O Rio em Curso

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UMA C O N T R I B U I Ç Ã O D O P R O G R A M A DE RESIDÊNCIA EM ENFERMAGEM E M S A ÚD E D A FA M Í L I A PA R A O S U S

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Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro Secretaria Municipal de Saúde Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da Saúde Programa de Residência em Enfermagem em Saúde da Família Asas Rio – Ambientes de Saberes e Aprendizagens em Saúde

O RIO EM CURSO Uma contribuição do Programa de Residência em Enfermagem em Saúde da Família para o SUS

1.º edição Série F. Comunicação e Educação em Saúde

Rio de Janeiro – RJ 2017


©Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro Marcelo Crivella

Alice Mariz Porciuncula Waleska Menengat Correa Floresta

Secretário Municipal de Saúde Marco Antônio de Mattos

Coordenação de Comunicação ASAS Rio Rafael Cavadas

Subsecretária Geral Executiva Ana Beatriz Busch Araújo Subsecretária de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da Saúde Claudia Nastari Superintendente de Atenção Primária Leonardo Graever Superintendente de Promoção da Saúde Cristina Boaretto Superintendente de Vigilância em Saúde Cristina Lemos Superintendente de Integração das Áreas de Planejamento Guida Silva Coordenadora do ASAS Rio - Ambientes de Saberes e Aprendizagens em Saúde Nina Prates Organizadora Marina Rotenberg – ASAS Rio Equipe Técnica de Elaboração, Revisão e Apoio - Programa de Residência em Enfermagem em Saúde da Família Ana Carolina Tavares Vieira

Comunicação ASAS Rio Andressa Brum Arthur Lino Gabriel Barros Igor Cruz Ricardo Loureiro Projeto Editorial Marina Rotenberg Normatização Ercilia Mendonça – Núcleo de Publicação e Memória Projeto Gráfico e Diagramação Binky


Ninguém pode se banhar duas vezes no mesmo rio, pois quando se entra novamente não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou.

H ER ÁCL I TO


Sumário Rio em transformação 6 Navegar é preciso 8 Rota de viagem 10 Um percurso de encontros 13 Tripulantes 84

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Rio em transformação

“Ninguém pode se banhar duas vezes no mesmo rio, pois quando se entra novamente não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou.” As palavras de Heráclito de Éfeso, filósofo pré-socrático que nasceu na cidade de Jônia, atual Turquia, nos remete ao fluxo infindável da vida, no qual nada permanece igual, pelo contrário, tudo está em contínua mutação. Mais de 2.500 anos se passaram, impérios nasceram e ruíram, atravessamos a idade média, as navegações, as guerras, a modernidade, as novas tecnologias. Mas, a ideia fundamental permanece igual: a mudança é sempre uma certeza e a única coisa que não muda é o próprio movimento. Para Heráclito, o homem não é o mesmo depois que imerge nas águas de um rio que, a partir desse contato, também já se modificou. O estado natural do rio é o movimento e um homem é sempre outro também. Emoções, saberes e aprendizados nascem e renascem dessa relação, que é única a cada instante. Tal teoria nos dá esperança e nos impulsiona. Convida-nos a uma transformação por meio da troca e do mergulho junto ao outro. E é isso que o PRESF - Programa de Residência em Enfermagem em Saúde da Família da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro nos traz: novas possibilidades de aprendizagens a cada encontro em sala de aula, cada bibliografia, cada conversa, cada atendimento ao usuário. Neste livro, os ASAS (Ambientes de Saberes e Aprendizagens em Saúde), a Residência, as universidades parceiras, as unidades de saúde, as consultas e os atores envolvidos são as águas dos rios, que correm, fluem e deságuam, formando o grande oceano que é o Sistema Único de Saúde. Aqui registramos as experiências dos Residentes formados na primeira turma no Programa de Residência de Enfermagem em Saúde da Família, em março de 2017. A proposta de trabalho de encerramento de curso era simples: escrever crônicas sobre uma vivência, uma experiência, um saber ou um trajeto que tenha sido significativo durante a residência. E elas estão aqui. 8

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Os relatos emocionam e evidenciam elementos fundamentais à Atenção Básica em Saúde que são fio condutor da Residência: o olhar integral para o indivíduo; a escuta qualificada; a equidade; a noção de saúde para além da ausência de doença. Nosso intuito é mostrar a importância desses aspectos para a saúde, compartilhar a experiência dos profissionais-estudantes, apresentar o trabalho desenvolvido pelo Programa de Residência e, principalmente, valorizar o trabalho das enfermeiras e enfermeiros no dia a dia da Atenção Primária, esse fazer em saúde que entende e cuida dos seres humanos de forma completa e complexa: não como pedras estáticas e impenetráveis, mas como águas correntes e abundantes, que, diante de seus diferentes contextos, podem ser frágeis e vulneráveis, mas têm em si, ao mesmo tempo, a força e a fluidez necessárias à transformação.

Nina Prates COORDENADORA DO ASAS RIO

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Navegar é preciso

Navegar em águas desconhecidas é tarefa para os corajosos. E foi assim que iniciamos nossa viagem. Ausência de mapas descrevendo as curvas do rio, um barquinho aparentemente sem leme, sem vela, sem motor e sem outras tantas coisas que ainda não se sabia. O caminho parecia desafiador, mas, ainda assim, ninguém quis voltar para o deque. Foi aí que, no ano de 2015, foi criado o primeiro Programa de Residência em Enfermagem em Saúde da Família do Município do Rio de Janeiro, por cerca de trinta profissionais enfermeiros experientes na atuação em equipes de Saúde da Família. Trinta marujos e duas capitãs com um destino em comum: qualificar os enfermeiros para atuarem nas equipes de Saúde da Família, discutindo e fortalecendo as práticas, de maneira a garantir uma assistência de enfermagem de excelência. A primeira navegação foi com sessenta passageiros, os primeiros residentes que encararam conosco a construção deste Programa, que hoje já soma mais de cem pessoas e é um dos maiores Programas de Residência de Enfermagem do Brasil. Avançamos rio à dentro - coordenadores, preceptores, professores, residentes e parceiros - vivendo uma gama de emoções. Houve medo, mas também houve vontade. Houve resistência e pro atividade. Houve vontade de desistir, mas, mais que isso, houve vislumbre do belo destino que se aproximava. Durante o trajeto, os desafios não foram poucos. Conduzir uma embarcação onde a força motora são os braços dos próprios tripulantes exige sincronia e resistência. Esse processo de harmonizar tempos, destinos e energias foi sendo construído durante o próprio navegar. Quando o barco quase virava, cada um não só ajudava a levá-lo adiante, como também falava para os demais: “Vamos conseguir! Não desistam de nós!” E a tripulação ouviu. Não desistiu. O PRESF nestes dois primeiros anos criou, com base nos seus desafios, uma série de produtos: fluxos, ferramentas, oficinas, treinamentos, capacitações e aulas. Hoje se tornou uma sólida estrutura de ensino e aprendizagem para profissionais enfermeiros da saúde da família.

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Olhamos para o ponto de partida e vemos que depois de dois anos nossos primeiros residentes se transformaram em enfermeiros especialistas e hoje alguns atuam tal como nossos marujos - preceptores especialistas -, dividindo conosco a missão de qualificar enfermeiros para produzir cuidado de enfermagem que faz ou é a diferença na vida de muitos cariocas. Esse livro compila crônicas, histórias singelas, mas que materializam o grande fazer de um grupo de profissionais incansáveis na qualidade e qualificação do cuidado de enfermagem. Em cada crônica relatada revivemos com carinho esta viagem. Bem vindos à bordo.

Ana Carolina Vieira, Alice Porciuncula e Waleska Menengat EQUIPE PRESF

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Rota de viagem

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Uma mulher chega atrasada em sua consulta agendada há algumas semanas. Ao invés de enviá-la para uma nova marcação, ou para o fim da fila, o enfermeiro pede para ela esperar, pergunta o que aconteceu. Com empatia e paciência, ouve sua história sobre o dia difícil, o cuidado com os filhos, o marido ausente. Uma criança entra na consulta evidenciando o problema de diarreia. No lugar de uma imediata prescrição para verminose, a enfermeira pergunta o que ele comeu, de onde vem a água que ele toma, como ele cozinha seus alimentos. Essas duas situações podem fazer parte do cotidiano de unidades básicas de saúde de muitos municípios brasileiros. No Rio de Janeiro, há muitas chances de acontecer no Rio de Janeiro pela reação dos hipotéticos - nem tão hipotéticos assim - enfermeiros. É desse jeito que se trafega, hoje, por aqui. A cidade do Rio, desde 2009, reestruturou sua política de saúde, investindo na expansão da Estratégia Saúde da Família (ESF), a fim de ofertar à população melhor atendimento e eficiência, principalmente na Atenção Primária à Saúde (APS). A APS é o nível que atende os problemas de saúde mais comuns na comunidade, sendo responsável pela entrada do indivíduo aos serviços e por organizar os recursos para a promoção, manutenção e recuperação da saúde. Seu objetivo é desenvolver uma atenção integral, que impacte na situação de saúde e autonomia dos sujeitos e nos determinantes e condicionantes de saúde deles e das coletividades. No Brasil, a APS está orientada pela Política Nacional de Atenção Básica (PNAB, 2012), a qual considera a ESF como modelo para a organização da rede de atenção à saúde. As equipes que atuam na ESF são compostas, quando equipe mínima, por médico, enfermeiro, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários e, quando em equipe ampliada, também por cirurgião-dentista, auxiliar ou técnico em saúde bucal. Nesse itinerário de mudanças nas políticas públicas de saúde, diversas ações foram necessárias para garantir a qualidade da APS. Entre elas, o investimento na formação

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de quadro profissional qualificado, com capacidade clínica, direcionamento profissional, sensibilidade e atitude crítica e reflexiva para atuar na Atenção Primária. O campo da Enfermagem em Saúde Pública e Coletiva vem se firmando como um dos espaços de atuação importantes para enfermeiras e enfermeiros desde a constituição da enfermagem como profissão, em um mesmo movimento em que as políticas de saúde têm valorizado cada vez mais o papel da APS como ordenadora do cuidado. Foi no curso deste rio que, depois de criar seu próprio Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade, com a turma formada em janeiro de 2014, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio criou, logo em seguida, o Programa de Residência em Enfermagem em Saúde da Família, com sua primeira formatura em 2017. Em parceria com as universidades UFRJ, UNIGRANRIO e UERJ, responsáveis pelos conteúdos teóricos, a Residência possibilita que as Unidades Básicas de Saúde (Clínicas da Família e Centros Municipais de Saúde) sejam uma extensão das salas de aula e um espaço de formação permanente, em que residentes e profissionais aprendem, refletem suas práticas e impactam diretamente na qualidade dos serviços prestados à população. Com um eixo fixo teórico - que engloba metodologias de pesquisa, políticas públicas em saúde, dentre outros - e outro flexível, elaborado coletivamente a partir do próprio processo de aprendizagem e prática, a residência não é igual sempre. Ela segue o fluxo dos próprios participantes, que entram em contato com as demandas no dia a dia das unidades e identificam, nas consultas, salas de espera, visitas domiciliares e convivência nas unidades e nos territórios, os conteúdos necessários à sua formação. Porque é navegando que se vai em frente. E refletindo também.

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Um percurso de encontros

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Os relatos que seguem a partir daqui fizeram parte da dinâmica de encerramento do curso do Programa de Residência em Enfermagem em Saúde da Família da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, em março de 2017. Para preservar a confidencialidade dos usuários do serviço de saúde, seus nomes foram substituídos por nomes de rios desse nosso grande Brasil. As narrativas aqui descritas foram situações vivenciadas no cotidiano de trabalho nos territórios e nas unidades de saúde, que, de alguma forma, marcaram a vida pessoal e profissional de cada um desses residentes. Mais que conteúdos clínicos, são registros que apresentam as sensibilidades e os afetos que permeiam o fazer em saúde. Desejamos uma boa viagem nesse percurso de trocas, cuidados e encontros.

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Primeiro dia

Era o primeiro dia da residência no campo prático. Era uma ansiedade que consumia, o medo do desconhecido. Era um dia nublado, mas com o calor que só o Rio de Janeiro proporciona. Era mais um dia de atendimentos na unidade. Era o dia de conhecer o território. Era uma agente comunitária de saúde, dois preceptores e três residentes em enfermagem. Eram escadarias, vielas, becos, subidas e descidas. Eram cachorros e gatos. Eram pessoas na porta de suas casas para ver quem passava. Eram pessoas indo para o trabalho ou para escola. Eram crianças brincando descalças próximas ao esgoto a céu aberto. Eram músicas nos mais diversos estilos. Era lixo. Eram casas de tijolos, de madeira, papelão ou de entulho. Eram escombros e novas casas sendo construídas. Era o salão de beleza, o barzinho, o mercadinho, a igreja, a creche, a moça com a porta aberta fazendo a unha de sua cliente. Era a vista de todo o complexo da Penha, da ponte Rio Niterói, de todo o território da clínica e até onde seus olhos podiam ver. Era a vida sendo construída com alegria e simplicidade. Era o território vivo, o território vida. Eram enfermeiros com o desejo de entrar nessa realidade e fazer a diferença na vida de cada família. Era o primeiro dia da residência e o início de vivências que transcenderiam a alma.

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Sorria!

Lembro-me como se fosse hoje, era uma tarde como outra qualquer, olho a agenda e vejo que a agente comunitária de saúde havia colocado uma paciente para o atendimento, vejo mais uma vez e observo que é um pré-natal de primeira vez, me preparo para o atendimento, abro as tabelas de controle da equipe e reviso mentalmente tudo que teria que abordar naquela consulta. Finalmente depois de alguns minutos saio do consultório e chamo a gestante para a consulta. Após o primeiro chamado, levanta da sala de espera uma menina que deve ter no máximo 20 anos - penso eu. Ela ostenta um belo sorriso no rosto, daqueles contagiantes que conseguem mudar tudo ao seu redor. Quando chega à porta, cumprimento Araguaia com um ‘boa tarde’ e mostro a cadeira onde ela deve se sentar. Me sento de frente a ela e me apresento oferecendo a minha mão, ela estica a mão e mais uma vez sorri. Talvez esta seja a sua característica mais marcante. Pergunto à Araguaia como está e em que posso ajudá-la. Ela diz que está grávida e que gostaria de iniciar o pré-natal. Sigo a consulta, perguntando como foi para ela saber que estava grávida e que daqui há um tempo teria um bebê. Ela responde que está muito feliz e que o seu marido está numa alegria só, que a gravidez não era planejada, mas que a vinda desse bebê traria uma felicidade enorme à família. Conversamos mais um pouco, fico sabendo que ela tem 18 anos, veio há 6 meses do Ceará para a Rocinha, o marido já está aqui há mais tempo e, como tantos outros, veio em busca de melhores condições de vida. Começo, então, a preencher cartão de pré-natal. Durante a anamnese pergunto a data da sua última menstruação, faço as contas e ficamos sabendo que ela deve estar com 10 semanas de gestação. Faço então a pergunta que causará toda a reviravolta dessa história. - Você usa algum remédio todo dia? Araguaia responde que sim. Pergunto qual e para que. Ela me responde que quando

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tinha 14 anos teve algumas crises epilépticas e que desde então vem usando ácido valpróico diariamente. Converso com ela sobre o assunto e digo que dividiria a informação com a médica da equipe, peço que me espere um pouco na sala, que já voltaria em alguns instantes. Após uma breve conversa com a médica da equipe, voltamos ao consultório e conversamos com a gestante, falando sobre a situação e qual o encaminhamento que teríamos que dar a ela, devido ao uso da medicação. Naquele momento esperei que ela fosse chorar, se desesperar diante do risco que seu bebê corria. Ela me surpreendeu abrindo mais uma vez um sorriso, dizendo que tudo bem. Conseguimos para o dia seguinte a consulta com o especialista e solicitamos a ela que voltasse assim que terminasse. Dois dias depois, Araguaia retorna à unidade e nos fala que sua medicação para a epilepsia foi trocada e que faria novos exames nas próximas semanas. Continuamos acompanhando o caso, um dia ela vem à consulta com uma Ultrassonografia realizada na atenção secundária. Eu e a médica olhamos o laudo e perguntamos se alguém já havia conversado com ela do resultado do exame. Ela mais uma vez desafia a nossa lógica, sorri dizendo que sim e que tudo estava bem. Ao fim da consulta, saio do meu consultório angustiado e entro no consultório da médica, converso um pouco e logo percebo que ela apresenta a mesma angústia que eu. Algumas perguntas estão no ar, mas talvez a mais importante é: Será que ela entendeu o que está havendo? Será que entendeu as inúmeras malformações que o seu bebê apresenta? Um belo dia durante uma consulta, Araguaia, que ainda mantém um belo sorriso, informa que a cesariana está marcada para daqui a dois dias, converso com ela sobre o procedimento, continuo a consulta, ao fim dou um abraço e desejo uma boa hora. Meses se passam e só temos notícias dela e do bebê pelo pai, por contato que fazemos e pelas escassas visitas que conseguimos fazer ao hospital. Como na primeira vez, um dia como qualquer outro na clínica, a vejo, ostentando agora não só o belo sorriso mas também uma pequena trouxinha que carrega talvez o bebê mais lindo e amado desse mundo. Lá está aquele bebê, que desde antes de nascer lutou por sua vida e foi amado de todas as formas. Estava vestido com um macacão do Capitão América, não resisti, pedi à mãe e peguei ele no colo, meus olhos deviam brilhar e agora era eu que ostentava um belo sorriso. Revisitando toda essa história, percebi que a principal característica daquela menina que entrou no meu consultório em uma tarde que hoje não pode ser chamada de qualquer, não era o seu sorriso, mas sim a sua coragem e seu amor. Hoje dia 31 de dezembro acompanhando meu pai internado no hospital, agradeço Araguaia e seu filho por terem ensinado a este enfermeiro residente o que realmente significa ter coragem e lutar com amor, ternura e esperança. Termino esta crônica com a frase atribuída a um guerreiro, que, como vocês, também mudou o mundo a sua volta: “Deixe-me dizer-lhe, correndo o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor...” Che Guevara.

