CURITIBA_BRASIL
arqviva
®
A R Q U ITE TUR A
_
C ULTUR A
_
ARTE
_
CIDADE
# 003
ESPECIAL
O porto é o point Países no mundo todo investem na
revitalização de áreas portuárias para desenvolver e impulsionar o turismo
RIO DE JANEIRO
A arquitetura maravilhosa de nossa mais famosa cidade
Tendência oriental: Arquitetos japoneses invadem a Europa
nostalgia
Os cinemas de rua voltarão ao cartaz em Curitiba?
I Le Corbusier e seu legado modernista
_ EDITORIAL
Revitalização portuária: o que as cidades ganham? O
mundo parece,
sucesso garantido. Em Baltimore,
governo assumiu a importante
finalmente, ter
nos Estados Unidos, a revitalização
tarefa de fazer os investimentos.
despertado para o papel vital
da área de Inner Harbor gera uma
Acreditamos que com criatividade,
das regiões portuárias no
receita anual de US$ 160 milhões,
e acima de tudo vontade, é
planejamento urbano. Na Europa,
segundo dados da secretaria de
possível. Que a reportagem, que
na Ásia e na América, a palavra de
turismo municipal. Todos os anos,
você lê na página 24, contribua
ordem é a mesma: revitalizar áreas
20 milhões de pessoas visitam
para o debate e sirva de incentivo
urbanas contornadas pelas águas
a cidade – pioneira na onda de
para os nossos governantes
para desenvolver as cidades.
revitalizações em portos.
embarcarem nesta.
Não se trata de aplicar um
O Brasil não fica atrás.
Impulsionado pela Copa do
regiões portuárias mais vistosas.
Mundo e pelas Olimpíadas, o Rio
A ideia é audaciosa: ao recuperar
de Janeiro está tirando do papel
áreas degradadas, é possível
o maior projeto de recuperação
diminuir a violência local e atrair
portuária do país. A repórter
uma nova população para a
Fernanda Peruzzo conversou com
região costeira. Ganha também o
estudiosos e vasculhou exemplos
poder público, que vê seus cofres
no mundo todo. Infelizmente,
engordarem com o dinheiro que
o Paraná não está neste grupo.
vem do turismo. Iniciativas já
Apesar do imenso potencial do
Orlando Ribeiro
concretizadas demonstram que
Porto de Paranaguá em atrair
Presidente da AsBEA-PR
esse tipo de investimento tem
turismo, até o momento nenhum
(2012-2014)
Foto Gerson Lima
verniz apenas para tornar as
_ EXPEDIENTE
arqviva
Diretores
IDEALIZAÇÃO ID Design
Adolfo Sakaguti,
projeto Editorial Publique Editorial
Frederico Carstens, Keiro Yamawaki
www.publiqueeditorial.com.br
CONSELHO EDITORIAL
Projeto gráfico ID Design
ArqViva é uma publicação da AsBEA-PR
Gustavo Pinto, Waldeny Fiuza,
www.designid.com.br
(Associação Brasileira de Escritórios de
Cris Lacerda, Elaine Zanon,
Editora-chefe: Luciana Zenti (MTB 4059-PR)
Arquitetura) em parceria com a ID Design
Adolfo Sakaguti, Francisco Almeida,
Direção de arte: Iraisi Gehring
e Publique Editorial. A reprodução parcial
Margareth Menezes, Keiro Yamawaki
Colaboraram nesta edição:
e Orlando Pinto Ribeiro
Álvaro Borba, Fernanda Peruzzo, Luise Takashina,
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Presidente Orlando Ribeiro Vice-presidentes Waldeny Fiuza, Elaine Zanon, Gustavo Pinto, Franciso Almeida, Gilson Werneck, Margareth Menezes, Clóvis Inácio Bohrer Filho, Cristiane Lacerda
Patrícia Ribas e Rosa Bittencourt (textos). AsBEA-PR • Av. Cândido de Abreu,
Natália Richert (diagramação e ilustração).
427, cj.307-A 80530-903. Curitiba - PR
Andreas Meyer (foto capa). Fausto Tiemann (revisão).
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www.pr.asbea.org.br asbea@asbea-pr.org.br
Foto Malzoni
Foto Urban Redevelopment Authority Singapure
ÍNDICE
46 Sustentabilidade
arquitetura em equilíbrio No meio do terreno havia uma casa bandeirista a ser preservada. A solução? Criatividade e tecnologia de ponta.
24
+
especial
Vida nova aos portos velhos Os projetos de revitalização portuária são um fenômeno global. Conheça o exemplo das cidades que inspiraram o Brasil.
MAIS _
36
Imagem divulgação
Foto Fernando Aguiar
ARTIGO Do que os
portos precisam O economista José Pio Martins explica por que o investimento em infraestrutura portuária é fundamental para o desenvolvimento.
44
ARTIGO Antigas construções
História
Do projeto ao projetor O histórico prédio do quartel da Riachuelo pode ser transformado em cinema de rua.
38
inovando o urbano O arquiteto e urbanista Gustavo Pinto reflete sobre a importância das revitalizações para a cidade.
Imagem Ralph Appelbaum Associates
Foto Divulgação SAANA
ÍNDICE
66 Viagem
Cidade (da arquitetura) maravilhosa Nem só de belezas naturais vive o Rio de Janeiro. A cidade é também um dos mais ricos acervos arquitetônicos do mundo.
52
+
Internacional
Neojaponismo A Europa se rende aos encantos da arquitetura japonesa.
MAIS _
62
Novidades e Inovações
Projetos e construções pelo Brasil e o mundo.
80
ARTIGO A coerência
como legado
Foto Willy Rizzo
Le Corbusier sob o ponto
Revolução em concreto Você sabe quem foi Le Corbusier? Descubra por que a arquitetura brasileira não seria a mesma sem ele.
professor Antonio Castelnou.
74
82
Recorte da cidade O Rio de Janeiro
Foto divulgação
Grandes arquitetos
de vista do arquiteto e
na ótica do arquiteto e fotógrafo Rafael Carlesso.
C
uritiba faz uma merecida homenagem a um dos maiores expoentes da terra dos pinheirais.
AGENDE-SE
Paulo Leminski é tema de uma completa exposição no Museu Oscar Niemeyer (MON), que reflete toda
Curitiba, Brasil
a versatilidade do poeta, escritor, letrista, biógrafo e tradutor. A mostra Múltiplo Leminski, ambientada no “Olho” – espaço que por si só já vale uma visita –
A inquietude de Leminski
mostra facetas inusitadas de Leminski, como o trabalho desenvolvido por ele como redator de agências de publicidade. Impossível não se surpreender com suas peças publicitárias e a maneira como ele emprestou seu talento para vender objetos que de forma alguma compartilham da perenidade de sua obra.
Os textos originais datilografados e corrigidos à
mão são imperdíveis. E está lá também a máquina de escrever que produziu alguns dos melhores textos da literatura brasileira recente. Vá com tempo para dedicar-se à leitura e, assim, conhecer em detalhes o inquieto processo criativo de Leminski. A mostra o apresenta também como grande apreciador das artes populares. Gostava de quadrinhos e de grafite, tanto quanto de poesia.
Além de objetos pessoais, é possível ver fotografias
históricas e depoimentos dele em vídeo. Um grande mapa de Curitiba indica alguns locais que ele costumava frequentar: o Bar Stuart é um dos endereços que aparecem na lista. Lá ele teria escrito o bem-humorado verso “Curitiba não tem mar, tem bar”. A curadoria, feita por Alice Ruiz – com quem Leminski foi casado e teve três filhos – reflete a intimidade do poeta que só pessoas Foto Juvenal Pereira
próximas a ele poderiam conhecer. Aurea e Estrela
SERVIÇO: Múltiplo Leminski Até 31 de março de 2013 Museu Oscar Niemeyer
arqviva
Miguel Paladino assina o design e a ambientação.
A maior parte dos materiais foi emprestada pela
própria família e amigos. Outros objetos vieram do Itaú Cultural, em São Paulo, que em 2009 realizou uma exposição em homenagem aos 20 anos da
Rua Marechal Hermes, 999
morte do escritor. “A exposição em cartaz é a maior
Centro Cívico, Curitiba (PR)
já feita sobre Leminski no Brasil”, garante a diretora
41 3350 4400
16/
Leminski, filhas do casal, são as assistentes da curadoria.
do Museu Oscar Niemeyer, Estela Sandrini.
A exposição reúne 20 dos principais trabalhos do
arquiteto – um dos dois únicos brasileiros a receber o Prêmio Pritzker, o mais importante da arquitetura. Dois filmes foram produzidos exclusivamente para a mostra. A visita inicia com um depoimento de
AGENDE-SE
Paulo Mendes da Rocha sobre a vocação territorial
Vila Velha, Brasil Memórias de Paulo Mendes da Rocha
da arquitetura, incluindo-se aí os rios e os sistemas de transporte. No pavilhão maior, painéis flutuantes apresentam desenhos de vários projetos do arquiteto. A mostra inclui também maquetes de chão e maquetes elevadas. Entre os destaques está a casa do arquiteto, projetada por ele em 1964 e considerada um ensaio sobre as possibilidades de pré-fabricar e industrializar a construção. Outros dois marcos na carreira, retratados na retrospectiva, são o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, construído em 1958, e o restauro do prédio da Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 1993. A visita termina com um filme projetado na parede que encerra o pavilhão de exposições do museu: uma câmera percorre alguns dos trabalhos notáveis do arquiteto, conectando tempo, percurso e obra. A curadoria da
Foto Ana Ottoni
exposição é do crítico e arquiteto paulista
A
Guilherme Wisnik, ex-aluno e ex-colaborador.
SERVIÇO: Paulo Mendes da Rocha:
vida e a obra de um dos mais premiados arquitetos brasileiros
A Natureza Como Projeto
está sendo retratada em uma exposição no Museu Vale, na região
Até 17 de fevereiro de 2013, Museu Vale
metropolitana de Vila Velha (ES). Paulo Mendes da Rocha: a natureza como
Antiga Estação Pedro Nolasco, s/nº
projeto é a mais completa retrospectiva sobre o arquiteto, que nasceu
Argolas (região metropolitana de Vila Velha), ES
em Vitória (ES) e mudou-se ainda criança para a cidade de São Paulo.
27 3333 2484
Imagem eletrônica Paulo Mendes da Rocha
Maquete eletrônica do complexo cultural Cais das Artes, em Vitória (ES), projetado pelo arquiteto para sua cidade natal.
18/
arqviva
AGENDE-SE
Rio de Janeiro, Brasil Foto Jobim Music IACJ
A trajetória do maestro
A exposição ocupa 190 m2 e revela um
novo olhar sobre a trajetória de Antonio Carlos Jobim. Estão presentes as diversas fases de sua produção artística: o período em que viveu em Ipanema, os álbuns gravados nos Estados Unidos, o envolvimento com a Bossa Nova, a ligação com a natureza e o mergulho no cancioneiro brasileiro. Os momentos mais marcantes são retratados em fotos, manuscritos, partituras, móveis e objetos pessoais – entre eles o inseparável chapéu Panamá.
O piano de armário Weimar, que fez parte
da casa na Rua Nascimento Silva 107, está sendo exposto ao público pela primeira vez. Canções emblemáticas como “Corcovado” (1960), “Samba do Avião” (1962) e “Garota de Ipanema” (1963) servem como fundo musical para apresentar alguns registros fotográficos do compositor. A curadoria da exposição é de Paulo Jobim e Elianne Jobim.
E
m seus passeios matinais Tom Jobim conversava com os pássaros e compunha entre as
SERVIÇO: Tom Jobim – Música e Natureza
flores e as árvores do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. O espaço que o inspirou a escrever
Mostra permanente
algumas das mais belas canções da MPB guarda também, desde o final de outubro, parte do
Instituto Tom Jobim
acervo pessoal e da obra do maestro. A exposição permanente Tom Jobim – Música e Natureza
21 2512 0303
está em cartaz no Instituto Carlos Jobim, localizado dentro do parque que fez parte da vida do
Rua Jardim Botânico, 1008
músico e o inspirou a compor.
Rio de Janeiro (RJ)
20/ arqviva
Foto Playboy Architecture, 1953 - 1979 © Burt Glinn_Magnum_HH
AGENDE-SE
Maastricht, Holanda Sexo, arquitetura e design
Foto Playboy Architecture, 1953 - 1979 © David Hurn_Magnum_HH
U
22/ arqviva
m olhar atento revela o que para
acordo com o estudo, a revista masculina teve
muitos leitores da famosa revista
grande influência na produção de arquitetos
Playboy poderia ter passado despercebido:
e designers entre as décadas de 50 e 70,
sensualidade e arquitetura estão intimamente
como Frank Lloyd Wright, Mies van der Rohe,
ligadas. É o que mostra a exposição
Buckminster Fuller, Moshe Safdie e Paolo Soleri.
Playboy Architecture, 1953-1979, em cartaz
no NAiM/Bureau-Europa, um instituto
a Playboy apresentou a arquitetura moderna
dedicado à arquitetura que tem sede na
ao público de massa na época da Guerra
cidade holandesa de Maastricht e organiza
Fria, do surgimento do feminismo e da
palestras e exposições temporárias.
invenção da pílula anticoncepcional.
A exposição também demonstra como
Cidades, edifícios, interiores e mobiliário
sempre tiveram um papel importante no mundo de fantasia da Playboy. “Revolução
SERVIÇO:
sexual e revolução arquitetônica são
Playboy Architecture, 1953-1979
inseparáveis”, garante Beatriz Colomina,
Até 10 de fevereiro de 2013
professora na Princeton University School
NAiM/Bureau-Europa
of Architecture. Colomina estuda o tema há
+31 (0) 43 3503021
três anos e é a curadora da exposição, que foi
Avenue Céramique, 226
baseada em seus trabalhos de pesquisa. De
Maastricht, Holanda
U
ma coleção com mais de 90 imagens contemporâneas do Oriente Médio
Foto Hassan Hajjaj
_ agenda cultural
está em exposição em um dos mais tradicionais espaços culturais de Londres, o Victoria & Albert Museum. Light from the
Middle East: New Photography apresenta o trabalho de fotógrafos de mais de 13 países árabes, entre eles Egito, Irã e Líbano. As imagens retratam os eventos políticos que afetaram a região nos últimos 20 anos, assim como os costumes sociais e religiosos da população.
A mostra explora as diversas técnicas
e linguagens usadas pelos fotógrafos para retratar a realidade em que vivem. Enquanto algumas das fotografias são registros documentais, outras fazem uso de manipulações digitais para questionar se a imagem é sempre um retrato fiel das pessoas, dos eventos e dos lugares.
