Revista Ágora 2017

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Revista Laboratório do Curso de Jornalismo Centro Universitário Newton Paiva | Ano IX | 2017

TRANSFOBIA: A HOSTILIDADE DO DESPREZO Em uma sociedade violenta e preconceituosa, o Brasil ocupa o primeiro lugar na lista de países onde há mais assassinatos de travestis e transexuais em todo o mundo. Entre janeiro de 2008 e março de 2014, 604 homicídios foram registrados segundo a organização Transgender Europe


EDITORIAL

POR MAIS DIREITOS PARA TODOS

Caro leitor e cara leitora, É com grande alegria e satisfação que apresentamos mais uma edição da Ágora – Revista Laboratorial do curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton. A Ágora deste semestre traz reportagens de alunos do 5º período de Jornalismo que buscam valorizar as questões relacionadas aos direitos civis e humanos que hoje são parte integrante e inevitável da experiência cultural das sociedades contemporâneas. Mas eles não se esqueceram de outros temas que permeiam o nosso cotidiano como o transporte público, a Reforma da Previdência que, desde o início da tramitação no Congresso, em janeiro, vem assombrando os brasileiros e o crime ambiental de Mariana, que neste ano compleou um ano. Em Cultura do Estupro: já ouviu falar? , os autores Alberto Carvalho, Ana Carolina Souza, Fernanda Casanova, Hudson Bonato, Nash Castro e Patrícia Matos nos convidam a pensar o estupro como prática social. Neste interim, discutem aspectos que, refletem sobre a inserção de textos e ações que vão sendo “normalizados” cotidianamente. Mas muito além de naturalizar a cultura do estupro a matéria pretende denunciar a perversidades de tal naturalização e os efeitos nocivos que elas causaram na vida das personagens entrevistada ao longo da reportagem. Em Transfobia: a hostilidade do desprezo, Amanda Vitória e Thales Rodrigues denunciam todo o sofrimento de travestis e de mulheres trans em uma sociedade machista e violenta. Sem voz e com seus direitos constantemente desrespeitados, essas pessoas se veem em situação de vulnerabilidade social e, muitas vezes, precisam recorrer a subempregos ou à prostituição para sobreviverem. Ao longo da matéria, os autores, de maneira sensível, narram histórias de vida que refletem a misoginia e o despreparo da sociedade brasileira para lidar com a diversidade.

Por Izamara Arcanjo

EDITORA

Em Da Lama ao Caos, texto de autoria de Stefano Marchesini, somos convidados a deixar de lado os diferentes fluxos informacionais que nos orientam a entender o que foi o crime ambiental de Mariana e a nos concentrarmos em apenas um: a tragédia na voz dos moradores do distrito de Bento Rodrigues. Os relatos sobre o maior crime ambiental do Brasil são costurados ao longo do texto do repórter que se emociona e ainda se surpreende com a devastação causada pela lama há mais de um ano após o rompimento da Barragem de Fundão. Na parte central da revista, tomando um espaço nobre e considerável, estão uma série de perfis realizados pelos alunos com pessoas importante nas mais variadas áreas de atuação. Saber apurar os dados e redigir um bom perfil para revistas faz parte das atividades acadêmicas desenvolvidas pelos alunos. Dentre os perfis, estão o da jornalista Úrsula Nogueira, diretora de Esportes da Rádio Itatiaia, produzido por Bruno Daniel e o do apresentador do programa Donos da Bola da TV Bandeirantes Para finalizar a edição, a revista traz matérias relacionadas com o mundo esportivo como Montanhas e Trilhas sob duas rodas, que apresenta o universo do mountain bike e O beisebol está chegando para ficar, que mostra o crescimento do esperte americano em terras mineiras. Na crença de ser esta uma grande edição, desejamos a todos uma prazerosa e edificante leitura. Izamara Arcanjo

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Ensaio fotográfico

ARTE URBANA Por Alberto Carvalho, Ana Carolina Souza, Fernanda Santos, Hudson Machado, Nash Castro e Patrícia Matos

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SUMÁRIO

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Revista Laboratório

ESPORTE

do Curso de Jornalismo Centro Universitário Newton Paiva | 2017

PRESIDENTE DO GRUPO SPLICE Antônio Roberto Beldi

REITOR João Paulo Beldi

página 24

COORDENADORA DA

PERFIL

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO Mivla Helena Vilela Rios

EDITOR DA REVISTA Izamara Arcanjo

FOTO CAPA Arthur mission Zerlotini

HISTÓRIA

página 38

página 21

APOIO Núcleo de Publicações Acadêmicas - NPA PRO­JETO GRÁ­FICO E DIREÇÃO DE ARTE Ariane Lopes


Foto: Leonardo Davi

O TAXI MERGULHOU NO RIO

Tecnologia


Novas opções para o transporte de passageiros ainda dividem opiniões entre a população de Belo Horizonte.

Por Leonardo Davi Por muito tempo, apenas o táxi foi o transporte privado autorizado para trafegar pelas cidades brasileiras, mas tudo mudou com os avanços tecnológicos. Nada permanece para sempre e segundo Heráclito, “O homem que volta ao mesmo rio, nem o rio é o mesmo rio, nem o homem é o mesmo homem”. Em outras palavras, tudo flui, nada fica em em seu estado incipiente. Em contraste com os serviços de transporte tradicionais, eles surgiram como novas alternativas de transporte pelas movimentadas cidades do país. São os serviços de “carona” por aplicativo, que caíram no gosto da clientela mundial e deixam de cabelo em pé aqueles que trabalham com o transporte tradicional. No Brasil, têm se destacado dois aplicativos, o Uber e o Cabify. O primeiro nasceu nos Estados Unidos e chegou ao Brasil em 15 de maio de 2014. Após dar seus primeiros passos no Rio de Janeiro, fincou a sua bandeira em São Paulo, para, aos poucos, se espalhar por todo o país. O segundo se originou na Espanha e chegou ao Brasil em 2016, primeiro em São Paulo, para ser mais um dos concorrentes dos táxis. Desde então, Uber, Cabify e táxi travam uma disputa ferrenha. Mas o que esses novos serviços oferecem ao usuário que não é fornecido pelos meios de transporte tradicionais? Para os usuários, a resposta é simples, como revela o auxiliar administrativo e estudante Tiago Faustino. Ele migrou do táxi para o Uber e, foi para ficar. Como justificativa para a mudança, Tiago cita a facilidade em solicitar o Uber pela internet, enquanto o táxi, em geral, é solicitado

via telefone. Ele conta ainda que o atendimento melhor e as tarifas mais baratas cobradas pelo serviço foram determinantes para a mudança. “Os motoristas são mais bem mais educados, te perguntam se o ar condicionado está na temperatura ideal, enquanto nos táxis, quando tem o ar condicionado e você pede para o taxista usar, ele diz que a tarifa vai ficar mais cara.”, diz o estudante. Tiago Faustino relata experiências desagradáveis em suas viagens de táxi, desde a má qualidade dos veículos até comportamento inadequado dos motoristas. “Tem a dificuldade para você fechar uma porta, você escuta muito o barulho do motor. Já peguei um táxi que estava com o banco bem desgastado. Às vezes, você entra no táxi e o carro está com cheiro de nicotina, porque o motorista é fumante Geralmente, os motoristas de táxi também são muito agressivos no trânsito e se você reclamar, como já aconteceu comigo, ele diz pra você descer e pegar um outro carrto.” Já ao falar do Uber, Tiago demonstra mais satisfação com o serviço. “São carros mais novos, sempre com ar condicionado. Se você não quiser, você pode pedir ao motorista para desligar. É bala, é água, é a própria educação do motorista. Tudo isso faz uma diferença na escolha. Carro limpo por fora e por dentro, sem desgaste prematuro das peças”. A estudante Laís Cristina gosta tanto do serviço fornecido pelos taxistas, quanto fornecido pelo Uber. Ela afirma que nunca teve grandes problemas com nenhum motorista em nenhum dos serviços.“Os motoristas sempre são bem-educados, oferecem o melhor do seu serviço. Um ou outro

ficou mais calado e não ofereceu o que eu poderia usufruir. Nenhum dos serviços chegou a me desagradar. Todos foram bem tranquilos. Só o preço do táxi que me incomodou mesmo., revela Laís. O preço cobrado pelos serviços parece mesmo ser o diferencial. Neste quesito, Laís reforça a fala de Tiago, e afirma que o preço cobrado pelos táxis é mais alto. “Do Cabify pro táxi, há uma grande diferença. Do Cabify do Uber, a diferença é de centavos, um real, dois no máximo”, diz . Os aplicativos receberam motoristas nos quatro cantos do Brasil. Muitas pessoas entraram às pressas pela porta que se abriu. Uma delas é Wellington Camilo da Silva. Ele diz que há alguns meses trabalha com a Uber e que está satisfeito. Segundo ele, é uma oportunidade vantajosa, uma vez que pode organizar o seu horário de trabalho. “Trabalho pelo aplicativo Uber há dez meses e acho que trabalhar na Uber é bem legal e flexível. como acho melhor,” avalia. Para cair no agrado da clientela, organizar o serviço oferecido e impossibilitar futuras culpas no cartório, a Uber estabeleceu algumas diretrizes aos motoristas interessados de ingressarem na empresa estrangeira. Aquele que desejar transportar pessoas em nome do aplicativo deve cumprir alguns requisitos e, após uma avaliação, será autorizado ou não a exercer a atividade, como explica o motorista Wellington. “Para entrar como motorista, você deve ser indicado por alguém ou o próprio aplicativo te dá essa ferramenta de poder entrar em contato com a Uber. Irão pedir alguns documentos, como o atestado de bons antecedentes. Você envia os documentos solicitados, documento do veículo, carteira com

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Foto: Leonardo Davi

foto e a função Exerce Atividade Remunerada – EAR. Até então, o documento do carro tem que ser de 2008 para cima, desde que atenda aos requisitos, ter ar condicionado, direção, trava. Enfim, você manda esses documentos e a Uber faz uma avaliação, ela te habilita e você pode dirigir”, diz. O motorista ainda revela que há diferença entre o táxi e o Uber com relação à burocracia. Segundo ele, muitas pessoas confundem o Uber com o táxi e acham que é a mesma coisa, porque na prática é um pouco parecido, mas na teoria é diferente. “Na Uber, somos prestadores de serviço e, apesar de ter uma empresa por trás disso tudo, a gente que se vira nos trinta, digamos assim. A empresa dá os suportes e faz os gerenciamentos”, explica Wellington. Existem várias especificidades nesses novos serviços. Ao solicitar um Uber, o aplicativo há mais tempo no mercado, para uma viagem, antes do motorista chegar ao passageiro, é possível ver a placa e o tipo do carro e a foto do motorista com o nome. Caso o cliente seja mal atendido ou perca algum objeto, qualquer problema é solu-

cionado, basta entrar em contato com a Uber e ela localizará o motorista em questão de segundos, porque os dados dele estão registrados nessa corrida, como argumenta Wellington. “Se você perder algum objeto dentro do taxi, é mais difícil localizar o motorista após aquela corrida. Vamos supor que a corrida foi feita pala manhã e você precisa correr atrás daquele taxi à tarde, para localizar aquele motorista, às vezes pode ser um pouco mais difícil.” Wellington da Silva enfatiza que não é contrário aos taxistas e, muito menos, menospreza o trabalho deles. Apenas entende que dar lugar ao novo é uma boa ideia. “Eu não tenho muitos amigos taxistas, conheço alguns e tal, mas poucos. Acontece de eu pegar um passageiro, muitos têm pouca noção, às vezes, solicitam o Uber e ficam no ponto de taxi. Aí você tem que pegar o passageiro naquele lugar. Os taxistas não olham com a cara muito boa. A maioria olha com a cara fechada. Nunca me agrediram, nunca fizeram nada do tipo, mas já tive amigos, conhecidos e colegas de profissão, que foram agredidos, tiveram seus carros depredados”, conta.

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A CABIFY A Cabify é mais recente, mas já soma alguns fãs. Inclusive, muitos motoristas da Uber passaram a trabalhar com os dois aplicativos. Segunda empresa do segmento que ancorou no Brasil é, atualmente, a maior concorrente direta da Uber no país. “É mais difícil para o motorista se inscrever para trabalhar nela. A Uber tem mais estrutura, mais tempo de mercado, bala na agulha, mas a Cabify tem se esforçado e tem sido, pelo menos aqui em BH, uma grande oportunidade também”, elogia Wellington. A política de seleção dos motoristas da Cabify é parecida com a Uber. O processo para ingresso é, basicamente, o mesmo, prossegue Wellington, atuante nos dois aplicativos: “Na Cabify é um pouco mais demorado. Eu mandei meus documentos, eles demoraram cerca de trinta dias para me chamar para uma capacitação, uma palestra em que explicam como funciona o aplicativo, como é o atendimento, quais são as diferenças. Explicando tudo, eles fizeram uma vistoria no meu veículo. Meu veículo foi aprovado e eles me mandaram um e-mail de boas-vindas. Depois disso, fiz um teste toxicológico. Após tudo aprovado, estou apto a trabalhar na Cabify”. Muitas pessoas se aventuraram na inovadora proposta de trabalho. O retorno financeiro era maior no início. Uma chance de ganhar dinheiro em meio a um período de dificuldades na economia brasileira. “O motorista da Uber consegue sobreviver trabalhando só com a Uber? Sim. A maioria dos motoristas tem a Uber como segunda renda e trabalham nas horas vagas para levantar um extra. Mas tem muitos motoristas, como é o meu caso, que trabalham, integralmente, na Uber. Dá para sobreviver? Sim. Só que não é tão fácil como alguns pensam”, reflete Wellington que completa “Alguns acreditam que você vai trabalhar de quatro a cinco horas por dia e vai fazer R$ 1000,00 ou R$ 2000,00 na semana. Já foi assim no começo. Agora, pelo número de motoristas, pela alta e baixa demanda que tem, os dias da semana acabam sendo mais fracos. E passamos a trabalhar de dez a catorze horas por dia para conseguimos fazer um valor legal e chegarmos no fim de semana com pelo menos R$ 1200,00 na conta. Considerando que ainda tem o custo de combustível, alimentação e outras coisas. Esse lucro pode varear até R$ 750,00, mais ou menos, por semana. Parece bom, mas é um pouco cansativo também. Pensar que você ficará dentro do carro de dez a doze horas por dia, sentado, é um pouco cansativo sim, mas acaba sendo compensatório”, avalia o motoristas

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TAXISTAS RECLAMAM QUE A CONCORRÊNCIA É DESLEAL

Site SINCAVIR

EM ENTREVISTA À REVISTA ÁGORA, AVELINO MOREIRA DE ARAÚJO, PRESIDENTE DO SINDICATO DOS TAXISTAS DE MINAS GERAIS (SINCAVIR) CRITICA CHEGADA DOS APLICATIVOS. ÁGORA: Quando surgiu o sindicado e com qual finalidade? AVELINO: O sindicato é quase centenário. Ele surgiu da demanda dos motoristas. Como todo sindicato, procuramos fazer o melhor que podemos para a categoria. Na época, foi criado com o sr. Almir. Antes funcionava na Av. do Contorno, depois passou para o Bairro Ipiranga, atual sede nossa. A gente tenta lutar junto com a categoria, seja segurança, seja nos pontos de táxi, seja na questão social. Oferecemos vários serviços, como médicos, temos clínico-geral, cardiologista, ginecologista, neurologista, departamento odontológico e departamento jurídico. O taxista só paga R$ 30 para ter todos esses serviços. ÁGORA: O sindicato luta apenas pelas causas dos taxistas? AVELINO : A maioria, 99,9% é o táxi. Somos um sindicato de condutores autônomos. Temos alguns escolares e caminhoneiros que são sindicalizados conosco. ÁGORA: O táxi tem um vínculo maior com o setor público ou privado? AVELINO: O vínculo do táxi é com o município. O táxi é municipalizado. Os

taxistas pagam vários impostos, INSS, peso e medida, são vários que o taxista acaba pagando no decorrer do ano. ÁGORA: Quais os motivos que fazem com que os taxistas venham ao sindicato? AVELINO: O taxista vem ao sindicato quando vai trocar alguma documentação do veículo, quando há uma multa ou batida, vem ao departamento jurídico. Vem também quando precisa de um ponto de táxi, de um médico ou dentista. Existe a Feira Táxi que acontece em agosto, anualmente. Sempre mantemos contato. ÁGORA : Quais são os cursos exigidos para a formação de um taxista? AVELINO: O taxista faz o curso de cidadania, de primeiros socorros, curso de turismo para conhecer a cidade, direção defensiva e além de apresentar várias certidões negativas, um grande apanhado para se tornar um taxista. ÁGORA: O sindicato é contra os aplicativos Cabify e Uber? AVELINO: Não somos contrários aos aplicativos, nós queremos que os aplicativos sejam regulamentados pelo município. Foi o que conseguimos a pouco tempo. Estava tramitando a Lei 5587 no Congresso e agora tem a PLC 28/2017.

