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Campinas, 14 a 27 de abril de 2014 - ANO XXVIII - Nº 594 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Marcello Casal Jr./ABr
Uma nova colônia?
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Tese do haitiano Franck Seguy, desenvolvida no IFCH sob orientação do professor Ricardo Antunes, defende que o terremoto de 2010 transformou seu país em “colônia do capital transnacional”. Para Seguy, a ajuda internacional ao Haiti é uma “grande mentira”.
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Plano para nova área no campus sai em um ano Vogt e Fry relançam obra sobre o Cafundó Vítimas de AVC têm funções reabilitadas
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Preço abusivo afugenta comprador de orgânicos As conexões europeias no Brasil oitocentista Testes aprovam azeite extravirgem nacional
Mulher prepara “té”, biscoito feito de barro, água e manteiga, em rua de Cité Soleil, subúrbio de Porto Príncipe, capital do Haiti
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O órgão no Brasil, de Cabral aos mosteiros
Mito do Stradivarius é colocado em xeque A espera sem fim pelo prêmio Nobel Degelo no Ártico se prolonga cada vez mais
TELESCÓPIO
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Campinas, 14 a 27 de abril de 2014
TELESCÓPIO
CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
A superioridade inquestionável dos violinos produzidos pelos velhos mestres italianos dos séculos 17 e 18 – Stradivarius e Guarnieri, por exemplo – é um mito, de acordo com estudo publicado no periódico PNAS. “Grandes esforços têm sido feitos para explicar por que instrumentos feitos por Stradivarius e outros mestres italianos antigos soam melhor que os violinos modernos de alta qualidade, mas sem oferecer evidência científica de que este é mesmo o caso”, escrevem os autores, vinculados a instituições da França e dos Estados Unidos. Eles lembram que o verniz, a madeira e outras propriedades dos violinos antigos já foram estudados com grande atenção. O artigo lembra que, num experimento realizado em 2010, no qual 21 violinistas profissionais compararam três violinos novos, dois Stradivarius e um Guarnieri – sem saber qual era qual – um dos Stradivarius ficou em último lugar, e o violino mais apreciado foi um novo. Esse trabalho de 2010 foi criticado pelo pouco tempo de contato dos violinistas com os instrumentos, pelo pequeno número de instrumentos envolvidos e pelo local, um quarto de hotel, tido como inadequado. O novo trabalho usou doze violinos – seis modernos e seis de velhos mestres, incluindo cinco Stradivarius – que foram testados por dez solistas, em sessões de 75 minutos, sem que os músicos soubessem qual instrumento estavam tocando. As sessões foram realizadas num estúdio de ensaios e numa sala de concertos, e os pesquisadores pediram aos solistas para selecionar, dos 12 violinos, os que aceitariam como substitutos de seus instrumentos pessoais. No fim, dos dez solistas, seis escolheram violinos novos e quatro, Stradivarius. Um mesmo violino novo foi escolhido quatro vezes, e um mesmo Stradivarius, três vezes. Além disso, os solistas não foram capazes de distinguir os Stradivarius dos violinos novos com grau de acerto maior que o esperado pelo acaso. O estudo conclui que o mito da superioridade inquestionável dos violinos dos velhos mestres italianos “ainda requer forte apoio empírico” para se sustentar. Os autores afirmam também que “a busca pelo segredo de Stardivarius” revelou-se “um campo de pesquisa permanentemente estéril”.
Computadores estimulam o aprendizado, aponta artigo Aulas interativas, nas quais os estudantes pesquisam, investigam e “descobrem” o conteúdo por conta própria são mais eficientes, para o ensino de ciências exatas, do que o modelo tradicional da aula-palestra seguida por avaliações. A interatividade, no entanto, consome muito mais tempo e é difícil de implementar, tanto em turmas grandes presenciais quanto em MOOCs – cursos online que reúnem milhares ou milhões de estudantes. Sistemas virtuais, no entanto, podem ajudar a aproximar os dois modelos, diz trabalho publicado na revista Science. “Analisar textos ou desenhos feitos pelos estudantes, usando os resultados da avaliação para guiá-los, pode melhorar o aprendizado”, escrevem os autores, vinculados à Universidade da Califórnia em Berkeley e a Princeton. “Mas isso requer mais capital humano que os professores universitários e pré-universitários têm”. No entanto, diz o artigo, “orientação imediata, personalizada e gerada por computador pode motivar os estudantes”.
O artigo apresenta algoritmos que conseguem analisar o conteúdo de respostas escritas e sugerir correções, incluindo um programa, AutoTutor, que entra em diálogo com o aluno, pedindo que esclareça seu raciocínio e explique melhor seus pontos de vista. “Professores podem revisar as avaliações automatizadas para medir o progresso da classe e criar atividades que atendam a dificuldades específicas”, escrevem os pesquisadores. O artigo aponta para a necessidade da criação de sistemas de aprendizado de código aberto (“open source”) que possam ser usados em cursos tradicionais. “O acréscimo de características de investigação e de tutoriais guiados para apoiar os estudantes deve se tornar uma alta prioridade no design de ambientes de aprendizado”, conclui o texto.
Dano cerebral reduz erro em jogos de azar Praticantes de jogos de azar costumam cometer alguns erros de raciocínio que ajudam a enriquecer os cassinos: um deles, a chamada “falácia do jogador”, é a sensação de que a sorte “tem” de virar – por exemplo, a ilusão de que, depois de uma série repetida de resultados vermelhos numa roleta, a chance de um número preto sair aumenta. Na verdade, a probabilidade continua a ser a mesma, de pouco menos de 50% para cada cor (as chances são menores que meio a meio porque as roletas têm um ou dois números verdes, onde só a casa ganha). Um estudo publicado no periódico PNAS indica que pessoas com dano numa estrutura do cérebro chamada ínsula são menos vulneráveis a se deixar levar pela falácia do jogador, e também ficam menos entusiasmadas com um “quase acerto” – por exemplo, quando uma jogada de caçaníqueis produz um padrão muito próximo do que garantiria uma vitória, como três símbolos iguais em uma fileira de quatro. “Quase acertos” também tendem a estimular as pessoas a continuar jogando – e perdendo dinheiro. O trabalho comparou o comportamento de portadores de dano na ínsula ao de vítimas de danos em outras parte do cérebro associadas à tomada de decisões e à emoção – o córtex pré-frontal ventromedial e a amídala – e com voluntários saudáveis. Em todas as comparações feitas, as vítimas de dano na ínsula mostraramse menos vulneráveis à falácia do jogador e ao efeito de quase acerto que os demais. Com base nesse resultado, os autores, de instituições do Reino Unido e dos Estados Unidos, especulam que jogadores compulsivos podem sofrer de um excesso de atividade na ínsula. Em 2007, outro estudo, publicado na Science, havia informado que pacientes com dano na ínsula tinham mais facilidade em parar de fumar, e menos recaídas. A ínsula está ligada a diversas funções importantes do
cérebro, como o controle da pressão sanguínea durante exercícios físicos e o processamento de emoções sociais, como a percepção de injustiça.
