia, ele comia. Na segunda-feira seguinte custou-me ir trabalhar, pois queria estar com o meu cão. Senti-me muito culpada por deixá-lo sozinho em casa. Aproveitei a hora de almoço para levá-lo a passear. Com o meu novo cão arranjei, uma nova rotina diária: de manhã, antes 16
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de ir trabalhar caminhava com Ringo cerca de meia hora, ia trabalhar e voltava à hora de almoço para outra caminhada. Depois do ginásio, fazíamos uma grande caminhada quase até à horade deitar. Na noite de passagem de ano ele foi o meu companheiro. Fomos ver os fogos de artifício, junto ao mar e ele não se assustou nada. No final do mês de Janeiro, eu já estava com menos dez quilos, mas na minha cabeça, com a minha altura, ainda tinha um grande caminho a percorrer. As pessoas no trabalho e no ginásio já reparavam que eu estava mais elegante. De fato, eu sentia-me muito melhor do que antes. Agora estava mais magra e Ringo ajudava-me a ser mais alegre. Sentia-me muito mais confiante em deixei de tomar os antidepressivos. Num dia bem frio, no final de Janeiro, estava a dar uma volta com Ringo no parque e reparei num senhor muito bem parecido que também passeava um labrador. Os cães começaram a ladrar um para o outro e eu afastei o Ringo do outro cão com firmeza. A partir desse incidente, sempre que ia ao parque no fim de semana passear o Ringo, esse senhor também lá estava. Ele intrigava-me, sempre sozinho, mas bem parecido… Será que tinha namorada? Ou mulher? Ou filhos? Depois de observá-lo cerca de quatro fins de semana sozinho a passear no parque, decidi que tinha que conhecê-lo. No fim de semana que decidi travar conhecimento, ele estava sentado numa esplanada com o seu labrador. Sentei-me na mesma, estrategicamente em frente a ele, mas como ele lia o jornal, não tive oportunidade de meter conversa. No fim de semana seguinte, enchi-me de coragem e aproveitando o fato de ter um cão passei o mais perto possível do senhor para que os cães ladrassem um para o outro. E assim foi, agarrei no Ringo que ladrava sem parar e disse: — Isto realmente… O meu cão não se sabe comportar… Peço desculpa! —Deixe pra lá, o meu também não ajudou! —Sandra Nunes. — Carlos Silveira. 17
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Abaixei-me e passei as mãos pelo seu cão. — Tem um pelo tão macio! E foi assim que conheci Carlos. Não insisti em mais conversa, pois deu para perceber que o senhor não estava muito interessado. Porém, reparei que não tinha nenhum anel. Devia ser solteiro. Fiquei muito contente só por esse sinal, teoricamente teria uma chance. Na semana seguinte, voltei a vê-lo e desta vez convidei-o para um café. Antes de o fazer sentia-me agoniada, tremula e pouco confiante. Quando ele aceitou e disse que seria um prazer, rejubilei de alegria por dentro. Desse pequeno contacto descobri que era solteiro, tinha quarenta anos e que nunca tinha sido casado. Era agente imobiliário e fazia parte comercial em duas empresas de Lisboa, mas gostava de voltar à Figueira da Foz aos fins de semana para relaxar. Carlos parecia-me simpático e sincero. Não era lindo, mas tinha charme, principalmente porque usava roupas clássicas muito distintas. Combinamos de voltar a nos encontrar e nas semanas seguintes eu esperava ansiosamente pelo fim de semana, apenas para estar com alguém. O meu passeio com Ringo tornou-se também um passeio de sedução. Vestia roupa confortável, mas sensual. No meio de Abril, Carlos fez-me um convite inesperado. — Gostaria muito que jantássemos hoje. — Eu adoraria, mas ainda tenho que passar por casa… — Certamente! Eu vou buscá-la daqui a uma hora… Qual o seu endereço? Quando cheguei em casa nem sabia bem o que tinha de fazer. Olhei-me ao espelho e vi uma mulher vinte quilos mais magra, com um certo charme. Coloquei-me em frente ao espelho e treinei poses, disse frases e ri-me sozinha. Depois olhei para Ringo e disse alto: — Isto até parece aquela história dos 101 dálmatas… Só que são dois labradores e sem a Cruela Devil. Corri para o chuveiro, tomei um banho rápido e arranjei-me bem. Sequei o cabelo, vesti uma blusa branca insinuante e uma saia caqui, muito comprida, mas com racha. 18
