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ECONOMIA E POLÍTICA ENERGÉTICA

PAULO LUDMER

Ogoverno federal empenha-se em retirar do consumidor de energia encargos e tributos que inundaram sua fatura mensal, desde que o memorável deputado federal do Rio Grande do Sul, empreiteiro Luiz Pontes, há anos falecido, convenceu o Congresso Nacional da funcionalidade do Imposto Seletivo. Vale dizer, do papel coletor de encargos e tributos na taxação de energia elétrica, comunicações e sobre combustíveis. De lá para cá, desde a Constituição de 1988, passou a boiada como se diz agora.

Não sei aplicar a palavra exata sobre este recente movimento conjuminado pela Presidência da República e

a Câmara Federal. Cabe um conceito: o consumidor de energia que paga sua conta costuma coincidir com o contribuinte que abastece os erários. Este fato falseia julgamentos, pois alguns efeitos conjunturais da transferência são atenuados porque o bolso é um só. Mas as aparências comumente são imprecisas.

Primeiro, o empenho de reduzir o valor final dos energéticos para o usuário desta vez é adverso aos fundamentos da economia e tem o ostensivo perfil eleitoreiro. Segundo, são medidas aventureiras e de resultados duvidosos sobre a natureza dos benefícios e dos beneficiados, eficiência e eficácia, temporalidades, duração, métricas de resultados, prestações de contas, quem perde com as decisões, nada está previamente controlado. Pelo menos não dispomos de um claro programa de políticas públicas, que, na verdade, inexistiram nesta governança.

Terceiro, as intervenções artificiais nas formações de preços por parte do governo e do Poder Legislativo não enxergam o bosque, só árvore. Os energéticos vivem em vasos comunicantes. Cada vez que se altera as condições de mercado de um se afeta todos os demais. O modo como se moveu a redução de tributos é um tiro no escuro, só revelará quem ganha e quem perde ao longo do tempo. Por exemplo, o etanol por ora perde e terá, além de aspectos tributários, que concorrer com uma gasolina irrealista. Se o álcool perder,

produz-se mais açúcar, derrubam-se preços internacionais, e por aí la nave va. Nada é inconsequente.

Quarto, o vertiginoso crescimento do déficit público primário, antes da inclusão de resultados financeiros, é assustador. A relação dívida/líquida escapa aos fundamentos, assim como o câmbio. A inflação de dois dígitos (de difícil reversão) testemunha o estrago de quem gasta mais do que arrecada (e do que pode ou deve). Tudo isso sem discussão honesta e aberta a absorver contribuições dos agentes da sociedade e dos entes organizados do setor elétrico brasileiro. Ilustro com a erosão da renda das famílias, com a incapacidade de os investimentos públicos infletirem a economia, com a falta de recursos em educação, saúde, tecnologia e, portanto, cultura.

Isso significa que a pretensa ajuda a caminhoneiros, taxistas, companhias de ônibus e aquáticas, aos motoristas de carros e motos particulares, via subsídios do Tesouro, são um estelionato eleitoral. Tudo será pago por eles e por todos com juros a partir de 2023 sem data para acabar. Vamos arcar com os monumentais empréstimos de socorro aos cofres das distribuidoras, que contiveram suas tarifas na estiagem. Também cairão nas costas de quem não pode usar automóvel, nem implantar um teto solar em seu pequeno domicílio, os subsídios crescentes concedidos a investidores em geração distribuída fotovoltaica livres de pagar encargos e a amortização das redes de distribuição. Nem vamos falar da dilapidação da poupança da Eletrobrás e petróleo em poder do Tesouro, para amortizar esses paliativos dirigidos às urnas. Eram originalmente para irrigar a educação.

Milito no setor desde os anos 80. Sempre desejei colar a economia na política energética. Quis custos reais, aderentes, sem interferências, de modo que o melhor seria feito num universo em que a energia é onipresente. Um governo – com uma plataforma de programas de verdade, referendada pelas urnas – tem o direito e o dever de conceder incentivos e subsídios, desde que com prévias audiências, com transparência de gastos, prazos para finalizar, métricas para cotejar resultados vis-à-vis suas metas. Por exemplo, é lícito incentivar a energia dos resíduos do lixo, será mais cara, mas compensadoramente mais barata na saúde e no saneamento público. Há que fazer contas e visualizar efeitos sombra.

Não é o que estamos assistindo. A complexidade da esfera da energia não está ao alcance da maioria dos legisladores que não são mesmo obrigados e eleitos para dominar as centenas de temas no plenário. Em consequência, deveriam deixar para os especialistas ou pelo menos deveriam ouvi-los com mais humildade e severa atenção, antes de votar romanticamente ou por interesses inomináveis.

“O modo como se moveu a redução de tributos é um tiro no escuro, só revelará quem ganha e quem perde ao longo do tempo”.

Paulo Ludmer é jornalista, engenheiro, professor, consultor e autor de livros como Derriça Elétrica (ArtLiber, 2007), Sertão Elétrico (ArtLiber, 2010), Hemorragias Elétricas (ArtLiber, 2015) e Tosquias Elétricas (ArtLiber, 2020). Website: www.pauloludmer.com.br.

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