Maria Manoel Oliveira // Conversa com Estudantes: Largo do Toural

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Maria Manoel Oliveira

Renovação do Largo do Toural Conversa estudantes com

Maria Manuel Oliveira, arquitecta pela Escola Superior de Belas-Artes do Porto (1985) é, desde 1997, docente na Escola de Arquitectura da Universidade do Minho. Desenvolve prática arquitectónica no âmbito do Centro de Estudos (CEEAUM) - que fundou e foi Directora entre 2009 e 2016. Foi Presidente de Escola (2015-2018).

Membro do Laboratório de Paisagens, Património e Território (LAB2PT), os seus interesses de investigação centram-se, actualmente, no campo da intervenção em património edificado e áreas de abandono na cidade. Exerceu profissão liberal entre 1988 e 2002, tendo anteriormente trabalhado no Gabinete de Planeamento Urbanístico da Câmara Municipal de Guimarães, leccionado no Departamento de Arquitectura da Faculdade de Engenharia da Universidade de Angola (Luanda) e na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP), onde integrou o seu Centro de Estudos.

Em 15 de maio de 2023, Maria Manuel Oliveira cedeu uma entrevista com alunos do Mestrado Integrado da FAUP. O grupo era composto por Arthur Machado Dinis, Júlia

Moraes, Kenzo Furumoto de Oliveira e Paulo Motta.

MMO: Maria Manuel Oliveira

AD: Arthur Machado Dinis

JM: Júlia Moraes

KO: Kenzo Furumoto de Oliveira

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KO Primeiramente obrigado, professora, pela disponibilidade em nos encontrar. Agradeço em nome de todo o grupo.

Gostaríamos de conversar sobre o projeto de renovação do Largo do Toral, da rua e da Alameda de Santo Antônio. Projeto que a professora foi convidada pela Câmara Municipal de Guimarães para tomar a frente, no âmbito da candidatura da cidade para ser Capital Europeia da Cultura na altura. Então a primeira pergunta é: como surgiu esse convite?

MMO Bom, este convite tem uma história um pouco antiga. Começou em 2007, quando a Câmara ganhou a candidatura para Capital Europeia da Cultura e elegeu, se não me engano, cinco projetos base em que se iria empenhar, profundamente, para enfrentar essa situação. E tinha muito a ver, de facto, com o espaço público, sendo bastante variados, e não eram todos na cidade.

Todos os projetos foram apresentados publicamente em audiência. Assisti essa apresentação em 2007, e havia um projeto para o Toural que previa fazer um parque de estacionamento mesmo ali no centro.

Bom, como podem imaginar, trazer um parque de estacionamento para o coração da cidade levantou ali uma serie de questões, em várias pessoas e em várias associações culturais, sobretudo, que aqui em Guimarães, são bastante ativas, ou pelo menos eram bastante ativas. Assim, decidiu-se organizar uma grande discussão publica.

Nessa altura, suponho que ja em 2008, organizaram uma grande conversa na sociedade Martins Sarmento, uma das associações mais ativas na cidade, e fui convidada para participar da discussão. Acontece que os técnicos da Câmara estavam muito interessados e a favor do projeto. Assim como os comerciantes veem sempre vantagens em trazer carros para perto das lojas. Logo, havia por parte do poder instituído um sentimento muito

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favorável em relação ao projeto e a obra.

A PRESENÇA DO ARQUITECTO NA COMUNIDADE

MMO Confesso que, para mim, aquilo era completamente absurdo, não fazia nenhum sentido trazer carros para o coração da cidade. Isto hoje em dia é mais do que evidente, mas em 2009, já lá vão quase 15 anos, não era tão evidente quanto isso. Até porque a Câmara tinha vários parques de estacionamento muito próximos e parte deles estavam fechados por que estavam vazios.

Portanto, quando fui convidada para participar nessa discussão, confesso que fiquei um bocado atrapalhada por que sabia que o sentimento geral do poder instituído era a favor, mas que havia muita gente, cidadãos e pessoas aqui da cidade, com muitas dúvidas em relação a isso. Parecia-lhes um pouco estranha essa solução, mas também não tinham muita argumentação de caráter técnico ou arquitetónico e daí terem me convidado. De fato eu não os conhecia então eles me convidaram completamente às escuras.

Percebi que tinha de ter uma posição clara naquela discussão e cheguei a conclusão de que não valeria a pena argumentar mais, ou seja, entrar em muitos pormenores na conversa. Porque o que as pessoas estavam a discutir face ao projeto que vinha já era sobre a cor dos bancos, se ia ter árvores ou não, e, portanto, estavam-se a focar em questões de pormenor que fugiam a grande questão.

Resolvi ser muito sintética e focar exatamente nessa questão do significado de trazer para a cidade mais 300 ou 400 carros no centro da cidade. Havia uns desenhos e uns renders fantásticos, mas não estava explícito nessas imagens o impacto que a obra traria a cidade. Não

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estava claro também o que viria a aparecer na superfície, toda a parte técnica e infraestrutural que esses parques exigem.

Também me perturbava muito o fato de que essa decisão obrigaria a tornar o Toural numa espécie de uma superfície de nível, quando ele não é de todo de nível e portanto, quem estava do lado de cima, na parte conhecida por Toural de Cima, ficaria a uma cota que faria o topo de baixo praticamente desaparecer. Era uma intervenção, do meu ponto de vista, violentíssima na cidade e sobretudo sem qualquer espécie de justificação.