ÁGORA: Quais as peculiaridades do taxi em comparação com os aplicativos? AVELINO: Uma questão de segurança. Se você pegar um taxi hoje, você sabe quanto vai pagar na corrida. Tem o taxímetro, que é aferido pelo INMETRO, que é o Instituto de Pesos e Medidas. Se amanhã você precisar fazer uma reclamação, tem o órgão gestor que é a BHTrans, você faz a reclamação e o taxista também será ouvido, posteriormente abre um processo administrativo. A situação no aplicativo você vai reclamar aonde? Vai ter que reclamar nos Estados Unidos, pegar um avião e ir pra lá e correndo o risco de não ser ouvido. O táxi é legalizado, regimentado, regulamentado, traz as benesses da segurança. Já tive reuniões com o Cel. Wilson e com a Guarda Municipal. Tem todo um quesito que envolve a regulamentação de táxi. ÁGORA: Os aplicativos são menos seguros que o táxi? AVELINO: Não existe uma segurança nos aplicativos. Tanto é que pessoas já foram violentadas, casos de homicídio, pessoas pegaram carteiras de outros e cadastraram o veículo, então, a pessoa que pega um aplicativo que não é regulamentado dentro do tramite legal da lei corre um grande risco.

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O taxista Tadeu Alves do Carmo acha a concorrência com os aplicativos injusta. “No passado, a pessoa pagava, só na placa, entre R$ 70 mil a R$ 130 mil , que é a licença para poder ter um táxi. Hoje, simplesmente, o aplicativo chegou e o pessoal só pega o carro e vai rodar, sem pagar impostos, sem nada. Ou seja, tirou 70% da renda dos taxistas. E os taxistas que compraram a placa, no passado, por R$ 130 mil , como é que ficam? questiona Tadeu que ainda completa: “Ninguém vai dormir e acorda taxista. Há regras e cursos obrigatórios para obtenção da licença para dirigir o carro branco. Para ingressar no táxi deve ser feito um curso preparatório no SEST/SENAT por, aproximadamente, uma semana, um

treinamento básico e o cadastro. Os taxistas são obrigados a passarem por uma reciclagem”. O taxista ainda revela como é o processo a que os taxistas são submetidos se quiserem manter a licença para dirigir. “Fazemos uma reciclagem do curso. Se pegam a gente com o prazo vencido tomam até a sua carteira de condutor. Pago uma diária de R$ 100 por noite para ter o táxi e cuido dele, ele é meu, a partir do momento que está comigo.Tenho que trabalhar durante doze horas. Não importa se é de dia ou de noite. No meu caso, trabalho das 17h às 07h”. Segundo ele, o táxi oferece mais segurança que os aplicativos. Os ta-

xistas têm um cadastro na BHTrans, têm a carteirinha do condutor, que fica exposta no painel para o passageiro ver. “E é tudo cadastrado, certinho. Qualquer reclamação, qualquer dúvida, tem o telefone, nome do motorista, placa do veículo, a pessoa pode tá ligando e resolvendo o seu problema”. O taxista reclama ainda que a chegada dos apliativos prejudicou muito os motoristas de táxis financeiramente. “Nossa renda caiu 70% e eu, na verdade, fiquei desanimado e, num final de semana que eu tirava R$ 1500 e R$ 1600, hoje, no final de semana, tiro R$ 300. Para você ter uma noção das coisas, ou seja, tirou o sustento dos pais de família que andam corretamente”, conclui Tadeu.

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Opinião

O BEISEBOL ESTÁ CHEGANDO PARA FICAR Por Marina Galvão Bola, strike, rebatida, defesa e corrida. Esses são alguns dos termos mais comuns que se escuta no campo do Nova Gameleira, em Belo Horizonte, nas tardes de domingos. Enquanto para muitos é a hora da semana sagrada para o futebol, para outros é momento de muito beisebol. A reunião de atletas para praticar esse esporte no Nova Gameleira se trata dos treinos do Beagá Beisebol, time mais tradicional da capital mineira. Há 13 anos, desde a fundação da Associação de Belo Horizonte de Beisebol e Softbol (ABHBS), o time vem carregando a bandeira do estado como principal representante. Atualmente, a equipe tem cerca de 20 atletas, e busca mais praticantes para crescer mais a turma de jogadores. “É um espaço super democrático. Tem espaço para todos que chegam para jogar. Pode ser mais gordinho, magrinho, alto ou baixo. Para as mulheres também”, comenta Miriam Aoki, ex-presidente da ABHBS. A expectativa é que o beisebol mineiro tenha um crescimento considerá-

vel neste ano, com a provável fundação da Federação Mineira de Beisebol, que está perto de sair e seria de grande impulso para o desenvolvimento desse esporte. Com uma federação, seria possível angariar recursos do esporte em prol da modalidade, que é algo muito necessário.“No Brasil, qualquer esporte que não seja futebol e vôlei luta para sobreviver, infelizmente”, reflete Carlos Eduardo Aoki, atual presidente da ABHBS. Apesar do campo na Nova Gameleira ser a casa atual do Beagá, o time procura um novo lugar para jogar e que seja mais adequado para as atividades do beisebol — pois é um esporte que necessita de um campo com dimensões bem diferentes em relação ao futebol. Caso a federação realmente seja fundada neste semestre, algo que deve acontecer de acordo com o presidente da ABHBS, Minas seria a oitava federação de beisebol no Brasil, e colocaria o estado perto de outras referências desse esporte — como São Paulo e Rio de Janeiro. Em Minas e em outros lugares, o que não faltam são amantes e entusiastas do beisebol. Esse esporte tem crescido cada vez mais no Brasil. No

início deste ano, em Ibiúna (SP) foi inaugurado o primeiro centro acadêmico de treinamento da Major League Baseball (MLB) no Brasil. Essa liga norte-americana, que é a mais forte do mundo, arrecadou cerca de US$ 10 bilhões de lucro líquido no ano passado. Atualmente na MLB, há dois brasileiros representando as cores do país: Paulo Orlando (Kansas City Royals) e Yan Gomes (Cleveland Indians). Um esporte que remunera muito bem os melhores, Gomes, por exemplo, tem salário anual que ultrapassa os R$ 13 milhões. O maior celeiro de talentos brasileiros é o interior de São Paulo, mas há potencial em todas as partes. “Quem sabe a gente possa revelar algum jogador para a MLB algum dia”, comenta Carlos Eduardo. Um esporte bilionário que, aos poucos, vai crescendo no Brasil e ganhando reconhecimento cada vez maior da principal liga do mundo. O beisebol belo-horizontino, perto de ganhar um importante capítulo na sua história, está seguindo a trilha certa e, no futuro próximo, é possível acreditar que haverá mais jovens trocando o futebol pelo beisebol nas tardes de domingo.

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Comportamento

O DEBATE URGENTE E NECESSÁRIO SOBRE A TRANSFOBIA Preconceito ignora a dor das pessoas trans e travestis violentadas, marginalizadas e ridicularizadas pela sociedade Por Amanda Vitória e Thales Rodrigues A misoginia predomina como um dos preconceitos mais arcaicos e estruturados na sociedade brasileira. Atualmente as mulheres ainda sofrem o reflexo histórico da desvalorização do gênero feminino e, partindo desta descriminação, outras intolerâncias são manifestadas diariamente, como a homofobia e a transfobia. Publicado em 4 de junho de 2014, no site oficial do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM), o artigo intitulado “Brasil: o país do transfeminicídio”, da doutora e socióloga Berenice Bento denuncia que o transfeminicídio se caracteriza pela intencional e persistente eliminação das mulheres transexuais por ódio e nojo. “Se o feminino representa aquilo que é desvalorizado socialmente, quando este feminino é encarnado em corpos que nasceram com pênis, há um transbordamento da consciência coletiva que é estruturada na crença de que a identidade de gênero é uma expressão do desejo dos cromossomas e dos hormônios”, explica Bento, referência como pesquisadora nos temas voltados ao gênero e autora de dois livros sobre o assunto: “O que é transexualidade?”, lançado em 2008, e “A Reinvenção do corpo: gênero e sexualidade na experiência transexual”, lançado em 2006.

como “o travesti”, desrespeitando a escolha de identificação de gênero . Baseada neste relatório, a organização Transgender Europe (TGEU) apontou o Brasil em primeiro lugar na lista de países onde mais são assassinados e agredidos travestis e transexuais, chamando atenção para os casos entre janeiro de 2008 e março de 2014, que estimam 604 homicídios registrados. Não é a primeira vez que este assunto é destaque internacional. Em 5 de julho de 2016, o jornal The New York Times publicou uma matéria anunciando que o Brasil enfrenta uma epidemia de violência anti-gay, relatando vários crimes ocorridos recentemente, como o assassinato brutal da travesti passista, componente da escola de samba da Beija-Flor, Pui da Silva, de 25 anos; e também a travesti assassinada em Manaus,no dia 16 de junho de 2016, Gabriel Lima, de 21 anos, conhecida como Gabi. O jornal repudiou a impunidade e precariedade das investigações, além de indicar o machismo e a intolerância religiosa como agravantes deste cenário.

A carência de leis específicas para combater a homofobia dificulta a resolução de muitos casos. Ocorrendo a agressão, a vítima poderá prestar a queixa em uma delegacia, O último relatório sobre a homofobia no mas esta denúncia não será registrada como Brasil, publicado em 2016, pelo Ministério das homofobia, pois não existe este termo na Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos constituição. ONGs e entidades acabam por Humanos, reúne as ocorrências de casos re- executar a maior parte do trabalho de acomportados de violência motivada por gênero panhamento e levantamentos. É o que faz o em todo o país. De acordo com a pesquisa, Grupo Gay da Bahia (GGB), a mais antiga as mulheres transexuais e travestis foram entidade sobre gênero do Brasil, que contaas principais vítimas, sendo (51,68%) do total bilizou a morte de 318 pessoas LGBTs no ano de denúncias, seguidas por violência contra de 2015, em todo o país. Deste percentual, gays (36,79%), lésbicas (9,78%) e bissexuais 37% eram transexuais e travestis. Este dado (1,17%). A violência física é a mais frequen- ainda é inferior ao levantamento de 2014, que te (74,56%), discriminações (8,02%), violên- registrou 326 homicídios, dentre estes, 134 cias psicológicas (7,63%) e violência sexual eram travestis. Hoje, no Brasil, a cada 28 ho(3,72%) em relação à população LGBT. Pou- ras morre uma pessoa por homofobia e intoREVISTA ÁGORA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Paiva |de 2017 estatística de 19Newton de junho 2016, cos são os casos noticiados e a maior parte lerância, PÁGINA 12 dessas matérias ainda apresentam a vitima com base no relatório do GGB.


Foto: Gustavo Dragunsky REVISTA ÁGORA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2017

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A VIOLÊNCIA E O PRECONCEITO NATURALIZADOS EM HISTÓRIAS DE VIDA Cristal Lopez, de 34 anos, foi candidata a vereadora em Belo Horizonte, em 2016, pelo PSOL . Autodenominada mulher trans, negra e periférica, apresentou propostas em sua campanha voltadas aos direitos das mulheres, negras e LGBTs. Em sua ficha de candidatura, Cristal Lopez era sempre tratada com o uso do pronome masculino. “O nome social é a primeira coisa que afirma a nossa identidade. Isso me incomoda muito, porque eu não pertenço ao gênero masculino”, afirma. Cristal ainda lamenta esse mesmo desconforto frequentemente nos atendimentos das unidades de saúde e hospitais. O preconceito e a exclusão manifestam-se muito cedo. Graduada em Moda, Cristal Lopez revela que estudou em escolas privadas e públicas. “Eu tenho péssimas lembranças da minha vida escolar. Quando eu não queria ir para a aula minha mãe dizia ‘você vai sim, todo mundo tem direito de estudar’. Na faculdade eu achava que encontraria pessoas maduras, mas eles não estavam preparados para receber uma mulher trans. As pessoas ficam incomodadas porque hoje o lugar da mulher travesti e transexua é apenas na noite, e eu quebro esse paradigma quando eu vou no supermercado 13h da tarde fazer compras. Porque eu tenho direito de ocupar esses lugares”, enfatiza.

Além da discriminação, Cristal teme a ameaça diária de violência. “Eu ando com uma arma apontada pra minha cabeça 24 horas. Até digo que se a expectativa de vida da mulher trans é de 35 anos, eu ainda estou na faixa etária. Eu posso sair de casa e não voltar”. Filha de uma bailarina, Cristal cresceu no ambiente artístico. Integrante de dois coletivos de performances, dança e teatro, “Toda Desejo” e “Os periféricos”, já foi rainha de vários blocos de carnaval em BH. “Eu ainda não vejo a arte contemplar as mulheres trans, chutei a porta para poder entrar, caso contrário eu estaria do lado de fora até hoje. As drags em BH ainda são uma panelinha, o que é uma pena porque existem muitas pessoas talentosas”. Nos movimentos sociais, Cristal denuncia que, por diversas vezes, foi silenciada. “A minha construção feminina não foi igual às outras, mas foi uma construção feminina. Eu ficava muito incomodada quando diziam pra mim que eu não era mulher biologicamente e que não poderia estar no movimento feminista. Diminuíam a minha construção como mulher, que foi pesada, sangrenta e dolorosa”, desabafa. Sobre as leis no Brasil, acredita que é preciso muito esforço e persistência. “O Brasil ainda está muito distante dessas políticas. Talvez eu nem veja a igualdade de gênero pela qual eu tanto brigo”, declara.

Fotos do arquivo pessoal

GGB: PERFIL DAS VÍTIMAS LGBT’S ASSASSINADAS NO BRASIL EM 2016

Total de homicídios

343 Gays (173) Transexuais e travestis (144) Amantes de transexuais (12) Lésbicas (10) Bissexuais (4)

3%

1%

Bissexuais

Lésbicas

4%

Amantes de transexuais

42%

Transexuais e travestis

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50% Gays


Nickary Felipe dos Santos, de 32 anos, é autônoma, estudante de Serviço Social e trabalha como garota de programa. Ela se declara orgulhosa e enfatiza ser travesti’ negra, moradora de periferia e, segundo ela, resistente. “Ser mulher trans para mim traz muito orgulho, sempre gosto de usar o termo travesti pelo forte significado que ele agrega, é sinônimo de resistência, luta, conquista, esperança e humanidade”. Nickary conta do preconceito diário “Eu posso lhe dizer que eu sofro de transfobia todos os dias. A sociedade também precisa entender que mulher trans e travesti são pessoas com direito de ir e vir, de conquistar, de alcançar, de amar, de existir e de viver, a sociedade é muito covarde a sociedade”, manifesta. O preconceito já extrapolou os olhares e palavras para Nickary que conta uma agressão que sofreu. “Certo dia, eu estava trabalhando com uma amiga como profissional do sexo e enquanto nós duas estávamos paradas em uma esquina, parou um carro e abriu a janela e nos atirou ovos. A sociedade não nos permite o direito de ocupar alguns lugares nos espaços públicos como profissionais. A única forma que achamos de sobrevivência são as ruas e a prostituição e ainda temos que passar por toda essa falta de respeito”, reclama.

