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Associação Brasileira de Editoras Universitárias
FÁBIO LUIZ BÚRIGO
Chapecó, 2007
REITOR: Gilberto Luiz Agnolin VICE-REITORA DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GRADUAÇÃO: Maria Assunta Busato VICE-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO: Gerson Roberto Röwer VICE-REITOR DE GRADU AÇÃO GRADUAÇÃO AÇÃO:: Odilon Luiz Poli
ISBN 978-85-98981-65-9 334 B958c
Búrigo, Fábio Luiz Cooperativa de crédito rural: agente de desenvolvimento local ou banco comercial de pequeno porte?/Fábio Luiz Búrigo. - - Chapecó: Argos, 2007. 135 p. 1. Cooperativismo. 2. Crédito agrícola. I. Título. CDD 334
Catalogação: Yara Menegatti – CRB 14/448
Biblioteca Central da Unochapecó
Conselho Editorial: Ricardo Rezer (Presidente); Alexandre Maurício Matiello; Antonio Zanin; Arlene Renk; Elison Antônio Paim; Jacir Dal Magro; José Luiz Zambiazi; Juceli Morello Lovatto; Juçara Nair Wollf; Maria Assunta Busato; Maria dos Anjos Lopes Viela; Maria Luiza de Souza Lajus; Monica Hass; Priscila Casari Coordenadora: Monica Hass
À Magda e ao Gabriel.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, aos amigos do Cepagro, que souberam compreender a importância desse estudo. Desejo agradecer também aos meus familiares pela força e pelo apoio que deles sempre recebi. Aos meus orientadores, professor Wilson Schmidt e professor Ary Cesar Minella, que, além da amizade, revelaram uma grande capacidade de educar. Ao meu irmão, Vandré A. Búrigo, pela revisão do texto. Às famílias Lancelin, Cazella e especialmente a Marie France e Yves Arnaud pela calorosa acolhida durante minha permanência na França. Aos amigos da Rede Estrela que viabilizaram meu estágio na França. A todas as pessoas entrevistadas e entidades visitadas pela atenção dispensada às minhas interrogações. Aos professores e colegas do curso de Mestrado em Agroecossistemas (UFSC) pelos momentos de aprendizagem e de descontração compartilhados. Para realizar este trabalho recebi o apoio das seguintes entidades, às quais manifesto minha gratidão: Apaco, Centro Vianei, Cepagri, Crediseara, Credicontestado, Crediquilombo, Crediaraucária, Credicolônia, Trentocredi, Crediluz, Credicaru, Valcredi, Credicaçador, Credineve, Cresol, Sicoob/SC, Fetaesc, Ocesc, Pnfc, Idelis e Crédit Mutuel.
S UMÁRIO | 11 | PREFÁCIO | 15 | INTRODUÇÃO | 23 | A COOPERAÇÃO COOPERATIVISTA | | | |
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A cooperação As cooperativas: forma elaborada de cooperação O cooperativismo de crédito e a sua expansão As diferentes correntes do cooperativismo de crédito rural em Santa Catarina
| 61 | O CRÉDITO RURAL E AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS | 61 | O crédito rural no Brasil: da criação do Sncr ao Pronaf | 77 | A globalização e o Sistema Financeiro Nacional (SFN) | 82 | Os microfinanciamentos e o cooperativismo de crédito
| 93 | O DESENVOLVIMENTO RURAL E AS COOPERATIVAS DE CRÉDITO | 93 | Novas funções do espaço rural e da agricultura | 98 | Potenciais e limites da credi como agente de desenvolvimento local
|117| CONCLUSÕES |125| REFERÊNCIAS
P REFÁCIO
Um dos pressupostos deste trabalho é a necessidade de reduzir a diferenciação social entre agentes financeiros e populações empobrecidas – agricultores familiares, empreendedores de pequeno porte e segmentos de baixa renda que atuam na economia informal – para, justamente, ampliar a vinculação dessas populações ao circuito financeiro e às políticas governamentais. Isso porque o acesso das famílias pobres aos diversos serviços ofertados pelo sistema financeiro (poupança, crédito e seguro e também o repasse dos programas governamentais) é importante para produzir resultados significativos em sua vida cotidiana e estabelecer, dessa forma, perspectivas de desenvolvimento para as comunidades rurais. Há diferentes formatos organizacionais e instrumentos para projetar soluções para o problema de como ofertar serviços financeiros a populações pobres, de arranjos bancários, já socialmente generalizados para a intermediação financeira, a não-bancários. As dificuldades que os bancos encontram, entretanto, para atender a populações pobres são significativas. Um estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apontava, com base em
levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a existência de 16,4 milhões de microempreendimentos no Brasil, em 2002, entre empreendimentos formais e informais em áreas urbanas e rurais; desse total, estimou-se uma demanda potencial para serviços e produtos de microfinanças de 8,2 milhões de microempreendimentos. Apenas uma parcela muito pequena dessa demanda potencial tem acesso ao crédito e a outros serviços financeiros formais no sistema bancário. Entre as organizações não-bancárias estão as cooperativas de crédito, objeto de estudo deste trabalho. Integrantes do sistema financeiro brasileiro vêm se expandindo no país desde os anos 1980, sendo que, em período recente, passaram a ampliar sua atuação às demandas financeiras de populações pobres. No meio rural, têm conseguido ampliar o acesso dos agricultores familiares ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e ao sistema financeiro, alcançando segmentos sociais que, tradicionalmente, o sistema bancário não prioriza ou tem dificuldades para atender. Em seus documentos, o Banco Central reconhece o papel fundamental das cooperativas na democratização do acesso a serviços financeiros no país. Diversos autores também defendem a eficácia das cooperativas no atendimento das variadas demandas financeiras de agricultores familiares e microempreendedores urbanos. As ações do governo federal têm se dado no intuito de orientar e consolidar a atuação das cooperativas de crédito em direção às populações de baixa renda e nos municípios de pequeno e médio porte: o governo instituiu, por intermédio do Banco Central, uma legislação pertinente que incluiu, em 2002, a categoria de microempreendimentos para a constituição de cooperativas de crédito mútuo e autorizou, em 2003, a constituição de cooperativas de livre adesão de associados, fortalecendo o foco territorial de atuação dessas organizações (respeitando determinados limites populacionais), e não setorial. É fundamental refletir sobre organizações que atuam de modo a superar os problemas que os mais pobres enfrentam para ter acesso a serviços e produtos financeiros formais e que favoreçam a ampliação sustentável desse | 12 |
acesso. Essas organizações acumulam processos de aprendizagem na elaboração e aplicação de instrumentos e metodologias apropriadas que precisam ser melhor compreendidos. Nesse livro, Fábio Búrigo se debruça sobre tal tarefa e proporciona aos leitores uma importante e sólida análise sobre o cooperativismo de crédito, com ênfase nos sistemas em operação no Sul do Brasil. Seu trabalho discute o papel das cooperativas de crédito no processo de desenvolvimento rural e apóia-se, a partir da própria experiência do autor como assessor no movimento de expansão do cooperativismo, na caracterização dos diferentes sistemas cooperativistas de crédito rural em Santa Catarina. Nesse estado, as cooperativas formam um conjunto heterogêneo, especialmente em termos de volume de capital, abrangência territorial e social e formas de atuação. Dessa maneira, além das cooperativas denominadas neste trabalho de tradicionais, por suas intensas vinculações ao cooperativismo agropecuário, o autor analisou as cooperativas alternativas e as vinculadas ao Sistema Cresol, à época, sediado no estado do Paraná e iniciando sua expansão para o restante da região Sul. Esses dois grupos de cooperativas foram constituídos a partir da atuação de movimentos populares, de sindicatos de trabalhadores rurais e de organizações não-governamentais: resultaram, basicamente, da consolidação de estratégias de cooperação financeira, de caráter informal e formal, que essas organizações levaram à frente a partir da década de 1990. O autor, por conta de sua vinculação a uma das organizações não-governamentais, vivenciou muito de perto o processo de constituição dessas cooperativas e