Trata-se da maior exposição já realizada
sobre o tema. O acervo vem sendo reunido pelo V&A e pelo British Museum com o apoio do Art Fund – um fundo financiado por mais de 90 mil pessoas e que tem como objetivo apoiar a compra de obras de arte por museus e galerias de toda a Grã-Bretanha. A coleção de fotografias do Oriente Médio está sendo reunida desde 2009 como resposta ao interesse pelas artes visuais da região.
Londres, Inglaterra Retratos do Oriente Médio
SERVIÇO:
Light from the Middle East: New Photography Victoria & Albert Museum +44 (0) 20 7942 2000 Cromwell Road Londres, Inglaterra
Foto Nermine Hammam
Até 7 de abril de 2013
arqviva /23
No mundo inteiro, grandes cidades estão se debruçando sobre as águas para criar novos modelos de desenvolvimento urbano e social. O Brasil também está seguindo esta onda e espera impulsionar o turismo com os investimentos em revitalização portuária
Vida nova aos portos velhos fernanda peruzzo Foto Andreas Meyer
por
24/ arqviva
_especial_urbanismo
A Ponte da Mulher, inaugurada em 2001, obra do espanhol Santiago Calatrava, é um dos marcos arquitetônicos de Puerto Madero.
D
epois dos arranha-céus, dos subúrbios
Aires, Baltimore e Barcelona, os exemplos mais
de luxo e dos centros comerciais de
bem-sucedidos deste tipo de transformação e
múltiplas vocações, voltar-se para
cujos novos-velhos portos, pitorescos por sua
as águas parece ter se tornado a nova tônica
história ou conjunto arquitetônico, são pontos de
urbanística. Os projetos de revitalização portuária
visitação obrigatória. Com seus dois gigantescos
são um fenômeno global. Apoiados na ideia de
eventos esportivos no programa de atrações
reaproximar a população de suas regiões costeiras,
para os próximos anos, o Rio de Janeiro promete
resgatar áreas degradadas e atrair investimentos,
engrossar esta lista. O plano de recuperação do
estes projetos agem como liftings faciais, reti-
antigo porto carioca é a maior obra financiada
rando de cena os defeitos mais evidentes para
com recursos público-privados em execução no
exibir uma aparência mais fresca e renovada, sem
país neste momento. Orçada em mais de R$ 8
deixar de guardar seus traços originais. Detalhe
bilhões, ela promete mudar a cara da cidade e
que se mostra especialmente eficiente na hora
elevar de 22 mil para mais de 100 mil o número de
de fomentar o turismo. Que o digam Buenos
habitantes do local – sem mencionar os visitantes.
arqviva /25
Inner Harbor, em Baltimore, nos Estados Unidos, foi o caso que deu origem a este cidades portuárias, a desativação do seu porto central no início do século 20 deixou marcas profundas na dinâmica da cidade, que a transferência dos serviços de transporte marítimo de cargas para um novo endereço, mais distante e capaz de receber navios de grande calado, só fez piorar. Com pátios e
Seguindo o projeto de Alberto Varas, o galpão da doca 7 que servia como depósito portuário foi transformado em espaço de uso misto, onde escritórios e lofts coexistem. Foto Iván Utz
fenômeno. Assim como em boa parte das
docas esvaziadas, logo as vielas, calçadas e construções abandonadas tornaram a região a pior vizinhança dessa cidade da costa leste americana, 320 quilômetros ao sul de Nova York. Cansados da falta de segurança e da imagem decadente da área, a sociedade civil, políticos e arquitetos se mobilizaram para colocar em prática um conjunto de reformas e melhorias para promover uma transformação paisagística. O projeto era ousado: trazer a população de volta. Para isso, seriam construídos shopping centers, um aquário, parques, passeios e uma marina para pequenas embarcações, em uma extensão de 300 hectares. A estes atrativos, logo juntaram-se edifícios modernos, hotéis e torres de escritórios. A partir de 1966 e ao meio a um gigantesco canteiro de obras. Mas tal incômodo compensou. Não só os moradores
Foto David Iliff
longo de 15 anos, os habitantes viveram em
voltaram a frequentar este bairro à beira-mar como os turistas afluíram também, atraídos pela novidade. Hoje, estima-se que 20 milhões de pessoas visitem a cidade a cada ano, movimento que gera uma receita de cerca de US$ 160 milhões, de acordo com dados oficiais da secretaria de turismo municipal. “Baltimore é o exemplo paradigmático de reincorporação
Os projetos de revitalização portuária são um fenômeno global. Atraem a população para as regiões costeiras e fomentam o turismo.
26/ arqviva
_especial_urbanismo dos portos abandonados à cidade”, concorda até mesmo cidadãos que se ofereceram para
Nas próximas páginas você vai conhecer
a arquiteta Verena Andreatta, professora da trabalhar de graça, tudo pelo sonho de mudar cidades que se destacaram por apostar na Universidade Politécnica da Catalunha e autora a história de sua cidade. Vinte anos depois, revitalização portuária como propulsora do do livro Porto Maravilha: Rio de Janeiro + 6 o local atrai 16 milhões de pessoas por ano. turismo local. Cada uma delas seguiu um
casos de sucesso de revitalização portuária. “A São catalães, europeus e turistas de todo o caminho diferente para alcançar um mesmo partir dele, o patrimônio histórico e industrial mundo que se deslocam não só para passar resultado: o desenvolvimento. portuário começou a ser encarado como dias de sol em sua bela praia e aproveitar os elemento urbano rico, que oferece grande passeios para praticar exercícios ou simplespotencial construtivo e pode abrigar centros mente apreciar a vista, mas por conta de suas culturais e áreas de lazer.”
atrações culturais e de entretenimento, que
Barcelona, um dos principais destinos incluem um aquário, o Museu de História Catalã turísticos da Espanha, não duvidou da eficiên- e um complexo de cinemas e restaurantes. cia dessa fórmula nem se privou de copiá-la.
Na América do Sul, o bom exemplo vem
Motivado pela realização das Olimpíadas de de Buenos Aires. Nossos vizinhos argentinos 1992, o então prefeito Pasqual Maragall colo- viram o poder da vontade política criar uma cou um fim à má fama do entorno portuário área de interesse público onde antes não ao aceitar o desafio de abrir o caminho até existia nada além de guindastes e containers. o mar e mostrar aos próprios habitantes os Puerto Madero retirou a zona leste portenha encantos escondidos de sua orla. Até o início do ostracismo com seu conjunto arquitetônico das obras, nos anos 80, o Port Vell oferecia moderno e uma nova proposta habitacional, um grande obstáculo à população, que se onde os galpões foram aproveitados, reforvia privada do contato com as águas claras mados e convertidos em lofts. Ainda que do Mar Mediterrâneo. Assim como no case venha sendo tachado de uma bolha elitista, americano, o comprometimento público foi seu legado é inegavelmente positivo (leia a fundamental para o sucesso do projeto. Em entrevista com o arquiteto Alberto Varas na declarações oficiais, Maragall afirma que houve página 28).
Barcelona investiu na revitalização do Port Vell para receber as Olimpíadas de 1992 e hoje atrai turistas do mundo todo.
arqviva /27
O homem das docas
Cartões-portais retratam monumentos e endereços emblemáticos de uma cidade ou país. Alberto Varas, arquiteto argentino que é o principal divulgador do projeto Puerto Madero, pode se orgulhar de ter concebido dois
ARQ VIVA: Puerto Madero se tornou um exemplo
o transporte público. A chegada aqui continua
bem-sucedido de recuperação de áreas portuárias
a ser difícil, sem contar que o uso de veículos
e espaços públicos degradados. Em sua opinião,
particulares aumenta a poluição ambiental e sonora.
o que faz este projeto ser tão importante? Alberto Varas: Do ponto de vista do urbanismo,
ARQ VIVA: Projetos semelhantes estão em
a importância do projeto reside, mais do que
execução em todo o mundo. Podemos falar
tudo, em ter sido o primeiro grande trabalho
de um fenômeno urbano?
contemporâneo a criar um novo espaço urbano
Alberto Varas: Há muitos projetos desse
na cidade a partir de uma grande infraestrutura
tipo no mundo, mas ainda poucos na América
obsoleta. Ele se distingue pela recuperação
do Sul. A maioria desses projetos está integrada a
da relação com o rio da Prata e por permitir a
transformações de infraestrutura urbana bastante
emergência de uma paisagem urbana diferente
complexas, como o sistema de transporte e
em concordância com sua geografia costeira.
grandes parques urbanos. Outros, já concluídos,
s docas 7 e 8 de Puerto Ma-
aproveitaram a realização de grandes eventos,
dero, com seus tijolos verme-
ARQ VIVA: Em pouco mais de dez anos, mais de 1
como Barcelona e os Jogos Olímpicos de 1992, ou a
lhos e arquitetura em estilo industrial
milhão de metros quadrados já foram construídos
comemoração do quinto aniversário da descoberta
inglês, são os símbolos deste bairro
em Puerto Madero. Além dessa nova área urbana,
da América, em Gênova, para recuperar suas áreas
criado em Buenos Aires ao longo dos
que outras mudanças este projeto trouxe para a
costeiras. A Copa do Mundo e as Olimpíadas no
últimos vinte anos e que atualmente
vida dos habitantes de Buenos Aires?
Brasil oferecem uma enorme oportunidade para
A
representa o lado mais moderno da
Alberto Varas: Um dos efeitos mais importantes
capital argentina. O trabalho de retro-
do desenvolvimento urbano de Puerto Madero foi
se criar novos espaços públicos e infraestruturas mais modernas nas cidades costeiras.
costurar o Norte ao Sul da cidade através do seu cais, de valor patrimonial e paisagístico. O Sul sempre foi
ARQ VIVA: Do ponto de vista arquitetônico
acabou deixando uma marca na bio-
uma área degradada da cidade, principalmente nas
e urbanístico, estes projetos oferecem também
grafia profissional de Varas, ele próprio
proximidades da margem do rio. Esta intervenção,
grandes oportunidades aos arquitetos.
convertido graças a esta operação em
além das outras que se seguiram, conseguiu
Alberto Varas: Sim. Mas também é
um dos maiores especialistas em revi-
iniciar a recuperação dessa região. Além disso, a
importante que nós, arquitetos, estejamos
talização portuária do mundo.
liberdade de ação que fornece este solo urbano
preparados para resolver estes projetos de grande
que não está sujeito a restrições construtivas tem
complexidade em conjunto com profissionais
permitido o desenvolvimento de novos programas
de outras disciplinas para amenizar o impacto
e tipologias arquitetônicas inovadoras, tanto em
de obras deste porte. A revitalização portuária é
instalações residenciais como no que diz respeito
um processo metabólico, que gera sofrimento
aos equipamentos urbanos.
à cidade com suas demolições e construções.
ARQ VIVA: Quais foram as maiores lições
ARQ VIVA: Mas eles também podem mudar e melhorar
ensinadas pelo Projeto Puerto Madero?
a relação dos moradores com suas frentes-de-água?
Foto divulgacão
fit destes prédios-monumentos foi tão significativo no contexto da obra que
A Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil oferecem uma enorme oportunidade para se criar novos espaços públicos nas cidades costeiras.” Alberto Varas, arquiteto
28/ arqviva
Alberto Varas: No geral, a experiência de
Alberto Varas: A revitalização das áreas
Puerto Madero pode ser considerada muito bem-
portuárias melhora substancialmente a qualidade de
sucedida, especialmente em seus mecanismos de
vida das cidades costeiras. Os antigos portos em si
gestão. No entanto, alguns aspectos de conteúdo
contêm um grande potencial, com uma paisagem
urbano mostram fragilidades. Devido à qualidade
pós-industrial que pode ser convertida em espaços
do local e, consequentemente, ao preço da terra,
públicos e de paisagismo. Naturalmente, eles se
produziu-se ali uma alta concentração de recursos
tornam pontos de passeio nas cidades e é por isso
da população, sem exceções. Não foi levada em
que tantos municípios estão concentrados nisto.
conta a necessidade de áreas residenciais e espaços
Mas para uso turístico, estas obras requerem uma
de trabalho para a população de renda média, o que
revisão mais aprofundada, que ofereça espaços
teria proporcionado uma maior integração social
públicos que agreguem outras características,
no bairro. Outro aspecto que não foi bem resolvido
sejam elas culturais, como em um museu, ou de
inicialmente e deve ser melhorado no futuro é
lazer, como nos aquários e restaurantes.
Cingapura Revitalização futurística no distrito financeiro
Quarto lugar mundial no ranking de ne-
O complexo comercial e hoteleiro Marina cruzeiros internacionais.
gócios e uma das nações mais prósperas do Bay Sands, composto por três torres idênticas
Diferentemente das obras do lado de cá
mundo, apesar da enxuta população de 4,4 de 50 andares, ficou famoso por sua piscina do mundo, o usufruto deste marco urbano milhões de habitantes em um território insular panorâmica instalada na cobertura, em for- asiático não ficará restrito à contemplação ou de 699 quilômetros quadrados, Cingapura ma de bote. Além das calçadas cobertas, a a uma rotina de trabalho e lazer sobre a terra, não se envergonha de estar alterando suas infraestrutura urbana da região de pouco nos parques e passeios arborizados. As águas feições para exibir uma face urbana mais mais de 300 hectares conta com sistemas do rio Cingapura, que desaguam nessa baía ocidental. Por meio da arquitetura, o governo subterrâneos para circulação de pedestres aterrada em 1970, poderão ser usadas por seus pretende transformar esta cidade-estado em conectados às estações de transporte cole- habitantes para a prática de vela, windsurfe e uma versão tropical de Nova York, Paris ou tivo, tudo para garantir que ninguém falte até mesmo pescaria – sem contar que serve mesmo Londres quando o assunto é mercado ao trabalho, independente do clima. Para como reservatório para a cidade. financeiro. O ambicioso projeto de revitalização ser dado como completo, este projeto de batizado de Marina Bay é o ponto de ouro US$ 14 bilhões, também custeado a partir desta operação. Em construção desde 2000 de uma parceria entre governo e empresas, e com a maior parte das obras já finalizadas, o ainda precisa ver finalizado um terminal de novo distrito financeiro agrupa arranha-céus suntuosos, cassinos, a maior roda-gigante do mundo e um futurístico jardim botânico, o Gardens By the Bay.
30/ arqviva
O projeto de revitalização, batizado Marina Bay, agrupa arranha-céus, cassinos, jardim botânico e a maior roda-gigante do mundo.
de Foto Urban Redevelopment Authority Singapure
Arranha-céus modernos, mas também jardins, passeios e áreas de lazer: o prospecto do novo porto de Cingapura privilegia o bem-estar da população.