A longa espera pelo prêmio Nobel Hoje em dia, o autor de uma descoberta científica significativa pode ter de esperar mais de 20 anos antes de ser reconhecido com um prêmio Nobel, diz carta publicada na revista Nature, e cada vez mais cientistas merecedores do reconhecimento correm o risco de não viver o suficiente para receber a homenagem. Os autores da correspondência, que tem como principal assinante Santo Fortunato, da Universidade de Aalto, na Finlândia, notam que, antes de 1940, Nobéis concedidos mais de 20 anos após a descoberta original eram 11% para física, 15% para química e 24% para medicina. A partir de 1985, porém, as proporções passaram a 60%, 52% e 45%, respectivamente. Se a tendência se mantiver, no fim deste século a idade média dos ganhadores “será maior que a expectativa de vida” – o que gera um paradoxo, já que o Nobel não pode ser concedido postumamente.
Populações indígenas podem se recuperar Levantamento feito por pesquisadores dos Estados Unidos, com base em dados demográficos de 238 populações indígenas do Brasil, sugere que essas populações podem se recuperar e voltar a crescer, mesmo após o colapso inicial causado pelo contato com o mundo moderno. O estudo foi publicado no periódico online Scientific Reports, do Grupo Nature. “Todas as séries cronológicas mostram evidência de colapsos populacionais durante o século 20”, escrevem os autores, que se valeram de dados oficiais e de ONGs. “De fato, cerca de um terço das sé-
ries detecta colapsos populacionais após o contato com até 99% de mortalidade”. “No entanto”, diz o artigo, “nossos resultados mostram que todas as populações sobreviventes exibiram taxas positivas de crescimento na década seguinte ao contato”. Os resultados indicam, de acordo com os autores, que as populações indígenas remanescentes da Bacia Amazônica são “notavelmente robustas e resistentes”, com cerca de 85% dos grupos sobreviventes atingindo crescimento populacional líquido no período pós-contato, muitos a taxas elevadas, de mais de 3% ao ano. “Nossos achados pintam um quadro demográfico positivo para essas populações”, escrevem os autores, mas com a ressalva: “a sobrevivência de longo prazo continua sujeita a externalidades poderosas, incluindo política, economia e a exploração ilegal das terras indígenas”.
Ártico derrete por mais tempo A temporada de degelo do Ártico vem prolongando-se mais e mais a cada ano, de acordo com informações divulgadas pela Nasa pelo Centro Nacional de Dados de Gelo e Neve (NSIDC) do governo americano. A temporada de degelo expande-se em alguns dias por década, diz nota divulgada pela agência espacial. “O Ártico vem se aquecendo, e isso faz com que a temporada de degelo dure mais”, disse, por meio da nota, a principal autora do artigo que descreve o fenômeno, Julienne Stroeve, do NSIDC. “O prolongamento da temporada permite que mais energia do Sol fique acumulada no oceano, o que aumenta o derretimento no verão e enfraquece a cobertura glacial”. O volume de gelo no Ártico vem caindo drasticamente ao longo dos últimos 40 anos. Cientistas acreditam que o degelo poderá ser completo, durante os meses do verão, ainda neste século.
Usando óculos especiais para não identificar o violino visualmente, solista Ilya Kaler testa instrumento
Foto: Stefan Avalos/Divulgação
O Stradivarius seria um mito?
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Ajuda internacional ao Haiti é ‘grande mentira’, defende tese Foto: Marcello Casal Jr/ABr
Haitiano, autor do estudo afirma que país está sendo recolonizado pelo capital transnacional CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br
Não tem ninguém ajudando o Haiti. É o Haiti que está ajudando todo mundo”, disse ao Jornal da Unicamp o haitiano Franck Seguy, que acaba de defender sua tese de doutorado “A catástrofe de janeiro de 2010, a ‘Internacional Comunitária’ e a recolonização do Haiti”, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob orientação do professor Ricardo Antunes. “A ajuda internacional ao Haiti é a grande mentira que a mídia conta”, disse o pesquisador. Em sua tese, ele sustenta que o catastrófico terremoto de janeiro de 2010, que deixou cerca de 300 mil mortos e 2,3 milhões de desabrigados, deu ao que ele chama de “Internacional Comunitária” – o conjunto de países hegemônicos e organizações a eles vinculadas, comumente chamados de comunidade internacional – a oportunidade de impor a recolonização do país. “Literalmente, o Haiti está se tornando uma colônia”, disse ele. “Não uma colônia como antigamente, a colônia de uma metrópole, mas é uma colônia do capital transnacional”. O projeto de recolonização, afirma Seguy, já ficava claro no texto do “Plano de Ação para a Recuperação e o Desenvolvimento o Haiti” (PARDN), apresentado pelo governo haitiano dois meses depois do terremoto. “O governo haitiano escreveu um plano de reconstrução que ele apresenta aos seus parceiros da mal chamada comunidade internacional – não à sociedade civil haitiana. Só que quando analisei o plano para minha tese, descobri que é na verdade apenas uma atualização de um estudo realizado por um economista da Universidade de Oxford que se chama Paul Collier, que foi enviado ao Haiti pelo Secretário Geral da ONU, e que publicou o relatório dele em janeiro de 2009”, explicou o pesquisador. “Quer dizer: o que está sendo implementado hoje no Haiti, como ‘reconstrução’, na verdade é um plano de antes do terremoto”. “O terremoto atingiu o Haiti na região onde fica a capital. O Haiti é dividido em departamentos. O departamento onde fica a capital, Porto Príncipe, se chama o Departamento Oeste. E esta região foi a que foi atingida, o Departamento Oeste e um pouco do Sudeste. Porém, tudo o que está acontecendo em torno da reconstrução do Haiti está acontecendo no Nordeste”, relatou o pesquisador. “Do outro lado da ilha. O plano não está atendendo às necessidades criadas pelo terremoto. O plano está implementando as conclusões do estudo anterior ao terremoto, que é o Relatório Collier”. Levantamento da agência de notícias Reuters dá conta de que, no início deste ano, ainda havia mais de 150 mil pessoas morando em tendas e abrigos improvisados em Porto Príncipe, e que não têm nem água limpa e nem sequer pias para lavar as mãos. Uma das propostas de Collier é de que o Haiti se aproveite de uma série de leis dos Estados Unidos, que permitem que produtos manufaturados haitianos entrem no país sem pagar tarifas, para estabelecer uma série de zonas francas para a produção têxtil. Diz texto de Collier, citado na tese: “No setor de vestuário, o custo principal é o da mão de obra. O Haiti sendo relativamente pouco regulamentado, o custo da mão de obra aguenta perfeitamente a concorrência com a China, que constitui a referência padrão. A mão de obra haitiana não somente é barata, também é de qualidade. Com efeito, dado que a indústria do vestuário já foi anteriormente muito mais desenvolvida do que o é atualmente ali, o Haiti dispõe neste setor de uma importante reserva de mão de obra experiente”. O foco do investimento supostamente enviado para a reconstrução do país, explica Seguy, vem sendo a zona franca de Caracol, no nordeste haitiano, onde está sendo implantado um parque industrial têxtil exportador. A tese afirma que o parque ocupa “250 hectares de terras cultivadas por famílias campesinas, que o governo expropriou”. “No dia 11 de janeiro de 2011, ou seja, um dia antes do primeiro aniversário do terremoto, o governo haitiano havia assinado um acordo com a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, junto a representantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a companhia de têxtil coreana, Sae-A Trading, em virtude do qual os 366 lares de agricultores que trabalhavam 250 hectares de terras das mais férteis do município precisavam ser expropriados para deixarem o lugar à construção de uma zona dita industrial”, diz a tese. As famílias que tiveram suas terras desapropriadas ainda aguardam indenização. Franck não acredita que a instalação de zonas industriais exportadoras como a Caracol possa levar ao desenvolvimento econômico do país. “O Haiti é visto como espaço para produzir, não como espaço para consumir. O trabalhador haitiano na zona franca, que produz as camisas, jeans ou tênis nunca vai consumir esses produtos. Por quê? Porque o salário dele, o salário do haitiano hoje, é de 200 gurdes (cerca de US$ 5) ao dia. Quer dizer, está se utilizando do Haiti para produzir, mas não se enxerga o Haiti, o trabalhador haitiano, como um consumidor”.
