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CASA DE PEDRA: RESSIGNIFICAÇÃO DOSENTIDO DOS OBJETOS MARINA ABRAMOVIC TERRA COMUNAL: pg. 28

CASA DE PEDRA:

RESSIGNIFICAÇÃO DO SENTIDO DOS OBJETOS

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Objetos na era pós industrial são meros utilitários para serem consumidos e descartados num curto espaço de tempo. No entanto, a história nos mostra que o destino dos objetos nem sempre foi assim. Houve um tempo em que eram tão importantes que através deles podia-se contar a vida de uma pessoa como: onde nasceu, cresceu, se pertencia a uma família tradicional, respeitável, trabalhadora ou não, religiosa ou pagã, entre outros atributos sociais e culturais. O mesmo significado tinhaas roupasquandovaliosastanto que era usual serem dispostas nos testamentos dos aristocratas e camponeses na renascença europeia, conforme destaca Peter Stallybrass no ensaio “O Casaco deMarx”. As roupas eram avaliadas em moeda e atributo, pois estava atrelada a memória, classe e patrimônio cultural e social principalmente em relação a famílias de maior prestígio. Com a aceleração do capitalismo estas particularidades esvaziam-se e os objetos transformaram-se em pura mercadoria, um acessório para satisfazer o desejo dos consumidores. Falta-nos perceber que objetos descartados, trocados e esquecidos um dia tiveram sua importância. Neles, a história se faz presente, seja porque nos traz à lembrança de uma pessoa especial ou de um momento importante. Mas, como tudo não é estático e absoluto, recentemente conheci no bairro de Paraisópolis, na cidade de São Paulo, a Casa de Pedra construída pelo morador, pedreiro e jardineiro Estevão Silva da Conceição, e lembrei imediatamente das questões apresentadas nopreâmbulo. Há 30 anos Estevão iniciou seu projeto, tendo como base a casa que já existia no local, e nela construiu três andares com cimento, ferro, pedras e uma infinidade de objetos que escolhe cuidadosamente em brechós.

São xícaras, pratos, pires, relógios, talheres, broches, óculos, pulseiras, bonecas, pedras, conchas, esculturas de santos, máquinas fotográficas e de escrever, carrinhos de brinquedo, quadros, entre tantos e incontáveis, que ganharam um novo sentido e espaço a partir da percepção e olhar de Estevão. Cada objeto tem seu lugar na Casa de Pedra para unir e compor com outros, e depois são cimentados. Há uma memória afetiva em cada um deles, que a partir do projeto de Estevão encontraram propósito esentido. Estevão migrou da Bahia para São Paulo no final dos anos 60 em busca de trabalho na construção civil. Em 1975 foi morar no loteamento que hoje está localizado o bairro de Paraisópolise lá,iniciou sua criaçãoque ultrapassa o conceito de uso e propriedade.

Estevão relata que no início, a ideia era construir um jardim, mas como o terreno é pequenoresolveu verticalizar. Seu jardim está no topo da casa. Um jardim suspenso com grande variedade de plantas, algumas frutíferas, atraindo diversos pássaros. Percebe-se que existe em Estevão uma necessidade de estar próximo da natureza e o bairro é muito carente de praças e jardins. Com certeza o gosto em conviver com a natureza está presente na história de vida de Estevão na Bahia e a trouxe na bagagem para São Paulo transformando em prática seus anseios, ressignificando o lugar que hoje habita.

Estevão em sua Casa de Pedra –foto: Arlete Fonseca de Andrade

Arte, cultura, educação, patrimônio existem e coexistem em lugares que muitas vezes nem percebemose essa experiência possibilitou transpor a barreira do visível que a mercadoria, a cidade e o discurso nos impõem. A Casa de Pedra é um aprendizado na mudança de olhares, vieses e saberes. Permite a possibilidade de aproximações entre cidade e cidade periferia, de diálogo, troca de experiências entre cidadãos excluídos e marginalizados, e, reconhecer em nós,

novos pares.

Referência bibliográfica: STALLYBRASS, P. O Casaco de Marx, Ed. Autêntica.São Paulo, 2008

MARINA ABRAMOVIC – TERRA COMUNAL

Algumas propostas para o cotidiano: caminhe muito lentamente, desacelere o pensamento, abafe o som externo, acorde seu corpo, perceba-o, escute seu coração, esqueça o celular e outros acessórios eletrônicos durante pelo menos duas horas. São ações simples, porém, será que dispomos de tempo, percepção e vontade para realizá-las? Principalmente vivendo no ritmo acelerado das grandes metrópoles como: Nova York, Londres, Tokyo, São Paulo, ente outras? Alguns dirão que não dispõem desse tempo, outros podem até pensar na possibilidade, e poucos, acredito, irão aceitar o desafio. Surgem indagações. Para que e por que estas propostas? Para responder, sugiro conhecer o método da artista Sérvia Marina Abramovic que foi apresentado na exposição “Terra Comunal” no Brasil, iniciativa do SESC, composta por uma série de vídeos e objetos que marcaram a trajetória da vida e de seu trabalho. É para ver, sentir, e se possível, crer nessa vivência que a artista traz ao público. Abramovic entende que a ferramenta para demonstrar sua arte é seu corpo, e para isso, é preciso compreender seus limites. Foi a partir dessa percepção que criou seu método. Primeiro é necessário despertar o corpo e seus sentidos com uma série de exercícios de respiração, alongamento, gerar calor e energia friccionando as mãos, tocar olhos, nariz, ouvidos e boca. Após esta etapa o público tomará contato com os objetos transitórios. Camas, cadeiras, totens confeccionados em madeira e vários cristais posicionados na direção dos shakras. Durante o contato com os objetos não se fala e nem se ouve o som exterior, pois a finalidadeétomar consciência do corpo, da mente, tempo e som que produzimos. Corpo e mente ou ambos guiarão sua própria vontade, seja divagando, não pensar em absolutamente nada, dormir, ouvir sons do nosso interior,refletir. Terra Comunal foi inspirada a partir das viagens que Abramovic fez ao Brasil, Austrália, Indonésia, China, Tibete, durante muitos anos para constatar a influência da meditação, cristais e outros minerais no corpo e na mente. Além dessa experiência, também conheceu comunidades tradicionais que comungam da crença na natureza para cura corpórea e espiritual. A busca da artista por elementos da natureza, costumes e crenças, é para compreender e aplicar nas formas imateriais da arte que desenvolve. O título da exposição, “Terra Comunal”, descreve exatamente esta experiência, sugerindo uma aproximação coletiva pela arte. Um ato de comunhão.

COMO FALAR SOBRE COISAS QUE NÃO EXISTEM

Thiago Martins de Melo -Martírio

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