Revista ArqViva

Page 1

CURITIBA_BRASIL

arqviva

®

A R QUITETURA

_

CULTURA

_

ARTE

_

CIDADE

# 001

O CONTRASTE DO ANTIGO E DO CONTEMPORÂNEO EM

ANTUÉRPIA

O CAMINHO PARA A MOBILIDADE URBANA EM CURITIBA _ CONFISSÕES DO ARQUITETO MODERNISTA JOEL RAMALHO






_ EDITORIAL

ARQUITETURA VIVA

O

lhe em volta. É fácil per-

nome da revista diz, viva.

o homem por trás do arquite-

ceber que a arquitetura

Na primeira edição, prepa-

to Joel Ramalho Junior, que re-

está em todos os luga-

ramos uma reportagem espe-

centemente recebeu a Medalha

res, presente em cada momento

cial sobre mobilidade urbana.

de Ouro Oscar Niemeyer, uma das

do nosso dia a dia. São escolhas

Entre ou-tros temas, abordamos

maiores distinções do Instituto de

técnicas e estéticas que, muitas

os prós e contras da implantação

Arquitetos do Brasil (IAB).

vezes, passam sem serem nota-

do metrô em Curitiba, o cresci-

das por olhares leigos. A maneira

mento da frota de veículos na

tão prazerosa quanto foi para nós

como as construções são ergui-

capital e uso de transportes alter-

o desenvolvimento deste projeto.

das e como a cidade se organiza

nativos, como a bicicleta. De olho

e, ao final, como tudo isso se in-

em bons exemplos, vasculhamos

Gustavo Pinto

tegra com a paisagem.

experiências de sucesso, como as

Presidente da AsBEA-PR

A principal proposta da re-

que estão sendo implantadas em

vista ArqViva é treinar olhares.

Londres (Inglaterra) e em Buenos

Debater a arquitetura e reforçar

Aires (Argentina).

sua importância no cotidiano da

cidade e das pessoas. A publica-

portagem sobre retrofit – a op-

ção aborda temas que envolvem

ção sustentável que dá vida nova

o universo arquitetônico: história,

a edifícios até então condenados.

cultura, sustentabilidade, inova-

A seção Viagem traz um retrato

ções tecnológicas e arte. Tudo

de Antuérpia, a cidade belga que

isso de forma dinâmica, atual e

é um dos tesouros arquitetônicos

aprofundada. Como o próprio

da Europa. Por fim, apresentamos

Esperamos que a leitura seja

Foto Gerson Lima

A revista traz também uma re-

_ EXPEDIENTE

arqviva

®

PROJETO EDITORIAL E PROJETO GRÁFICO

ArqViva é uma publicação da AsBEA-

Publique Editorial

PR (Associação Brasileira de Escritórios

Editora-chefe: Luciana Zenti (MTB 4059-PR)

de Arquitetura) em parceria com a

PRESIDENTE

CONSELHO EDITORIAL

Direção de arte: Iraisi Gehring

Publique Editorial. A reprodução parcial

Gustavo Pinto

Gustavo Pinto, Waldeny Fiuza,

Colaboraram nesta edição:

deste material é permitida desde que

VICE-PRESIDENTES

Cris Lacerda, Elaine Zanon,

Adriane Perin, Alvino de Lima, Bia

citada a fonte. O conteúdo das matérias

Waldeny Fiuza, Elaine Zanon,

Adolfo Sakaguti, Francisco Almeida,

Moraes, Cíntia Végas, Fernanda Peruzzo,

publicadas são de responsabilidade dos

Orlando Ribeiro, Franciso Almeida,

Margareth Menezes, Keiro Yamawaki

Rosa Bittencourt (textos), Daniel Katz,

autores. © Todos os direitos reservados.

Gilson Werneck, Margareth Menezes,

e Orlando Pinto Ribeiro

Fernando Aguiar, Leonardo Régnier, Walter Morgenthaler (fotos),

Clóvis Inácio Bohrer Filho, Cristiane Lacerda,

AsBEA-PR • Av. Cândido de Abreu, 427,

Mariane Esberard (diagramação)

DIRETORES

cj.307-A 80530-903. Curitiba - PR

Revisão: Adilson Fabris

Adolfo Sakaguti,

Fone/Fax.: (41) 3024 0090

Tratamento de imagens:

Frederico Carstens, Keiro Yamawaki

www.pr.asbea.org.br / asbea@asbea-pr.org.br

Cleverson Cassaneli


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Foto Daniel Ducci

Foto Leonardo Régnier

ÍNDICE

30

A CIDADE DE CARA NOVA EDIFÍCIOS CONDENADOS GANHAM VIDA COM REFORMAS OUSADAS E SUSTENTÁVEIS.

+ MAIS _

10

Foto Filip Dujardin

AGENDE-SE

Foto Fernando Aguiar

14

PARA ONDE – E COMO – VAMOS? PROFISSIONAIS DEBATEM A MOBILIDADE URBANA NA CAPITAL, O POLÊMICO METRÔ E AS SOLUÇÕES ADOTADAS POR OUTRAS CIDADES.

O MELHOR DO

CIRCUITO CULTURAL NO BRASIL E NO MUNDO.

26

NOVIDADES & INOVAÇÕES

PISCINA DE GRIFE, BIKE CARGO E CERÂMICA SUSTENTÁVEL.

MODERNISTA CONFESSO O INQUIETO JOEL RAMALHO JÚNIOR E SUA ARQUITETURA.

36

CIDADE-MUSEU O FUTURO FAZ PARTE DA PAISAGEM DE ANTUÉRPIA.

42

52

BANCO DE JORNAL

DESIGNER

BELGA CRIA MÓVEIS DE MATERIAL RECICLADO.

54

RECORTE DA CIDADE O OLHAR DO

FOTÓGRAFO CLEVERSON CASSANELLI SOBRE CURITIBA.



AGENDE-SE

Foto Barbara Wagner

IMAGENS HISTÓRICAS © The State Hermitage Museum St. Petersburg 2011 (GE - 249) Foto Wladmir Terebenin

O PINTOR LEONARDO DA VINCI

10/

Esqueça de Leonardo da Vinci como inventor ou cientista. Na

Um retrato de Mário de Andrade feito por Michelle Rizzo é o

exposição na The National Gallery de Londres são as raras pintu-

ponto de partida da exposição Percursos e Afetos – Fotografias,

ras do italiano que ganham destaque. São obras do período em

1928/2011. A mostra de imagens em PB e em cores é do acervo

que Da Vinci foi o pintor da corte de Milão, na Itália. Entre 1480 e

do colecionador e pesquisador Rubens Fernandes Júnior e está

1490, o artista trabalhou para o governador da cidade, Ludovico

na Pinacoteca do Estado de São Paulo. São quase 80 imagens de

Maria Sforza, que ficou conhecido na História como Il Moro (“O

fotógrafos pioneiros, como Rizzo, até os mais contemporâneos,

Mouro”). A mostra reúne 60 pinturas e desenhos inéditos. Entre

como Mario Cravo Neto. Na mostra, ensaios autorais, fotojorna-

eles, o retrato de Cecilia Gallerani, considerado o primeiro verda-

lismo, fotografia documental, retratos e experimentos. Acima,

deiramente moderno.

foto de Bárbara Wagner.

EXPOSIÇÃO: Leonardo Da Vinci: Painter at the Court of Milan

EXPOSIÇÃO: Percursos e Afetos - Fotografias, 1928/2011

Até 05/02/2012

Até 15/01/2012

The National Gallery, Trafalgar Square

Pinacoteca - Praça da Luz, 2

London WC2N 5DN

São Paulo, SP

(44) 08444 999 999

(11) 3324 1000

www.nationalgallery.org.uk

www.pinacoteca.org.br

arqviva



AGENDE-SE

ARTE VENEZUELANA

12/

Foto Divulgação

Foto Divulgação

ANITA MALFATTI NO MON

Arrojo e crítica visceral caminham juntos na trajetória da artista

Uma boa opção para quem gosta de sair do circuito La Recoleta/

paulistana. E será possível avaliar isto até o fim de janeiro, período

Puerto Madero é visitar o Malba – Museu de Arte Latinoameri-

em que quase 100 obras da pintora estarão expostas no Museu

cano de Buenos Aires. Até março há uma exposição imperdível:

Oscar Niemeyer (MON). Precursora do modernismo no Brasil,

a primeira grande retrospectiva de Carlos Cruz-Diez. O franco-

provocou escândalo na sua primeira exposição em São Paulo,

venezuelano é considerado um dos principais artistas do século

em 1917. A ousadia de Anita atraiu protestos bastante negativos.

