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A AtrAtividAde dAs PCHs

PaulO ludMEr

ao final de 2020, no Brasil, com dinheiro se compravam pequenas centrais hidrelétricas com até 30 MW de potência de placa. Atenção: explicitadas nas vitrines muitas não estão. Mas há um notável interesse de fundos de investimento pelos negócios e uma sutil anuência pelo flerte por parte dos controladores das usinas. O planeta está encharcado de liquidez; o câmbio esteve há semanas estacionado em quase R$ 6 por um dólar norte-americano, numa paridade surpreendentemente favorável ao investidor estrangeiro. Além disso, prevalece a crença de que uma inevitável retomada da economia

brasileira torna a transação verossímil num horizonte de décadas de validade dos prazos de concessão.

Um ponto fraco no valor de diversas pequenas centrais hidrelétricas é seu regime de água afluente. Mas, pela ótica de um fundo de investimento, pode-se aumentar a energia garantida da pequena central instalando uma termossolar ou uma solar fotovoltaica complementar, claramente útil quando a bacia hidrográfica da usina hidrelétrica estia. Se este parque solar for próximo, funciona otimamente como energia distribuída e suas vantagens fiscais. Se for flutuante, reduz a evaporação do lago (um percalço no Nordeste sob intensa insolação).

No Sudeste canavieiro, cabe uma térmica (ao lado da pequena central) com bagaço de cana de açúcar ou com palha de grãos (milho, por exemplo). Indústrias cederiam resíduos comburentes em contratos de parcerias. Laranjais costumam remover arvoredos e aposentam os velhos. Eucaliptais desestocados desde as raízes são dominados e aproveitados por especialistas nesta logística.

O item logística envolve principalmente o sistema de transporte rodoviário e aquático, além de linhas de transmissão e subestações utilizáveis (em caso de expansão) ao alcance econômico da geração. Qual o potencial do parque gerador vir a exercer armazenagem de energia elétrica?

As PCHs são mais raras no Nordeste onde as eólicas reinam. Porém, os parques movidos a ventos encontram na região uma

adversidade robusta na confusão, inexistência e grilagem dos registros imobiliários. Com o surgimento de um Atlas eólico no mar certamente as diferenças de documentação imobiliária no Brasil serão assunto do passado. Entrementes, a potencialidade em terra de se expandirem os parques eólicos (que demandam 3% da área total dos terrenos alugados), de absorverem nos vazios dos terrenos dúzias de módulos fotovoltaicos já é realidade. Venta muito de noite, faz sol tórrido de dia.

O controle acionário de uma pequena central hidrelétrica à venda é outra jabuticaba quando as ações fazem parte de inventários familiares litigiosos. Outro ponto desafiante é quando a usina foi construída intuitivamente numa fazenda familiar, considerando um rio volumoso, com corredeira e queda d’água. Nos dias que correm, diante da ideia de se desfazer da barragem, é comum e respeitável que o empreendedor agropastoril desconheça completamente o cipoal regulatório do setor elétrico brasileiro. Torna-se bastante difícil ensinar o que significam e quais são os impactos do mecanismo de realocação de energia (MRE), generation scaling factor (GSF), energia garantida e despacho do operador nacional do sistema, vis-à-vis a opção de desgarrar-se do sistema interligado nacional, da CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, área de livre comercialização, power purchase agrement, etc.

Na ponta do virtual comprador, também se observam curiosidades: os fundos de investimento são especialistas em finanças, desconhecem o mesmo pântano de comandos legais que o vendedor. Estão inicialmente de olho na TIR - taxa de remuneração do investimento. Apreciam comprar empresas em dificuldades técnicas, gerenciais, de caixa ou outras que pretendem resolver para revender o ativo, substancialmente valorizado, em quatro ou cinco anos depois.

Na lista das complicações estão: PCHs com rachaduras na barragem; cavitação à jusante; cracas e mexilhões nas pás das turbinas; assoreamentos; necessidades de repotenciação, redefinição de energia garantida e hidrologia. Acresce-se que de 2008/2009 para cá, como superar contratos de vendas de longo prazo a preços não mais satisfatórios? Como apreciar parcelas de financiamentos pagos diante das taxas de juros negativas de agora? Como valorar reformas em curso como as tributárias e outras?

Se a filtragem for meticulosa, se o investidor conservador, se a ambição de retorno elevada, a quantidade de transações se limita a poucas unidades. O mercado inventou e tanto insistiu que criou o fetiche de que um MWh de uma PCH vale R$ 10 milhões. Sua construção requisitou pelo menos R$ 4 a 5 milhões. Mas são tantas as variáveis que não se estranham compras e vendas em torno de R$ 6 milhões a R$ 12 milhões. Há que revisitar por último, mas não por fim, a rubrica ambiental. A PCH para estar em operação venceu os processos de autorização, licença prévia, licença de construção e licença de operação junto à Aneel - Agência Nacional de Energia Elétrica, sempre a postos para normatizar e fiscalizar. Desse tacho, nunca se sabe.

“Um ponto fraco no valor de diversas PCHs é seu regime de água afluente. Mas, pela ótica de um fundo de investimento, pode-se aumentar a energia garantida instalando uma termossolar ou uma fotovoltaica.”

Paulo Ludmer é jornalista, engenheiro, professor, consultor e autor de livros como Derriça Elétrica (ArtLiber, 2007), Sertão Elétrico (ArtLiber, 2010), Hemorragias Elétricas (ArtLiber, 2015) e Tosquias Elétricas (ArtLiber, 2020). Website: www.pauloludmer.com.br.

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