desempenhou um papel qualificado na definição do conteúdo de sua atuação junto dos agricultores familiares. O potencial das cooperativas na oferta de serviços e produtos financeiros se realiza justamente por seus elementos constitutivos – funcionam sem fins lucrativos, coletam e aplicam a poupança local, e suas características organizacionais estão baseadas na mutualidade e na autogestão –; no entanto, o autor foi mais longe na análise do seu potencial e indagou até que ponto é possível considerar as cooperativas de crédito rural instâncias locais de desenvolvimento. Ou, contrariamente, se as cooperativas estariam se tornando mais uma instituição bancária com interesses essencialmente comerciais. | 13 |
Fábio Búrigo buscou apontar, associando sua experiência profissional a uma ampla revisão de literatura de temas diretamente vinculados à expansão e atuação do cooperativismo de crédito, como as políticas públicas voltadas ao fortalecimento da agricultura familiar, as alterações recentes nas funções tradicionais dos bancos ante a expansão do capitalismo financeiro e o crescimento dos programas de microcrédito são fatores que condicionam a transformação das cooperativas de crédito rural em agentes locais do desenvolvimento rural. Procurou também compreender, opondo uma visão desenvolvimentista à visão exclusivamente bancária, o potencial das cooperativas de crédito como instituições que podem estar “enredadas” às demandas das regiões rurais. Ganha destaque na sua análise o diferencial importante estabelecido pelas cooperativas resultantes da atuação dos movimentos populares e sindicais, já que essas levaram adiante processos de criação e adaptação das tecnologias financeiras, especialmente no que concerne às metodologias de análise e controle da concessão do crédito, e de redução dos custos atribuídos a essa concessão a fim de conectar os agricultores familiares ao sistema financeiro, inclusive aos instrumentos da política pública operacionalizados pelos bancos públicos. O trabalho de Fábio Búrigo representa, sem dúvida, uma referência obrigatória para os estudos dedicados ao cooperativismo no Brasil, especialmente para aqueles que pretendem compreender seu papel no desenvolvimento das regiões rurais e sua expansão recente em direção às populações mais pobres. Mais do que isso, é um dos trabalhos precursores na análise da constituição de cooperativas vinculadas aos movimentos populares, que, paulatinamente, constroem referências peculiares para o funcionamento dessas organizações no Brasil e buscam um marco legal diferenciado e políticas públicas específicas para seu funcionamento.
Mônica Schröder Doutora pelo Instituto de Economia da UNICAMP e pesquisadora da Plural Consultoria, Pesquisa e Serviços | 14 |
I NTRODUÇÃO
Nos últimos quarenta anos, a agricultura de diversos países passou por um processo de modernização sem que isso representasse saltos significativos na qualidade de vida dos homens e das mulheres que viviam no campo. Ao contrário, em muitos casos o padrão modernizante, que orientava essas transformações para “industrializar” a agricultura, colaborou para aumentar a concentração de recursos naturais, econômicos e financeiros. Por isso, existe um diagnóstico de que há uma crise desse setor, o que abre uma série de oportunidades para se pensar um novo padrão de desenvolvimento do meio rural. Se no padrão moderno a cooperação já desempenhou um papel de destaque, sua importância não diminui dentro de um novo contexto. Para discutir a importância da cooperação dentro desse novo cenário é fundamental conhecer as diferentes estratégias de autoajuda criadas entre os agricultores e, principalmente, a vertente mais formal de cooperação rural, que se traduziu na constituição das cooperativas. O sistema cooperativista moderno floresceu e ganhou expressão econômica no século XX, sobretudo a partir de seu sucesso, observado no meio rural de muitos países. Além de ser o porta-voz dos processos de
