Quilombo do Barranco de São Benedito - Revista MAP

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MANAUS | MANAUS Reportagem Reporter Renato Moraes Fotos Photos Renato Moraes/Divulgação

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TRADIÇÃO, FÉ, SAMBA E FEIJOADA

TRADITION, FAITH, SAMBA and FEIJOADA 64

| MAP Linhas Aéreas | JUN / JUL / AGO 2015

Quilombo do Barranco de São Benedito, na Praça 14, faz 125 anos e se consolida como reduto da cultura negra no Amazonas Quilombo Barranco de São Benedito, in Plaza 14, celebrates 125 years. It has established itself as bastion of black culture in the Amazon

e você é adepto do turismo cultural, ao desembarcar em Manaus inclua no roteiro uma visita à Praça 14 de Janeiro. A comunidade mistura tradição, fé e simboliza parte de uma história pouco difundida: a da presença negra na Amazônia. Aos sábados, oferece uma feijoada tão tradicional quanto sua história centenária. No final do século 19, escravos alforriados trazidos do Maranhão começam a se estabelecer em Manaus onde hoje é a Praça 14 de Janeiro. Dona Maria Severa Nascimento Fonseca veio em 1890 com três filhos: Raimundo, Antão e Manoel. Na bagagem, além da esperança de uma vida melhor, trouxe a imagem de São Benedito que havia recebido de presente. Nascia o Quilombo do Barranco de São Benedito, que completou, em 2015, 125 anos de tradição e fé no santo protetor. Em 2014, a comunidade foi reconhecida pela Fundação Palmares, vinculada ao Ministério da Cultura, como o segundo quilombo urbano do Brasil. “É uma história de luta, de persistência e de fé em São Benedito”, resume Jamily Souza, quilombola, bisneta de Dona Severa. Jamily recebeu da tia, Jacimar, a missão de organizar, todos os anos, a principal festa da comunidade, a procissão de São Benedito. Missão essa que Jacimar também havia recebido da tia, Maria de Lourdes, a Tia Lurdinha, figura emblemática da Praça 14. “Passa um filme toda vez que a gente organiza a procissão”, diz Jamily. A festa, realizada sempre em abril, começa com a retirada do mastro, geralmente de uma árvore de envira, uma tradição também passada de geração em geração. Após ser enfeitado com as oferendas (samambaias, frutas e flores), o mastro, que representa a ligação entre o céu e a terra, é erguido na comunidade. Depois de nove dias de oração, a festa termina com a procissão, quando o mastro é derrubado e as oferendas disputadas pela comunidade. Durante a festa de São Benedito, a comunidade organiza apresentações de grupos tradicionais da cultura nordestina como boi-bumbá, maracatu e tambor de crioula. O Tambor de Crioula Punga Baré foi fundado pelo maranhense Vitor Castro, o mestre Castro. “Eu nasci no quilombo, na Baixada Maranhense, no Quilombo do Bacurizeiro. Então a gente procura manter viva essa tradição de tambor de crioula, de bumba meu boi. Está no sangue da gente”, explica Mestre Castro. MAP Linhas Aéreas | JUN / JUL / AGO 2015 | 65


MANAUS | manaus

If you are adept of cultural tourism, when landing in Manaus, you should include in your tour a visit to the Plaza January 14. The community blends tradition and faith and symbolizes part of a little known history: the black presence in the Amazon. On Saturdays, They offer a feijoada, as traditional as its century-old history. In the late 19th century, freed slaves brought from Maranhão began to settle in Manaus in what is now the Plaza January 14. Mrs. Maria Severa Nascimento Fonseca came in 1890 with three children: Raimundo, Antão and Manoel. In the bag, besides hope for a better life, she brought the image of St. Benedict that she had received as a gift. The Quilombo Barranco of St. Benedict was born in that moment, which completed in 2015, 125 years of tradition and faith in the patron saint. In 2014, the community was recognized by the Palmares Foundation, under the Ministry of Culture, as the second urban quilombo of Brazil. “It’s a story of struggle, persistence and faith in St. Benedict,” says Jamily Souza, maroon, greatgranddaughter of Mrs. Severa. Jamily received from her aunt, Jacimar, the mission of organizing, every year, the main party of the community, the procession of Saint Benedict. A Mission that Jacimar had also received from her aunt, Maria de Lourdes, Aunt Lurdinha, an emblematic figure of the square 14. “A movie goes by every time we organize the procession,” says Jamily. The party, always held in April, begins with the removal of the mast, usually an envira tree, a tradition also passed from generation to generation. After being decorated with offerings (ferns, fruits and flowers), the mast, which represents the connection between heaven and earth, is raised in the community. After nine days of prayer, the festival ends with the procession, when the mast is overthrown and the community disputes the offerings. During the feast of St. Benedict, the community organizes groups of traditional presentations of the Northeastern culture as boi-bumbá, maracatu and Creole drum. The Drum Creole Punga Baré was founded by Vitor Castro, a.k.a Master Castro, born in Maranhão. “I was born in a quilombo, in Maranhão, Quilombo Bacuri. Therefore, we try to keep alive this Creole drum tradition of Bumba Meu Boi. It is in the blood of people, “explains Master Castro. Cultura maranhense chega a Manaus no século 19 Maranhão culture arrives in Manaus in the 19th century

