Finanças e solidariedade: cooperativismo de crédito rural solidário no Brasil

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Finanças e solidariedade cooperativismo de crédito rural solidário no Brasil Fábio Luiz Búrigo Cortesia de parte do 1o capítulo. Mais informações da obra em www.unochapeco.edu.br/argos

Chapecó, 2010


Reitor: Odilon Luiz Poli Vice-Reitora de Ensino, Pesquisa e Extensão: Maria Luiza de Souza Lajús Vice-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Claudio Alcides Jacoski Vice-Reitor de Administração: Sady Mazzioni Diretora de Extensão: Maria Lucia Marocco Maraschim

© 2010 Editora Argos Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita do Editor. 332.71 B958f

Búrigo, Fábio Luiz Finanças e solidariedade: cooperativismo de crédito rural solidário no Brasil / Fábio Luiz Búrigo. – Chapecó, SC : Argos, 2010. 454 p. Inclui bibliografia 1. Crédito agrícola. 2. Cooperativismo. I. Título. CDD 332.71

ISBN: 978-85-7897-007-9

Catalogação Daniele Lopes CRB 14/989 Biblioteca Central Unochapecó

Conselho Editorial: Elison Antonio Paim (Presidente); Antonio Zanin; Arlene Renk; Darlan Christiano Kroth; Eleci Terezinha Dias da Silva; Iône Inês Pinsson Slongo; Jacir Dal Magro; Jaime Humberto Palacio Revello; Leonardo Secchi; Maria Assunta Busato; Maria dos Anjos Lopes Viella; Maria Luiza de Souza Lajús; Mauro Dall Agnoll; Moacir Deimling; Neusa Fernandes de Moura; Paulo Roberto Innocente; Rosana Badalotti; Valdir Prigol Coordenadora: Maria Assunta Busato


Cooperativismo de crédito: da origem aos dilemas atuais

As primeiras organizações cooperativas Registros históricos mostram que as sociedades humanas nem sempre optaram pela força e opressão para resolver suas dificuldades e conquistar avanços em termos civilizatórios. Desde os tempos imemoriais, era comum recorrer à livre associação e à solidariedade para desenvolver empreendimentos de interesse comum. Certamente, esse espírito cooperativo ajudou o ser humano a impulsionar sua cultura, mas as delimitações quanto ao grau cooperativo e concorrencial, existentes no seio de todas as sociedades, se expressam sempre em contextos socialmente determinados: “a verdade é que estão presentes em toda a vida tanto forças unificadoras como forças divisoras. A organização social [...] reflete o equilíbrio que se processou entre essas forças” (Minas Gerais, 1994, p. 7). Além das ágapes dos primeiros cristãos, as marcas da cooperação econômica já se faziam notar entre os povos babilônicos, gregos, romanos, russos, chineses, sérvios, germanos, entre outros.


Cerca de mil anos antes de Cristo, na região próxima da fronteira entre Índia e Bangladesh, onde mais tarde se formou a cidade de Calcutá, os produtores de arroz criaram organizações cooperadas como forma de reduzir os riscos na travessia da foz do rio Ganges. Suas colheitas eram repartidas em barcos para diminuir as perdas em caso de naufrágio. Também na Palestina, por volta do ano 356 da Era Cristã, observou-se a formação de associações mútuas para efetuar o seguro do gado entre as caravanas de mercadores (Minas Gerais, 1994, p. 8). São conhecidos outros exemplos de convivência cooperativa, que perduraram por séculos, e que, em alguns casos, existem até os dias de hoje. As populações agrícolas da Europa construíram diques, canais, serrarias e obras de drenagem em comum, partilharam os campos para viabilizar a pecuária, organizaram mutirões para efetuar as colheitas, conservaram os produtos de seu trabalho – como no caso do leite, que era transformado em queijo e repartido entre os membros da comunidade. As associações de poupança e crédito rotativas (roscas), uma forma de cooperação financeira ainda existente em várias partes do mundo, já estavam presentes no Japão há cerca de seiscentos anos. No Brasil Colônia, os negros fugitivos organizaram quilombos em várias partes do país que funcionaram como repúblicas cooperativas. Os jesuítas, que aportaram no continente sulamericano no início do século XVII, aliaram a prática do mutirão – um tipo de cooperação indígena – com a fé cristã para organizar as missões coletivistas. A “República dos Guarani” funcionou por cerca de 150 anos como um modelo original de organização econômica e social.