Bom, lá se fez o tal debate, que foi muitíssimo participado. Estavam na mesa um historiador, um geógrafo, o arquiteto que fez esse anteprojeto. Estava também o representante da Câmara que tinha acompanhado todo o processo e que defendia a solução e estava eu. Portanto, eu sabia que as intervenções que eram do geógrafo e do historiador foram muito corretas, mas não foram propriamente críticas, diria eu, do ponto de vista de um olhar urbano sobre as consequências de um projeto desse tipo.

A Câmara e o arquiteto estavam a defender o projeto e eu ali completamente isolada, ou quase completamente isolada com uma fila a frente da Câmara, o presidente, os comerciantes e uma sala cheia de gente, por que a cidade estava realmente muito empolgada com essa discussão.

Quando chegou a minha vez de falar, levei um pequeno texto, uma coisa muito curta, escrita e disse que ia ler por que assim centrava-me absolutamente no que queria e não me perderia em pormenores, porque achava que isso não era interessante. Então expliquei-lhes que não ia discutir árvores nem cores dos bancos, nem se a fonte era mais bonita ou mais feia, mas queria discutir o princípio e que supunha que era isso que era importante para a cidade discutir, e que, do meu ponto de vista, esta obra criaria aqui uma ferida indelével e que não é assim que devemos trabalhar nas cidades a não ser em casos

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de extrema urgência.

Disse-lhes também que isto não tem nada a ver com uma atitude conservadora, até por que o Toural foi, desde sempre, uma espécie de imagem contemporânea da cidade. Portanto, enquanto o centro histórico for se mantendo mais ou menos estável e reconhecido como tal, e a cidade há muito tempo tem também esse sentimento coletivo de que é o berço da nação, o Toural sofre sempre remodelações periódicas.

É no Toural que se reflete a contemporaneidade e, portanto, longe de mim estar a dizer que não se deveria intervir, pelo contrário, sim, mas que a intervenção tinha de ser cuidadosa, cautelosa, enfim, respeitar uma série de temas que tem que ver com a questão do excesso de automóveis dentro da cidade, que as políticas deveriam ser outras etc.

Esta conversa foi curta, foi um textinho que eu li, muito pequeno, mas teve uma adesão muito grande das pessoas que estavam a assistir e, portanto, a discussão a partir daí gerou-se noutros moldes. Falei da questão da enorme rampa que ia dar cabo de uma rua, de por que é que havemos de trazer carros para dentro da cidade se temos já excesso de automóveis, por que é que havemos de abrir um buraco tão grande quando temos tanto espaço de estacionamento aqui a volta etc.

A discussão ocorreu de tal maneira que o presidente da Câmara sentiu-se constrangido a ir falar ao fim e disse que se a vontade da população de Guimarães fosse realmente muito contra ter ali um parque de estacionamento nessas condições, que a Câmara comprometia-se a reavaliar a situação. E, portanto, para mim o assunto acabou naquele dia.

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O PROJETO COMO PARTE DE UM TODO

MMO Até que em 2009, cerca de um ano e meio depois desta sessão, fui chamada a Câmara Municipal, ainda com o mesmo presidente da Câmara, com uma nova composição na vereação, e foi-me feito o convite para fazer o projeto. Admito que deixou-me bastante aflita porque eu estando aqui a dar aulas não sabia muito bem como lidar com os prazos curtos e a responsabilidade, sobretudo numa cidade como Guimarães, em que toda a gente esta com mil olhos em cima do que se esta a fazer.

Mas a verdade é que era um convite irrecusável e, portanto, foi a pretexto desse convite, eu pus-lhes algumas condições que foram aceites. Nomeadamente que o parque era um assunto definitivamente arrumado, portanto não faria nunca parte do programa de renovação e eu quem escolheria a minha equipe, além de outras questões que foram todas aceites. E eu aceitei o trabalho.

Na altura, tinha duas possibilidades: ou metia uma licença sem vencimento aqui na Escola e ia para o ateliê fazer o trabalho ou então montaria um CE.

Eu trabalhei no CE da FAUP, junto com Nuno Portas, e sempre tive fascínio de que as faculdades tenham gente a trabalhar ali dentro em projetos de arquitetura e investigação.

Logo, o CE foi montado a propósito deste projeto. Foi muito intenso, porque existia um tempo muito curto, e um programa que, desaparecido o primeiro, praticamente nao existia, portanto, tínhamos que montá-lo e discuti-lo com a Câmara.

O programa definido foi muito simples: atualizar o desenho do Toural, que data os anos 50, época do Estado Novo, e torná-lo adequado a vida urbana atual. Este programa muito elementar foi a base da nossa discussão, e admito que para mim foi muito duro, porque eu nunca tinha trabalhado num espaço publico de tamanha dimensão.

Uma visita que fiz à Brasília nessa altura foi importantíssima, de repente percebi como que aquele desenho

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tão cuidadoso em relação a tudo que era o desenho de chão. E, portanto, o que propomos foi um desenho de chão, entendendo o chão como o tema e os edifícios como uma espécie de geologia, que é o que diz o paisagista Günther Vogt, trabalhar no espaço intersticial.

Tive também sorte rara de ter muita gente boa a trabalhar comigo, quer na equipe, quer na fase de construção. E nessa equipe foi fundamental a parte da mobilidade, orientada por António Babo, que é uma das pessoas mais extraordinárias que temos em Portugal. Foi com ele que percebi que o projeto, especialmente dessa dimensão, tem de ser colaborativo nas frentes todas. Portanto foi um processo muito interessante também do ponto de vista metodológico, em que eu estava perante uma situação nova e muito enriquecedora do ponto de vista disciplinar.