modernização da agricultura da maioria dos países europeus, em especial na França, na Itália e na Alemanha, o cooperativismo se expandiu para várias regiões do globo, ramificando-se em diversas modalidades e envolvendo pessoas de diferentes níveis sociais e econômicos1. É importante ressaltar também que existem importantes estratégias de cooperação ligadas à área financeira. Há experiências consideradas do setor informal – como a dos banqueiros ambulantes e das caixas populares africanas – e do setor semiformal – como as cooperativas de crédito e de poupança, existentes em vários países. Entretanto, em alguns casos, as experiências de cooperação financeira chegaram a assumir um caráter formal, adquirindo grande destaque econômico. Talvez o exemplo mais conhecido de cooperação financeira venha da França: o Crédit Agricole, um banco cooperativista, sustentado por 56 caixas regionais, que englobam cerca de 2.800 caixas locais (cooperativas de crédito). Juntas elas possuem mais de 8.200 agências de atendimento. Com ativos superiores a US$ 455 bilhões e o patrimônio líquido de US$ 26 bilhões, o banco ocupa os primeiros lugares dentro do ranking dos grupos financeiros da França (Nouyrit, 1998)2. Na atualidade, as cooperativas de crédito diversificaram seus serviços. Em alguns países, além de atenderem ao meio rural e realizarem pequenos empréstimos pessoais, elas financiam empreendimentos na área da saúde, seguros, habitação, inversões, imobilizações e investimentos (Souza, 1996). No Brasil, o segmento das cooperativas de crédito experimentou avanços e retrocessos ao longo da história. A tímida presença no território nacional se deve, entre outros, ao fato de que as cooperativas de crédito ficaram praticamente proibidas de funcionar durante muitos anos. Somente na década de 1980 o cooperativismo de crédito rural encontrou novamente
Nos Países Baixos, por exemplo, as cooperativas agropecuárias dominam grande parte do mercado agroindustrial. Na França, as 3.800 cooperativas de produção agrícola controlam mais da metade da produção do país (Nouyrit, 1998). 2 Esta pujança se traduz também na presença do Crédit Agricole em todo continente europeu e por uma agressiva política de aquisição de bancos em outros continentes, notadamente em países do Mercosul (Gazeta Mercantil, 1999b). 1
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espaços para se estabelecer no Brasil3. Ele (re)nasceu, especialmente, dentro das cooperativas agropecuárias (coopers) das regiões Sul e Sudeste do país, em função da abertura política e das transformações ocorridas no crédito rural nesse período. A discussão sobre a importância das cooperativas de crédito rural (credis) para o desenvolvimento da agricultura e do meio rural evoluiu e ganhou novos ingredientes durante este processo de renascimento. Se na década de 1980 o cooperativismo de crédito rural se colocou apenas a serviço das coopers, no início dos anos 1990 ele passou a ser encarado também como um meio alternativo de organização do público da agricultura familiar4, permitindo às comunidades ampliar e democratizar a utilização de recursos do crédito rural oficial. Posteriormente, as cooperativas de crédito rural começaram a ser vistas por algumas correntes como entidades que
Atualmente, a legislação brasileira autoriza o funcionamento de diversos modelos de cooperativas de crédito. O presente trabalho dará especial atenção às cooperativas de crédito rural (aqui denominadas de credis), embora se reporte também aos demais modelos em alguns momentos. 