Foto: Gustavo Dragunsky

Nickary luta por um mundo mais igualitário e justo, para isso participa de alguns projetos, um deles, é o que ela coordena, o Transvest, que combate a transfobia e incluir travestis e transgêneros na sociedade. Ela, sempre otimista, ainda espera ver mudanças. “Eu queria que muita coisa mudasse. Meu primeiro desejo é sobre a lei, ter leis mais rígidas para atos de preconceito contra transgêneros. Acho que a sociedade precisa se humanizar mais e entender o tratamento com pessoas transexuais”. Ela finaliza com um pedido de socorro que parece simples, mas que ainda está longe do alcance de muitas travestis. “O meu maior desejo é que a sociedade entenda que tudo o que mais queremos é o direito de viver”, salienta.

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O QUE DIZ A PSICANÁLISE SOBRE A TRANSEXUALIDADE Para Danielle Curi, psicóloga e psicanalista, o fenômeno da transexualidade é caraterizado pelo desejo do sujeito, homem ou mulher, de mudar de sexo. Ela explica que não é um fenômeno recente, já encontrado, inclusive, na mitologia grega. “Para a Psicanálise a transexualidade não diz respeito à anatomia corporal, ou seja, ao fato de se ter um pênis, e sim às consequentes identificações. Não se nasce homem ou mulher apenas pelo fato de se ter órgãos sexuais masculinos ou femininos, mas nos tornamos homens ou mulheres através de uma construção que se dá pelas identificações de cada sujeito, singulares para cada um de nós”, esclarece.

Danielle ainda traz um caso para ilustrar “Léa T., modelo e transexual, afirmou, antes de se submeter à cirurgia de retirada do pênis, que só se sentiria como uma mulher após a retirada do órgão masculino. Após a cirurgia, a mesma afirma que não recomenda a cirurgia para ninguém, por ser ex-

tremamente dolorosa, e pelo fato dela ainda não se sentir como uma mulher. Ou seja, as cirurgias de mudança de sexo não têm efeito sobre o mal estar psíquico. Em alguns casos, basta a mudança de sexo na certidão de nascimento para que o sujeito se sustente diante de sua escolha. Esta é a aposta da Psicanálise, acolher e escutar estes sujeitos diante de seus desejos, para que eles possam se situar como homem ou mulher independente da forma do seu corpo”. A psicóloga destaca por último a importância do apoio familiar para uma pessoa trans. “É necessário que a família entenda que a transexualidade é um fenômeno que pode acontecer a qualquer um, independente da escolha sexual dos pais e da religião de cada um. Também não se trata de um fenômeno genético, mas sim de identificação, que permite ao sujeito construir uma identidade mais além da sua anatomia corporal”, finaliza.

Foto: Gustavo Dragunsky

Um dos pontos mais polêmicos, inclusive na psicanálise, dentro da transexualidade é a cirurgia para a resignação sexual. De acordo com Curi apenas a cirurgia não traz o total bem-estar para o indivíduo. “Com relação ao capitalismo e ao discurso

da ciência, Lacan nos diz que a oferta cria a demanda. Na contemporaneidade, a cirurgia de redesignação sexual aparece como uma oferta para o tratamento do mal estar presente na não adequação entre o corpo, sua forma física e a posição sexuada do sujeito. Este fato se torna bastante complicado quando se trata de sujeitos transexuais psicóticos, em que as cirurgias podem ter um efeito de estabilização temporária, ou, por outro lado, podem levar o sujeito a um surto psicótico. Mesmo nos sujeitos neuróticos, cabe aos psicólogos analisarem a demanda pelo laudo psicológico para a realização da cirurgia”, explica.

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CRIME AMBIENTAL EM MARIANA

DA LAMA AO CAOS

Fotos: Stefano Marchesini

Antes mesmo de completar dois anos da maior tragédia socioambiental brasileira, a nossa equipe de reportagem visitou o cenário de uma cidade apagada do mapa. Nossa tentativa é dar voz à uma população que sofre com a discriminação e que tenta não cair no esquecimento.


Por Stefano Marchesini Cidade-fantasma, cenário tão comum em filmes de terror e em locais de grandes desastres mundiais, aquilo que só se imagina muito distante, está ali, a 51km da primeira vila, cidade e capital do estado de Minas Gerais, a cidade de Mariana, bem diante dos olhos. Uma sensação angustiante permeia a mente, em cada esquina, em cada passo. Os traços de humanidade que ainda restam só pioram aquela sensação que flui entre a raiva e a tristeza de forma tênue. O cenário é caótico e sempre alaranjado, contrastando com o brilho do minério de ferro que cobre todo o chão. Placas avisam sobre a periculosidade atual do local, desde o risco de desabamento das poucas construções que restaram após o desastre do rompimento da barragem de Fundão, no dia 5 de novembro de 2015, até ao cuidado que se deve ter com animais peçonhentos que foram arrancados de forma totalmente brutal de seu habitat. E em meio de tanta destruição, os olhos se perdem a todo o momento em detalhes que rementem a lembranças e, ao mesmo tempo, à certeza de que não há mais história sendo construída no subdistrito de Bento Rodrigues. Um dique construído pela mineradora Sa-

marco, para limpar a água e conter os rejeitos que ainda estão espalhados na área, irá inundar o que restou da maior tragédia socioambiental da história do Brasil, que desabrigou mais de 230 famílias e deixou 19 mortos. “La era um lugar sossegado. A gente podia sair, as crianças podiam ficar a vontade” relata Marinalva dos Santos, 44 anos, uma das vítimas da tragédia. A rotina dela se confunde com a de todos os outros que perderam suas casas e suas histórias. O que restou para as pessoas se agarrarem e contarem o que aconteceu no dia da tragédia é o sentimento de fé, Marinalva mesmo diz que “foi a mão de Deus que segurou e empurrou nós (sic)”. A comerciante Sandra Quintão, 44 anos, conhecida na região por ser a dona do Bar da Sandra, ponto de parada para trilheiros e motoqueiros que faziam turismo na região, lembra com desespero o momento em que a lama chegava a sua casa. “Meu irmão falou ‘olha lá sua casa Sandra’ e aí ela sumiu. Bento já tinha sido tomado pela lama. “10 minutos” e completa falando como foi ter que correr da cidade onde passou toda sua infância. “O negócio era correr. Correr pra salvar a vida. O pessoal da Samarco que estava (momentos antes no ba) comigo também teve que correr,” conta.

Até mesmo quem não estava em Bento Rodrigues no dia da tragédia, mas que têm alguma ligação com o subdistrito, não se esquece do ocorrido. Indiretamente, diversas pessoas tiveram que alterar sua rotina mesmo sem morar no local, caso da professora Silvany Ferreira, 41 anos, que lecionava para o ensino médio de Bento Rodrigues. A professora relembra que se preparava para comemorar seu aniversário em Mariana, quando ficou sabendo da tragédia e demorou a entender a proporção do ocorrido. “Na minha percepção, foi tão surreal (o desastre) que eu não imaginei que estava passando na televisão. Eu ficava no WhatsApp com os familiares das vítimas com eles me passando informações,” revela Por fim, mesmo com todas as lembranças assustadoras de um dia que marcou mais que a lama nas casas, marcou sofrimento e dor nas vítimas, esquecer não é uma opção. Toda semana, os ex-moradores de Bento Rodrigues se reúnem para discutir cada ação proposta pela Samarco e dessa união surgiu a ideia de um jornal colaborativo mensal, chamado de A Sirene, pautado pelos próprios atingidos. E é no sentimento de que não se pode esquecer de tudo que aconteceu, que vive hoje um povo marginalizado e discriminado.

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A TRAGÉDIA EM NÚMEROS E A MORTE DO RIO DOCE A maior tragédia ambiental do Brasil traz consigo uma série de números assustadores que dão uma dimensão ainda maior do que ocorreu naquela fatídica tarde do dia 5 de novembro de 2015. Em Bento Rodrigues, um subdistrito pequeno que no pesquisa do censo (IBGE) de 2015, tinha 600 habitantes, aproximadamente 82% das edificações foram destruídas. Dezenove perderam a vida e foram homenageados um ano depois pelos ex-moradores de Bento com cruzes fincadas em uma das principais ruas da cidadde. As mesmas que, no centro da região, ficaram destruídas. As poucas casas que se salvaram ficam na região mais alta de Bento. Apesar de 230 famílias afetadas diretamente pela tragédia, quando se trata de quantidade, os maiores prejudicados foram os animais. De acordo com o Ibama, cerca de 11 toneladas de peixes morreram com o rompimento das barragens. A lama foi tão intensa e percorreu tanta água que, desse número completo, três toneladas morreram no Espírito Santo. Entre Mariana a Linhares (ES), 1,5 mil hectares de vegetação foram destruídos pela lama, o que representa 15 quilômetros de morte. O Rio Doce, que foi afetado diretamente

pelo

rompimento

das barragens, teve um prejuízo ímpar: 11 espécies ameaçadas de extinção viviam naquelas águas, e foram severamente prejudicadas com a lama. Isso, claro, atingiu diretamente aos pescadores. Após a tragédia, mais de mil deixaram de trabalhar na região.

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Comportamento

TATUAGEM: NA PELE, NA HISTÓRIA E NA ALMA A tatuagem é utilizada como uma forma de expressão pessoal, porém muitos desconhecem a história. Na reportagem a seguir, vamos aprender mais sobre essa forma de expressão. Por Michael Magalhães Provavelmente você tenha ou já deve ter visto alguma tatuagem estampada pelo corpo de alguém. Os brasileiros possuem tatuagens de desenhos, nomes, letras ou até fotografias expostos no corpo. O uso da tatuagem divide opiniões, pois,para algumas pessoas, a arte ainda é muito marginalizada e

representa uma forma de rebeldia e irreverência por parte daqueles que as fazem. Em algumas religiões é até proibido o uso dessa arte. Por outro lado, os amantes da tatuagem, garantem que o fato de ter uma tatuagem não os desqualifica, como pessoa em nenhum âmbito social e, muito menos, eles reconhecem a arte como uma forma de rebeldia, mas sim de expressão e de querer expor seus

sentimentos na pele. Em contrapartida, existem pessoas que fazem a arte por questões de status, moda ou até por influencias de terceiros. Para esses grupos, não há necessidade alguma de se expressar, eles apenas fazem por gostar Entrevistamos Tatuadores e pessoas tatuadas, para saber o que elas pensam sobre o assunto.

Heloiza Darcilane Da Silva - Assessora Parlamentar “ Com 18 anos fiz minha primeira tatuagem, hoje, aos 40, já tenho 6, das quais não me arrependo de nenhuma, inclusive a minha última não tem nem um ano. Todas as minhas tatuagens têm uma representatividade, e um detalhe muito importante. Eu crio minhas tatuagens junto com o meu tatuador, nunca fiz só por fazer, elas são parte de mim. Tenho por exemplo uma proteção da cultura hindu, a outra é uma fênix, mas ao contrário do que a gente vê por ai, eu só fiz porque sonhei com ela com uma cor especifica. Tenho uma que você precisa analisar para entender, é um enigma, e a última eu fiz para que minha mãe visse na minha pele o tamanho do amor que eu sinto por ela, e foi em um momento muito especial, na qual ela se recuperava de um problema grave de saúde, então fica claro que todas as minhas tatuagens só fazem sentido em mim, somente eu sei descrever o que eu vivi para fazer cada uma delas.” REVISTA ÁGORA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2017

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Pedro Bicalho, 23 Anos – Estudante de Direito “ Fiz minha primeira tatuagem sem pensar muito a respeito, fiz mais por modinha mesmo, um dia que a empolgação tomou conta fui lá e tatuei uma pirâmide e uma caveira dentro dela, nunca prestei atenção no significado, eu achava um máximo, porém com o passar do tempo vi que não tinha feito uma boa escolha, e fui procurar saber como reparar esse erro... foi aí que iniciei um tratamento a laser para a retirada do desenho. Casa sessão a laser custa aproximadamente 400,00. E no meu caso foi indicado no mínimo 10 sessões. A lição que tirei disso é que temos que pensar muito bem para fazer outras coisas, inclusive fiz outras tatuagens depois, e não me arrependi”.

TATUAGEM E SUAS FORMAS DE EXPRESSÃO

A PRIMEIRA MULHER TATUADA

As tatuagens ou desenhos corporais sempre foram

Maud Stevens Wagner nasceu nos Estados Unidos, em fevereiro 1877. Ela foi pioneira entre as mulheres tatuadoras. No circo onde trabalhava de trapezista e contorcionista, conheceu Gus Wagner em 1904 que fora se apresentar como “o homem artisticamente mais marcado na América” com 264 tatuagens. Em troca dos ensinamen-

uma forma de expressão que, aos poucos, está sendo aceita pela sociedade principalmente no ambiente de trabalho. Para o empresário Lucas Nunes de Castro, “a tatuagem é uma arte, um modo de expressar na pele, em forma de imagens, a emoção e uma memória marcante”. Ainda segundo o empresário, “a tatuagem representa também alguma fase de no nosso crescimento, que reflete fases de nosso amadurecimento, da nossa jornada’’.

tos de Gus como tatuador, Maud aceitou um encontro romântico que tempos mais tarde ocasionou no casamento e no nascimento de sua primogênita filha Lovetta.

Nos dias de hoje, o preconceito vem perdendo força. A tatuagem deixou de ser um item exclusivo de uma cultura jovem para tornar-se uma via de expressão de subjetividade. De acordo com o tatuador Marcelo Vieira Salgado, o

Sendo tatuada pelo marido com desenhos típicos da

preconceito para quem tem tatuagem apesar de ter arre-

época que remetiam a natureza, Maud realizava apre-

fecido, ainda é bem forte, “o problema é a cabeça, de al-

sentações no circo como a única mulher tatuada, isto era um motivo de atração circense em meados do século XX.

gumas pessoas em relação à tatuagem. Eles também não valorizam o trabalho do profissional, achando que tatuar não é uma profissão”.

Junto com seu esposo, viajaram pelos Estados Unidos

Jessica Fontenele relata que fez tatuagem por gos-

trabalhando como tatuadores e foi pioneira,junto com

tar esteticamente e que é um instrumento de vaidade,

ele, na utilização de uma máquina elétrica para tatuar.

mas reitera que já sofreu preconceito “já fui desmerecida profissionalmente, já tive que provar meu valor

Maud faleceu em janeiro de 1961, com 83 anos, deixando um legado de conhecimento para as tatuadoras

enquanto mãe porque aparentemente uma mãe solteira não deveria ser tatuada”.

que viriam mais tarde.

O conselho mais importante para quem pensa em tatuar o corpo é procurar um bom profissional, vendo o portifólio e ,claro, que tenha originalidade, avalia Jessica.

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DERRUBANDO PARADIGMAS E PRECONCEITOS A tatuadora Raquel Sepúlveda, mãe de dois filhos, especializada em tatuagens femininas, está no ramo desde 2007. Em uma entrevista para a revista Ágora, a tatuadora contou algumas particularidades, que só uma mulher dessa área pode vivenciar.

Ágora: Já sofreu alguma situação de preconceito com clientes ou colegas de trabalho? Raquel Sepúlveda: Sim, várias vezes, já teve mulher que entrou no meu estúdio acompanhado de namorado e falar na minha cara, “não ela é mulher, não quero fazer com ela, mulher não sabe tatuar”. Agora quanto aos colegas, o preconceito de alguns é velado, tentam não demostrar, mas é uma coisa um pouco difícil, entretanto, de uns tempos para cá, tem mudado muito, muita gente ensinando técnicas pela internet.

Ágora: Você acredita que as mulheres ficam mais à vontade em fazer tatuagens com pessoas do mesmo sexo? Raquel Sepúlveda: Sim, porque mulher com mulher, fica mais à vontade, principalmente se for tatuar em regiões intimas.

Ágora: Como agir com a insatisfação de um cliente com a tatuagem finalizada? Raquel Sepúlveda: Por incrível que pareça ainda não aconteceu isso comigo, mas eu sempre tenho um pensamento na minha cabeça: “tatuagem não tem volta, não tem como eu pedir desculpa para a pessoa, não tem como passar uma borracha”, o que eu talvez faria é devolver o dinheiro ou nem receber o que para mim não vai valer a pena, prefiro perder o trabalho.