Essa é a história de como o projeto veio ter a mim e depois à Escola com o CE.

UMA OUTRA ATIVAÇÃO DA UNIVERSIDADE

MMO O CE, a partir daqui, passou a catalisar uma série de projetos. Nós só trabalhamos à convite, portanto não concorremos e não estamos no mercado, propriamente. Só aceitamos projetos que, de alguma forma, tenham implícito o trabalho de investigação e também só aceitamos trabalhos que são pagos devidamente e que tenham o tempo necessário para serem estudados, portanto é uma situação altamente privilegiada desse ponto de vista. Digamos que é isso que nos diferencia daquilo que pode ser um ateliê externo. Não temos esses constrangimentos de ter de aceitar tudo e as vezes de formas mais penalizadoras para quem está a fazer o projeto de arquitetura.

JM Como foi a montagem desse grupo de estudos e

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como que foi a receção por parte da Universidade quando você trouxe esse projeto?

E também a montagem dessa primeira equipe para poder desenvolver a renovação do Toural.

AD Se eu puder estender a pergunta, gostaria de saber também como que essa empreitada (CE) se manteve mesmo depois do termino do projeto do Toural, que acho que é o mais interessante.

MMO Bom, a receção da Universidade foi muito boa. Houve alguns problemas iniciais de estranheza, mas já aqui também se vocês virem na Psicologia em Braga eles também fazem atendimento ao público. Na Engenharia eles também fazem muitos trabalhos de investigação em particular. Portanto a Universidade já tinha uma série de ligações ao exterior e serviços em algumas de suas escolas.

Aqui em Arquitetura como a escola também era muito nova houve aquelas dificuldades iniciais meio burocráticas, e é evidente que nós também nos responsabilizamos.

No CE, cada projeto tinha de ser autossuficiente e autônomo, ou seja, não ia buscar dinheiro à Universidade, não ia pedir dinheiro a ninguém e ia com o seu próprio orçamento funcionar de uma maneira autônoma, se não também era uma preocupação de meter mais um peso na Universidade. Por esse lado correu bastante bem.

Fizemos um grupo muito pequeno e que na arquitetura eu convidei dois antigos alunos que estavam a acabar o curso para virem trabalhar, e, portanto, éramos os três, só, e eles recém formados, completamente. E íamos buscar pessoas também quando precisávamos.

Trabalhamos sempre com alunos, de uma forma geral. O João e o Rui, que já são arquitetos, são nossos ex alunos. Os que estão aqui a mais tempo estão há três, quatro anos, fazem aqui a formação à Ordem e acompa-

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nham o projeto do princípio ao fim. E depois também tem a vida deles, não é.

Portanto isto não é um ateliê no sentido mais tradicional da palavra. E depois renovamos, nós temos tido já várias vagas ao longo destes anos. O João já esta cá a três anos e o Rui também e, portanto, os trabalhos estão a acabar e muito provavelmente eles depois seguirão a vida deles e quando aparecer outro trabalho qualquer, virão. Tínhamos um grupo muito pequeno aqui, porque eu não consigo gerir grupos muito grandes em projeto e, portanto, éramos nós três e fui buscar o arquitecto Miguel Nery, na altura meu colega, para, por exemplo, chegar à fase do trabalho de projeto de execução e eu encontrava-me a dar as aulas, a fazer orientações e tal, não tinha muito tempo para estar tantas horas ali dentro. Portanto, conseguimos sempre fazer essa espécie de parceria. Devo dizer que nós também não ganhamos para além do que é o nosso vencimento. O dinheiro que entra vai todo para podermos fazer estas contratações pontuais. Conseguimos fazer uma série de trabalhos que doutra forma não teríamos oportunidade.

Bom, e nesse sentido, essa flexibilidade e a possibilidade de eu contratar e montar a equipe que pretendia, trabalhamos com a AfaConsult, no Porto, o Antônio Babo, a Maria João Cabral, que fez a arquitetura paisagista e portanto ficamos uma coisa muito próxima, eu diria que essa possibilidade de articulação fácil foi, de fato, o que permitiu fazer com que o trabalho tivesse corrido, apesar de tudo e de ser tão pouco tempo, tão bem. Agora, é claro que exigiu aqui da nossa parte muitas horas de trabalho, muitas noites, muitos fins de semana. Aquilo foram três anos absolutamente intensos, de estarmos aqui a trabalhar, enfim. Mas foi assim, uma gestão nada burocrática, tudo menos uma coisa hierarquizada e eu continuo a achar que é assim que deve funcionar. A partir do momento em que começam a burocratizar estes processos é para esquecer, nada mais funciona. Portanto

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uma proximidade grande, confiança entre nós, uma equipe pequenina, mas simpática, muito simpática.

CONSTRUIR COM A HISTÓRIA

AD Bom, a minha pergunta era sobre o que a professora começou a comentar, sobre o fato da cidade ter toda essa relação com a fundação do país e essa questão da História, e dessa relação com o Estado Novo e a instrumentalização de um passado que se tenta reconstruir mas que na verdade se constrói, não é? Porque é algo que nunca existiu, que nunca teve aquele tipo de configuração. Quando a professora diz que o desenho do Toural reflete contemporaneidade, achei isso muito interessante.

