Imaginários Urbanos - Cidades Utópicas

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Organizador Eduardo Bruno


Organizador Eduardo Bruno


IMAGINÁRIOS URBANOS: CIDADES UTÓPICAS © 2021 Copyright by Eduardo Bruno Impresso no Brasil / Printed in Brazil TODOS OS DIREITOS RESERVADOS Organizador Eduardo Bruno Fernandes Freitas Equipe editorial Eduardo Bruno e Marie Auip Correção João Paulo Lima e Marcos Nascimento Capa/Ilustração Kerensky Barata Diagramação eletrônica Léo de Oliveira Impressão e Acabamento Expressão Gráfica e Editora Rua João Cordeiro, 1285 - Aldeota - Fortaleza - Ceará CEP: 60110-300 - Tel.: (085) 3464-2222 E-mail: arte@expressaografica.com.br

Coleção Imaginários @imaginarios_arte

Ficha Catalográfica Bibliotecária: Perpétua Socorro Tavares Guimarães CRB 3/801-98 Imaginários urbanos: cidades utópicas / organização de Eduardo Bruno. - Fortaleza: Expressão Gráfica, 2021 (Coleção Imaginários). 84. p. : il. ISBN: 978-65-5556-193-7 1. Performance 2. Direito à cidade I. Bruno, Eduardo II. Título.

3. Espaço urbano CDD: 321


APRESENTAÇÃO Final de Fevereiro de 2020, primeiro caso de infecção pelo vírus da Covid-19 confirmado no Brasil. Março de 2020, primeiro caso de morte em decorrência do mesmo vírus. Dez de Abril de 2020, inicia-se a 2º edição do Festival de Performance Imaginários Urbanos, com a pergunta: como pensar um Festival que nasceu com a proposta de ocupar a cidade, se a cidade não deve ser ocupada? Imaginando. Imaginando “Cidades Utópicas”. Utopia, neste caso, não ocupa o lugar do inalcançável, como muitas vezes é posto a se falar de utopia. Ao contrário, o que nos interessava provocar eram as investigações das utopias reais, movimentos utópicos que já estavam/estão em curso, antes, durante e, provavelmente, depois da pandemia. “Não podemos voltar ao normal, porque o normal era exatamente o problema. (Pichação encontrada nas ruas de Hong Kong durante a pandemia). Precisávamos/precisamos ativar utopias. A pandemia, era o “começo” de um chacoalho social no mundo e, principalmente, no Brasil. Feridas históricas não estavam mais apenas abertas, estavam escancaradas: O primeiro caso de morte por coronavírus, no Brasil, foi o de uma mulher, preta, da periferia, empregada doméstica e que pegou a doença de seus patrões, recém chegados da Europa. Começar um Festival de Performance Urbana, agora domiciliar, e por meio de vídeoperformances e liveperformances em nosso Instagram (@imaginarios_arte), através de financiamento coletivo e no meio de tantas incertezas, foi o que conseguimos fazer naquele momento: ativar a imaginação para convocar mundos possíveis que estão em curso, mesmo que diariamente sufocados. Mundos negros, indígenas, mulheres, LGBTs, periféricos, entre tantos outros mundos com centralidades e centros de gravidades distintos e diferentes. Sendo assim, o que chega aqui para o/a leitor/leitora são pulsos desse momento, pulsos que insistem em bater e em continuar pulsando, sejam nas linhas dos textos, seja na imaginação que convocam. Imaginários Urbanos: Cidades Utópicas é um dos lados que compõem essa publicação das chamadas: Edições de Pandemia do Festival Imaginários Urbanos. De um lado: Cidades Utópicas materializado em texto de pesquisadores/as em/de performance que fizeram parte de uma sequência de Lives-Conferências realizadas em nossos Instagram (@imaginarios_arte), junto a texto de relatos de artistas de algumas das obras que participaram da edição de 2020. Do outro lado da publicação: Desobediências Poéticas, tema que foi mote da 3° Edição do Festival em março de 2021, aqui presentificado em textos de pesquisadores/as em/de performance que fizeram parte