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Coloquei um colar, brincos e estava linda. Olhei-me ao espelho e pensei: “Bolas, estou linda!”. Outrora, teria olhado e denegrido a mim mesma. Agora sentia-me realmente bonita. A campainha tocou e era ele. Fomos jantar a um restaurante muito na moda. Serviam comida indiana. Eu fiquei deslumbrada com tudo aquilo. Ele era um autêntico cavalheiro. Abriu-me a porta do carro, tirou-me o casaco, puxou-me a cadeira e ofereceu-me uma rosa. Desnecessário dizer que eu estava radiante com aquele tratamento, pois nunca me tinham feito nada assim. A conversa foi agradável e o jantar estava uma delícia. O que mais poderia querer? Depois de jantar, fomos passear na praia. Parecia um daqueles filmes românticos. Ambos de mãos dadas, com os sapatos pendurados e uma aragem reconfortante. A noite terminou em minha casa, enrolados no sofá aos beijos com o meu cão deitado no chão. Para a minha surpresa ele não quis fazer mais nada. Eu insisti, mas não consegui nada mais que uns beijos da sua parte. No domingo combinamos de nos encontrar no parque novamente. Nesse domingo, parecíamos dois adolescentes aos beijinhos e abraços, caminhando junto aos nossos cães. Na segunda-feira seguinte, entrei no escritório com um ar radiante, pois o meu fim de semana tinha sido fenomenal. O meu colega reparou logo na minha alegria. — Estás muito bem disposta hoje! — Achas? — Aconteceu alguma coisa? — Não… Tudo normal! Ele olhou para mim com um ar desconfiado e sorriu. No ginásio, o meu esforço para arranjar amigos era parco. As pessoas pareciam pouco interessadas em se relacionarem comigo. Nesse dia, tentei uma aproximação com uma novata que parecia meio perdida em meio de tantas máquinas. — Quer baixar o banco? — Perguntei. — Sim… — É assim… — E mostrei-lhe. Ela agradeceu-me e sentou-se para trabalhar os peitorais. Perguntei-lhe se era nova ali, pois nunca a tinha visto treinar. 19
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— Sim… Hoje é o meu primeiro dia. Mas não estou gostando muito… — Por quê? — Perguntei. — Bem… Vim para cá não só para ficar em forma como também para conhecer gente. É que não sou daqui! Mas isto é muito impessoal. — Ah não! De onde é? — Trate-me por você, ainda sou muito nova. Sou de Beja. — Alentejana… E o que vieste fazer para tão longe? — Vim trabalhar na Câmara… — Bem, chamo-me Sandra. — Luísa. — Foi um prazer conhecer-te, espero que volte para cá mais vezes. Ela sorriu enquanto fazia força para trabalhar os músculos. Nos dias seguintes, ela continuou a frequentar o ginásio. Falávamos sempre um pouco, não passando a conversa de pequenas trivialidades. No fim de semana seguinte, voltei a encontrar Carlos. Passeamos pelo jardim, conversamos e saímos à noite. Quando voltamos para minha casa, convidei-o para subir e ele aceitou. Ao entrarmos, ele abraçou-me e deu-me um beijo, oferecendo-se para me fazer um café. Recusei. Disse que não queria café, mas sim que ele me beijasse mais. Agarrou-me e um impulso apoderou-se de mim. Ele tinha de ser meu naquela noite. No domingo de manhã, fumei um cigarro na varanda, com enorme satisfação. Aquela noite tinha sido maravilhosa. Tinha agora um relacionamento com um homem. Eu, a eterna solitária, tinha alguém. Ele levantou-se e chegou-se junto a mim abraçando-me por trás. — Gostaria de te ver mais vezes. — Disse eu. — Porque não agora? — Respondeu, beijando-me de seguida. Na semana seguinte, todas as vezes que fui ao ginásio encontrei a alentejana. Durante o treino, esforcei-me para estar sempre perto dela para conversarmos. No meio da semana, convidei-a para tomar um café. Ela recusou e usou as mudanças 20