Militares brasileiros no interior do Haiti, em foto de 2010: atuação do Exército é alvo de críticas do autor do estudo
Além disso, lembra ele, a industrialização está se dando por meio de produção têxtil, sem transferência de tecnologia e sem investimento firme do empresário, que em geral é estrangeiro. “A construção do espaço não é investimento do capitalista. O investimento para construir a fábrica é o dinheiro que vai para o Haiti em nome da ajuda ao povo haitiano. Se em alguma região do mundo a mão de obra for mais barata que a haitiana, a empresa não tem dificuldade em se mudar. O capitalista que está explorando a mão de obra haitiana não tem compromisso nenhum com o Haiti. Porque ele não tem nada a preservar ali”. O pesquisador não é otimista quanto à possibilidade de uma melhor inserção do Haiti na economia global: “A divisão internacional do trabalho já decidiu qual o papel do Haiti: fornecer mão de obra barata”. Mais de 80% dos haitianos com curso superior deixam o país, disse ele. “Há dois fluxos migratórios: o que é chamado de cérebros, principalmente para o Canadá, e o outro, de trabalhadores manuais, para as ilhas da circunvizinhança do Haiti, e agora cada vez mais para o Brasil”. Franck afirma que parte do fluxo de trabalhadores haitianos pouco qualificados em direção ao Brasil parece clandestino, mas que na verdade as rotas são bem organizadas, e conhecidas das autoridades. “Se não estivesse atendendo a interesses no Brasil, elas poderiam ser facilmente fechadas”, declarou.
TROPAS BRASILEIRAS O Exército brasileiro chegou ao Haiti após o levante de 2004, que culminou com o exílio do então presidente JeanBertrand Aristide. O Brasil assumiu o comando militar da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah) em junho daquele ano. Franck é cético quanto à necessidade da presença de forças internacionais em seu país. “Tiveram que vender a ideia de que o país estava em guerra e precisava ser pacificado. E desde que cheguei ao Brasil essa é a pergunta que me fazem: sobre a guerra do Haiti ou missão de paz no Haiti. Não, o Haiti nunca precisou de missão de paz, nunca teve guerra”, disse. Além disso, o pesquisador lembra que o próprio nome da missão é de “Estabilização”, não de paz. Ele compara a situação de desordem que levou à intervenção internacional no Haiti aos conflitos dentro das favelas do Rio de Janeiro. “Esses conflitos existem, e justificam muitas coisas, mas não dá para dizer que o Brasil esteja em guerra e precise ser pacificado”, comparou. Assim como o capital internacional se serve das zonas francas, o Brasil se serve do Haiti para ganhar projeção no cenário internacional, tentar comprovar sua capacidade a ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e para treinar suas tropas, disse o pesquisador. “O Haiti serve para
Publicação Tese: “A catástrofe de janeiro de 2010, a ‘Internacional Comunitária’ e a recolonização do Haiti” Autor: Franck Seguy Orientador: Ricardo Antunes Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
Foto: Antoninho Perri
Franck Seguy: “O que está sendo implementado hoje no Haiti, como ‘reconstrução’, na verdade é um plano de antes do terremoto”
isso. É um campo de treinamento. Praticamente todos os soldados brasileiros que já foram para o Haiti estão, agora, sendo utilizados para controlar o Rio de Janeiro, porque a situação é muito parecida”. O papel do Brasil no Haiti, disse ele, é de repressor dos movimentos sociais de contestação. “Em 2008 houve movimentos contra o encarecimento da cesta básica e, em 2009, muitos movimentos operários pelo reajuste do salário mínimo. Qual o papel do Exército brasileiro em tais ocasiões? Repressão. O papel do Brasil é o papel policial, de reprimir qualquer movimento contra esta ordem que se está caracterizando no Haiti”.
FUTURO O Haiti é hoje um país sem soberania, afirma Franck, onde o governo nacional tem menos poder que um governador de Estado. “Se o Haiti fosse anexado aos EUA, seu governador teria mais autonomia que os dirigentes haitianos têm agora”, disse ele. O pesquisador não vê uma saída para o país que passe pela “internacional comunitária”, pelo governo nacional e as classes dominantes que colaboram com ela. “A saída seria pelo outro lado, pelo lado dos movimentos sociais, das lutas sociais, só que este lado também está comprometido: porque hoje, o que existe de movimentos sociais no Haiti vive de financiamento estrangeiro, por meio das ONGs que se dizem ONGs de esquerda”. Franck desconfia das ONGs, mesmo das que se declaram de esquerda. O texto de sua tese traz uma crítica à “solidariedade de espetáculo” das organizações internacionais. Referindo-se ao apoio prestado pelas ONGs aos camponeses haitianos, ele escreve: “tanto as ONGs da sociedade civil quanto os movimentos sociais, até as organizações de bairros urbanos e o próprio movimento camponês contemporâneo, quando se organizam, o fazem com o intuito de se metamorfosear em instituições de gestão de projeto de desenvolvimento, em vez de colocar a questão agrária – questão fundamental – na agenda político-ideológica”. “A ONG pode até se dizer de esquerda, mas a ONG, de esquerda ou de direita, funciona à base de financiamento. E tem de prestar contas, periodicamente, ao financiador. O funcionário da ONG pode acreditar que é um militante, mas não pode ser um militante contra o capital. Porque ele é um funcionário que tem de prestar contas”.