do seminário realizado no canal do Youtube do Porto Dragão (parceiro), junto a relatos de experiência de parte dos artistas que participaram da edição. Esse livro é um dispositivo em diálogo com o binário 2020-2021, com as temáticas que cada edição sucinta, com o corpo, com a performance, com a cidade, com os processos históricos e com o hoje. Sinta-se à vontade para lê-lo de modo não linear, lhe convidamos para que construa seu rizoma, Cidades Utópicas e Desobediências Poéticas são as duas fases de um mesmo dispositivo de resistência em arte. Comece, por onde quiser. Boa leitura. Eduardo Bruno


SUMÁRIO Conferências Performáticas OUTRAS NOMEAÇÕES PARA ESTE MUNDO: PROCESSOS ARTIVISTAS DE (RE)CENTRALIDADES PARA UMA OUTRA POÉTICA DA EXISTÊNCIA .........9 SOBRE A PRODUÇÃO DE UM TEXTO PARTILHADO E UTÓPICO (OU HETEROTÓPICO?) ..................................................................................15 A ARTE-EDUCAÇÃO EM DIÁLOGO COM A SAÚDE COLETIVA: CONSTRUINDO VIAS DE EMANCIPAÇÃO DA FORMAÇÃO EM SAÚDE PARA CIDADES UTÓPICAS ..............................................................................................22 DECOLAR EM PLATAFORMAS VIRTUAIS: POÉTICAS DO CUIDADO EM TEMPOS DE PANDEMIA ..........................................................................30 A PRODUÇÃO CULTURAL EM MOMENTOS DE CRISE – POSSIBILIDADES E REFLEXÕES DIANTE DE UMA PANDEMIA ................................................38 CIDADES UTÓPICAS, CIDADES POSSÍVEIS? ...........................................44

Narrativas Performáticas COMO ESCREVER UMA CARTA PARA ANUNCIAR UM FUTURO? .............51 MANIFESTO NEON: UMA PRÁTICA DE TELE-PRESENÇA .........................54 PENSAMENTO PERFORMANCE DEBOCHE PARA DESPENCAR E SEGUIR DESPENCANDO ......................................................................................56 REP( )USO..............................................................................................58 UMA PEDRA É UMA PEDRA É UMA PEDRA ............................................60 FESTIVAL IMAGINÁRIOS URBANOS: UMA SAÍDA CRIATIVA PARA O ISOLAMENTO SOCIAL.............................................................................62


SEIVA BRUTA .........................................................................................65 ESCREVER UMA CIDADE IM-POSSÍVEL .................................................67 AGUAR DE SANGUE ...............................................................................69 O ISOLAMENTO SOCIAL E A CONDIÇÃO HUMANA ..................................71 SE ELA DANÇA EU DANÇO .....................................................................73 A TRANSPARÊNCIA É CORPO .................................................................76 PROCISSÃO PARA OS CORPOS QUE NÃO MORRERAM ..........................78 PERFORMANCE: A REINVENÇÃO DO COTIDIANO ....................................80


Narrativas Performáticas


COMO ESCREVER UMA CARTA PARA ANUNCIAR UM FUTURO? Aires1 e todes que participaram dessa criação.