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A singularidade de cada atendimento

Dou início a uma consulta de puericultura de uma criança de oito meses acompanhada pela mãe às 18h30 de uma quinta-feira. Realizo as devidas perguntas, exame físico, orientações e pergunto à Içá como estão as coisas. Ela responde que desejava mesmo falar comigo e começa o assunto: “Então, eu estava mesmo querendo falar com você. Lembra que uma vez comentei que tive depressão?”. Eu respondo que lembro, e ela diz achar que estava daquele jeito novamente. Pergunto o que ela tem sentido que a faz pensar que está vivendo aquilo outra vez e ela responde: “Sinto uma tristeza muito grande, um aperto no coração, fico suando frio e com dores pelo meu corpo todo. Às vezes fico tão estressada que quero fazer certas coisas com meus filhos. Eu tinha comentado com minha agente comunitária de saúde sobre conseguir uma consulta com a psicóloga, mas como acabei vindo trazê-lo para consulta resolvi falar de uma vez. Estou fazendo tratamento com uma psicóloga particular e ela me pediu para procurar um psiquiatra… Sabe, tem dias que acordo muito bem e tem dias que acordo tão mal.” Caem lágrimas. Digo que na clínica temos psiquiatra que trabalha no cuidado com os usuários e que tentaria o mais rápido possível o agendamento de uma consulta para ela. Digo que, caso não fosse possível o agendamento em três dias, buscaria suporte em outros serviços de saúde. Pergunto com quem ela mora e falo sobre a importância de estar acompanhada, não ficar sozinha, e afirmo que até o dia seguinte ligo para dar uma resposta. Ela me agradece: “Obrigada por se preocupar comigo, já me sinto mais aliviada só de saber que você tentará uma consulta com o psiquiatra”. No dia após a consulta, entro em contato com a psicóloga da unidade que agenda uma consulta para o próximo dia em que o psiquiatra estará na unidade. Deixo a consulta agendada e no dia seguinte ligo para o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) de referência, passando o caso.

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Ligo para ela informando: “Temos duas opções de agendamento e caso você sinta alguma coisa tem a possibilidade de procurar a emergência em Del Castilho que é especializada em casos como o seu”. Içá responde: “Não se preocupe, eu já estou muito feliz e aliviada de saber que tenho consulta agendada”. “Então, qualquer coisa de diferente você pode entrar em contato comigo até lá, ok?” Eu digo. “Tudo bem, mas eu aguento até lá! Mais uma vez obrigada pela preocupação, beijos.” Ela finaliza, com voz aliviada.

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Uma esperança em forma de bebê

Uma manhã chuvosa, em um atendimento junto com a preceptora à oitava consulta de pré-natal da gestante de alto risco por hipertensão arterial, com 36 semanas. - Bom dia, Amazonas! E aí, como você está? Tudo bem? - Nada bem. E então Amazonas começa a chorar... - Você quer conversar sobre o que não está bem? - Minha relação com meu marido não está muito boa, ele não liga para a minha gestação, estou com 36 semanas e ainda não tenho nenhuma peça de roupa, nem fraldas para o meu bebê, eu não queria que meu filho nascesse já passando por dificuldades. Está faltando alimento na minha casa para meus dois outros filhos, meu marido pegou empréstimos e está todo endividado. - Olha, fique calma a equipe está à disposição para te ajudar e acompanhar sua gestação. Vou conversar com a Assistente Social para juntas podermos te ajudar. Após a consulta de pré natal, Amazonas saiu orientada em relação às cestas básicas que são distribuídas por uma igreja do território, sobre Bolsa Família e mais consciente sobre seu relacionamento com o marido, além de levar roupas para seu bebê, graças a uma doação conseguida pela assistente social. Após o nascimento de seu bebê, com cinco dias de vida, ela aparece para a primeira consulta do recém-nascido, com um sorriso no rosto. - Que sorriso lindo! - digo. - Agora tudo se ajeitou, consegui reorganizar minha vida, eu e meu marido estamos melhores na nossa relação, não falta mais alimento em casa e meu filho está bem e com saúde. Vocês e ele trouxeram minha esperança de volta. Eu só tenho a agradecer a vocês pela atenção que tiveram comigo, me ajudaram no momento que mais precisei quando nem minha família me ajudou. Graças a Deus encontrei pessoas tão boas como vocês. 22

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- Amazonas, fizemos apenas o nosso trabalho que é cuidar dos nossos usuários e ficamos muito felizes por termos contribuído na reorganização da sua vida. Saiba que pode sempre contar conosco, a equipe está sempre à disposição. Cuide bem desse lindo menino! Ela, eu e a preceptora nos abraçamos emocionadas.

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Um tal machucadinho

Era uma quinta feira de atendimento. Parnaíba chega à consulta: “Está tudo bem comigo é só um machucadinho que apareceu na minha perna há uma semana. Já está melhorando. Vim mesmo porque minha esposa e minha filha mandaram.” Vejo que ele é portador de HAS (Hipertensão Arterial Sistêmica) e DM (Diabetes Mellitus) e está sem consulta e sem exames há mais de um ano. Pergunto a este respeito. “Ah sabe como é, a vida é muito corrida, trabalho muito e não tenho muito tempo para vir aqui. Mas tomo todas as medicações certinhas.” Antes de examinar o tal machucadinho, converso com ele sobre as medicações que faz uso, a importância de comparecer nas consultas e de realizar os exames. Faço exame físico e aferição dos sinais vitais e preencho linhas de cuidado no prontuário. Solicito os exames de rotina para o acompanhamento da HAS e DM. Quando examino a ferida de seu Parnaíba, vejo que é uma ferida um pouco extensa, e que iria necessitar de um melhor cuidado tanto da minha parte como por parte dele. Explico a situação e verifico com ele a possibilidade de uma vez na semana comparecer na unidade para fazer o curativo. Ao longo de sete meses Parnaíba toda semana ia à unidade para fazer o curativo, sempre muito paciente e tranquilo, por mais que às vezes o atendimento pudesse demorar um pouco além do que esperado. No início sempre ia acompanhado da filha ou da esposa, que faziam o curativo em casa. Depois de um tempo já ia sozinho. Sua participação e todo seu esforço foram fundamentais para a cicatrização do tal machucadinho. Ao longo desse período Parnaíba sempre buscou demonstrar seu carinho e gratidão com o cuidado prestado. Eu é que sou muito grata à seu Parnaíba. Foi um dos pacientes que marcaram minha história na residência, pois tive a oportunidade de acompanhar a cicatrização de uma ferida e perceber que nosso cuidado faz toda a diferença.

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Um momento para a escuta

Era segunda-feira, mais um dia de atendimento e a agente comunitária de saúde me alertou que a próxima paciente estava com a pressão alta. Chamei a paciente. - Bom dia dona Capibaribe, o que traz a senhora aqui hoje? - Bom dia, é que ontem minha pressão estava alta e hoje vim aqui para tomar algum remédio. - A senhora é hipertensa, está tomando as medicações? Quais são os remédios que a senhora usa para a pressão? Ela falou sobre os medicamentos que usava e que não ficava um só dia sem tomar os remédios. Verifiquei a pressão arterial e estava 170x100 mmHg, mesmo ela garantindo que havia tomado todas as medicações naquele dia pela manhã. Após descartar todos os sinais de alerta, pergunto se aconteceu alguma coisa diferente em sua vida ultimamente. - Minha mãe morreu há dois dias e estou muito triste com isso, ela morava na casa da minha irmã e eu a visitava todos os dias às 18h. Quando chega esse horário fico muito triste e me sinto mal. - É possível que sua pressão esteja ficando alta por esse motivo. - Acho que sim, há dois meses meu cachorro morreu também, é muita coisa junta. - Como a senhora está se sentindo com a perda da sua mãe? - Estou triste. Não sou de sair muito de casa, só saía para visitá-la. O choro corre. “Desculpa, não queria chorar.” - Não tem problema, é tudo muito recente, não precisa segurar o choro, estou aqui para te escutar. Dona Capibaribe chora e fala sobre a saudade da mãe. Fala sobre os filhos, diz que não os visitava com frequência, que costuma sair de casa apenas para vir até a clínica

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da família. Converso sobre os grupos de atividade física oferecidos pela clínica, e ela demonstra interesse, falando inclusive sobre uma vizinha que também faz atividade física na clínica. - A senhora pode conversar com essa vizinha e vir com ela. Uma pode fazer companhia para a outra. - Ela já tinha me falado para vir, mas deixei para lá, vou falar com ela que agora eu quero participar. Parabenizei dona Capibaribe pelo interesse e verifiquei novamente sua pressão, que neste momento passa a ser 140x90 mmHg. “Sua pressão está melhor, como a senhora está se sentindo?” digo. - Estou melhor, Obrigada. - Eu que agradeço, se quiser podemos conversar mais na quarta-feira, o que acha? - Quero sim, achei que eu precisasse de remédio, mas acho que eu precisava conversar. O diálogo pode ser terapêutico para quem anseia ser escutado.

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A alegria no olhar

A alegria estava nos olhos do senhor Tocantins. Ele chega no acolhimento na demanda espontânea muito preocupado pois havia doado sangue para um amigo e recebeu uma carta de convocação para ir numa clínica da família. Tinha em mãos o resultado de sífilis positivo. Perguntei se já havia tratado sífilis em algum momento. Ele disse que sim. Também disse que tinha alguns problemas na urina e uma unha quase caindo com fungo. Após a consulta de enfermagem foi encaminhado para a médica da equipe que deu seguimento à consulta. Senhor Tocantins retorna para clínica. Com um sorriso no rosto que acabava com qualquer mau humor matinal. Ninguém conhecia a história dele, somente sua alegria. - Oi! Como vai? Vim aqui porque a médica pediu para que eu retornasse por conta daquele probleminha para urinar. Nada demais. Algum tempo depois, a médica fala comigo: - Sabe o Senhor Tocantins? Chegou o resultado do PSA dele, vou ter que encaminhar para biópsia. Resultado desta biópsia chegou e o Senhor Tocantins estava com diagnóstico de câncer. Precisávamos dar essa notícia para ele. Agendamos uma interconsulta com a psicóloga e a médica da equipe. Daríamos a notícia juntos. Tocantins chegou. Sempre tão alegre, sorridente e cheio de vida. Após uma breve conversa sobre sua vida agitada, entramos no assunto e veio a notícia: senhor Tocantins, você está com câncer. Olhos fixos - e pela primeira vez tristes. Que não duraram mais de um minuto. Seguido de um largo sorriso ele diz: “Essa é a minha vida e não vou desistir dela.”

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Mesmo no seu pior dia, a alegria estava em seus olhos. Mais belas ainda são suas palavras e seu amor pela vida. Conversamos mais um pouco e realizamos os encaminhamentos pertinentes para o tratamento. No final, deu um forte abraço e agradeceu a cada um de nós. Convidou-nos para conhecer sua família e sua casa. Foi embora com um sorriso e a esperança. Saúde da família é mesmo o ninho do nosso coração.

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O medo de Xingu

Em uma tarde de terça-feira, uma usuária chamada Xingu chegou à equipe informando ao agente comunitário do acolhimento que desejava fazer o preventivo. Ela foi acolhida e, logo após, chamada para consulta. - Boa tarde Xingu, sou enfermeira residente. O que posso fazer por você hoje? - Boa tarde, eu estou com um pouco de vergonha. É a primeira vez que faço esse exame, desculpa. - Não precisa se preocupar. Vamos conversar primeiro, você pode me dizer o que está te incomodando, o que te fez vir aqui hoje? - Eu casei tem dois meses e eu era virgem. Dizem que depois que isso acontece, temos que fazer o preventivo, né? Observo que Xingu está bem agitada e nervosa, com várias dúvidas sobre o assunto e decido realizar uma abordagem mais ampla. “Entendo, e como foi essa experiência para você? Quer falar sobre isso?” pergunto. Ela diz estar com muita vergonha, mas acaba falando. Diz que sente muito medo de dor e que tentaram ter relações sexuais algumas vezes depois da primeira, mas que por medo de se machucar não consegue continuar. Pergunto se eles dialogam sobre esse assunto. Ela diz que sim. Aos poucos Xingu vai ficando mais confortável em falar sobre suas preocupações. E nesse ponto, surge mais uma questão. Ela demonstra medo que ele tenha relações fora do casamento, afirmando que homens são assim. - Você me disse que conversam sobre isso, certo? Como é a relação de vocês? Se conhecem há muito tempo? É boa. Conversamos sim. Mas tenho medo dele não me entender. Ele é homem né?! A gente se conhece há bastante tempo, mas eu não morava aqui, me mudei depois que casamos. Não estou gostando muito daqui, né?! Esses tiros não tinham lá onde eu morava.

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Eu morava em Fortaleza e ainda não conheço ninguém aqui, só ele, então eu fico sozinha em casa, quando ele vai trabalhar. Conversamos mais um pouco sobre a rotina. Xingu expressou a vontade de começar a trabalhar e passear mais com o parceiro. Falamos sobre a importância do diálogo no relacionamento, que isso era um ponto bom do seu companheiro. Ao retornarmos a sua principal queixa, Xingu informou a presença de corrimento esbranquiçado, sem odor fétido e com prurido. Apresentei imagens sobre a anatomia feminina e masculina, discutindo sobre fertilidade. Realizei o exame especular, no qual Xingu demonstrou muita dor e permaneceu em estado de tensão, impossibilitando um exame completo. Após explicar sobre o exame e a necessidade de tratamento para candidíase, retornamos ao assunto da relação sexual. Voltando a falar sobre o medo, explanei sobre possibilidades para que Xingu pudesse explorar o seu corpo em casa, visando se sentir mais segura e confortável para a relação sexual com o seu companheiro. Xingu sai da consulta, depois de uma hora e meia, expressando sua felicidade, agradecida, confiante com as sugestões, indicação para uso do gel lubrificante, demais orientações e uma receita de medicação prescrita de acordo com o protocolo de enfermagem, segundo a abordagem sindrômica realizada. Passado um mês, Xingu retorna à equipe, com queixa de disúria. Nesse atendimento, ela diz: “Queria mesmo ser atendida por você. Obrigada. Deu certo. Fiz o que você recomendou e agora eu consigo transar sem dor.” Que felicidade. Falei sobre o grupo de planejamento familiar e realizei o atendimento da Xingu, que foi necessário interconsulta com o médico da equipe, devido a sua queixa urinária. Com grande satisfação em saber que fiz a diferença em sua vida e na do seu parceiro eu digo: “Obrigada, Xingu, por me ensinar e mostrar a importância de ouvir, de dialogar. Que não existem apenas as soluções protocoladas, que às vezes precisamos fugir das regras. Obrigada por me ensinar a ampliar o meu olhar.”