Como foi a experiência de lidar com esse risco de estar mexendo numa zona sensível, numa cidade com toda essa carga?

MMO Como já vos disse, eu nunca tinha tido essa experiência. Algo é tu trabalhares num edifício que se for representativo, tem logo um significado enorme, mas trabalhar no espaço público é outra realidade, em particular num sítio com esta área tão extensa, em pleno coração da cidade e com uma cidade, de facto, tão atenta.

Nós sabemos que estas discussões, da participação, é mesmo importante e as vezes é mais fácil lidar com ela com uma certa demagogia. Mas nós não estávamos de todo interessados em fazer esse papel demagógico em relação aquilo que seria a participação.

Pensamos que no tempo que tínhamos, da forma como estávamos a pensar em desenhar, precisávamos, por um lado, ter um trabalho que era relativamente transparente e por outro lado também ser bastante claros em relação àquilo que era o próprio projeto. Justificando sempre as opções que estávamos a tomar, porque de fato,

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o espaço público é o campo da grande discussão, das grandes contradições, paradoxos e dos interesses muito diversos. É uma questão de gosto também que se impõe de uma forma muito evidente e sim, eu senti sempre isto como um risco muito grande.

Muitas vezes dizia que quando isto acabar, se acabar, eu acho que não vou poder voltar à cidade durante uns bons tempos. Há sempre gente a odiar a solução e eu nem posso aqui passar.

Mas a verdade é que nós mal tivemos uma primeira possibilidade de solução pensando que íamos mexer o menos possível no chão. Íamos adaptá-lo ao projeto, mas sem grandes esforços, digamos assim, que íamos tentar reconhecer aquilo que era o chão, com suas qualidades. Num sítio é chão duro no outro é chão para arvores. Há sítios em que se mistura. Depois pensamos também que não queríamos de todo que se notasse qual era a zona de intervenção. Todas as pontas tinham de ser mais ligadas e dar continuidade. Um projeto silencioso nesse sentido.

Silenciosa do ponto de vista formal, mas por outro, catalisadora do ponto de vista contemporâneo. Mas simultaneamente ser esse tal lugar que permitia um futuro que nós desconhecemos e que não é da nossa responsabilidade direta e que não conseguimos dominar, portanto não fechar possibilidades, antes pelo contrário abrir.

Também tínhamos a certeza já na altura, que íamos recuperar todo o material que fosse possível de recuperar, e o fizemos. Nas ruas viramos os paralelos ao contrário, os bancos pintaram-se de novo, enfim, fizemos muito dessa reabilitação. Os chãos, o que havia e o que vocês vêem agora no Toural já estava no Toural.

Em termos daquilo que era a solução funcional o objetivo era controlar ao máximo a ocupação do automóvel, reduzindo os perfis transversais estritamente ao necessário. Sem retirar transito, mas condicioná-lo muito.

O que antes acontecia, e que as pessoas se

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queixavam, que é, imagina, entras em Guimarães porque vocês sabem que é o núcleo urbano de uma grande cidade que é o Vale do Ave, portanto, há todos os dias uma entrada muito grande na cidade. As pessoas atravessavam o centro, por exemplo, para ir ao Liceu, porque chegavam num instante.

Depois ficaram muito zangadas, “ah, eu antes atravessava o centro em quatro minutos e agora preciso de dezesseis”. E era exatamente isso que nós queríamos. Isso deixa de ser um sítio de atravessamento. É muito mais condicionado. Demora muito mais tempo. As pessoas passam a andar pela Circular e entrar por outros lugares.

Esta parte de reduzir ao máximo o que era a plataforma rodoviária, permitiu reduzir, não sei, quase 40% da área dedicada ao automóvel. E ao mesmo tempo também deixou, se pensarmos que num dia de festa ou aos fins de semana, a Câmara resolve laquear estas ruas ou a parte de cima, a Câmara pode fechar isto e o trânsito continua a fluir e não fica completamente interrompido.

Então era uma solução de compromisso grande entre o que podia ser o uso mais intensivo num sentido de um quotidiano eventualmente mais motorizado, se quiseres, e o que podia ser esse desaparecimento progressivo se o tempo caminhasse nesse sentido. Portanto, sempre nessa perspetiva de flexibilidade.

Em termos formais, nós estivemos a fazer o estudo, e tínhamos uma consultoria do Jorge Corrêa sobre a evolução da cidade. O que se tornou logo evidente perante uma gravura que havia é que, de facto, aquilo que o Toural era e tinha sido ao longo de grande parte do seu tempo, até meados do século passado, era uma espécie de um contínuo grande de um terreiro.

Com essa reorganização estadonovista, acabou por ficar a tal plataforma central com uma fonte no meio, e que já se tinha sido transformado anteriormente. Um chafariz que ali havia do século XVI, como havia em todas as praças em Viana do Castelo, em Caminha, etc., de abas

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tecimento de água e que era um chafariz muito importante retirado por causa do transito de automóvel em volta da plataforma central.

A questão era, como é que nós vamos voltar, e sabíamos onde estava esse chafariz, a trazê-lo para o Toural, para o sítio dele.

Ele veio para o mesmo lugar, e isso permitiu-nos voltar a esticar aquilo que se tinha tornado numa plataforma giratória curtinha. Voltar a esticar o Toural para essa imagem do terreiro com o chafariz lá em baixo, que acompanha ao mesmo tempo a grande fachada, que aqui se chama pombalina, mas é do tempo de D. Maria. Portanto do ponto de vista formal, o estudo da História, na verdade, ajudou imenso a encontrar uma perspectiva de desenho da nova plataforma.