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No campo teórico, a cooperação já estava presente em Platão, com sua ideia de República. No final da Idade Média e início da Idade Moderna, o sonho de criação da sociedade ideal (estabelecida sob base cooperativa, regras de convivência harmoniosa e exploração racional da natureza) era reforçado por obras como “A Utopia”, de Thomas Morus (1478-1536), “A Nova Atlantis”, de Bacon (1561-1626), e por outros pensadores utopistas. Mas foram os ingleses Plockboy e Bellers (1654-1725) – este influenciou diretamente Robert Owen e Karl Marx – que procuraram, pela primeira vez, sistematizar os princípios cooperativos e podem, por isso, ser considerados os precursores da concepção cooperativa moderna. Eles defendiam que, em vez de reverenciar o dinheiro, a sociedade moderna precisava valorizar o trabalho como fonte de riqueza. Suas principais propostas nesse sentido eram: a consolidação da noção de autoajuda, já bastante presente entre os pobres; a criação de associações econômicas livres; a participação democrática dos associados na gestão; a supressão dos intermediários, ampliando os ganhos dos produtores; o estabelecimento de relações entre a agricultura e a indústria, e entre a produção e o consumo; e de que as ideias cooperativas precisam deixar o plano teórico para serem comprovadas por intermédio de ações práticas (Mladenatz, 2003, p. 34-35). Essa visão se contrapunha ao que se via desde o início do século XVI, quando a Europa passou a viver o advento da modernização capitalista. As alterações no regime político e jurídico quebraram costumes coletivos seculares, como a exploração comum das terras, instituíram a noção de propriedade privada e fortaleceram a ideia da competitividade em termos culturais e econômicos.

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A partir do final do século XIX, as ideias evolucionistas de Darwin em relação à biologia – como a tese da seleção natural e da competitividade como estratégia de sobrevivência – passaram, equivocadamente, a ser defendidas como válidas às sociedades humanas. Na história do pensamento, a Europa vivia um tempo em que muitos acreditavam que o conflito de interesses e a presença do espírito competitivo eram elementos preponderantes da essência humana, diminuindo a importância da cooperação como princípio-chave para o desenvolvimento econômico e social. Para se firmar como modo de produção, o sistema capitalista precisou organizar as atividades econômicas em espaços empresariais e dobrar as resistências e as contradições geradas pela lenta e brutal transformação do regime medieval, que regulava a força de trabalho. A economia do capital necessitava de um mercado formal do trabalho e de um espaço para efetuar os negócios que fosse separado da vida familiar. As atividades econômicas passaram, então, a ser monitoradas por controles jurídicos e contábeis cada vez mais racionalizados que, paradoxalmente, acabaram também proporcionando um espaço maior para o livre associativismo. Foi principalmente na Grã-Bretanha que o ambiente de liberalismo e de racionalidade econômica mais se instaurou. Naquela região, a luta pela implantação do regime capitalista de livre concorrência gerava contradições explosivas entre capital e trabalho, interesses individuais e coletivos, produção e consumo. Rompiam-se, naquele momento, equilíbrios sociais, políticos e econômicos que davam determinado formato aos princípios da reciprocidade, da redistribuição e da domesticidade. O capitalismo tentava

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modificar a composição desses equilíbrios impondo, em todos os espaços em que se imiscuía, a mercantilização da terra, do trabalho e do dinheiro (Polanyi, 2000). Foi nesse ambiente, em profunda transformação, que o associativismo ou cooperativismo – palavra criada por Gide somente no final do século XIX – começou a se cristalizar em termos mais formais. Ele aparece como um mecanismo de resistência daqueles que buscavam alternativas de sobrevivência diante da crescente exploração estabelecida pelos burgueses. Em geral, a luta associativista aglutinava artesãos e camponeses que viravam, compulsoriamente, submissos a um salário para sobreviver, visto que não detinham mais os instrumentos de produção que lhes deram certa independência durante a Idade Média. Arregimentava, também, intelectuais, mecenas e outros segmentos sociais insatisfeitos com o novo estilo de vida que o capitalismo industrial passava a impor a todos. Com o apoio dos ideais iluministas, esses grupos eram refratários às ideias do progresso a qualquer custo, ao utilitarismo e à expansão da lógica mercantil para quase todas as esferas da vida social. Até mesmo certos segmentos mais esclarecidos da burguesia capitalista começavam a perceber que as péssimas condições de vida e de trabalho dos operários estavam baseadas numa lógica econômica perversa e que a liberdade para o aumento irrefreável dos lucros privados acabava prejudicando a própria dinâmica da economia industrial. Foi nesse cenário em ebulição que brotou também uma lenta modificação no imaginário social a respeito do que significavam a miséria e a pobreza, já que ambas não eram mais vistas como resultado dos desígnios divinos, mas como fruto do regime econômico e social em vigor. Foi nesse