01. Contatar pessoas para auxílio de escrita da carta. A ideia é a de que a carta seja escrita por várias mãos, que tragam visões diferentes desse porvir. 02. A ação será uma live no Instagram, exibindo o performer e o texto da carta para que as pessoas contribuam ao vivo. 03. No início da live, explicar o programa, ler texto de apresentação da performance e começar a redigir a carta. 04. Durante a realização da performance, qualquer pessoa que esteja assistindo poderá participar entrando ao vivo na live e contribuindo com a composição da carta. 05. A performance será gravada por uma outra câmera e mesclada a um vídeo com o conteúdo da live. 06. A performance ao vivo terá duração de 40 min. 07. Após o término de escrita da carta, ela será impressa e terá o nome dos participantes da ação. 08. Ao final da carta haverá o pedido de resposta para os destinatários. 09. Serão impressas 30 cartas a serem deixadas em todas as casas e quitinetes da rua. 10. Essa performance terá continuidade mediante a participação dos habitantes da rua. Fortaleza 18 de abril de 2020, 16h10. Desde que eu acordei hoje, venho pensando nas linhas que desejo escrever a vocês. Eu não sei começar a dizer aquilo que pra mim faz parte de um processo que já se iniciou antes dessa escrita. O apocalipse anunciado biblicamente vem sendo uma constante na vida de algumas pessoas, quando pensei em escrever essa carta eu tive a certeza que ela não poderia ser escrita sozinha. Eu não dou conta dos discursos que permeiam as multiplicidades de corpos que vêm roendo ao longo de um período que não começou 30 dias atrás para nós. Esse processo vem sendo escrito há muito tempo. Eu fico embriagada todos os dias com milhões de pensamentos, são sensações alucinantes de medo, de fúria e de apenas sentir que meu estado de quarentena não passa do mesmo de sempre de todas as vezes que não quis sair e ao mesmo tempo essa loucura imediata de não poder sair... come1

Artista- pesquisador docente, é graduado em Teatro – Licenciatura (UFC). Tem me interessado, na construção dos meus programas de performance e pesquisas, uma investigação sobre a autobiografia; as relações entre gênero, corpo e o espaço urbano; relações entre corpos dissidentes e o urbano; a escrita performativa; ações criadas a partir de contextos políticos históricos, ações relacionais e noções de autoria.

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çar a escrever é sempre mais difícil... a folha em branco... Quero sair, quero olhar o mundo sem ser pela janela, quero sorrir com os olhares dos alheios nas ruas... Quero me sentir parte da natureza que traz o vento nos meus cabelos, da zuada enlouquecedora do trânsito, quero sair e ao mesmo tempo percebo que isso é necessário, é necessário ficar segura porque assim te asseguro estar seguro... a folha em branco, também é o vazio que busco encontrar em mim, pra me refazer todos dias. Redesenhar outra, esquecer o passado e o futuro… desejo que a palavra de ordem seja amor, a harmonia dos corpos, seja lá quais forem, que possam gritar alucinadamente pelas ruas que ainda vale a pena viver, que podemos construir um mundo melhor... quero poder gritar e agir contra todas as injustiças sociais, que meus gritos e ações, somados a outros, possam gerar arcos-íris de mudanças reais. Devires palpáveis, novas relações... estar em casa, usar o momento de estar só para buscar esse vazio em mim... no momento de agora, de repensar religiões, como uma forma de trazer pessoas a uma só unidade tornam-se relações de resistência. Juntes iremos hackear a realidade, somos piratas... somos um bando deles. Aqui comigo há muitos e muitas, eu não ando só... A desburocratização das relações é necessária, por isso escolho começar esse pontapé por essa carta. Da janela da minha casa eu vejo o vazio bem de perto durante a noite e mal ouço passos nas ruas - o que era muito comum ao meu redor. O vinho tem sido uma válvula de escape nos últimos dias. Leio contos banais e vejo filmes dos anos 50... vamos todas e todos principalmente os loucos, os estéticos, os esquizofrênicos, os neuróticos, as travestis, as pessoas não binárias, os homossexuais, os corpos negros, todos aqueles corpos que compõem uma dissidência para a sociedade, vamos todos, a partir de agora, rumo a uma independência total... vamos direcionar nossas forças para a realização dos nossos desejos.... Lá fora, em São Paulo, passou uma carreata, aquela carreata da ignorância e da ganância. A raiva tenta tomar conta do meu vazio, como evitar? Volto pra dentro de mim e tento me reequilibrar, reequilibrar os nossos desejos, das nossas vontades íntimas, não vamos mais nos deixar ser sabotados pelos sistemas. Vamos delirar em amor, em contato humano. Vamos instaurar o comunismo da paixão total… uma escrita coletiva? Sim, escolho uma escrita coletiva, uma colagem de textos que me são enviados por muitos corpos em muitos lugares. Muitas realidades distintas, muitos desejos. Meu corpo-casa hoje, meu corpo-cidade. Como parar a carreata da ignorância e da ganância? Meu corpo não dorme, meu corpo grita, mas a sociedade permanece dormente... por um momento preciso voltar a ser criança, a criança que brincou nas ruas desse bairro, a criança que mora aqui há 30 anos. Em poucos dias será o meu aniversário e não tenho certeza se conseguirei conhecer vocês pessoalmente. O peso do mundo me machuca. Sinto que preciso de uma cura total. A vontade de pular até meu corpo alcançar o êxtase. Quero cura, me ajuda?