20. A mostra reúne mais de 120 obras – pinturas, desenhos, seri-

Monteiro Lobato, por exemplo, foi na linha “não vi, mas não gos-

grafias, estruturas e ambientes, além de um documentário sobre

tei” e comparou os traços da pintora aos “desenhos dos internos

os projetos de intervenções urbanas. Cruz-Diez é um dos ícones

dos manicômios”. Na mostra, criações de todas fases da carreira da

da arte cinética e tem a carreira marcada pela pesquisa e experi-

pintora, que morreu em 1964.

mentação sobre a cor.

EXPOSIÇÃO: Anita Malfatti

EXPOSIÇÃO: Retrospectiva - Carlos Cruz-Diez

Até 29/01/12

Até 05/03/2012

Museu Oscar Niemeyer – Rua Mal. Hermes, 999

Malba - Avenida Figueroa Alcorta, 3415

Curitiba, PR

Buenos Aires, Argentina

(41) 3350 4400

(54) (11) 4808 6500

www.museuoscarniemeyer.org.br

www.malba.org.ar

arqviva



14/

arqviva


_ ESPECIAL \ MOBILIDADE URBANA

ESPECIALISTAS DIZEM QUE O METRÔ É ULTRAPASSADO, QUE AS CICLOVIAS ATUAIS SERVEM APENAS PARA LAZER E DEFENDEM O USO DA TECNOLOGIA PARA DAR VIDA NOVA AO TRANSPORTE COLETIVO

PARA ONDE – E COMO –

BIA MORAES E CÍNTIA VÉGAS

DESIGN

IRAISI GEHRING

Foto Leonardo Régnier

Foto Leonardo Régnier

POR

VAMOS ?

Com quase 1,3 milhão de veículos nas ruas, Curitiba debate o melhor caminho pra alcançar a tão sonhada mobilidade urbana. Frota aumentou 12 vezes desde a década de 70.

C

uritiba está em obras. Impos-

os moradores debatem a recém-anunciada

sível não perceber: há inter-

chegada do metrô. É o assunto da hora, jun-

venções em diversas regiões

to com a luta dos ciclistas por mais espaço e

da capital paranaense. São

respeito no trânsito. A pergunta que se faz

os preparativos de uma das

é até que ponto esses investimentos irão, de

cidades-sede da Copa do Mundo de 2014.

fato, melhorar o deslocamento das pessoas

Entre alargamento de vias, implantação

pela cidade. Estamos realmente adotando

de binários e de ciclofaixa, melhorias em

as melhores e mais modernas soluções em

calçadas e mudanças de sentido em ruas,

planejamento urbano?

arqviva /15


"

Fala-se em integração e que

a tarifa será a mesma dos ônibus

– mas quanto vai ser?” Lubomir Ficinski, engenheiro e arquiteto

FROTA X POPULAÇÃO em CURITIBA

Hab. / carro

7,1

mil – PARA ONDE –324 E COMO PARA ONDE – E COMO –

96 mil

Foto Leonardo Régnier

3,9

Frota

1,27 milhão

680 milhão População

1974

1985

*Fonte: Pesquisa do Plano Diretor de Curitiba 2008

16/

arqviva


Daniel Katz Foto

_ ESPECIAL \ _MOBILIDADE CAPA \ MOBILIDADE URBANA

Lubomir Ficinski, que acaba de deixar a URBS por discordar das decisões recentes da prefeitura, critica o alto investimento no projeto do metrô.

2,6

536 mil 1,38 milhão

1994

A resposta não é tão simples. Enquanto

sustentáveis para os problemas de transporte

se fala em trem subterrâneo e incentivo ao

e mobilidade nas grandes cidades brasileiras.

uso de bicicletas, passa ao largo da popu-

lação o tema da mobilidade urbana – con-

bana da PUC-PR Fábio Duarte vê falhas nas

ceito atual que vai além da discussão sobre

prioridades. “Enquanto cuidava exclusiva-

este ou aquele meio de transporte. Pensar

mente do ônibus, Curitiba foi bem. Porém,

a mobilidade é planejar a capacidade das

quando surgiu o conceito de mobilidade,

pessoas de ir e vir, considerando tempo,

a cidade perdeu. Continuamos investindo

sustentabilidade, trânsito, diferentes modais,

apenas no ônibus e no carro.” Existe um por

acessibilidade, densidade populacional e

quê: a economia brasileira é refém de mon-

crescimento da cidade.

tadoras. A indústria automobilística é, hoje, a

Diante de tantas variáveis, as soluções

maior arrecadadora de impostos do país. É

não apontam para um único caminho, espe-

o que acredita o arquiteto de planejamento

cialmente para uma das cidades mais mo-

do Instituto de Pesquisa e Planejamento Ur-

torizadas do país, com cerca de 1,2 milhão

bano de Curitiba (Ippuc), Reginaldo Reinert.

de veículos para quase 1,8 milhão de habi-

“Para iniciar uma guerra contra o transporte

tantes. “Primeiro, deve-se pensar no pedes-

motorizado, teríamos que bater de frente

tre; depois, no ciclista, no transporte coletivo

com o governo federal”, afirma. “Quem quer

e, aí sim, no carro. Priorizar o transporte indi-

comprar um carro hoje conta com inúmeros

vidual motorizado é um erro”, aponta Luiz

incentivos. Se as pessoas utilizam cada vez

Antonio Lindau, presidente da organização

mais esse meio de transporte, é porque

não governamental Embarq Brasil. A insti-

veem vantagens nisso”. Não à toa, o núme-

tuição integra uma rede internacional com

ro de carros circulando por Curitiba aumen-

sede nos Estados Unidos e auxilia governos

tou 12 vezes desde a década de 70 (leia o

e empresas na implementação de soluções

quadro abaixo).

2,4

674 mil

O urbanista e professor de gestão ur-

1,4 1,6 1,9

1,26 milhão

907 mil

1,58 milhão

1,75 milhão

2000

2005

1,15 milhão

1,85 milhão

2009

1,76 milhão

2011 arqviva /17


_ ESPECIAL \ MOBILIDADE URBANA

O desafio é grande. Na cidade conhe-

cida por exportar ideias de urbanismo, a implantação do metrô vem sendo vendida pela administração pública como solução – mas está longe de ser a única resposta. Integração entre modais e mudança de mentalidade parecem ser as palavras-chave na busca por mobilidade urbana.

Pouca gente sabe, mas Curitiba tem, já

há alguns anos, um departamento voltado

"

para o tema. Dentro da Urbs (Urbanização de Curitiba), foi criada, em 2008, a Gerência de Mobilidade Urbana. O setor surgiu na esteira de readequação do Plano Diretor feito em 2004, de acordo com o Estatuto das Cidades do governo federal. O órgão está vinculado à Diretoria de Transportes.

Para iniciar uma

motorizado, teríamos que bater de frente com o governo federal” Reginaldo Reinert, arquiteto e urbanista

nifica alcançar equilíbrio entre todas as for-

guerra contra o transporte

Meios de transporte usados pela população * 42%

Ônibus 5%

Motos e bicicletas

20%

A pé

18/

arqviva

22%

Automóvel

sável pela gerência, mobilidade urbana sigmas de deslocamento. “Temos que pensar o conjunto de ações de forma integrada”, afirma. A dificuldade é que não existe um *Fonte: Pesquisa do Plano Diretor de Curitiba 2008

Curitiba sobre rodas

Para a arquiteta Olga Prestes, respon-

planejamento de mobilidade para toda a cidade, e sim ações pontuais.

Toda intervenção urbana, seja abertura

de binários, implantação de ciclofaixas, mudanças no trânsito e no transporte coletivo ou recuperação de vias, passa pela Gerência de Mobilidade para receber as adequações necessárias, explica Olga. “Quando os projetos seguem para implantação, já estão solucionados. Quando projetamos um binário, as calçadas são feitas no tamanho correto para garantir acessibilidade, movimentação de pedestres e outras questões.”

Foto Walter Morgenthaler

Foto Daniel Katz

Para Reginaldo Reinert, arquiteto de planejamento do Ippuc, a implantação de binários e alargamento de vias são intervenções paliativas.


_ ESPECIAL \ MOBILIDADE URBANA

CURITIBA DÁ PEDAL?

Diversas cidades do mundo apoiam e

viabilizam a bicicleta como transporte alternativo. Na capital paranaense, o movimento dos cicloativistas não para de crescer. Além das passeatas, o movimento criou recentemente a Bicicletaria Cultural, para conscientizar a população sobre o assunto. Localizada no número 226 da rua Presidente Faria, a Bicicletaria Cultura proporciona, ao mesmo tempo, estacionamento de bikes e acesso a diferentes formas de arte.