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Um sorriso inesquecível

Minha preceptora diz: “Thaís, essa é a dona Parnaíba, ela tem uma úlcera, com característica de ser venosa, há mais de 10 anos. Vamos começar a cuidar dela de agora em diante.” E eu começo pedindo para que dona Parnaíba venha semanalmente à clínica para avaliarmos a evolução da ferida, além de ensiná-la a fazer o curativo em casa nos dias que não vier. Curativo feito. Eu e a preceptora discutimos o caso com a equipe médica e foi solicitado um doppler de membros inferiores para avaliar a existência de trombose. Dona Parnaíba passou a frequentar a equipe mais de uma vez na semana, e isso me intrigava. Mais do que o curativo, ela buscava conversar. Como eu era recém-chegada à equipe, busquei saber sobre a vida da minha nova paciente e eis que descubro uma história triste: o filho de dona Parnaíba havia falecido há poucos meses, foi assassinado por um segurança que o confundiu com um bandido. Ah, e que filho! Era o filho que dava carinho, que cuidava dos pais, que ajudava na casa, o único que morava com ela ainda. Dona Parnaíba vinha e conversava sobre o filho. Falava sobre a saudade. Chorava. Um dia perguntei se poderia fazer uma visita. Dia de visita domiciliar. Última parada: casa da dona Parnaíba. ‘Dona Parnaíba!’. Chamei. Lá vem ela, com aquele sorriso largo (seu acessório indispensável) e sua alegria contagiante. Sentamos. Conversamos. E ainda havia um cafezinho me esperando. Casa humilde, pois dona Parnaíba vive do dinheiro que consegue vendendo produtos na sua barraca com o marido. E como foi boa essa visita! Mesmo com sua história triste e com o pouco dinheiro que tem, nunca ouvi dona Parnaíba reclamar, nunca a vi sem o seu belo sorriso. Neste tempo de residência já ganhei dela vários presentes, eu recuso, mas ela fica brava se eu não aceito. Não tem um dia sequer que eu a veja, que deixo de dar aquele abraço apertado, pois eu sei que em breve não terei mais esta oportunidade. Obrigada dona Parnaíba, nesse tempo que convivemos, pode ter certeza que aprendi muito mais com a senhora do que a ensinei.

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Jardim florido

Os residentes são como flores de um jardim. O primeiro bem-vindo às flores foi via e-mail pela tutora da prefeitura. O primeiro encontro florido foi na escolha da Clínica da Família. O conhecer um pouco a essência das flores foi no introdutório em que a cada apresentação e anseios desabrochava uma flor. Algumas flores apareceram em outros momentos vivenciados pelos campos de estágio. Houve flores que se encantaram por outros lugares, mas permaneceram fazendo parte desse jardim, pois a sua essência afetou. A cada encontro as flores desabrochavam com as suas conquistas, com os seus questionamentos e com a inspiração das demais essências de cada flor. Houve momentos nublados marcados pela essência extraordinária de cada flor que vislumbrava pelos novos e lindos dias de sol. Destaco os momentos especiais vivenciados como residentes em que o sol deveria brilhar para todos a ponto de nos unirmos para que o jardim estivesse todo florido no mesmo lugar onde está o sol. Se não fosse possível, todos estariam no lugar nublado. Um jardim florido é mais bonito que uma flor solitária. Prezamos tanto por isso que nos propusemos a alguns sacrifícios para que todos estivessem diante do mesmo sol. Sei que algumas flores irão para longe, mas a sua essência permanecerá exalando o seu perfume no jardim e irão trazer aromas agradáveis na terra que irão florescerem mais e mais.

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Permita-me dançar

Não dá para mensurar o quanto, em nosso trabalho, pequenas ações que promovemos contribuem para grandes mudanças. Há um dia na semana em que atendo a demanda, conto com apoio da preceptoria de enfermagem e médica. Porém, se a triagem fosse apenas feita pelo desejo do usuário, sem uma escuta, neste dia um atestado para realizar atividade física ficaria para um outro momento. Mas, eu quis entender o motivo: O que uma adolescente de 18 anos, queria com um atestado? Jequitinhonha é bailarina desde os oito anos de idade e enxerga a vida e a interpreta através da dança. Bem que eu reparei ao chegar no consultório uma postura ereta, uma forma de andar clássica. Mora sozinha com o irmão e como muitos dessa comunidade sempre teve a vida difícil. Passaram por problemas financeiros, dificuldades de alimentação e a dança foi a oportunidade oferecida por uma ONG - Organização Não Governamental. Hoje ela chega pela primeira vez à clínica para solicitar um atestado que diga que ela se encontra apta para realizar atividade física. Como alguém que já faz três vezes por semana, dez horas diárias, de muito exercício há dez anos precisa de atestado que diga que está apta a realizar atividade física? Mas, este era diferente. Era para ajudar na busca de um sonho. Era para poder participar da seleção de bailarinos para o grupo de dança clássica mais famoso do Rio de Janeiro. A dança não apenas seria parte de sua vida, mas se tornaria sua vida. Para ela, a dança foi educação através da arte, foi desenvolvimento dos aspectos afetivos e sociais. Mover o corpo assumiu papel enquanto forma de expressão, de crítica e a tornou assim participante da sociedade. E o atestado tinha que ser para aquele dia, já que a prova seria dois dias depois. Então eu fui atrás, solicitei ao médico preceptor que também a avaliasse e ele a concedeu o atestado. Com um belo sorriso no rosto, Jequitinhonha agradeceu! Eu disse que não sabia dançar, mas apreciava muito a beleza da dança, do que a dança é capaz de expressar e pedi que quando ela tivesse uma apresentação que me enviasse um convite. Sorriu novamente, e ao se despedir disse que não esqueceria de enviar.

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Book Rosa

O médico da equipe diz para mim: “Atendi um caso novo de tuberculose. Já mediquei. Tudo certo. Resolve só a burocracia do livro Verde pra mim, por favor? Você pode levar a usuária pra sua sala e explicar tudo pra ela? Estou atendendo outras pessoas aqui. Obrigado”. Eu: “Tudo bem, pode deixar. Vamos lá pra minha sala querida, a gente conversa.” A paciente chorava muito ao lado do médico. Tapajós, 33 anos, do lar, morava com o marido e dois filhos no Complexo do Alemão. Disse entre lágrimas: “Doutor, não faço ideia de onde peguei tuberculose. Que coisa horrível.” “Tapajós, sou enfermeiro da equipe. Tuberculose é mais comum do que a gente imagina e mais fácil de tratar do que a gente pensa. Não importa onde você contraiu, vamos tratar, e posso te garantir que você vai se ver livre disso em seis meses.” - O que? Seis meses? Tomando injeção na veia? Eu não aguento isso não. E seguia chorando. - Tapajós, fique calma. Quem te disse que é remédio na veia? Não é assim o tratamento. Eu vou te explicar. - Ah desculpa menino, mas é que eu estou muito nervosa. - A senhora fez um teste de escarro e o resultado mostrou positivo para tuberculose. Agora todo mês você vai fazer um novo exame de escarro desse. “Aff” soltou ela, impaciente. - Sim, Tapajós, é preciso fazer esse procedimento pra gente saber como você vai melhorando, à medida que você toma os remédios. Então, como você tem mais de 50 quilos... - Ih, mas já está me chamando de gorda! E pela primeira vez, a paciente abriu um sorriso. Eu ri e correspondi. Assim a interação

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já foi mais leve e ficamos mais descontraídos. - Você tem que vir na Clínica, todo dia, para tomar quatro comprimidos, durante seis meses. - Ah não, não posso vir todo dia. Tenho muito o que fazer em casa. Retrucou. - Eu posso te dar na sexta somente para tomar em casa no sábado e domingo. - Ah, melhor do que nada né? - E você vai ficar com um cartão, onde todo dia que te derem o remédio vão escrever ali, assim teremos um controle certinho. - Ih! Quanta burocracia hein? - Calma, o mais importante é você vir tomar os remédios todos os dias, e uma vez por mês eu vou te examinar. - Ok, entendi. Tudo bem. Após administração dos primeiros medicamentos via oral, a paciente foi pra casa, já bem mais calma. Os meses se seguiram, ela veio na maioria das vezes para a unidade para tomar a medicação. A partir do segundo mês, já havia negativado o seu exame de baciloscopia, ganhou peso, referia sentir-se disposta e feliz. Ao final do sexto mês, em interconsulta com o mesmo médico que fez o seu diagnóstico inicial, recebeu alta, por cura. Ela ficou muito feliz, emocionou-se. “Nossa, que bom né? Foi um tratamento longo e chatinho, mas acabou bem.” Disse. “Viu? Eu não te disse que não era nada grave?” Respondi. O médico concordou. E Tapajós ainda disse: - É... mas então, lembro daquela primeira consulta, o doutor disse que tinha que resolver o “burocracial do Livro Verde”. Que diabos é isso? Deve ser burocracia né? - Nada demais Tapajós, são informações suas e da sua família que temos que inserir em um sistema para acompanhar a saúde de vocês. - É, mas agora eu não quero mais saber disso. Estou curada. Maravilha. Vou pra pista. - Como assim Tapajós? - Agora não quero mais saber de Livro Verde não. Vou fazer é um Book Rosa. Estou brincando! Gargalhadas tomaram conta do mesmo consultório onde, há seis meses, uma paciente chorava pelo medo de uma doença simples, curável e com tratamento acessível.

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Amor

Era a minha primeira semana como residente. Uma agente comunitária da minha equipe me pediu, angustiada, que fizéssemos uma visita domiciliar à casa de uma mulher que já estava na sua 14ª gravidez e se recusava a iniciar o pré-natal. Segundo a agente comunitária, a gestação se encontrava em estágio avançado, sendo visível o movimento do bebê. A mulher vinha disfarçando sua gravidez com uma faixa compressiva. 10h40 da manhã. Chegamos à casa, um lugar sombrio muito além da escuridão do ambiente. Quatro ou cinco crianças, ainda de pijama, vieram nos receber. Disseram-me que estudavam no turno da tarde e estavam à espera de sua irmã mais velha para levá-los ao colégio. A gestante repousava num quarto, aguardando a hora de ir trabalhar. Ao escutar o barulho das visitas, veio nos receber. Meu jaleco branco tornou desnecessárias as apresentações. Afirmou que nunca havia feito pré-natal de seus filhos e que não tinha interesse algum em iniciar agora uma tradição nesse campo. Mais uma vez eu me encontrava na posição de comunicar o que parece natural e óbvio a alguém para quem “natural” e “óbvio” aludiam aos elementos de uma realidade muitíssimo diferente da minha. “OK, vou fazer o pré-natal”, foi a sua resposta. Não a convenci a iniciar o pré-natal somente nessa visita, é claro, mas consegui sua presença a uma consulta com a nossa equipe e ao grupo de planejamento reprodutivo do local. Na sala de atendimento, ela, que já estava em seu último mês de gestação, nos informou que estava de mudança para outro município e nos ludibriou dizendo que continuaria o pré-natal em outra clínica da família. Passaram-se quatro meses. Nesse ínterim, chegou ao meu conhecimento a informação de que, após o nascimento desse filho, ela estava grávida de novo. E que retornara a residir no território da minha equipe. Naturalmente, não eram elogiosos os comentários que eu escutava sobre ela. Ainda assim, resolvi conhecê-la em vez de julgá-la.

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Numa consulta de seu filho mais novo, perguntei-lhe, com curiosidade genuína, o que a gestação significava para ela e o porquê de mais uma gravidez. “Porque eu quero aprender o que é o amor”, respondeu chorando, um tanto surpresa com as perguntas. Naquele momento, sua expressão me causou admiração. Com a fisionomia de uma pessoa que recordara de algo devastador, narrou que por muitos anos esteve envolvida em um relacionamento violento e abusivo. Por medo de colocar em risco sua própria vida e de seus filhos, manteve o que definiu de “cárcere de corpo, mas não de coração”. Suas gestações anteriores, portanto, foram decorrentes de um relacionamento bárbaro. Algumas foram interrompidas pelo sofrimento e enfatizou que não era possível gerar mais um fruto de ódio e rancor. Manteve-se em silêncio durante tempo suficiente para causar danos em sua alma. No entanto, com o falecimento desse anterior parceiro e a descoberta do amor de alguém que a respeitava, o novo filho - em sua narrativa interna - celebraria esse sentimento. Era o nascimento de um novo ser humano. Era o renascimento de um mesmo e único desejo. Era a opção por ter o que em outras gestações não conseguiu, um sentimento puro e esperançoso chamado amor. E quanto ao pré-natal da nova criança? “OK, vou fazer”, prometeu-me Nádia, desviando o olhar… Aos que se interessaram em saber se o acompanhamento foi encerrado com o número de consultas preconizadas pelo Ministério de Saúde? Assim como eu, a cada consulta de pré-natal, digo, com um sorriso de quem aprendera muito com ela: sim.

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Gestação na real

Era uma terça feira à tarde e se iniciava outro turno de atendimento. Como de costume, voltei do almoço, escovei os dentes e olhei a agenda do dia. Havia alguns pacientes agendados e cerca de três demandas livres. Decidi chamar logo a usuária chamada Bocaína porque sabia que ela estava grávida. Tem 21 anos e descobriu a gravidez recentemente. Ao chamar por Bocaína, percebo um semblante triste e pergunto: - Em que posso lhe ajudar? Silêncio. - É, estou um pouco enjoada. -No início da gestação é comum ter enjoo. Posso te ajudar a aliviá-lo. Faço outras perguntas e algumas orientações. Porém, percebo que não foi só esse o motivo da consulta. - Tem mais alguma coisa que queira me falar? Mais uma vez Bocaína fica em silêncio e chora. Ofereço-lhe um abraço e permanecemos nele durante alguns minutos. Bocaína então diz: - Sabe o que é, não é bom estar grávida, não está sendo fácil. - Imagino como seja difícil. Ninguém diz pra gente que gravidez nem sempre é sinônimo de felicidade. - Pois é. Depois que fiquei grávida tive que ir morar na casa da minha sogra e me sinto muito sozinha lá, mas não quero falar isso pro meu namorado pra ele não ficar chateado. Às vezes, me sinto culpada por estar assim e guardo esse sentimento pra mim. Você é a primeira pessoa que falo isso.

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- Todas essas mudanças devem estar abalando muito você. Saiba que estarei aqui sempre que precisar. Ah, e não se sinta culpada, como já disse, foram muitas mudanças em pouco tempo e é normal todos esses sentimentos. Bocaína, você pensa em tirar seu bebê? - NÃO! Ele foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, mas como a senhora disse, a adaptação está sendo difícil. Já estou me sentindo bem melhor agora que falei isso com você. - Que bom Bocaína. Mas vamos conversar mais vezes. Semana que vem pode ser? - Pode sim - Te espero então. Se precisar pode me procurar antes. Nos despedimos, demos outro abraço e Bocaína se foi. Na outra semana, voltou e disse estar melhor. Também disse que conversou com seu namorado e vão alugar uma casa só pra eles. Bocaína agradeceu pela atenção. E eu respondi: “obrigada você por me fazer enxergar o comum de outra forma.”

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Um médico de cabeça para um problema de nervo

O primeiro paciente da agenda do dia estava escrito para mim: “encaminhamento neurologista”. Fui até o corredor e chamei então Itaúna, um menino de nove anos que vem acompanhado da avó. Assim que entraram no consultório, nos apresentamos. Itaúna entra calado, de cabeça baixa, olhando fixamente para o chão, senta na escadinha da maca e permanece mudo olhando para o foco de luz. Sua avó começa a falar: “Minha filha, eu quero um médico de cabeça pra esse menino. Porque esse menino tem problema de nervo. Briga com todo mundo, está com nota ruim na escola, quebra tudo que vê pela frente, fica muito nervoso, só falta bater na gente. Escuto e vou fazendo perguntas a ela. E volto o olhar para Itaúna: “E você, Itaúna... conta pra mim. Você fica muito nervoso?”, pergunto. O menino ainda de cabeça baixa, olhando fixamente pro chão, enquanto brinca mexendo no foco, balança a cabeça, retraído, mostrando que “sim”. Então pergunto: “E o que te deixa nervoso?” O menino começa a dizer em voz baixa, sem nenhum contato visual: - Eu fico nervoso quando os outros não me conhecem. Eu vou pra catequese e os outros não me conhecem, aí eu fico nervoso. - É mesmo? E mais o quê que te deixa nervoso? - Quando meu avô briga comigo porque eu quero brincar e ele não deixa. Aí ele briga e eu fico nervoso. Ou quando ele briga com a minha avó, aí eu também fico nervoso.