_especial_urbanismo Rio de Janeiro Atrações culturais no porto carioca O Brasil está a um passo de se unir a compõem a região portuária e seu entorno das torres terão 60 metros de altura acima este grupo. As obras da chamada Opera- serão modificados. ção Porto Maravilha fazem parte do pacote
Como nas revitalizações-modelo, a cria-
do solo, e uma delas, 120 metros. A venda de Certificados de Potencial
olímpico que está alterando a rotina dos ção de novos espaços culturais é a principal Adicional de Construção é que vai permitir cariocas desde 2009, quando a cidade não âncora deste projeto. O Museu do Amanhã tal marca na silhueta do Rio. Os recursos passava de uma candidata a sede dos jogos. leva a assinatura do arquiteto espanhol captados fazem parte da Parceria PúblicoAssumidamente inspiradas pelo modelo Santiago Calatrava. Instalado numa área -Privada que está viabilizando todas essas espanhol, as transformações incluem urba- de 30 mil metros quadrados no Píer Mauá, mudanças. Esta espécie de sociedade facilita nização da área das docas, inauguração de cercado por jardins, espelhos d’água e áreas o financiamento privado de obras públicas dois museus, implantação de uma rede de de lazer, a edificação de 15 mil metros qua- em troca do direito de explorá-las mais tarde. Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), amplia- drados foi concebida para ser sustentável. Apenas a primeira fase do projeto, concluída ção do sistema viário, abertura de ciclovias, O sistema de climatização interna utilizará no primeiro semestre deste ano, teve como melhorias da infraestrutura de água, esgoto as águas da Baía de Guanabara enquanto origem de financiamento os cofres públicos: e escoamento e, ainda mais importante, a placas fotovoltaicas de captação de energia R$ 136 milhões foram usados na melhoria de demolição do Viaduto Perimetral, o minhocão solar vão garantir a iluminação das obras. Na calçadas, iluminação pública e das redes de carioca, apontado como o responsável pelo Praça Mauá, o Museu de Arte do Rio (MAR), água, esgoto, gás e drenagem. A segunda esvaziamento de toda esta grande fatia do ao contrário, vai reabilitar duas construções já fase, mais longa e também a mais visível, só centro histórico, separando os moradores existentes: o palacete Dom João VI, em estilo deve terminar em 2016. “Temos uma região do mar. Exatos 4,5 quilômetros deste algoz eclético, da época imperial, e um edifício muito rica em valor histórico e arquitetônico serão demolidos. Para compensar a ausên- modernista. Para completar o novo perfil que esta operação urbana está potencialicia, outros quatro quilômetros de túneis e da cidade, uma parceria entre a Odebrecht zando. Ela promoverá uma transformação duas avenidas expressas serão construídas, Realizações Imobiliárias e a Performance profunda”, declara o presidente da Companhia além de 70 quilômetros de novas vias. Ao Empreendimentos Imobiliários vai erguer de Desenvolvimento Urbano da Região do
Imagem simulação digital Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro
todo, os 5 milhões de metros quadrados que sete torres corporativas e dois hotéis. Quatro Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), Jorge Arraes.
A revitalização vai alterar a silhueta carioca: graças aos Cepacs, os novos prédios poderão ter até 60 andares.
arqviva /31
Santos Investimento privado na recuperação oficinas mecânicas. Pedestres e ciclistas serão do mais importante porto brasileiro privilegiados, e não os carros. Ao invés de
quadrados, em um projeto que, se não é valorizado por um plano estético apurado,
O Projeto Valongo Santos vai tirar da
ruas, o projeto prevê a abertura de grandes
pelo menos vai resolver o problema da
marginalidade os armazéns mais antigos
passeios e faixas para bicicletas. A ligação
falta de conforto de quem chega ao local,
do maior porto da América Latina. Sem uso
entre a cidade e a linha d’água será feita
atualmente o terceiro maior destino de
há décadas, apesar do volume intenso de
por meio de VLT. E os caminhões, pesadelo
cruzeiros marítimos do país, atrás apenas
trabalho por ali (quase 30% do comércio
deste oásis urbano, que hoje cortam o bairro
de Santos e Rio de Janeiro. “O terminal terá
exterior do Brasil), todo o espaço entre os
do Valondo, serão desviados para baixo do
sistema de refrigeração e será construído
galpões 1 e 8 será readequado para fun-
solo: uma passagem subterrânea deve sair
de acordo com os padrões internacionais”,
cionar como complexo de lazer e náutico
do papel já no ano que vem.
garante o presidente da Companhia de
a partir de 2013. Um centro de convenções,
Docas do Estado da Bahia (Codeba), José
um museu portuário, bares, restaurantes,
Salvador
Muniz Rebouças. “Mais do que o legado da
galerias de arte e até mesmo a nova sede do
Incentivo ao turismo em tempos de Copa do Mundo
Copa para a cidade, esta obra vai marcar o
Instituto Oceanográfico da Universidade de
início do processo de revitalização de todo
São Paulo (USP) vão ocupar os espaços hoje
Um novo terminal de passageiros tam-
o bairro do Comércio”, finaliza.
ociosos. A estrutura totalizará 140 mil metros
bém promete melhorar a vida dos 260 mil
quadrados de área construída, incluindo as
passageiros que fazem escala na capital
edificações restauradas, novas construções
baiana a cada ano e modernizar o Porto de
O atraso de Paranaguá
e intervenções em terra e no mar.
Salvador, o mais antigo do país, justamente
Apesar do grande potencial turístico, o porto paranaense ainda sofre com a falta de investimentos para atrair visitantes
Pelo menos R$ 555 milhões serão in-
no ano do seu centenário. A obra orçada
vestidos. Boa parte destes recursos virá da
em R$ 30,2 milhões faz parte do Programa
iniciativa privada. Além disso, a prefeitura
de Aceleração do Crescimento (PAC da
pretende criar um novo terminal de pas-
Copa) e prevê a construção de espaços de
sageiros, capaz de receber até três navios
lazer, restaurantes e toda a infraestrutura
ao mesmo tempo e 12 mil passageiros por
de um receptivo turístico, como guichês
dia. Com as obras, o porto finalmente vol-
alfandegários e áreas para o despacho de
tará a ter contato com o Centro Histórico
bagagens e check-in. Os galpões 1 e 2 serão
vel por 4,9% do movimento de cargas do Brasil,
e o Valongo, antigo bairro aristocrático da
demolidos para dar lugar às novas estruturas
o Porto de Paranaguá passa ao largo do conceito
cidade, hoje às voltas com borracharias e
que ocuparão uma área de 3,4 mil metros
de abandono se comparado com as demais zo-
T
erceiro maior porto público do país, com três quilômetros de berços (pontos de
atracação das embarcações no cais) e responsá-
nas portuárias citadas nesta matéria. Mesmo as-
Do mais movimentado ao mais humano: reformas vão integrar áreas entre os armazéns 1 e 8 ao centro histórico de Santos.
Foto Germano Lüders / Abril Imagens
sim, seu entorno e sua infraestrutura estão longe de ser exemplares. Falta ao grande canal de escoamento de soja e grãos um lado mais humano.
A cidade também vive às moscas quando
o assunto são atrativos culturais e de lazer. A tal ponto que até mesmo a construção de um terminal de passageiros, em fase inicial de estudos de viabilidade, esbarra no problema do déficit de hospedagem e infraestrutura turística. “Existe esta proposição de um plano piloto de expansão para ser executado dentro de 10 a 20 anos, que poderia dar uma cara mais amigável ao porto”, comenta o arquiteto e professor Carlos Garmatter Netto, da Secretaria de Turismo do Estado do Paraná. “No entanto, ela se limita à criação de um terminal de passageiros, que para sair do papel terá de estar conectada a um grande complexo hoteleiro”, acrescenta.
32/ arqviva
Hamburgo
(Alemanha)
Quando estiver concluído, em 2025, HafenCity será um marco no desenvolvimento urbano alemão. Porque mais do que uma revitalização, este projeto constitui um plano de expansão que aumentará em dez vezes a população desta região de 157 hectares a pouco mais de um quilômetro do centro e hoje ocupada por menos de 2 mil moradores. Para isto, serão criados espaços de uso misto, onde residências e escritórios, parques e museus irão coexistir. Até mesmo uma ópera vai ser erguida, projetada pelo renomado escritório de arquitetura suíço Herzog & de Meuron, buscando garantir à cidade a estada dos turistas culturais, que hoje preferem seguir viagem até Munique e Berlim. Para bem recebê-los, a nova zona portuária ganhará até mesmo um terminal de passageiros, provando assim que as requalificações não precisam eliminar de vista a vocação original da área.
34/ arqviva
Imagem digital Herzog & De Meruon
Baltimore , nos Estados Unidos, foi pioneira na revitalização portuária. Em todo o mundo, a fórmula aplicada pelos norte-americanos inspirou alterações importantes no desenho urbano de diversas cidades cujo histórico marinho e naval representavam um entrave ao desenvolvimento
Imagem digital Herzog & De Meruon
De vento em popa
_especial_urbanismo
Glasgow
(Escócia)
Foto Adauto Rodrigues
Segunda maior cidade escocesa, Glasgow resolveu fazer as pazes com o rio Clyde e tirar proveito de sua vocação portuária. Desde 2003, as margens do rio e toda a região do antigo porto, que já foi o mais importante ponto de comércio exterior da Grã-Bretanha, viraram um canteiro de obras de onde estão saindo prédios residenciais novinhos, centros comerciais modernos, um novo distrito financeiro e um museu de fazer inveja a qualquer metrópole. Assinado por ninguém menos que a angloiraquiana Zaha Hadid, o Riverside Museum já é um dos pontos turísticos mais badalados da terra da rainha. Em seus seis primeiros meses, o edifício que guarda a história naval da cidade atraiu 1 milhão de turistas. Contando com as iniciativas privadas, a metamorfose dos 20 quilômetros desta frente-de-água terá 250 novos empreendimentos e custará 6 bilhões de libras aos cofres públicos.
(Brasil)
Primeiro case brasileiro de revitalização portuária, as Estações das Docas de Belém fizeram do antigo porto fluvial um epicentro cultural, gastronômico e de entretenimento, que recebeu mais de 1,1 milhão de visitantes em 2011. O complexo construído à beira da baía de Guajará e projetado pelos arquitetos Paulo Chaves Fernandes e Rosário Lima estende-se por 500 metros. Três armazéns construídos com ferro importado da Inglaterra foram inteiramente recuperados. Juntos, eles somam 32 mil metros quadrados e constituem uma amostra única da arquitetura da segunda metade do século 19, quando o norte do país viveu o auge da exploração da borracha. Já o galpão Mosqueiro-Soure foi convertido em terminal turísticohidroviário. Também ali, à beira do rio, as fundações da Fortaleza de São Pedro Nolasco, edificação do século 17 demolida em 1841, receberam um tratamento paisagístico e hoje abrigam um anfiteatro.
Foto Ian McLean
Belém do Pará
Toronto
Foto Nicola Betts
(Canadá) Da metrópole canadense vem mais um exemplo de ocupação inteligente das orlas e regiões de frente-de-água. O WaterfrontToronto é um plano global de revitalização subdivido em seis operações distintas que estão em execução na cidade e incluem, claro, a reabilitação do porto e sua conversão em um agradável espaço de convívio público, onde pátios de caminhões dão lugar a parques, como o Tommy Thompson, e campos de esportes, onde há espaço até para o futebol. Na parte oeste da costa urbana, que soma uma área de 32 hectares, um novo bairro será construído do zero. Em West Don Lands, as famílias contarão com 6 mil novas unidades residenciais e mais dez hectares de áreas verdes para lazer.
arqviva /35
Ilustração Natalia Richert
Artigo_
por
José Pio Martins *
Do que os portos precisam N
"
Nossos portos precisam
de ampliação de sua capacidade de movimentação e de
modernização tecnológica.”
36/ arqviva
ão há crescimento
Tendo em conta que o co-
erro andou acontecendo nos
econômico e, por
mércio exterior é decisivo para o
aeroportos. Uma montanha de
consequência, desenvolvimento
progresso e que as vendas exter-
dinheiro foi gasta em obras de
social sem que os investimentos
nas brasileiras vêm aumentando,
embelezamento e expansão do
em infraestrutura física ocorram
a conclusão é de que ou os por-
comércio interno dos terminais
em níveis suficientes para su-
tos recebem investimentos para
sem melhorar o que realmente
portar o aumento do Produto
superar os enormes gargalos
importa: a capacidade de operação
Interno Bruto (PIB). Para crescer
ou a economia nacional vai ser
de aviões e o suporte ao aumento
5% ao ano, o Brasil teria de inve-
prejudicada e o desenvolvimento
do número de passageiros.
stir 25% de seu PIB anualmente,
social não será alcançado.
e está investindo apenas 19%.
As ideias de revitalização
dados começarem a ser em-
Por isso, ou o Brasil aumenta os
dos portos brasileiros são sem-
belezados, sem aumento da
investimentos ou a chance de
pre bem-vindas, mas com uma
capacidade de movimentação de
eliminar a pobreza nas próximas
ressalva importante: nossos por-
cargas e a melhoria tecnológica
duas décadas pode ser perdida.
tos precisam prioritariamente de
dos equipamentos, novamente
Entre os investimentos na
ampliação de sua capacidade de
estaremos entrando numa onda
infraestrutura física, os principais
movimentação e de modernização
de desperdício de dinheiro pú-
estão nos setores de energia,
tecnológica. Sem isso, nenhuma
blico e obras irrelevantes para
telecomunicações, transportes,
obra de revitalização terá o poder
a solução dos problemas que
portos, aeroportos e armazena-
de resolver o atraso no setor.
realmente interessam.
gem. Desse grupo, os investi-
mentos em portos ocupam uma
perigosa, pois pode dar margem
posição especial: eles são a porta
à aplicação de recursos em obras
de saída para o mundo e devem
ornamentais e de embelezamento
ser em tamanho suficiente para
que em nada vão aumentar a ca-
suportar o fluxo de exportações
pacidade de movimentação e
e importações do país.
a atualização tecnológica. Esse
Se portos velhos e malcui-
A expressão “revitalização” é
*José Pio Martins é economista e reitor da Universidade Positivo.