A malha cicloviária atual de Curitiba tem

120 quilômetros de extensão. De acordo com o Ippuc, existe um plano-diretor que pretende ampliá-la em até 400 quilômetros, envolvendo a criação de ciclovias, ciclofaixas e áreas de circulação compartilhada. O Circuito Ciclofaixa de Lazer, implantado recentemente, tem quatro quilômetros. Ele é sinalizado por faixas vermelhas pintadas nas ruas do trajeto, no Centro da cidade.

Para viabilizar as pedaladas, muita

coisa ainda precisa ser feita. “Bicicleta tem que ser encarada como alternativa de transporte e não só para lazer”, diz Jaime Lerner. Lubomir Ficinski diz que uma das inovações necessárias é a implantação de bicicletários nos terminais de ônibus e nas futuras estações de metrô.

arqviva /19


PELO MUNDO

CONHEÇA ALGUMAS SOLUÇÕES ADOTADAS EM DIFERENTES CIDADES

Reims

(França)

Famosa pela qualidade de seu champagne, Reims também está se tornando conhecida pela inovação em seu sistema de metrô de superfície. A mobilidade entre a região central, os subúrbios e outros locais de grande circulação de pessoas na cidade é facilitada por veículos movidos por um sistema eletromecânico, sem fiação aparente e que visa reduzir as emissões de CO2. As composições que fazem o transporte de passageiros têm cores vivas e circulam em áreas onde foram plantadas grama e novas mudas de árvores. A introdução dos trens foi pensada

Foto Daniel Gevaerd

de forma harmônica em relação ao paisagismo da cidade. Reims é uma

20/ arqviva

das cidades francesas que adotaram o Plan de Déplacements Urbains (PDU) – pode ser traduzido como Plano de Mobilidade Urbana – que é uma das estratégias da França com o intuito de minimizar o impacto das atividades urbanas sobre o meio ambiente.


_ ESPECIAL \ MOBILIDADE URBANA

Buenos Aires

(Argentina)

O número de pessoas que utilizam a bicicleta para se deslocar pelas vias portenhas tem aumentado a cada ano. Com ruas bastante planas, a cidade conta com diversos pontos de aluguel de bicicletas e vem expandindo sua bem sinalizada rede de ciclovias, implantada em ruas que levam a universidades e prédios Foto divulgação

públicos de grande circulação. As pedaladas, incentivadas pelo programa “Mejor em Bici”, também são impulsionadas por um serviço que disponibiliza bicicletas gratuitamente aos cidadãos

passos das europeias Paris, Amsterdã e Barcelona, já destaques

Fortaleza

na adoção de bicicletas como alternativa para fugir do caos

de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). Trata-se de um trem urbano

provocado pelo transporte motorizado.

de passageiros geralmente movido a eletricidade, com menor

e ações que visam disponibilizar roteiros sobre duas rodas a turistas. As iniciativas fazem com que a cidade portenha siga os

(Brasil)

Até 2014, a cidade de Fortaleza deve contar com um sistema

velocidade que os de metrô, mas menos barulhento e poluente. Uma licença prévia para construção do sistema já foi concedida pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente do Estado do Ceará (Coema). Segundo informações divulgadas pela prefeitura municipal de Fortaleza, o ramal VLT Parangaba/Mucuripe servirá de ligação entre a região hoteleira e o centro da cidade, também

Foto divulgação

permitindo integração com outros ramais de transporte. O projeto compreende a execução de 10 estações em superfície, 13 quilômetros de via remodelada, quatro passagens subterrâneas rodoviárias, um elevado ferroviário e um viaduto rodoviário.

Londres

(Inglaterra)

A capital britânica vem conseguindo reduzir a quantidade de viagens em automóveis dentro das zonas mais engarrafadas da cidade por meio da cobrança de uma taxa de congestionamento, também chamada de pedágio urbano. A tarifa – aplicada principalmente em áreas dos centros histórico e financeiro – começou a ser adotada no ano de 2003 e tem preços distintos, conforme o tamanho dos veículos. Os valores arrecadados são reverFoto Danilo Pschera

tidos em investimentos no sistema de transporte público. Recentemente, Londres também ganhou destaque pelo lançamento de pistas rápidas exclusivas para bicicletas, conhecidas como “Barclays Cycle Superhighways.”

arqviva /21


Foto Leonardo Régnier

Foto Leonardo Régnier

Falta de planejamento é um dos entraves para a solução dos problemas de mobilidade urbana.

É um avanço, pois antes a carroça era colocada antes dos bois: primeiro, a obra era feita e, depois, vinham as adaptações. “Há muito que fazer”, reconhece Olga. “A cidade é como a casa da gente: a reforma vai sendo feita aos poucos, em diferentes lugares. Estamos trabalhando para isso.”

De acordo com a arquiteta, a pavimen-

tação das calçadas – fonte de reclamação constante dos moradores de Curitiba – leva em conta a segurança dos usuários. No lugar do petit pavé e das lajotinhas, a Prefeitura utiliza, agora, um bloco de concreto antiderrapante. Olga Prestes afirma que as intervenções urbanas são feitas pensando-se nos pedestres.

2,3 MILHÕES

é o número de passageiros atendidos por dia pelo

TRANSPORTE COLETIVO em Curitiba

Para quem circula pela cidade, no entan-

to, a impressão que se tem é outra. Curitiba não é amigável para se deslocar a pé. “Se as pessoas se tornam cada vez mais dependentes de carro, estão caminhando menos. Isto contribui com a obesidade, um problema de saúde que afeta a população mundial e que já vem sendo bastante detectado no Brasil”, observa Lindau.

As ações adotadas com o intuito de

proporcionar maior fluidez ao trânsito de veículos motorizados, em detrimento do

231 MIL

é a estimativa de público diário

DO METRÔ em Curitiba

conforto aos pedestres, têm como principal consequência a perda da qualidade de vida local, observa Fábio Duarte. “Ruas que antigamente tinham tráfego local começam a ter tráfego pesado. Isso interfere diretamente no bem-estar das comunidades.” Some-se a isso a perda da qualidade do ar, já que o transporte motorizado é um dos recordistas em emissão de carbono.

22/ arqviva


_ ESPECIAL \ MOBILIDADE URBANA

Para Reginaldo Reinert, intervenções

viárias como implantação de binários e alargamento de vias são paliativas e não

Foto Daniel Katz

Jaime Lerner diz que a administração municipal ludibria a população para justificar o enorme gasto com o metrô.

soluções para os problemas relacionados à mobilidade. Ele acredita que é possível conscientizar as pessoas para que utilizem menos o carro e tomar medidas para tornar o transporte público mais atrativo. ÔNIBUS EM PRIMEIRO LUGAR

O arquiteto e urbanista Jaime Lerner, pre-

feito de Curitiba por três vezes, tem soluções para melhorar a operação de ônibus na ponta da língua. Dar prioridade aos expressos nos sinaleiros é uma delas, aponta. “O sistema de

"

canaletas exclusivas foi pensado para dar velocidade. Isso não está sendo feito; por isso, há a sensação que faltam veículos e eles andam lotados, assim como as estações-tubo”, observa. “O segredo para o sistema funcionar é simples: o embarque deve ser rápido e o ônibus deve ter prioridade.”

Curitiba está copiando algo que já está ultrapassado.

O engenheiro e arquiteto Lubomir Ficinski

O metrô não é solução técnica.

Dunin , um dos fundadores do Ippuc, na década de 60, também aponta caminhos. Um deles é o uso da tecnologia. “Equipamentos eletrôni-

É desculpa política” Jaime Lerner, arquiteto e urbanista

cos devem ser utilizados de forma inteligente e integrada, para controle de tráfego, carga, rotas, movimentação e horários dos ônibus”, diz. “Em estações, pontos e terminais, a população

linhamento das estações-tubo, obra já inicia-

nessa área ainda não explorados pelas ci-

poderia ter equipamentos para consultas e

da. Elas foram construídas uma de frente para

dades brasileiras que utilizam BRT (Bus Rapid

acesso às informações sobre o funcionamento

a outra, mas, com o desalinhamento, explica

Transit), como a operação de semáforos por

do sistema”.

Ficinski, viabiliza-se a ultrapassagem dos ôni-

ônibus e implantação de sistemas de ultra-

bus, o que aumenta a velocidade do sistema.

passagem”, comenta o presidente da Em-

lista, é a reforma e ampliação dos terminais

barq. Além disso, diz ele, é preciso utilizar em

de ônibus e a conclusão do chamado desa-

vestimento em tecnologia. “Existem avanços

Outra solução importante, diz o especia-

Luiz Antonio Lindau defende maior in-

maior escala os biocombustíveis.

arqviva /23


imagens divulgação

POLÊMICA SOBRE TRILHOS

"

As pessoas estão andando em ônibus lotados,

acreditam que o metrô vai resolver”

Jaime Lerner, arquiteto e urbanista

24/ arqviva

P

ioneirismo

sempre

foi

uma

das marcas de Curitiba. A partir das décadas de 70 e 80, com

a implantação do BRT (Bus Rapid Transit) – caracterizado principalmente pela circulação de ônibus expressos por canaletas exclusivas – a capital paranaense teve suas iniciativas copiadas, e até aperfeiçoadas, por metrópoles de diversos países, como África do Sul, Colômbia e Espanha.