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momento também que o cooperativismo formal passou a representar um sinal de esperança para quem defendia mais igualdade e justiça social. Os agrupamentos cooperados de cunho econômico aparecem ainda no século XVIII, quando os primeiros sindicatos e associações procuravam maneiras para defender os trabalhadores ante a volúpia do capital. Quase ao mesmo tempo florescem, com diferentes graus de aplicabilidade prática, projetos de criação de aldeias coletivas, grêmios operários, bazares de trocas e outras experiências de apoio mútuo entre os trabalhadores. Mas foi durante as primeiras décadas do século XIX que a Inglaterra assistiu à união revolucionária entre sindicatos e cooperativas, combinando a luta política e a econômica de uma forma tão íntima como jamais se viu na história ulterior dos movimentos sociais anticapitalistas. Com efeito, a “criação desse tipo de cooperativa, estreitamente ligada à luta de classes conduzida pelos sindicatos, conferia a essa luta uma radicalidade muito maior” (Singer, 2002, p. 29). Era, de fato, um momento singular. As experiências cooperativistas tentavam colocar em prática as teses dos primeiros utopistas a respeito da criação da sociedade ideal. Nasciam ali, igualmente, as bases para a formulação de um novo modelo econômico, que se dispunha a superar o capitalismo.

Os socialistas cooperativistas utópicos O francês Saint-Simon (1760-1825) acreditava que o trabalho organizado em cooperativas e o uso de conhecimentos da

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ciência poderiam proporcionar a felicidade social. Considerado o primeiro dos socialistas utópicos, o autor defendia modificações na organização industrial e uma reforma radical do Estado, embora não fosse pregador do fim da propriedade, desde que ela estivesse ao interesse das massas. Combatia ferozmente os nobres, que eram vistos como parasitas que impediam as reformas sociais e o desenvolvimento da nação. Seus seguidores participaram ativamente de vários movimentos de contestação, como a Revolução de 1848 e a Comuna de Paris, de 1871. Todavia, o mais radical e conhecido socialista utópico foi o galês Robert Owen (1771-1858). As ideias de Owen se tornaram famosas em sua época devido aos resultados que sua empresa apresentava (Mladenatz, 2003, p. 35). Apesar de sua origem modesta, ele conseguiu construir empreendimentos de grande porte. Sua empreitada mais expressiva foi a New Lanark, uma indústria do interior da Escócia que chegou a contar com mais de 2.500 trabalhadores. A empresa combinava vitórias econômicas e benefícios sociais, impensáveis na época, como a criação de escolas para os filhos dos operários. Owen obtinha lucros elevados mesmo com as despesas com o amparo social e a divisão de dividendos que a empresa oferecia aos operários. No plano teórico, Robert Owen foi considerado o pai da cooperação moderna, sendo o primeiro a utilizar o termo no sentido econômico (Minas Gerais, 1994, p. 16). Combatia o lucro e a concorrência como os principais males do meio social, responsabilizando-os pelas crises de superprodução e subconsumo, comuns na sua época. Ele se dirigia constantemente aos governantes defendendo uma distribuição mais justa das riquezas da sociedade, mas suas palavras não encontravam eco. 45


Os princípios de Owen encontraram forte apelo entre alguns grupos sociais e ajudaram na formulação das primeiras cooperativas, como a dos Pioneiros de Rochdale7. Owen imaginava o fim das propriedades privadas e da divisão social do trabalho entre operários e patrões e questionava o poder dominador do dinheiro. Ambas seriam substituídas por aldeias cooperativistas erguidas em torno das fábricas. Nessas aldeias estariam integradas, num mesmo espaço coletivo, as atividades agrícolas e industriais. Teriam o objetivo também de garantir o domínio dos trabalhadores sobre a produção e o consumo e viabilizar a educação para os seus filhos – Owen via na educação o instrumento mais importante para mudar o sistema social e alcançar a felicidade humana. Reproduções de suas colônias livres foram criadas na Inglaterra, nos EUA e no México, mas acabaram não prosperando por motivos diversos. Porém, pelo menos uma delas, impulsionada pelo seu discípulo Craig, alcançou sucesso na Irlanda a partir