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Plano diretor norteará ocupação de nova área Foto: Antoninho Perri
Documento contemplará mobilidade, transportes, sistema viário, alimentação e serviços CLAYTON LEVY clayton@reitoria.unicamp.br
Unicamp já trabalha nas linhas mestras do novo plano diretor que norteará a ocupação da recém-adquirida área de 1,4 milhão de metros quadrados, contígua ao campus de Barão Geraldo, e que pertencia à Fazenda Argentina. O ato que oficializou a outorga de escritura foi assinado no dia 23 de março pelo reitor José Tadeu Jorge e por representantes do ex-proprietário, a empresa Heliomar S.A. O preço foi fixado em R$ 157 milhões, o que representa R$ 25 milhões abaixo da avaliação de R$ 182 milhões feita em fevereiro pela Caixa Econômica Federal (CEF). “Nossa expectativa é que o novo plano diretor esteja concluído dentro de um ano”, disse o reitor. Segundo ele, com base nesse novo documento, será elaborado o planejamento estratégico para a ocupação da área, que corresponde a 60% da extensão atual do campus. “A anexação de uma área com essas dimensões tem impacto inclusive sobre a área já existente, uma vez que altera o planejamento físico que a Universidade tinha e revê esse planejamento em função da possibilidade de contar com uma outra área”, observa. De acordo com o reitor, o novo plano diretor norteará não apenas a edificação de novos prédios, mas também levará em conta as necessidades em termos de mobilidade, transportes, sistema viário, alimentação e serviços. “Atualmente, por exemplo, temos um gargalo em nosso sistema viário e precisamos estabelecer um circuito inteligente que ajude na circulação dos veículos e pedestres”, observa Tadeu Jorge, lembrando que diariamente circulam pelo local cerca de 35 mil veículos e mais de 50 mil pessoas, entre professores, alunos, funcionários e visitantes que se dirigem às unidades ou ao complexo hospitalar da Universidade. Um dos aspectos mais importantes será a preservação do meio ambiente. Do espaço total da nova área, 80% poderão ser efetivamente ocupados. Os outros 20% correspondem a áreas de preservação ambiental permanente. “Importante destacar que essa preservação será mantida de forma rigorosa”, afirma o reitor. “E será uma preservação com padrão Unicamp, ou seja: não apenas preservar, mas também desenvolver pesquisa para geração de conhecimento novo”. Segundo Tadeu Jorge, seria prematuro falar em obras antes de discutir a elaboração do novo plano diretor. “Essa discussão é importante porque poderá, inclusive, gerar projetos que permitam demandar recursos para serem viabilizados”, explica o reitor. Dessa forma, as necessidades de expansão também deverão ser especificadas no planejamento estratégico de cada unidade de ensino e pesquisa. Tanto o planejamento estratégico como o plano diretor deverão ser submetidos ao Conselho Universitário (Consu), que decidirá sobre as ações a serem tomadas. Na opinião do reitor, também não haveria como elaborar um projeto de expansão física antes de contar com o espaço adequado. “Até dois ou três meses atrás a possibilidade de aquisição dessa área era incerta”, observa. “É interessante, porque às vezes as pessoas falam: vocês compraram uma área desse tamanho sem um projeto definido para ela? Sim, é isso mesmo. Você não faz o projeto da sua casa antes de comprar o terreno, faz? Nós também não. Agora que temos a área podemos sonhar com várias coisas e buscar a sua viabilização”. Para o reitor, certamente não faltam ideias na Universidade visando a ocupação da nova área. “Se lançarmos um edital para professores e pesquisadores, visando projetos para a
O reitor José Tadeu Jorge assina documento em ato que oficializou a outorga de escritura: novo terreno corresponde a 60% da extensão atual do campus
nova área, em trinta dias a mesa estará cheia”, diz. A partir daí, segundo ele, haveria todo um processo de discussão acadêmica para analisar as propostas, envolvendo as congregações das unidades, a Comissão de Planejamento Estratégico (Copei) e o Conselho Universitário (Consu). “Esses mecanismos são consagrados na Universidade e é isso que garantirá uma expansão sem o risco de perder em qualidade”, destaca. “Não tinha como fazer isso antes de adquirir a área. O processo que virá nos próximos meses permitirá que a Universidade reveja seu planejamento e vá atrás dessas questões”. Como exemplo, ele cita a área da saúde. “Em geral, as pessoas pensam na assistência, mas nós fazemos assistência porque isso é indispensável à boa formação de profissionais para área da saúde e para avançar no conhecimento em termos de pesquisa. Essa área certamente está limitada em termos de crescimento. Há avaliações que mostram, por exemplo, que Campinas tem deficiências de atendimento na área da saúde, em câncer, em trauma, mesmo no pronto atendimento. A nova área permite negociar, por exemplo, com a Secretaria da Saúde, com o Ministério da Saúde, novas estruturas hospitalares que atendam essa demanda”. Outro exemplo: “A nossa área de esporte está limitada, não tem para onde crescer. Essa limitação certamente se rompe com a aquisição da nova área”, observa. O mesmo raciocínio, segundo Tadeu Jorge, vale para espaços de convivência ou que permitam à Unicamp promover eventos tanto acadêmicos quanto culturais, até mesmo com a participação de publico externo à Universidade. “Campinas não tem um centro de convenções à altura da cidade, capaz de reunir três mil pessoas num mesmo lugar, com salas simultâneas para duzentas pessoas. A Unicamp tem um projeto para um centro de convenções dessa magnitude, e certamente com a nova área vai ganhar impulso”. Do ponto de vista estritamente acadêmico, o reitor destaca que algumas faculdades e institutos enfrentam limitações sérias de espaço para crescimento de laboratórios. Com o adensamento do campus, algumas unidades ficaram limitadas a uma determinada área sem ter para onde crescer. “Em tese, todos os setores podem ser beneficiados, porque quando falo em laboratório, em pesquisa, estou me referindo a qualquer área do conhecimento que está limitada por questão de espaço, inclusive o parque científico tecnológico, que tem ainda algum espaço na área atual, mas imaginamos que esse espaço rapidamente será esgotado. Esse é outro setor que faz fronteira com a área nova, o que também permite uma ampliação”. Para Tadeu Jorge, a aquisição do novo espaço garantiu à Unicamp as condições para uma expansão planejada a longo prazo, visando a melhoria da sua infraestrutura de ensino, pesquisa e extensão. “Isso nos permitirá, inclusive, pensar numa futura expansão de vagas na graduação”, disse. Esse fluxo de demanda, porém, segundo o reitor,
vem sempre na esteira das ideias, dos projetos de pesquisa que nascem na Universidade e que especificam as necessidades das unidades e institutos. Do ponto de vista interno, as ideais serão sempre submetidas às instâncias institucionais, como as congregações, a Copei e o Consu. Já no que diz respeito ao financiamento, são necessárias articulações com outras entidades. “Essa é uma conversa que não é só com a Unicamp, é também com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), com o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), com a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e com a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos)”. A articulação com essas agências financiadoras, segundo Tadeu Jorge, será fundamental para viabilizar a ocupação organizada da nova área. Em sua opinião, a autonomia que garante às universidades paulistas uma parcela na arrecadação do ICMS permite investimentos, mas não de valores significativos. Para isso, normalmente recorre-se às agências financiadoras. “Depende do que estamos considerando. A Finep, por exemplo, tem uma linha de financiamento a fundo perdido de ações de pesquisa em inovação que a Unicamp tem recorrido tradicionalmente todo ano. Com a nova de área, podemos encaminhar à Finep projetos de pesquisa e inovação, algo que construa infraestrutura de novas áreas de pesquisa e transferência de conhecimento para o setor produtivo”. As relações com a sociedade, aliás, segundo Tadeu Jorge, deverão ser fortemente consideradas na ocupação do novo espaço. “Essa relação está nas bases do modelo de universidade apresentado pela Unicamp desde a sua fundação”, observa. “A anexação da nova área cria uma perspectiva muito mais ampla de estabelecer pesquisas diretamente relacionadas com a colocação deste conhecimento à disposição da sociedade com produtos concretos e serviços concretos através das empresas”.
DEBATES
A aquisição da área resultou de um amplo debate realizado em diversas reuniões do Conselho Universitário (Consu), órgão máximo de deliberação na universidade. A proposta foi apresentada à Unicamp pelo proprietário do terreno em maio de 2012, durante a gestão do ex-reitor Fernando Costa. Logo após ser contatada pelo proprietário da área, a Unicamp criou um Grupo de Trabalho (GT) para analisar a proposta. Em seu relatório, o GT emitiu parecer favorável à aquisição, alegando que o terreno “influenciará e permitirá a expansão das atividades acadêmicas da Universidade, de ensino, pesquisa e extensão, de forma organizada e planejada por um longo período”. Além disso, de acordo com o GT, a aquisição não afetará o andamento normal das atividades da Universidade e agregará um item significativo ao seu patrimônio.