A cidade também lançou novidades,

como ciclovias, ruas exclusivas para pedestres e estações-tubo. Por isso, falar em transporte público nas ruas de Curitiba é como


_ ESPECIAL \ MOBILIDADE URBANA

discutir futebol em qualquer cidade brasilei-

sagem”, observa. “Fala-se em integração e que

total anunciado pela prefeitura) para implan-

ra: todo mundo “entende do assunto”. Pes-

a tarifa será a mesma dos ônibus – mas quanto

tar uma linha de transporte subterrâneo de

quisa recente encomendada pelo jornal

vai ser?”, indaga.

14,2 quilômetros. A solução seria muito mais

Gazeta do Povo revela que 80% das pessoas

O arquiteto do Instituto de Pesquisa e

simples e barata: continuar investindo na

aprovam a construção do metrô.

Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc)

estrutura de transporte de superfície já exis-

O problema é que nessa corrida perde-

Reginaldo Reinert diz que a ideia, em princípio,

tente. Luiz Antonio Lindau destaca que o

mos a dianteira. As vozes contrárias são fer-

é que o valor seja o mesmo do ônibus. Ele

sistema BRT tem muita flexibilidade. “É, pelo

renhas e apontam: furar o solo e colocar trens

argumenta que, apesar dos altos custos de

menos, vinte vezes mais barato que o metrô.”

subterrâneos é andar para trás, e não para a

implantação, essa foi a forma encontrada pela

frente. Visões técnicas convergem sobre a

prefeitura para sustentar e ampliar o sistema.

analisa Lerner, é resultado do que ele chama

necessidade de uma série de ações conju-

Não se sabe, no entanto, se o valor da tarifa

de “canibalização” do sistema atual. “As pes-

gadas, que devem ser planejadas para que

atual irá aumentar em função do metrô. E nem

soas estão andando em ônibus lotados, es-

Curitiba ofereça qualidade de transporte pú-

quanto custará ela em 2014, data prevista para

peram muito, então acreditam que o metrô

blico e mobilidade urbana. O metrô, sozinho,

a entrega da obra.

vai resolver. Em vez de melhorar o que já

não resolve. “Curitiba está copiando algo que

A aprovação dos moradores ao metrô,

está aí, a administração municipal ludibria

já está ultrapassado”, opina Jaime Lerner. Ur-

DESCULPA POLÍTICA

a população para justificar o enorme gasto

banista, ex-governador e prefeito em gestões

O metrô custa caro não só em termos

com o metrô. Ele não é solução técnica. É

em que se implantaram soluções inovadoras,

financeiros. “Os problemas que a obra vai

desculpa política”, dispara. Para o profes-

ele não tem meias-palavras sobre o assunto.

causar à cidade, durante dois anos, serão

sor Fábio Duarte, o metrô é mais eficiente

“O povo está sendo enganado.”

imensos e não estão sendo dimensionados”,

tecnologicamente, pois não concorre com

Segundo Lerner, a população pensa nos

afirma Ficinski, que concorda com Lerner ao

outros modais de transporte. “Porém, é fi-

exemplos de Nova York, Londres e Paris,

questionar o gasto de R$ 2,2 bilhões (custo

nanceiramente injusto”, avalia.

onde há uma rede subterrânea extensa. “Ninguém está contando que nessas cidades o metrô tem mais de um século e foi construído quando era barato e viável, antes mesmo de existirem ônibus”, diz. O urbanista reitera que o metrô curitibano

Primeira linha do metrô deve ter 14,2 quilômetros. A previsão é de que apenas 10% dos usuários de transporte coletivo sejam atendidos.

cobrirá pouco mais de 15% de todo o sistema de transporte público.

Lubomir Ficinski afirma, categoricamente,

que o sistema de transporte público existente em Curitiba é suficiente para atender à demanda da metrópole em crescimento, mas precisa evoluir e receber investimentos. O arquiteto acaba de deixar o cargo de diretor de Trânsito na Urbs por não concordar com as decisões recentes da prefeitura para o setor – o que inclui o grande investimento no metrô. “Não se está dizendo quanto vai custar a pas-

arqviva /25


PISCINAS ASSINADAS

NOVIDADES

A conceituada empresa Italiana Myrtha

Pools completou 50 anos. Especializada

&

na fabricação de piscinas modulares em aço inoxidável, a Myrtha tem modelos

INOVAÇÕES

instalados em nada menos que 70 países. É parceira da Federação Internacional de Natação (Fina) e construiu sete piscinas para as Olimpíadas do ano que vem em Londres. O sistema de construção das piscinas modulares garante mais longevidade. Não são utilizadas soldas, os painéis são aparafusados. O revestimento é em PVC e, como diferencial, são inúmeras cerâmica, mosaicos, pedras naturais.

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Foto divulgação

as possibilidades de acabamento –

Transportar os filhos, ferramentas,

compras ou o que mais couber – e que você possa equilibrar – pedalando como se estivesse em uma bicicleta normal. Esta é a proposta da Madsen Cycles, uma empresa dos EUA que começou a produzir estas cargo bikes em 2009. A bike suporta até 271 quilos no cesto, que tem cintos de segurança e quatro bancos removíveis. Os preços dos três modelos à venda pela internet variam de R$ 2,3 mil a R$ 2,6 mil, aproximadamente.

Foto divulgação

www.madsencycles.com

26/ arqviva

PIRÂMIDE INVERTIDA

Não estranhe se, ao entrar no elevador

do Earthscraper (algo como “arranha-terra”)

uma ideia para escapar da proibição de construir

e apertar o botão do último andar, você

novos edifícios com alturas elevadas. O teto é

começar a descer. O incrível edifício projetado

rente ao solo, todo em vidro para aproveitar

pela BNRK Arquitectura é de cabeça para

ao máximo a iluminação natural. O edifício

baixo. Uma gigantesca pirâmide com 65

é multiuso, com apartamentos, escritórios,

andares a uma profundidade de 300 metros

shopping e museu. Mas não passa de uma

no solo da Cidade do México.

inusitada proposta sem data para execução.



Fotos divulgação

NOVIDADES

&

PROJETOS PARA EXPORTAÇÃO

INOVAÇÕES

O Projeto de Internacionalização da

Arquitetura Brasileira – parceria da AsBEA com a Apex Brasil – foi renovado até 2012. O objetivo é dar mais qualidade à articulação institucional. São ações conectadas com o atual momento da profissão no mercado nacional e internacional. Haverá missões empresariais a mercados-alvo e reuniões setoriais. A primeira delas aconteceu em novembro. Com a presença de representantes do governo, profissionais

negócios com construtoras, investidores

A Roca Cerâmica, uma das líderes mundi-

cerâmicas da série Greentiles são feitas com 80%

e possíveis parceiros. Também vai ser

ais no setor cerâmico, é referência em relação a

de materiais reciclados de pré-consumo. Tudo

desenvolvido um portal de informações

produção industrial sustentável. Desde 1992, a

o que é perdido na produção ou descartado no

sobre mercados, setor, arquitetura, con-

empresa aplica o método Lean Manufactoring,

processo de controle de qualidade é reaproveit-

cursos internacionais e concorrências. A

filosofia de gestão que visa reduzir o desperdício.

ado. Os produtos Top Green são certificados pela

intenção é fazer do site Built By Brazil um

Ao longo dos anos, foi ampliando seus com-

Bureau Veritas, sendo este o maior comprometi-

catálogo virtual das empresas de arquite-

promissos ambientais e hoje é a única empresa

mento e esforço dentre os fabricantes no setor

tura brasileira.

espanhola a obter a Autorização Ambiental In-

cerâmico. As peças são produzidas em grandes

www.apexbrasil.com.br

tegrada (AAI), sendo também reconhecida com

formatos, com variedade de cores, texturas e

diversos certificados de qualidade, como o ISO

acabamentos, que transmitem sofisticação e

14.001, o EMAS e o ECOLABEL da Comunidade

modernidade onde são aplicados. Além de bom

Econômica Europeia. Atualmente, a Roca (que

isolamento acústico e da alta resistência mecâni-

desde 1999 é dona da marca Incepa no Brasil)

ca que esses produtos proporcionam.