Ágora: Por mais que a sociedade grite NÃO AO PRECONCEITO. Você já sofreu alguma situação diferenciada em escolas, praias, ruas, clubes, com seus filhos por causa das suas tatuagens? Raquel Sepúlveda: Tive um pouco de problemas com minha filha mais velha. Na época da adolescência, na escola, muitas pessoas achavam que ter uma mãe tatuadora é muito legal, que iria deixá-la se encher de tatuagem, e isto não tem nada haver uma coisa com a outra. Mãe é mãe em qualquer situação e eu sou uma mãe chata. Várias vezes eu senti que minha filha estava dando vários problemas na escola e que eu não poderia ir na escola com minhas tatuagens à mostra, pois poderiam pensar que eu não era um bom exemplo.

Ágora: E como é com as crianças nas ruas, qual é a reação delas quando veem você cheia de tatuagens? Raquel Sepúlveda: Bem, são criaturinhas maravilhosas sem maldade, acham lindo, querem pegar em mim, acham que são desenhos coloridos. Crianças enxergam o mundo de um modo diferente, ficam maravilhadas. Com a aprimoração dos desenhos corporais, foram inventados equipamentos, composições químicas, resultando em tintas de diversas cores e até mesmo um laser para a remoção das tatuagens. Para quem aprecia a arte, não faltam motivos para deixa-las expostas no corpo.

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A bicicleta e o pôr do sol finalizam a primeira etapa da Copa Internacional de Mountain Bike, em São João Del Rey, Minas Gerais

Esporte Marcus Vinícius Filho

MONTANHAS E TRILHAS SOBRE DUAS RODAS Pelas trilhas de terra do estado da Califórnia surgiu a modalidade Mountain Bike. Jovens americanos em busca de emoção e adrenalina, adequaram as provas de ciclismo realizadas no asfalto, para as estradas montanhosas e terrenos irregulares.


Por Alberto Carvalho, Ana Souza, Fernanda Casanova, Hudson Bonato, Nash Castro e Patrícia Matos

Às 05:00 da manhã, o sol ainda se esconde, mas o analista da qualidade, Vinícius Filho, já inicia sua jornada de treinos nas trilhas de terra cheias de obstáculos encontradas em meio ao espaço urbano da cidade de Belo Horizonte. A distância a ser percorrida através dos pedais, será definida pela disposição e tempo disponíveis. Mas para ele, não serão esses os fatores limitadores para aflorar a brutalidade esportiva que desperta a adrenalina do atleta que, há três anos, encontrou no Mountain Bike (MTB) a válvula de escape para os conflitos cotidianos ao integrar uma equipe de atletas. “Me sinto melhor fisicamente e mentalmente. O MTB injeta em mim adrenalina, mas me distância do estresse diário. É o meu momento”, declara o analista. “A liberdade e o desafio são os conceitos que definem uma prática que envolve resistência, destreza e autossuficiência”. De acordo com o ciclista Júlio Cesar, que considera o esporte, o principal responsável por garantir seu bem-estar. “Quando estou na Bike me sinto livre. Esse momento me separa dos problemas cotidianos. É um momento prazeroso que só penso em superar a mim mesmo”, diz o atleta, que iniciou a prática, há cinco anos, e descobriu no Mountain Bike a chave para a liberdade e também para integração.

Como praticante César destaca que, a rivalidade esportiva não supera o companheirismo e a solidariedade entre os competidores. “Isso é o que mais impressiona no esporte. A irmandade no ciclismo é visível nos quesitos solidariedade e companheirismo”. Júlio também é fundador dos Bacana Bikers, uma das cinquenta equipes, que se reúnem nos finais de semana nas cidades do interior de Minas. Não só para competir, mas para contemplar, as paisagens que podem ser encontradas durante os percursos das provas. “Minas Gerais possui as mais belas montanhas do mundo, são lindas as paisagens. E visualizar um pôr do sol sobre rodas é perfeito. A Bike te leva a lugares onde você possivelmente não iria a pé ou de carro”, declara Vinícius, que também integra a equipe do Bacana. O presidente da Federação Mineira de Ciclismo fundada em 1941, Paulo Aquino, declara que “Existem hoje, em Minas, quase quinhentos atletas filiados”, entre profissionais e amadores. Paulo diz que é difícil mensurar a quantidade total de praticantes do esporte no estado, mas novos adeptos surgem a cada dia. O ciclismo, que transpõe obstáculos, ganhou destaque nos anos 70, na América do Norte. Mas encontrou, nas alterosas de Minas Gerais, o cenário ideal para protagonizar grandes competições, como a Copa Internacional de Mountain Bike, o maior campeonato da America Latina, realizado nas cidades

históricas de São João Del Rey, Araxá e Congonhas. “O evento reuniu mais de três mil atletas no ano de 2016”. Conta o organizador, Rogério Bernardes, “Incluindo atletas internacionais”. Rogério coordenou toda a construção da pista onde foram realizadas as competições das Olimpíadas RIO 2016. “Foram três anos de trabalho, onde conseguimos contribuir com 20 anos de experiência. Fiquei muito honrado por ser escolhido” O esporte, que foi integrado ao programa olímpico em 1996. Consagrou nas Olimpíadas RIO 2016, o atleta suíço Nino Schurter. No entanto, atletas brasileiros como Henrique Avancini e Luiz Henrique Cocuzzi, que conquistaram 11 medalhas, no Campeonato Pan-Americano de Mountain Bike, realizado esse ano na Colômbia, percorrem o mundo em busca de vitórias para destacar o país no circuito mundial. O público feminino também domina as Bikes e detonam as pistas com equipes exclusivas. Como é o caso do ‘Pedal só delas’, uma equipe de Pedro Leopoldo, composta somente por mulheres e tem como integrante a atleta Roberta Cristina. “O MTB representa uma qualidade melhor de vida, um meio de fazer novas amizades, de superar os meus limites e me sentir viva”. - Declara Roberta, que faz parte da equipe desde sua criação, há um ano. A atleta ainda considera que, “O esporte vem sendo construído dentro de uma plataforma conceitual democrática, onde qualquer pessoa e bem-vinda a participar”.

Vinícius Filho, na Serra do Rola Moça. Com uma paisagem incrível, o local garante a dose de adrenalina perfeita para o mountain bike REVISTA ÁGORA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2017

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Comportamento

ELAS NÃO ACEITAM NENHUM A MENOS

Fotos: Amanda Vitória e Thales Rodrigues

Mulheres de todo o Brasil estão na linha de resistência para construir um novo feminismo que garanta cada vez mais direitos.


Por Amanda Vitória e Thales Rodrigues

“Que a gente tenha muita força para suportar nossa jornada nessa conjuntura golpista, maligna, machista, racista, colonial, que todos os dias nos maltrata, nos humilha, estamos aqui na linha de frente da resistência contra o golpe, contra toda forma de violência, juntas com todas as mulheres do mundo, dizendo que a nossa vida tem valor, nosso trabalho tem que ser de igual para igual e que em Belo Horizonte nenhuma violência passará, nós não vamos permitir”. Esse foi o discurso da vereadora Áurea Carolina que, mesmo debaixo de uma forte chuva, acompanhou e discursou durante o Ato Unificado de Belo Horizonte no dia 8 de março, quando se comemora o dia Internacional da Mulher. Negra, mulher, feminista, engajada nas lutas sociais e a vereadora mais bem votada das últimas eleições da capital mineira, Áurea parece ser a cara da juventude e da política que o povo quer. Áurea é reconhecida pelo seu forte posicionamento e vem construindo um fazer político diferenciado e mais aberto para a população, junto com Cida Falabella, ambas eleitas pelo PSOL. Com 32 anos, Áurea coleciona um currículo invejável, graduada em Cências Sociais pela UFMG, especialista em Gênero e igualdade pela Universidade Autônoma de Barcelona e mestra em ciência política, já atuou como subsecretária de Políticas Públicas para as mulheres de Minas Gerais.

Áurea parece sair dos padrões em um momento em que o conservadorismo parece estar no auge, mas no meio de tantos discursos misóginos, parece ainda haver espaço para pessoas com ideias progressistas “Eu percebo que existe uma luta por representatividade de mulheres, negras, trabalhadoras e periféricas nos espaços de poder. Houve uma identificação das pessoas com a minha trajetória, com esse meu perfil e essa minha vivência muito conectada com temas emergentes, como direito das mulheres e da população negra”, destaca a vereadora.

tada federal, está na causa desde sua juventude e hoje com 70 anos, tem uma rica história de luta e resistência. Jô já viveu por 10 anos na clandestinidade durante a ditadura militar e sabe bem diferenciar os bons e maus momentos políticos “Nós mulheres estamos vivendo um golpe, acabamos de ter a medida provisória 768 que extingue a Secretária da Mulher, o outro grande golpe é a Reforma daPrevidência, hoje as mulheres se aposentam com 55 anos, eles querem 10 anos a mais, querem roubar dez anos das nossas vidas e do nosso direito”, desabafa.

Mulheres de todos os tipos, raças e classes têm ido às ruas para lutarem contra o machismo, porém ainda é necessário se organizar de forma mais efetiva, como destaca Renata Rosa, coordenadora da , União Brasileira de Mulheres de Minas Gerais (UBM). “As mulheres são protagonista na maioria dos movimentos de resistências, mas apesar disso a gente segue a linha de forma desorganizada, até porque os próprios feminismos são muitos e diferentes, se intercruzam, mas o que temos certeza é que é preciso trabalhar pela unidade de forma a ir contra qualquer sistema que lacere nossas consciências e que obscureçam nossos corpos. É preciso construir algo em uma perspectiva que fortaleça as mulheres enquanto grupo protagonista de sua própria história”, observa Renata.

Parece que o feminismo ainda tem um longo percurso pela frente, muitos direitos já foram alcançados, mas o caminho é longo e tortuoso como destaca Eneida Costa, jornalista, ex-presidente dos Sindicatos dos Jornalistas e que se declara uma feminista não orgânica, ou seja, não participa de nenhum grupo ou organização específica. “Estamos andando em direção à utopia, utopia como disse o autor do livro ‘As veias abertas da América Latina’, lá ele diz que a utopia é a linha do horizonte e cada vez que a gente dá um passo para a frente essa linha se afasta, nunca iremos atingir o horizonte, não vamos alcançar essa linha que pretendemos, mas a gente avança. A luta é diária seja na educação dos filhos e dos netos, na conversa com pessoas que possuem atitudes machistas e assim vamos construindo essa rede feminista, sou uma lutadora diária”, declara.

Áurea não é a primeira a se destacar nesse cenário, Jô Moraes, depu-

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O FEMINISMO DE 1970 NA OPINIÃO DAS JORNALISTA VILMA FAZITO E ENEIDA COSTA A ditadura censurava o comportamento sob forte repressão, tortura e violência aos resistentes. Esta mesma energia acenderia as primeiras fagulhas, que no Brasil não levaria a queima de sutiãs, mas às primeiras grandes manifestações na luta pelos direitos femininos em 1970. O movimento estava aliado às lutas feministas e à outras questões políticas. Vilma Fazito foi uma dessas mulheres que enfrentou a forte resistência ao movimento na década de 1970, em Belo Horizonte. Formada em Jornalismo, em 1976, sempre esteve presente na mídia, em diversos meios de comunicação como Jornal Movimento, TV Globo, Diário de Minas e Revista Manchete. Ativista e partidária, integrava o movimento feminista pelo partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB) que hoje é o atual PMDB. “Eu atuei um tempo no MDB, a gente tinha reuniões

para discutir a participação e a inserção da mulher no mercado de trabalho e como que até então continuávamos sendo exploradas. Precisámos provar que nós tínhamos valor, era o início da pílula anticoncepcional”.

artistas, centros culturais. Era a for-

O partido MDB foi fundado em 24 de março de 1966 como um partido contrário ao ARENA, partido esse criado pelo regime militar de 1964. O MDB alcançou o auge na década de 70 com o apoio de populares ao movimento. “O MDB era um grupo de 30 a 40 pessoas, na verdade nos reunimos para discutir política e as pautas feministas foram surgindo. Ainda estávamos engatinhando nessas discussões, até porque era muita coisa acontecendo, o grupo lutava contra várias coisas, como a ditadura, por exemplo”.

vários lugares do país tratando ques-

Ao fim da década de setenta, o feminismo já havia se tornado bastante popular nas universidades, entre os

filho fora do casamento etc. Vivíamos

mação de uma nova identidade feminina e, simultaneamente, uma ruptura com os conceitos machistas ante as transformações sociais. Segundo Vilma, surgem grupos em tões como a violência, sexualidade, casamento e racismo. Estes núcleos se organizavam também nos bairros pobres e comunidades, em favor da educação, saneamento, habitação, saúde e melhoria nas condições de vida nas periferias. As mulheres viram a possibilidade para que outras pautas fossem surgindo. O uso da pílula, o trabalho fora de casa e ainda a criação dos filhos. “Discutíamos coisas como aborto, mas estávamos iniciando essas discussões feministas. Era um tabu esses assuntos, assim como um momento de ditadura, um momento tenso. Íamos para a rua para brigar

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contra a ditadura. A diferença entre hoje e ontem é que nos tínhamos bandeiras mais emergentes como a luta pela anstia, contra a própria ditadura, luta pela Constituinte e luta pelas Diretas Já. Foram movimentos que fomos agregando às nossas conversas feministas, nos reuníamos para discutir politica e o feminismo era consequência. É muito difícil para as mulheres se desprenderem da figura masculina, parece até uma fala machista, mas é isso mesmo, ainda é uma coisa complicada, as mulheres não estão completamente liberadas, é uma questão cultural difícil de ser quebrada, melhorou muito, mas ainda existe um longo “, afirma Vilma Fazito. Eneida da Costa, contemporânea de Vilma Fazito na mobilização feminista durante a resistência à ditadura, atuou no primeiro manifesto para tirar as mulheres do anonimato. O movimento passou a ser uma força política e social consolidada. Houve a criação de espaços institucionais que permitiu que políticas públicas voltadas para as mulheres fizessem parte da agenda política do país. “Eu luto todos os dias contra o machismo, sou uma militante feminista radical, todas as minhas atitudes, da hora que levanto até a hora que durmo. Eu exerço o feminismo e aponto o dedo para o machismo. O feminismo é uma luta constante contra o machismo, uma luta constante contra essa cultura que mata as mulheres, o machismo mata! ” Eneida cita como um dos avanços e importantes para as mulheres, os direitos conquistados com a aprovação da lei 9.504/97 que garante de 30% a 70% de cotas para mulheres que desejam se associar a algum determinado partido ou coligação e se candidatar a cargos políticos. Apesar dessa conquista, na opinião de Eneida, o Brasil ainda se encontra como um dos países com menor participação das mulheres em cargos no poder. “Conquistamos muitas coisas, direito ao voto e, nesse momento, recebemos o direito de ser votadas também. Demo-

ramos a descobrir esse outro lado do voto. Conquistamos o direito ao controle da natalidade, a pílula, você pode decidir quando ficar grávida. Ainda não atingimos isso no aborto, mas no controle da natalidade isso é uma conquista das mulheres sim. Outra coisa foi a ascensão ao mundo do trabalho, foi em decorrência de uma política de estado que precisou na Segunda Guerra Mundial da nossa mão de obra, mas ainda assim uma grande conquista. Entramos e não vamos mais sair, estamos agora disputando os postos de comando dentro do ambiente de trabalho, mandamos no nosso próprio corpo, usamos as roupas que queremos e isso é muito importante”, acrescenta Eneida Costa. Antes do regime militar o número de mulheres nas casas legislativas era de 0,6%. No anos de 1990, após o movimento feminista, o número chegou a 5,3%, sendo 26 mulheres entre 559 deputados, e uma delas negra, Benedita da Silva, a primeira mulher negra eleita para um cargo legislativo. Em 1990 o governo impediu o avanço das pautas feministas, contudo as mulheres continuaram na luta pelo seu espaço e o amadurecimento do movimento feminista. Para Eneida, uma das maiores vitórias do movimento no Brasil foi a fundação do Conselho Nacional da Condição da Mulher (CNDM), no ano de 1984. A secretária atuava praticamente como uma ministra, ao lado de importantes grupos como o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), de Brasília, em uma campanha nacional para inclusão dos direitos da mulher na nova Carta Magna. “E conseguimos! Hoje está na Carta Magna de 1988 , o artigo 5°, I que diz que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.E o artigo 226, Parágrafo 5°: que garante que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos pelo homem e pela mulher”, revela

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POR QUE AS MULHERES DE TODO O PAÍS GRITAM “FORA TEMER”? Um dos gritos mais ouvidos durante as passeatas de mulheres pelo Brasil, no dia 8 de março, e expressão da insatisfação feminina para com o atual governo, a frase “Fora Temer” é uma das mais repetidas no universo de lutas. Como de costume no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, o presidente Michel Temer discursou no Planalto sobre a importância feminina e parabenizando a todas pelo dia. O conteúdo do discurso parece não ter agradado até mesmo a imprensa internacional. CNN, New York Times e El País foram alguns dos veículos que repercutiram e apontaram o machismo presente na fala em que Temer rebaixou a importância da mulher aos deveres do lar. “Na economia, também, a mulher tem uma grande participação. Ninguém mais é capaz de indicar os desajustes, por exemplo, de preços em supermercados mais do que a mulher. Ninguém é capaz melhor de identificar eventuais flutuações econômicas do que a mulher, pelo orçamento doméstico maior

ou menor”,, declarou. Em um segundo momento, Temer afirmou que o dever de educar os filhos é das mulheres. O presidente deixou transparecer em seu discurso que o lugar da mulher é em casa cuidando dos filhos e dos afazeres domésticos. “Tenho absoluta convicção, até por formação familiar e por estar ao lado da Marcela, do quanto a mulher faz pela casa, pelo lar. Do que faz pelos filhos. E, se a sociedade de alguma maneira,vai bem e os filhos crescem é porque tiveram uma adequada formação em suas casas e, seguramente, isso quem faz não foi o homem, foi a mulher,” falou o presidente. No discurso que durou cerca de dez minutos, Temer disse que a queda da inflação é boa para as mulheres. Destacou que homens e mulheres têm igualdade no campo profissional, apesar de restrições, falas que não condizem com a realidade já que mulheres ganham menos e estão em minoria em cargos de importância.