O relatório com o parecer favorável do GT foi apresentado ao Consu pela primeira vez em reunião realizada no dia 5 de junho de 2012. Naquela oportunidade, também foram detalhados a localização e a extensão do terreno, bem como a origem dos recursos disponíveis para a sua aquisição. Por sugestão da mesa diretora, porém, os conselheiros aprovaram a retirada do assunto de pauta a fim de aprofundar internamente a análise do caso. O tema voltou a apreciação do Consu no dia 27 de junho de 2012 quando, após amplo debate, a autorização para aquisição da área foi aprovada com 46 votos a favor, seis contrários e seis abstenções. Durante a reunião que aprovou a medida, a mesa diretora reiterou que todos os procedimentos relativos ao assunto atendiam às normas internas bem como da legislação vigente. Informou, ainda, que a proposta de aquisição havia sido noticiada ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado. Em sessão extraordinária realizada em 17 de dezembro de 2013, já na gestão do reitor Tadeu Jorge, o Consu ratificou a aquisição da área com a contagem de 58 votos favoráveis, quatro contrários e sete abstenções. Durante a reunião, os conselheiros também conferiram ao reitor autonomia para conduzir as negociações e concluir a efetivação da compra, procedimento que foi adotado até a formalização da aquisição em março de 2014. Em termos de área territorial, esta é a segunda maior expansão do campus desde a fundação da Unicamp, em 1966. A primeira ocorreu em 1971, quando o então governador Laudo Natel desapropriou 1,3 milhão de metros quadrados, distribuídos entre cinco propriedades fronteiriças à Unicamp, incluindo uma parte da própria Fazenda Argentina. Aquela ampliação territorial destinou-se à implantação da área de saúde da Universidade, que atualmente inclui o Hospital das Clínicas, Gastrocentro, Hemocentro e Hospital da Mulher.
ORIGEM DOS RECURSOS Os R$ 157 milhões destinados à aquisição da área correspondem a cerca de 7,5% do orçamento da Unicamp para 2014. A compra foi realizada com recursos orçamentários da própria Universidade, provenientes de reserva previdenciária constituída no período de janeiro de 2006 a outubro de 2008, que atualizada pelo índice de aplicação financeira de janeiro de 2006 a fevereiro de 2014, totaliza R$ 178,6 milhões. Segundo o reitor, os R$ 21,6 milhões restantes após a compra serão destinados a um Programa de Manutenção Predial. A reserva financeira utilizada para concretizar a aquisição da nova área se destinava originalmente ao pagamento de dívida da Unicamp junto ao Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp), relativa ao não recolhimento da cota patronal, referente a 6% da folha de pagamento de servidores estatutários. Os recursos, porém, ficaram disponíveis com a edição da Lei Complementar Estadual 1010/2007, que autorizou o Poder Executivo a repactuar as dívidas existentes entre Estado e Ipesp. Entre junho de 2007 e novembro de 2011, a Universidade manteve negociações com a São Paulo Previdência (SPPREV) para equacionamento da dívida, que resultaram na celebração de instrumento de reconhecimento, consolidação e confissão para repactuação de dividas e haveres em 30 de novembro de 2011. A medida previa o pagamento da dívida pela Unicamp, mediante a utilização dos recursos aportados pela universidade para cobertura de suas insuficiências financeiras previdenciárias, a partir da vigência da lei, sem ônus adicionais para a instituição. Este mecanismo permitiu a liberação, a partir de novembro de 2011, da reserva previdenciária Ipesp, que deixou de estar vinculada a qualquer despesa ou obrigação orçamentária, podendo, desta forma, ser destinada para a aquisição do terreno em questão, mediante aprovação do Consu.
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Campinas, 14 a 27 de abril de 2014
Cafundó retrata contradições
do Brasil contemporâneo Carlos Vogt e Peter Fry relançam livro sobre comunidade rural de negros
Fotos: Divulgação/Reprodução
A CULTURA NEGRA EM CENA
MARTA AVANCINI Especial para o JU
o final dos anos 1970, o linguista Carlos Vogt e o antropólogo Peter Fry receberam, do então reitor da Unicamp Zeferino Vaz, a incumbência de investigar a veracidade por trás de uma notícia que chegara a ele por meio de um jornalista: a existência de uma comunidade rural de negros que se comunicavam por meio de uma língua africana desconhecida. Os pesquisadores partiram a campo e constataram, para sua surpresa, que a notícia procedia. “Foi inusitado chegar a uma região tão próxima de São Paulo e deparar com uma comunidade usando uma língua, na verdade, um vocabulário de origem africana, de maneira tão ativa e singular”, relembra Vogt. “Chegamos ao local com nossos gravadores de rolo e começamos a gravar a conversa com o líder, Otávio. Reconheci algumas palavras comuns nas línguas africanas”, conta Fry, que já havia feito pesquisas na África. A comunidade, que ainda existe, chamase Cafundó e fica em Salto de Pirapora, a cerca de 150 km da capital paulistana. Nela vivem duas parentelas, descendentes de escravos, a dos Almeida Caetano e a dos Pires Pedroso, totalizando cerca de 80 pessoas, que utilizavam em seu cotidiano a língua, denominada “cupópia”. Durante pelo menos dez anos (1978 a 1988), Vogt e Fry frequentaram o Cafundó, dedicando-se ao estudo da comunidade e da língua. Os resultados da pesquisa se transformaram em vários artigos e, em 1996, no livro “Cafundó – A África no Brasil”, cuja segunda edição acaba de ser publicada pela Editora da Unicamp e será lançada 16 de abril, no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). Mais do que observadores, o contato com a comunidade acabou transformando os pesquisadores em personagens de um enredo que, de certa forma, reproduz as complexidades e tensões da sociedade brasileira contemporânea. “Fomos conhecendo os aspectos linguísticos, antropológicos, sociológicos que envolviam a comunidade”, relembra Vogt. “Dentre outras coisas, uma disputa relativa às terras onde eles estavam instalados e o pleito de devolução de áreas que teriam sido indevidamente apropriadas”, relembra Vogt. Esse contato acabou envolvendo os pesquisadores em processos de busca de melhoria das condições de vida da comunidade, inclusive com o objetivo de assegurar a eles a posse definitiva das terras que ocupavam. Segundo os moradores, as terras do Cafundó haviam sido doadas pelo antigo fazendeiro, dono de escravos, para duas irmãs, Antônia e Ifigênia, no século 19. A primeira se casou com Joaquim Pires Cardoso, dando origem a uma das subparentelas; a segunda casou-se com Caetano Manoel, de Oliveira, e deu origem à outra.
No Brasil contemporâneo e no contexto da comunidade do Cafundó, a “cupópia” se delineia como expressão de uma identidade africana que convive com outra identidade, a de ser brasileiro. “A brasilidade dos moradores do Cafundó supõe uma expressa da africanidade que está presente o tempo todo em sua vida cotidiana”, detalha Vogt.