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como desculpa. Fiquei triste. Ainda perguntei se queria ajuda, mas ela recusou novamente. Definitivamente, não queria a minha companhia por isso não insisti mais. O mês de Maio passou e o verão estava para chegar. As roupas encolhiam e as pessoas mostravam alegremente o seu corpo. Pela primeira vez, em trinta anos, comprei um biquíni. Já tinha perdido cerca de 30 quilos chegando ao meu peso objetivo: 50 quilos. Olhava-me no espelho e sentia-me orgulhosa pela minha persistência sem antecedentes. Agora, sentia-me bem com o meu corpo e isso refletia no meu humor. Todo o meu esforço de não comer, ou de vomitar o que comia, estava a ser recompensado por um novo corpo. No meu trabalho, os meus colegas notaram a minha transformação física e psicológica. Porém, eu continuava a ser uma espécie de sombra onde trabalhava. O meu superior hierárquico era rude. Não havia mais mulheres e eu não me sentia realizada profissionalmente. Mas era o meu sustento e eu não podia me dar ao luxo de abandonar aquele emprego. Os meus refúgios eram a minha casa, o meu cão, o ginásio e os fins de semana maravilhosos que eu agora vivia. No primeiro fim de semana de julho estava um calor infernal e Carlos estava comigo numa esplanada. — E se fossemos até à praia? — Perguntou. Respondi afirmativamente. Havia muita gente. Muitas crianças aos berros e eu, sinceramente, sentia-me um pouco tonta até que tombei. Quando acordei, estavam umas três ou quatro pessoas à minha volta abanando-me com papel e perguntando-me se eu estava bem. Sentei-me e perguntei o que tinha acontecido. — Caíste amor… — Respondeu Carlos. — De repente caiu… — Deve ser do calor! — Respondi. Deram-me logo um copo com água, ajudaram-me a levantar e eu agradeci. Entretanto, Carlos abraçou-me e perguntou-me se eu estava bem, se queria ficar ou ir para casa. Respondi que queria ficar. Passamos o resto da tarde na praia aos beijinhos como dois 21
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pombinhos. No domingo, ele voltou para Lisboa e eu fui correr com Ringo. Estava tanto calor que voltei a desmaiar e desta vez só Ringo podia me acudir. Acordei com uma pequena, aí com os seus quinze anos a abanar-me e aos gritos. Eu levantei-me e disse-lhe que estava tudo bem e caminhei até em casa. Nessa semana, devido aos desmaios e ao calor, não fui ao ginásio. Marquei uma consulta com a minha médica que me recebeu no final da semana. Assim que entrei no seu consultório ela olhou para mim, incrédula e abismada. — Sandra? É você! Como emagreceu! Vejo que conseguiu manter a força de vontade… Estou passada com isto! — Ah… Foi com muito esforço! Mas consegui! — Disse orgulhosa com omeu corpo. — Quantos quilos perdeu? — Trinta. — E tem-se sentido bem? Perante esta pergunta, eu contei-lhe sobre os meus desmaios deixando escapar uma certa preocupação. Ela escrevinhou num papel enquanto me ouvia e no fim perguntou-me se estava comendo. Hesitei em dizer a verdade e respondi que comia pouco. Ela mediu a minha pressão arterial, fez-me um teste de glicemia, e pediu-me que fizesse alguns exames e que voltasse dali a uma semana. Voltei a encontrar Carlos. Cada momento que passávamos juntos, sentia a intimidade aumentar. No final da tarde de sábado, enquanto passeávamos com os cães, o silêncio entre nós imperava. Nenhum de nós falava até que o silêncio foi quebrado por uma palavra que eu ansiava ouvir. — Eu te amo! — Disse ele. Eu parei, sorri, olhei nos seus olhos e pensei comigo mesma: “ Nunca mais me sentirei só.” Ele deu-me a mão e conduziu-me a um banco de jardim. — Te amo mesmo… Gritei de alegria por dentro. Tinha vontade de dançar, cantar e fazer amor com ele. Depois de apenas oito meses, desde a minha decisão de mudar de vida, eu agora vivia um romance 22