“Tudo isso significa empregos e significa também que a mulher, além de cuidar dos afazeres domésticos, vai ver um campo cada vez mais largo para o emprego (...) Homens e mulheres são igualmente empregados (...) Com algumas restrições” disse. “Mas a gente vê o número de mulheres que comandam empresas”,completou Temer. O discurso saiu pela culatra e, o que seria homenagem, acabou sendo um constrangimento enorme. Logo as redes sociais se movimentaram contra o presidente que foi alvo de críticas. Parte da mídia também não gostou do tom machista adotado pelo presidente. Na Câmara, a deputada Shéridan do PSDB do Paraná criticou o presidente.“Me estranha muito um homem vir falar de papel de dona de casa. Reduzido por quê? Dona de casa se reduz a que?”. “Muito me impressiona vossa excelência se reportar a uma condição de inferioridade da mulher por ela ser dona de casa”.

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8 DE MARÇO UNIFICADO PELA VIDA DA MULHER O dia 8 de março foi marcado no mundo pelo ato unificado pela vida da mulher. Mais de 40 países participaram do evento. No Brasil, 27 capitais adotaram o movimento que tinha como pauta a luta das mulheres pela igualdade e a reivindicação por políticas públicas. A paralisação foi organizada por grupos políticos, centrais sindicais e grupos feministas através das redes sociais. Em Belo Horizonte, o evento se concentrou às 15h30, na Praça da Liberdade, com saída às 16h40, pela região central de Belo Horizonte, passando pela avenida Afonso Pena, Praça Sete, Praça da Estação, e terminando no viaduto Santa Tereza, por volta das 20h. A proposta do evento era uma greve geral para protestar contra o atual presidente Michel Temer, além de debater questões feministas, com o lema “Aposentadoria fica, Reforma Sai”. Em Belo horizonte, na linha de frente tomaram a fala militantes de diferentes grupos, como da Casa de Referência da Mulher, Tina Martins. O local presta atendimento jurídico para mulheres. Também falaram representantes de ocupações urbanas e de grupos feministas. Uma das principais reinvindicações durante o ato foi pela não aprovação da Reforma da Previdência. A nova proposta não leva em consideração as diferenças de gênero. A reforma, se aprovada, fixa a idade mínima para 65 anos, indistintamente para homem e mulher, trabalhador urbano ou rural, além de elevar o tempo de contribuição de 15 para 25 anos. Segundo as ativistas não levar em conta a diferença entre homens e mulheres coloca a mulher em uma posição ainda mais fragilizada. “Com a Reforma da Previdência, as mais prejudicadas serão as mulheres negras. Brasil sendo um dos países com maior índice de violência entendemos como fundamental e necessário a mulher se colocar na cena política, reivindicando melhorias e seus direitos”, disse Vitória Latorre, integrante do movimento Olga Benário, que participava da passeata em Belo Horizonte.

O movimento seguiu animado pelas avenidas da cidade com gritos de ordem como “machistas não passaram”, “Fora Temer” e paródias de funk tratando do empoderamento feminino. A música “Maria de Vila Isabel”, de Elza Soares, foi cantada em diversos momentos pelas centenas de pessoas no local. Pautas como a legalização do aborto também foram tratadas . A manifestação contou com a participação de um público variado, homens e mulheres de todas as idades unidos por uma mesma causa, a luta contra o machismo. “Estou aqui para apoiar a causa, não é porque sou homem que sou machista, opressor, estou aqui para lutar com todas vocês”, declarou Yan Solanco que acompanhava a marcha. Nem mesmo a chuva que caiu em Belo Horizonte dispersou os manifestantes que continuaram com o movimento que seguiu firme, mesmo após ter o carro de som retirado, a voz das mulheres ainda eram fortes e os gritos urgentes. A vereadora Áurea Carolina, do PSOL, que foi eleita a vereadora mais votada na capital, com 17.420 votos, também participou do evento e deu seu depoimento “Em Belo Horizonte nenhuma violência irá passar, nenhum direito a menos, nenhuma de nós a menos e fora Temer golpista”, disse. Edwiges Elempp, militante feminista desde 1974, e uma das fundadoras do PT em Belo Horizonte, expressou seu ponto de vista “Eu sempre militei porque no trabalho sempre ganhamos menos, a violência é machista contra a mulher, o trabalho dobrado é da mulher, é uma luta constante”, desabafou. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) realizou a assembleia das trabalhadoras em frente ao prédio do Instituto Naciona da Seguridade Social (INSS) e seguiu em caminhada para somar militantes ao ato unificado. A polícia militar e os organizadores do movimento não estimaram o público presente na manifestação. O ato foi encerrou no viaduto Santa Tereza, onde ocorreram shows com poetas, grupos de samba, MCs e bandas.

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Comportamento

CULTURA DO ESTUPRO: JÁ OUVIU FALAR?

Fotos dos autores

Trata-se de um assunto que estampa parte das notícias que envolvem abuso e violência. O problema é que muitos não sabem o que é e, por isso, nem acreditam que ela exista.


Por Alberto Carvalho, Ana Souza, Fernanda Casanova, Hudson Bonato, Nash Castro e Patrícia Matos

Distraída no canto da sala de estar, a pequena Ana*, aos 3 anos, brinca com o que sua mãe insiste em chamar de brinquedos. Mas, para os olhos dos mais atentos, o que ela traz nas mãos não são mais do que instrumentos de limpeza. Ana se diverte com um rodo e com uma vassourinha, incentivada pelos familiares ao seu redor. E sua avó, Lurdes, 62 anos, ri, dizendo que as meninas têm que aprender desde cedo a ajudar na casa e que está feliz por finalmente ter a primeira neta para lhe ajudar com os afazeres de casa. Ao mesmo tempo, a mãe de Ana, Bianca, de 29 anos, insiste para que ela arrume seu vestido, “porque não é assim que uma mocinha deve se comportar”, diz Bianca. Em outro ponto da casa, o priminho Marcos*, que tem a mesma idade de Ana, está entretido com seus brinquedos. Diferente da menina, que é incentivada todo tempo a brincar com fogões, panelas e vassouras, Marcos traz debaixo dos braços um trator. E, quando perguntado sobre o que o garotinho vai ser quando crescer, seu pai Gabriel, de 35 anos, enche o peito para dizer que o menino vai ser um jogador de futebol. E com um sorriso, chama seu filho para perto, exibindo algo que ensinou ao menino. “Como é que se conquista as novinhas, filho? ” - ele diz para a criança que sorri e manda um beijinho tímido para uma das garotas ao seu redor. Os familiares, que observam aquela cena, vão a loucura com a “graciosidade” do menino. “Somos ensinadas desde cedo a cuidar da casa e dos filhos, enquanto os homens são ensinados a buscar coisas materiais e sair de casa. Até as nossas brincadeiras são voltadas para isso”, relata a biomédica, Ingrid Oliveira, de 32 anos, enquanto acaricia

Marcos*, 3 anos a avantajada barriga de oito meses.

acaricia a barriga enorme, que vez ou

Sua primeira filha está a caminho e,

outra treme. Carolina parece querer

com a chegada de Carolina tão próxi-

participar da entrevista também. “Não

ma, ela relembra como foi sua criação.

quero que a minha filha deixe de brin-

“Eu tenho quatro irmãos mais velhos

car porque ela tem que ter pernas boni-

e eles sempre brincavam na rua perto

tas. Crianças não deveriam se preocu-

de casa. Iam para o campinho jogar fu-

par com isso”.

tebol, se divertiam e tal, mas meu pai não me deixava participar. Ele dizia que eu não podia brincar porque iria me machucar e estragar a minha chance de ser miss. Eu ficava muito triste com toda aquela situação. E isso só piorou quando minha mãe começou a trabalhar. Eu ficava com a maioria do serviço de casa enquanto meus irmãos estavam brincando na rua”. Orgulhosa, Ingrid mostra as fotos do ensaio, assim como as roupas que comprou para a menina. A maioria das peças é de cores consideradas, neutras: amarelas, verdes, vermelhas. Mas os enfeites para o cabelo, deixam claro, a preocupação para que reconheçam o sexo da criança.

“Acabou que eu não

fui miss e não me valeu de nada as pernas sem cicatrizes”, ela ri, enquanto

“Éramos muito novos quando meu tio me mostrou uma revista de ‘mulher pelada’. Devíamos ter uns 11 anos”. Relembra Carlos Souza, de 34 anos, o dia em que ele e seu irmão viram uma Playboy pela primeira vez. “Ele disse que aquilo é que era ‘coisa boa’ e que não íamos demorar a conhecer. Eu achei muito engraçado”. Já Bia Melo*, de 13 anos, sofre na pele quando conta a alguém o que quer fazer de sua vida. Tímida, a garota senta sem jeito, com as pernas cruzadas, e quando toca no assunto de seu futuro, ela se emociona. É possível ver mais do que dor em seus olhos. “Eu quero ser jogadora de futebol, mas não tem nenhuma escolinha de futebol que aceite meninas aqui (na cidade em que mora)

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e minha mãe vive dizendo que isso não é “coisa de menina”. Que eu tenho que fazer balé, coisas assim”., conta. “Não deveriam ter esportes de menino e de menina, mas tem. Infelizmente”. Todos os relatos das crianças e e dos familiares que você acaba de ler refletem o que sociólogos e profissionais ligados à área da saúde convencionaram chamara de “cultura do estupro”. O termo que nasceu com os movimentos feministas dos anos 70, é usado para descrever situações e/ou ambientes aonde o estupro é banalizado e normatizado. A sociedade contribui com este fenômeno quando denigre as vítimas, permite a objetificação dos corpos de mulheres, homens e crianças, quando banaliza a violência sexual e o abuso verbal, e quando cria uma normatização de como cada gênero deve se portar na sociedade. “É uma sociedade que, a princípio, criou os homens para serem superiores, para que vivessem sua sexualidade como uma imposição e não simplesmente como algo que deveria ser discutido com o seu parceiro ou sua parceira”, explica a socióloga da PUC- MG, Lucia Lamounier. “Então esse homem tem que afirmar-se sexualmente, como potente, como viril, aquele que não aceita não”. Culturalmente, é esperado e ensinado aos meninos que usem a agressividade, que sejam corajosos. Já com relação às meninas meninas é esperado que

Ana*, 3 anos estava acontecendo”, relata K., de 27

no ambiente de trabalho. “No ambiente

anos, um jovem comum de classe média,

de trabalho fica mais complicado você

em uma entrevista por Facebook.

“cortar” a pessoa que te abusa”.

usem a delicadeza e que estejam sem-

Vale ressaltar que não é apenas

Raiane ainda acrescenta: “anali-

pre em busca da perfeição. Mas, quan-

a violência e abuso sexual que fazem

do o homem entra no papel de vítima,

sando o que é ‘objeto’, primeiramente,

parte da Cultura do Estupro. Cantadas

a criação que o fez agir de forma viril

percebemos que são coisas, seres inani-

ou abordagens agressivas, ofensas ao

é o que mais lhe impede de buscar aju-

mados os quais podemos usar, manuse-

dizer “não” a uma investida, ofensas de

da. “Quando ele é vítima de um assédio

ar e adquirir quando quisermos ou tiver-

cunho sexual, propostas inadequadas,

sexual, é claro, que ele não vai denun-

agressão física, psicológica ou verbal,

mos necessidade. Objetificar a mulher é

ciar, porque se ele for vítima, o que vai

desqualificação

ser colocado em questão é, justamente,

são consideradas formas de assédio.

essa sua potência e virilidade”, complementa a socióloga Lúcia Lamounier.

intelectual

também

“Além de cantadas na rua, sofro abuso no ambiente de trabalho. Não é

tratá-la justamente dessa maneira. Em uma pesquisa, do site Vagas. com, divulgada pela BBC Brasil, no ano de 2015, dos 4.975 entrevistados, 52% disseram ter sido vítimas de assédio

“Já fui embriago e chamado de frou-

necessário ser estuprado para ser e/

xo por meninas que queriam transar, e

ou se sentir abusado”, conta Raiane

no final da noite fui abusado. Cheguei

M.. Aos 27 anos, ela relata não saber

Já uma pesquisa realizada pelo

a estar dormindo e quando acordei já

como dizer que se sente constrangida

Instituto YouGov, também no Brasil,

sexual ou moral.

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mostra que 86% das mulheres ouvi-

Acontece com frequência no trabalho

foi tão sério assim, foi a roupa, o ho-

das sofreram assédio em público em

essa situação”.

rário. E o descaso e demora que ainda

suas cidades.