4 Embora com ressalvas feitas pelo autor quanto às dificuldades de precisar o termo, Lamarche (1993) assim explica o que é agricultura familiar: “A exploração familiar, tal como a concebemos, corresponde a uma unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família. A interdependência desses três fatores no funcionamento da exploração engendra necessariamente noções mais abstratas e complexas, tais como a transmissão do patrimônio e a reprodução da exploração”. Outra definição mais simplificada é empregada por Abramovay e colaboradores (1998), na qual a agricultura familiar é denominada como “o setor da agricultura em que os gerentes ou administradores dos estabelecimentos rurais são também os próprios trabalhadores rurais”. Contudo, a definição que ganhou força nos últimos anos é aquela defendida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais na Agricultura (Contag), que assim caracteriza a agricultura familiar: “proprietários, arrendatários, parceiros, ocupantes, pescadores artesanais, extrativistas, agregados, pequenos garimpeiros e comodatários que tenham os seguintes requisitos: a) utilizam trabalho direto e pessoal da família, sem concurso do emprego permanente, utilizando apenas o trabalho eventual de terceiros; b) que não tenham, a qualquer título, área superior a quatro módulos fiscais; c) que, no mínimo, 80% da renda familiar seja originária da exploração agropecuária; d) que o produtor resida na propriedade ou em aglomerado rural ou urbano próprio próximo e e) no caso de pequeno produtor cuja propriedade não atingir a um módulo fiscal, a exigência de renda da exploração será, no mínimo, de 40%” (Soares; Sauer, 1998). O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), em vigor desde 1996, adotou os critérios da Contag, com exceção dos itens “a” e “e”. No caso do item “a” o governo considera agricultor familiar o produtor que utiliza até dois empregados permanentes. 3
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podem assumir um relevante papel no desenvolvimento local, sobretudo de regiões em que predominam as comunidades rurais. Em Santa Catarina, essas diferentes concepções sobre o papel do cooperativismo de crédito estão gerando, inclusive, a organização de novos sistemas – ou redes –, aumentando a complexidade do setor e criando um vasto campo de pesquisa em torno do potencial destas organizações. Nesse contexto, o intuito deste livro é discutir as possibilidades e os limites das cooperativas de crédito rural dentro de processos de desenvolvimento rural, baseado na trajetória recente do cooperativismo de crédito rural em Santa Catarina. Desse modo, para facilitar esse estudo, as cooperativas de crédito rural (já em funcionamento ou processo de constituição) foram enquadradas em três correntes de pensamento sobre o tema, a saber: a) A primeira corrente é vinculada ao sistema tradicional de cooperativas de crédito rural, ligadas ao Sistema de Cooperativas de Crédito Integrantes do Bancoob (Sicoob/SC). Nesse grupo está a grande maioria das cooperativas de crédito existentes no estado. Grande parte das filiadas deste sistema foram criadas durante a década de 1980 e ainda estão atreladas às coopers. Vale dizer que, inicialmente, as coopers fomentaram a criação das cooperativas de crédito rural com o objetivo de estabelecer um “braço financeiro” às suas organizações. Se antes as credis eram vistas apenas como instrumento de fortalecimento às ações das cooperativas agropecuárias, atualmente este objetivo se amplia. O Sistema Sicoob/SC está envolvido, atualmente, na consolidação do Banco Cooperativo do Brasil S.A. (Bancoob), um banco cooperativo que congrega diversas centrais de crédito mútuo e de crédito rural de alguns estados da União. b) A segunda corrente advém de um programa de animação para a constituição de cooperativas de crédito rural, criado no início dos anos 1990 e que não está mais em andamento. Este movimento, coordenado pelo Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro), atuava com uma lógica diferente daquela que motivou a criação de cooperativas de crédito rurais por dentro das cooperativas agropecuárias. As cooperativas de | 18 |
