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Momento
O descasO cOm O cOnsumidOr
PaulO ludMEr
em política energética, transparece a falta de definição e planejamento do que pretende ser o Brasil. Porém, evidencia-se o descaso com o primado do consumidor regendo essa política pública. Não dominam as metas nacionais a máxima disponibilidade, a melhor qualidade e a competitividade de nossa sociedade. Os riscos do setor energético são descaradamente repassados ao consumidor, além de preços finais e qualidades deploráveis. O diálogo oficial em Audiências Públicas não se tem destacado como satisfatório, e os conselhos de consumidores das empresas ofertantes de energia, idem.
Vê-se todo o tempo, há décadas, agentes dessa cadeia de serviços digladiando-se por auferir mais renda, pagar menos impostos, socializar prejuízos, capturar dinheiro subsidiado, estigmatizar o controle da propriedade se estatal. Muitas vezes varrem seu lixo para debaixo do tapete do vizinho. O jornalista Nicola Pamplona, da Folha de São Paulo, em 28 de fevereiro de 2021 pega a questão na nervura (“Gerador solar e térmica a óleo travam disputa pela Amazônia”), adicionando o gás natural na peleja e a adoção de baterias em apoio à geração solar intermitente.
Há décadas denuncio em vão os absurdos da Conta de Combustíveis a Compensar (CCC), que somou R$ 8 bilhões em 2021, a qual todos os consumidores no Sistema Interligado Nacional pagam em suas faturas mensais de energia elétrica para subsidiar a geração a hidrocarbonetos nos sistemas isolados. Inexiste modo consistente de eliminar essa excrecência poluidora e vulnerável a malfeitos (serrarias, caminhoneiros, motores de barcos, prefeituras, suspeitas de permanecer de olho nos comburentes). Governadores não abdicam dos impostos que cobram sobre essa logística, enquanto bancadas legislativas são pressionadas por este enorme contingente de interesses.
Há uma lista de 211 localidades beneficiárias. Gasta-se mais diesel levando o próprio até elas do que de fato
queimam. Há um suspicaz descontrole de quantos litros em cada planta resultam em quantos kWh utilizados, facilitando desvios; e os lobbies da energia solar e gasógena ainda terão de enfrentar a crescente evolução dos geradores com resíduos sólidos, lixos urbanos e biogás.
Narubrica resíduos sólidos, sempre alguém erguerá a voz contra a perda de função dos catadores (os camarões urbanos), detendo até mesmo a educação pela reciclagem amplamente desenvolvida em algumas nações europeias. No item biogás, nosso gado amazônico não é estabulado para a coleta de detritos animais, nem a região se tornou produtora de gelatinas comestíveis e industriais. Mas, certamente, haverá encrenca nesta direção potencialmente ofertante de biogás, mesmo nos lixões das cidades médias do Norte. Entrementes, sempre deve-se lembrar que o lobby nuclear se mantém por ora em silêncio nesta selva.
Todos agentes pleiteiam subsídios cruzados ou não; prazos de carência e créditos baratos; renúncias fiscais (PIS-Cofins e CSSL) pelo menos na obra; ICMS de tesouros estaduais e ISS municipais; extensão de prazos de concessão e de outorga quando imprevistos se apresentam; cobram, se possível, centrais de geração compartilhadas; ativos de conexão ao SIN pelas quais pagam somente um pedágio, etc. Sobretudo, os agentes requerem equilíbrio econômico ao longo da vida do empreendimento assegurado pelo Ente Regulador, mesmo se necessário às custas de tarifas e encargos para os usuários finais.
A questão ambiental tem outra abordagem porquanto desastres climáticos atingem todas as camadas sociais, todos os níveis de renda, todas as atividades de qualquer natureza na sociedade e na economia. De novo, o poder de mercado faz um discurso envolvente, somente possível porque defende irretorquivelmente seus interesses, confundidos, com justeza ou não, com a preocupação do mapa global.
Pamplona traz da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) o fato de que em 2019 as localidades isoladas da Amazônia expeliram 2,87 milhões de toneladas de gás C02, queimando diesel em geração elétrica, o que equivale à emissão total de Recife em 2015. A rigor, aqui não está o arroto de C02 de 1 metro cúbico diário de cada uma das dezenas de milhões de cabeças pastando na região sob queimadas.
A EPE planeja um leilão de energia nova para a região em abril próximo. Os candidatos são majoritariamente geradores a diesel. Os comandos legais não são escritos para homens de boa vontade, mas para animais empreendedores (como diz o professor Delfim Netto). A intimidação na região não é para amadores.
Paulo Ludmer é jornalista, engenheiro, professor, consultor e autor de livros como Derriça Elétrica (ArtLiber, 2007), Sertão Elétrico (ArtLiber, 2010), Hemorragias Elétricas (ArtLiber, 2015) e Tosquias Elétricas (ArtLiber, 2020). Website: www.pauloludmer.com.br.