Roof Tech
R
A revitalização do antigo quartel do Exército na rua Riachuelo, no centro histórico de Curitiba, promete trazer de volta à cidade a nostalgia dos antigos cinemas de rua
Do projeto
ao projetor por
Álvaro Borba
O
s esforços para encon-
da década de 1930. Originalmente eram
trar uma nova vocação
despidas de qualquer mobiliário, para que
para o centro histórico
houvesse mais espaço para as dezenas de
de Curitiba podem res-
jovens enfileirados que aguardavam seus
suscitar dois dos mais
exames de admissão nas Forças Armadas.
tradicionais cinemas de rua que a cidade já
Em 2012, os arquitetos responsáveis pelo
teve. A rua Riachuelo, revitalizada em 2010,
projeto do Cine Passeio perceberam que
prepara-se para receber as novas encarna-
elas dariam boas salas de projeção. Elas
ções do Ritz e do Luz. As salas de projeções
terão capacidade para 112 pessoas. “Além
seriam instaladas em um prédio histórico e
do cinema, haverá também um núcleo de
ajudariam a compor um núcleo de produção
produção audiovisual, com cursos volta-
audiovisual batizado como Cine Passeio.
dos para a área”, explica o arquiteto Mauro
A ideia é que o centro cultural ocupe
Magnabosco, do Instituto de Pesquisa e
uma antiga instalação do Exército na es-
Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).
quina da Riachuelo com a rua Presidente
Junto com Dóris Teixeira, ele responde pelo
Carlos Cavalcanti. Na construção, erguida
projeto do centro cultural. Magnabosco
em 1932, era feita a triagem dos recrutas
acredita que as atividades podem atrair
curitibanos para o serviço militar. O prédio
um público novo para a Riachuelo: “Até o
possui duas salas amplas, cujas dimensões
comércio da região vai precisar se adaptar.”
impressionam até mesmo para os padrões
Uma parceria entre a prefeitura e o SebraePR já se adiantou a isso. O programa “Varejo Mais” oferece consultoria individual e treinamento em áreas como finanças, vendas e composição do visual da loja.
Além do cinema, haverá também um núcleo de produção audiovisual, com cursos voltados para a área.” Mauro Magnabosco, arquiteto do Ippuc 38/ arqviva
_História_Cinemas de rua
Imagem Divulgação
O projeto do Cine Passeio prevê a instalação de um centro cultural e o retorno dos antigos cinemas Ritz e Luz.
arqviva /39
Foto João Batista Groff
O footing da rua XV, na saída das matinês, quando a região ainda era conhecida como a Cinelândia Curitibana.
A morte da Cinelândia Curitibana O projeto do cine passeio prevê duas salas de projeção batizadas como luz e ritz, em homenagem a dois dos mais tradicionais cinemas de curitiba
O
Luz iniciou suas atividades em 1939, em um prédio que ficou famoso por ser propício a alagamentos. Em 1961, foi destruído por um incêndio durante a exibição
de “O homem do Sputinik”, de Carlos Manga. As atividades foram retomadas em 1985, em uma nova sede, na Praça Santos Andrade. Foi nesse endereço que o Cine Luz sobreviveu até novembro de 2009. O Luz foi o último cinema de rua de Curitiba a fechar as portas. O Ritz, que também será homenageado pelo Cine Passeio, teve um fim igualmente melancólico. A última exibição realizada foi a do filme “A Casa dos Bebês”, em abril de 2005. Consta que os projetores foram ligados apenas para cumprir um triste ritual de despedida: não havia ninguém na plateia. Em seus últimos dias, o Ritz tinha uma projeção deficiente e o áudio era sofrível. Problemas contratuais entre a Fundação Cultural de Curitiba, que administrava o espaço, e o dono do imóvel também contribuíram para o fim. Inaugurado em 1948, o Ritz ajudou a dar sentido à expressão “Cinelândia Curitibana”, como era chamada a Rua XV de Novembro. A concentração de cinemas na região desde a década de 1920 fez nascer a tradição do footing da Rua XV. “Terminadas as matinês em nossos cinemas, a Rua XV ficava cheia de gente. As pessoas caminhavam respeitando o sentido duplo, indo por um lado e voltado por outro. Nessas caminhadas surgiram flertes que resultaram em muitos casamentos”, recorda o jornalista Ubiratan Lustosa. Hoje com 83 anos, ele viu a tradição do footing nascer e morrer, junto com os cinemas de rua. Ao longo de sua história, Curitiba teve 53 cinemas de rua. A primeira projeção realizada na cidade ocorreu um ano e oito meses depois da famosa exibição dos irmãos Lumière, em Paris. No dia 25 de agosto de 1897, a Companhia Artística Faure Nicolay desembarcou na cidade trazendo um dos primeiros cinematógrafos importados para o Brasil. A projeção aconteceu no Theatro Hauer, um dos primeiros espaços culturais de Curitiba. Localizado na esquina da Mateus Leme com a Treze de Maio, o antigo prédio do século XIX abriga hoje uma igreja evangélica.
40/ arqviva
O projeto do Cine Passeio teve o compromisso de evitar alterações bruscas na antiga construção. Concreto e vidro serão os únicos elementos acrescentados ao que já estava lá desde a década de 1930. A intervenção vai dar mais permeabilidade à arquitetura militar. Para promover a interação entre o interior do edifício e a rua, os arquitetos conceberam um espaço de alimentação voltado para a calçada: “O prédio continuará tendo uma única entrada, mas haverá um café no térreo que também estará aberto para a rua”, conta Magnabosco. O novo centro cultural de 2.500 m² tem custo previsto de R$ 5.776.504,32, segundo a prefeitura. Para financiar as obras, Curitiba volta a ofertar títulos de potencial construtivo no mercado. Os empreendedores que compram as cotas ganham permissão para construir além do permitido no plano diretor. Um decreto assinado em setembro de 2012 autorizou a captação dos recursos e definiu a área do futuro Cine Passeio como Unidade de Interesse Especial de Preservação (Uiep), uma modalidade jurídica de preservação histórica que permite que sejam feitas algumas alterações no projeto arquitetônico original. Embora a licitação que escolherá a empresa responsável pelas obras continue prevista para 2012, não há garantias de que o Cine Passeio sairá do papel nos próximos meses. A Fundação
_História_Cinemas de rua
A rua do “re”
Projeto de espaço cultural no centro histórico de Curitiba faz parte de uma grandiosa revitalização que está em curso desde 2005
T
ido como a forma mais rasteira de hu-
Riachuelo foi concluída. Prevista desde o iní-
Cultural de Curitiba não se manifesta a res-
mor, o trocadilho é frequentemente
cio como parte do Programa Marco Zero, in-
peito e o Ippuc informa apenas que o Cine
subestimado em seu poder de síntese. Mas
cluiu câmeras de segurança, uma nova ilumi-
Passeio está na fase de captação de recur-
no caso da revitalização do centro histórico
nação e a reforma das calçadas. No mesmo
sos e que as primeiras cotas já teriam sido
de Curitiba, é inevitável recorrer a ele. Basta
ano, uma parceria entre a prefeitura e uma
vendidas. A escassez de informações não
alterar uma letra – e destruir uma referência
fabricante de tintas distribuiu gratuitamente
ajuda a amenizar as expectativas criadas.
histórica – para dizer que a rua Riachuelo vai
o material necessário para que os comer-
”Precisamos de mais salas dedicadas ao
virar a Reachuelo: “A rua do re: reocupação,
ciantes pintassem as fachadas.
cinema documental, ao cinema local e ao
revitalização e reutilização”, explica o arquiteto Mauro Magnabosco, do Ippuc.
Em 2007, uma iniciativa que envolveu
cinema alternativo”, reivindica o cineasta e
a Federação do Comércio do Paraná (Feco-
arquiteto Luciano Coelho, que completa:
O resgate do centro de Curitiba come-
mércio), o poder público e outros parceiros
“Melhor ainda seria levar cultura para uma
çou em 2005, sob o título de Programa Mar-
se encarregou de reformar o Paço Municipal,
região como a da Riachuelo. É um espaço
co Zero. A iniciativa previa intervenções em
a antiga sede da prefeitura, inaugurada em
que queremos reconquistar.”
pontos críticos como a Praça Tiradentes e a
1916. A execução do projeto assinado pelo
rua Marechal Deodoro. Além da recuperação
arquiteto Humberto Fogassa durou dois
física, há incentivo fiscal. Empresas de serviços
anos e rendeu descobertas arqueológicas
que tragam novas atividades ao centro têm
inesperadas, como a dos vestígios do piso
redução do Imposto Sobre Serviço, o ISS.
do antigo Mercado Municipal, que funcionou no local até 1914.
Foto Fernando Aguiar
No ano seguinte, a revitalização da rua
O antigo quartel da Riachuelo foi construído na década de 30. Lá era feita a triagem dos recrutas curitibanos para o serviço militar.
arqviva /41
No começo do século 20, a equina da Riachuelo com a Carlos Cavalanti ainda abrigava a Impressora Paranaense, uma das empresas do Barão do Serro Azul.
Uma esquina e muitas histórias
Foto Casa da Memória
Em 1888, a antiga Impressora Paranaense terminou a construção da sua nova sede, na esquina da Riachuelo com a Carlos Cavalcanti. Nascia ali o prédio que hoje pode dar origem ao Cine Passeio
Fundada em 1853, ainda com o nome de Typographia Paranaense, a Impressora Paranaense tinha como principal atividade a confecção do semanário 19 de Dezembro, que divulgava os atos oficiais da recémfundada Província do Paraná. Trinta anos depois de sua fundação, por Cândido Lopes, a empresa recebeu o capital de Idelfonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul. Foi sob a direção dele que a empresa diversificou suas atividades. No prédio da Riachuelo passaram a ser produzidos rótulos para barricas de erva-mate. Com o pas-
O projeto do Cine Passeio teve o compromisso de evitar alterações bruscas na antiga construção do quartel. Concreto e vidro serão os únicos elementos novos acrescentados ao que já estava lá desde a década de 30.
sar dos anos, a Impressora Paranaense ficou responsável também pela identidade visual de boa parte dos produtos feitos no sul do Brasil. A antiga construção que pode abrigar o Cine Passeio viu nascerem rótulos para a cerveja Brahma e para o vinho Imperial, bastante consumido naqueles dias.
Com tantas incertezas cercando o pro- tor com o conceito de intervenção urba-
Os negócios foram bem até o dia 20 de
jeto, a comunidade artística torce para na aplicado ao Cine Passeio. Back viu um
janeiro de 1894, quando o Barão do Serro
que as mudanças no quadro político não antigo paiol de pólvora ser transformado
Azul foi assassinado na Revolução Federalis-
prejudiquem a continuidade da iniciativa. no Teatro Paiol, em 1971, e também acom-
ta. Sem saber o que fazer com a Impressora
É o que espera o cineasta Sylvio Back. Mais panhou a restauração que transformaria a
Paranaense, a viúva do barão delegou sua
conhecido por seus longas-metragens Casa Romário Martins num centro cultural,
direção a um litógrafo chamado Francisco
premiados, ele também dirigiu filmes cur- em 1973. O mesmo conceito de “recicla-
Folch, que deixou os rótulos de lado para
tos que narram a transformação atraves- gem” está por trás do projeto do Cine Pas-
produzir livros. Em 1908, ele transferiu as
sada por Curitiba na década de 1970. Entre seio. “Todas as telas são bem-vindas. Mas
atividades da Impressora Paranaense para
esses pequenos documentários está “Cu- não podemos esquecer que o cinema está
um novo prédio na Comendador Araújo. A
ritiba: uma experiência em planejamento em desvantagem em relação à literatura e
propriedade da Riachuelo foi adquirida pelo
urbano”, de 1974. Trabalhos assim repre- a outras artes que são ensinadas nas esco-
Exército, que em 1932 ergueu um centro ad-
sentam o lado B da cinegrafia de Sylvio las. O cinema merece ser contemplado em
ministrativo no local. Inicialmente pensado
Back, mas serviram para familiarizar o au- um espaço como esse.”
para receber e alistar recrutas, a construção foi destinada, anos mais tarde, ao atendimento das pensionistas das Forças Armadas.
42/ arqviva
Ilustração Natalia Richert
Artigo_
por
Gustavo Pinto *
Antigas construções inovando o urbano A
"
Costumamos pensar nas
reformas como recursos menos interessante do que as novas construções.”
rquitetura é arte e técnica.
muito a desejar em performance
cultural é um excelente ponto
A arte expressa a nossa
energética, conforto (acústico,
de partida para um plano de
sociedade e a nossa cultura, e
térmico e lumínico), acessibilidade,
reabilitação urbana ainda maior.
busca na técnica a maneira mais
segurança e conservação.
eficaz de construir os espaços.
Estamos em um período
um conjunto de acontecimentos
As edificações comunicam, por
de reflexão sobre a cidade e
físicos e sociais, e necessita de
meio da arquitetura, a história
devemos mudar o olhar sobre as
leis de incentivo, bem como de
e a cultura das civilizações. No
edificações. Costumamos pensar
obras de infraestrutura, para que a
Brasil colonial, sob a influência
nas reformas como recurso menos
vida em lugares degradados seja
portuguesa, adotamos um
interessante do que as novas
recuperada. Ações de revitalização
modelo de ocupação territorial em
construções. No entanto, essas
de ruas e de edificações
que as edificações se espalhavam
revitalizações contam a história
públicas são um estímulo para
indiscriminadamente
pelo
das cidades e devolvem à vida
o desenvolvimento das atividades
território. A paisagem criada era de
antigas referências urbanas.
comerciais, habitacionais e sociais
beleza singular, mas de uma força
Além disso, demonstram a
de uma cidade. Criar um lugar
estética e organizacional finita.
preocupação em reduzir os
participativo, democrático e
Na década de 1970 tivemos
impactos no meio ambiente e
pronto para receber as inovações
um crescimento extraordinário
permitem que os vazios urbanos
futuras é um desafio para qualquer
na construção civil. As cidades
sejam preenchidos.
arquiteto e urbanista.
tiveram sua paisagem urbana
drasticamente modificada.
desocupado ou subutilizado
Surgiram modernos edifícios
passa por uma revitalização, toda
que durante um longo período
a região se beneficia. E se esse
atenderam muito bem aos
edifício recebe atividades culturais,
usuários. Hoje estão completando
os benefícios vão além da rua e
40, 50 anos de existência e –
do bairro. Toda a cidade ganha.
para os padrões atuais – deixam
A mera existência da atividade
O sítio urbano é constituído de
Quando um edifício público
*Gustavo Pinto é arquiteto e urbanista.
44/ arqviva
Artigo_Gustavo.indd 44
12/16/12 7:44 PM
arquitetura em equilíbrio Por Luise Takashina
T
rês séculos separam a construção da Casa Bandeirista no bairro Itaim Bibi, em São Paulo, do surgimento do Pátio Victor Malzoni, uma torre dividida em três blocos que forma hoje o maior empreendimento
comercial da capital paulistana. Mas, por um capricho do destino – mais especificamente dos órgãos responsáveis pelo patrimônio histórico da cidade –, foi determinado que as duas construções devessem coexistir no mesmo terreno de quase 20 mil metros quadrados. E mais: para que o gigante com 73,3 mil metros quadrados de área privativa fosse erguido, a Casa Bandeirista deveria ser restaurada. Elaborar dois projetos que permitissem que a nova construção e a casa convivessem em harmonia foi um desafio tanto para os arquitetos quanto para a incorporadora. “Tínhamos que respeitar uma distância de dez metros ao redor da casa, inclusive o espaço aéreo dela”, conta José de Albuquerque, diretor de negócios da Brookfield Incorporações, responsável por conduzir as duas obras, iniciadas em 2008 e finalizadas em 2012. As diferenças entre a casa, feita de taipa, e o novo empreendimento, no qual foram usadas algumas das mais modernas
Foto Ucha Aratangy
técnicas de engenharia, apareceram em todas as etapas.
