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HÉLIO OITICICA

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OO ARTISTA PRÁTIC

OO ARTISTA PRÁTIC

NARRATIVAS CONTEMPORÂNEAS

Sumário:

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ARTE E CULTURA BRASILEIRA. UM ENFOQUE NAS VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS DE HÉLIO OITICICA: pg. 03

GÊNESIS POR SEBASTIÃO SALGADO: pg. 12

O ARTISTA PRÁTICO: pg. 16

LYGIA PAPE E A CIDADE TEIA: pg. 20

CASA DE PEDRA: RESSIGNIFICAÇÃO DOSENTIDO DOS OBJETOS: pg. 24

MARINA ABRAMOVIC –TERRA COMUNAL: pg. 28

COMO FALAR DE COISAS QUE NÃO EXISTEMpg. 31

ARTE E CULTURA BRASILEIRA. UM ENFOQUE NAS VIVÊNCIAS E EXPERIÊNCIAS DE HÉLIO OITICICA

Na contemporaneidade o diálogo entre arte e ciência cada vez mais vêm obtendo relevância e visibilidade nas pesquisas acadêmicas, na publicação de artigos, livros e tema de exposições, ressaltando a parceria e contribuição ao agregar teorias e produção artística em seus projetos e campos de estudos. Artistas visuais, críticos de arte, curadores, antropólogos e filósofos se aproximam, criam e compartilham suas bases teóricas demonstrando que o diálogo e suas práticas tendem a enriquecer essa relação tanto no cenário político e social, como também, na dimensão estética. No período moderno (1350-1850) a concepção e produção de arte era majoritariamente na pintura para fins acadêmico, de cunho religioso e amparada no modelo historicista. Já na contemporaneidade essa concepção se rompe em prol de um estilo e experiência não mais com base no visível, mas nas sensações, emoções e funcionalidade. Nesse contexto, os movimentos artísticos intensificam-se a partir das primeiras décadas de 1900, e novas linguagens, movimentos e técnicas são criadas como instalações, performances, objetos e outros, somados as questões culturais, políticas e sociais principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Rompe-se com o academicismo, ultrapassando os limites da moldura, dos costumes e hábitos. Nesse contexto, a arte contemporânea adquiri espaço e legitimidade a partir da década de 1950, superando os conceitos de base tradicional e hegemônica, elegendo espaços alternativos e as ruas na apresentação de suas obras e a inclusão e interação do público em seus projetos. Essa ideia de arte no Brasil ocorre com o movimento de artistas e críticos paulistas e cariocas tendo como referencial a fase do concretismo. No Rio de Janeiro Lygia Pape, Lygia Clark, Ferreira Gullar, Mário Pedrosa, Hélio Oiticica, entre outros, criam o Grupo Frente e, em São Paulo, Augusto e Haroldo de Campos, Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, entre outros, o Grupo Ruptura. Estes artistas marcam uma nova fase na arte contemporânea brasileira, e dentre eles, Hélio Oiticica pela abordagem e inclusão da vida cotidiana de pessoas comuns em seus experimentos e projetos adquirindo com isso visibilidade nacional e internacional. A aproximação de Hélio Oiticica com a arte surge na infância - final de 1940 - quando morou nos EUA com sua família. Ao retornar no início de 1950, dedica-se a escrever e a traduzir peças de teatro, assim como, nos estudos de arte com Ivan Serpa no MAM/RJ em que desenvolve sua própria linguagem artística com ênfase na livre criação e experimentação a fim de afastar a noção clássica do objeto de arte como tradicionalmente definido e inclusão do público na posição de participante, conduzindo-o a frente da obra de arte no “exercício experimental da liberdade” como bem definiu Mário Pedrosa.