Acima, fotos feitas no início das pesquisas; abaixo, imagens de 2013: investigação seminal nas áreas da linguística e da antropologia
O processo reivindicando a posse das terras corria na Justiça desde 1972 - ou seja, antes de a pesquisa iniciar. Décadas mais tarde, em 2012, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) assinou o termo de concessão de uso pela comunidade de Cafundó de parte da área reivindicada pelos descendentes das irmãs Antônia e Ifigênia. Tal conquista está, em parte, associada à visibilidade que a pesquisa garantiu ao Cafundó na mídia nacional e internacional por sua singularidade. Nesse contexto, ganha relevância a pesquisa realizada pelo historiador Robert Slenes, que se associou a Vogt e Fry, incumbindo-se do levantamento histórico do processo de doação das terras. A pesquisa histórica comprovou várias das versões relatadas pelos moradores do Cafundó, subsidiando o processo judicial.
LÍNGUA E IDENTIDADE
Vários são os elementos que despertaram o interesse dos pesquisadores ao “descobrirem” o Cafundó. Um deles foi o ineditismo. “Era surpreendente que ninguém tivesse escrito ainda sobre a comunidade”, reitera Fry. Outro era o fato de que, como vieram a confirmar Vogt e Fry, a ”cupópia” era, efetivamente, originária de línguas africanas, usada de maneira ativa pelos moradores de Cafundó, ao lado da língua portuguesa. Nesse contexto, explica Vogt, a língua, além de promover a comunicação, funcionava como marcador de identidade do grupo, composto por descendentes de escravos. Assim, uma das hipóteses levantadas era a de que a “cupópia” constituía-se numa língua formada com base no português, no kimbundu, além de outras línguas africanas
Foto: Antonio Scarpinetti
O linguista Carlos Vogt: “Adotamos a hipótese de que a ‘cupópia’ era uma das línguas usadas para a comunicação entre diferentes etnias no Brasil escravocrata”
que foram trazidas pelos escravos, sobretudo, para as regiões Sul e Sudeste. “Adotamos a hipótese de que esta era uma das línguas usadas para a comunicação entre diferentes etnias no Brasil escravocrata”, explica Vogt. A hipótese acabou sendo comprovada mediante um extenso levantamento realizado em outras regiões do país, que possibilitou aos pesquisadores identificar semelhanças da “cupópia” com vocabulários que permanecem em uso em outras partes do Brasil – como na cidade de Mauá, na região do ABC paulista e em Patrocínio de Minas. “É a mesma língua, com diferenças de vocabulário em função da dinâmica da convivência com o português, usada por pessoas que jamais tiveram contado entre si”, afirma o linguista Vogt. “Isso mostra o quanto essa língua pode ter sido disseminada e o quanto foi importante seu papel de comunicação no contexto da escravidão”.
Por causa dessa riqueza e complexidade, defendem os pesquisadores, não é exagerado descrever o Cafundó como “uma jóia rara”, cuja “descoberta” colaborou para trazer à tonar e fortalecer a questão da importância da cultura negra a partir da perspectiva das práticas do cotidiano. Tal dimensão era invisível no Brasil dos anos 1970 - em que a cultura negra tendia a ser associada ao exuberante (à festa e à religiosidade), ou como algo menor, espúrio. “Era um momento em que começavam os movimentos de reconhecimento das minorias e o Cafundó colaborou para trazer a questão racial para o debate público”, afirma o antropólogo Peter Fry. Ele acredita, então, que a pesquisa possa ter colaborado para trazer à luz a questão do negro, que acabou sendo incorporada à Constituição de 1988. Ao mesmo tempo, ao aprofundar o olhar para o Cafundó, os pesquisadores encontraram na comunidade um microcosmo da cultura brasileira, uma metáfora do Brasil com todas as tensões de natureza racial, cultural, de luta pela identidade, além da pobreza, da miséria e das disputas sociais. “Falando de algo totalmente insólito e aparentemente distante, falamos, na verdade, do que há de mais comum na expressão da identidade brasileira”, reitera Vogt. Uma identidade na qual convivem forças distintas, que se reforçam e se tensionam. No caso da comunidade do Cafundó, a tensão se evidencia entre o “ser caipira”, pois são brasileiros que vivem numa típica comunidade rural do interior paulista e o “ser negro”, ligado a uma identidade ancestral africana. “Quando mais se afirmam africanos, mais caipiras são. Isso é um pouco paradigma de brasilidade. Tem a ver com o que nós somos, com a nossa convivência com as diferentes matrizes culturais de onde viemos”, conclui Vogt.
Serviço Lançamento: “Cafundó – A África no Brasil” Local: Miniauditório do Centro Cultural do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp Data: 16 de abril Horário: 10h
Acervo de pesquisas vai ser digitalizado Foto: Ronei Thezolin
Flávia Carneiro Leão, diretora técnica do Cedae
As gravações originais feitas por Carlos Vogt e Peter Fry durante a pesquisa no Cafundó, na cidade mineira de Patrocínio e outras localidades estão sendo digitalizadas e disponibilizadas ao público. O material sob responsabilidade do Centro de Documentação Alexandre Eulálio (Cedae) do IEL, na Unicamp, foi convertido para meio digital. A iniciativa tornou-se possível graças a uma parceria com a Universidade de Estocolmo, na Suécia, segundo Flávia Carneiro Leão, diretora técnica do Cedae.
O acervo inclui, além das gravações, cópias dos documentos de cartórios utilizados para o levantamento histórico que integra a pesquisa, cartas, além de relatórios e plano de pesquisa, artigos e matérias jornalísticas, dentre outros materiais. Durante o lançamento da segunda edição do livro, as gravações serão apresentadas. O evento também contará com um debate do qual participarão três moradores da comunidade do Cafundó, além dos autores, Carlos Vogt e Peter Fry.