crédito rural constituídas através desta iniciativa serão aqui chamadas de alternativas. Elas foram criadas a partir de um processo de discussão e reflexão comunitária prévia à sua fundação. São organizações desvinculadas gerencial e politicamente das cooperativas de produção agropecuária em que o controle é efetuado pelos agricultores familiares (Cazella et al., 1994). Desde o início, fruto de um “acordo de cavalheiros” formulado entre os mentores deste Programa e a Central existente, as credis alternativas passaram a integrar o sistema tradicional após entrar em funcionamento. Posteriormente, com a mudança de postura do Sicoob/SC, os atores dessa experiência elaboraram novas estratégias de atuação do Programa, diante das dificuldades para manter os princípios que orientavam os seus trabalhos por meio do acordo até então existente. Como não estavam constituídos num sistema de credis, serão levados em conta na presente pesquisa os argumentos e referências teóricas que orientavam as estratégias desta corrente. c) A terceira corrente se origina no estado do Paraná, onde foi constituído o Sistema de Cooperativas de Crédito Rural de Interação Solidária (Cresol). O Sistema Cresol nasceu em 1995 nas regiões Sudoeste e CentroOeste do Paraná, fruto do trabalho de entidades de agricultores familiares, tais como organizações não-governamentais (ONG), sindicatos de trabalhadores rurais, movimentos populares, pastorais, associações de pequenos agricultores etc. (Couto, 1998). Nos últimos anos, a Cresol estabeleceu um plano de expansão, definindo uma ação de caráter regional que prevê sua presença em outros estados do Sul do Brasil. Durante o ano de 1998, duas credis de Santa Catarina, recém-criadas, ligaram-se a esse sistema. Em 1999, três que já estavam em funcionamento desligaram-se do Sicoob/SC e passaram a articular-se com a Cresol. Desde então, dezenas de novas Cresol surgiram em toda a região Sul. Cabe frisar que a discussão em relação às referidas correntes será estabelecida a partir de parâmetros de análise diferentes entre si, ante as dificuldades de se levantar e cotejar todos os indicadores necessários para se efetuar uma abordagem ampla do tipo comparativo. Pretende-se fazer aqui, portanto, uma reflexão de cunho mais geral, ressaltando características dos | 19 |
sistemas e das cooperativas que têm relevância para o tema do desenvolvimento local. Para apoiar esta reflexão serão feitas também referências a sistemas cooperativistas de outros países. A realização da pesquisa foi baseada nos seguintes recursos metodológicos: a) análise de documentação produzida pelas cooperativas, sistemas de cooperativas de crédito e entidades de apoio. As principais fontes foram os relatórios, as atas das reuniões das diretorias, os textos públicos e as informações das entidades que prestam algum tipo de assessoria às credis; b) análise de abordagens bibliográficas e de dados censitários disponíveis, sobre crédito, desenvolvimento, cooperativismo, e outros; c) entrevistas semidiretivas e depoimentos, coletados no Brasil e na França, com agricultores (associados e não associados das credis), dirigentes das credis, lideranças políticas, técnicos e estudiosos dos temas em questão. É importante ressaltar que a presente investigação não pretende aprofundar estudos em torno dos resultados econômicos das cooperativas, nem dos seus sistemas de apoio. Embora mereça importância, em função das limitações e dos objetivos deste trabalho, não será analisado o desempenho gerencial das credis ou dos sistemas. Da mesma forma, não serão avaliados os impactos de natureza técnica e econômica resultantes do emprego de recursos de crédito junto às propriedades dos associados das credis5. As reflexões sobre as concepções que norteiam cada experiência são, portanto, de ordem qualitativa, o que não impede que se recorra a dados quantitativos quando necessário. Para facilitar a investigação optou-se pela divisão do texto em temas e subtemas. Assim, cada tema compõe um capítulo desse livro. O primeiro campo de reflexão refere-se à cooperação cooperativista. Após delinear alguns
As análises de impacto econômico no uso do crédito rural dentro de uma unidade de produção agrícola familiar apresentam dificuldades para serem processadas, devido às características de “fungibilidade” do crédito, isto é, como o crédito se dilui dentro das propriedades dos agricultores, torna-se complicado identificar com precisão quais os ganhos específicos trazidos pelo seu uso em determinado período (Gentil; Nieuwkerk, 1998).