“Há uma permissividade que só

tem nas delegacias, mesmo sendo a delegacia da mulher”, diz Diz Mar-

“Isso é tão comum. Para receber

as denúncias e o constrangimento

uma cantada é só sair na rua sozinha,

causadado por elas poderão comba-

principalmente de short, cropped ou

ter. Mas não é tão simples, mais do

roupa de academia. Tem homem que

que, já que a cultura do estupro é his-

olha como se tivesse “me comendo

tórica”, diz J.L.L., de 34 anos, em seu

com os olhos”. Em boate, vários ho-

relato pelas redes sociais. Ela acres-

mens já chegam puxando pela cintura

centa.“Fora os constrangimentos do

e tentando beijar, e mesmo depois de

dia a dia, uma noite, ao voltar do tra-

“Pode ser um desconhecido, seu

um “não” eles continuam insistindo.

balho, sofri uma ameaça de estupro,

chefe, seu colega de trabalho, seu ami-

Alguns quando percebem que não vão

onde o homem disse para eu não cor-

go da faculdade, ou um primo, tio, pa-

conseguir nada, mudam e começam a

rer. Mas botei a boca no mundo e saí

drasto. Os homens na rodinha de ami-

xingar, chamar de “vadia”, “mal-comi-

correndo. Ele se assustou”.

gos, falando que ‘fulana’ é gostosa,

da”, etc. Já aconteceu de o cara jogar bebida em mim ou me bater porque re-

Ao consumir músicas que preju-

cusei a ficar com ele”, conta A.R., em

dicam a imagem das mulheres, ao dis-

um relato enviado pelas redes sociais.

seminar vídeos ou imagens particu-

“Uma vez, quando eu tinha uns 16 anos, saí com um amigo e ele me falou que me dava carona para casa. Quando nós estávamos no carro, ele falou que se eu não transasse com ele, me deixaria sozinha no meio da rua, e eu teria que me virar para voltar para casa”. A.R. ,no fim do seu relato, diz percebe a cultura do estupro presente também na arte e em peças publicitárias. “Várias mulheres já me abordaram em boates e mais recentemente no trabalho. Quando negava, me chamaram de frouxo ou faziam piadas de terem sonhado comigo, mas que sou

lares, ao fazer comentários e piadas, contribui-se para que a objetificação e a Cultura do Estupro sejam reforçadas. Relembrando que, o silenciamento e a culpabilização das vítimas, são alguns dos principais artifícios da cultura do estupro. “Porque sempre a mulher sente necessidade de se explicar quando acontece algo. Tipo: “mas eu não estava fazendo nada”, “minha roupa nem era curta”. Mas em hipótese nenhuma o homem poderia fazer o que faz”,

cella C., em seu relato. “Uma vez voltando para casa, da escola, com uns 17 anos, um homem aleatório me mostrou o pênis de dentro do carro dele. Eu estando dentro do ônibus e os veículos parados no sinal”.

que faria isso e aquilo com ‘ciclana’. Rindo e fazendo piada incentivando a violência contra as mulheres, como se isso fosse “normal”, como se fizesse parte do ciclo da vida. “Cultura do estupro existe SIM, e precisa ser dizimada o mais rápido possível”, opina a estudante de 21 anos, Miriã Machado, durante sua entrevista.“Todos os dias mulheres são violentamente violentadas e mortas. É inconcebível que isso continue acontecendo. E nós, tão evoluídos, tão à frente dos “homens das cavernas”, que dominamos o fogo, a água, a terra e o ar, mas ainda continuamos com pensamentos e ações tão nojentas e violentas”, Miriã

pondera J.L.L sobre o que ela acredita ser a Cultura do Estupro.

ruim e de pinto pequeno, me provo-

“A Cultura do Estupro existe ao

cando a querer provar o contrário.

crer que a mulher ‘se enganou’, não

*Os nomes são fictícios, já que os entrevistados não quiseram se expor, nem ser identificados.

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#MEUPRIMEIROABUSO Um vizinho, um tio ou um amigo da família. Muitas pessoas sofreram seu primeiro abuso sexual de alguém tão perto que era quase impossível de se acreditar.

“acariciar” o pênis dele”, conta A.J.R. sobre sua infância em um relato nas redes sociais. “Quando era criança, minha tia tinha um namorado que passava as mãos nas partes íntimas minhas e da minha prima, ele nos fazia sentir culpadas pelo que ocorria. O que nos deixava com vergonha de contar pra alguém. Depois de alguns anos resolvemos denunciá-lo. Infelizmente, não deu absolutamente em nada, pelo fato de não termos provas concretas. Uma boa parte da minha família não acreditou já que ele aparentava ser um homem bom e de forte caráter”, revela Karina, de 19 anos.

“Acho que eu tinha uns 12 anos, ele era, e ainda é, amigo da família. Todos os domingos as famílias se reuniam para almoçar. Ele acariciou meus seios, que ainda estavam crescendo, e disse para não contar a minha mãe. Eu só balancei a cabeça afirmando que sim, com medo. Eu cresci e ele continuou com as indiretas, sempre querendo saber com quem eu estava namorando e se eu já transava. Hoje tenho nojo só de vê-lo, e pavor de saber que ninguém acreditaria se eu contasse quem é”. “O primeiro assédio que eu me recordo eu tinha uns 6 anos, a idade que minha filha tem hoje, estava no mercado com a minha mãe e tinha um moço fazendo esculturas de balões. Eu pedi que ele fizesse a escultura de um cachorrinho. Mas ele se sentiu no direito de dizer que eu era muito linda e que para combinar mais comigo faria um gatinho. Fiz cara de c*. Minha mãe brigou comigo e falou que eu tinha que agradecer o elogio do moço. Não era elogio, era assédio”. “Eu tinha 12 anos, era verão, e eu havia ido para a aula vestindo uma roupa adequada para a estação: saia e blusa. Não tinha nada demais na minha roupa, mas mesmo assim um professor se sentiu no direito de me assediar. Dele ouvi as terríveis palavras: “Depois estupram e o homem que é o culpado”. É sim, vocês leram bem, eu ouvi isso de um professor”. Os relatos acima apareceram na internet junto a centenas de outros casos semelhantes, quando a hashtag #meuprimeiroassedio surgiu. O movimento, que começou no Twitter, logo tomou to-

Karina parece madura apesar dos olhos desatentos, mas deixa transparecer o nervosismo quando não consegue conter os movimentos da perna, que balança sem parar, e nem mesmo o roer compulsivo das unhas. “Minha tia ainda está com ele, minha prima hoje mora com os avós paternos, e minha mãe sempre o elogia”.

das as redes sociais e uma avalanche de depoimentos e confissões surgiu. Para as vítimas, que tiveram coragem de denunciar e expor suas histórias, os comentários de apoio e de encorajamento foram quase unânimes. Ao mesmo tempo a hashtag aumentou em 40% as denúncias de abuso no telefone 180. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2014, 88,5% das vítimas de estupro eram do sexo feminino e mais da metade tinham menos de 13 anos de idade. Sendo que 24,1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. “Quando eu era criança e costumava passar as férias na casa do meu tio, o ato em si nunca chegou a acontecer, mas ele me obrigava a ficar pelada, tomar banho junto, beijar ele. Também passava a mão no meu corpo e me fazia

“Sofri abuso dos meus 6 aos 11 anos por dois membros da minha família”, narra o jovem A.D.L., de 27 anos, que pediu para não ser identificado durante a entrevista. “Tenho tentado ir atrás de psicólogo para me ajudar, mas não estou encontrando tempo”. No ano de 2014, 11,5% dos casos de estupro denunciados no Brasil, eram de vítimas do sexo masculino. Sendo que, a maioria dos casos de abuso sexual, ocorre na infância. “Um primo, já falecido, me colocava no colo e, excitado, se esfregava em mim”., declara J.G.D.S., de 32 anos, que também pediu para não se identificar. “Seja Mulher, homem, gay , não interessa. As pessoas acham que tem o direito de agredir as outras com ofensas ou, fisicamente, se caso a proposta for recusada”. - diz M.. Aos 34 anos de idade, ela finalmente se sentiu confortável para relatar que, quando criança, um vizinho tentou abusar dela. Por sorte, M. conseguiu correr e contar para sua mãe. Mas relembra que a mãe não tomou nenhuma atitude. “Talvez por medo”.

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#NOMEURELACIONAMENTOABUSIVO Quem disse que dentro de um relacionamento sério, consentido, não existe abuso? Seja ele sexual, psicológico ou físico, ele pode exisitir. “#nomeurelacionamentoabusivo o meu ex- me culpou pelo fato do melhor amigo dele ter tentado me beijar a força com o argumento de que eu era muito simpática com as pessoas”. “#nomeurelacionamentoabusivo eu nunca namorei, mas sou rodeada de “amigos” abusivos, eu sou rodeada

a blusa por sobre a coxa várias vezes,

tadas a nossa equipe em redes sociais

de homens que dizem ser meus ami-

tentando se cobrir. “Fui abusada pelo

e em uma pesquisa disponibilizada.

gos mas gostam de me fazer mal, seja

meu ex-namorado que transou comigo

com ações diretas ou comentários...

enquanto eu estava bêbada e apagada.

homens que acham graça em me ver

” Ana conta com a voz embargada pe-

nervosa, em me diminuir... Eu só digo

las lágrimas. “Estávamos em uma festa

uma coisa, se você acha graça em me

e eu bebi além do que estava acostuma-

diminuir, em zoar comigo, em tentar

da. Não me lembro muito do que acon-

me deixar nervosa ou qualquer coisa

teceu, mas tenho certeza que pedi pra

do tipo, você está sendo abusivo e eu

que ele parasse... E ele me ignorou. ”

não sou obrigada, quero “amigos” assim bem longe de mim”.

Ana conta que tinha apenas 17 anos quando isso aconteceu e que se

“A cultura do estupro existe quando uma vítima é acusada de ser culpada pela violência que sofreu. Eu acredito que existe sim essa cultura, infelizmente”. N.A. conclui. “Quando namorei , meu ex que não reconhecia isso como abuso, pois era durante o sexo e era só algo mais “selvagem” durante o sexo oral enfiou todo o pênis boca a dentro sem minha per-

Impulsionados pela repercussão

arrepende de ter bebido tanto naquela

do “relacionamento” do casal Emilly

noite. “Acho que é a cultura que ensina

e Marcos do Big Brother Brasil, no dia

aos homens que eles têm direito sobre

11 de abril, outra hashtag apareceu

o corpo da mulher, direito de tomar o

de denuncia apareceu no Facebook. A

que quiser. E ensina as mulheres que

“Ele fazia pressão pra não usar ca-

tag

#NoMeuRelacionamentoAbusivo

elas devem ser submissas e devem dar

misinha. Ele me engravidou e transfor-

também denunciou diversas situações

aos homens o que lhes é de direto, inde-

mou minha vida num inferno enquanto

de abuso em relacionamentos. Homens

pendente da sua vontade,” conclui

eu estava grávida. Ele terminou comi-

e mulheres contaram na internet suas histórias de abuso durante vários dias.

“Um ex-namorado, usou de violência física para ter sexo”, relata N.A.,

Dados da pesquisa do IPEA sobre

de 25 anos, em uma entrevista. Visivel-

estupro, feita em 2011, releva que quase

mente incomodada ao relembrar da si-

11% dos estupros ocorridos são pratica-

tuação, ela tentava evitar ao máximo o

dos por cônjuges ou namorados.

contato visual. “Fui xingada várias ve-

Ainda comovida com a situação, a estudante Ana Clara, de 21 anos,

zes por dizer não, já fui agredida física e psicologicamente”.

permanece cabisbaixa durante toda a

A história de N.A. se torna comum

entrevista. De forma contida, ela puxa

perto de tantas outras que foram rela-

missão, machucando minha garganta”, conta Marcella C., de 21 anos ,em uma conversa pelas redes sociais.

go no dia em que descobri que tinha sofrido um aborto espontâneo. Sumiu durante a minha recuperação. Ele gritava, fazia drama, dizia que ia se matar, já veio de madrugada pra porta da minha casa, já me ligou pra fazer terror psicológico do meio de alguma estrada dizendo que ia morrer (e quando acordei no dia seguinte ele estava em cima de mim, me beijando, porque minha avó deixou ele entrar).

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Perfil | Belchior

Acervo pessoal

AMAR E MUDAR AS COISAS INTERESSA MAIS

Por Stefano Marchesini Não apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco. Mais que isso! Ícone de uma geração. Semblante triste, bigode atrativo, composições que encantavam e a mensagem de que haveria de existir um tempo melhor do que aquele para os jovens e seus dilemas. Belchior é ainda mais que isso. Mais que carne e osso. Músico ícone da MPB, rejeitava a fama, empresários e holofotes. Homem de vida complicada, envolta em sumiços misteriosos, problemas familiares e até judiciais. Mas não é esse o Belchior que vamos retratar aqui. Vamos falar do Bel-

chior que cantou (contra) a ditadura do regime militar com a acidez e a genialidade que poucos tiveram. As composições, de simples entendimento, vinham sempre rechedas de críticas à postura de censura do governo vigente nos anos 70. Não é difícil entender trechos e, às vezes, até músicas inteiras, que se referiam ao momento vivido, mesmo que em linguagem figurada, como esse pedaço de Como O Diabo Gosta: “é nunca fazer nada que o mestre mandar / sempre desobedecer / nunca reverenciar”. Não apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco. Mais que isso! Um compositor que não conseguia fazer canções românticas e “brancas”,

como o mesmo sempre repetia. Em sua visão sempre há formas de transformar sons e palavras em navalhas que eventualmente atingiriam alguém. Belchior cantava a luta dos jovens contra a repressão política e policial. Suas músicas pautavam movimentos de luta com frases de efeitos. É o caso de Não Leve Flores, que diz em uma de suas passagens “A voz resiste / A fala insiste: você me ouvirá!” Gilvan de Oliveira, violonista, cantor, compositor, musicólogo e um dos grandes parceiros de Belchior, tanto na vida pessoal quanto profissional, fala sobre a história e o começo da carreira do amigo.

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—Como fã, eu que sempre estudei música no sentido de história, era a questão do discurso que ele fazia. Já tinha passado pela época dos grandes festivais (Bossa Nova/Tropicália/Clube da Esquina) e aí veio o movimento do Ceará, com o Belchior sendo o grande nome. E o diferencial era o discurso da “latinidade”. Estamos na América do sul. Estamos mais próximos deles do que de Hollywood. Belchior pensava como sul americano. Mucuripe é sobre pescadores, por exemplo. E eu, com meus 20 e poucos anos, cantava as músicas dele. Uma delas era A Palo Seco, que eu cantava e canto até hoje! Era aquele o papel dele. Um poeta cru. Citar os vários sucessos de Belchior seria passar pela carreira de inúmeros músicos até mais renomados que o mesmo, como Elis Regina, sua maior interprete, que lançou Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida. Ou Fagner, amigo que virou desafeto. Mas com quem esteve junto no início da carreira e criou a canção Mucuripe. A voz anasalada e o perfil arredio garantiam comparações a Belchior com o ícone norte-americano Bob Dylan. Mas foi cantando a realidade de uma vida brasileira e nordestina que Belchior entrou para o cenário da música mundial, com o disco ‘Alucinação’, lançado em 1976. O disco é tido até hoje como a grande obra-prima do cantor. E foi em 1979 que Belchior cantou a anistia. Ao menos é o que se entende quando se escuta Tudo Outra Vez, música que embora pareça retratar sua realidade longe de casa, deixa evidente sua relação com o momento político que acabava se desenhar e a relação com os exilados políticos do regime militar. Um dos trechos mais contundentes da música diz: “Me disse que faz sol / Na América do Sul / E nossas irmãs nos esperam / No coração do Brasil”.

Não apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco. Mais que isso! Belchior foi profeta e alvo da mudança que cantava. Com o fim do regime militar e uma nova safra de música “enlatada” que ganhavam as rádios do Brasil, ele e os demais cantores de uma talentosa geração da MPB perderam visibilidade e espaço. Belchior foi provavelmente o que mais sofreu nessa mudança. Sua personalidade de sempre se esquivar da mídia e não buscar notoriedade, de uma forma ou de outra, o conduziu a um inexplicável eclipse. Apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco e sem parentes importantes. Natural de Sobral, interior do Ceará, Belchior também sofreu quando saiu de sua terra natal para tentar a sorte grande em São Paulo. E cantar o preconceito e as dificuldades que um artista nordestino sofria na capital paulista foi uma das marcas registradas do cantor que transformou a MPB. Além das letras fortes supracitadas, há um tom de psicodelia e folk em suas músicas. Apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco. Vítima do esquecimento ou gênio do sumiço. Em sua história recente, Belchior sempre levantou questionamentos sobre seu paradeiro e sua real condição de vida. Mas Gilvan de Oliveira garante que as histórias que perpetuavam sobre um possível medo da fama ou do reconhecimento não procedem. — Eu não vivi isso. Não é verdade que ele tinha medo ou não gostasse da fama. Em todos os shows, ele recebia a plateia e atendia os fãs. Mesmo que a fila fosse gigantesca. Mas o artista não é um trabalhador comum. Todos se aposentam. Menos o artista. O artista é um escravo do seu ofício. E Belchior preferiu se retirar nestes últimos anos para tentar viver além disso. Mas, Belchior trabalhava e tinha disciplina.

