Vila dos Marcolino: Resistência pela mandioca

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Ano 8 • nº1698 Julho/2014 Simão Dias Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Dona Josefa, guardiã de histórias e sementes do Sitio Alto. Dona Josefa e suas sementes

Sitio Alto descende de escravo Daqueles negros sofridos Que cresceram sem saber O que era escola e cidadania Nada disso eles sabiam Nem direito nem dever (Trecho do Hino do Sítio Alto ‐ Composição Dona Josefa)

Em um tempo que o conceito de modernidade e produção de sementes passa pelos caminhos tortuosos da manipulação genética e a trangênia, registrar a história de Dona Josefa ganha uma significância toda especial. A história de Josefa Santos de Jesus, 56 anos, conhecida como Dona Josefa ou Finha, casada com seu José (Zé de Totó), confunde-se com a própria história da sua localidade, o Sítio Alto, pequeno povoado localizado aproximadamente a 15 km da sede do município de Simão Dias – SE. Esse povoado guarda entre seus recortes montanhosos os registros da história de um povo negro que ainda hoje lutam pelo reconhecimento de povo quilombola. Adentrar esses serrotes na companhia das memórias de Dona Josefa, é entrar em contato com a vida das 125 famílias que ali habitam e pelo menos 300 anos de histórias a serem contadas e registradas. É revisitar através dos tempos a luta permanente pela terra, quando até hoje, a parcela de terra para os que a possuem não ultrapassam duas tarefas. É poder sentir toda a resistência e luta dos povos negros em terras brasileiras, que ela nós conta, cantando o Hino da Comunidade composto por ela. Assim esse relato poderia seguir qualquer trilha tão rica é a vida desse povo, tão vivas são as memórias de Dona Josefa, mas aqui essa história será contada a partir das suas sementes crioulas. Dona Finha é considerada na comunidade como a guardiã das sementes do Sítio Alto, em razão da quantidade e variedade de sementes que ela armazena, bem como a sua disponibilidade em doar àqueles que querem fugir da semente comprada e adulterada.


Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Articulação Semiárido Brasileiro – Sergipe

““Se uma pessoa não tem semente como é que ela vai plantar?” A resposta a essa pergunta tem sido a motivação para que Dona Josefa, mantenha vivo o desejo de guardar e doar sementes. Graças a essa insistência, a comunidade hoje conta com 10 famílias que guardam sementes, somando um total de 17 tipos de feijão. Muitas dessas sementes, dado ao longo tempo que eles plantam, não conseguem lembrar da sua chegada à comunidade. «Ainda têm aqueles que acham que a semente que vem da rua é mais bonita, e aí perde o tempo de plantar por que às vezes não tem dinheiro pra comprar, mas quem tem a semente logo na chegada do inverno a gente joga logo a semente no chão e alguma coisa sempre dá. Àqueles que me pedem, eu sempre dou, e isso tem evitado a fome grande na nossa comunidade”. Dona Josefa vive da agricultora, tarefa que divide com seu esposo e quatro filhos. Em suas pequenas áreas eles plantam milho, feijão, fava, abóbora, melancia, e a macaxeira. Dona Josefa relata que essa variedade de cultivos garante boa parte da segurança alimentar, já que eles quase nunca compram feijão e farinha, pois como eles plantam a macaxeira e a comunidade possui casa de farinha esta é feita por eles mesmos. Além disso, Dona Josefa tem uma forte participação social em Simão Dias, é sócia fundadora do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Simão Dias, membro da Pastoral da Criança, Conselho de saúde, Comissão Municipal da ASA e presidenta da associação comunitária do sítio Alto. Em sua gestão já conseguiu através dos programas federais a construção de 43 casas populares, contribuindo com a erradicação das casas de taipa. Dona Josefa tem uma verdadeira paixão pelas sementes, sejam elas do que for: feijão, milho, cabaça, ervas medicinais, macaxeira, hortaliças seja do que for. Essa paixão ela retratada no acúmulo de sementes guardadas, mas também eu seus versos que entoa para animar a roda. Atualmente vive a expectativa de poder melhor catalogar e expandir a experiência com sementes crioulas, através da construção da casa de sementes comunitária, através dos programas da Articulação Semiárido Brasileiro. Contudo o maior desafio de Dona Josefa e a comunidade é conseguir o reconhecimento de povo remanescente de quilombo e a demarcação de terras para comunidade. Semente Crioula: Dona Josefa

Plante a semente Guarde a semente Tenha nas mãos a semente do amor A semente da Paixão É a semente da gente Esta semente crioula É a lembrança do vovô Quando se fala em semente Já vem logo a tradição As rezas das rezadeiras Uma panela e um fogão.

Dona Josefa e seu José com a filha, netos e sobrinha.

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