Uma obra no mundo: diálogos com Hannah Arendt

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UMA OBRA NO MUNDO


É vedada a reprodução total ou parcial desta obra.


C E L S O A N T ร N I O C O E L H O VA Z S I LVA N A W I N C K L E R (ORGS.)

UMA OBRA NO MUNDO diรกlogos com Hannah Arendt

C h a p e c รณ , 2009


REITOR: Odilon Luiz Poli VICE-REITOR DE PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS-GR ADU AÇÃO: Claudio Alcides Jacoski PÓS-GRADU ADUAÇÃO: VICE-REITOR DE ADMINISTRAÇÃO: Sady Mazzioni VICE-REIT OR A DE GR ADU AÇÃO: Maria Luiza de Souza Lajus VICE-REITOR ORA GRADU ADUAÇÃO:

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Uma obra no mundo: diálogos com Hannah Arendt / Celso Antônio Coelho Vaz, Silvana Winckler (Orgs.). – Chapecó: Argos, 2009. 184 p. 1. Arendt, Hannah, 1906-1975. 2. Ciências políticas. I. Coelho Vaz, Celso Antônio. II. Winckler, Silvana. III. Título. CDD 320

ISBN: 978-85-98981-98-7

Catalogação: Yara Menegatti CRB 14/488 Biblioteca Central Unochapecó

Conselho Editorial Editorial: Elison Antonio Paim (Presidente); Antonio Zanin; Arlei Luiz Fachinello; Arlene Renk; Claudio Alcides Jacoski; Edilane Bertelli; Jacir Dal Magro; Jaime Humberto Palacio Revello; José Luiz Zambiasi; Leonardo Secchi; Maria dos Anjos Lopes Viella; Mauro Dall Agnoll; Valdir Prigol; Neusa Fernandes de Moura; Paulo Roberto Innocente; Ricardo Brisolla Ravanello; Rosana Badalotti C o o r d e na d o r : Valdir Prigol nad


AGRADECIMENTOS

Um evento da natureza do colóquio internacional Reflexões sobre

problemas políticos e morais modernos e contemporâneos à luz do pensamento arendtiano não se realiza sem a ação de várias pessoas e instituições. Portanto, precisamos reconhecer publicamente as suas cooperações. Agradecemos a todas as pessoas que contribuíram com as suas reflexões, na condição de conferencistas e de interlocutores. João Carlos Cunha Dergan foi um dos maiores incentivadores para realização do colóquio. Foi fundamental a sua experiência na organização de todos os aspectos que envolvem a realização de eventos. Agradecemos o apoio dado pelos magníficos reitores da Universidade Federal do Pará (UFPA), professor Alex Fiúza de Mello, e da Universidade da Amazônia (UNAMA), professor Edson Franco. No âmbito da UFPA, contamos com a cooperação da diretora do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da primeira universidade, professora Nazaré Sarges, e com a dos professores Nírvia Ravena de Souza e Luzia Miranda Álvares, departamento de Ciência Política, Angélica Alberto, departamento de Metodologia, José Édison Ferreira, departamento de Filosofia, Elson Monteiro, departamento de História, Heraldo Maués, departamento de Antropologia, e Maria Emilia A. Corrêa do departamento técnico-financeiro.


No âmbito da UNAMA, contamos com a cooperação da superintendência de Extensão, da coordenação do curso de Comunicação Social e em especial com a do professor Luiz Cezar. Agradecemos o apoio prestado por Marilu Braga, Carolina Pitágoras e Thaís Vieira. Para a publicação deste livro foi fundamental o apoio da Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó), através do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas e da editora Argos. Agradecemos, ainda, à professora Myriam Aldana pela leitura e sugestões feitas nos textos traduzidos do espanhol para o português. Celso Antônio Coelho Vaz e Silvana Winckler Belém/Chapecó, janeiro de 2009.


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .............................................................................. 9 INTRODUÇÃO HANNAH ARENDT: ENTRE O DISCURSO ACADÊMICO E A AÇÃO POLÍTICA Silvana Winckler ............................................................................... 15 A CONVERGÊNCIA POLÍTICA DO ETHOS Benedito Nunes ................................................................................. 21 DEBILIDADES DA REPÚBLICA HOJE Wolfgang Heuer ................................................................................ 41 A SECULARIZAÇÃO DA POLÍTICA PELO DESAPARECIMENTO DO MEDO DO INFERNO Celso Antônio Coelho Vaz ................................................................. 67 O LUGAR DA POLÍTICA NA CIVILIZAÇÃO TECNOLÓGICA Odílio Alves Aguiar ........................................................................... 91