APENAS UM RAPAZ “Reza a lenda que a última vez que Belchior entrou em um estúdio foi aqui em BH”, diz Gilvan de Oliveira, comentando sobre o último trabalho do amigo, o disco Belchior Acústico, de 2006. — Belchior queria um disco voz e violão para mostrar como as canções eram feitas. E eram canções bastante despojadas, de forma poética. Nós viajamos juntos divulgando esse disco entre quatro e cinco anos. Foi uma grande parceria. Belchior era muito inteligente, muito culto. Um poeta atemporal.

LATINO-AMERICANO “A mensagem que fica é que todos somos brasileiros. É de falar que todos vivem. Que ser alegre e ser triste, um dia doente, outro saudável, um dia brigar, outro não. Que isso é humanidade. Ele expõe isso. Ele falou o que tinha que dizer. Podia dizer mais? Não saberemos... Mas ele é um grande brasileiro. A única coisa que ele tinha de diferente era ser vegetariano (risos). Falar o que deve ser dito sem medo. O homem de uma obra contundente”, define Gilvan de Oliveira.

SEM DINHEIRO NO BANCO Belchior faleceu no dia 30 de abril de 2017, aos 70 anos, na cidade de Santa Cruz do Sul (RS), de causas naturais. Sentado em sua poltrona, durante o sono e ouvindo música clássica. — Minha homenagem será escrever uma canção para Belchior — promete Gilvan de Oliveira. A minha será escrever esse perfil, para que o Sujeito de Sorte que ano passado morreu, esse ano não morra.

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Perfil | Héveton Guimarães

JORNALISMO: UM SONHO, UMA PAIXÃO REVISTA ÁGORA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2017

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Por Alberto Carvalho, Ana Souza, Fernanda Casanova, Hudson Bonato, Nash Castro, Patrícia Matos

Até meados de 2009, ele morava em uma chácara, na cidade de Divinópolis, a pouco mais de 100km de Belo Horizonte. Esse era Héverton Guimarães vendedor de café. “Era uma vida tranquila, eu vivia com a minha esposa e a minha filha em um rancho, tinha meus seis cães, meia dúzia de calopsitas, 2.350 mil sapos, pererecas, passarinhos. Eu era vendedor de uma fábrica de café, a empresa me fornecia uma caminhonete, eu enchia a pick-up e saía vendendo em armazém, sorveteria, ia para todo lado, eu mesmo entregava tudo. Eu fazia isso ouvindo à rádio Bandeirantes, que eu era fã”. Ao mesmo tempo em que era vendedor, Héverton conciliava com a função de repórter na rádio Minas. Percebendo que a profissão de radialista só crescia, passou a dedicarse exclusivamente a ela. Largou o café e passou a narrar jogos, gravar comerciais e apresentar programas locais na rádio Bradesco Esportes, que faz parte do grupo Bandeirantes. E não demorou muito para se mudar para a capital. Em 2012, passou a ser narrador da Bandnews. Um sonho antigo. Mas não ficou muito tempo só nessa função não, logo assumiu o Golasô, programa de esportes que antecedeu o famoso Donos da Bola. Em 2013, teve uma entrada polêmica no programa Jogo Aberto, para defender o time Atlético-MG, que disputava as oitavas de final da Libertadores, contra o São Paulo. Quando o comentarista Paulo Roberto Martins, o Morsa, chamou o time mineiro de “cavalo paraguaio”, a repercussão foi negativa para Minas Gerais e os torcedores atleticanos chegaram a hostilizar a emissora. Héverton então, entrou no programa com o direito de resposta, fez sucesso e, desde então, nunca mais saiu.

Héverton Guimarães considera que, hoje, sua participação e entrosamento é um sucesso: “A Renata é a pessoa mais extraordinária do mundo, extremamente preparada, estuda diariamente, tem a equipe na mão dela, tem um coração enorme, além de bonita e inteligente. É a Oprah Winfrey do esporte na TV brasileira. Cada um é de um jeito, tem seu estilo. O Ulisses é louco, o Denilson é brincalhão, o Ronaldo é corintiano e o Chico Garcis faz o estilo galã. As peças foram encaixadas, é a melhor meia hora do dia”. Mesmo recebendo propostas de outras emissoras, seu sonho sempre foi trabalhar na Band de São Paulo. Tanto que, chegou a ser convidado para narrar 11 jogos da Copa do Mundo de 2014, pela Band Sports, e sentiu o gostinho de realizar esse sonho. “Na Copa do Mundo fiquei 40 dias em São Paulo, viajei para vários Estados, trabalhando ao lado de grandes figuras como Pedrinho, Velloso e a Renata. Foi uma experiência excepcional. Tenho a ideia, como qualquer profissional das sucursais, de ir para São Paulo. Tenho esse sonho, mas não posso colocar na cabeça deles que devem me levar, as empresas estão enxugando gastos. Pode ser que um dia aconteça”. Acumulando funções, que são sua paixão, ele entra pela manhã na Bandnews, na hora do almoço e participa do Jogo Aberto, depois apresenta o Donos da Bola e, no fim de tarde, entra à frente do Brasil Urgente Minas. Ainda com o futebol estando presente em grande parte de sua vida, ele tenta fazer diferente todos os programas. “A gente sabe para quem faz televisão, a gente não faz para ensinar o que é 4-4-2, 3-52, lateral entrando pela direita, volantes que avançam, fulano que entra enfiado. O povão não quer isso, ele gosta daquilo que a gente faz. A gente chegou à conclusão que aquilo que era ideia. Não temos a pretensão de ensinar, ninguém tem a pretensão de ser técnico, de ser o Muricy, o Tite ou o Levir. E isso se transformou numa resenha de boteco, numa roda de amigos, num bate papo sobre futebol”.

Héverton diz que acorda cedo, em torno de 5H da manhã, curte o café da manhã e leva a filha para a escola. Chega a Band e fica à frente do Bandnews, juntamente com a jornalista Luciana Vianna. Um jornalismo sério, mas descontraído e cheio de opinião. Porque essa é sua marca registrada. Já na correria, desce para a área de TV e faz sua participação divertida no Jogo Aberto, seguido da apresentação do Donos da Bola. E para completar seu dia, às 16h ele toma frente do Brasil Urgente Minas, um programa de entretenimento, sem deixar o jornalismo de lado. “Pensamos em um programa diferente do Brasil Urgente tradicional do Datena. Tiro, ‘porrada’ e bomba é com ele. Nós vamos falar de cultura, fofoca, entretenimento, animais, sem deixar as notícias importantes do dia, de lado”. Assim ele finaliza seu dia na emissora. Onde seus parceiros de trabalhos, porque é assim que se consideram, notam o quanto a cumplicidade e a parceria são essenciais. “Mesmo não estando diretamente na sua equipe, a redação é toda unida, uma só. Trocamos ideias, discutimos pautas. Fazemos o nosso dia ser leve, valer o trabalho e o estresse”, diz Gisele Ramos, apresentadora do Jornal Band Minas e sócia de Héverton no empreendimento Pizza Creck. “Produzir um programa em que à frente está uma figura como essa, é gratificante. Nossas reuniões são divertidas. Até quando as discussões são pesadas, ele trata de soltar uma piada para amenizar os ânimos, que ficam exaltados com a busca do programa perfeito”, conta Camila Falabela, produtora do Brasil Urgente Minas. E as opiniões são unânimes quando se trata da admiração e carinho pelo jornalista. “Com o tempo nos tornamos amigos e até uma família. Porque é aqui que passamos grande parte do dia. Pessoas que amam o que fazem e querem fazer dar certo. Essa é a equipe Band”, diz, com orgulho, a chefe de jornalismo, Fantine Godoy.

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Acervo pessoal

Perfil | Homero

COLECIONADOR DE HISTÓRIAS Por Samara Natália e Leonardo Coelho

Homero Nunes é um sujeito interessante e ao contar suas várias histórias relembra uma de suas viagens mais fantásticas. Ele andou por 16 países e diz que a aventura foi inesquecível. “Viajei de mochilão pela Europa, sozinho, aos 25 anos, durante dois meses. Aprendi a me virar longe de casa” . Ao longo dos seus 42 anos, possui várias outras histórias e dentre elas está sua coleção de vinis — quase dois mil. Desde a juventude, recolhia dezenas deles nas casas de vizinhos e trocava no mercado de usados. Com um grande acervo, possui discos variados, entre eles de rock anos 60 e 70 e pop dos anos 80. Como bom colecionador, no entanto, sabe a importância de possuir até mesmo discos que não fazem parte de seu gosto musical, como é o caso da Legião Urbana. Entre seus “tesouros” estão todos os álbuns da banda inglesa Pink Floyd e o raro LP Dark Side Of The Moon. Durante um show na cidade de São Paulo, pegou o autografo do cantor e grande guitarrista BB king, considerado o Rei do Blues, e se diverte ao contar como foi ovacionado pelo público após tal feito. Sempre que pode, Homero que é professor, leva o mundo dos vinis para seus alunos e assim revive um sentimento de nostalgia.

Desde os cincos anos, Homero se vê encantado pelo estrelado time do Atlético, que na época de criança acompanhava jogadores consagrados como, Reinaldo, Cerezo e Éder. Ao longo dos anos, todo esse fascínio só aumentou sua paixão pelo “Galo Doido”. Junto com os vinis, o Atlético tornou-se uma paixão digna de várias histórias. O famoso time preto e branco de Minas Gerais sempre fez parte de sua vida. Como no hino, Homero vibra com “Alegria e amor” e traz consigo a premissa de sempre “acreditar”. Seu fascínio pelo rock e pelo Galo estão sendo passados para o filho de dois anos. Aos sábados, quando está em companhia do pequeno, escuta sempre o hino do time e os discos.

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QUEM É O CONTADOR DE HISTÓRIAS ? No interior de Minas Gerais na cidade de Itaúna com um pouco mais de 90 mil habitantes, Homero Nunes Pereira teve uma infância divertida e solto nas ruas da pequena cidade. Andava de bicicleta, subia em árvores, pescava, aproveitava a natureza, revelando assim uma vida típica de interior.

era a época que se dividia entre os cursos de jornalismo (PUC-MG) e História (UFMG). Passava a maior parte do dia no ônibus quando ia de uma faculdade à outra. Viveu histórias marcantes, e ao cita-las é impossível deixar de ver o brilho no olhar e satisfação por tudo que já passou.

Em 2005, após jornadas exaustivas, tornou-se professor do Centro Universitário Newton Paiva. Sentado, imagina e pensa em seu futuro. “Quero continuar na sala de aula para sempre! Adoro ser professor, faço o que mais gosto de fazer”, comentou.

Nascido em 09/04/1975, filho de professora vindo de uma família pequena com apenas uma irmã, sempre quis seguir os passos da mãe. O dom de ensinar veio de família. Estudante do Colégio Santana, desde cedo já se interessava por literatura, música e arte.

Aquele velho desejo de criança, de ensinar tornou-se realidade, quando começou sua jornada lecionando história para o ensino médio e fundamental. Em seguida, trilhou o tão desejado caminho da comunicação, trabalhou com acessória no Senai, Instituto Estrada Real e FIEMG, respectivamente. Buscando voos maiores, deixou o antigo emprego e dedicou-se ao mestrado de sociologia (UFMG).

Sobre os amigos, relembra as reuniões em bares para jogar papo fora e tomar uma cervejinha. Sorrindo, revela entusiasmado a alegria de estar rodeado por eles. Sempre que tem a oportunidade ataca de DJ nas festas dos amigos. Quando não está trabalhando, usa o tempo livre para se divertir com o pequeno filho, viajar e, é claro, como sócio e torcedor apaixonado, não perde nenhum jogo do Atlético Mineiro.

Hoje, aos 42 anos de idade, com barba e cabelos pouco grisalhos, Homero olha para trás e relembra como

ISSOCOMPENSA COMPENSATAMBÉM TAMBÉMTEM TEMHISTÓRIA HISTÓRIA ISSO Abortando a cultura em suas aulas com sugestões de filmes, músicas e teatro, Homero foi questionado por um aluno do porquê de não investir na criação de um blog. Inquieto, ficou pensando sobre o assunto e decidiu levar esse questionamento para uma conversa com amigos. Nada melhor do que fazer um jornalismo gratuito com arte e música de qualidade. Assim, nascia o “Isso Compensa” e hoje utiliza as redes sociais para disseminar o conteúdo que faz com prazer. “Um espaço para continuar escrevendo sobre os assuntos que me interessam é um incentivo para ampliar o repertório cultural. Tenho grande satisfação em produzir o isso compensa. O jornalismo que pratico com prazer, para além das obrigações profissionais”, citou o professor. Nas redes sociais, quase diariamente brinda os leitores com imagens e vídeos históricos e orgulha-se do que compartilha. Os retornos po-

sitivos que vem recebendo ao longo do tempo também são motivos de orgulho. Quando o assunto é o futuro e realizações, Homero é categórico em dizer que gostaria de ver o “Isso Compensa” crescer cada vez mais. Com a criação do blog, surgiu a ideia de criar um programa de extensão para seus alunos. “Desde 2013 coordeno o projeto de extensão Mundo Newton, que leva nossos alunos aos espaços culturais e museus da cidade, às exposições de arte e eventos culturais. Também realizo sessões de cinema comentado e ações que trazem para a Newton o universo da cultura e das artes. Um projeto que me enche de orgulho”. Homero faz da arte um estilo de vida e leva a paixão a tudo o que se propõe a fazer. Ao se descrever, não encontra suas próprias palavras e tem uma pitada de inveja por não ser o criador da famosa frase do filósofo Antônio Gramsci: “Sou um pessimista do intelecto e um otimista da vontade”.

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Youtube/tvhorizonte

Perfil | Mirian Chrystus

UM CAFÉ COM MIRIAN CRYSTHUS Por Amanda Vitória e Thales Rodrigues

A ESPERANÇA QUE MOVE HISTÓRIAS

Os cabelos brancos ocultam muitas histórias, mas se engana quem pensa que maturidade é sempre um sinônimo de antiquado. Mirian Chrystus impressiona com sua vitalidade e autenticidade. A jornalista, de 66 anos, nos recebeu para uma conversa sobre feminismo, militância e, claro, tudo acompanhado de um bom café.

Fomos recebidos em uma sexta-feira de manhã. Às 8h, Mirian já estava à porta sorridente, aparentando ser uma pessoa matinal. O que mais impressionou desde a nossa chegada ao seu apartamento, em decoração retrô colorida, era a quantidade de animais espalhados pelos tapetes, móveis e até prateleiras. O apartamento aconchegante, localizado na região da Savassi, acomoda nada menos que 15 gatos e dois cachorros.

Mirian participou da militância feminista na década de 60 e ajudou a dar visibilidade à campanha “Quem ama não mata”, lançada na década de 70 por feministas, após uma série de crimes em que mulheres foram mortas pelos seus companheiros, dentre elas Ângela Diniz. A frase “Quem ama não mata” virou lema de movimentos feministas pelo país e é usada até hoje. Surgiu de um autor desconhecido e foi apropriada por grupos feministas que já não mais aceitavam os diversos casos de feminicídios que aconteciam pelo país e eram amenizados pelo uso da figura jurídica da “legítima defesa de honra”, argumento utilizado nos tribunais pelos homens que matavam suas companheiras e, como justificativa, declaravam ter tido a sua honra ferida por suposta traição ou comportamentos inadequados. Chrystus também foi uma das fundadoras do jornal “De fato”, veículo alternativo que lutou contra a ditadura militar na década de 70. Mestre em Comunicação e Doutora em Teoria Literária, foi professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG por 25 anos e, como jornalista, já trabalhou no Jornal de Minas, TV Globo e TV Manchete. Mirian também é atriz e apresenta um programa de entrevistas na TV Horizonte chamado: Conversa com Mirian Chrystus.

