Reatando o elo com a Itália

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REATANDO O ELO COM A ITÁLIA


Série Debates UNOCHAPECÓ Argos - Editora Universitária Av. Atílio Fontana, 591-E - Bairro Efapi - Chapecó - SC CEP 89809-000 - Caixa Postal 747 - Fone: (49) 321 8218 E-mail: argos@unochapeco.rct-sc.br

É vedada a reprodução total ou parcial desta obra

Associação Brasileira de Editoras Universitárias


IVONE BIGOLIN SIVIERO

REATANDO O ELO COM A ITร LIA

Chapecรณ, 2004


REITOR: Gilberto Luiz Agnolin VICE-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO: Gerson Roberto Röwer VICE-REITORA DE GRADUAÇÃO: Rosemari Ferrari Andreis VICE-REITORA DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GRADUAÇÃO: Arlene Renk

Dados de catalogação 325.345098164 S587r

Siviero, Ivone Bigolin Reatando o elo com a Itália / Ivone Bigolin Siviero. - - Chapecó : Argos, 2004. 170 p. - - (Debates) 1. Colonização italiana – Santa Catarina. 2. Italianos – Imigração. 3. Imigrantes italianos – História – Brasil. I. Título. CDD 325.345098164

ISBN: 85-7535-048-X

Catalogação: Yara Menegatti - CRB 14/488

Conselho Editorial Cláudio Jacoski (Presidente); Arlene Renk; Mary Neiva Surdi da Luz; Nedilso Lauro Brugnera; Odilon Luiz Poli; Ricardo Rezer; Valdir Prigol; Volnei de Moura Fão Coordenador: Valdir Prigol Assistente Editorial: Hilário Junior dos Santos Assistente Administrativo: Neli Ferrari Revisão: Arisangela Denti Projeto gráfico: Hilário Junior dos Santos Diagramação: Alberto Dal Piva Capa: Paulo de Tarso


Agradecimentos Às minhas filhas, Renata e Rafaela, meus presentes divinos, e ao meu querido Darci, pelos momentos que deveriam ser seus. À minha mãe Emília e meu pai Alcides (in memoriam), meus primeiros educadores. À memória de Valentin Bigolin, que, além de irmão, soube ser amigo. À minha irmã Marilce e sua família pelo incentivo, contribuições e apoio incondicional. Ao querido Jornalista Wilson Paulo Grosbelli, pelo auxílio à realização das entrevistas. A todos os entrevistados, pela atenção e tempo dispensado para dialogar sobre a problemática em questão. À orientadora deste trabalho, Professora Ms. Adiles Savoldi, pelo companheirismo e dinamismo demonstrados no acompanhamento da pesquisa.


SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO

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I – O ORGULHO DA DESCENDÊNCIA ITALIANA Globalização e “encolhimento do mundo” A universalidade recebe cores da realidade local Consciência étnica em ascenso Identidade Etnicidade, caráter político e afetividade Por que o Oeste? A construção da nova italianidade

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II – INVENTANDO A ITÁLIA A Itália no século XIX Memória seletiva Viagem para a América: mescla de sonho e sofrimento “(...) O que deram para nós no Brasil? Os montes, a serra gaúcha” “(...) Eles tiveram que migrar” Ora orgulho, ora vergonha

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III - REINVENTANDO A ITÁLIA Tradições antigas ou inventadas?


97 Busca da identidade: recriação do passado 101 Parentes?! Família concebida como uma descendência 113 113 117 138

IV – LAÇOS DE FAMÍLIA: REATANDO O ELO COM A ITÁLIA "Agora que eu já conheci a Itália, eu posso morrer!" Relatos dos encontros/relatos da experiência "Parentes"?

141 CONSIDERAÇÕES FINAIS 157 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 162 ANEXOS


INTRODUÇÃO

Assistimos, no final do século passado e início deste, a um “encolhimento do mundo” resultante do desenvolvimento dos meios de transportes, comunicação e informática, como também, assistimos a uma “reformulação do regional” frente à globalização, com uma crescente valorização das particularidades − e reemergência de questões étnicas. Então, questionamos: - Os atuais encontros realizados entre os italianos do Oeste catarinense e os europeus são um indicativo do ressurgimento de questões étnicas frente à globalização? - Como as questões étnicas estão ressurgindo? - Como a valorização das particularidades estão se manifestando? A escolha do tema se deve à necessidade de se analisar os encontros que vêm sendo realizados entre as famílias de italianos do Oeste Catarinense e as fa-


