As vitorinas produzem os seus próprios sonhos através do umbu

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Ano 8 • nº1340 Fevereiro/2014

Manoel Vitorino Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

As Vitorinas produzem os seus próprios sonhos através do umbu O TERRITÓRIO do Médio Rio de Contas, onde estão localizados os municípios de Manoel Vitorino e Mirante, é conhecido por produzir milhares de toneladas de umbu. Esta região é responsável por cerca de 80% da produção da Bahia, estado que é o maior produtor do nordeste. Todo ano, os umbuzeiros reúnem uma grande quantidade de pessoas, que coletam a fruta e a vendem para atravessadores. Eles compram muito barato e revendem com maior valor depois, obtendo o lucro que não chega às famílias que se dedicaram no período de colheita. O umbu pode ser notado também nas mãos dos vendedores ambulantes, que ficam na beira da BR-116 em Manoel Vitorino e cidades próximas, vendendo a fruta em saquinhos. Dentro desse contexto socioeconômico desfavorável, um grupo de mulheres começou a trabalhar com o beneficiamento do umbu, incentivadas por um curso ministrado em 2005 pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa). Do grupo inicial de 45 pessoas participantes da capacitação, apenas 13 seguiram adiante, criando assim a Cooperativa de Produção e Comercialização da Agricultura Familiar do Sudoeste da Bahia (Cooproaf). A Cooproaf começou tímida, e suas integrantes desejavam apenas a dignidade de trabalhar em algo que lhes trouxesse satisfação e renda para o sustento da casa. Utilizando utensílios de suas próprias cozinhas e locais emprestados, como cantinas de escolas municipais, as “umbuzetes”, como também são conhecidas, pouco a pouco foram desenvolvendo as habilidades adquiridas no curso e


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dando cara aos primeiros produtos derivados do umbu. “No início a gente só tinha o conhecimento da gente, e era tudo improvisado. O trabalho de armazenar o umbu, preparar os produtos, tudo era bem complicado, porque a gente demorou pra conseguir uma estrutura melhor, as primeiras bombonas (galões para armazenagem) foram compradas na base da vaquinha”, lembra Elenita Souza, hoje a diretora comercial da Cooproaf. Segundo ela, o aperfeiçoamento dos produtos levou tempo, conforme elas iam dominando e aprendendo novas formas de trabalhar através da experiência do dia-a-dia. “O Nego Bom mesmo (doce de umbu em forma de tubinho, inspirado no doce de banana), nós testamos ele de várias formas, com vários tipos de açúcar, amarelo, rosa, até chegar a forma que fazemos hoje, com o açúcar branco por cima”, recorda.

Cooproaf crescendo e envolvendo comunidades rurais Com o passar dos anos, o trabalho incansável das umbuzetes ganhou importantes aliados. O Projeto Gente de Valor, da Companhia de Desenvolvimento e Ação Social (CAR), um órgão do governo da Bahia, veio para fomentar o desenvolvimento da cooperativa, provendo assessoria técnica e investimento no capital físico e humano. O Instituto de Formação Cidadã São Francisco de Assis (ISFA), cujo apoio faz parte da rotina diária, ajudou inclusive com as questões burocráticas e administrativas do registro da Cooproaf. O quadro de cooperadas cresceu de 13 para 67, e passou a envolver homens também. E, graças as articulações construídas através do Gente de Valor, a cooperativa se estabeleceu com famílias agricultoras nas comunidades de Boa Vista, Poço da Pedra e Barra da Purificação, em Manoel Vitorino, e Espírito Santo e São João, no município de Mirante. Se antes as vitorinas se dividiam entre colher o umbu e beneficiá-lo, elas passaram a comprá-lo junto às famílias agricultoras da região, eliminando a figura do atravessador e pagando um preço melhor do que o deles. A demanda e a produção cresceram e envolveram mais gente no processo. De 2011 em diante, as possibilidades da cooperativa se mostraram cada vez mais amplas.


Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia

Todos os recursos adquiridos eram reinvestidos, graças ao desprendimento delas em abrir mão da renda gerada, para não faltar capital de giro. Muita paciência e perseverança evitaram que as guerreiras desistissem. Em 2013, a estruturação promovida pelo Gente de Valor começou a tomar forma. A primeira de três agroindústrias para a produção de derivados do umbu ficou pronta em Manoel Vitorino, e as demais unidades, uma no mesmo terreno da primeira e a outra em Mirante, estavam em construção. Depois de anos, a produção artesanal foi abandonada. As capacitações e cursos se tornaram uma constante, um período de intenso aprendizado para lidar com a nova realidade da cooperativa, mais dinâmica e complexa. Segundo Marilda dos Santos, que preside a Cooproaf, tudo isso “dá um frio na barriga. A gente sabe que não é brincadeira, é muita responsabilidade e esforço. Tem todo um trabalho de coordenar e organizar essa estrutura, essa logística, uma agenda bem puxada de viagens, mobilizações, capacitações”. Para ela, todas essas conquistas são realizações dos sonhos de todo mundo. “A gente sonhou, chegou numa proporção até além do que imaginamos, ver que a Cooproaf cresceu tanto, a estrutura que já tem... dizem por aí que santo de casa não faz milagre, mas a gente está tendo reconhecimento em casa, tendo credibilidade aqui e em muitos outros lugares, e isso não tem dinheiro que pague. Hoje nós recebemos intercâmbios de outros estados, estudantes de universidade, tudo gente que vem ver o nosso trabalho, a nossa história”, conta com orgulho Marilda. Mas as conquistas não param por aí. A Cooproaf concorreu a edital público e conquistou o direito de gerir 6 unidades de beneficiamento de frutas, que estão sendo instaladas em municípios da zona da mata baiana. Quando tudo estiver funcionando, a cooperativa envolverá cerca de 200 famílias diretamente na cadeia produtiva, entre a colheita, produção, comercialização e administração, segundo o assessor técnico Egnaldo Gomes, um companheiro de luta desde os primeiros momentos. “Desde o início, o objetivo é que elas façam a gestão da cooperativa de forma independente, e eu estou aqui colaborando para que elas conquistem essa independência”, afirma Egnaldo, demonstrando a importância de fortalecer o protagonismo das vitorinas no processo. “Aqui a gente tem um grupo de mulheres negras e pobres, construindo algo tão significativo para a vida delas e também para a região, derrubando preconceitos de cor, gênero e classe social, demonstrando o enorme valor que possuem como seres humanos”.


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Para Marinei dos Santos, o trabalho da Cooproaf demonstrou o valor delas perante ao mundo. “A nossa luta foi essa: um dia o quadro se inverte. Éramos vistas como coitadinhas, mas agora estamos provando que temos um valor grandioso, e isso mostra que valeu a pena toda a luta e perseverança, sobreviver aos obstáculos, creio que esse é sentimento de todas nós”.

O festival do umbu Desde o início da década de 1990 existia em Manoel Vitorino a 'Festa do Umbu', que era realizada tradicionalmente durante a colheita, nas primeiras semanas do ano. A festa se resumia a shows de bandas locais e regionais, e tinha deixado de acontecer em alguns anos. Percebendo a oportunidade de valorizar o aspecto cultural da colheita do umbu, a Cooproaf se aproximou da prefeitura municipal em 2011, que promovia a festa, e propôs um novo formato para o evento. Surgiu então o 'Festival do Umbu', com uma gama de atividades que busca inserir a fruta no contexto cultural da região, por meio de plenárias, palestras e exposições. Assim, o evento aproximou as comunidades rurais, que convivem e trabalham com o umbu. O festival acolheu entidades que apoiam a agricultura familiar no estado, e mostrou as diversas possibilidades econômicas que a fruta sagrada do sertão possibilita. Tudo isso temperado pelo sabor dos quitutes preparados pelas vitorinas e pelas apresentações culturais, indo do teatro até o terno de reis e muita música de grupos e artistas da terra. Duas edições foram realizadas dentro da nova proposta, em 2011 e 2013, e pouco a pouco o novo formato vai conquistando seu lugar no calendário da cidade, com uma presença maior das comunidades. “Trabalhamos nesse modelo de evento para realmente envolver os agricultores, quem colhe o umbu, pra eles se sentirem parte do evento, já que tudo começa por eles”, afirma Marilda. Assim, combinando garra, perseverança e organização, as vitorinas, umbuzetes, mulheres sonhadoras e que lutam, estão promovendo uma revolução em suas próprias vidas, e também no lugar aonde vivem. Demonstrando o valor cultural e produtivo do umbu; apoiando a agricultura familiar - a cooperativa comercializa a produção de famílias agricultoras, mesmo não sendo cooperadas, para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); e alcançando novos mercados para os seus produtos; este é o caminho que a Cooproaf vem trilhando, e fazendo várias pessoas acreditarem que elas podem ser os seus próprios instrumentos de transformação social.

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