46/ arqviva
O Pátio Victor Malzoni, vendido em maio de 2010 por R$ 600,6 milhões, é hoje o endereço comercial mais caro de São Paulo. O metro quadrado vale pouco mais de R$ 17 mil.
Foto Ucha Aratangy
No valorizado bairro paulistano do Itaim Bibi, um desafio arquitetônico: construir um grande edifício comercial com arquitetura contemporânea no mesmo terreno onde uma casa do século 18 deveria ser restaurada
_Sustentabilidade_casa bandeirista
Apesar do inverno rigoroso, a integração com o meio externo é a marca da nova arquitetura de Copenhague. O premiado projeto do The Royal Danish Playhouse é um dos cartões-postais da cidade.
arqviva /47
Como profissional, tenho o dever de manter a história e deixo este espaço para as futuras gerações.”
Helena Saia, arquiteta que projetou o restauro da Casa Bandeirista
Refletiram, inclusive, no ritmo das duas obras. “O restauro da casa foi feito de forma lenta, já a obra do prédio, a uma velocidade rápida”, conta Albuquerque. O projeto As telhas usadas para cobrir a Casa Bandeirista são novas, mas têm aspecto antigo. A parte de cima delas apresenta uma leve rugosidade para que o telhado não fique com o aspecto plástico das construções atuais.
de arquitetura da torre ficou por conta da Botti Rubin Arquitetos Associados e o de restauro da casa foi feito pela arquiteta e urbanista Helena Saia, com execução da Arruda Associados Arquitetura Urbanismo e Engenharia. Partindo da premissa de que a casa deveria ser mantida, o escritório do arquiteto Alberto Botti desenhou um imenso pórtico que permite a visualização e o acesso à casa restaurada. Os dois blocos maiores têm 19 pavimentos e o central, 11. E é justamente nesse vão que a Casa Bandeirista aparece em destaque. “A origem do projeto veio da própria casa”, explica Botti, que é um dos fundadores da Asbea nacional (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura) e faz parte do atual conselho gestor. Para privilegiar ainda mais a construção histórica, seu reflexo pode ser visto nas paredes do novo empreendimento, revestido por cerca de 15 mil painéis de vidro. “A intenção foi criar um processo de reflexos que não prejudicassem a Casa Bandeirista”, afirma Botti. Além do efeito externo, os vidros ainda melhoram a iluminação interna do empreendimento e ajudam na absorção de calor. “Os materiais usados são modernos e reduzem o impacto ambiental. Os vidros ajudam a preservar a energia dentro do local”, completa Botti. Construir a viga de transição que liga os dois blocos de 19 pavimentos foi outro grande desafio da obra. Além de ficar a 30 metros do chão – altura equivalente a um prédio de 10 andares – ela ainda tem que suportar o peso dos 11 andares construídos acima dela. Foram necessárias 17 horas ininterruptas de trabalho e 128 caminhões de
Foto Ucha Aratangy
concreto. “A estrutura de concreto foi difícil de executar. A dificuldade era a obra em si”, conta Albuquerque, que ainda lembra que o projeto inicial previa um shopping subterrâneo. Para se adequar às características corporativas do empreendimento, o subsolo virou um estacionamento com seis andares. Os 18 metros de escavação – só a fase de fundação da torre demorou cinco meses para ser concluída – renderam 2.500 vagas para carros. O Pátio Victor Malzoni demorou 42 meses para ser
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obra e 800 pessoas trabalharam simultaneamente na fase de pico. “Houve um cuidado muito grande com segurança e a mão de obra do restauro e da obra foram independentes”, conta Albuquerque. Para um trabalho tão específico quanto um restauro, é preciso encontrar trabalhadores com perfil mais artístico do que um pedreiro comum. Segundo Alberto de Arruda, arquiteto-restaurador que conduziu a obra na Casa Bandeirista, “a mão de obra precisa ser habilidosa, cuidadosa e disciplinada”. Antes de iniciar os trabalhos, os canteiros, marceneiros e taipeiros precisam entender qual é a situação histórica do prédio que estão ajudando a restaurar e até mesmo sugerir como o trabalho pode ser melhorado. “É uma mão de obra que nós formamos. Os antigos explicam o trabalho para os mais novos, pois não há uma escola onde aprender. A base do restauro é o savoir faire, o saber fazer na prática”, complementa. Na fase de auge do restauro, havia 31 marceneiros trabalhando simultaneamente. O projeto de restauro da Casa Bandeirista do Itaim Bibi, tombada em 1982 pelo patrimônio histórico do estado, teve que passar pela aprovação de dois órgãos: o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo e o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo. “Uma obra de restauro tem princípios, não pode ser descaracterizada”, afirma a arquiteta e urbanista Helena Saia. Além da pesquisa histórica que precisa ser feita para entender como era a construção original e recuperá-la, é preciso sanar problemas de estrutura e goteiras, por exemplo. Helena conta que a casa do pátio estava bem conservada até a década de 80, quando uma tentativa de demolição a deixou em ruínas. Ao recuperar uma construção secular, um dos grandes desafios é encontrar materiais atuais equivalentes aos usados na época. Ou descobrir como imitar o que foi feito pelos construtores muitos anos atrás. “Parte do material de restauro vem do próprio terreno. Afinal, naquela época, os taipeiros tinham que usar o que estava mais próximo deles”, explica Arruda. Os trabalhos de pesquisa conduzidos
De refúgio a sanatório Há sete Casas Bandeiristas na cidade de São Paulo e mais duas fora da capital, que ficam em Piracicaba e São Roque. Feitas sempre próximas aos rios, as construções que serviam como base dos bandeirantes em meio às suas viagens de desbravamento e também abrigavam suas famílias têm características similares. “Há uma distinção entre o quarto e a sala e os ambientes que são frequentados por estranhos à família, como a capela e o quarto de hóspedes”, conta a arquiteta Helena Saia, que fez o projeto de restauro da Casa Bandeirista do bairro Itaim Bibi. A varanda também pode ser encontrada em todas elas. E, além de morada, as Casas Bandeiristas também serviam como pousada aos demais viajantes que passavam pelo local. Segundo Helena, o estado de conservação das casas remanescentes não é tão ruim. Mas, mesmo reformadas, a maioria quase não é vista pela população da cidade. “A do bairro Butantã ainda ganhou uma praça ao seu redor, já a do Tatuapé é encoberta por uma fábrica”, explica. Para fazer o projeto de restauro da Casa Bandeirista do Pátio Victor Malzoni, Helena contou com a ajuda de fotos documentadas e também teve acesso ao relatório do Instituto
Arqueológico da USP, que fez pesquisas no local em 1988. O primeiro registro da Casa Bandeirista do Itaim Bibi data de 1846, mas estudos revelam que ela foi construída no final do século 18. No local havia pomares, senzalas, estábulos, moinho e uma plantação de chá. Dados de 1898 mostram que o terreno da casa era conhecido como sítio Itahy ou Rio das Pedras. Leopoldo Alberto Couto Magalhães, proprietário nessa época, tinha o apelido de Bibi e vem daí o nome atual do bairro, Itaim Bibi. Entre 1927 e 1980, a casa abrigou o Sanatório Bela Vista. Reformada e devolvida ao povo paulistano, a vontade de Helena é que o local vire um espaço para as pessoas relaxarem da correria da cidade grande, rodeadas pelas árvores frutíferas que voltaram ao local.
Foto José Saia
concluído. Cerca de 4 mil funcionários passaram pela
A Casa Bandeirista possui 450 metros quadrados de área construída e ocupa uma área de proteção permanente de 2 mil metros quadrados.
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O prédio tem 35 elevadores, que devem transportar até 10 mil pessoas por dia, entre usuários e visitantes.
pelo arquiteto identificaram quatro composições de terra diferentes no terreno da Casa Bandeirista. A taipa original foi feita a partir de uma determinada combinação dessas terras. De posse dessa informação, a equipe de restauro fez uma composição de taipa parecida com a usada pelos antigos construtores. Já a fibra da argamassa, antes elaborada com material vegetal vindo do estrume do gado, foi substituída pelas modernas fibras de polipropileno. Como se não bastassem as dificuldades e delicadezas do restauro, ainda em 2008 o Ministério Público Federal interrompeu a obra, alegando que ela era irregular. O restauro da Casa Bandeirista ficou suspenso por um ano e quando os trabalhos foram retomados, o lençol freático havia se movimentado por causa da construção da torre. “As paredes estavam rachadas”, conta Helena. Para evitar mais problemas, uma empresa de controle de movimentos de solo foi chamada em 2010 e prestou consultoria até o fim da obra. Passados anos de muito trabalho e com as duas obras
Foto Malzoni
devidamente finalizadas, os arquitetos envolvidos se mostram satisfeitos com o resultado. Para Helena, o Pátio Victor Malzoni humanizou um pouco a arquitetura da cidade de São Paulo. “Como profissional, tenho o dever de manter a história e deixo esse espaço para as futuras gerações.” Já Alberto Botti afirma que “a arquitetura tem Imagem Divulgação
que chegar a resultados como o do Pátio Victor Malzoni, em que há um equilíbrio entre o velho e o novo”. Arruda lembra que muitas pessoas que eram contrárias ao restauro da Casa Bandeirista vieram parabenizá-lo depois de ver a obra pronta. “Isso é muito gratificante. Nesse caso, acho que podemos dizer que 1 mais 1 é mais do que 2. No Pátio, você tem como comparar dois mundos, duas épocas. O casamento entre o antigo e o moderno Representação gráfica do Pátio Victor Malzoni.
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funciona porque um prédio monumental respeita uma casa singela”, completa.
Mais de um século depois, os nipônicos voltam a seduzir o Ocidente. Desta vez, com o primor de suas linhas arquitetônicas
Neojaponismo Fernanda Peruzzo, de Paris
A preferência pelas fachadas translúcidas é uma das marcas do escritório SANAA. Para a nova Samaritaine, em Paris, a dupla de arquitetos optou pelo vidro ondulado: da rua será possível enxergar as lojas do centro comercial.
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O
Japão caiu nas graças dos europeus. Mais uma vez. Só que, diferentemente do que ocorreu lá pelos idos de 1860, quando o
contato com a cultura da terra do sol nascente, com suas estampas de cerejeiras em flor, resultou num poderoso movimento cultural que influenciou a arte ocidental e determinou o estilo dos mestres Van Gogh e Gauguin, a atual onda japonesa que está tomando conta do Velho Continente é bem menos colorida e rebuscada, mais conceitual e fortemente apoiada no racionalismo. O movimento vem sendo encabeçado por arquitetos nascidos e formados no Japão. Multifuncionais e minimalistas quando se trata de projetos de interiores, esses arquitetos abusam da tecnologia para construir prédios que flertam com os conceitos tradicionais da cultura do seu país. “São construções que sempre trazem a paisagem exterior para dentro e remetem àquelas casas típicas cuja fachada é formada por portas de correr”, comenta a arquiteta Isabelle Latappy, conselheira da Ordem dos Arquitetos de Paris (OAP). Presença marcante nas páginas das publicações especializadas atuais, eles vêm demonstrando assiduidade semelhante nas fichas técnicas dos canteiros de grandes obras. Na França, alguns dos maiores projetos públicos foram imaginados por japoneses. Entre eles, as filiais do museu Pompidou, em Metz, o centro Cidade de Artes e Cultura, em Besançon, e um conjunto de residências populares, em Paris, que levam a assinatura dos escritórios Shigeru Ban, SANAA e Kengo Kuma & Associates.
Foto Divulgação SANAA
Quando se passa para o setor privado, a presença nipônica se faz ainda mais evidente, com projetos que vão da recuperação da Samaritaine, icônica loja de departamentos na capital francesa, ao novo centro de treinamentos da Rolex, na Suíça, ambos também idealizados pela dupla Sejima e Nishizawa (SANAA).
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Fotos Divulgação SANAA
Para o Rolex Learning Center, em Lausanne, na Suíça, a dupla de arquitetos do SANAA fixou a fachada de vidro plano em uma estrutura fluida e sinuosa de concreto.
A genialidade de Kazuyo Sejima (dir.) e Ryue Nishisawa valeu à dupla o Prêmio Pritzker, em 2010 : eles foram laureados pelo conjunto de suas obras.
Perfeccionismo abstrato Comandado pelos sócios Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa, o escritório SANAA é uma das grandes estrelas deste novo japonismo, e Sejima, um dos ícones da contemporaneidade arquitetônica praticada naquele lado do mundo. Suas construções de linhas puras, ascéticas e atemporais constituem uma destas raras unanimidades no mundo da arquitetura. Tanto é que em 2010 a dupla foi agraciada com o Prêmio Pritzker pelo conjunto da obra,
Nós evitamos a concepção de monumentos. Preferimos criar áreas de atividades que se dissolvam na paisagem.” Kazuyo Sejima 54/ arqviva
mesmo sem ter um acervo tão extenso assim.
Com um grande apreço pelos detalhes, sua fama vem da reinterpretação da história construtiva do seu país mesclada com um
Fotos Divulgação SANAA
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senso estético de modernidade e um rigor
1869 e fechada ao público em 2005 por risco
técnico impressionantes. “Quando Sejima
de desabamento. O novo edifício, o primeiro
projeta uma linha curva, ela é executada
deles em Paris, substituirá a mais recente das
curva, jamais sextavada”, enfatiza Latappy.
construções e promete recolocar o endereço
Uma das obras mais festejadas é a do museu Louvre-Lens, no interior da França. A construção, térrea, vai ocupar o terreno de uma antiga mina abandonada e terá mais de 7 mil metros quadrados de galerias.
Atualmente à frente de quatro grandes
na rota dos turistas. Não só pela oferta de
“Preferimos criar áreas de atividades que se
projetos na Europa, e autores de dezenas
itens de consumo, mas pelo projeto em si.
dissolvam na paisagem e tentamos fazer isso
de outros monumentos contemporâneos
Concebido como um bloco, ele receberá
desenhando áreas de circulação flexíveis, que
pelo hemisfério norte (New Museum de
uma fachada de vidro branco translúcido e
tenham uma transparência ou superfície de
Nova York, Escola Politécnica de Lausanne
ondulado, que oferecerá uma visão integral
reflexão que torne difícil a identificação dos
e a flagship store da Dior em Tóquio, para
do seu interior a partir da rua, e vice-versa.
prédios como um objeto definido”, comenta
citar alguns), eles são os responsáveis pela
Marca registrada do trabalho da dupla, esta
Sejima. “Criar este diálogo a partir de uma
reconstrução de um dos prédios do conjunto
transparência obedece a um dos preceitos
construção histórica é uma experiência nova
comercial La Samaritaine, símbolo da art de
da tradicional arquitetura japonesa que eles
para nós. E um desafio que estamos ansiosos
vivre francesa e uma das primeiras lojas de
tanto gostam de explorar: o de dedicar às áreas
para vivenciar”, acrescenta.
departamentos da cidade, construída em
externas e internas a mesma importância.