IMORTALIDADE E HISTÓRIA EM HANNAH ARENDT Josefina Birulés ................................................................................ 107 MEMÓRIA E ESQUECIMENTO: A COMPREENSÃO DO PASSADO EM BUSCA DE UMA PAZ RELATIVA Nádia Souki .................................................................................... 123 DA VIRTUDE AO VALOR: PARA PENSAR A JUSTIÇA EM HANNAH ARENDT Christina Miranda Ribas .................................................................. 139 A MENTIRA, A FACULDADE DO PENSAR E OS ESPECTADORES Lílian Maria de Campos ................................................................... 169 SOBRE OS AUTORES ...................................................................... 183


A P R E S E N TA Ç Ã O Celso Antônio Coelho Vaz Silvana Winckler

O pensamento de Hannah Arendt tem sido objeto de reflexões filosóficas, morais e políticas à luz de diversos eventos históricos modernos e contemporâneos. Podemos afirmar que o seu vigor, pertinência e contradições estão constantemente submetidos “à prova da realidade” por epígonos e não seguidores de Arendt. Na sua crítica da tradição especulativa do pensamento ocidental, Arendt denuncia o distanciamento do pensamento das contingências e sua tentação de moldá-las. Para ela, as faculdades humanas de pensar, agir e julgar deveriam ser exercidas simultaneamente, convergindo para uma compreensão dinâmica das contingências da realidade. Foi com inspiração neste princípio arendtiano que, em Belém do Pará, intelectuais se reuniram, no período de 5 a 9 de dezembro de 2005, para participar de um colóquio internacional cuja temática foi Reflexões

sobre problemas políticos e morais modernos e contemporâneos à luz do pensamento arendtiano. Em 2005, dois acontecimentos pretéritos motivaram a realização do colóquio. Faria 30 anos que Hannah Arendt havia falecido e 60 anos da extinção da experiência nazista de terror e genocídio realizada no campo de concentração de Auschwitz. Arendt dedicou a maior parte da sua vida e da sua obra à reflexão sobre o aparecimento, no


século XX, das experiências de extermínio da vida e da liberdade humana que foram realizadas pelos regimes totalitários nazista e stalinista. Decerto, o conteúdo do seu pensamento vai além destas experiências, porque ele suscita reflexões, ações e posicionamentos morais sobre fenômenos humanos contemporâneos. E foi com esta perspectiva que estudiosos do pensamento arendtiano se congregaram para refletir sobre alguns problemas da condição humana política e moral contemporânea a partir de questões suscitadas no conjunto da obra da Hannah Arendt. Com o intuito de tornar públicas, para além do colóquio, as reflexões de alguns dos intelectuais que nele participaram como conferencistas, apresentamos aos leitores as suas reflexões discutidas publicamente no referido encontro. Introduzindo este livro, Silvana Winckler propõe a interpretação da obra de Hannah Arendt como ação política mediada pelo discurso acadêmico. A autora destaca características dos textos arendtianos que revelam a imbricação de sua escrita com os dados da realidade e a vocação para adentrar o espaço público. No primeiro texto, Benedito Nunes dialoga com a tradição do pensamento filosófico ocidental para dele extrair os fundamentos da filosofia da vida ativa de Hannah Arendt e situar o lugar que esta filosofia ocupa nesta tradição. Com a sua interlocução, Benedito Nunes nos leva a compreender a originalidade da filosofia política e moral de Arendt e por que aquela se sustenta no entrelaçamento da ação com a política e a moral, o qual converge para um ethos que dá sentido à questão: afinal, para que serve a política? No segundo texto, Fraquezas da república hoje, Wolfgang Heuer nos leva à reflexão sobre a contribuição do pensamento republicano de Hannah Arendt para a compreensão dos fenômenos políticos contemporâneos que provocam a debilidade do corpo político das repúblicas. Para tal, o autor analisa alguns elementos que enfraquecem a república sob a