7. Embora o movimento cooperativista inglês já existisse anteriormente, foi no dia 21 de dezembro de 1844 que o cooperativismo mundial ganhou formalmente suas diretrizes fundamentais. Nessa data, 28 tecelões da cidade inglesa de Rochdale inauguraram seu armazém comunitário, organizados em uma sociedade de cooperação. Os princípios cooperativos elaborados em Rochdale serviram de inspiração para a propagação do cooperativismo no mundo e são, em muitos casos, seguidos até os dias de hoje pelas cooperativas e suas organizações de representação. Os princípios cooperativistas são discutidos e ratificados periodicamente. Atualmente, eles são os seguintes: adesão voluntária e livre; gestão democrática pelos membros; participação econômica dos membros; autonomia e independência; educação – formação e informação; intercooperação; interesse pela comunidade. Para conhecer os detalhes da cooperativa de Rochdale ver, entre outros, Holyoake (2002).

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de 1830. Foi destruída somente quando seu estimulador, um rico proprietário, teve de retirar o apoio ao empreendimento, após perder suas terras e demais posses nas mesas de jogo (Kautsky, 1980). Fourier (1771-1837), outro crítico feroz do capitalismo, acreditava que por meio do associativismo era possível combater as irracionalidades que afetavam a economia e, com isso, eliminar as desigualdades sociais. Para comprovar suas teses, ele formulou projetos procurando demonstrar a viabilidade da vida humana em comunidades livres (falanstérios) que funcionariam como unidades de produção e consumo autossustentáveis, com a propriedade dividida de forma proporcional de acordo com o trabalho, o talento, o capital investido e outros mecanismos de redistribuição da riqueza. Suas ideias se propagaram com a formação de uma legião de discípulos famosos, que se congregavam em torno da “escola associativa” e da organização de diversos falanstérios, que se estabeleceram em algumas partes do mundo, inclusive no Brasil8. Foi Fourier também quem primeiro firmou a ideia de se repassar recursos com juros baixos aos agricultores, que receberiam o dinheiro em troca do depósito de seus produtos em armazéns comunitários. Por esse mecanismo, Fourier acabou desenhando as

8. Em 1847, o médico Jean Maurice Faivre, adepto de Fourier, estabeleceu a colônia Tereza Cristina no interior do Paraná. Naquele estado surgiu, posteriormente, outro falanstério, denominado de Colônia Cecília. Em Santa Catarina, experiências similares foram realizadas no Litoral Norte, perto de Garuva e de São Francisco do Sul. Depois de algum tempo, as colônias foram abandonadas.

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operações financeiras que estariam na base das futuras cooperativas de poupança e crédito9. Como Owen e Fourier, Proudhon (1809-1865) também não acreditava na propriedade privada. Defendia o fim do arrendamento das terras e a autogestão do Estado, construída sob bases mutualistas – essa ideia tanto fundamentou a criação do movimento anarquista quanto desagradou o socialista Marx. Contemporâneo de Proudhon, Phillipe Benjamim Buchez (1796-1865) defendia, por sua vez, que os operários deveriam se reunir para, livremente, aplicar suas poupanças em comum, obter empréstimos, produzir coletivamente, assegurar a todos o mesmo salário e reunir as receitas líquidas em fundo comum. Buchez foi um dos principais inspiradores do cooperativismo na França. Junto a essas narrativas é preciso lembrar que muitos socialistas utópicos experimentaram, ainda em vida, o gosto amargo de seus próprios insucessos. O fracasso das experiências de Fourier, por exemplo, “levou muitos socialistas à convicção de que era impossível reformar o capitalismo por força dos exemplos” (Hunt; Sherman, 2001, p. 85). No caso de Owen, depois que suas ideias e práticas revolucionárias lhe trouxeram riqueza e reconhecimento internacional, ele viu suas iniciativas naufragarem, fazendo com que nem os mais de trinta anos de militância em prol da causa dos

9. A terminologia “cooperativa de poupança e crédito” não é habitual no Brasil, embora as cooperativas daqui prestem ambos os serviços. Neste livro, a não ser quando assinaladas em contrário, as expressões “cooperativas de crédito” e “cooperativas de poupança e crédito” são vistas como sinônimos.

