Ano 8 • nº 1659 Julho/2014 Carnaubal
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
A terra como um direito “Romper as cercas da ignorância/ Que produz a intolerância/ Terra é de quem plantar” (O Teatro Mágico) A comunidade Lagoa do Américo, a cerca de 7 km de Carnaubal/CE, passou a ser o lar da família de Raimundo Pompílio e Raimunda Nonata há mais de 33 anos. No início moraram em casas de taipa até fazer as de tijolos, com as próprias mãos. “Meu filho e minha mulher carregavam água no jumento, pra poder construir”, lembra Raimundo. Quando os filhos casaram, outras foram sendo erguidas. Na área que mede aproximadamente 17 hectares, a agricultura sempre foi sua principal atividade de subsistência. Ainda que nos últimos anos tenham construído casas na sede do município, com ajuda financeira dos familiares que moram no sudeste do país, mantêm seu vínculo com a terra cultivando fruteiras, hortaliças e plantando roçados, intercalando a rotina entre o campo e a cidade. Em 2006 se tornaram beneficiárias do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e em 2008 e 2009, do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), quando receberam mudas de plantas e puderam ampliar sua produção. Antonio Claudio, filho do casal conta que passou a vender para o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), depois disso. Entretanto, a tranquilidade dessa gente pacífica e trabalhadora seria ameaçada com o aparecimento de supostos “donos” reclamando a posse da terra. Assim, temendo perder seu pedaço de chão, entraram com o pedido de usucapião no Fórum do município. Mas, o pior estava por vir. Mudança repentina Uma semana antes de sair o resultado da usucapião, em Setembro de 2013, Raimundo Pompílio, a esposa Raimunda Nonata, o irmão Francisco Pompílio, os filhos Paulo de Jesus, Antonio Claudio, Evangelista Alves e o amigo Paulo Roberto que moravam na área, viram sua rotina mudar inesperadamente. Na noite do dia 03, enquanto participavam dos festejos da padroeira da cidade, tiveram suas casas completamente destruídas. Chegando ao local, se depararam com os escombros que além dos bens materiais, soterravam parte da história e das lembranças, comovendo a todas/os. Seis casas residenciais e uma casa de farinha haviam sido demolidas restando apenas as cisternas. Segundo o presidente da Associação Valdinar Brito, dois advogados que se afirmam “os donos”, venderam a terra para uma empresa que atua no mercado de energia eólica e já haviam “recebido parece que 50% e tinham garantido para a empresa que não tinha
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ninguém habitando nessa área”, disse. Esse pode ter sido o motivo da atitude violenta. Enquanto isso, a ação de usucapião não pôde ser concluída. Reestruturando a vida A tragédia mobilizou várias instituições da sociedade civil que foram à comunidade, no dia seguinte, para prestar solidariedade e pensar estratégias que ajudasse a restabelecer suas vidas. Uma campanha para arrecadação de recursos foi iniciada com o objetivo de reconstruir as casas. Esse propósito ainda não se realizou. As famílias processaram a empresa, e a princípio, ela foi condenada a pagar um salário mínimo mensalmente, enquanto durar o processo. Em relação ao local do conflito, a justiça determinou que ambas as partes ficassem impedidas de realizar qualquer intervenção até que se resolva o caso. Para as famílias essa decisão representou a perda da safra de castanha de caju e da mandioca, a busca por trabalho nas terras de outras pessoas pagando renda e o exercício da atividade de pedreiro para compor o sustento. Por enquanto, o que podem fazer é cuidar das plantas que já existem, aproveitando a água de suas cisternas. Esperança Durante esse período, um representante da empresa trouxe algumas propostas de acordo. Em uma delas, ofereceu 30ha para que as famílias desistissem das 17ha que já tinham, porém, não houve aceitação. “Eles queriam 'dar' 30 hectares de terra no mesmo terreno, só que do outro lado da estrada, aí respondi: nós somos plantador de feijão, milho e mandioca, num somo plantador de pedra não, lá eu conheço mais de que a palma da minha mão”, disse Seu Raimundo, afirmando que se trata de uma área improdutiva. Recentemente, propuseram “abrir mão” da terra passando a posse e uma indenização de R$ 30.000,00 para cada família alegando que o processo “pode demorar 5, 10, 20 anos e com o acordo, perde a empresa, perde vocês, mas pelo menos vai decidido logo”, cita Antonio Claudio. Mesmo entendendo que o valor não corresponde ao prejuízo material e moral que sofreram, estão analisando, pensando em aceitar e exigindo que o documento de posse seja feito também para famílias vizinhas que ainda não tem. A possibilidade de voltar a cultivar a terra e reconstruir suas casas é o que mais motiva. ”Plantar por esse tempo, ninguém pode mais, mas, tá chegando o tempo de preparar a terra”, explica Seu Raimundo, já pensando no próximo período chuvoso. A esperança é que em breve essa história tenha um desfecho positivo e já planejam até uma festa com a participação de quem esteve e está apoiando sua luta e resistência.
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