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- E com quem que você mora? - Com minha mãe, minha avó e meu avô. A avó então interrompe e diz que o marido bebe e a criança fica nervosa quando vê o avô assim. Diz que a mãe não dá atenção pro menino, pois fica fora o dia inteiro, não fica com ele quando está em casa e nem lembrou do último aniversário do menino. Conta que Itaúna nunca conheceu o pai e fica triste com isso. Conversa vai, conversa vem, Itaúna responde a todas as minhas perguntas, mesmo envergonhado. Após quase uma hora de consulta, Itaúna permanecia na mesma posição evitando qualquer tipo de contato visual. Apesar disso, foi possível uma boa coleta de informações. Expliquei a avó que Itaúna não precisava de médico de cabeça e que seu “problema de nervos” não era bem um “problema” assim, e que precisávamos conversar um pouco melhor, a longo prazo, sobre a estrutura familiar e inicialmente conhecer e acompanhar o Itaúna aqui mesmo em nossa unidade, com a ajuda dos profissionais do Núcleo de Apoio ao Saúde da Família (NASF). Dei tchau para ambos e falei que queria vê-los novamente na próxima semana. Pedi para que ele trouxesse para a próxima consulta a sua mãe e o seu avô, para que eu pudesse conhecê-los. Na semana seguinte, estava no consultório com a porta entreaberta e quando olho para trás vejo Itaúna no corredor me observando. Ele me deu um “tchauzinho” e disse um “oi” envergonhado. Assim que respondi, saiu correndo pelo corredor, feliz, gritando: - Mãe, ela tá aqui! Avisei ao psicólogo do NASF que nosso paciente tinha chegado para interconsulta e os chamei.

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Os meninos no reino da PRESF

Quem acha que a PRESF não tem reino? Que a PRESF tem meninos e meninas Que lutam pelos seus pacientes, Que buscam aperfeiçoar a saúde pública?

Quem acha que a PRESF não tem reino? Que a PRESF busca a garantia do direito à saúde, Que batalha diariamente para trazer a vida, Que busca diminuir as opressões, Que busca aperfeiçoar uma saúde pública?

Quem acha que a PRESF não tem reino? Que a PRESF tem o Antônio, o João, a Mariana, a Mayara, a Lillian, a Gabrielle, a Tainã, a Thaina, a Ana, a Fabíola, a Bruna, a Talami, a Laís, a Catia, a Gabriela, a Gisele, a Stefani, a Juliana, a Ângela e a Camila que lutam? É claro que a PRESF tem reino!

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A tal da Pajeú

Segundo dia no campo prático do primeiro ano de residência, faço minha primeira participação na reunião de equipe a qual fui designada, peço aos agentes comunitários que me falem um pouco sobre as características de cada território e do perfil dos pacientes. Eles iniciam a fala por ordem de cada microárea. Logo, o agente comunitário de saúde da Microárea 01 falou: “Então, acho que a minha microárea é a mais vulnerável da nossa equipe, lá tem muitas pessoas carentes, tem muito lixo, as pessoas não cuidam muito. Lá também tem muita gestante, inclusive tem uma que é muito difícil, não vem as consultas, não faz exame. Um caso quase impossível. “ Cada um à sua forma, todos os ACS pedem que eu grave o nome dessa paciente, pois ainda escutaria muito nos corredores da unidade e falaríamos muito em nossas reuniões: Pajeú. Obviamente, fico curiosa sobre o caso e posteriormente colho mais informações com os demais membros da equipe. Fui informada que Pajeú tinha 16 anos, residia com o companheiro e a família dele, com quem não tinha uma boa relação. Era adotada e sua mãe adotiva morava em Caxias e possuía alguns conflitos com ela também. Estava em sua terceira gestação, tendo anteriormente um aborto e agora dois meninos gêmeos, nos quais um deles possuía uma síndrome que ainda não havia sido identificada. Não me recordo exatamente de meu primeiro contato com Pajeú, porém um dos primeiros se deu em uma visita domiciliar multidisciplinar, onde fomos eu, o ACS da microárea, um psicólogo e uma acadêmica do serviço social. Percebo que Pajeú era uma menina enigmática e que seria necessário um grande empenho para criar e fortalecer vínculo com ela. Gradualmente Pajeú começou a frequentar mais a unidade, sendo a maioria das vezes para buscar atendimento para seus filhos. Astutamente revertemos essas consultas de demanda livre em consultas que pudessem dar continuidade ao acompanhamento do seu cuidado. Seria inocência nossa acreditar que tudo seria resolvido simplesmente através

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do fortalecimento do vínculo e do cuidado integral a esta paciente. Mesmo com todo nosso cuidado e planejamento familiar, Pajeú iniciou outra gestação e tentamos estreitar ainda mais este cuidado. Nos últimos tempos Pajeú buscou mais vezes a unidade, realizou os exames de pré-natal e tentou dar continuidade ao acompanhamento dos seus filhos. Após o parto, decidiu iniciar contraceptivo injetável e tem estado atenta quanto ao seu uso. Para auxiliar no fortalecimento deste vínculo, fizemos questão de realizar o acolhimento pós-parto indo diretamente à maternidade. Embora alguns hiatos ainda existam, percebemos uma evolução e grande fortalecimento do vínculo desta paciente com os profissionais da equipe. Hoje, embora identifique a necessidade de me manter sempre vigilante, consigo enxergar Pajeú com outro olhar, não mais aquele de “caso impossível”, mas como um caso de múltiplas oportunidades.

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Contos de Capivari

Estava na unidade me preparando para o turno de visita domiciliar, quando chega a agente comunitária de saúde e me diz que Dona Capivari, uma paciente de saúde mental, estava na unidade acompanhada pelo seu filho, solicitando internação, pois estava em crise. Parei o que estava fazendo e fui ver o que estava acontecendo com Capivari. Quando me aproximei, ela veio me dizendo que não estava bem, precisava ser internada. Visivelmente estava descompensada. Passei o caso para o médico da unidade, ele solicitou avaliação com a matriciadora do NASF de psiquiatria e ambos decidiram pela internação naquele momento. Enquanto aguardávamos a ambulância, fiquei conversando com Capivari na sala dos ACS, seu filho não quis ficar e foi embora. Ela estava me contando alguns fatos marcantes de sua vida, a saudade que tem do marido, que saiu da prisão e não voltou pra casa, sua infância sofrida com a perda dos pais e irmãos, o tempo que morou na rua e como está o seu relacionamento com seus quatro filhos, que não lhe ajudam e só querem o seu dinheiro. Algum tempo se passou e a ACS entrou na sala para me informar que a ambulância já tinha chegado. Antes mesmo que eu conseguisse me levantar, Capivari já estava se encaminhando para a saída onde estava ambulância. Solicitei que esperasse dentro da unidade para que pudéssemos passar o caso para o profissional responsável que estivesse na ambulância. Tietê, outra paciente de saúde mental, amiga de longa data de Capivari, estava na sala de espera aguardando atendimento. Perguntou para Capivari o que estava fazendo e Capivari respondeu “Vou me internar”. A técnica de enfermagem, que estava na ambulância, perguntou quem era Capivari, paciente que iria ser internada. Capivari se antecipou e disse “Sou eu!”, a técnica respondeu “Tudo bem. Você tem algum acompanhante?”. E Capivari respondeu “Eu sou Capivari, todo mundo me conhece no Pinel, já fiquei várias vezes internada lá”. Com

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um sorriso largo no rosto. O caso foi passado e a técnica levou Capivari para dentro da ambulância para acomodá-la. Neste momento observo Tietê cabisbaixa, com olhar triste direcionada para ambulância, do nada ela fala “Nossa. Veio um carrão deste buscar Capivari. Nem tive tempo de me despedir de Capivari”. Foi quando a técnica entrou na unidade para buscar água para ela e para Capivari que estava com sede. Tietê aproveitou a oportunidade para sair da unidade e sentar no muro perto de onde a porta da ambulância estava aberta. Começa a conversar com Capivari, perguntado à amiga se estava tudo bem, quando iria voltar e algo mais que não conseguir ouvir. Quando a ambulância partiu me deparei com Tietê muito triste e com os olhos cheios de lágrimas, pela partida da amiga. O segurança da unidade me perguntou se estava bem, pois não tinha percebido, mas também estava com olhos cheios de lágrimas observando a cena. Dois dias depois, encontro Tietê na unidade que vem com sorriso largo me dizer que Capivari já estava de volta e que estava tudo bem com ela. Desde aquele dia quando penso em atos simples, de forma inesperada e absolutamente diferente, me recordo da amizade simples e sincera de Capivari e Tietê que nos tocam e nos transformam em pessoas melhores.

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O Tormento das buchudas

Já eram quatro da tarde

Ai que ódio, ai que raiva

Naquela hora marcada

Já estando toda atrasada

De um consulta agendada

Tem pilates, tem mercado

Dois meninos dentro do bucho

E tem filho agoniado

Que ali para o meu susto

Esperando a mãe chegar

Agora não mexem mais Examina e avalia Me preocupo e me desespero

Fazemos logo hioscina

Chamo logo a Vaga Zero

Pra aquela dor passar

Pra acalmar meu coração

A buchuda ainda chorona também tomou dipirona

E as horas foram passando

Pra tentar se acalmar

Com histórias e delírios Em meio a muitos risos A ambulância chegou

Estava tudo acertado Mas para minha surpresa Passa o mototáxi subindo

Pensando estar resolvido Entra outra buchuda gemendo Desceu da Kombi correndo Com o pé da barriga doendo Dizendo que é contração Viu a ambulância subindo E achou ser lotação 47

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Com a buchuda sorrindo Ai meu Deus! Mas que tristeza!


Diálogo com Guandu

Em uma tarde normal de atendimentos, ao dar seguimento à agenda, a paciente Guandu chegou com uma demanda de dor aguda, já conhecida pela equipe. O agente comunitário falou: “Ela só quer atestado, mas está se queixando de dor, o que fazemos? “ Respondi: “Coloca para atendimento na demanda livre”. Dei continuidade ao atendimento, chamo a paciente na sala de espera e nada. Sem resposta, sigo com o atendimento, repito esse processo umas três vezes e, então, quando vou chamar o próximo, vejo uma mulher gesticulando com meu agente de saúde e então percebi que, sim, ela estava aguardando já há algum tempo. Vou junto aos dois e os levo para o consultório, tento acalmá-la. O agente começa a rir por ter esquecido que seria a primeira vez que eu a atenderia e pede desculpas à paciente pela confusão e nos deixou a sós, e agora? Trata-se de uma deficiente auditiva. Então, gesticulando perguntei se ela sabia ler e escrever, para minha sorte ela respondeu que sim. Então, em uma folha de papel escrevi meu nome me apresentando e pergunto como poderia ajudá-la. Ela relatou uma dor relacionada ao trabalho o que demorou um pouco para entender com gestos e mímicas. Escrevi as orientações de enfermagem que cabiam para esse caso e solicitei avaliação médica. Na semana seguinte, Guandu lá estava, agora já a conhecia e sabia como chamá-la. Ela apresenta outra dor muscular, em outro lugar. Então, abri o histórico em seu prontuário e vi que todas suas consultas eram de demanda livre e fui tentar entender sua história. Guandu mora com amigos, também com deficiência auditiva, a única pessoa que escuta em casa é a mãe da amiga. Se conheceram no colégio, a Guandu é órfã, tem dois filhos que não moram com ela, trabalha numa rede de alimentação e seu trabalho era extremamente repetitivo, ocasionando as dores. Com o decorrer do tempo, fomos estabelecendo comunicação mais eficaz, com a melhora do vínculo outros assuntos foram sendo abordados como saúde da mulher, e até mesmo a troca do emprego e suas angústias frente ao novo.

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Aquela tarde de segunda-feira

Era uma tarde de calor de uma segunda feira, como tantas outras que tive na residência. Aos olhos dos desatentos, uma tarde comum, aos meus, uma tarde repleta de desafios e aprendizados. O corredor do segundo andar lotado de demandas. Usuários inquietos na sala de espera. O mais fascinante para mim: o inesperado, uma variedade de complexidades, histórias, anseios. No banco azul, sentavam mãe e filha aguardando atendimento. Realizo o chamado e estas adentram o consultório. Após me apresentar como enfermeira da equipe e questionar como poderia ajudar, ouço: - Doutora, eu vim pra senhora passar um remédio de evitar – disse a mãe. Com baixo nível de escolaridade, e num linguajar humilde, sua feição mostra preocupação. O cabelo despenteado, as roupas simples e os chinelos desgastados chamavam a atenção para possível vulnerabilidade familiar. Buscando compreender melhor a situação, indaguei: - Vocês vieram buscar orientação do uso de algum método anticoncepcional? - Sim! De pronto, respondeu a mãe. A linguagem corporal da filha demonstrava insatisfação e incômodo. Pernas inquietas, expressões faciais, olhares que se cruzavam. Conduzindo o caso interroguei: - Você já iniciou vida sexual? Ao receber a resposta negativa, percebi que o atendimento exigiria mais do que conhecimentos sobre prescrições e métodos contraceptivos. Os registros do prontuário mostravam a jovem idade da filha - 15 anos - e um diagnóstico prévio de infecção pelo vírus HIV em ambas. - Está planejando iniciar anticoncepcional? Pergunto sem restrições. - Não! – Disse a jovem sem pestanejar.

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- Então, me fala um pouquinho sobre você para eu te conhecer melhor. Um silêncio tomou conta da sala. Os gritos e brincadeiras das crianças, além das conversas dos pacientes que aguardavam do lado de fora, invadiam o consultório. Logo observei que não havia troca de olhares entre mãe e filha. Pedi que a mãe deixasse que a filha respondesse às minhas perguntas para que falasse um pouco sobre si. Em abordagem individual e familiar busquei compreender as expectativas quanto ao atendimento e acompanhamento nas consultas. A filha havia sido surpreendida ao ser levada, pela mãe, na unidade naquele dia para o atendimento. Não estava preparada. Sentia-se traída! Não queria remédio nenhum. Negava o interesse e/ou planejamento em iniciar a vida sexual. Não queria conversar. Não queria falar sobre a sua vida. Chorando, respondia brevemente aos questionamentos. Estava sofrendo. Culpava a mãe pela transmissão vertical do HIV, acreditava que o vírus havia sido transmitido durante o aleitamento de forma intencional. Nunca haviam conversado sobre o assunto. Sentia-se menosprezada pelos outros membros da família. Morava com a avó materna devido aos conflitos com o atual namorado da mãe. Em tom de confissão, a mãe relatou preocupação com o comportamento da jovem. Distante, mentindo sobre onde estava, com fotos e vídeos inapropriados no celular envolvendo nudez e armas de fogo. Negou ser contrária ao início da sexualidade da filha, e que estava preparada para tal. Preocupava-se com uma gravidez não planejada e com a disseminação do HIV pela filha, comprometendo sua segurança e bem estar. A relação entre mãe e filha estava conflituosa. Uma adolescente vivendo uma crise paranormativa no ciclo de vida, sem rede de apoio e sem compreensão para lidar com o diagnóstico de uma doença crônica e incurável. Foram semanas para a construção do vínculo e proposições de reflexões. Foi preciso desconstruir a ideia de solução de um conflito familiar através da prescrição de um anticoncepcional. Poderia ter sido bem simples. Era só atender ao que me era pedido: um anticoncepcional, um remédio de evitar. O que eu não pude evitar foi me sensibilizar com a relação frágil e conflituosa entre ambas. Era notória a falta de comunicação, confiança e empatia entre elas. Percebi que naquela situação mais importante que orientações contraceptivas era o fortalecimento do vínculo com a equipe e do diálogo entre mãe e filha. As vivências enquanto residente reforçaram meu entendimento de que as relações humanas superam diagnósticos e prescrições e estão à frente de exames e encaminhamentos. É preciso enxergar além do que se vê e ouvir além do que se diz, além do óbvio. Tentar compreender a complexidade dos indivíduos envolve sensibilidade no cuidado com o outro e desenvolvimento da escuta. A caminhada é longa, mas estou feliz e orgulhosa pelos primeiros passos.