Havia também uma igreja ao fundo que estava a fazer o remate desse anterior terreiro, ela foi demolida e reconstruída noutro lugar da cidade. Essa igreja desapareceu. Não podemos voltar a demolir uma igreja e trazê-la. Essa literalidade também não nos interessa. Mas a partir do momento que percebemos que era possível acrescer a massa de árvores que vinha da alameda elas vão fazer esse remate que tinha desaparecido com a igreja.

A FLUIDEZ DE UM BOSQUE URBANO

MMO A alameda é um sítio em que se entrava lá dentro a partir dos topos, mas era muito fechado por si próprios, com aqueles bancos uns a frente dos outros, em que praticamente ninguém usava ou que usava só pessoas mais velhas e que ao mesmo tempo faziam uma divisão ainda mais forte entre o que era o centro urbano entre muros daquilo que era couros.

A zona de couros era a grande zona industrial da cidade, onde faziam-se os curtumes e tinha, à época, mais tan

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ques que Fez, em Marrocos, já não sobram tantos, mas podem imaginar a importância que aquilo tinha na cidade.

Essa alameda, com as demolições que se fizeram, é como se tivesse fincado ainda mais aquela fronteira e, portanto, pra nós foi logo muito claro que tínhamos de transformar a alameda em uma outra coisa qualquer, e que em vez de separar, que fosse um sítio que permitisse ligar.

Agora para permitir ligar era preciso as pessoas terem a possibilidade de fluir, não terem que entrar e andar só no sentido longitudinal, mas também fazer atravessamentos da cota mais alta para a cota mais baixa.

Isso conduziu-nos à outra coisa que foi absolutamente essencial no desenho, que se era para o Toural voltar a ganhar esta extensão de terreiro, então vamos transformar a alameda em que? Vamos transformar a alameda num bosque urbano.

O conceito do bosque urbano foi fundamental para o desenho da alameda a seguir, porque se nós pensarmos no que é um bosque, a gente no bosque anda à vontade. Tem as árvores plantadas de uma maneira mas andamos por ali sem ter propriamente direções muito obrigatórias ou muito definidas.

Era então arranjar um chão que fosse poroso, em que não tivéssemos que meter drenagem, que fosse confortável para andar e que quem quisesse poderia estar sentado no chão, porque é um chão agradável.

Ao mesmo tempo pegar nesse lado completamente hierático dos alinhamentos das árvores e desconstruí-lo com uma implantação nova, eliminar as ruas que andavam aqui pelo meio que tornavam aquilo em plataformas muito curtas, segmentavam muito. Nós plantamos cerca de quase duzentas árvores novas, umas mudaram de sítio e aquilo não está acabado, porque havia mais umas plantações que a Câmara não realizou.

Aí a intervenção da arquiteta paisagista é incrível, por que tem de ser um arquiteto que saiba efetivamente de árvores. Ela sabia perfeitamente que para plantar aque

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la árvore, dizia: “Mas esse é para ser pequeno, se quisermos que ela fure tem de ser não sei o quê. Se for para ficar mais curta, como essa já existe, é então outra coisa” percebe?

Naturalmente, eu não sabia nada disso, eu só sabia que isso tem de ter flor, que é pra quando a flor cair fazer aqueles círculos no chão. Não é bem a flor lá em cima que estava a imaginar, e era por isso que dizia que quando fui à Brasília, no meio desse projeto, aprendi imenso. Essa coisa das flores a fazer círculos no chão é por causa dos ipês. As cores, é uma coisa extraordinária que acontece só durante uma parte do ano e dá uma transformação muito grande naquilo que é o sítio por onde tu andas. Eu lembro perfeitamente que me apercebi pela importância que era ter flores. Sim, é bonito estarem ali em cima, mas, de repente, é muito mais bonito estarem a fazerem aqueles círculos no chão.

Nós tínhamos lá árvores que tinham cotas que depois descobrimos, que no levantamento não estavam completamente certas. Depois, de repente, umas árvores estavam à trinta centímetros acima do que estava no levantamento. Vocês sabem que as ruas tem de ter continuidade, têm de ter inclinações certas para correr e de repente uma árvore estar trinta centímetros acima era o caos no desenho.

Nós fizemos a maquete umas atrás das outras a tratar sempre de perceber como eram as curvas de nível e como é que as podíamos adaptar, e não foi fácil de todo. Outro sítio muito difícil da topografia, isto foi também um trabalho topográfico imenso, foi o próprio Toural. Eu sabia que o Toural tinha um desnível, agora não imaginava é que da cota mais baixa do Toral para aquele canto assim mais alto, na diagonal, são quatro metros.

E depois a gente tira essa tralha toda ali do meio, tira os parterres. Eu depois percebi, claro, elas estão aqui por que estão a disfarçar. A gente olha e parece plano, mas, na verdade, são os parterres.

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Eu limpo isso tudo e agora o que é que se faz a isso, com quatro metros de diferença, quando chego ali é mais um piso, que horror! Há ali uma série de recursos, uma série de dispositivos que nos permitiu exatamente controlar esse sentido de não perceber exatamente os quatro metros de diferença que há.

E o desenho de todo esse miolo do Toural com a Ana Jotta também foi fundamental. Porque nós tínhamos a certeza que trazer pra ali o chafariz ia invocar na cidade tudo que era histórico. Nós tínhamos de trazer para aqui aquilo que é mais característico na longue dureé da História, algo absolutamente contemporâneo.