Oiticica aspira à superação da arte conformista, elitista, condicionante, limitada e propõe uma arte que desloque o espectador do papel contemplativo e passivo para o de participante ativo por meio de experiências que promovam uma volta do sujeito a si mesmo e libertar-se de seus condicionamentos éticos e estéticos. Em suas obras, percebe-se o diálogo com a cultura popular, a cultura das comunidades dos morros cariocas, ora nas ruas, ora em exposições nos museus e galerias, priorizando a arte na mediação com as estâncias dos poderes simbólicos, políticos e culturais de modo inovador e performático. Em seus experimentos, Oiticica explora a interação com o público, acompanhados de elaborações teóricas juntamente com textos, comentários e poemas críticos e reflexivos. A esse respeito, o crítico e pesquisador de arte Celso Favareto dirá que a proposta de Oiticica consiste em dois momentos: uma mais visual que inicia em 1954 na arte concreta até a formulação dos Bólides em 1963, e outra sensorial, que segue até 1980. Isso mostra que sua produção artística não se limita somente no fator estético. Ele se inspira na sociedade e na relação com pessoas “comuns” principalmente os marginalizados e excluídos.

Bólide em homenagem a “Cara de Cavalo". Obra em que o artista homenageia o bandido morto pela polícia carioca. (Folha de São Paulo, 21 de setembro de 2010, bienal de artes, p.7).

Essa vivência experiência sensorial se inicia no final da década de 1960 quando começa a frequentar a comunidade do Morro da Mangueira. Desta união cria os Parangolés que na gíria do morro quer dizer conversa fiada.

[...] Trata-se de tendas, estandartes, bandeiras e capas de vestir que fundem elementos como cor, danças, poesia e música e pressupõem uma manifestação cultural coletiva.” Posteriormente a noção de Parangolé é ampliada: “chamarei então Parangolé, de agora em diante, a todos os princípios formulados aqui... Parangolé é a antiarte por

excelência; inclusive pretendo estender o sentido de 'apropriação' às coisas do mundo com que deparo nas ruas, terrenos baldios, campos, o mundo ambiente

enfim... (OITICICA, 1986)1

Em 1964, Oiticica expõe sua obra Manifestações Ambientais na mostra Opinião 65 no MAM/RJ, que inicia logo de modo conflituoso, pois a instituição impede a entrada dos integrantes da escola de samba da Mangueira, convidados de Oiticica. Diante dessa situação, em protesto, o artista decide realizar uma manifestação coletiva na frente do museu e os Parangolés são vestidos por seus amigos sambistas exibindo-os de modo performático.

Hélio Oiticica Parangolé P 08 Capa 05 –Mangueira, 1965; P 05 Capa 02, 1965; P 25 Capa 21-Nininha Xoxoba, 1968; P 04 Capa 01, 1964. Image from Ivan Cardoso’s film H.O, 1979. Credits: Catalogue Hélio Oiticica. The Body of Color, 2007, p. 317

1 Grifo meu

As questões levantadas com o Parangolé (1967) desembocam nas Manifestações Ambientais com destaque para as obras Tropicália (1967), Apocalipopótese (1968) e Éden (1969). Já a obra Tropicália, considerada o apogeu de seu programa ambiental, apresentada na exposição Nova Objetividade Brasileira no MAM/RJ, consiste numa [...] espécie de labirinto sem teto que remete à arquitetura das favelas e em seu interior apresenta um aparelho de TV sempre ligado. (ENCICLOPÉIDIA ITAÚ CULTURAL, 2020)

Oiticica, Hélio. Tropicália, 1967. Plantas, areia, pedras, araras, aparelho de televisão, tecido e madeira Projeto Helio Oiticica (Rio de Janeiro, RJ) Reprodução fotográfica César Oiticica Filho.

Outro grande projeto que o artista denominou de

Éden2, possui tendas, bólides e parangolés a fim de propor vivências individuais e coletivas ao público. Dessa proposta utópica da vida em comunidade cria a proposição Crelazer, que toma corpo em 1967 com a Cama-Bólide cabine onde as pessoas se deitam, experimentam sensações e recobram modos de viver, de “estar” no mundo -a fim de provocar a percepção criativa do lazer não repressivo e valorização do ócio.

2 O projeto Éden foi exposto em 1969 na Whitechapel Gallery em Londres

[...] A proposição do Crelazer absorve ideias do Suprassensorial e do Projeto, incorporando-as numa concepção de vida-arte: atividade não-repressiva em que arte e mesmo antiarte nada significam (“são como sarampo ou catapora; tem-se uma vez só e se esquece, pois é preciso viver”). Importa “viver o Crelazer. (FAVARETO, 1992).