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saudável, como nunca vivera. Tinha agora uma imensa paixão pela vida. — Eu também te amo! — Disse. O silêncio voltou a se instalar. Na minha cabeça, ecoavam as suas palavras. Palavras que agora faziam sentido. Nesse momento, compreendi a razão pela qual vivemos e nos relacionamos com outras pessoas. Não há nada melhor que amar e se sentir amado. Não há beleza nem dinheiro que pague um momento destes. Nunca ninguém havia me dirigido estas palavras sem eu tê-las sentido que as dizia porque queria algo em troca. Depois deste delicioso momento levantamo-nos do banco de jardim e continuamos a caminhar até o Sol desaparecer do horizonte. Na semana seguinte, voltei ao ginásio. Para minha admiração, algumas pessoas deram pela minha ausência, nomeadamente a alentejana1. — Então? O que te aconteceu que não veio na semana passada? — Pois é… Não me sentia bem! — O que tiveste? — Desmaiei duas vezes e decidi não vir… — E foste ao médico? — Fui. Tenho umas análises para fazer. Não deve ser nada! Ela sorriu, encolheu os ombros e foi para uma bicicleta ergométrica, desejando-me um bom treino. Nessa noite cheguei em casa exausta. Estava tão cansada que nem me apetecia levar Ringo à rua. Mas como ele já tinha a trela na boca e abanava o rabo incessantemente, fiz um esforço suplementar. O passeio durou pouco tempo e assim que voltei deitei-me logo. Fui novamente à médica para ela ver qual seria o problema deste cansaço. Assim que olhou as análises, disse logo que eu tinha anemia. — Pois, deve ter sido da dieta… — Vou-lhe receitar um suplemento de ferro. Veja lá. Alimente-se melhor, ok! 1
Raça taurina portuguesa do grupo aquitânico ou turdetano. 23
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Acenei com a cabeça como se concordasse. Ao sair do consultório, fui comprar o suplemento e pensei: ”Estas pessoas que sempre foram magras não sabem a sorte que têm! Engordo, fico doente… Emagreço, fico doente…” Parecia que quanto mais me dizia para me alimentar convenientemente, mais vontade eu tinha de não comer. Nessa noite enquanto lavava Ringo, soou o telefone. —Sandra? — Disse uma voz sumida. — Sim, é a própria! — Sou eu, a Andreia… Tudo bem? — Tudo ótimo! — Respondi. — Olha, estou te ligando porque a minha filha Fabiana faz quatro anos e vou fazer uma festinha. Quer vir aqui? Vem a família toda! Fiquei contente com o convite. Já não via os meus familiares desde o funeral dos meus pais. Ia fazer um ano em Agosto. Lembro-me perfeitamente do dia em que partiram de férias. Eu não fui porque tinha de trabalhar. Dei-lhes um beijo de despedida e pedi que me telefonassem quando chegassem. Adverti o meu pai para conduzirem com cuidado, como sempre fazia. Ao final da noite, recebi um telefonema. Quando chegaram ao hospital, ambos já estavam mortos. Passei o resto do mês fechada em casa chorarando e por sorte não fui despedida. Apesar de nunca terem sido uns pais muito carinhosos, eram meus pais, a minha família. De restom só tinha primos e primas em segundo grau visto que eram ambos filhos únicos. Foi a partir desse momento que comecei a tomar antidepressivos e a ir a psiquiatras, pois sentia-me morta por dentro. Passei muitas noites em claro pensando na melhor forma de morrer. Pensava em armas de fogo, se sentiria a bala a transpassar pela cabeça. Pensava em gás, se me sentiria a asfixiar ou se desmaiaria antes disso; pensava em comprimidos, mas lembrava-me que provavelmente teria convulsões, o que não deveria ser nada agradável. Pensei também em como seria a morte se cortasse os pulsos e me enfiasse dentro de uma banheira de água quente. Não iriam os 24
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pulsos sarar antes de ter a hipótese de morrer? Pensei em como seria se me atirasse do topo de um edifício. Sentiria o embate no chão? Ou morreria antes de lá chegar? Pensei também em morrer electrocutada na banheira, não devia ser nada agradável. E se eu me tentasse matar, mas não conseguisse? Tentariam me salvar no hospital, mesmo se estivesse em coma? Ou mesmo se tivesse ficado com uma deficiência para a vida? Quem cuidaria de mim? Eram estes os pensamentos que tinha após a morte dos meus pais. Felizmente, optei por me manter viva, pois neste momento tinha a oportunidade de viver um amor. Obviamente que aceitei o convite da minha prima e comentei com Carlos que iria a Lisboa no fim de semana seguinte. Ele ficou surpreso. — Vem a Lisboa? Tem onde ficar? — Perguntou. — Fico com a minha prima. — Então, não nos veremos neste fim de semana? — Sim, vá lá encontrar… — Ótimo, depois te ligo.
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