DA PLURALIDADE À RESPONSABILIDADE

MMO Portanto convidamos a Ana Jotta para uma obra de arte pública, ela fez aquele varandim e desenhou o chão. Nós lhes dissemos os limites daquela plataforma central, o sítio onde estava o chafariz, que esse não podia mexer de sítio e dissemos que há algumas árvores que precisam entrar aqui dentro. E, portanto, agora é contigo! e ah, tens que reutilizar o basalto e a quartzite que aqui havia e... só (risos).

Ela ficava sempre instalada num hotel em cima e nós reservamos um quarto com vista para o Toural, com varanda para o Toural e eu acho que tem a ver com isso. Ela teve uma solução genial que foi, primeiro, ela disse não quero saber dessa coisa horrível desse basalto e essa quartzite, fica tudo cinzento. E ela um dia aqui no CE, estava a olhar para as nossas plantas e escolheu um bocado que lhe pareceu graficamente bem, não tinha a ver com nada, e o chão que está lá é um bocado da planta da cidade à escala 1:5. Foi tudo picotado e é reconhecível, portanto resolveu o chão.

E em relação àquele varandim enorme, que por

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sua vez tem dois intervalos muito curtinhos e que formam uma espécie de curto circuito. Quer dizer, o Toural vai-se assim, mas quando se vê uma pessoa a atravessar o Toural ao contrário é alguém que sabe que ali há um intervalo, porque eles praticamente não se percebem, é como se fosse um atalho. Quando se vê alguém a ir assim, sabe-se que é alguém que conhece o Toral e sabe que ali pode atravessar naquele sítio, tem muita piada em termos dos movimentos que fazem.

Essa coisa de falar da intervenção em arte pública também é muitíssimo importante, nomeadamente dá esse cunho de contemporaneidade que foi super discutido aqui na cidade, entretanto foi o que correu pior de tudo.

Fizeram um abaixo-assinado para mandar abaixo a “grade” que nós chamamos o varandim Jotta, e eu nunca falei em público, nunca, ao longo do tempo todo. Veio aqui muitas entrevistas, fui à rádio muitas vezes, televisão veio aqui filmar o CE, fez muitas reuniões com toda a gente, agora nunca fui em público para os jornais discutir. Sempre me reservei, deixei as pessoas falarem e eu sabia que havia muita gente que era completamente contra o projeto por questões conservadoras e por questões políticas também.

Depois isso mistura-se tudo muito porque, de repente, os projetos são lidos de uma maneira em que politicamente estás a destruir uma coisa salazarista, e aqui há muita gente que gostava. “Ah, não vamos tocar em um dos nossos heróis nacionais”. Portanto eu acho que essa parte política também teve alguma expressão em algum tipo de discussões, mas, de fato, correu tudo muito bem, exceto o varandim da Jotta, que estive a achar nessa altura que, pela primeira vez, ia ter de escrever um artigo ou qualquer coisa para o jornal.

Eu nem estava em Portugal na altura, porque quando o projeto acabou e foi inaugurado eu fui-me embora, estava tão cansada, eu praticamente não assistia a Capital Europeia da Cultura. Fui para a África e estive lá

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também por quatro meses, em Moçambique, e de lá é que fui tendo estes ecos destas notícias. Entre coisas engraçadas que fazia, ouvia “então pra que que serve o varandim?”, como se uma peça de arte tivesse que servir.

Para nós, do ponto de vista da arquitetura, serviu imenso, porque definiu ali um alinhamento que precisávamos, fez uma fronteira não deixando uma coisa ficar completamente aberta, foi super interessante para nós. E alguns, às vezes, viam coisas nas redes sociais engraçadas e que me mandavam. Eu não tenho redes sociais, portanto vivo bastante descansada em relação a isso. Não frequento. Eu sei que isso me põe fora do mundo em algumas coisas, mas também me dá um descanso que confesso que continuo a preferir.

Havia aí um blog muito engraçado que inventava usos para o varandim. No Toural há uma cervejaria que é a cervejaria de Guimarães profundo, a Martins. Guimarães profundo vai ali à cervejaria e tinha um estacionamento à porta que nós tiramos e diziam “Uma vez que já não podemos ir à Martins de carro, vamos de cavalos” então faziam montagens de cavalos todos presos no varandim. “Serve para jogar tênis e pra pendurar a roupa a secar”. Portanto havia ali coisas divertidas mas havia ataques muito chatos.

Aliás, para aí um ano ou dois depois, houve uma grande exposição retrospectiva da Jotta no Porto em Serralves e eu fiquei muito contente, porque mais tardiamente era um reconhecimento nacional e internacional de sua importância no panorama artístico e isso foi super. Mas ainda hoje, acho que sempre que falam do Toural ninguém fala daquela peça, que é uma peça incrível.

Portanto eu acho que sim, que o trabalho reverberou um pouco para além de si próprio. E vai desaparecer, porque a Câmara vai agora fazer outro projeto qualquer. Já me comunicaram que vão fazer um projeto, não sei onde nem como, que tem a ver com pedonalização. Portanto esse foi, de todos os projetos do Toural, que iam durando 50 anos, 60, 70, esse durou 10. Eu não sei o que

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vão fazer agora, mas esta obra está prestes a desaparecer. Não deixa de ter graça. É um sinal dos tempos, da velocidade.

AD Reflete a contemporaneidade, não é?