Para Oiticica Éden é:

[...] um campus experimental, uma espécie de taba, onde todas as experiências humanas são permitidas – humano enquanto possibilidade da espécie humana. É uma espécie de lugar mítico para as sensações para as ações, para a feitura de coisas e construção do cosmo interior de cada um – por isso, proposições “abertas” são dadas e até mesmo materiais brutos e crus para “fazer coisas” que o participador será capaz de realizar (FAVARETO, 1992).

Projeto Éden, Whitechapel Gallery –Londres, 1969

Apesar deOiticica não ser um artista que se debruçou na arte de protesto como muitos de seu tempo, seu engajamento torna-se algo muito mais amplo. Sua veia anarquista, herança de seu avô José Oiticica, tornam seus ideais um estado lírico e utópico. Vai além dos padrões, do determinismo de uma cultura estética estéril sob a dominação das elites, do Estado, e que nos faz acreditar em seus interesses de bom e ruim, feio e belo. Sua vida, ideias, obras, projetos se misturam. Estão em simbiose, para além da arte. Suas propostas integram algo que vai além do visível e do simplesmente. Estão no cerne da superação do modelo tradicional da estética que emoldura arte e vida libertandoas através do diálogo com o mundo sensorial dos indivíduos no

rompimento das barreiras sociais. Os Parangolés e os Penetráveis, por exemplo, têm exatamente como proposta essa dimensão que é abandonar a distância que até então existia entre a arte e expectador. Como se pode notar, os projetos de Hélio Oiticica nos fazem refletir sobre nossa própria formação histórica e distancia social entre classes desde quando o território que hoje conhecemos como Brasil foi invadido e colonizado pelo europeu de modo violento, submetendo povos tradicionais a meros instrumentos de servidão e desmérito de humanidade. Um dos muitos fatores que faz parte desse abismo desigual entre classes é o livre acesso às instâncias artísticas e culturais em nossa sociedade. E, a fim de contextualizar o enfoque sobre arte e cultura nas propostas artísticas de Hélio Oiticica, incluo na discussão dois pensadores relevantes na discussão dessa temática. São eles: o sociólogo francês Pierre Bourdieu e o filósofo russo Mikhail Bakhtin.

Pierre Bourdieu explicará que a falta de acesso ao campo da arte e da cultura pelas classes sociais não hegemônicas se fundamenta no modelo tradicional, hierarquizante que a sociedade ocidental foi calcada, ou seja, distância as pessoas e as condiciona em classes de divisão desigual entre grupos ou indivíduos a partir das relações que estabelece aos bens materiais e/ou econômicos e bens simbólicos: status e/ou culturais. Essa distribuição desigual de recursos e poderes e, consequentemente, de privilégios, são voltados para aqueles que pertencem a específicos grupos dentro da estrutura social hegemônica. Assim, a posição de privilégios ou ausência deles dá-se a partir do volume de “capitais” que ele possui nas dimensões material, simbólica e cultural que adquiriu e incorporou ao longo de sua trajetória na estratificação histórica e social. Bourdieu aponta também a desigualdade social que o sistema de escolarização promove desde cedo cobrando de todos os indivíduos conhecimento e acesso a uma cultura obtida

somente no núcleo familiar das classes privilegiadas antes da escolarização, desconsiderando aqueles que pertencem ao segmento popular. Assim, ao invés da escolarização promover o acesso ao ensino de forma democrática acaba reforçando as diferenças e distinções existentes entre aqueles que possuem capital cultural daqueles que não os tem. No Brasil é muito presente esta questão. Pode-se evidenciar essa desigualdade de classes em diversos segmentos como, por exemplo, no acesso à educação, pois enquanto na rede pública faltam recursos e investimentos do Estado, a rede privada prima pela formação e inserção dos alunos no mercado de trabalho que repercuti numa competição e cobrança desigual entre estes dois grupos. A essa cobrança social Pierre Bourdieu denominou de violência simbólica, pois

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