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Laços maranhenses e antilhanos Maranhão and Antillean ties Os laços que unem Amazonas e Maranhão reservam coincidências históricas. Os maranhenses foram trazidos pelo conterrâneo Eduardo Ribeiro, nascido em São Luís, em 1862. Governador do Amazonas por duas vezes (1890/1891 e a 1892/1896), Ribeiro foi responsável por grandes obras em Manaus, entre elas o Palácio da Justiça, o Reservatório do Mocó, a Ponte de Ferro da Sete de Setembro e a retomada das obras do Teatro Amazonas, que não chegou a inaugurar. Boa parte dessas obras foi construída com ajuda do braço forte dos negros maranhenses da Praça 14. Pouco depois dos maranhenses chegaram os antilhanos, a maioria vindos de Barbados, atraídos pelas oportunidades de emprego na “Paris dos Trópicos” e na construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, em Rondônia.

The ties that bind Amazonas and Maranhão reserve historical coincidences. The people from Maranhão was brought by their compatriot, Eduardo Ribeiro, born in São Luis in 1862. Ribeiro, who was twice Governor of Amazonas (1890/1891 and 1892/1896), was responsible for major projects in Manaus, among them the Palace of Justice, the Mocó Reservoir, the Iron Bridge Sete de Setembro and the resumption of Amazonas Opera House works, which was never really inaugurated. A big part of those projects was built with the help of Maranhão black people’s strong arm from Plaza 14. Little after the people from Maranhão, the Antilleans came. Most of them from Barbados, were driven by the job opportunities in the “Paris from the Tropics” and in the construction of Madeira Mamore Railroad, in Rondonia. MAP Linhas Aéreas | JUN / JUL / AGO 2015 | 67


MANAUS | manaus

o tempero de dona josa Mrs. Josa’s seasoning No quilombo, sábado é dia de feijoada. Vale a visita. O tempero é da Dona Josilene, a Dona Josa, mãe de Jamily e neta da matriarca da comunidade. Dá para levar ou saborear ali mesmo, geralmente ao som do grupo “Pão Torrado” e convidados. Nomes como Paulo Onça e Chico da Silva costumam aparecer por lá. Começa por volta de 12h e, como toda boa roda samba, não tem hora para acabar. De quebra, o visitante ainda pode conversar com personagens dessa história cheia de tradições. A Praça 14 é conhecida também como o “berço do samba”. No local, em 1946, nasceu a primeira escola de samba do Amazonas, a Escola de Samba Mixta (com x) da Praça 14. “Quando tentaram mudar o nome da praça 14 para praça Portugal a comunidade se revoltou. Deu até samba”, conta Edna Rodrigues, a Dona Guguta, uma das moradoras mais antigas do Quilombo. Anos mais tarde, inspirada nas cores da Mangueira, do Rio de Janeiro, nascia a Vitória Régia, a verde e rosa da Praça 14, 11 vezes campeã do carnaval amazonense. Dessa forma, a história do quilombo se confunde com a de Manaus, mas construindo sua própria identidade, com luta e resistência. “Antes a procissão não entrava na igreja, tinha muito preconceito porque São Benedito era preto”, diz Dona Guguta.

ONDE WHERE

Rua Japurá, 1527

HORÁRIOS Business hours

Feijoada do Quilombo do Barranco de São Benedito Aos sábados, das 12h às 21h, R$ 15,00 por pessoa

Saturday is Feijoada Day at the Quilombo. It is worth the visit. The seasoning if Mrs. Josilene’s, or simply Mrs. Josa, Jamily’s mother and grand-daughter of the matriarch of the community. You can take away or enjoy it right there, usually with “Pão Torrado” band and guests, playing music. Names such as Paulo Onça and Chico da Silva normally show up there. The performances begin around noon and, as samba gathering dictates, there is no time to end. The visitor still can talk to characters of this history full of traditions, as a bonus. Plaza 14 is also known as the “Samba Cradle”. There, in 1946, the first Amazonas samba school was born. Mixta Samba School of Plaza 14. “When they tried to change from Plaza 14 to Portugal Square, the community revolted. The story became theme of a Samba song”, tells us Edna Rodrigues, a.k.a, Mrs. Guguta, one of the Qulimbo’s oldest residents. Years later, inspired by the color of Mangueira, from Rio de Janeiro, Vitoria Regia was born. The Green and Pink School of Plaza 14. Eleven times champion of Amazonas Carnival. Just like that, the history of Quilombo mixes itself to Manaus’, but building its own identity, with struggle and resistance. “Back then, the procession didn’t get into the church, because there were a lot of discrimination against St. Benedict, who was black”, says Mrs. Guguta.

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