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Da faca de serra cortando a vagem eu sinto cada lâmina do seu não ser. Eu gosto de cozinhar todos os dias, cozinho para não gritar na janela essa vontade que está sendo escrita aqui, resolvi escrever como um grito. O som do primeiro disco da Björk, da última faixa do lado A, me alegra tanto quanto ver a batata frita pronta pra consumo... não sei como parar a ignorância e a ganância. Mas não ando só, tem muita gente aqui comigo, essas pessoas, corpos utópicos, heterotopia foucaultiana, pessoas inspirando... cidades utópicas, que essas palavras aqui escritas por muitos possam adentrar nos inconscientes... vamos ser propositivos, começo propondo um diálogo a partir dessa escrita, você que está lendo, você que está vendo, você pode fazer parte disso, não me resta muito tempo, em poucos minutos eu serei desligado. Vem falar comigo, eu estou aberto, vem, eu preciso de você, me procura, tento expandir-me pelas brechas fazendo ecoar essas vozes de tanto gritar, são tantas urgências para contar, preciso me reencontrar, preciso renascer, preciso florescer, antes de começar a quarentena eu plantei um pé de manjericão, hoje ele está crescendo, ele era apenas um pedaço com poucas folhas, hoje ele tem uns 20 cm. Preciso verdadeiramente de contato humano. Preciso de abraços, sei que você precisa também, vamos nos abraçar. Restam apenas 10 min para essa escrita acabar. Ou eu diria que ela é apenas um começo... parece um manifesto vivo acontecendo agora, sendo feito de vários lugares do mundo. No ato de imposição de ler e escrever o que vemos? O que você vê? As palavras? O corpo das palavras? Me pergunto se temos a nitidez e aceitação necessária para entrarmos assim na sua casa. Por favor leia essa carta com atenção, cuide dela como cuido da minha planta de manjericão. As palavras contidas nesse papel sangram, demonstram desejos, vêm participar. Só faz sentido se você participar. Leia com atenção e carinho, só me restam 5 min, você é importante. Outro dia olhei para o céu. Foi tão lindo. Lembrei de você. Por mais que não te conheça, eu me lembrei de você a escrever essas linhas, lembramos. Chovia assim como na manhã de hoje. A chuva limpava como agora vejo o céu limpo. Por um momento, o sofrimento se foi. O céu chorou minha dor. Eu também gosto de cozinhar, me sinto-crio-alimento, desfruto pensando quanto de energia da terra, da luz do sol, das mãos do agricultor que há neste alimento, eu sou o agora como se esses corpos que me ajudam a escrever estivessem me abraçando, eu não sei quando tempo me resta mas sei que preciso que essa carta não seja em vão. Assim como na hora que cozinho, proponho nessa carta um ciclo- vida –humana. 17h24 ainda digerindo um pouco o que foi tudo isso, existe uma presença comigo, meu coração palpita de outra forma.

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