Enquanto preparávamos os equipamentos para gravar a nossa conversa, Mirian se revelou vaidosa, retornando, do quarto de batom rosado discreto nos lábios e um anel de pedra combinando com o brinco. “Preciso estar mais apresentável para o vídeo”, justificou ela. Mirian inicia a conversa contando sobre a sua trajetória de identificação com o feminismo. Sua irmã mais velha, já falecida, foi a sua primeira referência de emancipação. “A minha irmã, no auge dos seus 30 anos, era muito revoltada com a situação das mulheres, ela já defendia que mulheres e homens deveriam ter os mesmos direitos. Se ela queria ir ao cinema e não tinha companhia, ela ia sozinha, imagine isso em plena década de 60? Uma mulher ir ao cinema à tarde sozinha, não existia isso, era algo impensável, tudo ainda era muito conservador. Minha irmã então tinha essa visão. Ela foi estudar, cursou história sendo que seu marido nem tinha curso superior, outra transgressão das regras da época. Tudo começou com essa minha irmã”, conta Mirian, orgulhosa, que se levanta para mostrar uma fotografia em preto e branco da mulher. A leitura foi o segundo passo para o empoderamento de Mirian. “Logo no final dos anos 60, eu tive contato com o

livro da Betty Friedan, “A Mística Feminina” e esse livro é muito interessante, ainda hoje, ela me mostrou coisas que para mim era novidade, então continuei a ler outras coisas, outras pensadoras”. Mirian não parou e foi para a academia, local em que manteve o seu processo de empoderamento. “Cheguei até a universidade e, em 1975, após ter ido ao Rio de Janeiro e ter tido contato com o feminismo de lá, através do DCE da UFMG, promovemos uma série de debates sobre a questão das mulheres. Falamos sobre o corpo, prostituição, prazer, a representação das mulheres nos quadrinhos, a mulher na economia. Uma das coisas importantes era o movimento feminino pela anistia, nós trouxemos a Therezinha Zerbini, que participava desse movimento extremamente importante em que se encontravam vários exilados da ditadura. Então, em 1975, havia um grupo de mulheres aqui e nos denominávamos: O Movimento Feminista Mineiro, na verdade eram cinco ou seis mulheres, mas durante certo tempo fomos referência em Belo Horizonte”, declara. O Jornal “De Fato”, que Mirian ajudou a fundar, foi um dos poucos que defenderam Ângela Diniz, socialite morta pelo seu companheiro Doca Street, em 1976. O caso chocou a população e mobilizou grupos de mulheres em defesa da vítima. Desde sempre, Mirian acreditou que mulher nenhuma merece uma morte como a de Ângela “Se você não está gostando da sua parceira ou do comportamento dela, se separe”, enfatiza. Mirian ajudou a organizar um manifesto em defesa as mulheres, que rendeu grande repercussão, chegando ao nível mundial. “Nós fizemos um manifesto contra os homens mineiros depois que a Ângela Diniz, Eloísa Ballesteros e Maria Regina Souza Rocha foram mortas pelos companheiros. Sabíamos que o

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problema era nacional, não tínhamos a ingenuidade de pensar que só em Minas acontecia esse tipo de crime, ou mulheres de classe alta que eram as vítimas, como nos falaram, isso acontece todos os dias na favela sim, mas para dar notícia, sinto muito, é assim que as coisas acontecem; isso se chama critérios de noticiabilidade, então a gente usava isso muito apropriadamente”, ponderou. O movimento funcionou e rendeu frutos, se tornando destaque na mídia. “Fizemos esse manifesto e enviamos para o Jornal Nacional, o que promoveu uma discussão a nível internacional, e ai criou-se a frase ‘quem ama não mata’”. Sobre a retomada de valores conservadores por parte das mulheres, Mirian se diz perplexa, “Temos que fazer uma leitura histórica das coisas e parar de pensar que a história é um caminho linear, em que as coisas estão sempre melhorando e se tornando cada vez mais libertárias, isso é uma visão equivocada; a história é assim, uma hora ela avança, uma hora retrocede. O caminho histórico é tumultuado”. Mirian acredita já ter contribuído bastante, mas o caminho de luta deve continuar. “Eu, nos anos 70, dei a minha contribuição e pensei que certas coisas jamais voltariam a acontecer, mas para a minha tristeza e para o meu desgosto, você tem essa tendência de uma boa parte das mulheres, por exemplo, esse projeto de viverem como as nossas avós, que não tinham voz”, brinca. Antes que pudesse terminar a frase,

o companheiro felino Luiz, enciumado pela atenção de sua dona, atravessa a câmera interrompendo pela terceira vez a entrevista. Mirian se diverte chamando a atenção do gato que, mais tarde, será a estrela de uma entrevista sobre proteção animal. Ativista e membro do Movimento de defesa dos animais de Belo Horizonte, Mirian se tornou referência ao coordenar ações e eventos dentro da UFMG em proteção e combate à violência aos animais. “Eu estou do lado de um movimento que afirma: animal não é objeto de consumo. Animal não é para ser vendido. É preciso criar normas para a regulamentação do comércio de animais, para, quem sabe um dia, terminar com o mercado de animais no Mercado Central, porque aquilo é um campo de concentração”, denuncia. Sobre a escolha de algumas mulheres viverem fora do mercado formal de trabalho, Mirian considera uma escolha perigosa, mas que deve ser respeitada. “O mercado de trabalho, às vezes, é muito violento, agressivo e competitivo. Dependendo da sua ocupação você volta tarde, além de enfrentar uma série de questões como assédio no ambiente de trabalho, assédio no metrô. Eu até entendo que, às vezes, as mulheres queiram voltar para essa suposta segurança do lar; um caminho perigoso, já que você precisa ser profissional, se garantir. Não se tem a certeza de que o casamento irá durar para sempre. Se amanhã você não tiver uma profissão,

você vai viver como?”, questiona. Nascer mulher propicia uma série de questionamentos, imposiçõesee acontecimentos, muitas vezes traumáticos, isso desde a infância. Mirian comenta que desde sempre, já estamos moldando o ser feminino. “A história das mulheres é impressionante. Quando pequenas, são abusadas sexualmente por familiares e amigos. Quando adolescentes, muitas vezes, a mesma coisa, vem o abuso sexual. Depois que casa, precisa então se submeter às ordens do companheiro, àquela rotina estabelecida pelo homem, o que pode o que não pode, à satisfação sexual do outro, o que,muitas vezes, vira obrigação, o que deve ser uma coisa pavorosa, você ter que transar quando não está com vontade, isso é uma violência enorme. Então mulheres dependentes financeiramente dos maridos se submetem a certas situações por esse fator.” Mirian considera essa escolha mais sensata quando se trata de mulheres com melhores condições financeiras. “Temos que considerar também que muitas mulheres já emancipadas ainda se submetem a isso, mas temos ai escolhas. Se o seu companheiro ganha bem e você pode passar um tempo se dedicando os filhos, longe do mercado de trabalho, é um período muito bonito, é uma escolha que vejo muitas vezes as mulheres fazendo. Quando é de classe alta eu acho menos arriscado, mas entendo como uma liberdade de escolha também”.

MUITO AINDA PRECISA AVANÇAR “Estamos há anos luz”, declara Mirian sobre uma possível legalização do aborto no Brasil. “No caso do Brasil, uma sociedade extremamente cristã, que tem um movimento muito poderoso no país. Não consigo nem imaginar quando coisas simples, como a igualdade no mundo do trabalho será alcançada”. Mirian se diz também otimista com relação a direção que o movimento feminista segue neste cenário atual. “Eu sou bem otimista com o rumo que o movimento feminista vem tomando, um movimento mais fragmentário. Às vezes com palavras de ordem difíceis de serem aceitas, como a Marcha das Vadias. Eu vejo isso tudo com muito entusiasmo”. Ela também lamenta que a violência contra a mulher ainda seja uma realidade brutal e persistente. “Eu vejo os dados e não sei se está aumentando ou se está sendo mais divulgada a violência. Talvez até as duas coisas. Então eu vejo isso com preocupação, com tristeza, mas também com muita alegria de ver que as pessoas estão se engajando e que esta luta está se tornando cada vez mais natural”. Mirian encerra nossa conversa dizendo-se favorável à multiplicidade de opiniões e lutas atuais. “A vida é uma barafunda. São todas essas nossas vozes se cruzando”. Por último, nos mostra uma fotografia sua do tempo de juventude feminista, com os cabelos ainda escuros e o rosto jovial. “O tempo é cruel, vejam bem” adverte sorrindo posando para a câmera.

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Acervo pessoal

Perfil | Úrsula Nogueira

ESFORÇO E MUITO AMOR AO TRABALHO MARCAM A TRAJETÓRIA VITORIOSA DE ÚRSULA NOGUEIRA Por Bruno Daniel

Todo aquele que ouve com frequência a Rádio Itatiaia sabe bem quem é o apresentador de cada programa que lhe agrada. A relação de proximidade e fidelidade proporciona esse conhecimento na mente do ouvinte. E quando a rádio lança ao ar um de seus programas, uma das primeiras providências tomadas pela voz do apresentador é contar ao ouvinte o elenco responsável por dar vida e forma aquele conteúdo que está prestes a ser transmitido. O ouvinte, além de já saber de quem é a voz que está fazendo a locução do programa, tem a oportunidade de conhecer, também, o nome e o cargo dos envolvidos na produção do dele. Com os programas esportivos, não é diferente. Sempre que um conteúdo esportivo vai ao ar na estação 95,7 FM do rádio, o apresentador fala os nomes dos autores do programa, um por um. E a última expressão dita por ele nesta apresentação de elenco é: “...Direção de Esportes, ÚRSULA NOGUEIRA”

Ao ouvir isso, aquele ouvinte que se encontra em casa, no trabalho, no carro, no ônibus, no avião, ou até mesmo fora do país deve se perguntar: Quem é essa Úrsula Nogueira? Como será que ela é? Será que e difícil o que ela faz? A reportagem da Revista Ágora foi até a sede da Rádio Itatiaia para conhecer mais sobre essa profissional que quase não mostra sua calma voz nos microfones da emissora, mas exerce um papel fundamental para que o setor de esportes da rádio seja um dos mais respeitados do país. Para entrevista-la, foi necessário um pouco de persistência, que, aliás, é uma das marcas da nossa entrevistada desde pequena, como veremos mais adiante. Agendamos a entrevista para uma quarta-feira, às 15h, na sede da Rádio Itatiaia, localizada na rua Itatiaia, bairro Bonfim, em Belo Horizonte. Ao chegar lá, nos apresentamos ao porteiro, que nos informou que Úrsula estava em reunião e poderia demorar a nos atender. Dito e feito. Cerca de uma hora e meia após nossa chegada, o porteiro nos convida a aguardá-la na sala de vi-

sitas da rádio, onde ela iria nos encontrar. Nem nos importamos com a demora. Afinal, a comandante de uma equipe de esportes das mais respeitadas, certamente, não devia ter vida nada fácil. Sentamo-nos na sala e, alguns minutos depois, ela surgiu, nos cumprimentou e nos conduziu a um dos estúdios da rádio, que havia sido selecionado por ela para nos atender. Após nos acomodarmos na sala, explicamos a ela como se daria a entrevista e a comunicamos também do nosso desejo de fotografá-la, no que ela respondeu de bate-pronto: “Foto, não! Estamos no fim do dia e eu estou péssima para tirar fotos. Eu te mando algumas que eu tenho depois”. Condição aceita, demos início à entrevista. Uma das primeiras coisas que perguntamos foi sobre as origens de Úrsula Nogueira, de onde ela vinha e como havia sido sua trajetória de vida até aqui. Com a fala calma e bem coordenada, ela nos relatou sua história. Foi aí que descobrimos aquilo que citamos alguns parágrafos atrás: desde pequena, persistência é algo que anda lado a lado com Úrsula Nogueira.

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UMA INFÂNCIA DE LUTA Filha de Clarice Nogueira Penido e Joaquim do Carmo, Úrsula Nogueira nasceu em Belo Horizonte, no dia 23 de agosto de 1973, em uma família humilde e carente. Logo aos 9 anos de idade, após viver em Santa Luzia, teve que se mudar para Betim, devido à separação de seus pais. As dificuldades obrigaram a ela e aos seus quatro irmão terem que trabalharem desde pequenos para custear as contas da família. Úrsula pega no batente desde os 12 anos de idade. Começou a trabalhar numa loja de aviamentos perto de sua casa para auxiliar

a sua mãe, a Dona Clarice, que, como ela nos conta, foi quem cuidou da família efetivamente após a separação. “Minha convivência familiar foi só mãe. A Clarice foi mãe e pai. Fez esses dois papeis pra cuidar de uma família de cinco filhos e tínhamos alguns agregados. Duas primas moravam conosco e uma tia, irmã da minha mãe. Então nossa família era bem numerosa e sempre todos precisavam ajudar para custear.” Para estudar, as coisas também não eram fáceis para a Úrsula. Sem-

pre estudou em escolas públicas, conciliando o estudo e o trabalho, segundo ela, “sempre numa consciência voltada pra família, em termos, principalmente, de ajudar essa matriarca (Dona Clarice)”. Logo após se formar no ensino médio, com 17 anos de idade, teve o seu primeiro emprego de carteira assinada, na empresa redes do Brasil. Dois anos depois, já estava se casando, com 19 anos de idade. Até que, em 1996, veio algo que mudaria completamente a sua vida.

O ABANDONO DO SONHO DE INFÂNCIA Durante sua infância e adolescência,, Úrsula sustentava um sonho: ser médica. Desde pequena, seu pensamento nunca chegou perto da Comunicação. “Eu nunca pensei em ser jornalista. Até então, eu queria fazer medicina, desde pequena. Até então, eu não entendia qual era o mercado, o que precisava para fazer medicina. Então, quando criança, esse sonho era possível. Mas, a partir da adolescência, quando você começa a perceber que o poder econômico, o poder aquisitivo da sua família não era suficiente, e eu precisava mais trabalhar do que estudar para ajudar na família, esse sonho foi ficando pelo meio do caminho.” Eis que, em 1996, Úrsula faz um exame em uma agência de empregos. O cargo? Telefonista. Úrsula não fazia ideia do que a aguardava. Só depois, ao ser informada de sua aprovação nos testes, foi que Úrsula descobriu seu novo local de trabalho.“Quando eu fiz o exame e passei nessa seleção foi que eu fiquei sabendo que o empre-

go de telefonista era para Rádio Itatiaia.”, assim nos contou Úrsula, que, naquela época, nem imaginava o que o destino lhe guardava. De emprego novo, Úrsula Nogueira começou a trabalhar para valer. Trabalhou durante um bom tempo como telefonista na Itatiaia e também na Rádio Extra, uma rádio que fazia parte do grupo Itasat. Da promoção até a telefonia de estúdio, sempre deixou sua marca, o que fez com que ela fosse vista com olhos diferentes pelos gestores e convocada para substituir uma colega de trabalho. Fátima Brígido, na época secretária de Osvaldo Faria, então Coordenador de Esportes da rádio, havia entrado de férias. E a filha de Dona Clarice foi a escolhida para ser sua substituta. Foi aí que vieram os primeiros ventos de mudança na vida da telefonista de estúdio. “Quando da morte do Osvaldo, em 2002, a Fátima ficou por um tempo muito curto, acho que não chegou nem a um ano no Departamento de Esportes. Quando eu fui fazer as férias dela, eles

gostaram do meu trabalho. Então a Fátima saiu da rádio e eles me convidaram pra fazer parte da equipe de esportes.” Esse foi o marco para que Úrsula tomasse gosto pelo esporte que, até então, nunca esteve em seus planos.“Nunca falei ou fui apaixonada por futebol. Minha relação com o futebol era quando, nas horas de almoço, meu pai ouvia sempre o Rádio Esportes. Então eu comecei a saber o que era futebol quando meu pai me levou pela primeira vez no Mineirão, eu devia ter uns 8 anos, e eu nem sei quem jogou naquele tempo.” À medida que foi trabalhando na rádio, vivendo o dia a dia daquele meio de comunicação, Úrsula Nogueira mudou o jogo. A comunicação social a havia pego de jeito, e a medicina já estava fora de seus planos. “Quando você entra pra uma empresa de comunicação com a estrutura da Rádio Itatiaia, você fica contagiada. É algo que te contamina e não tem mais jeito de voltar. Aquele sonho de criança de fazer medicina já não fazia mais parte da minha vida. Então o sonho se voltou pra fazer comunicação.”

REVISTA ÁGORA | Revista Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva | 2017

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