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A estrutura do telhado levou 4 meses para ser montada: ao todo, 18 quilômetros de vigas de abeto, um tipo de pinheiro austríaco, foram usados.
O mestre da arquitetura efêmera Da mesma geração de Sejima, mas com um estilo fortemente influenciado pela estética tradicional japonesa, mais emocional e com foco significativo na tecnologia construtiva, Shigeru Ban bem poderia ser apontado como um dos pais da arquitetura ecológica. Especialista no uso de materiais recicláveis, ele vem utilizando o papel, o papelão e aqueles tubos de papel de fax no lugar dos tijolos e blocos de concreto desde 1986. Apesar do caráter temporário destas matérias-primas, suas preferidas, as construções planejadas por ele apresentam a solidez necessária para abrigar famílias e instituições vítimas de catástrofes naturais, seu Japão natal, por períodos de até vinte anos. Daí o seu epíteto “arquiteto da urgência”. Mesmo em suas obras duráveis a ideia da sustentabilidade se faz presente, e suas
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Fotos Roland Halbe
como os terremotos e tsunamis comuns em
Foto Roland Halbe
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Imaginei os visitantes vendo um edifício claro e luminoso que parecesse ser forte, mas também leve e que os convidasse a buscar abrigo sob o seu telhado protetor.” Shigeru Ban
fachadas costumam apresentar qualquer coisa
Outro projeto que chama a atenção é o Parc de
de efêmero. Caso do Museu Pompidou-Metz,
la Seille – um parque instalado nos limites entre
criado em parceria com o francês Jean de
a cidade e a área rural de Metz, um município
Gastines, e uma das obras mais comentadas
de médio porte no extremo norte da França.
na França. Nele, toda a estrutura do telhado foi
O país não só acolheu Ban, onde ele mantém
construída em madeira de pinheiro e coberta
um escritório, como também reconheceu a
por uma espécie de membrana branca e de
importância da sua obra, homenageando-o
aparência muito delicada. Enquanto o primeiro
com a Medalha de Ouro da Academia de
material foi escolhido por sua leveza física e
Arquitetura, em 2004. “Quando criei este projeto,
visual e por se tratar de um material reciclável,
imaginei os visitantes se aproximando, vendo
o segundo ganhou espaço por sua capacidade
um edifício claro e luminoso que parecesse ser
de deixar passar a luz e, assim, diminuir o
forte mas também leve e que os convidasse
consumo de energia. Feita a partir de uma
a buscar abrigo sob o seu telhado protetor”,
mistura de fibra de vidro e teflon, o nível de
relembra. “Queria que a arquitetura passasse
translucidez desta membrana chega a 15%.
uma sensação de bem-estar, mas também
Já seu formato, inusitado, foi inspirado nos
abertura e contato com o entorno”, completa.
Foto Divulgação
O Museu Pompidou-Metz gerou polêmica na França por seu design arrojado, inspirado no chapéu típico usado pelos campesinos chineses.
Shigeru Ban é conhecido como o Arquiteto da Urgência, por sua série de construções feitas em papel e papelão.
chapéus de bambu usados pelos chineses.
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Em seu interior, as passarelas conduzirão às áreas de lazer instaladas sobre o telhado e também ao nível do rio Danúbio, permitindo acesso às embarcações de transporte fluvial.
Fluidez de formas e de ideias Perto destes colegas, Sou Fujimoto ainda é um novato. Formado pela Universidade de Tóquio, em 1994, ele passou os primeiros anos de sua carreira projetando residências, interiores e instituições culturais no Japão. Apenas nos últimos anos é que seu nome começou a figurar com maior frequência na lista dos concursos públicos. Com seus projetos marcados por uma noção inovadora do espaço e uma maneira muitas vezes irônica de ocupá-lo, ele vem puxando os limites da arquitetura para além do convencional ao propor formas que desafiam a gravidade – ou o margens do rio Sava em Belgrado, na Sérvia, é o melhor exemplo de sua ideia sensorial acerca da arquitetura. A estrutura espiral formada por rampas suspensas em diferentes níveis,
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Imagens Divulgação
bom senso. Seu projeto para a revitalização das
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A ideia é propor um novo movimento humano, uma nova maneira das pessoas circularem e se relacionarem com a cidade” Sou Fujimoto entrelaçadas e que mais parecem um casulo,
Mesmo pregando um conceito de futuro e
conectam a região medieval de Beton Hala,
modernidade que soa ficcional, curiosamente
o Parque Kalemegdan e o muro da antiga
o trabalho de Fujimoto vai de encontro às
fortaleza ao rio. Esta “nuvem flutuante”, como
premissas mais puras do japonismo. “O gosto
o próprio Fujimoto gosta de descrevê-la, reúne
pela assimetria e a concepção de espaços e
equipamentos públicos e culturais, áreas de
cenas a partir de um eixo diagonal foi o que
lazer e sistemas de transporte. O centro do
marcou o advento desta escola estética, no
redemoinho abriga uma praça e um museu. Um
final do século 19”, ensina a especialista em
restaurante e um café, instalados abaixo dessa
história da arte Sabine Pasdelou, doutoranda
estrutura, ao nível do rio, permitem ao visitante
pela Universidade Paris-Nanterre.
uma relação mais próxima com este marco geográfico. As rampas também servem de elo de conexão ao terminal de transporte público que será instalado ali e de onde sairão ônibus, bondes e ferry-boats. “A ideia é propor um novo movimento humano, uma nova maneira das pessoas circularem e se relacionarem com a cidade. No caso, com uma cidade que está ela mesma se reinventando”, analisa o arquiteto. Sou Fujimoto fez fama graças aos seus interiores minimalistas. Nos últimos anos, porém, ele tem surpreendido com ideias mais curvelíneas.
Foto David Vintiner
O projeto Beton Hala, em Belgrado, reúne centro comercial, terminais de transporte e restaurantes em uma estrutura espiral feita em concreto.
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Imagem La Pixellerie
O centro cultural é uma das estrelas da revitalização do bairro Joliette, em Marseille, a poucos passos do porto e das docas. Abaixo, Kengo Kuma, autor do projeto.
Harmonizar é construir
e depois pensa no vazio, eles partem do
Conhecido entre seus pares por trazer o vazio”, explica o arquiteto e conselheiro da rigor da tradição japonesa para o limiar da OAP, Samuel Delmas. Esta diferença, subjetiva contemporaneidade, Kengo Kuma já quis fazer demais a princípio, fica evidente ao se observar a arquitetura desaparecer, concebendo edifícios o projeto de Kuma para o Fundo Regional de tão sutis que seriam praticamente invisíveis. Arte Contemporânea de Marseille. O prédio Hoje ele se diz contente de harmonizar suas incorpora terraços e corredores vazados ao construções com o ambiente nas quais se longo de toda a sua estrutura. Tais aberturas inserem, criando conjuntos em que dentro e permitem aos visitantes enxergar a cidade fora se relacionem com a mesma naturalidade lá fora e também respirar o ar marinho desta quanto o abrir e fechar de uma janela. É por cidade portuária ao mesmo tempo em que as Foto Pey Inada
isso que em suas obras as fachadas, não raro pessoas nas calçadas conseguem ver através translúcidas, costumam ser vazadas. “A relação dessas lacunas. “Esta dualidade também remete com o espaço é diferente para os orientais. ao antagonismo entre os becos e as praças Enquanto a escola ocidental constrói primeiro abertas que marcam a paisagem urbana de Marseille”, acrescenta Kuma.
Esta relação também remete ao antagonismo
entre os becos e as praças abertas que marcam a paisagem urbana de Marseille.” Kengo Kuma
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Imagem SOM
NOVIDADES
Foto © 2012 SOM
&
Imagem SOM
Foto divulgação
INOVAÇÕES
Centenária renovada A Grande Estação Central, um dos mais famosos cartões postais de Nova York, será remodelada. Será escolhido um dos três projetos feitos por escritórios de arquitetura convidados para apresentar suas ideias. Fazem parte deste seleto grupo os escritórios Foster+Partners, Skidmore, Owings & Merrill (SOM) e WXY. A escolha será feita pela Municipal Art Society of New York, uma entidade sem fins lucrativos que promove a excelência no design e no planejamento urbano da cidade. Além do terminal, que está completando 100 anos de existência, será revitalizado também todo o espaço público no entorno da construção. O estudo apresentado na imagem ao lado foi feito pelos arquitetos do escritório SOM, que propôs a construção de uma plataforma circular que oferece uma vista de 360 graus, quando erguida sobre os edifícios vizinhos. A intenção é que a estrutura torne-se um ícone arquitetônico da cidade. www.som.com www.wxystudio.com www.fosterandpartners.com
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Nem só de futebol vive a Copa O escritório HS Arquitetos, de Santa Catarina, venceu o Concurso Nacional de Arquitetura Arenas Culturais, que escolheu a melhor proposta para os espaços de convivência que serão construídos para a Copa do Mundo de 2014. O projeto apresenta brises formados por elementos inspirados nas ocas e nos balaios indígenas, povo que retrata a história do Brasil. O verde está presente nas paredes vivas cobertas por vegetação e nos
degraus gramados da praça pública onde será instalada a arena. “A ideia é criar um lugar para ser vivido”, explica Chirochi Shimizu Júnior, que ao lado dos arquitetos Leandro Sasse e Bruno Custódio, formou a equipe premiada. A proposta do governo é construir 12 espaços como esse nas cidades-sede do Mundial. Os locais receberão mostras de gastronomia, design, dança, música e teatro e oferecerão aos visitantes uma visão do país. www.hsarquitetos.com.br
O escultor tcheco Cestmír Suska transforma antigos tanques, torres de observação e outros elementos usados na indústria em belíssimas esculturas. Suas mais novas instalações podem ser vistas no Griffiss Business and Technology Park, nos Estados Unidos, e no Central Park de Praga, na República Tcheca. Na capital tcheca também é possível visitar uma exposição permanente do artista. Os trabalhos estão na National Gallery. www.suska.cz
Imagem Foster+Partners / Dbox
Foto Rezavé Kvety / Divulgação Cestmir Suska
Antes era apenas lixo industrial
torre sustentável O skyline da ilha de Manhattan, em Nova York, nunca mais será o mesmo. O escritório de arquitetura britânico Fosters+Partners foi o vencedor de um concurso para revitalizar um dos prédios ícones dos Estados Unidos: o edifício 425 da Park Avenue. O escritório teve entre seus concorrentes grandes nomes da arquitetura mundial, entre eles Renzo Piano, Jean Nouvel, Zaha Hadid e Richard Meier. A estrutura de aço afunilada foi pensada precisamente para a escala e o entorno da avenida. Ela se eleva e culmina em três empenas que iluminarão o skyline. A fachada se integra com o interior, gerando três camadas de pisos livres de colunas e criando um espaço amplo, aberto e flexível. Os arquitetos buscam a certificação Leed na categoria ouro, a mais alta concedida pelo respeitado órgão norte-americano que atesta construções de reduzido impacto ambiental no mundo todo. www.fosterandpartners.com
Foto Park Sung Won
O mais alto grafite da Ásia Um impressionante grafite feito a 70 metros de altura é a mais nova atração da paisagem de Busan – segunda maior cidade da Coreia do Sul. O trabalho foi feito em apenas uma semana pelo artista alemão Hendrik Beikirch, que dispensou sistemas de proteção e desenhos para orientar a pintura. O grafite mostra um pescador de 60 anos e contrasta com a modernidade do edifício que serviu de “tela” para a obra, o Haeundae I‘Park. O prédio representa o rápido desenvolvimento pelo qual passa o país, enquanto o pescador lembra à população que muitos ainda não conseguiram sair da pobreza. Dois mundos distintos em um mesmo espaço. http://hendrikbeikirch.com
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Playground high tech
NOVIDADES
&
Imagem divulgação Höweler + Yoon Architecture
Foto divulgação
INOVAÇÕES
O artista e arquiteto norteamericano Vito Acconci foi eleito Designer do Ano durante o salão Design Miami – um dos mais importantes do setor –, realizado recentemente. A premiação é concedida pelo Miami Design District, descolado bairro que reúne galerias de arte e decoração e lojas-conceito de estilistas renomados na cidade de Miami. Acconci é o criador do The Klein Bottle Playground, um brinquedo futurista que tem como base um molde matemático. Não há lado de dentro ou de fora, mas sim uma superfície contínua e perfurada para ser escalada pelas crianças. www.acconci.com
SÃO PAULO DÁ o exemplo
Foto Sehab/divulgação
Um programa com foco em habitações de interesse social tem conquistado reconhecimento no exterior. O exemplo brasileiro foi premiado na edição de 2012 do Scroll of Honor, que é promovido pelo Programa da Organização das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (UN-Habitat) e reconhece iniciativas bem-sucedidas na área de habitação em todo o mundo. As principais comunidades carentes de São Paulo – Paraisópolis, Heliópolis, Jaguaré, Jardim São Francisco e Cantinho do Céu – estão sendo transformadas em bairros formais. Para isso estão recebendo obras de infraestrutura, novos equipamentos públicos e unidades habitacionais.
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Mobilidade e criatividade A combinação entre transporte individual e público é a resposta do escritório Höweler + Yoon Architecture para o desafio da mobilidade urbana
Unidos. Eles fizeram uma proposta de infraestrutura para o transporte que liga os subúrbios às cidades e atende uma população de 53 milhões
nos próximos anos. Os arquitetos norteamericanos foram os vencedores do concurso Audi Urban Future Award 2012 com um projeto inovador para a megalópole que se estende entre as cidades de Boston e Washington – apelidada de BosWash –, nos Estados
de pessoas. O projeto, chamado de The BosWash Shareway 2030 tem como ponto de partida uma rede com diferentes opções de transporte integradas, que permita aos usuários alternar entre elas sem dificuldades. www.mystudio.us
As ruas, praças e morros do Rio de Janeiro guardam a história da arquitetura brasileira. Prestes a sediar dois eventos internacionais, a cidade chama a atenção pelos ousados projetos em construção
Cidade
(da arquitetura)
maravilhosa rosa bittencourt
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_viagem_rio de janeiro
O Museu do Amanhã faz parte da Operação Porto Maravilha, que está revitalizando a região do Píer Mauá, no Rio de Janeiro. Abaixo, detalhe do interior da construção.