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Filha e mãe

É quarta-feira! Dia intenso com dois turnos seguidos de atendimento com agendamentos e demandas livre. Chego trinta minutos antes de começar, arrumo as gavetas, preparo todo o material e visto meu jaleco. Abro a janela do prontuário eletrônico e atualizo a cada dois segundos para saber se meus pacientes estão aqui. Quando dou por mim chegam todos os pacientes. Respiro fundo olhando aquele mar de quadradinhos verdes (mensagem de aguardando) e inicio meus atendimentos: pré-natal. puericultura. diabetes. hipertensão... Entram no meu consultório mãe e filha. A mãe, velha conhecida da unidade, encontra-se bem fraca tendo que ser amparada. A filha, com semblante desesperado, faz um pedido suplicante de ajuda: “Por favor, você precisa ajudar minha mãe. Não estou aguentando mais”. Quarenta e sete anos. Mãe de quatro filhos de pais diferentes. Solteira. Ex-usuária de drogas, HIV positivo e com histórico de mais de quatro abandonos de tratamento de tuberculose. Até o momento, três projetos terapêuticos singulares fracassados. Verifico sinais vitais, enquanto escuto cada súplica da filha. A paciente se encontra estável, apesar de estar sintomática respiratória novamente. Vejo sobre a possibilidade de coleta do BAAR - Baciloscopia do Escarro. Nesse momento não me preocupo mais tanto com a mãe. Meus olhos se voltam para a filha que ainda suplicava pela vida da mãe - só que agora com lágrimas escorrendo pelos olhos e tremendo. Agora sei que ela precisa mais do que nunca da minha escuta e acolhimento. Traço junto com elas as condutas técnicas e, ao final, peço para conversar apenas com a filha. Ela, que agora soluça, diz da dificuldade de sua mãe fazer os exames, tomar os remédios e se alimentar. Fala que agora que não mais vive com a mãe, e sim com o namorado, é chamada regularmente na rua, toda vez que a mãe desmaia. Proponho que juntas e com a ajuda dos demais membros da equipe e irmãos tentemos ajudar a família e digo: “Enquanto eu estiver aqui nessa unidade e vocês fizerem parte da

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comunidade que atendo não irei abandoná-las. Não vamos desistir de vocês. Se sua mãe quiser o tratamento e aceitar ajuda, vamos estar aqui.” Nesse momento meus olhos cheios de lágrimas encontraram os dela. Ela, com poucas palavras, me abraça e agradece pela ajuda. Nos despedimos, mas apenas até o dia seguinte. Já são 17:20 e o turno acabou. Com a cabeça atordoada penso e reflito sobre minha profissão e o trabalho na estratégia de saúde da família. A faculdade não nos prepara para isso. Apenas vivendo e se colocando no lugar do outro em cada atendimento que vamos realmente entender o que é o cuidar. Agradeço por mais um dia, pelo trabalho que me transforma como enfermeira e pessoa e por fazer, mesmo que pequena, a diferença na vida do outro. Respiro profundamente mais uma vez no dia e vou embora...

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Algo a mais

Abro a caixa de e-mail e um deles me chama a atenção. O assunto: “Urgente - Investigação dos casos de Sífilis Congênita”. Ao abri-lo, como era esperado, havia um caso que era de responsabilidade da minha equipe. Apesar de saber que a investigação não tem caráter punitivo, como enfermeira residente é inevitável alguns questionamentos. Onde erramos? O que deixamos passar? O que poderíamos ter feito diferente? Na reunião de equipe nos propomos a preencher o roteiro de investigação. Responder às perguntas era como reviver o caso: A segunda gestação de uma jovem, 24 anos, casada, e que não havia tido diagnóstico de sífilis na primeira gestação. Durante a primeira consulta de pré-natal da segunda gravidez, ao realizar o teste rápido para sífilis, o resultado foi positivo. Sua principal inquietação era “como teria pego aquilo já que continuava com o mesmo parceiro?” Situação delicada. Mas, a gestante se compromete a aderir ao tratamento e a conversar com seu companheiro. Retornou no dia seguinte para iniciar o tratamento. Simples, né? Mas não tão simples assim. O parceiro não veio e eu perdi a conta de quantas visitas domiciliares foram feitas para tentar contato com ele. Ela concluiu o tratamento e na consulta seguinte nos informou que ele se recusava a fazer o teste e a fazer o tratamento. Sensibilizamos a gestante quantos aos riscos e sobre as medidas de prevenção. Aí já não parecia tão simples. “Será que ela conseguiria se impor diante desse marido para usar preservativo?” Não tínhamos como saber, não haviam garantias. Continuamos a busca, e a equipe se revezava para realizar as visitas. Quase dois meses depois, exatamente 48 dias após o diagnóstico dela, ele foi encontrado em casa. Todas as orientações foram dadas, enfatizando a importância do tratamento. Agora sim. Ainda não... Ele se recusou a fazer o teste rápido para diagnóstico. “Ah! Então trata de qualquer jeito, mesmo sem diagnóstico”. Mas ele disse que não tomaria injeção. “Hum... Tratamento oral.“ Ele topou, mas eram 30 dias de antibiótico. Não demorou para ela nos procurar e dizer que ele não concluiu o tratamento. Quén, quén, quén, quén…

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Voltamos à busca ativa, mas não tivemos êxito. Nossa gestante chegou à reta final da gestação e as visitas se tornaram mais frequentes. Um dia chegamos lá e ela não estava. Havia dado à luz e ainda estava internada. Perguntamos pela criança e seu sogro, com rispidez, respondeu: “Vai ficar lá para tomar remédio porque vocês não fizeram o pré-natal direito.” Não poderia dar detalhes do caso, tentei explicar de alguma forma com os olhos marejados, enquanto tentava me recompor porque minha vontade era de chorar. O tratamento de sífilis materna foi mesmo inadequado, o parceiro não concluiu o tratamento. Mas será que não fizemos nosso trabalho direito? Será que poderíamos ter feito algo a mais? Talvez sim. Nos dedicamos, nos comprometemos, fizemos tecnicamente tudo o que nos era possível naquele momento, mas não foi o suficiente, não alcançamos o resultado esperado. Essa experiência me fez compreender, entretanto, a importância da corresponsabilidade, me fez olhar para minhas limitações. Mas, isso não me confortou. Na, realidade despertou uma vontade ainda maior de tentar ressignificar o cuidado, a assistência e o tratamento ofertados àqueles que estiverem sob meus cuidados. Isto porque talvez, apenas talvez, tenha sido esse o algo a mais que faltou.

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Um abraço da Mucajaí

Era um dia comum de atendimento no mês de outubro, quando Mucajaí bate na porta e vai logo dizendo: “eu quero fazer uma mamografia.” Pergunto se já fez o preventivo esse ano e ela responde que não. Oriento a ela a aguardar por um momento para realizar a coleta do citopatológico e explico que pediria a mamografia, pois tinha alguns pacientes marcados e teria que prosseguir com os atendimentos. Mucajaí logo fica alterada falando que nunca consegue nada na clínica e inicia uma crise de choro. Após ver sua reação, peço que ela entre na sala e se sente. Pergunto a ela o que aconteceu. Mucajaí logo conta que sofre de depressão há dez anos, relata que tem duas filhas adultas jovens, é casada há mais de 20 anos, porém tem uma péssima convivência com seu marido. Conta que o marido não a trata bem “Ele me xinga e diz que além de feia estou ficando doida, que isso de depressão é palhaçada minha e me chama de paraíba fedorenta”. Conta que caso chegue em casa e não tenha comida pronta, ele reclama, que passa boa parte do seu dia sozinha e que não tem vontade de fazer nada, mas faz para não ouvir reclamação de seu marido. Diz que ao longo do casamento, seu marido a traiu e deixou suas filhas passarem necessidades, pois saiu de casa para viver com a amante. Em um momento, muito forte, diz: “meu maior arrependimento dessa vida foi parar de trabalhar porque agora tenho que aturar ele. Depois que me casei parei de trabalhar para me dedicar exclusivamente à família e hoje dependo financeiramente dele.” Após ouvir o relato emocionado de Mucajaí, por mais de uma hora, pergunto a ela o que ela costumava fazer para se distrair, ela fala que ia para o grupo da igreja, mas tinha parado de frequentar a igreja porque não estava com vontade de sair de casa. Tentei pactuar com Mucajaí algumas metas como retornar à igreja e passear em algum lugar que ela gostasse. Expliquei o significado da depressão, confortei dizendo que ela não estava maluca, que essa doença precisava ser tratada com a devida importância. Após seu desabafo, perguntei se ela queria fazer o preventivo. Mucajaí fala que não está preparada então pergunto se ela não deseja vir no dia seguinte, ela aceita e me fala “obrigada por me ouvir, já me sinto bem melhor” Mucajaí me dá um forte abraço cheio de sentimentos e sai da sala. 55

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A partir daquele momento, criou-se um grande vínculo entre a gente, eu deixava a porta aberta e falava que ela podia vir ao consultório toda vez que precisasse conversar. Aos poucos, fui percebendo sua melhora e Mucajaí foi retornando sua vida social, recuperando sua autoestima. Após aquela mulher sair da sala no primeiro dia que a atendi, senti que fiz bem a vida de uma pessoa e que valeu a pena parar todo o atendimento para fazer uma escuta a quem estava tão necessitada naquele dia. Isso fez todo o sentido para mim. Faz sentido fazer a residência de enfermagem de saúde da família e me tornar uma enfermeira de família.

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Vínculo como consequência

Sempre fui protegida de tudo. Tanto eu, quanto minha irmã fomos criadas com muitos mimos e nossa única preocupação era estudar. Trabalhar enquanto estudava nunca foi uma realidade para mim. Dessa forma, consegui me formar cedo e minhas experiências profissionais se baseavam no que a faculdade tinha me proporcionado. O primeiro ano da residência se tornou o ano de aprendizado maior que poderia imaginar, foi uma vivência intensa que se encontra fora dos cadernos da atenção básica do Ministério da Saúde e que não está descrita em manuais ou guias rápidos do município. Estava aberta a me permitir vivenciar os momentos, as relações interpessoais, as conversas com os usuários, as visitas domiciliares e muitas outras situações. Dois usuários que me marcaram foram a Gurupi e seu esposo. Conheci Gurupi no segundo semestre de 2015, quando foi ao consultório para iniciar o pré-natal de sua primeira gravidez. Gurupi comparecia à unidade sempre acompanhada do esposo, com muita simplicidade, fala mansa e sotaque nordestino. Muitas dúvidas. Em consultório, durante as consultas, sentávamos nas cadeiras e eu orientava a ambos quanto aos questionamentos esperados sobre gestação, parto e puerpério. Ao término da consulta, sabia que surgiriam mais dúvidas para a próxima, no entanto, mais tocante do que poder responder às perguntas, era perceber que eles confiavam em mim para fazê-las. Ao fim da gestação, no quarto dia de vida do recém nascido, eu e a agente comunitária de saúde da microárea fomos à casa da Gurupi para a realização do acolhimento mãe-pai-bebê. Ficamos esperando um tempo sob o sol de 11h até sermos atendidas. Alguns minutos se passaram e o esposo abriu o portão, nos convidando a entrar em sua humilde e aconchegante casa. Quando finalmente entramos na sala, eu e a ACS fomos recebidas com tanto carinho que me senti surpreendida. Gurupi foi logo nos oferecendo assento, água e fatia de bolo. Ela estava realizada com a saúde de seu bebê, com a progressiva recuperação de seu puerpério e com o acompanhamento da equipe. Foi então que percebi que tinha afetado ao casal tanto quanto fui afetada por eles. Me senti satisfeita em saber que o meu trabalho fez parte desta fase importante da vida do casal. A experiência veio para somar e só confirmou para mim que o profissional precisa dar importância ao diálogo, escuta ativa durante a assistência em saúde, e o vínculo com o usuário só será consequência do seu trabalho.

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Uma paciente inesperada

O dia em que soube o resultado da prova da residência nem acreditei. Dei pulos de alegria. Durante a graduação me identifiquei sempre com a terapia intensiva, mas, quando no internato, passei um tempo considerável na atenção básica descobri que aquilo era mesmo pra mim. O vínculo, identificação pessoal, liberdade de ser quem eu sou e, principalmente, estar de fato inserida na vida das pessoas são características dessa área de atuação que me fizeram querer estar hoje aqui. Ao longo desses dois anos recebi, atendi, acolhi, tratei, abracei e acompanhei muitos usuários. Alguns com problemas de saúde complexos, outros nem tanto. Muitas orientações foram dadas, grupos educativos, conversas e recomendações. Alguns só queriam alguém que lhes desse atenção. Esses, então, eram muitos. Escutei cada problema, cada tristeza, cada saudade, vi muitas lágrimas caírem e sorrisos se abrirem. Recebi muitos “obrigada pela atenção” comoventes, enquanto eu pensava que não estava fazendo mais que a minha obrigação. Sendo residente aprendi muito. Aprimorei meu conhecimento técnico, por exemplo como realizar uma consulta de enfermagem, como proceder numa visita domiciliar e como realizar a coleta do preventivo. Todas essas condutas fizeram parte das minhas aulas da graduação, fiz inúmeras provas acerca desses assuntos, porém hoje avalio que a prática da residência realmente foi essencial para que eu me especializasse principalmente no cuidado, na individualidade, no manejo com o ser humano. Além do conhecimento técnico, aprendi outras coisas que, no dia em que recebi o resultado, era só imaginação. Aprendi, acima de tudo, como lidar com os seres humanos. Claro que ainda não virei especialista nesse assunto (sabe-se lá se um dia virarei), mas aprendi a lidar melhor com esse bicho de sete cabeças. Aprendi a controlar meus impulsos, a pensar duas vezes antes de falar, a ficar mais calma diante de adversidades e de outros pontos de vista. Aprendi que pode haver, sim, outros pontos de vista e que mais de um ponto de vista sobre a mesma coisa não significa erro. Aprendi que nem sempre farei amizades no trabalho, mas que as amizades que eu fiz (e ainda farei) serão de grande valia para minha vida. 58

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Em meio a todos os usuários que conheci, resolvi eleger um que mais aprendeu ao longo desses anos: eu mesma. Hoje, perto do fim, chego à conclusão que, mais do que ajudei pessoas, fui ajudada por todas elas. Fui ajudada por meus usuários, agentes comunitários, meus preceptores, meus médicos residentes, minha gerente, minha técnica de enfermagem. Todos eles me “consultaram” e me fizeram ser, cada um do seu jeito, uma melhor enfermeira, mas, acima de tudo, uma melhor pessoa. Se hoje me sinto exausta por esses dois anos de luta, de estudo aliado à prática, de 60 horas semanais de trabalho, me sinto agradecida imensamente por ter passado por tudo isso. Passei por uma lição de vida inigualável nesses dois anos. E com certeza daqui pra frente serei uma melhor profissional e ser humano. Quando me foi solicitado que escrevesse alguma experiência positiva acerca da residência, fiquei pensando sobre qual “paciente” escreveria. Tenho tantos casos pra contar. Mas resolvi falar da pessoa que mais foi “tratada” e aprendeu com tudo isso, eu mesma.

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O SUS é bom

Era uma quarta-feira pela manhã, turno programado para o atendimento de saúde da mulher. Tudo indo bem, nenhuma intercorrência até então. Chamo a próxima paciente agendada: Paranã. Entra uma senhora. Cumprimento-a e ofereço a cadeira para que se sente. Ela se senta e enquanto abro seu prontuário no computador, ela olha atenciosa para os detalhes do consultório. Seus olhos percorrem por paredes, chão, maca, porta e também para mim. Inicio a consulta perguntando como poderia ajudá-la naquele momento. “Vim fazer preventivo... tem muito tempo que não faço.” Dou prosseguimento à consulta, com a anamnese, exame clínico das mamas e realização do citopatológico do colo do útero. Após se vestir e se sentar novamente na cadeira para as orientações e finalização da consulta, percebo dona Paranã pensativa. - Está tudo bem? – pergunto. - Está sim, minha filha. Tenho uma neta novinha, assim como você. Estava pensando nela. - E porque ficou triste? - Ah! Ela não quer mais morar comigo. Deixei que ela fosse passar uns dias com a mãe e ela não quer mais voltar. Tenho muita saudade. Tento contornar a situação: - Pode ser uma fase... e ela ainda pode visitar a senhora. Dona Paranã começa a me contar as histórias que viveu com a neta, falando com entusiasmo e admiração. De repente, seu semblante começa a entristecer de novo. Limpando a lágrima que começa a cair dos olhos, ela responde: - É. Sei que tenho que entender, mas é difícil... E deixa, já estou tomando o seu tempo.