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trabalhadores o salvassem de um final de vida de pouco reconhecimento e de uma morte miserável. As trajetórias (muitas vezes erráticas) dos socialistas utópicos deixaram ensinamentos às futuras organizações cooperativas e a todos que se insurgiriam contra o individualismo e a exploração capitalista: seria preciso inventar mecanismos mais consistentes para se contrapor às resistências do poder instituído. Para se construir uma sociedade mais justa e cooperativa não bastava estipular regras e normas de interesse coletivo, era necessário também interferir nas condutas individuais, de modo a enfrentar as contradições humanas. As experiências cooperativistas coletivistas demonstravam que, em muitos casos, os indivíduos e grupos trocavam os propalados ideais de altruísmo, companheirismo ou fraternidade social por atitudes escusas, egoístas ou de interesse privado, pois, como assinalava Weber, a sociedade será sempre fruto do jogo de interesses que se constroem socialmente. Tendo como base as primeiras iniciativas promovidas pelos socialistas utópicos – e os inúmeros problemas que elas revelaram –, durante o século XIX foram formalizadas as experiências cooperativistas que acabaram consolidando o movimento e servindo de referência para sua expansão posterior. O crescimento foi tal que, em 1881, o cooperativismo já era representado na Europa por mais de mil sociedades e centenas de milhares de associados. Entre as principais referências para o movimento estão as cooperativas rochdale, mas as cooperativas de crédito de schulze-delitzsch e de raiffeisen são também consideradas centrais em termos de concepção e doutrina cooperativista. Foi a partir desse núcleo

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fundante que as experiências cooperativas começaram a se cristalizar em correntes de pensamento e práticas distintas. Nos debates que se travavam entre os socialistas revolucionários e as correntes reformistas europeias no quarto final do século XIX, o cooperativismo era fonte de muita polêmica. Parte desses grupos políticos de esquerda duvidava do potencial transformador das cooperativas. Apesar de seu apelo, o receio era de que o cooperativismo fosse incapaz de resistir à cooptação capitalista. Com efeito, foi essa a visão que acabou predominando no seio dos partidos comunistas e dos movimentos políticos operários europeus da época. Assim, o cooperativismo passou a ser considerado importante apenas como correia de transmissão da luta proletária pela tomada do poder. O grande líder socialista Kautsky, por exemplo, desconsiderava as cooperativas como ferramenta de transformação social, embora reconhecesse o potencial delas para aumentar a escala e a produtividade agrícola. Fleury (1983) afirma que, para Kautsky, as cooperativas, além de se constituírem num poderoso instrumento de avanço da industrialização da agricultura, não impediam que os mais necessitados caíssem nas mãos do usurário. Oppenheimer, embora grande estudioso e praticante do cooperativismo alemão, elaborou, em 1896, a “lei da transformação”: O destino das cooperativas é o fracasso, seja através de sua bancarrota, seja do seu sucesso econômico. No caso do sucesso, os sócios fundadores “privatizarão” sucessivamente os lucros, quer dizer, a cooperativa vira uma sociedade de capital e os sócios, capitalista-coletivos. [...] Entre a bancarrota e o caminho capitalista só existem, segundo Oppenheimer, períodos de transição temporários, intermediados pela auto-exploração. (Stecher, 1992, p. 74).

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Talvez baseada nas teses da lei da transformação é que a teoria cooperativa ganhou também pouco apelo nas ciências sociais na chegada do século XX. Em certo sentido, prevalecia a ideia de que as cooperativas viviam mesmo um dilema intrínseco à sua própria natureza, e por isso seriam sempre organizações instáveis. Como imaginava Oppenheimer, a necessidade crescente de investimentos – demanda constante para quem atua no mercado capitalista – era limitada pelo princípio cooperativista que prevê a participação igualitária nas assembleias (um sócio, um voto). Isso inibiria a capitalização das cooperativas, pois os possíveis investidores não aceitariam ter o mesmo nível de decisão dos demais associados. Além disso, o gerenciamento mais participativo retardaria as decisões estratégicas das cooperativas, o que acabaria prejudicando-as nas disputas com as empresas capitalistas. Se no início do século passado o cooperativismo não representava uma prioridade para muitos segmentos da esquerda e da academia europeia, por outro lado, ele acabou sendo assumido por movimentos religiosos, que perceberam nele uma maneira de atrair novos fiéis e dar solução às carências das populações pobres. Aliás, como se verá adiante, a criação das primeiras cooperativas de crédito no Brasil espelha bem essa postura. (continua)

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Formato Tipologia Papel Número de páginas Tiragem Publicação Impressão e acabamento

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