S
ede dos Jogos Olímpicos de região do Píer Mauá. O espaço, dedicado à 2016 e da Copa do Mundo ciência e à tecnologia, irá privilegiar discussões de 2014, o Rio de Janeiro está sobre temas como as mudanças climáticas, a atraindo olhares do mundo conservação da biodiversidade e o impacto todo não pelas obras feitas das atividades humanas no meio ambiente.
pela natureza, mas por projetos construídos A escolha do arquiteto não poderia ser mais pelo homem. A obra que promete tornar-se a ousada. Calatrava é um dos mais badalados estrela da arquitetura carioca contemporânea representantes da arquitetura-espetáculo. Sua é o Museu do Amanhã – assinado pelo marca registrada é o uso de vidro e de aço arquiteto e engenheiro espanhol Santiago para construir prédios que se parecem com Calatrava, um dos mais aclamados da imensas esculturas. “Os projetos de Calatrava atualidade. “Merecerá entrar para a história têm estruturas complexas e expressivas que se da arquitetura”, garante a pesquisadora e assemelham a um grande esqueleto exposto”, professora da Universidade Federal do Rio explica o arquiteto Alexandre Monteiro, que é de Janeiro (UFRJ) Helga Santos da Silva.
professor da Universidade Cândido Mendes,
O Museu do Amanhã faz parte da Operação no Rio de Janeiro. “Essas formas conferem
Imagem Ralph Appelbaum Associates
Imagem Divulgação
Porto Maravilha, que está revitalizando a uma impressão orgânica à arquitetura dele.” O
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Imagem Divulgação
Imagem e do Som (MIS). O MAR, previsto
pela Europa, pelos Estados Unidos, pelo
para ser inaugurado em janeiro de 2013,
Canadá e pela Argentina. Agora é a vez do
integra um complexo de exposições e
Brasil. “Vivemos uma época sem movimentos,
de formação de artistas. Será instalado
escolas ou estilos claros. Cada arquiteto cria
em dois prédios: um palacete tombado
sua própria poética e isso gera uma natural
e um edifício modernista. O MIS, que
polêmica. Ainda mais se levarmos em conta
está sendo construído em Copacabana,
que a arquitetura contemporânea assumiu o
é um projeto do escritório dos arquitetos
papel de grande atrativo turístico”, destaca
nova-iorquinos Elizabeth Diller, Ricardo
Monteiro.
Scofidio e Charles Renfro, vencedores de
Além do Museu da Amanhã, dois
um concurso realizado em 2009. Previsto
outros projetos – que também fazem
para ser inaugurado no primeiro semestre
parte da Operação Porto Maravilha –
de 2014, vai abrigar também o Museu
estão em andamento: o Museu de Arte
Carmen Miranda, hoje localizado em um
do Rio (MAR) e a nova sede do Museu da
pequeno prédio no Parque do Flamengo.
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Imagem Divulgação
Foto Clarice Tenûrio Barreto
arquiteto espanhol já marcou sua passagem
O Museu de Arte do Rio (MAR) integra um complexo (MAR) de exposições e de formação de artistas. Será instalado em dois prédios: um palacete tombado e um edifício modernista.
Foto Alexandre Macieira / Riotur
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estilos importados
Os exemplos da arquitetura moderna se multiplicam pelo Rio. Entre eles está o Museu de Arte Moderna, o MAM.
Entenda as principais influências da arquitetura carioca Art déco: Conjunto de manifestações artísticas que surgiu na Europa e se expandiu para as Américas do Norte e do Sul, inclusive o Brasil, a partir dos anos 20. Tem como principal característica o aspecto decorativo. Está presente no Monumento ao Cristo Redentor (1926-1931), no Edifício da Estação Pedro II (Central do Brasil 1937), no Edifício A Noite (1929) e no Edifício Biarritz (1940). Copacabana é o bairro que concentra belas edificações nesse estilo. Eclético: No Brasil, o termo ecletismo tem dois significados: representa o período em que convivem simultaneamente diversos estilos arquitetônicos, e dá nome a edifícios que misturam
diferentes influências. São obras ecléticas o Theatro Municipal (1904/1909), o Museu Nacional de Belas Artes (1906/1908) e a Biblioteca Nacional (1905/1910). Os bairros do Flamengo, Botafogo, Laranjeiras e Santa Teresa possuem grandes casas ecléticas.
O escritório do arquiteto Luiz Eduardo Índio da Costa é responsável pela execução do projeto. “Somos responsáveis técnicos e
Modernismo: Os arquitetos modernistas repudiavam tudo o que tivesse caráter meramente decorativo e buscavam o racionalismo e o funcionalismo em seus projetos. Têm influência moderna o Palácio Gustavo Capanema (1937/1943), o edifício da Associação Brasileira de Imprensa (1936/1938), o Museu de Arte Moderna (1953/1968) e a residência Walter Moreira Salles (atual Instituto Moreira Salles, 1951).
encarregados de desenvolver, detalhar e compatibilizar um projeto de excelência que ganhou um concurso de cartaconvite entre 8 escritórios (4 brasileiros e 4 estrangeiros, organizado pela Fundação Roberto Marinho).” Segundo Índio da Costa, é um projeto em concreto aparente com formas não ortogonais e um vazio central. (Saiba mais sobre a revitalização portuária no Rio de Janeiro na reportagem Vida Nova aos Portos Velhos, na página 24)
Fonte: Alexandre Monteiro, arquiteto e professor da Universidade Cândido Mendes.
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arquitetura nas favelas Turistas estrangeiros pisam na areia, mas também querem subir o morro e conhecer o que está sendo construído
A nova arquitetura do Rio de Janeiro está nos holofotes, mas quem visita a capital fluminense deve olhar também para prédios, praças e construções que estão por lá há mais de dois séculos e, por isso mesmo, alçaram a cidade ao posto de um dos maiores acervos de arquitetura do mundo. Em 2011, o Rio ficou entre as cinco melhores cidades arquitetônicas pela renomada revista britânica Wallpaper. Não é para menos. A antiga capital do Brasil reúne uma mescla de estilos e tendências que refletem diferentes épocas e contam a história do país. “No Rio há valiosos exemplares de influências que pontuaram os séculos 19 e 20, como o eclético, o art déco e o modernismo”, pontua o arquiteto Alexandre Monteiro (leia quadro da página anterior sobre os estilos
Foto Pedro Kirilos / Riotur
O que se tem de mais contemporâneo sendo construído hoje no Rio? Os projetos que envolvem os preparativos para a Jogos Olímpicos de 2016 e da Copa do Mundo de 2014 estão na ponta da língua de muitos arquitetos. Mas também a reurbanização das favelas cariocas tem chamado atenção. O arquiteto e presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB e também regional RJ), Sérgio Ferraz Magalhães, chama a atenção para essas intervenções. “Não podemos ver uma cidade dissociada de seu morador. Mais de 80% das cidades brasileiras cresceram na informalidade e hoje, aqui no Rio, arquitetos e urbanistas sobem o morro para fazer a urbanização destas favelas. Os projetos do que fazemos aqui tem servido de exemplo e fonte de estudo em muitos países.”
Acervo histórico
70/ arqviva
_viagem_rio de janeiro A nova sede do Museu da Imagem e do Som está sendo construída em Copacabana e vai abrigar também o Museu Carmen Miranda.
arquitetônicos). A arquiteta Vera Dias, que é gerente de Monumentos e Chafarizes da Secretaria de Conservação e Serviços Públicos da Cidade do Rio de Janeiro, chama a atenção para a movimentação ocorrida no período imperial brasileiro – entre 1822 e 1889 –, quando a cidade era sede da monarquia portuguesa. “O estilo neoclássico, presente nesses anos na arquitetura carioca, foi uma reação ao barroco a partir dos princípios do racionalismo”, explica. A época foi marcada pelo uso de materiais nobres como o mármore, Imagens Divulgacão Diller Scofidio + Renfro
o granito e a madeira. A arquitetura neoclássica foi estabelecida com a chegada do arquiteto francês Grandjean de Montigny ao Brasil no início do século 19. Ele é autor dos projetos Projeto dos arquitetos do escritório Lundgaard & Tranberg oferece vista privilegiada para os canais de Copenhague ou para o jardim cultivado no pátio interno.
da Alfândega (hoje Casa-França Brasil) e da Academia Imperial de Belas Artes, e é reconhecido pela importante contribuição ao desenvolvimento da arquitetura no país.
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Roteiro arquitetônico
Para conhecer o melhor da arquitetura carioca, faça o percurso sugerido pelo presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Sérgio Ferraz Magalhães, e pela professora e pesquisadora da UFRJ Helga Santos da Silva
Foto Alexandre Macieira / Riotur
Porta de entrada
Comece seu passeio pela Praça XV de Novembro. Ali foi erguido o Palácio
dos Vice-Reis em 1743, hoje Centro Cultural Paço Imperial (foto). Durante o Brasil Colônia, era uma das mais importantes construções. É nestes arredores que ferve um circuito cultural, gastronômico e boêmio nos muitos bares e restaurantes que se instalaram próximos do Arco do Teles. E por meio de estreitas ruas, a partir do Arco, chega-se ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), à Casa França-Brasil e ao Centro Cultural dos Correios. Na continuidade do corredor Foto Marina Heriges / Riotur
cultural está a Igreja da Candelária, que começou a ser construída em 1775.
Brasil imperial
É imperdível a visita à Praça da República, que teve destaque no período Brasil Império e foi palco da Proclamação da República, em 1889. No entorno da praça estão construções primorosas, como o Palácio Duque de Caxias, a sede do Comando Militar do Leste e o Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro, fundado pelo imperador Dom Pedro II em 1856. São construções neoclássicas do século 19. Perto dali, está a Central do
Belle Époque
Entre as décadas de 1920 e 1950, a Cinelândia viveu seus
tempos áureos e chegou a ter 11 salas de cinema. Hoje tem somente um: o Edifício Cinema Odeon. Mas a região, que tem construções que remetem a um Rio de Belle Époque, é passeio obrigatório. Não deixe de conhecer o Theatro Municipal (foto), o Museu de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o Centro Cultural da Justiça Federal, o Passeio Público e os Arcos da Lapa, reduto da boemia carioca. São construções erguidas na primeira década do século 20 e marcadas pela arquitetura eclética.
Siga a pé da Cinelândia, passando pelo Largo da Carioca,
até a Praça Tiradentes. Após mais alguns passos estará diante do Largo de São de Francisco de Paula, de 1742, e a poucos metros do majestoso Real Gabinete Português de Leitura. O edifício foi projetado pelo arquiteto português Rafael da Silva Castro e evoca o estilo gótico-renascentista. Não muito longe dali é obrigatório conhecer a centenária Confeitaria Colombo e seus espelhos monumentais.
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Foto Alexandre Macieira / Riotur
Brasil (foto) –, inaugurada na década de 40.
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Modernismo carioca Os exemplos da arquitetura moderna se
multiplicam pelo Rio. Entre eles está o Palácio Gustavo Capanema (foto), de 1947 (hoje ocupado pelo Ministério da Cultura) e o predio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), de 1939. “Foram feitos pelos mestres da arquitetura moderna”, explica a professora e pesquisadora da UFRJ Helga Santos da Silva. A ABI é considerada a primeira grande obra moderna no Brasil. Foi fruto de um concurso realizado em 1935 e que teve como vencedores os irmãos Marcelo e Milton Roberto, lendas da arquitetura brasileira. O projeto do Palácio Capanema teve como consultor Le Corbusier, o arquiteto franco-suíço que é tido como o pai do Modernismo. Ao lado dele trabalharam grandes nomes da arquitetura brasileira: Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão e Ernâni Vasconcelos. Também fazem parte do legado moderno o Museu de Arte Moderna, o Aeroporto Santos Dumont, o Aterro do Flamengo e o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, na Praia do Flamengo. “Estes projetos Foto Marcos Leite Almeida
integraram a paisagem com as intervenções urbanísticas”, explica Helga. “O Aterro, por exemplo, é um grande parque linear com paisagismo de
Foto Alexandre Macieira / Riotur
Roberto Burle Marx.”
Barroco nos morros
É no alto do Morro da Conceição que está a imagem
de Nossa Senhora da Conceição, o Forte e o antigo Palácio Episcopal (hoje Museu Cartográfico do Exército). No local há diversos sobradinhos de arquitetura portuguesa restaurados e que hoje funcionam como ateliês e espaços culturais. Outro morro que merece ser visitado é o de São Bento. “Num só lugar temos uma construção moderna, que é o Colégio São Bento, e a Igreja (foto) e o Mosteiro de São Bento, que são obras originais do Rio-Colônia”, explica o arquiteto Sérgio Ferraz Magalhães. O interior da Igreja de São Bento é riquíssimo, totalmente forrado com talha dourada que vai do estilo barroco de fins do século 17 ao rococó da segunda metade do século 18.
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Le Corbusier fez da funcionalidade um lema e influenciou toda a arquitetura moderna, com reflexos importantes em nosso país
Revolução em concreto patricia ribas
D
e arquiteto para arquiteto: uso racional de espaços, simplicidade de linhas, “Homem que enfrentou entre outras inovações que lhe garantiram os
falsos
conceitos notoriedade e reconhecimento mundial.
e a incompreensão Corbusier viajou o mundo divulgando suas acadêmica, acrescentando ideias e assimilando referências, realizou
à palavra escrita e falada a constante surpresa projetos em diversos países, conviveu com de sua própria criação.” Assim Lúcio Costa artistas e celebridades de sua época, como definiu seu grande mestre, Le Corbusier, ao os pintores Gustav Klimt e Pablo Picasso, e o escritor Fernando Sabino. A definição não físico Albert Einstein. Além de Lúcio Costa, foi o poderia ser mais adequada. Charles Edouard mentor de toda uma geração de profissionais Jeanneret-Gris (1887-1965), autobatizado Le brasileiros – inclusive de Oscar Niemeyer. Corbusier, foi responsável por uma verdadeira revolução de conceitos dentro da arquitetura.
Foto Fundação Le Corbusier
Com ele surgiram as noções de funcionalidade,
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Interior do apartamento de Le Corbusier, em Paris (França), usado também como ateliê. A escada leva ao jardim no terraço.
Foto Willy Rizzo
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Retrato produzido pelo fotógrafo Willy Rizzo em 1953 e divulgado pela primeira vez ao público recentemente. Série de fotografias foi considerada uma raridade pela Fundação Le Corbusier.