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- Escutar o que a senhora tem para me contar também faz parte da consulta. Ela abre um sorriso, ajeita a bolsa para se levantar de cadeira, percorre novamente os olhos pela sala e diz: - Eu tinha plano de saúde e perdi. Mas sabe de uma coisa. O SUS é bom... muito bom! Vou até falar para o meu filho e para o meu marido que o SUS é bom. Pega minha mão e me agradece: - Gostei de você. Obrigada por me ouvir. Vou voltar na segunda e te trazer um presente. Saiu da sala sorrindo e agradecendo. O presente físico não chegou, mas a lição de que o simples ato de escutar o usuário, independente do que ele tem a dizer, também faz parte do processo de cuidar é o maior presente.

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Gentileza gera Gentileza

Nos meus primeiros meses na residência, em um dia atípico, eu tive uma tarde de sexta feira com a agenda lotada. Eu ainda como R1 estava assustada, porém atendendo a todos os pacientes com bastante respeito e profissionalismo. Foi quando um paciente começou a reclamar da demora dos atendimentos e bater diversas vezes na minha porta perguntando se ainda demoraria muito para atendê-lo. Pedi que aguardasse. Na sua vez, fui bastante simpática e o mesmo se assustou com a simpatia, pediu desculpas diversas vezes e me agradeceu, dizendo que estava nervoso, pois não tinha nenhuma medicação. Seu nome era Negro ele tinha 53 anos, diabético e havia amputado o pé esquerdo. Fiz uma consulta completa e integral, no entanto na hora da avaliação dos pés ele arregalou os olhos e disse que nunca tinham avaliado seus pés antes, e questionou se eu tinha certeza que queria fazer aquilo, já que ele veio de casa e havia um odor nos pés. Eu abri um sorriso e disse que não tinha problema algum e que era o meu trabalho. No final da consulta, o encaminhei para procurar a academia carioca para realizar atividades físicas e expliquei a importância. Na semana seguinte da consulta, estava ele lá na academia carioca. Quando me viu entrar pela clínica, alegre me gritou e disse que estava lá como eu havia orientado, abri novamente um sorriso e acenei para ele com bastante alegria. Nosso esforço como enfermeiro de saúde de família não é em vão, saber que tenho esse paciente melhorando seus hábitos de vida é uma conquista. Atualmente Negro sempre se lembra de mim e me faz uma visita na minha sala com um sorriso no rosto.

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Quer um picolé?

Logo no início da Residência, conheci uma figura, daquelas que todos conhecem, mas que poucos sabem a história. Seu nome é São Francisco, ou, se preferir, pode só chamar de Francisco. Francisco é o tipo de pessoa que todo dia vai na clínica, não para se consultar, mas para ver as pessoas e aproveitar para ganhar uma graninha. No auge dos seus 62 anos, Francisco vende picolé ou chocolate - muito bom por sinal, eu recomendo. Mas, o que esse senhor magrelo e trabalhador tem de tão especial? Além do incrível bom humor, uma prótese na perna direita com o escudo do Flamengo. Em uma dessas tardes de atendimento, quem entra no consultório? O próprio. Só assim soube o seu verdadeiro nome. A consulta de demanda virou um bate papo de uma hora e meia. Mas, porque isso tudo se nem hipertenso ou diabético ele é? Porque Francisco tem lábia. A conversa flui naturalmente sem nem perceber. E, assim, aos poucos fui conhecendo a sua história. Francisco é sozinho no mundo, tem filhos por aí mas não querem saber dele. - Minha neta é altona, só aparece para pedir presente. Está tranquilo, aprontei muito com a mãe deles, entendo o lado deles. Agora sosseguei. Estou com uma namorada só, aquela que eu tinha te falado terminei. Agora estou certinho, tranquilão. Outro dia pergunto sobre sua perna, como aconteceu a amputação. - Aprontei muito nessa vida, já fiz de tudo, só não matei. Estava surfando no trem quando cai e o trem pegou minha perna. Tinha 20 e poucos anos, podia ter me revoltado, mas aprendi. Vi que Deus me deu outra chance. - Mas então tem alguma coisa que te incomoda? Questiono. - Só esse ouvido. Cada dia escuto menos, falar nisso, marca outra lavagem de ouvido pra mim. Perdi a data. Estava maior sol, fui vender meus picolés, dois isopores, valeu muito a pena. Já estou há um tempão assim, mais um dia, menos um dia, tanto faz. A graninha extra valeu, só a aposentadoria não dá. E assim é a vida do Francisco, sempre brincando e sorrindo. E se um dia você quiser se refrescar, é só falar com o Francisco do picolé, que com certeza à tarde na clínica você vai encontrá-lo.

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Um otimista

Logo que cheguei na unidade fui informada que tinha em acompanhamento, até então por sua equipe de referência antes da redivisão do território, um paciente diabético insulino dependente, que tinha passado por duas amputações do segundo e terceiro quirodáctilo do pé esquerdo, com uma lesão por pressão, grau III. O paciente foi de difícil adesão terapêutica e no momento estava seguindo bem ao tratamento proposto, devido à boa construção de vínculo com a outra enfermeira residente do segundo ano, assim como eu. Considerando essas circunstâncias, a preceptora decidiu que o caso deveria ser passado aos poucos para a nova equipe. Nesse momento pensei: “Não quero comprometer o cuidado, mas sou enfermeira da equipe e tenho que conhecer meus usuários, pois sou a responsável e coordenadora do cuidado de seu território.” Na outra semana minha colega residente falou: “O Pacuí está aqui para fazer o curativo, vamos comigo para eu te apresentá-lo.” Chegamos na sala de curativo. “Esse é o Pacuí. Ele vem duas vezes por semana para fazer o curativo comigo, o curativo dele é o mais complexo, pois tem que fazer desbridamento com bisturi. Vou te mostrar como faço e aos poucos você vai pegando.” Me apresento, pergunto se está tudo bem, orientamos que por um tempo ele será acompanhado por nós duas e que mais para frente seu curativo e suas consultas de rotina serão feitas pela nova equipe. Explicamos que éramos residentes, que estávamos no segundo ano e que iríamos terminar em março de 2017. Fazíamos questão de cicatrizar essa lesão antes de concluir a residência. Informamos que chegariam mais enfermeiros para as equipes para ficar junto conosco - os residentes do primeiro ano - e que estes compartilhariam o cuidado com a gente. Por mais duas semanas continuei a fazer o curativo junto com minha colega residente e me senti mais segura para o procedimento. Então fomos informadas pela preceptora que Pacuí passaria a ser atendido somente pela minha equipe, pois já tinha tido tempo para adaptação a nova equipe.

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- Oi Pacuí como você tem passado? - Bem, essa semana tive minha primeira consulta com a médica da equipe. - E como foi? - Foi tudo bem, ela é muito atenciosa. Aliás, eu não tenho o que reclamar vocês são sempre muito legais. A outra enfermeira residente também, mesmo não me atendendo mais, sempre pergunta como estou. - Que bom, Pacuí, fico feliz. Queria ver com você se, além de fazer o curativo aqui na clínica, teria como fazer em casa, pois seria muito positivo para a cicatrização. Caso possa, eu tenho te dar o material para domicílio e te orientar como fazer. - Tem sim. Vou pedir a minha esposa. É só você me ensinar, quero muito fechar essa ferida, faço o que vocês mandarem. Conversei com minha preceptora que deveríamos fazer algo além do curativo, pois sua forma de caminhar fazia mais pressão na lesão, o que dificultava ainda mais a cicatrização. Conseguimos uma consulta com terapeuta ocupacional e após avaliação informamos ao Pacuí que sua prótese só era feita na ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação). Encaminhamos Pacuí para lá. Continuei a fazer o curativo. - Tenho uma boa notícia para te dar. Consegui uma consulta na ABBR para o próximo mês. Disse ele animado. - Que bom Pacuí. Vai ser muito bom para você e para sua recuperação. - Por favor, conta para a outra enfermeira? Quase não tenho a visto, mas sei que ela também vai ficar feliz. Informei que contaria, mas que esse mês ela não estava na unidade, pois pela residência temos que cumprir estágios fora da clínica, mas que no próximo mês ela retornaria e que eu iria ficar fora. Chegou a próxima semana e Pacuí me contou que estava conseguindo se adaptar super bem ao uso da palmilha, que estava muito otimista, conseguindo deambular melhor e confiante que agora sua lesão cicatrizaria. Ao me encontrar no corredor antes de entrar na sala de curativos me chamou e perguntou se poderíamos conversar. - Queria ver com você como vai ficar meu curativo esse mês que você vai ficar fora, pois já me acostumei a fazer com você” - Pacuí tem outra enfermeira na nossa equipe. Vou orientar o técnico da sala a chamá-la para fazer seu curativo - Queria te pedir um favor, tem como você falar com a enfermeira residente que fazia meu curativo antes de você chegar. Pois já me acostumei com vocês duas que estão comigo desde o início do ano. A gente já tem afinidade, conversa e falta tão pouco para vocês saírem da clínica que prefiro continuar com vocês. - Fico feliz que você goste tanto da gente. Vou ver com ela e na próxima semana te dou a resposta. 65

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E chegou a última semana antes do meu estágio fora e como de costume ele chegou pontualmente no horário combinado. - Falei com ela e está tudo certo, seu curativo passará a ser terça-feira à tarde nesse mês de dezembro. - Fico bem mais tranquilo. Boas festas para você e em janeiro estamos juntos de novo firme e forte. Muito obrigado por tudo. No final das contas eu é que tenho que agradecer. O Pacuí é aquele paciente que não tem como não se identificar: carismático, compreensivo, mesmo com todas as dificuldades que enfrenta está sempre sorrindo, sempre otimista e acredita no nosso trabalho. Com todas as mudanças que acontecem nas equipes que recebem a residência ele foi super paciente com a transição e com a nossa inserção na sua assistência. Foi um grande aprendizado quanto à construção de vínculo e à manutenção de sua adesão ao tratamento, trabalhando em conjunto com outra colega residente. E concluo que nós três saímos ganhando, pois temos um ao outro para chegar a um objetivo comum que é vê-lo com a lesão cicatrizada antes de concluirmos a residência.

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Dose Dupla de amor

Ser residente já é uma tarefa árdua, mas ser residente em saúde da família é ser resiliente, e desta forma, ganhei um dos maiores presentes que esta residência pôde me dar: a oportunidade de fazer diferença na vida das pessoas, a de crescer e de aprender com cada usuário como superar obstáculos. Há um ano conheci Moa e Dona Branca, neta e avó que passaram a vida juntas, cuidando uma da outra. Primeiro tive a oportunidade de atender Moa em uma consulta de demanda livre para realização de um TIG. Aparentemente simples. “Olá, sou Moa e preciso da sua ajuda, pois quero realizar um teste de gravidez, estou com atraso menstrual. A criança será bem-vinda, mas estou separada, cursando meu técnico de enfermagem e trabalhando como cuidadora, vivo com minha avó e tenho demandas a cumprir em casa.” Assim iniciamos nosso vínculo. Semanas depois, Moa retorna à unidade, dessa vez traz Dona Branca, sua avó, para avaliar uma ferida que apareceu no seio de forma repentina, no dia de seu aniversário. Sou chamada até a sala de curativo para avaliar. Avaliando a lesão na mama, pude observar que era complexo e iria precisar de acompanhamento e condutas médicas, assim solicitei o médico da minha equipe. O tempo passou, consultas e exames foram realizados. E ao final o diagnóstico: neoplasia de mama em estágio avançado. Um momento delicado para essa família. A doença não trouxe somente tristeza na vida delas, mas também desafios para esse cuidado com a idosa. Moa que trabalhava todos os dias e ganhava o dinheiro para sustento da casa não podia mais ter essa rotina. Além disso, cursava o técnico de enfermagem que tanto almejava. E assim 2016 se iniciou. Começaram quimioterapia, consultas com especialista, alguns efeitos colaterais e até mesmo internação. Moa e Dona Branca sempre ali, juntas, cada uma com suas particularidades e cada uma com aceitação diferente sobre a doença.

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O mais importante e notório era a resiliência das duas, o desejo de vencer os obstáculos. Dona Branca, na luta contra a tristeza por estar doente, e Moa, na luta para não deixar em nenhum momento seus objetivos para trás. Nos tornamos grandes amigas, tive a oportunidade de conhecer sua casa através das visitas domiciliares e pude até mesmo levar uma equipe multiprofissional do INCA (Instituto Nacional de Câncer) para realização de uma abordagem diferenciada. Nos falamos sempre. E há quatro semanas recebi uma mensagem no celular. “Estou muito feliz, após diversas horas de estágio e noites sem dormir, consegui adiantar meu curso e hoje termino essa fase da minha vida e inicio um novo ciclo. Agradeço muito a você por fazer parte disso e não me deixar desistir.” Há três dias recebo mais uma mensagem - depois de saber que estava indo para seu primeiro dia de emprego. “Desculpa te perturbar a essa hora da noite, mas é que você virou minha referência, como faço este procedimento? Estou me sentindo insegura, sem competência para trabalhar, pode me ajudar?” Dona Branca segue aos cuidados médicos e de enfermagem, acompanhando cada avanço e cada passo da doença. Não deixa falhar e não se deixa desistir. Muita força. E Moa é sua fiel amiga e companheira a cada minuto. Gratidão é o nome que posso dar à oportunidade de fazer parte da Residência, da Estratégia Saúde da Família, do SUS e poder viver essa experiência única.

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As pernas de Carioca

Em março de 2015 cheguei à Clínica da Família. Lugar onde eu “residiria” por dois anos consecutivos. A primeira semana foi especial, pois tive a oportunidade de conhecer o território, observar e conhecer novos processos de trabalho e oferta de serviços de saúde. Era uma manhã nublada e aparentemente comum, minha preceptora surge no consultório e me comunica que naquele dia me levaria para conhecer outra parte do território e realizar algumas Visitas Domiciliares. Peguei os materiais que considerava importantes e fomos, acompanhadas pela médica e mais três Agentes Comunitárias de Saúde. “É aqui. Lá no último andar”, disse a ACS. “Deeeiseeeee”!, chamou. Eis que surge Carioca na janela. Mulher branca, ruiva e de sorriso largo. “Pode subir”, disse. Quando chegamos, a porta estava encostada. Entramos. Carioca estava sentada no sofá com uma das pernas enfaixadas. - Bom dia, que bom que vocês vieram me ver. Disse, com bastante empolgação. Eu, com timidez e insegurança, observo atentamente minha preceptora e médica conversarem e a examinarem, para entender suas necessidades. Foi aí que eu entendi o problema de Carioca. Ela tinha uma deformidade, como se fosse uma tumoração que envergava suas pernas, fazendo parecer um novo osso nascendo nas regiões maleolares internas. “Meu osso está crescendo, está difícil de andar e descer para fazer as minhas coisas na rua”, relata Carioca. Conversamos mais um pouco. Pegamos os laudos dos exames e explicamos que ela seria regulada para uma consulta ortopédica via SISREG. “Fique tranquila, Carioca. Faremos tudo certinho pra que sua situação se resolva”, afirma a ACS.

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Foi a minha primeira VD. Lembro que fiquei bastante triste vendo aquela situação. Depois disso, visitei Carioca inúmeras vezes. O vínculo foi estabelecido. Nesse segundo ano de residência a Carioca foi o usuário que eu mais fiz visitas domiciliares. As pernas delas pioraram muito, e agora além da deformidade existe uma úlcera infectada. Só anda com auxílio de muletas e vive internada no HUPE (Hospital Universitários Pedro Ernesto) para realizar antibioticoterapia venosa, visando curar a infecção e desta forma realizar a operação. Levarei Carioca no coração e torcerei para que ela fique bem. Foi um dos casos que mais me chamou atenção, devido à raridade patológica e também pela força de vontade de Carioca, sorriso permanente no rosto e seu otimismo.