MMO É, mas eu acho que temos que estar disponíveis para isso. Depois podemos discutir outras coisas, como se é no centro da cidade que se deve continuar a gastar dinheiro ou se é... percebe? Tenho muitas dúvidas em relação a essas intervenções sucessivas no centro histórico. É como se estivéssemos sempre a puxar o lustre à uma peça que já está super. Quando ao lado tem tantas coisas que precisavam de ser intervencionadas. Bom, mas é política, portanto isso já é uma leitura crítica da cidade, da maneira como se intervém, é outra discussão.

Quanto a nossa parte de arquitetura e enquanto arquitetos e autores, eu penso que as obras não são nossas, a gente faz seja para um cliente particular quanto mais para uma instituição. São deles e, portanto, larga-se a coisa e espera-se que apesar de tudo deixem um rastro no tempo que possa ter algum significado positivo no sentido da transformação, não é no seu congelamento, não acho também que seja isso.

UM PROJETO SILENCIOSO

KO A professora reforçou algumas vezes que o projeto do Toural é um projeto de chão. E como projeto de chão, me parece que ele lida, em alguns sentidos, com os desafios da questão da singularidade, da autoria e, de alguma forma, da tentação de ser visto. Esse meio de perceber a arquitetura que é realmente apelativa, principalmente para novos estudantes que geralmente

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tem o interesse pela arquitetura despertado por essas arquiteturas vistosas, fundamentadas em beleza e em excitação, não são, necessariamente, os recursos mais úteis para lidar com as problemáticas do corpo social como um todo. Nesse sentido, acho que essa obra da professora tem um quê de pedagógico. É uma impressão que lembro de ter enquanto seu aluno de Projeto 1, foi algo que, pra mim, foi marcante.

Então, de algum modo a atuação da professora parece muito desafiadora, ao conjugar toda a investigação teórica dentro da Faculdade, as aulas e a prática, em que não parece haver uma separação entre a vida dentro da Faculdade e uma atuação profissional fora dela.

MMO É verdade. O tanto quanto eu vejo e me esforço por fazer, não sei se consigo, entre os desejos e o que a gente vai fazendo há uma certa diferença, é verdade. Portanto, eu vejo, de facto, o desenho como ele também um instrumento de investigação. A gente investiga com o desenho, e não é só com o desenho, também há um limite, por que estuda, porque procura na História, na interpretação crítica da História, aquilo que são sinais que nos interessam e que de alguma maneira, nos instruem a fazer o projeto. Não é tanto no sentido mais do conhecimento canônico histórico.

Eu não vejo uma separação entre a investigação e o projeto. Eu acho que caminham a par e par, são apenas um, em que em alguns momentos está mais centrado no desenho, noutros está mais centrado em uma pesquisa teórica, de outra natureza. Mas acho que é uma convicção profunda minha e todo o trabalho que desenvolvemos no CE tem essa perspetiva, e de alguma forma, diria que sedimentou essa possibilidade de trabalho.

Para mim, isso é muitíssimo importante. É verdade que cada projeto é um projeto único, há projetos que precisam de falar de uma forma mais afirmativa, se quiseres, mais proclamativa da sua presença e acho que eles

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cumprem papéis diferentes. E há outros, de facto, que precisam de ser mais silenciosos. Eu não tive nunca dúvida de que a intervenção em espaço público, exatamente pela sua possível durabilidade é o espaço do direito à cidade, é o espaço da expressão cívica e pública. Eu acho que ele tem de ser um recetáculo dessas possibilidades e dessas diferenças que, naturalmente, mais ou menos do agrado do arquiteto vão acontecer. Portanto, não tenho dúvidas nenhumas em relação ao papel que o espaço público cumpre. Na altura, inclusive, estava-se muito naquela discussão de se o espaço público não era apenas o espaço do comércio e o que tentamos fazer aqui foi sempre uma afirmação no sentido de que, de facto, é um espaço da troca, mas são muitas trocas, não apenas no sentido da economia, pelo contrario, não deve ser privatizado. Deve ser cada vez mais reivindicado como plataforma de manifestação, da vida quotidiana e das situações excecionais de seus habitantes. E esse trabalho aqui em Guimarães, para além de ser uma área muito grande, circundava o centro histórico, tinha logo à partida uma questão imensa em relação aquilo que era sua visibilidade.

Primeiro, o centro histórico tinha sido todo trabalhado pelo arquiteto Távora, o que a mim me aterrorizava. Devo dizer que o arquiteto Távora foi meu professor, e esteve aqui na Comissão Instaladora também. Quando estive no Porto, trabalhei no CE e dei lá aulas, na FAUP. No tempo em que eu estudei, ainda na ESBAP, nós almoçávamos juntos todos os dias e enquanto estive aqui na Câmara em Guimarães, o arquiteto Távora era assessor da Câmara, juntamente com o arquiteto Nuno Portas, e, portanto, nós almoçávamos quando eles vinham.

Sempre tive muito respeito e proximidade ao arquiteto Távora, com alguns desacordos pelo meio que eram muito engraçados, mas eu senti-me, francamente, perante o peso que tinha aquela intervenção toda do arquiteto Távora: como é que eu vou lidar com esse assunto e com esse vizinho, com essa proximidade?

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Essa espécie de adaptação e de estabelecer continuidades, de trabalhar o chão de uma maneira discreta, mas também vai com a minha maneira de ser e de olhar... É tão importante o projeto em si, aquilo que está a volta, a tal geologia, é tão significativa que fala por si. Não é preciso nada aqui para se pôr em biquinhos de peso, que é preciso algo que faça refletir e reverberar essa condicionante que já lá está.