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Foto Divulgação
Tragam o mestre Le Corbusier esteve diversas vezes no Brasil. Da prancheta dele saíram projetos ousados para o Rio de Janeiro, cidade onde fez grandes amigos e deixou seu legado
“S
em Le Corbusier não haveria Nie-
projeto dele para o Rio, em 1929: uma cons-
meyer. O ‘grau zero’ do vocabulário
trução linear de seis quilômetros de extensão
plástico de Niemeyer é facilmente identificável
que serpenteava a Baía da Guanabara. Mas
nas obras de Le Corbusier”, sustenta Rodrigo
Le Corbusier era, antes de tudo, um viajante.
Queiroz, um dos curadores de uma mostra es-
Sua obra é consequência da interpretação de
pecial realizada recentemente na Universidade
diversas referências, do mundo todo”, avalia.
de São Paulo sobre a primeira viagem de Le
Le Corbusier visitou nosso país em 1929, 1936
Corbusier ao Brasil (Le Corbusier – América Do
e 1962. Esteve em São Paulo, Rio de Janeiro
Sul – 1929). “A importância de Le Corbusier para
e Brasília, além de ter feito uma breve passa-
a arquitetura moderna brasileira é indiscutível.
gem pela cidade de Santos.
A obra de Niemeyer, nosso maior arquiteto, é a
Em um perfil de Lúcio Costa, de 1973, o
síntese poética entre Le Corbusier e a paisagem
escritor Fernando Sabino conta que a ideia
brasileira”, afirma Queiroz, que também esco-
de trazer Corbusier ao país para que colabo-
lheu a relação entre o arquiteto franco-suíço e
rasse no projeto do Ministério da Educação
Niemeyer como tema de sua tese de doutora-
(atualmente Palácio da Cultura) veio do ar-
do. “De fato, Le Corbusier talvez tenha sido o
quiteto brasileiro, então à frente da equipe
maior arquiteto da primeira metade do século
do projeto, que incluía Carlos Leão, Affonso
passado, para muitos o maior arquiteto do sé-
Reidy, Jorge Moreira, Ernani de Vasconcelos
culo XX. A gigantesca dimensão pedagógica de
e Niemeyer. “Era bom?”, escreve Sabino. “Só
sua obra foi responsável pela formação de ge-
mesmo consultando o mestre”. A partir dis-
rações de arquitetos trocar por ‘corbusierianos’
so, Lúcio Costa em pessoa teria ido falar com
nos quatro cantos do mundo”, diz.
o presidente Getúlio Vargas para que libe-
Em contrapartida, Queiroz acredita ser
rasse verba para a visita, que se estendeu por
difícil afirmar que o Brasil tenha impactado
três meses e influenciou toda uma geração
diretamente na obra de Le Corbusier. “É claro
de profissionais brasileiros. Diz o escritor: “E
que o arquiteto ficou fascinado pelo ambien-
foi assim que surgiu o Ministério da Educa-
te, especialmente pela paisagem da cidade
ção, primeiro marco na história da arquitetu-
do Rio de Janeiro. Isso se reflete no próprio
ra moderna do Brasil”.
“Brasília está construída. Eu vi a nova cidade. É grandiosa em sua invenção, coragem e otimismo; ela nos fala desde o coração. É obra de dois grandes amigos e, através dos anos,
“Le Corbusier enfrentou muitos obstáculos para pôr suas ideias em prática – desde a eliminação do ornamento e outros elementos tradicionais do projeto até a defesa da funcionalidade e da utilização do concreto armado como material plástico e não somente estrutural – e conseguiu contornar quase todos, transformando-se em um dos arquitetos mais visionários do século passado”, afirma o arquiteto e engenheiro civil Antonio Castelnou, professor doutor de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Ele influenciou definitivamente a história da arquitetura e urbanismo, assim como o próprio perfil do arquiteto como profissional”, continua Castelnou. “Surpreendeu àqueles que o rotulavam como dogmático por meio de obras e projetos inovadores, alguns dos quais até contradiziam seus trabalhos anteriores. Estava sempre disposto a revisar seus conceitos e transformar-se, adaptando sua arquitetura ao seu tempo.” “Três grandes gênios marcaram a cultura no século XX: Pablo Picasso, nas artes plásticas, Ígor Stravinski, na música, e Le Corbusier, na arquitetura”, diz Luís Salvador Petrucci Gnoato, arquiteto e professor doutor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). “Cada um em sua esfera de atuação revolucionou Sistema de construção industrial baseado em elementos modulares desenvolvido por Le Corbusier. É chamado de Casa Dom-ino.
companheiros de luta: Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. No mundo moderno, Brasília é única. No Rio há o Ministério da Educação e Saúde Pública (1936-1945). Há as obras de Reidy [Affonso Há muitos outros testemunhos. Minha voz é a de quem viaja através do mundo e da vida. Permitam-me, amigos do Brasil, dizer-lhes muito obrigado!”
Registro de Le Corbusier em sua Oeuvre Complète (Obra Completa) após a última visita que fez ao Brasil, em 1962, a pretexto de fazer o projeto da Embaixada da França na recém-inaugurada Brasília, concebida dentro de muitos de seus princípios.
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Foto Fundação Le Corbusier
Eduardo Reidy, arquiteto brasileiro]. Há o monumento aos que tombaram na grande guerra.
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Foto Takashi Hira
A Villa Savoye: casa projetada por Le Corbusier na década de 20 e considerada um dos maiores ícones da arquitetura moderna do século 20.
Um corvo no Zepelim O pseudônimo “Le Corbusier” seria uma referência à palavra francesa para corvo (le corbeau), alguns dizem que por influência do avô materno do arquiteto, outros que como uma referência ao sobrenome de sua bisavó (Lecorbésier).
foto em baixa
A primeira visita que Le Corbusier fez ao nosso país, em 1929, era parte de uma turnê pela América do Sul. No navio que o trouxe da Europa conheceu a então Fotos Fundação Le Corbusier
famosíssima cantora Joséphine Baker, a “Vênus Negra” (que acabou servindo de modelo para ele, inclusive para alguns desenhos de nus). Já na América do Sul, fez seu primeiro voo de avião, o que lhe conferiu uma nova perspectiva das cidades e paisagens, com reflexo nos seus trabalhos seguintes.
Quando veio ao Brasil em 1936, a convite do governo brasileiro, para auxiliar no projeto do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, Le Corbusier chegou ao Rio a bordo de um Zepelim.
Le Corbusier morreu aos 78 anos, em 1965, afogado no mar Mediterrâneo quando mergulhava em uma praia na cidade de Cap-Martin, na Riviera Francesa (supostamente seguindo recomendações médicas). Ali
La Roche (acima) e a Capela de Ronchamp (abaixo), outros dois famosos projetos do arquiteto.
também foi sepultado. O projeto do túmulo é dele – foi concebido cerca de oito anos antes de sua morte.
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e mudou a maneira de pensar a arte. Como
por alguns no meio acadêmico – é preciso
o nome e trabalho reconhecidos, Le Corbusier
característica comum, utilizaram em suas longas
enfocar o trabalho do arquiteto em dois
inicia a fase brutalista. Passou a explorar as
carreiras múltiplas concepções e formas de
momentos: o primeiro vai da sua formação
potencialidades plásticas do concreto aparente
expressão.” Além de trabalhar como arquiteto
acadêmica até a Segunda Guerra Mundial
(béton brut), trabalhando com massas, texturas
e urbanista, Corbusier atuou como artista
(1939/45); o segundo, do pós-guerra ao seu
e contrastes em luz-e-sombra, o que fez com
plástico (gravador, pintor e escultor), designer
falecimento, em 1965. “Em sua primeira fase,
que suas obras ganhassem em peso e escala.
de móveis e escritor, com destaque e uma
racionalista, Le Corbusier empenhou-se em
Mesmo assim, não abandonou a questão da
vasta produção em cada uma dessas áreas –
implantar, experimentar e divulgar os princípios
eficácia tecnológica ou funcional, nem sua
especialmente na literária, com a publicação de
de uma arquitetura – e também uma cidade
postura universal e antidecorativa”, afirma.
diversos livros em que apresentava e defendia
– baseada na economia e na racionalidade.
Gnoato lembra que foi Le Corbusier, em
suas convicções, tanto em arquitetura, quanto
Para tanto, estabeleceu a pureza de planos e
manifesto publicado em 1927, o responsável
nas artes plásticas, além de muitos ensaios,
volumes (abolição de elementos decorativos
pelo que ficou conhecido como “os cinco
artigos e conferências.
e tradicionais); o emprego de materiais
princípios da arquitetura moderna”. A saber, o
industrializados (padronização de formas e
uso nos projetos dos seguintes recursos: pilotis,
métodos) e a funcionalidade (lógica e eficiência
terraço jardim, estrutura independente, planta
Castelnou explica que para determinar os
de uso) como as características fundamentais
livre e janelas em fita (a primeira obra dele
pontos marcantes da carreira de Le Corbusier
dos espaços a serem produzidos para o homem
que reuniu essas características foi a Maison
– ou simplesmente “Corbu”, como é conhecido
moderno”, conta o professor. “Depois, já com
La Roche, em Paris, executada anos antes da
Arquitetura antidecorativa
Fotos divulgação
Em Curitiba, a Casa João Bettega, de 1953, transformada em Casa Vilanova Artigas, interpreta as casas corbusianas dos anos 1920.
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_grandes arquiteos_le corbusier
publicação do manifesto, entre 1923 e 1925, hoje sede da Fundação Le Corbusier). “Em Curitiba, a Casa João Bettega, de 1953, transformada em Casa Vilanova Artigas, com sua promenade
architecturale, suas rampas e espaços internos, interpreta as casas corbusianas dos anos 1920”, ilustra o arquiteto. “A sede do Paraná Previdência, antigo Instituto de Previdência do Estado (IPE), projetado por Joel Ramalho e pelo escritório
Três grandes gênios marcaram a cultura no século XX: Pablo Picasso, nas artes plásticas, Ígor Stravinski, na música, e Le Corbusier, na arquitetura.” Luis Salvador Petrucci Gnoato, arquiteto e professor doutor da PUC-PR
Forte-Gandolfi, em 1967, inspiram-se na fase brutalista de Le Corbusier, como o Monastério La Tourette, de 1953”, aponta. Gnoato conta que Le Corbusier, como um dos líderes dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciams), também foi um dos signatários do urbanismo da Carta de Atenas (1933). “Ali foram estabelecidos os conceitos da cidade funcional: morar, trabalhar, circular e recrear. A construção de Brasília, projetada por Lúcio Costa, em 1956, é um dos exemplos destas concepções”, diz o professor.
sobre o arquiteto Conheça:
Fundação Le Corbusier http://www.fondationlecorbusier.fr 10, square du Docteur Blanche - 75016 - Paris Leia:
Le Corbusier: riscos brasileiros Elizabeth D. Harris Editora: Edusp, Nobel, São
O fotógrafo Willy Rizzo capta um momento de intimidade de Le Corbusier, rodeado por pinturas em seu apartamento.
Foto Willy Rizzo
Paulo; 1ª edição, 2002
arqviva /79
Ilustração Natalia Richert
Artigo_
por
Antonio Castelnou *
A coerência como legado L
"
Le Corbusier enunciou
os princípios para uma arquitetura que seria dimensionada e desenhada conforme sua eficiência utilitária.”
80/ arqviva
e Corbusier foi mais que
nascentista criador da Monalisa
ou, em outras palavras, nas neces-
um arquiteto mundial-
–, Le Corbusier deixou mais de
sidades de uso e funcionamento
mente famoso e reconhecido
400 telas, aproximadamente 90
dos ambientes, tanto privados
como um dos maiores mestres
esculturas e tapeçarias, cerca de
como públicos. Por meio de seu
da arquitetura moderna: atuou
80 construções e 40 livros, sem
pensamento e obra, Le Corbusier
também como pintor, escultor,
contar uma imensa quantidade de
enunciou e aplicou os princípios
gravador, designer de móveis,
projetos e propostas urbanísticas,
para uma arquitetura e cidade
planejador urbano e escritor,
que influenciaram e ainda influ-
que seriam dimensionadas
cujo conjunto da obra representa
enciam profissionais em todo o
e desenhadas conforme sua
uma imensurável contribuição
mundo, especialmente quando se
eficiência utilitária, circulatória
para a forma de pensar e produzir
aborda a inter-relação entre arte,
e tecnológica.
o espaço para o homem, seja
tecnologia, design, arquitetura e
privado ou público, considerando
urbanismo. Maior propagandista
sível usar uma só palavra para
o desenvolvimento industrial
da construção e planejamento
definir toda sua obra, mas ar-
moderno e aproximando ma-
modernos, ele viajou por vários
risco: coerência. Foi algo que
gistralmente arte e máquina.
países e disseminou conceitos que
Le Corbusier sempre buscou
Defendia a lógica, a eficiência
chegaram a se tornar verdadeiros
entre forma e conteúdo na ar-
e a funcionalidade tanto em
dogmas profissionais, os quais
quitetura; entre teoria e prática
edificações como em cidades,
ainda hoje provocam discussões
na profissão; e entre homem e
produzindo textos e proferindo
acirradas, tanto dentro como fora
arquiteto na vida.
palestras que influenciaram mui-
da academia.
tas gerações de profissionais, que
passaram a compreender o papel
influência corbusieriana em
transformador da arquitetura e
todos os níveis consiste na teoria
sua responsabilidade em criar
funcionalista em arquitetura e
espaços de qualidade funcional,
urbanismo, ou seja, a síntese
técnica e estética.
de ideias, posturas e metodo-
Considerado por alguns como
logias que embasariam a forma
*Antonio Castelnou é professor
um Leonardo contemporâneo
arquitetônica no estudo e análise
– em referência ao mestre re-
da funcionalidade dos espaços
doutor de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Creio ser quase impos-
Acredito que a principal
_ RECORTE DA CIDADE
A construção da cidade e do homem
foto de Rafael
A
Carlesso
o visitar o Rio de Janeiro, em 2007, o fotógrafo
Rafael Carlesso inspirou-se pelas pessoas que visitavam o edifício da Fundação Oscar Niemeyer, que estava em construção em Niterói, no Rio de Janeiro. A obra faz parte de um complexo chamado Caminho Niemeyer. Ele captou o instante em que o concreto nu das paredes e a fragilidade das estruturas são revelados. Na imagem, o homem contrasta com o caráter monumental da arquitetura retratada, que assume o papel de protagonista – ainda que parcialmente em sombras. “A escala foi estabelecida a partir da dependência mútua dos objetos”, explica. “O resultado é a representação
"
A fotografia é a construção da memória, pois é perpetuada pelo espaço e tempo que atravessam as lentes da câmera.” Rafael Carlesso, arquiteto, urbanista e fotógrafo 82/ arqviva
de uma arquitetura inacabada. As pessoas fazem parte de um sinônimo conceitual que reflete a eterna construção da condição humana.”