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ótica da legitimidade e a soberania dos estados nacionais e de suas relações com outros estados em escala internacional. No ensaio A secularização da política pelo desaparecimento do

medo do inferno, Celso Antônio Coelho Vaz apresenta um dos aspectos sobre o que ele considera ser o teor religioso do pensamento de Hannah Arendt. Para o autor, este teor se expressa na maneira pela qual Arendt interpreta a relação entre a religião e a política e na sua crítica da secularização. Para tal, o autor aborda a recusa de Arendt a certas concepções da ciência histórica e das ciências sociais que concebiam o comunismo e o liberalismo como “religiões seculares”, as quais passaram a exercer o papel de substitutas da antiga autoridade da religião sobre o secular. Ele destaca que essa crítica de Arendt é de teor religioso porque, para ela, o domínio político público moderno não se orienta e não se conforma mais à autoridade dos poderosos dispositivos morais religiosos cristãos, entre os quais o medo do inferno. Segundo o autor, para Arendt, a secularização da política ganhou campo livre pela falta de temor aos castigos do inferno. A perda do medo do inferno foi o que possibilitou aos regimes totalitários pôr em prática o princípio de que “tudo é possível”. No quarto texto, Odílio Alves Aguiar nos convida a refletir sobre o lugar da política na civilização tecnológica contemporânea. Inspirado pelo conceito arendtiano de totalitarismo, ele examina a feição protototalitária e o estreitamento da esfera política e sua relação com o desenvolvimento e o modo de ser tecnológico das sociedades ocidentalizadas contemporâneas. O autor nos leva a refletir sobre a democracia nessas sociedades, as quais adotam o conhecimento, a tecnologia e a ideia de controle como fins principais para mediarem o processo decisório sobre o destino comum de suas coletividades. Em seguida, Josefina Birulés reflete sobre as concepções de Hannah Arendt sobre a imortalidade e a história. No seu ensaio, ela aborda a necessidade de pensarmos o passado para compreendermos o presente e não

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imaginarmos o futuro como uma ilusão. Em sua reflexão, Josefina Birulés, em acordo com Judith N. Shklar, nos convida a pensar sobre a possibilidade de considerarmos monumental o pensamento de Hannah Arendt. No sexto texto, Memória e esquecimento: a compreensão do pas-

sado em busca de uma paz relativa, Nádia Souki, iluminada pelo conceito arendtiano de compreensão, nos proporciona uma reflexão sobre o significado e o enigma do suicídio e de outros atos de autodestrutividade praticados por muitos sobreviventes de violência e situação extrema. A autora chama a atenção para a necessidade de compreender o acontecimento traumático desses atos a partir da tensão dramática entre memória e esquecimento. Em Da virtude ao valor: para pensar a justiça em Hannah Arendt, Christina Miranda Ribas fornece subsídios para uma discussão da justiça no pensamento de Hannah Arendt. A questão da justiça é discutida em termos históricos, num contexto que privilegia o tema da ruptura da tradição do pensamento ocidental, sob o prisma de uma oposição básica e irreconciliável entre a concepção de justiça como valor – da qual o pensamento de Hans Kelsen é tomado como paradigmático – e a concepção tradicional de justiça como virtude. Por fim, no oitavo texto, Lilian de Campos Araújo reflete sobre a mentira, a faculdade de pensar e os expectadores. A partir das contribuições de Hannah Arendt sobre estas características humanas, a autora procura compreender a crise ética-política contemporânea, sobretudo à luz daquela pela qual passa a sociedade brasileira. Na época em que o colóquio foi realizado, a denúncia de corrupções praticadas pelo governo federal, por parlamentares federais, bem como pelos partidos políticos e empresários, estava na agenda do dia do cenário político brasileiro. De uma forma instigante, Lilian Araújo concebe que o espaço público tolera a mentira como “um mal necessário”, mas ela nos chama a atenção de que é preciso que reflitamos sobre as implicações dessa tolerância.

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A organização desta coletânea atende ao propósito de alimentar o debate, na perspectiva arendtiana, sobre temas relevantes da atualidade que são parte do encargo e da carga do nosso tempo. O leitor é convidado a ser partícipe nesse desiderato!

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INTRODUÇÃO HANNAH ARENDT: ENTRE O DISCURSO ACADÊMICO E A AÇÃO POLÍTICA Silvana Winckler

Muitas obras sobrevivem a seus autores. No entanto, o reconhecimento e profusão das criações humanas não são um dado a priori, podem ser mais bem qualificados como frutos aleatórios de uma confluência de eventos. Assim, inclusive as produções intelectuais mais rigorosas e dedicadas a inscrever-se na história do pensamento humano podem ter como destino o brilho efêmero ou um impiedoso esquecimento. Quando nos perguntamos sobre as razões da ampla difusão da obra de Hannah Arendt pelo mundo afora e da recepção que essa autora encontra em diferentes áreas do conhecimento, há um elemento que pode ajudar a elucidar não a resposta, mas a própria pergunta: Arendt nunca teve a pretensão de elaborar um sistema de pensamento e menos ainda de atingir “verdades” ou de produzir conhecimentos que pudessem servir para circunstâncias diferentes daquelas em que foram pensados. Em outras palavras, não se pode pretender deduzir dos escritos arendtianos relações necessariamente sistemáticas, como se pode fazer com muitos de seus contemporâneos. A autora não se aproximou dos problemas de seu tempo no plano meramente teórico e tampouco propôs respostas teóricas para as perplexidades com as quais se deparou. Ao contrário, sempre quis pôr em evidência sua dimensão de problemas concretos.


