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Drops ................................................ 30 e

Nesta edição o Drops tem uma inovação, pode-se ter acesso ao conteúdo dos artigos selecionados através dos links abaixo, os quais apresentam vídeos feitos pelo sócio Luís Motta

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* Luís Souza Motta Médico Psiquiatra. Mestrando em psiquiatria na UFRGS. Preceptor do serviço de internação psiquiátrica e emergência Psiquiátrica do HSL/PUCRS. CEO da Hope Neuropsiquiatria.

DROPS VITAMINADO

Lucas Primo*

Em abril de 2021 foi publicado no New England Journal of Medicine um ensaio clínico randomizado, duplo- -cego, com o objetivo de comparar a eficácia do uso de psilocibina (um fungo alucinógeno, utilizado muitas vezes sob a forma de “chá de cogumelo”) comparando- -a com escitalopram (Cahart-Harris, R.L. et al, 2021) para o tratamento de depressão maior. Previamente, 2 ensaios clínicos foram publicados tanto na revista Lancet Psychiatry (Cahart-Harris, R.L., 2016) e na JAMA Psychiatry (Davis, A.K, 2020). Com essas três revistas de peso no pano de fundo, o The New York Times coloca na sua reportagem de capa (Jacobs, A., 2021): “A revolução psicodélica está chegando. A psiquiatria talvez nunca mais seja a mesma”. Diante desse cenário, temos de analisar criticamente o artigo.

Para utilizarmos uma evidência na prática, ela precisa de duas características: ser precisa e válida. A precisão é o quanto o resultado do estudo aponta em uma única direção, sem muita variabilidade entre os participantes. Já a validade é o quanto essa direção está no lugar certo, representando o que, de fato, se quer medir. Analisemos o quanto esse estudo se aproxima dessas características.

Quanto à precisão, o artigo é um estudo de fase II. Ou seja, ele é pequeno, que visa “provar um conceito” e garantir que a intervenção seja segura. No ensaio clínico, participaram 59 pacientes com depressão moderada a grave (29 no grupo escitalopram e 30 no grupo psilocibina), o que certamente não é representativo da totalidade dos pacientes com depressão. Ainda assim, apesar do tamanho, o estudo tinha 80% de probabilidade de encontrar uma real diferença entre os dois grupos, caso ela realmente existisse. Porém, não houve diferença entre o grupo que recebeu psilocibina e escitalopram no desfecho principal (melhora dos sintomas). Os autores ressaltam que os desfechos secundários (como melhora

em outras escalas, remissão e bem-estar) apontaram a favor da psilocibina. Há que se ter muito cuidado na interpretação: a probabilidade de falsos positivos, por acaso, em desfechos secundários é muito grande.

Já quanto à validade, costumamos avaliá-la através dos vieses, como seleção, aferição e confusão. O viés de seleção é quando os pacientes selecionados não representam a população-fonte de que se quer obter informação. E parece ser o caso: os pacientes foram selecionados por auto-encaminhamento, o que gera alguns problemas. Por exemplo, aproximadamente 35% dos participantes, apenas, eram mulheres, diferente do que seria esperado em uma população de pacientes deprimidos (em geral, acomete 2 mulheres para cada homem). Além disso, cerca de 30% já havia feito uso de psilocibina alguma vez, o que é bastante, comparado à população geral. É possível de se supor que os participantes representassem um grupo de pessoas inclinadas a acreditar em tratamentos alternativos, aumentando o efeito placebo.

O viés de aferição ocorre quando os pesquisadores tendem a avaliar melhor o grupo da intervenção em que acreditam, e normalmente é minimizado com o mascaramento – ou seja, os avaliadores não sabem o que o paciente usou. É difícil de sustentar a eficácia do mascaramento nesse estudo: pacientes que usaram psilocibina têm efeitos psicodélicos observáveis, difíceis de mascarar. Esses efeitos não foram sequer medidos, pois os pesquisadores afirmaram acreditar que eles poderiam ser mediadores do efeito terapêutico. De fato, um paciente em cada grupo (cerca de 3% do total) descontinuou o tratamento por supor – acertadamente – o conteúdo do tratamento que estava recebendo.

Por fim, o viés de confusão é quando acreditamos que o resultado (melhora da depressão) se deve por outros fatores que não o estudado (psilocibina). A melhor maneira de controlá-lo é através da randomização, como é o caso desse estudo. No entanto, há um fator confundidor na própria intervenção: o efeito psicodélico da psilocibina, que pode aumentar muito o efeito placebo, algo a que pacientes com depressão são muito sensíveis. Como é um fator inerente da intervenção, seria necessário mais tempo de observação (o estudo avaliou por 6 semanas), para avaliar se o efeito seria sustentado.

Em resumo, infelizmente, no patamar de evidências que estamos, não temos um novo tratamento robusto para a depressão maior. O melhor dado que temos não é preciso e tem validade questionável. Mais estudos são necessários e a questão está longe de ser encerrada. Por ora, os dados de psilocibina ainda não estão prontos para serem utilizados na prática.

* Lucas Primo Psiquiatra (HCPA), doutor em psiquiatria (UFRGS), preceptor de psiquiatria do HMIPV/UFCSPA, professor de psiquiatria da UNISINOS, professor de epidemiologia da MEDCEL

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