Título: Cafundó — A África no Brasil Autores: Carlos Vogt e Peter Fry Páginas: 416 Preço: R$ 68,00 Editora da Unicamp
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Campinas, 14 a 27 de abril de 2014
Terapia reabilita funções de pacientes que sofreram AVC Tratamento, já testado no HC da Unicamp, é baseado na inibição inter-hemisférica cerebral SILVIO ANUNCIAÇÃO silviojp@reitoria.unicamp.br
fisioterapeuta Núbia Maria Freire Vieira Lima testou, com êxito, uma nova técnica para a reabilitação de pacientes que sofreram Acidente Vascular Cerebral (AVC). Inédito, o tratamento possibilitou melhorias sensoriais no membro superior afetado (braço, antebraço, pulso e mãos) de pacientes do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp. A paralisia do membro superior contrário ao lado do cérebro onde ocorreu o AVC é uma das sequelas mais comuns nesses tipos de casos. A intervenção realizada por Núbia Lima integrou sua tese de doutorado defendida junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O estudo, financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), foi orientado pelo docente Donizeti César Honorato, que atua no Departamento de Neurologia da FCM. O tratamento proposto difere-se das técnicas convencionais porque busca recuperar o lado paralisado do corpo, intervindo, sobretudo, no lado oposto, considerado “sadio”. Núbia Lima explica que a terapêutica consistiu em reduzir as entradas sensoriais do braço, antebraço, pulso e mão “sadios”, utilizando uma técnica crioterápica de imersão em água com gelo por 20 minutos numa temperatura controlada entre 8ºC e 15ºC. A hipótese levantada, conforme a pesquisadora da FCM, é que, se a região “sadia” entra num processo de redução de entradas sensoriais, a parte do cérebro relacionada a este lado limita a sua ação sobre o lado do cérebro que teve AVC. Deste modo, a área mais afetada fica livre para realizar a função de contração muscular e também para reconhecer os estímulos que chegam até ela. A técnica está baseada na inibição inter-hemisférica cerebral. “Há relação entre a redução da excitabilidade de áreas do córtex sadio ou aumento da excitabilidade do córtex lesado com melhorias na função do membro contralateral ao AVC, como resultado da diminuição da competição neuronal entre os hemisférios cerebrais. Existem técnicas fora do Brasil que usam do mesmo princípio, mas são empregados procedimentos invasivos, como anestesia ou bloqueio isquêmico”, compara Núbia Lima, garantindo: “É possível propor este tratamento como uma técnica viável, de baixo custo, prática e segura acima de tudo. É importante salientar que os experimentos não alteraram os
Fotos: Antonio Scarpinetti
parâmetros hemodinâmicos dos pacientes, como a frequência cardíaca e pressão arterial. As melhorias são perceptíveis e o desconforto, aceitável.” Associada às sessões de crioterapia nos membros não paralisados, a fisioterapeuta promoveu intervenções sensoriais no lado afetado, com diferentes estímulos, relacionados à movimentação de articulações de punho, mão e cotovelo, além de estímulos cutâneos e uso de diferentes texturas para reconhecimento. Outro achado importante da pesquisa da Unicamp foi a constatação de que a região do corpo menos afetada pelo AVC, considerada na área médica como “sadia”, também apresenta sérias disfunções sensoriais. Durante o tratamento conduzido no Ambulatório de Fisioterapia e Terapia Ocupacional do HC, Núbia Lima descobriu que 64% dos pacientes também tinham disfunção da sensação tátil nos membros superiores “sadios”. “No Brasil é o segundo estudo que analisa isso. O primeiro foi publicado em 2008. É uma descoberta importante porque reconhece a necessidade de incorporar o membro superior ‘sadio’ ao tratamento. Ademais, à medida que outras pesquisas demonstrarem novos resultados em favor disso, as palavras ‘não afetada’, ‘sadia’ ou ‘intacta’ serão abolidas gradualmente da linguagem científica e, posteriormente, da prática clínica, dando espaço para extremidade ‘menos afetada’ ou ‘menos envolvida’.”
A técnica conhecida como crioterápica consiste em imersão em água com gelo por 20 minutos, numa temperatura controlada entre 8 e 15 graus centígrados
INCREMENTO
SENSORIAL E MOTOR
A estudiosa da Unicamp detalha que os pacientes submetidos ao tratamento apresentaram melhorias sensoriais, tanto no membro afetado, como no “sadio”, com progresso no desenvolvimento de atividades envolvendo as duas mãos. De acordo com ela, houve evolução em testes funcionais, que englobam, por exemplo, o ato de fechar um zíper; desabotoar um botão; abrir e fechar uma tira de velcro; colocar uma luva na mão menos afetada com ajuda da mão contralateral à lesão neurológica; e despejar água em um copo, entre outros. “A função sensorial melhorou, mas ela interferiu no desempenho das funções motoras. O objetivo foi melhorar a função sensorial, mas encontramos resultados importantes de incremento da função motora. Para os pacientes que tiveram melhora da sensação tátil ficou mais fácil reconhecer os objetos com a mão. Pacientes que têm melhora da função sensorial podem buscar objetos com mais firmeza e desenvolver tarefas em menor espaço de tempo”, relaciona.
Pessoas com perda de sensibilidade, mesmo com força muscular boa, são incapazes de explorar o ambiente e fazer movimentos adequados devido a uma deficiência na retroalimentação sensitiva. “É a mesma sensação que temos quando ficamos com a perna dobrada debaixo do corpo e tentamos caminhar. Perdemos a noção de onde está a posição do nosso tornozelo, ficamos com a sensação de dormência, mas a força da perna está normal. O que está alterado é principalmente a sensibilidade”, exemplifica. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que mais da metade das vítimas de Acidente Vascular Cerebral apresentam algum grau de incapacidade física, especialmente na extremidade superior. As sequelas, temporárias ou permanentes, limitam o movimento e a função dos vitimados, informa Núbia Lima.
“A disfunção sensorial é comum após o AVC e exerce efeito negativo no resultado funcional dos pacientes, prolonga a duração da reabilitação, reduz a qualidade de vida e o desempenho no autocuidado”, acrescenta a pesquisadora da Unicamp, que também exerce a atividade de docente na Universidade de Sorocaba (Uniso). A técnica desenvolvida por ela foi aplicada em 27 pacientes adultos com sequelas crônicas de AVC. Os indivíduos foram divididos em dois grupos: 14 pacientes no grupo de controle e 13 no de intervenção. Antes, um grupo de pessoas saudáveis foi submetido aos testes com o objetivo de observar se o resfriamento naquela determinada faixa de temperatura e tempo causaria alterações de frequência cardíaca e pressão arterial.
Publicações Artigos Lima NMFV, Menegatti KC, Yu E, Sacomoto NY, Oberg TD, Honorato DC. Motor and sensory effects of ipsilesional upper-extremity hypothermia in chronic stroke patients. Topics in Stroke Rehabilitation. Lima NMFV, Scalha TB, Honorato DC. Paresia aferente. Revista Fisioterapia & Saúde Funcional (submetido). Lima NMFV, Menegatti KC, Yu E, Sacomoto NY, Honorato DC. Sensory deficits of ipsilesional upper-extremity in chronic stroke patients. Arquivos de Neuropsquiatria (submetido).
