Ano 8 nº1826 Novembro/2014 Ipubi
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
E por que não o campo? São 11 horas da manhã e o sol quente não me faz esquecer de que aqui é o sertão pernambucano, onde o tempo seco e o calor fazem da terra um local certo para o ensaio da resistência das famílias do Semiárido. Na imaginação de quem está distante deste cenário, a realidade pode parecer sofredora, mas ao entrar na casa do casal Francisco Everaldo Queiroz Pereira, de 61 anos, e Maria Cleonice, de 51 anos, os sentimentos de alegria e de pertencimento são revelados pelas boas-vindas. Sem muitas palavras, mas com um aperto de mão sincero, o agricultor me convida para entrar. Ao aceitar o convite, logo avistei um sofá pareado com algumas cadeiras que cercavam uma mesa farta de comidas que seriam servidas para alimentar 16 agricultores e agricultoras, do município Santa Filomena, que participariam logo mais, após o almoço, de um intercâmbio intermunicipal na propriedade do casal, localizado em Ipubi, no Sertão do Araripe. Na mesa eram servidos arroz, feijão, macarrão, carne de boi e o cuscuz, além da macaxeira, salada, suco e galinha caipira vindos da produção e criação na propriedade. Ver a mesa farta, inclusive, foi um dos motivos que o agricultor e dona Cleonice, após 26 anos vivendo no centro de Ipubi, decidiram partir para a zona rural do município. “Na cidade só come se tiver dinheiro e aqui, se não tiver, o caba entra aí dentro e acha o que comer: tem galinha, ovo, macaxeira, maracujá para fazer um suco, vai lá no canteiro e tem o coentro pra temperar a comida”, explica Everaldo. Após ter degustado a deliciosa e nutritiva refeição, feita com alimentos agroecológicos pelas mãos talentosas de dona Cleonice, e acompanhada por um refrescante suco de manga, eu me sentei ao lado do agricultor, já que sua esposa estava ocupada com os afazeres domésticos, num canto do terraço, e ali eu pude ter uma visão parcial das duas tarefas de terra do sítio.
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Articulação Semiárido Brasileiro – Pernambuco
Naquele momento, servindo-me com um copo d'agua retirada da cisterna, porém, gelada do resfriamento da geladeira, Everaldo fez questão de me falar sobre a forma de produção praticada. “Este terreno aqui era do meu irmão e na época quando eu comprei, há três anos, só tinha plantação de feijão, então eu comecei a construir a moradia para mim e minha família e a plantar macaxeira, pé de manga enxertado, laranja. Para melhorar ainda mais minhas condições, eu construí também uma cisterna de 1000 litros que guardava água para beber e às vezes eu usava para regar as plantas, mas quando acabava a água de beber eu já comprava por minha conta”, comenta o agricultor. Durante a nossa conversar, eu percebi que as pessoas que vieram para participar do intercâmbio já se preparavam para conhecer a experiência. Com minha curiosidade despertada, eu aproveitei o momento para ver na prática o que Everaldo tinha me falado, então foi quando nos levantamos e junto com os/as demais agricultores/as caminhamos pelo terreiro. Durante o percurso, conhecemos a cisternaenxurrada, além do canteiro produtivo de coentro, alface, repolho, couve-manteiga, pimentão e a criação de galinhas. No trajeto o agricultor lembrou de um detalhe importante: “aqui eu só uso água com esterco de gado e paú do mato, porque botar esse negócio de veneno não tem futuro, aqui a gente quer comer uma verdura sem veneno. A única coisa que eu uso são as folhas do pé de ninho batido no liquidificador com água que são usadas para evitar a mosca branca. O melhor horário para aplicar a mistura é à tardizinha”. Ao participar do intercâmbio, eu finalmente compreendi o sentido da mesa farta quando me deparei com o verde da produção. Para aumentar ainda mais a admiração de todos/as que lá estavam, o agricultor revelou que com as hortaliças a família apura um valor de R$800 a R$1000 mensais a partir da comercialização delas. Para isso ele conta com a ajuda do filho Antônio Eliudes, de 29 anos, que todo os dias sai às 6h para vender os produtos na cidade e quando retorna comercializa o restante para a vizinhança nos arredores do próprio sítio. Baseada em uma vida simples, mas rica nos detalhes da saúde, qualidade de vida e bem estar garantidas pela pratica da agroecologia, a experiência daquela família foi capaz de germinar esperança e conhecimento em cada um de nós naquele intercâmbio. O mais inspirador foi ainda escutar dos membros da família um pouco do futuro. “A gente, conforme a saúde e a vida que Deus dá, se houver uma chuvada boa vamos aumentar o plantio. É plantar mais um pé de manga, mais um pé de goiaba, um pé de cajueiro, o maracujá. A tendência é a gente aumentar cada vez mais, só não faremos se a gente esmorecer”.
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