tem uma linha exclusiva de produtos verdes. As

www.rocaceramica.com.br

LOJA BRASILEIRA VENCE WAF O projeto low tech da

com o projeto da Media-TIC, em

Loja Decameron, na capital

Barcelona. A Loja Decameron

paulista, rendeu ao arquiteto

fica na badalada alameda Gabriel

Márcio Kogan o primeiro lugar

Monteiro da Silva, endereço de

na categoria lojas do World

diversas lojas de design em São

Architecture Festival 2011. Eram

Paulo. O edifício tem 252m² de

284 projetos, divididos em 26

área construída e une um galpão

categorias. Na principal – Edifício

a seis containers, além de abrigar

Mundial do Ano – a vitória foi

um grande jardim.

do escritório espanhol Cloud 9,

28/ arqviva

Foto Pedro Vannucchi

CERÂMICA TOTALMENTE ECOLÓGICA

brasileiros foram à África para rodadas de



Foto Daniel Ducci

SUSTENTABILIDADE_RETROFIT

AO INVÉS DE LEVANTAR EDIFÍCIOS POR TODOS OS CANTOS, A PROPOSTA É PRESERVAR E REFORMAR CONSTRUÇÕES ANTIGAS

A CIDADE DE

CARA NOVA POR

ADRIANE PERIN

N

DESIGN

MARIANE ESBERARD

a contramão do atual boom da construção civil, arquitetos defendem o caminho inverso para o desenvolvimento. Permitir a prédios velhos um uso novo. Essa é a ideia central por trás do retrofit. Uma técnica que

consiste em dar segunda vida ao que parecia condenado. Nesta equação, todos saem ganhando. A obra ganha valorização no mercado imobiliário, os moradores passam a viver com mais qualidade e uma infinidade de matéria-prima deixa de ser consumida.

São duas as palavras de ordem: tecnologia e sustentabilidade. É

por meio da primeira que se alcançam os resultados da segunda. “Retrofit nada mais é do que uma reforma de altíssima qualidade”, ensina Orlando Pinto Ribeiro, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo e vice-presidente da AsBEA-PR. “Dizer que a obra é um retrofit é elogiar.” Quem fica com o maior crédito, no entanto, é a própria cidade. “Toda a população sai ganhando com a

30/ arqviva

Foto Kruchin Arquitetura

Foto Arquivo Público Municipal de Jacareí

mudança da paisagem urbana”, destaca Orlando.


Na cidade de Jacareí, no interior de São Paulo, uma fábrica construída em 1918 foi completamente restaurada. A fachada, que estava em ruínas foi restaurada de acordo com o projeto original.

arq arq viva viva/31 /31


Foto Daniel Ducci

Foto Kruchin Arquitetura

Foto Daniel Ducci

Projeto de retrofit da antiga Fábrica Santa Helena inseriu uma cobertura sustentada por tesouras de aço. Um bom exemplo de como materiais contemporâneos se integram com a história da edificação.

Foi o que aconteceu na cidade de Jacareí, no

interior de São Paulo, onde uma fábrica construída em 1918 e tombada pelo patrimônio histórico foi completamente revitalizada. A Fábrica Santa Helena abrigava uma pequena indústria de tapetes. Ao longo dos anos, sofreu com a deterioração. Um projeto de restauro recuperou a fachada, que estava em ruínas, e inseriu uma cobertura susten-

Nem tudo é feito a partir de terrenos vazios. Não podemos

simplesmente derrubar o que temos construído” José Armenio Cruz

tada por tesouras de aço. A alvenaria de tijolos foi reconstituída, respeitando-se a coloração, a textura e resistência do material original. Para os novos espaços o conceito adotado foi da integração ao que já existia. Hoje, o imóvel de 5700m2 abriga um entreposto de alimentos. “Mantivemos os elementos externos e renovamos integralmente o interior”,

32/ arqviva


explica o arquiteto Samuel Kruchin, responsável pela obra. Em outubro de 2011, o projeto venceu a categoria Retrofit do prêmio O Melhor da Arquitetura,

Fotos Walter Morgenthaler

SUSTENTABILIDADE_RETROFIT

concedido pela Revista Arquitetura e Construção, uma das mais importantes do setor.

PATRIMÔNIO LOCAL

O retrofit não é uma ideia nova. Na década de 20,

antigos edifícios e galpões industriais em Nova York foram adaptados para outros usos, dando origem a grandes lofts. De lá, o retrofit foi para a Europa, que

O prédio projetado para ser uma escola é hoje o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. Em 2001, passou por uma grande intervenção que deu origem ao anexo, conhecido como “Olho”.

não à toa é chamada de Velho Continente. Prédios históricos fazem parte da realidade da maioria das cidades. Por isso, nada mais natural que se procurasse uma solução para que o antigo fosse adaptado às necessidades modernas. De olho no sucesso que o retrofit faz por lá, arquitetos brasileiros perceberam que a técnica poderia ganhar contornos verde-amarelos. No Brasil, retrofitar (termo que caiu no gosto dos arquitetos) é dar uma cara nova e recolocar o prédio no mercado com outro valor. Fora daqui, o termo envolve também a estrutura operacional do edifício e todas as melhorias de performance em um contexto de sustentabilidade.

A técnica ganha impulso no Brasil no momento

em que o país começa a pensar maneiras de recuperar áreas degradadas e prédios antigos, em especial nas regiões centrais das grandes cidades, onde a reocupação é considerada também uma questão de segurança. “Não podemos simplesmente jogar fora esse espólio construído, que é uma riqueza que a sociedade produziu, como se isso não fosse um patrimônio”, pondera José Armênio Cruz, um dos pioneiros do retrofit no Brasil. O escritório do arquiteto tem sede na cidade de São Paulo e trabalha com um conceito mais amplo de patrimônio, que não se restringe às construções tombadas. Ele diz que, aos poucos, o mercado imobiliário também começa a mudar a forma de atuar. “Nem tudo é feito a partir

arq arq viva viva/33 /33


Revitalização do entorno das ruas Riachuelo e Barão do Rio Branco mostra como o retrofit pode mudar a paisagem urbana.

O país não pode deixar as estruturas prediais se deteriorando.

Temos que ocupar esses centros urbanos com todos os tipos de habitação “ José Armenio Cruz, arquiteto

34/ arqviva


Fonte: Salvador Gnoato, professor de Arquitetura e Urbanismo da PUC-PR

Foto Daniel Castellano / AGP / Agência de Notícias Gazeta do Povo

SUSTENTABILIDADE_RETROFIT

de terrenos vazios. Não podemos simplesmente

projetado em um primeiro momento para ser es-

derrubar o que temos construído”, argumenta. “Os

cola e depois virou sede de secretarias de Estado,

usos é que mudam e não as estruturas, que podem

tornou-se um museu. Apesar da mudança visível,

e devem ser reaproveitadas.”

as características originais foram mantidas. O pré-

Há 15 anos, quando defendia a reocupação

dio ganhou um anexo construído à base de con-

das regiões centrais das cidades, o arquiteto con-

creto e vidro. A exemplo do restante da constru-

ta que era tido como louco. Ironicamente, hoje o

ção, o “Olho” – como popularmente é chamado

movimento ganhou corpo e dá força para a popu-

– foi projetado por Niemeyer.

larização do retrofit. “O país não pode deixar as es-

truturas prediais se deteriorando”, defende. “Temos

entorno das ruas Riachuelo e Barão do Rio Branco.

que ocupar esses centros urbanos com todos os

Os primeiros projetos da prefeitura de Curitiba fo-

tipos de habitação. A sociedade brasileira tem que

ram desenvolvidos entre 2009 e 2010. A reforma

aprender a morar junto, e não em guetos para os

da rua, entre as praças Generoso Marques e 19 de

ricos e periferias para os pobres.”

Dezembro, promoveu a troca de calçadas e ilumina-

Em Curitiba, o retrofit começa a dar seus pri-

ção, fresagem e recapeamento asfáltico, sinalização

meiros passos. Há alguns anos, a cidade vem pas-

horizontal e vertical, além da renovação do mobiliá-

sando por uma sequência de revitalizações. Nada

rio urbano. Apesar da importância da iniciativa dos

mais são que retrofit. Há pouco mais de dez anos,

proprietários de imóveis, Orlando defende a partici-

uma grande intervenção foi feita no Museu Oscar

pação ativa do poder público para que outras edifi-

Niemeyer. A obra original (chamada, até então, de

cações se incorporarem à nova realidade. “É preciso

Edifício Castelo Branco) foi transformada em um

que a prefeitura conceda incentivos fiscais para esti-

complexo arquitetônico. O prédio, que havia sido

mular a repaginação das áreas centrais”, diz.

Outra obra emblemática é a revitalização do

AS VANTAGENS DO RETROFIT Saiba por que a cidade só tem a ganhar recuperando os imóveis antigos

1

_REDUÇÃO DO IMPACTO AMBIENTAL A adaptação do prédio para a coleta de chuva diminui o consumo de água. _QUALIDADE DE VIDA Um prédio retrofitado oferece mais conforto aos moradores. _VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA A atualização tecnológica e a revitalização da estrutura conferem ao edifício vida mais longa e aumentam o valor do imóvel.