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Um sorriso atrás da placa

Estávamos todos felizes com nosso primeiro passeio do grupo cuidadosaMENTE. Programamos um piquenique no Parque Madureira, o point da zona norte. O dia estava ensolarado, nosso calorzinho de sempre do Rio de Janeiro, ainda mais para uma residente de Minas Gerais. O parque tem muitos quiosques à disposição e aproveitamos as mesas. Uma trouxe sua toalha xadrez, bem característica de piquenique, e logo a mesa ficou repleta de guloseimas e frutas para iniciarmos nosso piquenique. É bem verdade que queríamos esticar nossa toalha no gramado, mas não havia nenhuma sombra. Outra levou um bolo de carne que estava ótimo, cada um levou um delicinha e tinha também uma pizza de sardinha maravilhosa. Depois de nos fartarmos, fomos registrar esse momento, improvisei cartazes na hora para colorir nossas fotos, com os símbolos curtir e hashtag com os significados daquele momento: alegria, lazer, saúde, ar livre, amigos. Ali percebi Bracuí se escondendo atrás de uma placa, só dava para ver seus olhinhos. Na saída do Parque, uma última foto para recordação. Escutei ela falar entre os dentes, bem baixinho para a amiga Beth “Não posso sorrir”. No momento não entendi bem o que isso significava, pois ela estava radiante de felicidade, agradecendo aos profissionais a todo instante pela sua recuperação e melhora, e enfatizávamos que não tínhamos feito nada, eles é que se descobriram e usaram de suas forças para saírem do isolamento e da tristeza vivida. Quando vi as fotos, percebi nitidamente que Bracuí não sorrira em nenhum momento. Fui ao consultório de saúde bucal e pedi uma vaga para tratamento odontológico, além de sensibilizar os profissionais para participação no grupo. Entreguei a marcação para a enfermeira responsável pela equipe de Bracuí. Soube que ela já está fazendo o seu tratamento odontológico e continua participando do grupo. Olhar a pessoa como um todo e não só na doença é uma prática da Residência de Enfermagem. Sempre me preocupei com as pessoas e seu sofrimento, e ter a oportunidade de cuidar integralmente do indivíduo é um prazer. A alegria de um sorriso faz tudo valer muito a pena.

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Chikungunya: que dor é essa?

Em meio a tanta dor e em plena epidemia de Chikungunya, tive a oportunidade de conhecer uma pessoa especial, que me remeteu ao passado e me fez lembrar porque escolhi ser enfermeira. Era Araguá, uma senhora fragilizada por comorbidades que levava consigo um olhar cansado e uma face de dor, entretanto era capaz de transmitir serenidade ao falar. Deparei-me com toda a situação antes de entrar na sala, para iniciar os atendimentos. Coloquei-me ao seu lado e a ajudei a caminhar bem devagarinho, devido às intensas dores. Ao iniciar o atendimento, Dona Araguá expressou em palavras o que seu corpo castigado transmitia mesmo em silêncio: “Minha filha, já estou há três dias com essas dores, hoje só consegui sair de casa pois meu vizinho me trouxe. Só quero conseguir fazer minhas coisas, pode me ajudar?” Ao conversarmos, Dona Araguá relatou que reside só, sem nenhum parente por perto, e que são seus vizinhos que a ajudam quando mais precisa, enfatizando: “Nessas horas, amigos são mais chegados que um irmão, minha filha.” Expliquei sobre os sintomas e os cuidados da Chikungunya, além de alertar sobre a possível duração dos sintomas. Ela se assustou com a possibilidade de permanecer com aquelas dores, mas logo tentei acalmá-la, reforçando sobre os cuidados e sinais de alerta. Novamente me coloquei ao seu lado e caminhamos em direção ao consultório do médico. Ao entrarmos, apresentei-a e relatei seu caso, fiquei ao seu lado enquanto o médico a avaliava. Ele prescreveu a analgesia e juntos reforçamos as orientações. Ao sairmos, ela se sentou próximo à saída, aguardando a chegada do vizinho, enquanto eu buscava as medicações na farmácia. Ao entregá-las, recebi um abraço de agradecimento. No dia seguinte Araguá de Fátima retornou para realização de exames, estava bem melhor e me procurou para agradecer, trazia consigo um presente, não pude aceitar, mas ela insistiu: “Tenho prazer em presentear quem me tratou tão bem.” Enfatizei: “Mas não fiz mais que minha obrigação.”

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Com persistência, ela me pedia para aceitar “Você só faltou me carregar no colo”, disse. Acabei aceitando, pois seria indelicado recusar, após trocarmos sorrisos e um abraço caloroso. Logo pude refletir e entendi que não são os grandes casos que me fazem uma enfermeira, mas sim os pequenos detalhes.

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Tantos sentimentos

Ao longo desses dois anos tive muitas oportunidades, tive o privilégio de trabalhar bem próximo das preceptoras e tutoras que me orientaram, me ampararam, me conduziram com muita sabedoria, ajudando-me diariamente a ser melhor, a não me acomodar. Com elas descobri que o verbo aprender sempre deve ser conjugado no gerúndio, ‘aprendendo’, pois, o saber nunca se esgota, mas sempre se transforma. Há oportunidade de aprendizado em todas as coisas, no sucesso, no fracasso, na certeza e insegurança. Tive oportunidade de refletir sobre que tipo de profissional eu me tornaria e hoje me vejo completamente diferente do que era, e, certamente, avançarei em mudança. Vivi na pele a certeza de que para avançar em qualquer coisa na vida precisamos nos expor, então, de peito aberto, me lancei ao desafio de produzir saúde para pessoas, e para isso precisava me relacionar com elas. Uma lição árdua. Precisei conhecer pacientes, pessoas, membros de uma família, trabalhadores, seres humanos que têm desejos, sonhos, frustações e medos. Seres humanos repletos de sentimentos, que muitas vezes se misturam com pensamentos e os fazem adoecer. Seres humanos que procuram ajuda, mas não acham, por nem sempre serem compreendidos. De diversos sentimentos, me familiarizei com o desespero. Uma adolescente que, aos 16 anos, descobriu estar grávida de seu namorado também adolescente. Para ela, isso traria enormes consequências, teria de interromper os estudos, não poderia mais trabalhar para ajudar a família. Sua mãe enfrentava um divórcio, com uma turbulenta separação de bens, e se fazia necessário o fechamento da atual fonte de renda desta família. “Como ter uma criança nessa situação?”, “Como cuidar e educar alguém sem trabalho ou renda?”. Frases que ela se indagava corriqueiramente em nossas consultas diárias. Decidida a abortar em ambiente inseguro, ela se encontrava em situação de mudança da estrutura familiar, relacionamento incerto com o pai de seu filho e falta de coragem para compartilhar a situação com a mãe - que já era também acompanhada por mim quanto a um quadro de sofrimento psíquico. Vi de perto também o medo. Medo de perder um parente querido, medo de morrer, medo de perder sua casa em época de chuva forte, por morar em área de risco de desmoronamento. 74

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Há também um sentimento ambíguo: a dor. Quando física, ela é de fácil visualização, e com muita facilidade invade nossas agendas e adentram o serviço. Entretanto há dores que não somos capazes de perceber com facilidade, a dor de uma perda. A dor que facilmente se mistura com a aflição, por exemplo, de uma filha que vê que seu pai destruiu sua própria vida por ser alcoólatra de longa data, e nesse processo feriu e deixou cicatrizes profundas em sua família, e hoje, está beira da morte, encarando o fim de sua vida. Essa mesma filha, que padece em meio a tanta dor e aflição, encontra forças para estar perto do seu pai que nunca lhe demonstrou amor ou valor e foi capaz de enfrentar uma tempestade em meio a madrugada, arriscando-se em ladeiras escorregadias e mal iluminadas para ter a certeza que ele repousava livre de dor e sem medo de estar sozinho diante daquela tormenta. São muitos sentimentos. “E hoje eu entendo Que em meio ao sofrimento Muitas das vezes a mente se cala E o corpo fala E mais uma vez entendo Que o adoecimento Faz parte de um sofrimento Que muitos não querem entender “

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Não estou preparada

Era sexta-feira, eu estava fazendo atendimento de saúde da mulher para coleta de material para citopatológico de colo uterino, muitas das consultas estavam agendadas pois eu havia solicitado que minhas agentes comunitárias de saúde fizessem a busca ativa de mulheres que não faziam o preventivo há mais de dois anos. Comecei a atender Dona Juruá. Já sabendo que a maioria das mulheres que entra no consultório para fazer o preventivo encontra-se apreensiva e envergonhada, tentei deixá-la o máximo possível à vontade. Comecei a anamnese numa conversa informal, finalmente me levantei, peguei um roupão descartável e entreguei para Dona Juruá. Já ia começar a explicar sobre o exame quando ela me olhou com os olhos arregalados e perguntou: “Para que isso?” Expliquei que ela havia sido agendada para coleta de preventivo e perguntei se sua ACS não havia lhe informado do exame. Neste momento, Dona Juruá começou a chorar copiosamente, me disse que não sabia que faria o exame naquele dia e que não estava preparada. Voltei a me sentar de frente para ela, para poder olhar em seus olhos, pedi que se acalmasse e disse que se ela não quisesse a remarcaria para um outro dia. Ela me olhou, chorosa ainda e repetiu: não estou preparada. Já imaginando do que se tratava o “não estou preparada”, perguntei a mesma: “Por que não se sente preparada, Dona Juruá?” A mesma logo esclareceu que não havia se depilado. Expliquei a D. Juruá que não é necessário estar depilada, como muitas mulheres pensam, para coleta do preventivo, expliquei a importância dos pelos pubianos e que não havia porque achá-los sujos ou ter vergonha dos mesmos. Conversamos também sobre como as mulheres sentem vergonha de ficar em posição ginecológica, inclusive eu mesma quando vou fazer o meu exame, mas falei da importância do rastreio de câncer de colo uterino, do quão importante era aquela coleta que íamos fazer, que no momento não ficamos reparando determinadas características anatômicas de quem está ali, mas sim compenetrados em fazer a coleta com o máximo de qualificação possível tamanha é nossa responsabilidade.

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Depois de muita conversa D. Juruá aceitou fazer o exame. Mostrei todo material utilizado e expliquei para que servia cada um (espéculo, espátula de Ayres, escova cervical...). Fizemos a coleta do material e ao final da consulta já aliviada, D. Juruá fez questão de me abraçar e agradecer “tudo que eu tinha feito por ela”. Precisa agradecer não D. Juruá, eu só fiz o meu trabalho.

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Dona Anhangabaú, a poliqueixosa

Atualmente sou enfermeira residente em saúde da família. Me formei há cinco anos e, destoando da maioria dos meus colegas residentes, tracei uma trajetória um pouco diferente. Ao me formar, passei para residência de clínica médica e cirúrgica e tinha a certeza de que queria seguir carreira nessa área. Durante meu primeiro ano no hospital, comecei a observar que não era o que eu esperava e comecei a procurar outros caminhos. Ao terminar minha primeira residência, comecei a trabalhar em um CTI de uma rede de hospitais particulares, permaneci estudando e em busca de algo novo, quando me deparei com a oportunidade de realizar a prova para a residência em Saúde da Família. Fiz a prova e passei. Não me arrependo de todo esse caminho que percorri. Tenho certeza que cada dificuldade foi um aprendizado e me tornou a profissional que sou hoje. No meu primeiro ano de residência em saúde da família, ao iniciar na minha equipe, fui informada pelas minhas agentes comunitárias de saúde de uma paciente muito complicada, poliqueixosa, que sempre vem à unidade para “armar barraco”. Fiquei um pouco assustada com esse relato, mas agendei uma visita domiciliar para conhecer a famosa usuária. Fui com uma ACS que não era da microárea, pois esta estava no acolhimento neste dia. Chegamos lá, tocamos a campainha. - Quem é? - Somos da Clínica da Família, dona Anhangabaú. - Ah, nem acredito, um milagre vocês virem aqui! Abriu porta e nos recebeu muito bem. A visita durou por volta de duas horas, realmente dona Anhangabaú era muito poliqueixosa e afirmou por várias vezes que sempre “luta por seus direitos”. Reclamou dos serviços, reclamou dos profissionais, reclamou das ACS. Reclamou de tudo. Deixei que ela desabafasse por bastante tempo, observei que ela precisava falar. Quando

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dona Anhangabaú se acalmou, expliquei a ela como funcionava a clínica da família, seus objetivos. Ela já estava um pouco mais calma e pareceu compreender. Combinei de agendar uma consulta com a médica da equipe para que suas dores crônicas fossem avaliadas. Dona Anhangabaú me mostrou uma pequena ferida no calcanhar esquerdo. Solicitei que ela fosse à unidade para eu realizar o curativo e a orientar como realizar em casa. Também a convidei a participar do colegiado gestor da unidade, toda primeira terça feira do mês às 14h. Ela demonstrou estar bem satisfeita com a visita quando fomos embora. Dona Anhangabaú permaneceu indo à unidade com suas muitas reclamações. Observei que nos atendimentos em demanda ela precisava conversar, não havia uma queixa específica, então, com muita paciência, sempre a escutava. A ferida do pé não estava fechando. Com a orientação da minha preceptora, entrei em contato com o DAPS (Divisão de Ações e Programas de Saúde) na CAP e a enfermeira responsável pela linha de cuidados de feridas veio, a avaliou e a encaminhou para atendimento especializado com o cirurgião vascular da CAP. Atualmente dona Anhangabaú permanece indo à unidade, ainda com suas muitas reclamações, porém quando me vê já sabe que será escutada e começa a se acalmar. Durante esses dois anos na equipe, observei que dona Anhangabaú é uma pessoa muito sozinha e tudo que precisa é um pouco de tempo e paciência nas consultas. Recentemente ela veio à unidade elogiando a ACS da microárea, relatou inclusive que irá ligar para o 1746 para fazer uma ouvidoria positiva.

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O caso da menina Iriri

Em uma tarde ensolarada, recebi a seguinte informação da ACS: - Descobri uma nova grávida no território. - Você já agendou uma consulta de pré-natal para ela? Eu disse. - Não é tão simples assim, a gestante é moradora de rua, se mudou recentemente com seu companheiro e seu cachorro para frente da oficina do Ruy. Eles são muito desconfiados, parece que estão fugindo de alguma coisa. Insisti para que viessem amanhã, encaixei eles na sua agenda, pela manhã. Disse ela. Na manhã seguinte, duas horas após o horário agendado, chegam os dois, com roupas limpas e sem odor. A ACS me apresenta à grávida, muito simpática e falante, um pouco infantilizada para uma mulher de 20 anos, e seu parceiro, um homem de meia idade, sério e calado. Fomos para a sala da equipe, inicialmente conversamos sobre a gravidez, iniciamos o pré-natal, pelos cálculos Iriri estava entrando no segundo trimestre de gestação. Como já estavam mais familiarizados comigo e com o ambiente, perguntei o que os havia levado à situação de rua. Ele, que era bem observador e calado, se abriu e falou: “Nós dois ‘usava’ crack, estamos limpos há dois anos. Hoje fazemos uso só de cigarro. Temos um casal de filhos gêmeos, ela engravidou aos 14 anos, eles moram com parentes dela. Os pais dela não me aceitam.” E ela complementa: “Minha mãe me colocou para fora de casa, por causa das drogas. Naquela época, tive que deixar meus filhos. Posso ver eles, mas o pai não pode. Ela ficou com minha certidão de nascimento, que é meu único documento e não me devolve.” No decorrer das consultas, o vínculo se estreitava, ambos realizaram o pré-natal, realizaram o tratamento para sífilis, que ele, apesar ser resistente, acabou aceitando. Ela participava dos encontros de gestantes, ele foi avaliado integralmente, vinham à unidade quando tinham vontade, até mesmo sem estarem agendados. Sempre juntos.