Para mencionar exemplos, lembremos algumas aporias que aparecem em suas obras: o problema da questão social no contexto das revoluções (Da revolução); a relação entre cidadania, nacionalidade e direitos fundamentais (Origens do totalitarismo); a ausência de conexão entre a liberdade da vontade e a liberdade política (A vida do espírito). Essas aporias se apresentaram no curso de suas investigações e não receberam tratamento teórico – para crítica e decepção de muitos. Arendt não se propôs a elaborar teorias desde uma perspectiva que fosse além do interesse imediato do acontecimento. Essa maneira de trabalhar causa surpresa principalmente se se considera a solidez de sua formação teórica. Não é exagero dizer que Arendt tinha em sua cabeça toda a história da filosofia ocidental. Possuía, portanto, todas as condições para produzir uma filosofia sistemática, ao estilo de Heidegger. Optou, no entanto, por um pensamento voltado à concretude dos acontecimentos. Essa escolha tinha um custo elevado, especialmente numa época dominada pela filosofia analítica. Arendt pagou esse preço; seus textos foram considerados muitas vezes como ensaios jornalísticos, carentes de rigor e de consistência teórica. Um dado que alimentou essa desconfiança em relação aos escritos de Arendt foi o fato de ter participado de muitos debates públicos em jornais e revistas políticas nos Estados Unidos. Participou ativamente na discussão de temas relevantes como a questão judaica (muitas vezes foi crítica do sionismo, sem renunciar jamais a sua origem judia); o direito dos jovens norte-americanos de não ir à guerra do Vietnam (movida por essa preocupação, chegou a escrever um ensaio sobre a desobediência civil); o escândalo de Watergate (que deu origem a um texto sobre o tema da mentira na política); o problema do racismo (ela condenava a discriminação dos negros, mas era absolutamente contrária à intervenção do estado no âmbito social nos casos de conflitos raciais). Suas ideias nem sempre resultavam simpáticas ao público em geral e frequentemente

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suscitavam a condenação e o rechaço de seus amigos, não menos que de seus adversários intelectuais. Fato é que a obra de Arendt segue conquistando novos leitores. Quiçá por ter essa filósofa da política questionado tão a fundo a crise de valores do mundo moderno. Ou por chamar atenção sobre a importância do mundo como espaço da existência humana. Ou porque não usava em seus escritos palavras esvaziadas de significado histórico (nunca utilizava um conceito sem remeter-se ao momento histórico em que surgiu, em que foi utilizado pela primeira vez), nem separava discurso e realidade; fazia “teoria” (formulava conceitos, estabelecia relações) sempre com o objetivo de compreender, isto é, de encontrar categorias que permitissem atribuir significado aos acontecimentos. Tudo isso se converteu, ao longo de sua vida, numa metodologia de trabalho que consistia, basicamente, em pensar a partir da experiência. Trata-se de um pensar com pressupostos teóricos, porém sem doutrina. A leitura que fazia da realidade não passava pelo filtro de uma doutrina. Hoje é difícil mensurar, diante da repercussão que sua obra alcançou, o grau de coragem e de compromisso político que teve Arendt para escrever tudo o que escreveu e para enfrentar publicamente a crítica que sobre ela recaiu. Se lembramos que era estrangeira, mulher, judia e pobre, resulta ainda mais surpreendente que tenha encontrado tempo, energia e disposição para escrever, participar de reuniões políticas, debater publicamente suas ideias e levar adiante investigações como as que realizou para Origens do totalitarismo e A condição humana. E, acima de tudo, que tenha mantido sempre sua independência intelectual: nunca se filiou a nenhuma corrente de pensamento, o que poderia ter-lhe facilitado a vida no terreno acadêmico. Nunca quis manter um contrato de dedicação exclusiva com qualquer instituição de ensino. Somente no final da vida passou a integrar o quadro docente permanente de uma universidade, mas ainda assim não aceitou ser professora de tempo integral, pois tinha clareza de que isso prejudicaria sua autonomia.