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aspectos da cooperação e discutir a sua importância na agricultura, será abordada brevemente a relação entre o cooperativismo e o Estado brasileiro, especialmente no que diz respeito ao seu papel no contexto das ações de “modernização” do campo. Na seqüência, procurar-se-á analisar a origem e a evolução do cooperativismo de crédito, levando-se em conta as diferenças políticas e doutrinárias contidas nos sistemas existentes em Santa Catarina. O segundo campo de análise se refere à questão do crédito rural e as instituições financeiras. Num primeiro momento, serão resgatados alguns estudos em torno do impacto do crédito rural na agricultura brasileira, bem como os programas criados pela política agrícola oficial recente. Uma vez que muitas credis efetuam empréstimos de verbas públicas, a análise da trajetória das políticas creditícias dirigidas ao setor rural é fundamental para que se possa compreender o processo de consolidação do cooperativismo de crédito no país. Essas considerações adquirem maior relevância no momento em que está em andamento um amplo programa governamental de apoio à agricultura familiar: o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Esse Programa, que será discutido separadamente no referido capítulo, tem destinado recursos creditícios aos agricultores e estimulado as comunidades na elaboração e aplicação de planos municipais e regionais de desenvolvimento rural. Na segunda parte do capítulo serão discutidos aspectos relacionados ao papel do cooperativismo de crédito dentro do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Dentro do contexto econômico e social atual, o SFN é entendido como um espaço estratégico de poder no qual, muitas vezes, manifestam-se diferentes conflitos de interesses. Será feita, ainda, uma breve análise do capitalismo financeiro dentro dos cenários nacional e internacional, para no final serem avaliadas, também, as possíveis conexões existentes entre o cooperativismo de crédito e os programas de microfinanciamento que estão em expansão no Brasil e em todas as partes do mundo. O terceiro campo de análise está ligado à temática do desenvolvimento rural e o cooperativismo de crédito. Ele serve como pano de fundo para a maior parte das observações tratadas nas seções anteriores. Interessa discutir neste ponto os espaços que podem ser ocupados pelo | 21 |
cooperativismo de crédito dentro do debate sobre as novas funções da agricultura e do “novo mundo rural” (Graziano da Silva, 1997; Brasil, 1998). A segunda parte do capítulo abordará os limites e os potenciais das credis como organizações financeiras locais dentro do contexto do desenvolvimento local. Isto é, procurar-se-á avaliar quais fatores influenciam a atuação das credis junto ao público beneficiário e de que maneira as credis podem reforçar as políticas públicas voltadas a “valorizar o potencial de renda no meio rural e nos municípios” (Abramovay, 1998). Neste tópico serão analisadas também as perspectivas dos bancos cooperativos em termos de desenvolvimento rural. Ao final, pretende-se levantar alguns elementos conclusivos que possam ajudar a responder a seguinte questão: diante da realidade brasileira atual e das características dos sistemas cooperativos existentes em Santa Catarina, até que ponto pode-se considerar uma cooperativa de crédito rural uma “instância local de desenvolvimento” (Schröder, 1997a)? Ou estaria ela se tornando mais uma instituição bancária com interesses essencialmente comerciais?
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Título
Cooperativa de crédito rural: agente de desenvolvimento local ou banco comercial de pequeno porte?
Autor
Fábio Luiz Búrigo
Assistente editorial Assistente administrativo Secretaria Divulgação Projeto gráfico e Diagramação Capa
Hilario Junior dos Santos Neli Ferrari Alexandra Fatima Lopes de Souza Márcia Maciel e Josué Carvalho Ronise Biezus Ronise Biezus, a partir da obra de Henri Rousseau, “Landscape With Factory”, 1896-1906
Preparação dos originais
Jakeline Mendes Ruviaro
Revisão
Jakeline Mendes Ruviaro
Formato
16 X 23 cm
Tipologia Papel Número de páginas Tiragem Impressão e acabamento
CaslonOldFaceBT entre 7 e 15 pontos Capa: Cartão Supremo 350 g/m2 Miolo: Pólen Soft 80 g/m2 135 1000 Gráfica e Editora Pallotti - Santa Maria (RS)
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