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mílias européias, visto que os mesmos têm se intensificado, principalmente na última década, demonstrando não ser uma prática singular, isolada, mas repleta de idéias, comportamentos, regras, regularidades..., impregnados de significados. Além disso, há também o surgimento e fortalecimento de algumas outras práticas, na região, que estão estreitamente ligadas em seus significados à realização dos encontros familiares, denotativos, implícita ou explicitamente, do ressurgimento de questões étnicas. Para exemplificar, destacamos: - Surgimento de associações de italianos: 02 em Xanxerê, uma Vêneta (fundada em 27/07/96) e outra Trentina (1997); 01 em Xaxim: Associazione Triveneta di Xaxim–SC (fund. em 07/11/1991); 01 em São Lourenço do Oeste: Círculo Vêneto de São Lourenço do Oeste (1998); 04 em Chapecó: Friulana (1998), Vêneta (1991), Trivêneta (1997) e Círculo Italiano de Chapecó (1997); - Cursos de língua italiana sendo incentivados para crianças, jovens e adultos; - Promoções de festas com culinária, danças, cantos... tipicamente italianos; - Surgimento de programas radiofônicos dirigidos aos italianos: só na Rádio Cultura de Xaxim, havia até 2001 dois programas semanais do gênero, um em italiano clássico, mais erudito, e outro, mais popular, falado no dialeto. Hoje permanece apenas um deles.


– Participação de líderes regionais nas representações junto ao consulado: para exemplificar, citamos a Sra. Marilei Piana Giordani, residente em Xaxim–SC, eleita presidente da Commissione di Cultura COMITES1 – PR/SC, em 1998. Não obstante, percebemos que muitos aspectos da vida cotidiana do grupo em foco têm manifestado forte apego às tradições nostálgicas2 e desejo à busca das raízes como forma de construção da identidade. Tais aspectos, e outros do cotidiano, merecem registro e estudo, visto que não há estudos mais profundos a respeito, principalmente ao que se refere à realização dos encontros internacionais entre as famílias. Contudo, não se trata de isolar o entendimento destes aspectos, mas considerá-los num todo, pois como no dizer de Milton Santos, “a universalidade recebe cores da realidade local” 3. Aproveitando a possibilidade de substituição de perspectivas lineares de uma história contínua e factual, oferecida pela História Social, historiar e ana-

1. COMITES: “Comitato degli Italiani all’estero” - representação das comunidades italianas no exterior junto ao consulado da Itália e ao Governo Italiano. 2. Resultado da leitura que o grupo faz do passado dos ancestrais. 3. Citado durante debate realizado entre Milton Santos, geógrafo, Paulo Sérgio Pinheiro, cientista político, Caio Túlio Costa, da Folha de São Paulo, sobre o tema “fronteiras”, realizado pela PUC/SP, gravado em fita de vídeo pertencente à UNOESC/Chapecó.

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lisar os encontros familiares enquanto indicativo da questão étnica do Oeste catarinense, em consonância com a Antropologia, nos possibilitará analisar as experiências vividas na perspectiva de Thompsom (1981, p. 189): [...] as pessoas não experimentam sua experiência apenas com idéias, no âmbito do pensamento e de seus procedimentos. Elas experimentam sua experiência com sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou (através de formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas.

Outro fator também determinante na escolha do tema, é o fato de ter havido, por mim e minha família, uma vivência prévia na realização de encontros com parentes europeus, o que permite uma reflexão mais ampla da problemática, já que muitas indagações surgiram enquanto membro participante nas ocasiões dos encontros, seja no Brasil ou na Itália. Por outro lado, foi necessário estranhar algumas práticas culturais do meu cotidiano, as quais se encontravam naturalizadas. Neste trabalho pude perceber que muitas dessas práticas eram resultado de valores sociais do grupo ao qual estava inserida. Então, para atingir o objetivo de historiar e analisar os encontros familiares enquanto indicativos


da questão étnica do Oeste catarinense4 , assim como, analisar a relação de parentesco criada a partir da realização desses encontros entre as famílias de italianos da região com as famílias européias e as implicações disso, optou-se pela pesquisa de campo por oferecer a possibilidade de se abordar diferentes representações das experiências vividas. Além disso, a presente pesquisa não se deteve em aspectos quantitativos mas sim qualitativos. Assim, a opção por procedimentos metodológicos que incluem revisão bibliográfica, buscando fundamentação teórica; análise documental extraídos de passaportes, estatutos de associações, bem como de jornais, revistas, periódicos, fotografias,...; e, principalmente, entrevistas, realizadas com dirigentes de associações de italianos e/ ou, membros de famílias descendentes de italianos residentes na região Oeste de Santa Catarina, pare-

4. De acordo com RENK (1997: p.31), O “Oeste Catarinense” é formado atualmente por mais de uma centena de municípios. “Originalmente foi o território, cujos limites políticos eram os dos municípios de Joaçaba (chamado Cruzeiro) e Chapecó, criados em 1917”. É uma região que abrange aproximadamente 30 mil quilômetros quadrados e compreende a área entre os rios do Peixe, Uruguai, Iguaçu e Peperi-guaçu. Na presente pesquisa as cidades contactadas restringiram-se a Chapecó, Xaxim, Xanxerê, São Domingos e São Lourenço d’Oeste. Além disso, é importante que se esclareça que o conceito de “região” considerado no presente trabalho não se restringe apenas a um recorte geográfico, mas considera-se a perspectiva de Bourdieu na relação entre espaço e história.