E é verdade que os anos passaram e muitas daquelas fachadas que estavam abandonadas foram vindo a ser recuperadas. Aquilo foi um tema. Isso Nuno Portas já dizia e já se havia verificado no centro de Guimarães. Quando o arquiteto Távora desenhou as praças, que era, reabilitar o espaço público, e um ou outro edifício charneira, teve um efeito de imitação e reverberação imenso. Portanto, é muito mais interessante em um determinado momento reabilitares o chão do que uma fachada toda, que um edifício, que dê um bom exemplo. Depois, a partir daí aquilo, replica.

É muito interessante essa maneira, antigamente se olhava mais para a reabilitação dos edifícios, e o Nuno Portas trouxe muito essa aprendizagem de “não. Vamos intervir no espaço público”. O espaço público é realmente um momento, uma força regeneradora brutal em relação às cidades.

E, portanto, foi muito útil, quer a lição do arquiteto Távora, sem dúvida nenhuma, e se vocês virem o que o arquiteto faz na cidade, ele também está a trabalhar o chão, serenamente, silenciosamente e a fazer vibrar aquilo que está a volta, portanto essa lição é absolutamente central. Como a do Nuno Portas, que diz que realmente é o espaço público, e o espaço público é das pessoas, não está ali disponível para se fazer ao entendimento de cada um que chega e fazer ali refletir a espuma dos dias, eventualmente. Tem de ser coisas com maior perenidade. Essas duas condições, eu acho que sempre, ao serem muito claras, informaram muito o desenho, para ser um desenho

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calmo. E eu acho que é um desenho calmo.

UMA GENTIL POSSIBILIDADE

JM Pensando nesse ciclo, após 10 anos, já com uma certa distância, e também nesse possível encerramento dessa fase do Toural, qual seria a sua avaliação geral desse projeto?

MMO Eu acho que foi um bom passo na cidade. Quer dizer, que foi bom romper com aqueles cânones que estavam ali estabelecidos em meados do século passado e que eram muito pouco interessantes do ponto de vista do uso da cidade.

Acho que na verdade se abriu ali um espaço muito grande que permitem enormes manifestações e que começou logo com Guimarães 2012, mas também quando no futebol ganha, no fim de ano, enche de gente. Isso não existia e agora funciona bem.

Também acho que foi bem plantar duzentas árvores a mais na cidade. Foi bem que aquele espaço central deixasse de ser uma fronteira marcada e que passasse a ser um espaço que liga. havia sítios em que eram passeios mesmo estreitos e conseguimos acrescentar mais um metro de passeio, poder passar autocarros em segurança, claro.

Quer dizer, as questões do desenho e da maneira como está resolvido, eu diria que é discutível. há coisas que eu percebo que poderiam ser diferentes, mas há por exemplo muita gente aqui na cidade com saudades do seu antigo Toural.

Entre discutir o que é uma solução, ou discutir aquilo que lá temos em termos de espaço urbano que temos e o que tínhamos, eu não tenho dúvidas que agora é um espaço urbano muito mais interessante porque mais

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aberto do que era antigamente.

Agora, pelos vistos, já é um espaço que não estará adequado a necessidade de hoje em dia então vamos a ver o que será realmente preciso. Eu, pese embora o fato, de evidentemente ser suspeita, eu acho que a cidade ganhou com essa intervenção, sem estarmos propriamente a falar do desenho, compreendem? Pelos princípios e por aquilo que abriu em relação a uma coisa que era muito datada, muito fechada, e a partir de valores que eu confesso que, traduzidos em desenho e espaço, me pareciam muito pouco interessantes. Agora, podia haver realmente mil e uma outras soluções, certamente.

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As fotos a seguir foram tiradas durante a visita ao Centro de Estudos da EAAD. As quais incluem maquetes do projeto produzidas pelo centro de estudos,

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Maquete da proposta para o Largo do Toural produzida para exposição. Nela estão desenhados os alinhamentos finais de refino, os elementos principais do largo e a envolvente próxima.

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Maquete da proposta para a Alameda de São Dâmaso. Vemos a importância da vegetação e do trabalho com as curvas de nível.

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As próximas fotos foram tiradas do livro de compilados de registos produzidos pelo Gabinete Técnico Local da Câmara Municipal de Guimarães acerca da renovação do centro histórico da cidade que se iniciou na década de 80.

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Planta do centro da cidade de Guimarães com as intervenções do GTL assinaladas a cores, incluindo as obras de Fernando Távora como a renovação da Praça de São Tiago e Largo da Oliveira e Edifício da Polícia de Segurança Pública.

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Recorte de manchete de jornal da época quando o centro histórico de Guimarães foi listado como Património Mundial da Unesco em 2001 coroando o trabalho de renovação gerido pelo GTL

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Carta de recomendação do arquitecto Álvaro Siza Vieira.

Em 2019 o Centro de Estudos produziu um catálogo compilado de todos os projetos por eles produzidos, expondo a grande quantidade e qualidade dos seus esforços.

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Mosaico de fotos da sala do Centro de Estudos no edifício da EAAD em Guimarães.

O primeiro projeto, claro, era da renovação do Largo do Toural.

No desenho vê-se as geometrias que organizam os elementos do largo.

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Desenhos de processo para o projeto de iluminação e de pavimento da Alameda de São Dâmaso.

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