2 3

4

_EFICIÊNCIA ENERGÉTICA A instalação de equipamentos modernos de ar condicionado, a construção de telhados verdes e a atualização da rede elétrica reduz o consumo de energia. _PRESERVAÇÃO HISTÓRICA O retrofit mantém viva a memória arquitetônica da cidade. É preciso, no entanto, que as intervenções respeitem a concepção original do projeto.

5

arqviva /35


JOEL RAMALHO JÚNIOR

ACREDITAVA QUE PODIA MUDAR O MUNDO. TORNOU-SE PROTAGONISTA DE MUITOS CAPÍTULOS DA HISTÓRIA DA ARQUITETURA BRASILEIRA

MODERNISTA CONFESSO POR

BIA MORAES

FOTO

FERNANDO AGUIAR

"

DESIGN

IRAISI GEHRING

A arquitetura não é

uma arte pura,

É uma arte pensada.” Joel Ramalho Júnior

36/ arqviva


_ PERFIL / ARQUITETO

Ele conta histórias sobre um “arquiteto

o mundo”, afirma. “Éramos visionários”, diz

com Bic na mão”. É assim que Joel Ramalho

sorrindo. Para Joel, a redescoberta e valori-

Júnior define os vários períodos em que tra-

zação do movimento modernista da arquite-

balhou em órgãos públicos. Diz que, mes-

tura que se percebem hoje têm um motivo

mo deixando a prancheta de lado nos gabi-

simples: sua atualidade. “Antes de se falar em

netes para assumir a caneta, nunca deixou

sustentabilidade, o modernismo já aponta-

de ser arquiteto e urbanista. “A cabeça é a

va para o uso da luz natural, a circulação e

mesma. Para administrar, é preciso organi-

outros itens que hoje são fundamentais”.

zar informações, pensar estrategicamente e implantar. Nisso, somos bons.”

Como profissional, Joel é discípulo de

A NOVIDADE DOS PRÉ-FABRICADOS

João Batista Vilanova Artigas – curitibano

As obras que assina, presentes em diver-

que revolucionou a arquitetura brasileira nas

sas cidades brasileiras, seguem o tripé

décadas de 60 e 70. Como professor, forma

conceito X projeto X obra. Para ele, arquitetu-

e influencia gerações. Por 25 anos, lecionou

ra é trabalho em equipe. Não à toa, os diver-

Planejamento Arquitetônico na Universi-

sos prêmios que recebeu – 28, no total – são

dade Federal do Paraná (UFPR). Hoje, segue

por projetos criados com sócios ou parceiros.

dando aulas de Projeto na Pontifícia Univer-

sidade Católica do Paraná (PUC-PR). Define

projeto que marcou época: o conjunto resi-

de forma poética – tanto quanto objetiva

dencial no campus da Universidade de São

– o ofício que exerce. “A arquitetura não é

Paulo (Crusp) recebeu o Prêmio Assem-

uma arte pura. É uma arte pensada.”

bleia Legislativa de São Paulo no XXV Salão

Seu nome é referência em arquitetu-

Paulista de Belas Artes e Medalha de Ouro

ra modernista. “Sou daquela geração que

no XII Salão Paulista de Arte Moderna,

acreditava que os arquitetos podiam mudar

respectivamente em 1962 e 63.

As primeiras premiações foram por um

arqviva /37


Imagens arquivo pessoal

Nessa obra, a linguagem arquitetônica

utilizada por Joel Ramalho, Eduardo Kneese de Mello e Sidney de Oliveira leva à utilização extensiva de elementos pré-fabricados, novidade até então. Por isso, o Crusp é considerado a primeira experiência de industrialização da construção em uma grande obra no Brasil – uma prévia, compara Joel, do sistema de

1 2

drywall, hoje comum na construção.

Seguiram-se prêmios e primeiros lugares

em concursos por projetos como o prédio do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) no Rio de Janeiro, o anexo da Assembleia Legislativa do Paraná, o Centro de Convenções de Pernambuco, o Banco do Brasil em Caxias do Sul (RS) e o edifício do Instituto de Previdência do Paraná em Curitiba, entre outros.

Joel também é referência em projetos

hospitalares e assina diversas obras nessa área no Brasil e em Luanda, capital de Angola, na África, pelo escritório Multi Arquitetura e Urbanismo, onde atualmente trabalha.

1. e 2. Entre os inúmeros projetos premiados,

"

Antes de se falar em sustentabilidade,

o modernismo já apontava para o uso da luz natural,

a circulação e outros itens que hoje são fundamentais.” Joel Ramalho Júnior, arquiteto

38/ arqviva

está o do anexo da Assembleia Legislativa do Paraná, de 1976. Joel tem orgulho da obra, um edifício triangular com um vazio interno de sete pavimentos. O projeto foi feito com os então sócios Leonardo Oba e Guilherme Zamoner, com quem Joel venceu diversos concursos. Entre as inovações estava a utilização da luz natural e das correntes de ar, prevendo aquecimento no inverno e esfriamento no verão.


_ PERFIL / JOEL _ PERFIL RAMALHO / ARQUITETO JUNIOR

3. O projeto do edifício do BNDES, no Rio de Janeiro, manteve o declive do terreno que ganhou paisagismo de Burle Marx, criando harmonia visual com o centenário Convento de Santo Antônio e o prédio da Petrobras. 4. O edifício do IPE (Instituto de Previdência do Paraná), em Curitiba, projetado com Luís Forte Netto, José Gandolfi e Vicente de Castro, segue os conceitos do modernismo praticado por Joel Ramalho: espacialidade interna com grandes vazios, circulação intuitiva e foco em soluções tecnológicas. 5. O projeto de 1977 para o Centro de Convenções de Pernambuco, em Recife, traz grandes estruturas horizontais em concreto armado com curvatura e arcos que remetem às ondas do mar. 6. Joerl Ramalho Júnior nos anos 70: “Nessa foto eu tenho bem cara de arquiteto”.

3 4

6

Imagens arquivo pessoal

5

arqviva /39


Foto Fernando Aguiar

Ano passado, Joel Ramalho Júnior rece-

Arquitetura e Urbanismo da Universidade

beu a Medalha de Ouro Oscar Niemeyer,

de São Paulo], que já estavam antenados

concedida pelo Instituto dos Arquitetos do

com as novas ideias”, recorda.

Brasil. É a distinção máxima para a catego-

ria no país. Mas ele não fala muito sobre os

“incitamento à rebeldia” dos alunos, vieram

prêmios – prefere discorrer sobre a pro-

as mudanças na instituição. O arquiteto

fissão e relembrar passagens da vida.

Franz Heep – responsável por obras icôni-

Ele fez parte da turma da Faculdade de

cas como o Edifício Itália, em São Paulo – foi

Arquitetura e Urbanismo da Mackenzie, em

chamado para dirigir o curso de Arquitetu-

São Paulo, que trouxe novos ares para o

ra da Mackenzie. Aí, tudo mudou - “da água

curso. “Ainda se dava muita atenção para o

para o vinho”, lembra Joel. “Embarcamos na

classicismo. Equilíbrio, ritmo, composição...

arquitetura moderna.”

"

Sou daquela geração que acreditava, firmemente, que

os arquitetos podiam mudar o mundo.”

Joel Ramalho Júnior, arquiteto 40/ arqviva

aquelas aulas davam um certo desespero na gente. Enquanto isso, Vilanova Artigas e outros nomes já trabalhavam com o modernismo. Nós prestávamos atenção nos professores da FAU[Faculdade de

Diante do que Joel resume como um

4


_ PERFIL / ARQUITETO 1

2

Imagens arquivo pessoal

3

A VIDA NA BR-116 E OUTRAS HISTÓRIAS

1. Nos anos 60, Joel (ao centro) e o sócio Eduardo Kneese de Mello foram recebidos pelo presidente do Chile, para um congresso naquele país. Recémeleito, o presidente era, também, arquiteto. 2. O espírito esportivo se mantém em Joel, que sempre teve uma relação próxima com a natureza. Os finais de semana na praia com a família eram rotina, assim como períodos na chácara em Almirante Tamandaré, onde chegou a morar. 3. Com o time de basquete da faculdade Mackenzie, batizado de Adamus, Joel Ramalho Júnior conheceu diversas cidades do mundo nos anos 50. Mais tarde, ele abriu uma empresa com o mesmo nome. 4. Leonardo Oba e Guilherme Zamoner, de quem ele foi sócio e com quem ganhou diversos prêmios nos anos 70.