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ceu coerente e eficaz por abrir espaço para reflexão e análise da prática em estudo. Dessa forma, ainda na fase de coleta de dados, além da seleção documental e bibliográfica, a realização das entrevistas se fez, primeiro mediante um contato prévio, via telefone, para posterior deslocamento, já que os depoentes residem em diferentes cidades pertencentes à região: Chapecó, São Domingos, São Lourenço do Oeste, Xanxerê e Xaxim. Todavia, apesar da incontestável importância das entrevistas gravadas e, posteriormente, transcritas, há informações analisadas muito significativas, que foram obtidas informalmente, visto que a presença de um “microfone” provoca um certo constrangimento ou intimidação. Assim, foram utilizados como subsídios e fontes, além dos já mencionados, a observação e análise das festas, dos costumes, da vida familiar, das conversas informais e até mesmo, algumas experiências vivenciadas por mim, uma vez que, filha de descendentes de italianos, tenha participado de situações semelhantes às vivenciadas pela populaçãoalvo da pesquisa. Cabe ainda esclarecer que categorias como “experiência”, “invenção das tradições”, “identidade”, “cultura”, “parentesco”, por exemplo, serão utilizadas analiticamente, estabelecendo-se um diálogo com autores como Hobsbawm, Woortmann, Savoldi, Renk, entre outros, de forma a possibilitar emba-


samento teórico necessário à realização da pesquisa pois, numa pesquisa “impõe–se valorizar mais a teoria e atribuir à prática a relevância que merece, articulando uma à outra” (VILLALTA, 1993, p.230). Contudo, o que se pretende não é buscar apenas segurança de uma teoria perfeita, totalizada, pois, conforme Thompson, isso seria uma heresia original contra o conhecimento. Sinto decepcionar aqueles praticantes que supõem que tudo o que é necessário saber a história pode ser construída a partir de um aparelho mecânico conceptual. Mas se voltarmos à ‘experiência’ podemos passar, desse ponto novamente para uma exploração aberta do mundo e de nós mesmos. Essa exploração faz exigências de igual rigor teórico, mas dentro do diálogo entre a conceptualização e a confrontação empírica (THOMPSON, 1981, p.185).

Buscando, então, melhor compreender o quadro em que se desenvolveram as relações dos italianos do Oeste catarinense com os europeus na década de 90, é que o presente trabalho foi dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo – “O orgulho da descendência italiana” –, estabelece um paralelo entre a “globalização” e “etnicidade”, tomando-se como objeto de estudo e análise as práticas desenvolvidas pelos descendentes de imigrantes italianos do Oeste catarinense; práticas essas que evidenciam o exposto

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por Renk que a “questão étnica tem sempre uma emergência histórica, não sendo resultante, portanto, do ‘nada’”. O segundo capítulo − “Inventando a Itália” − situa historicamente, embora de maneira breve, a trajetória dos descendentes de imigrantes italianos do Oeste catarinense a partir do deslocamento da Itália, em 1865, com o objetivo de compreender os diferentes modos de pensar, agir e reagir, em diferentes momentos da trajetória desses imigrantes, a fim de se analisar a razão do acirramento dos vínculos regionalistas intensificados na década de 1990. O terceiro capítulo analisa as narrativas das intenções e realizações dos encontros de famílias que são mediadas por um “sentimento de italianidade”, sentimento este que constitui o principal elemento demarcador da identidade do grupo; como se processa a construção dessa identidade, enfocando a recuperação das histórias familiares com raízes na Europa com a respectiva construção de suas “árvores genealógicas”; e ainda, a metáfora criada da “árvore que se ramifica e se espalha”, e, posteriormente, da “junção, união dos galhos”. E, finalmente, no quarto capítulo, "Laços de família: reatando o elo com a Itália", analisa-se, através dos relatos das viagens à Itália, realizadas por parcela significativa de descendentes de imigrantes italianos do Oeste catarinense, as reações surgidas por oca-


sião dos encontros dos descendentes de imigrantes italianos do Brasil, “brasiliani”, de um lado, e os “italiani” (Itália), do outro. Dessa maneira, baseando-se nos argumentos expostos e procurando confrontar a prática em foco com a teoria presente em textos e obras selecionadas por tratarem da questão, é que se desenvolveu a presente pesquisa, não com o objetivo de estabelecer certezas, prontas ou acabadas, mas sim levantar dados que possibilitem discussão, reflexão e análise mais profundas.

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