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Nesse momento, todos já estavam envolvidos: o NASF (Núcleo de Apoio à Saúde da Família), a gerente da unidade, outros integrantes da equipe, o CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e a equipe do consultório na rua. Um dia ela chegou toda feliz na unidade: - Consegui. Olha aqui minha certidão de nascimento. Minha mãe me devolveu! Parecia que estava segurando um troféu. Com ajuda da Assistente Social e outros parceiros, ela conseguiu o CPF e a identidade. Depois de algum tempo, migraram para uma praça em Bangu, porém continuaram a realizar o pré-natal conosco, pois o vínculo estava bem estabelecido. Ele, como sempre, muito desconfiado e “cabreiro”, chegou uma tarde na unidade, indignado: “Não estou gostando dessa história daquele pessoal do consultório na rua nos abordando a todo instante. Querem levá-la à maternidade para fazer sei lá o que.” Como nosso cuidado com o consultório na rua era compartilhado, entramos em contato com eles para saber o que estava acontecendo. E médico da equipe explicou: “Estou articulando com o assistente social da Maternidade que ela tenha um parto humanizado, porém ela nos disse que só faz o que você falar para ela fazer.” A partir daquele momento, mediei os encontros, orientando ela sobre estar presente junto ao consultório na rua e fortalecendo ainda mais o vínculo. No fim das contas, ela realizou mais de sete consultas de pré-natal - mesmo tendo iniciado tardiamente - realizou todos os exames de rotina, participou de atividades educativas. Ele conseguiu um bico em um lava jato. Ela foi morar na casa de um amigo, tiveram o bebê, porém o final não foi o melhor: após algum tempo, entregaram a criança para um familiar e voltaram a usar drogas. Saíram do território.

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O que eu posso fazer por você?

No penúltimo dia do estágio os agentes de saúde da equipe do consultório na rua me convidaram para ir até uma igreja protestante do território. Explicaram que lá eles acolhiam os moradores de rua e usuários de álcool e drogas uma vez na semana, para que eles pudessem tomar banho e receber uma refeição. Quando cheguei na igreja os usuários já se encontravam no local, era no segundo andar de uma casa e eles sentavam em roda para conversar e orar juntos com o pastor, antes de almoçarem. Fiquei em pé fora da roda, encostada no muro para não atrapalhar o encontro, mas percebi que um rapaz olhava na minha direção. Ele tinha em torno de 25 anos e estava com os olhos muito vermelhos, não prestava a atenção ao que o pastor falava e olhava para todos os lados mostrando-se disperso. Senti uma angústia ao olhá-lo por um misto de coisas, ver um rapaz quase da minha idade, bonito, sentado ali no meio, sujo, aparentemente sob efeito de drogas, sem muita noção do que estava acontecendo naquele momento e, ao mesmo tempo, pensar cruelmente “é muito triste, mas ele escolheu estar aqui, dessa forma, com essas pessoas”. Apesar de muito tocada com toda aquela situação, tentava justificar mentalmente de todas as formas o motivo pelo qual aquelas pessoas estavam ali, olhando para o rosto de cada um e montando uma história plausível que justificaria tal fato “esse deve ter sido por influência dos amigos, essa talvez não quis obedecer os pais”. Parece que o pastor percebeu minha face de espanto e me convidou para fazer uma oração junto com o grupo. Eu gelei, mas fui, conforme o pedido dele. No final daquele momento, as pessoas da igreja começaram a distribuir as refeições e decidi comer no andar debaixo dentro da casa, porque estava me sentindo mal em ver aquilo tudo e queria mesmo era fugir dali. Durante o almoço, membros da igreja comentaram que algumas das pessoas que vinham ali almoçar deixavam suas bolsas na parte de baixo do local, como uma forma de prevenir a entrada de facas ou armas.

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Após a refeição, eles foram descendo um a um, indo embora. Fui acompanhando a descida pela janela que dava para escada, enquanto a comida permanecia no prato, difícil de descer, com o nó que sentia na garganta. Em dado momento, percebo alguém gritando e chorando. Saí correndo pensando que alguém estava passando mal ou precisando de ajuda e me deparo com aquele menino, que nessa ocasião não parecia mais estar sob o efeito da droga, chorando, com um ajudante da igreja tentando acalmá-lo. - Se acalma meu filho, o que aconteceu com você? - Pastor, roubaram minha mochila, minha mochila. - Calma, nós vamos achar, mas o que tinha nela? - Tinha a minha identidade! Eu não tenho mais nada, pastor, só tinha essa mochila e meu documento. Mataram meu pai e meus dois irmãos e minha mãe tá presa. A mochila e esse documento eram as únicas coisas que eu tinha. Eu não tive reação, nem palavras naquele momento. Pensava apenas “Será que ele teve uma escolha? Uma chance de ter sido algo diferente do que é?”. Me segurei para não chorar ali, na frente daquelas pessoas, mas ao chegar em casa desabei, chorei por dias e o único sentimento que sobrou foi a culpa, por julgar tanto e tantas vezes e, pior ainda, por me encaixar no padrão que condena sem buscar entender o que levou aquela pessoa a estar ali, naquele lugar, com aquelas pessoas, daquela forma. Essa lição eu levo para minha vida, pois abandonar mais um preconceito me permitiu estar mais aberta para compreender o outro e contribuir no meu processo de cuidar. Ao receber uma pessoa hoje, independente do que seja e como seja, apenas me coloco à disposição com um único questionamento “O que eu posso fazer por você?”

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Eu não acredito no SUS

Ao chegar numa terça-feira na unidade, a agente comunitária relata que tem um homem no acolhimento querendo falar com a enfermeira ou o médico da equipe, mas que se recusou a fazer o cadastramento, pois alegava já ter plano de saúde. Peço que ele entre, me apresento e pergunto como posso ajudar. E aí começa. - Bom dia. Já estou há mais de seis meses com duas feridas na perna esquerda que não fecham por nada. Já fui a muitos lugares e gastei muito dinheiro, mas elas não fecham. Eu nem acredito que elas vão fechar, na verdade nem acredito no SUS, mas como perdi meu plano de saúde não tive outra escolha a não ser vir aqui pelo menos fazer o curativo. - Nós ficamos muito felizes pela confiança e espero poder ajudar de alguma forma para que o seu problema se resolva. Se permitir, a partir de agora vamos acompanhar você e sua família. - Como eu te disse, enfermeira, eu não acredito no SUS, sempre que precisei nunca pude contar com nada da rede pública. Minha esposa teve que largar o emprego para me ajudar. Se vocês fizerem meu curativo eu já agradeço, porque não tenho mais condições de pagar por serviços particulares nem atrapalhar minha esposa com o trabalho dela. Senhor Madeira teve sua perna avaliada e minha preceptora sugeriu que introduzíssemos um tratamento com uma cobertura específica, devido ao tipo de lesão apresentada. Além de realizar os curativos na unidade e acompanhar toda a família juntamente com o médico da equipe, eu ia à sua residência com a agente comunitária de saúde quinzenalmente, pois ele estava muito desmotivado e triste, dizendo que seu problema estava afetando seu convívio familiar. Em uma das visitas perguntei: - Bom dia Seu Madeira, como estamos hoje? - Oi enfermeira! Estou feliz em te ver e mais animado, a ferida está bem melhor. Você é muito atenciosa e seu entusiasmo tem me feito acreditar que eu posso ficar curado.

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- É isso mesmo, você precisa acreditar e se cuidar e pelo o que estou vendo você não está usando a meia compressiva como te aconselhei, né? - Usei uma vez e tirei porque me incomoda, mas eu vou usar, quero ficar bom logo. - É importante que o senhor use a meia para que a ferida feche mais rápido. Posso confiar que na próxima visita o senhor já estará com a meia? - Pode sim. Se você disse que é bom eu vou confiar. - E como está a convivência em casa, cadê sua esposa? - Hoje ela não está em casa, conseguiu voltar a trabalhar agora que consigo fazer as coisas sozinho. Ah, a convivência tem melhorado bastante, ela me ajuda muito. Tenho tentado ficar mais calmo porque ela chega cansada e ainda se preocupa se eu fiz o curativo e tomei o remédio. Após três meses de tratamento, senhor Madeira tem sua ferida cicatrizada e retorna para a consulta de reavaliação: - Em nenhum lugar que eu passei eu fui tão bem tratado. Eu agradeço imensamente a sua paciência e por ter acreditado em mim. - Eu sabia que você conseguiria. Espero ter o prazer de continuar cuidando de você e de sua família. - Será um prazer sim! Obrigada, pois agora eu acredito no SUS, e não é só porque minhas feridas fecharam não, hein?! É também porque encontrei profissionais que se dedicam a fazer um SUS melhor. - O senhor me fez ganhar o dia hoje. Isso sim vale a pena. Não esqueça de avisar a sua esposa da consulta dela de controle de hipertensão na semana que vem e que o senhor ainda precisa vir aqui sempre para avaliação. - Não esqueci. A gente não te deixa mais. Na semana seguinte à consulta, estava na rua fazendo visita domiciliar com outra agente comunitária e pedi para que passássemos pela rua de Seu Madeira. Ao passar por seu portão, antes que me visse, percebi que estava de bermuda usando as meias compressivas. - Olá Seu Madeira, que felicidade te ver usando as meias! Que bom saber que está se cuidando. - Minha enfermeira falou é uma ordem. Não quero ter essa coisa horrível de novo. Confio em você e agora estou usando direitinho. Minha maior angústia no começo da residência era saber como eu poderia conseguir criar um vínculo mais próximo com o usuário e contribuir para melhorar seu estilo de vida diário e a convivência com o Seu Madeira e sua família me mostrou que isso era possível. Mesmo após a cicatrização das lesões ele continua sendo acompanhado pela equipe e disse que não fará mais plano de saúde, pois está sendo muito bem cuidado e gostaria de investir esse dinheiro na sua loja, que há muito tempo não era reformada. - Enfermeira, antes de ir embora minha esposa queria ter dar uma coisa. - Uma bonequinha que parece comigo? Nossa que linda!

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Tripulantes

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Esse livro só foi possível pelo trabalho e estudo dos residentes participantes e pela presença de cada usuário, que confiou e confia no SUS. Também pelos preceptores, coordenadores e parceiros institucionais. Aqui, apresentamos toda a tripulação que remou nos dias de céu claro e enfrentou também os ventos, as tempestades e as mudanças no curso do rio, porque, acima de tudo, acreditam que depois da chuva, o sol nasce novamente. E que, no SUS, ele deve brilhar para todos.

Residentes: Ana Elisa Fernandes Lima

Joao Carlos Fialho De Oliveira

Adicea De Souza Ferreira

Jocielle Dos Santos Ramos

Andreia Lima Veras Da Silva

Juliana Silva De Oliveira

Angela Fernandes Leal Da Silva

Karen Suellen Marinho De Carvalho

Antonio Celso Da Silva Campello

Laila Santana Oliveira

Bruna Campos Costa

Lais Peixoto Schimidt Santos

Bruna Crawford Tomaini

Leila Justino Da Silva

Bruna Pereira Barros

Leonidas De Albuquerque Netto

Bruno Fernando Correa Miguel

Lillian Paranhos Laurindo De Oliveira

Camila Da Cruz Rodrigues

Marianne De Lira Maia

Camilla Alves De Souza

Mayara Ester Soares Da Silva

Catia Borges Ferreira De Araujo

Michele Mesquita Souza

Catia Cristina Coral Da Silva

Patricia Fagundes Pacheco

Debora De Oliveira Villela

Raquel Dos Santos Correa

Eder Das Neves

Stephanie Santos Da Silva

Fabiola Dos Santos Torquato De Oliveira

Susane Silva Do Nascimento

Fabiola Nogueira Ferreira Da Silva

Sylvia Bezerra De Castro

Fernanda De Oliveira Pereira

Talami Sayole Costa Santos

Gabriela Fernandes Da Silva

Thainna Barbosa De Souza Nogueira

Gabrieli Julio Da Silva

Thais Verly Luciano

Gabriella Pedro Cordeiro

Thayna Couto Tavares De Melo

Gisele De Araujo Peixoto

Vanda Cristina De Barcelos Fragoso

Helena Guimaraes Florido

Vanessa Costa Cavalcanti

Jessica De Barros Ribeiro

Vinicius De Moura Romanholi

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Preceptores: Adriana Martins Figueira

Marcele D Albuquerque Gomes

Aline Gonçalves Pereira

Maria Rita Silveira Delgado

Ana Carolina Lamberti

Mariana Rodrigues Martins

Ana Rosa Sodre Nogueira

Marisa Gandolfi

Andrea Branco Calais

Maykeline dos Santos Leite

Caroline dos Santos Marques

Natacha Carvalho da Silva

Claudia Cristina Silverio da Matta

Pamela Silva George

Denise R. Sallazar O. Barros

Paula Farias Policarpo

Dinny Brauns Miranda

Rafael Soares Dias

Elaine Kotani Shimizu

Regina Cavalcante Agonigi

Fabiana de Carvalho Mota

Regina Celia Padilha

Fernanda Magno

Renan Tomaz da Conceição

Gabriela Moiçó Azevedo

Rômulo Alves Rigotti

Glaucia Bohusch

Sabrina Carvalho Bezerra

Gustavo Leandro Lemos da Silva

Shirley Ribeiro dos Santos Linhares

Janssen Morata Sá Machado

Tais Rodrigues da Silva

Juliana Cirilo

Thaisa de Vasconcellos

Juliana Nascimento Nogueira

Tiago Oliveira de Souza

Kelly Messias Martins

Vanessa dos Santos Gigliozzi Coutinho Pinto

Laís Pimenta Ribeiro dos Santos Leoana Reis Marques Licelma Amanda Cavada Fehn

Vinícius de Mendonça Hora Wesley Pereira de Jesus Silva

Licia Maria Accioly Lima

Idealizadora da Residência:

Idealizadora do Livro:

Thayse Aparecida Palhano de Melo

Renata Côrrea de Barros

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Coordenadoras: Alice Mariz Porciuncula Ana Carolina Tavares Vieira

Unidades de Saúde: CF Aloysio Augusto Novis

CF Nildo Aguiar

CF Ana Maria da Conceição

CF Rinaldo de Lamare

CF Armando Palhares Aguinaga

CF Souza Marques

CF Dante Romano

CF Zilda Arns

CF Deputado Pedro Fernandes Filho

CMS Albert Sabin

CF Felipe Cardoso

CMS Alice Toledo Tibiriça

CF Heitor dos Prazeres

CMS Heitor Beltrão

CF Joãosinho Trinta

CMS João Barros Barreto

CF Kelly Cristina

CMS Júlio Barbosa

CF Maria do Socorro

CMS Maria Augusta Estrela

Instituições de Ensino Superior: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Alex Simões de Mello

Elisa da Conceição Rodrigues

Amanda de Lucas Xavier Martins

Flávia Pacheco de Araújo

Maria Therezinha Nobrega da Silva

Lucia Helena Silva Corrêa Lourenço

Paula Soares Brandão

Sabrina da Costa Machado Duarte

Regina Lúcia Monteiro Henriques Sônia Acioli de Oliveira

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UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO

Maria de Fátima Nascimento do Amaral


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Nos últimos anos a Atenção Primária à Saúde da Cidade do Rio de Janeiro alcançou através da Estratégia de Saúde da Família mais de 70% de cobertura, consolidando-se como a principal porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS). Tal feito levou, consequentemente, à ampliação significativa do quadro de profissionais da rede de assistência à saúde em nossas unidades. Nesse processo de transmutação em relação à oferta de serviços de saúde, alguns desafios surgiram, entre eles a formação de quadros profissionais. A entrada de novas equipes em todas as áreas programáticas da cidade impulsionou projetos de Formação de Recursos Humanos à Saúde e de Educação Permanente em Saúde a fim de qualificar um quadro de trabalhadores capaz de construir uma inteligência institucional coletiva, com condições de refletir criticamente sobre os seus processos de trabalho e propor soluções para a melhoria do funcionamento do SUS e, consequentemente, da qualidade de vida da população carioca. É nesse contexto que surge, em 2015, o Programa de Residência em Enfermagem em Saúde da Família – PRESF, com características inovadoras e preceptoria exclusiva. Um programa que legitima o papel fundamental da enfermagem para a Estratégia de Saúde da Família e que reflete o compromisso desta Secretaria com a categoria. Em 2018, iniciaremos a quarta turma do PRESF com a certeza de que a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro vem contribuindo com o campo de formação da saúde pública e na qualificação das práticas profissionais na atenção primária.

Claudia Nastari SUBSECRETÁRIA DE ATENÇÃO PRIMÁRIA, VIGILÂNCIA E PROMOÇÃO DA SAÚDE

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