Desde que se formou em Arquitetura,

uma fase profícua”, comenta. Joel se refere

Joel Ramalho Júnior pensava em trabalhar

aos inúmeros trabalhos premiados nesse

com planejamento urbano. Sete anos

período. Vieram, então, diversos cargos em

depois, estava em Curitiba. Mudou-se para

órgãos públicos.

a capital paranaense em meados dos anos

60 a convite do colega Luiz Forte Neto.

1968 e 69, como chefe de Coordenação Re-

O objetivo era trabalhar no Instituto de

gional; foi diretor técnico da Cooperativa de

Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba

Habitação de Curitiba (Cohab) nos anos 70

(Ippuc), órgão que Forte Neto presidia.

e diretor da Coordenação da Região Metro-

O começo não foi fácil. Aos 33 anos,

politana de Curitiba (Comec) nos anos 80,

casado, com um filho pequeno e outro a

para onde voltou em 2007 como diretor de

caminho, Joel enfrentou as amarras da bu-

Planejamento e Transportes. Também foi se-

rocracia: a nomeação para o Ippuc demo-

cretário adjunto deTransportes de Curitiba e

rava a sair. A saída estava na rodovia Régis

secretário do Conselho do Litoral do Paraná.

Bittencourt. As idas e vindas pela BR-116

garantiam a carreira. “Mantive o vínculo

da prancheta”, avalia Joel. “Corri muito atrás

de trabalho com São Paulo, onde traba-

de linha de ônibus”. Desafio compatível

lhava com Eduardo Kneese de Mello - um

para o homem alto que foi jogador profis-

dos melhores arquitetos que conheci. Era

sional de basquete e de vôlei, tendo viajado

arriscado pegar a estradanaquela época,

pelo mundo e até participado dos Jogos

toda semana, mas fazer o quê.”

PanAmericanos em Chicago (EUA), em

1959 – mesmo ano em que se formou em

Em Curitiba, associou-se aos arquitetos

Leonardo Oba e Guilherme Zamoner. “Foi

Joel Ramalho atuou no Ippuc, entre

“Foi gratificante, mesmo estando longe

Arquitetura pela Mackenzie.

arqviva /41


42/ arqviva

Foto Filip Dujardin

Foto Sarah Blee

O museum Aan de Stroom (MAS) é a mais nova atração cultural de Antuérpia. A torre tem 60m de altura e parece flutuar na água (detalhe). Na foto que abre esta reportagem, vista de dentro do museu para o rio Escalda, que banha a cidade.


_ VIAGEM \ BÉLGICA HOLANDA ANTUÉRPIA

BRUGES

Bilíngue Língua holandesa Língua francesa

BRUXELAS LIÉGE

BÉLGICA

ALEMANHA

FRANÇA

A ARQUITETURA É A JOIA MAIS PRECIOSA DE ANTUÉRPIA. A CIDADE BELGA ATRAI PESSOAS DO MUNDO TODO INTERESSADAS NA MISCELÂNEA DE ESTILOS QUE INSPIRAM A ARTE E AS CONSTRUÇÕES

CIDADE-MUSEU POR

FERNANDA PERUZZO, de Antuérpia

DESIGN

R

esponsável por 85% da

IRAISI GEHRING

na arquitetura europeia.

venda mundial de pedras

A região central é um emaranhado de

brutas, Antuérpia sempre

corredores, ruas e travessas com seu passado

se orgulhou de ser uma das

medieval e construções tão impressionantes

mais prósperas cidades da

quanto a Catedral de Nossa Senhora de An-

Europa. Felizmente, para o bem dos amantes

tuérpia, um dos melhores exemplos do estilo

das belas-artes, essa riqueza financiou não só

gótico. Prédios de até cinco andares em estilo

a pintura e a escultura dos chamados mestres

holandês tradicional volta e meia abrem espa-

flamencos, como também a construção de

ço para uma igreja ou uma praça.

prédios públicos, igrejas, praças e palacetes,

A paisagem muda completamente quan-

que seguiam os modismos e os arroubos cria-

do se segue em direção ao leste da cidade.

tivos de seus construtores.

O Meir, bairro comercial, repleto de lojas de

Hoje, quem caminha pelas ruelas medie-

departamentos e redes internacionais, foi

vais do centro histórico ou pelas largas aveni-

durante muitos anos endereço da aristocra-

das abertas no século 20 encontra um variado

cia. Ali, reis, rainhas e até mesmo o impera-

e original conjunto arquitetônico. Fachadas

dor francês Napoleão Bonaparte passavam

do Renascimento aparecem apoiadas em

os seus dias entre passeios ao longo da ave-

igrejas góticas e prédios art nouveau dividem

nida que dá nome ao bairro ou pelos belos

espaço com representantes do rococó. Um

jardins internos das mansões renascentistas,

roteiro imperdível para quem quer mergulhar

neoclássicas e rococós.

arqviva /43


Foto divulgação Foto Filip Dujardin

As pedras vermelhas da fachada do MAS foram trazidas da Índia e talhadas artesanalmente. Mãos esculpidas em alumínio fazem referência ao mito que deu origem ao nome da cidade.

Em direção ao sul, as edificações cres-

cos representantes europeus

simpática referência ao mito que dá ori-

totalmente dedicados à história

gem ao nome da cidade. Conta-se que

do vestuário. Em seu acervo,

um soldado romano cortou as mãos de

mais de 25 mil peças ajudam a

um gigante que subjugava os moradores

explicar o fascínio provocado

da vila em troca de suborno e as jogou no

pelas roupas. A rua também é

rio. Por isso, a cidade é chamada de Hand-

endereço de importantes bu-

werpen em belga (hand = mão; werpen

tiques e lojas de grife, incluindo

= jogar). Mais do que decorativas, porém,

a maison do estilista Dries van

essas mãos representam um importante

Noten, o mais famoso entre os

apoio financeiro ao museu: casa um delas

Antwerp Six.

foi “comprada” por empresas e doadores

cem e ganham corpo art nouveau, art déco

Curiosamente, tanto os fashionis-

particulares, que contribuíram assim com

ou mesmo modernista. Isso até se chegar

tas quanto os novos moradores estão

a construção do edifício e com a consti-

em Zuid, bairro burguês e boêmio por ex-

preferindo morar ao norte, perto do an-

tuição do seu acervo. No local estão ex-

celência, onde as fachadas de inspiração

tigo porto da cidade. A região das docas,

postas cerca de 450 mil obras, entre telas,

neoclássica voltam a ganhar força. É no

chamada Het Heilandje, passou por um

esculturas, objetos e antiguidades.

Museu de Belas-Artes, imponente como

longo processo de revitalização, que

À frente do rio Escalda, que banha a

um chateau francês, que tudo acontece.

durou uma década e coincidiu com a

cidade, o MAS parece confirmar a voca-

Em torno dele é que a vida cotidiana se de-

construção da mais nova atração cultural

ção antuerpiana para as grandes obras e o

senrola e onde a cidade exibe a sua faceta

da cidade, o Museum Aan de Stroom, ou

gosto pelos novos estilos arquitetônicos.

mais moderna: a moda. Essa nova alma

simplesmente MAS. “Nessa torre verme-

Tendência seguida à risca por seu filho

fashion garantiu a renovação cultural da

lha, com 60 metros de altura e que parece

mais ilustre, o pintor Peter Paul Rubens.

cidade de 486 mil habitantes e levou para

flutuar na água, os andares são torcidos,

Expoente do estilo barroco nas artes

lá hordas de jovens aspirantes a estilista.

no intuito de formar uma espiral, que se

plásticas, Rubens também tinha um gosto

Foi uma revolução de estilo que começou

converte em galeria vertical, levando o

especial pela arquitetura e pelos estilos de

nos anos 80. Um grupo de designers de

espectador ao topo da construção”, co-

vanguarda. Sua casa, um típico palácio do

moda saídos da Academia de Artes de

menta a arquiteta Cris Lacerda, que per-

período medieval, foi totalmente refor-

Antuérpia – conhecidos como Antwerp

deu a conta de quantas vezes já visitou

mulada e transformada em um palazzo

Six – surpreendeu o mundo com uma pro-

Antuérpia. Sobre as pedras vermelhas da

romano graças aos projetos e à paciência

posta ousada, experimental e ao mesmo

sua fachada, trazidas da Índia e talhadas

do artista. Mesmo os jardins internos e os

tempo cheia de qualidade. O Museu da

artesanalmente, repousam mais de três

pórticos foram desenhados por ele, de

Moda, na Nationalestrasse, é um dos pou-

mil mãos esculpidas em alumínio, uma

acordo com a moda italiana da época.