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Por outro lado, Arendt decidiu firmemente não converter-se em personagem pública. Não cedeu em nenhum momento às pressões nem à tentação de aparecer em público. Lutou para não expor sua imagem e suas questões pessoais no espaço público. Dizia que os temas pessoais têm de permanecer no âmbito privado, sob pena de prejudicar esse âmbito, faltando-lhe com o respeito, e também para evitar o desvirtuamento do âmbito público. Preferiu transformar as experiências vividas em matérias para suas reflexões. Para Arendt tinha muita importância a dimensão do mundo como espaço geográfico. A autora sublinhava frequentemente essa característica do mundo como realidade objetiva, porque no mundo estão situados os homens concretos; é o mundo o espaço onde existem e se movem. É aí, por conseguinte, que os problemas aparecem. Estes não surgem na imaginação, e sim nas relações sociais, no espaço objetivo. Só no mundo real ocorre o inesperado. A autora chegou a afirmar que no âmbito das ideias não existe novidade, não ocorre nada novo. A novidade só aparece no mundo dos acontecimentos. As ideias são sempre as mesmas, resultado do “pensar sobre o já pensado”. A atividade intelectual de Arendt estava voltada à realidade, à busca do novo. Tal forma de pensar é necessariamente voltada ao mundo. No conjunto de sua obra, o mundo tem o significado de ser o lugar do qual ela parte e ao qual volta sempre. Trata-se de uma maneira diferente de fazer filosofia, uma filosofia “mundana”, por assim dizer, porque não tendia para a metafísica. Quando enfrentava uma questão metafísica, a autora respondia geralmente recorrendo aos mitos, metáforas e lendas que, embora tenham um componente metafísico, estão vinculados à realidade na medida em que são interpretações que os homens fizeram em momentos concretos da história. Em vez de recorrer à metafísica, Arendt recorria a outras formas de expressão, como a narrativa e a poesia.

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A experiência dos filósofos – a experiência das questões que por si mesmas não aparecem no mundo – também ocorre na vida do poeta e do narrador. Mas em lugar de produzir um discurso filosófico, com a linguagem da metafísica, eles seguem outro caminho: utilizam a linguagem da sensibilidade e da arte. Arendt acreditava, como Heidegger, que o pensar e a filosofia têm muito a ver com a narrativa e a poesia. Mas há que dizer que se Arendt rompia com a rigidez dos discursos acadêmicos e manifestava suas opiniões sob qualquer circunstância, não o fazia de maneira inconsequente. Tanto que geralmente levou adiante investigações extensas para explicitar os pressupostos de seus discursos. Em todos os seus ensaios e inclusive nas obras mais extensas, pode-se identificar os problemas que provocaram suas reflexões. Arendt escrevia movida pelo estímulo dos acontecimentos e pela necessidade de “pensar um pensamento novo” para cada circunstância. Pode-se dizer que escrevia como vivia: comprometida com o mundo, implicada pessoalmente nas questões que julgava relevantes para a humanidade, com dor, esperança e paixão. Assim, dava mostras de seu amor pelo mundo e de sua responsabilidade face ao devir. Por tudo isso, sua atividade acadêmica pode ser interpretada como autêntica ação política: seu discurso, essencialmente implicado na realidade cotidiana, era direcionado ao espaço público, a interlocutores que como ela buscavam um sentido para os acontecimentos mais marcantes do século XX. Como toda ação política, sua obra desencadeou novas ações (discursos) que com ela seguirão dialogando.

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Título Uma obra no mundo: diálogos com Hannah Arendt Autor Celso Antônio Coelho Vaz e Silvana Winckler (Orgs.) Assistente editorial Alexsandro Stumpf Assistente administrativo Neli Ferrari Secretaria Alexandra Fatima Lopes de Souza Divulgação, distribuição e vendas Neli Ferrari, Jocimar Vazocha Wescinski, Maiara Demenech e Marta Rossetto Projeto gráfico Alexsandro Stumpf e Ronise Biezus Diagramação Ronise Biezus Capa Ronise Biezus Preparação dos originais Jakeline Mendes Ruviaro Revisão Jakeline Mendes Ruviaro Formato 16 X 23 cm Tipologia Minion entre 7 e 15 pontos Papel Capa: Cartão Supremo 350 g/m2 Miolo: Pólen Soft 80 g/m2 Número de páginas 184 Tiragem 800 Publicação março de 2009 Impressão e acabamento Gráfica e Editora Pallotti - Santa Maria (RS)

Argos – Editora Universitária – UNOCHAPECÓ Av. Attilio Fontana, 591-E – Bairro Efapi – Chapecó (SC) – 89809-000 – Caixa Postal 1141 Fone: (49) 3321 8218 – argos@unochapeco.edu.br – www.unochapeco.edu.br/argos



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