44/ arqviva


_ VIAGEM \ BÉLGICA

RIQUEZA ARQUITETÔNICA

ANDAR É A MELHOR MANEIRA DE CONHECER A CIDADE. ENTRE UMA PRAÇA ESCONDIDA E OUTRA, ALGUNS MONUMENTOS E PONTOS TURÍSTICOS SALTARÃO AOS SEUS OLHOS JUSTITIEPALEIS _ Inaugurado em 2006, o Palácio da Justiça, projetado pelo arquiteto Richard Rogers, não é nenhuma unanimidade. A razão da controvérsia é a forma inusitada e pontuda do seu telhado de aço e vidro, semelhante a asas, o que fez os locais apelidarem o lugar de Palácio das Borboletas.

MEIR _ Ao longo de 500 metros, essa rua de pedestres e comércio intenso concentra uma centena de prédios dos mais variados estilos. O palácio funcionou como uma espécie de salão de festas municipal, hoje abriga um shopping center. Perto dali, no número 2 da rua Hopland, o Grand Café

Fotos Cris Lacerda

Stadsfeestzaal, construído em 1908 e que até 2000

Horta rende homenagem ao maior representante do art nouveau belga, o arquiteto Victor Horta. A estrutura de ferro e vidro e a escadaria central, com suas curvas delicadas e insinuantes, foram inspiradas na Casa do Povo de Bruxelas, uma das obrasprimas do arquiteto, destruída em 1965. Felizmen-

Foto CrisCRIS Lacerda FOTOS LACERDA

te, resquícios dessa construção foram preservados.

arqviva /45


Fotos Cris Lacerda

HET STEEN _ Nas margens do rio Escalda, esse pequeno castelo medieval já serviu como fortificação e ponto estratégico para a defesa da cidade. Hoje, o Het Steen (Rua Steenplein, 1) abriga um

GRAND CAFÉ HORTA_ Sua estrutura de ferro e vidro e a escadaria central, com suas curvas delicadas e insinuantes, foi inspirada na Casa do Povo de Bruxelas, uma das obras primas do arquiteto, destruída em 1965.

GROTE MARKET_ Talvez o cartão-postal oficial da cidade, a praça reúne um conjunto de prédios em estilo gótico e renascentista fla-

ONZE-LIEVE-VROUWEKATHE-

frontão em forma de escada, adornados por

DRAAL (CATEDRAL DE NOSSA

estátuas e alto-relevos. Ocupadas pelos nego-

SENHORA DE ANTUÉRPIA) _

ciantes de mercadorias do período medieval,

Foram necessários 169 anos para

essas edificações são o nosso equivalente dos

que a maior igreja gótica dos Países

edifícios das grandes corporações. “Só que,

Baixos fosse construída, mesmo que

ao invés do número de andares, era a altura

apenas em parte. De acordo com o

do frontão que indicava a saúde financeira da

projeto original, a intrincada torre de

casa”, explica o arquiteto Andrew Theunissen, do escritório belga Creneau.

Foto Rangaku

menco dos séculos 16 e 17, caracterizados pelo

123 metros – e até hoje o ponto mais alto da cidade – deveria ser duas.

A prefeitura, construída entre 1561 e 1564,

Quem a vê de perto, porém, jura que

exibe a mesma mistura de estilos. Ao longo dos

nada falta ali, especialmente após os

74 metros de sua fachada principal, o prédio rece-

oito anos investidos no trabalho de

beu mansardas e cumeeiras flamencas e arcadas

restauração. Seu interior, iluminado

italianas. Em frente, a Fonte de Brabo representa

por 55 vitrais e decorada por pinturas

o soldado romano Silvius Brabo, herói da lenda de

de Rubens, é tão incrível quando sua

fundação da cidade, de acordo com a qual ele teve

fachada repleta de esculturas.

que arrancar as mãos do gigante Druon e jogá-las no rio para livrar os moradores do seu jugo.

46/ arqviva

Foto Fernanda Peruzzo

museu naval.


_ VIAGEM \ BÉLGICA

Foto Cris Lacerda

CENTRAAL STATION (Estação Central) _ Antuérpia não poderia ter um melhor cartão de visitas. A estação de trem, de 1905, tem estilo eclético. Exibe nada menos que 20 diferentes tipos de mármore no seu hall principal e uma estonteante cúpula de metal e vidro, projetada por Clement Van Bogaert.

BOERENTOREN _ Um dos primeiros arranha-céus da Europa e até 1950 detentor do recorde europeu de altura entre as construções do gênero, a Torre da KBC (Rua Schoenmarkt, 3) é uma obra-prima do art déco belga, construída entre 1929 e 1932 a partir de uma estrutura de aço e concreto armado. Foto Cris Lacerda

MUSEUS _ Apesar de pequena (são apenas 132 mil metros quadrados de área – descontada a região do porto), a cidade reúne nada menos que 31 museus. Entre eles, os museus da Moda, da Fotografia, da História da Navegação, de Belas-Artes, de Arte Contemporânea e dos Diamantes, claro. Mas é a casa ocupada pelo pintor barroco Rubens durante parte de sua vida o principal centro de peregrinação cultural da cidade. Em pleno bairro Meir, o Museu Rubens (Rua Wapper 9-11) abriga o maior conjunto de pinturas do

Foto Jaap van ‘t Veen

Foto Fernanda Peruzzo

artista, além de sua coleção particular de arte.

COGELS-OSLEI _ “Essa rua, localiFoto Fernanda Peruzzo

zada no bairro art nouveau de Zuremborg, reúne o conjunto arquitetônico mais heterogêneo da cidade”, recomenda a arquiteta belga Agnès Emery.

SINT CAROLUS BORROMEUS (IGREJA SÃO CARLOS BORROMEU) _ Apesar da imponência, essa igreja construída pelos jesuítas entre 1615 e 1621 consegue se manter incógnita em meio aos prédios do centro histórico. Mas o desafio de encontrá-la vale a pena. Sua fachada em estilo barroco foi projetada por Rubens.

arqviva /47





Valores que não têm preço.

Empresa filiada ao


CRIAR, RECICLAR E CONSCIENTIZAR SÃO AS MARCAS REGISTRADAS DO TRABALHO DO DESIGNER BELGA CHARLES KAISIN

BANCO DE JORNAL ALVINO DE LIMA

DESIGN

IRAISI GEHRING

Fotos divulgação

POR

"

Não é porque você trabalha com

material utilizado

que é reciclagem, ele tem que ser sustentável” Charles Kaisin, designer

52/ arqviva


_ DESIGN E CONCEITO

O móvel criado por Charles Kaisin pesa aproximadamente 40 quilos. O tamanho pode variar de 30 cm até sete metros.

CRIAÇÃO E VALOR

Nos objetos-conceito que cria, como o

Newspaper Extendible Bench, Charles Kaisin utiliza materiais recicláveis – neste caso, jornais velhos. A estrutura deste banco parece um favo de mel e fica com a força da madeira – assegura o designer. Além disso, pode ser modelado para adquirir diferentes formatos. Kaisin diz que a estratégia é criar um objeto tão desejável visualmente que torne as pes-

balhadores não capacitados, como prisionei-

mos e colamos”, conta. “Graças a todos ou

soas mais conscientes sobre as questões am-

ros ou pessoas com deficiência mental. Além

alguns destes processos, sem prejulgamen-

bientais. “O processo é bastante longo para

dos bancos de jornal, o designer também

tos, tentamos descobrir uma nova forma de

ser relevante”, argumenta. “Não é porque

desenvolveu outros produtos com material

reutilização de materiais.”

você trabalha com material utilizado que é

reciclado, como copos, utensílios de cozinha

reciclagem, ele tem que ser sustentável.”

e cadeiras. “No escritório, trabalhamos como

com as aulas na Saint-Luc Architecture

Kaisin vai além. Defende que a técnica

um laboratório de pesquisa, com muitas

School, em Bruxelas (Bélgica), onde leciona.

deve ser amplamente difundida para que

experimentações de materiais. Cortamos,

Atua também como diretor artístico de des-

este tipo de mobiliário possa ser feito por tra-

destruímos, dobramos, esticamos, costura-

files de modas.

Kaisin concilia o trabalho de designer

arqviva /53


_ RECORTE DA CIDADE

CURITIBA AINDA RESPIRA

No inverno, temos uma luz e um

pôr-do-sol diferenciado

do resto do ano; geralmente temos céu de brigadeiro” Cleverson Cassanelli, fotógrafo 54/ arqviva

FOTO CLEVERSON

CASSANELLI

Em julho de 2008, o fotógrafo Cleverson Cassanelli subiu ao terraço do prédio onde trabalhava, na rua Sete de Setembro, e registrou o skyline da capital em um fim de tarde. “Curitiba é uma cidade linda, com muito espaço e área verde. A foto mostra esse pequeno núcleo de prédios – uma espécie de ilha dentro de uma paisagem urbana de construções baixas.” Hoje, Cleverson mora em São Paulo. “Aqui, todo o horizonte é dominado por prédios, não há um respiro”, lamenta.




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