A fisioterapeuta Núbia Maria Freire Vieira Lima: “As melhorias são perceptíveis e o desconforto, aceitável”
Tese: “Avaliação e intervenção sensorial para a extremidade superior contralateral e hipotermia da extremidade ipsilateral ao acidente vascular cerebral” Autora: Núbia Maria Freire Vieira Lima Orientador: Donizeti César Honorato Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM) Financiamento: Capes
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Campinas, 14 a 27 de abril de 2014
Marketing verde deixa
consumidor no ‘vermelho’ Estudo da Feagri demonstra que supermercados cobram mais do que deveriam por produtos orgânicos ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br
s alimentos orgânicos são cada vez mais encontrados nos supermercados. Apresentam características de nichos de mercado e atendem a um segmento seleto de consumidores que têm disposição de pagar um preço bem mais alto, em média com 200% de aumento em relação aos mesmos produtos provindos da agricultura convencional. A compra de produtos como o tomate, a cebola e a batata, em alguns casos, pode até sair com mais de 600% de aumento. Um estudo de mestrado do administrador de empresas Edimar Paulo Santos, desenvolvido na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) sob a orientação da docente Maria Ângela Fagnani, comprovou isso em análise feita em dez supermercados das cidades que integram o Polo Bandeirantes, um importante circuito de comercialização de produtos entre São Paulo e Campinas. Santos observou que o canal supermercado do jeito que está hoje acaba prestando um desserviço à causa do movimento orgânico, que poderia ser muito mais bem-aceita pela população e que, em razão do preço, acaba afastando-a de uma iniciativa que certamente seria benéfica. O produto orgânico se diferencia do produto da agricultura convencional, que emprega altas concentrações de inseticidas, fungicidas, herbicidas. Apesar do alto preço dos orgânicos, sua demanda continua crescendo, embora confinada a um pequeno estrato de maior poder aquisitivo, altamente valorizado pelos supermercados. Além do produto convencional e do orgânico, existe ainda o hidropônico (que cresce sem solo), que também tem um apelo de não uso de agrotóxicos, pois, como ele está em ambiente protegido, evita-se a sua exposição a insetos. Outra categoria ainda é a higienizada – dá-se um banho e diminui-se a química da casca do produto. Na opinião do mestrando, a escolha dos orgânicos é, em grande medida, pautada em modismo. “E o discurso ambiental é evocado como estratégia para induzir o consumo”, nota Edimar, embora exista, de fato, uma preocupação dos produtores em preservar
O administrador de empresas Edimar Paulo Santos: “O discurso ambiental é evocado como estratégia para induzir o consumo”
o local onde os alimentos são cultivados, as nascentes de água, as áreas que são produto de reflorestamento e a não produção de queimadas. As técnicas usadas para obter o produto orgânico, menciona, incluem compostagem, adubação verde, manejo orgânico do solo e da diversidade de culturas, que fornecem alta qualidade biológica aos alimentos. Em face dessa qualidade, o trabalho de Edimar procurou avaliar como o produto orgânico estava se comportando nos canais longos de comercialização, no caso os supermercados, sendo que dificilmente ele chega à classe média e quem dirá à baixa. Ele explica que as redes longas envolvem uma cadeia com consumidor e grandes varejistas que vão trabalhar com grandes propriedades agrícolas. Há muitas pessoas incluídas nesse processo, como o agricultor e uma rede internacional que obtém esses produtos diretamente dos trabalhadores e os levam aos supermercados. O mestrando aposta que as redes investem pesado em estratégias de comercialização – o marketing verde –, atraindo uma classe privilegiada que tem disposição de pagar mais caro por produtos 100% limpos e livres de agrotóxicos. O ideal, acredita ele, seria que todas as pessoas tivessem acesso a um alimento mais saboroso, mais saudável, mais ético, que respeitasse o meio ambiente e as pessoas. E o produto orgânico tem justamente essa proposta. Possui uma legislação bem-definida e clara sobre como ele deve ser plantado, levando-se em conta os princípios da produção, ou seja, não pode ser monocultura, tem que ter rotação de cultura, tem que ser um produto cadastrado no Ministério da Agricultura, tem que ter certificação, entre outras exigências. A primeira etapa de um produto orgânico, descreve o autor do estudo, inclui o cuidado com a terra, que vai ser trabalhada sem aditivo químico, a fim de fazer fertilização. Do contrário, acontece a contaminação do solo e do lençol freático. Quanto à sua produção, ela não é tão alta nos primeiros quatro a cinco anos de cultivo, até o solo recuperar a sua fertilidade. Os orgânicos começaram a ganhar força a partir da década de 1980. Mas, em um dado momento da história, o governo passou a privilegiar a agricultura convencional, por ser mais acessível, através do programa chamado Revolução Verde. “Ocorre que os produtos orgânicos possuem mais ocupação de mão de obra familiar trabalhando com a terra. Deste modo, as pessoas envolvidas nessa atividade se mantêm mais na zona rural e quebram um pouco do êxodo rural”, ressalta.
ESTUDOS
Edimar sondou a história do produto orgânico, como ele foi se comportando ao longo do tempo. Depois viu qual era a sua filosofia, qual era a sua causa e por que levantar essa bandeira. Simultaneamente, buscou ver onde esses produtos eram divulgados. De acordo com o pesquisador, ele escolheu os supermercados e passou a avaliar como se comporta o produto orgânico nas grandes redes varejistas. Na literatura, descobriu que os orgânicos já eram empregados livres de agrotóxico pelos povos indígenas. Todavia, perdeu força com a Revolução Verde, um programa para ampliar a produção agrícola no mundo mediante o melhoramento genético de sementes, uso intensivo de insumos industriais, mecanização etc. Tal revolução priorizou o tipo de agricultura de monocultura e as grandes plantações, entre as décadas de 1960 e de 1970. A ideia era acabar com a fome do planeta, por meio de pacotes tecnológicos criados pelo governo estimulando determinados tipos de agricultura. Na década de 1970, isso não trouxe os benefícios esperados. “As pessoas ainda tinham fome e o problema da alimentação não tinha sido resolvido”, repara. Com os impactos pela contaminação de trabalhadores e de pessoas pelos venenos amplamente difundidos pela Revolução Verde, veio à tona novamente a agricultura orgânica, que teve como marcos principais os eventos da Eco 92 e da Rio +20.
Foto: Divulgação
Produtos orgânicos expostos em supermercado cujos preços foram pesquisados pelo autor do estudo: diferença de preço chega até a 600% Fotos: Antonio Scarpinetti
Feira de produtos orgânicos no bairro Guanabara, em Campinas: preços mais em conta para o consumidor
Os orgânicos cresceram mais, sobretudo nas classes A e B, pela apreciação do sabor, pela qualidade de vida e pelo tipo de alimento que estava sendo levado. O tempo passou e hoje 80% da produção nacional é da agricultura familiar e, desses 80%, grande parte produz organicamente. “Creio que haja muito mais produção orgânica no país do que aquilo que é divulgado”, imagina.
EXPECTATIVA
Olhando o produto orgânico e o tradicional disponíveis no mercado, Edimar percebeu que o tratamento dado a eles não era o mesmo. No caso dos orgânicos, havia sempre um funcionário do supermercado zelando da disposição deste produto nas prateleiras, cuidando para receber maior luminosidade, placas de localização, de 100% orgânico e de incentivo ao consumo. Uma delas dizia: “você está levando vida para a sua casa.” Edimar verifica que isso chama a atenção do consumidor pois, em oposição, ninguém quer levar a morte para a casa. Além disso, a palavra “sustentabilidade” aparecia constantemente na área destinada aos orgânicos. Um cartaz propagava as “dez razões para se consumir os produtos orgânicos”. Havia um grande apelo de marketing em todos os estabelecimentos visitados. O discurso ambiental era sempre usado para induzir o consumo dos orgânicos, e muitas pesquisas tratam do seu perfil em todo o mundo, destacando a saúde como um dos principais fatores que levam o consumidor urbano a buscar esses alimentos. O próximo passo de Edimar é resgatar no doutorado o marketing que vem do modelo capitalista. “Será que ele serve para essa pegada ecológica, ambiental e responde às expectativas da divulgação?”, questiona. A seu ver, faltam políticas públicas para que o produto orgânico chegue à mesa do consumidor indistintamente da classe social. Outra coisa a ser considerada é o fator dinheiro. Para quem ele fica? Se é repassado ao produtor, ótimo, porque vai trazer mais interessados para o negó-
cio, em fazer uma agricultura mais sensível com a ecologia. Mas, quando não tem esse repasse? Acaba havendo um desestímulo e usa-se negativamente um canal que poderia ser bem utilizado, se respeitasse o produtor. Nesse trâmite ainda, quando tem um intermediário que pega o produto do agricultor e o leva diretamente ao supermercado, o agricultor ganha menos ainda. Em alguns casos, recebe o mesmo valor que receberia com um produto convencional, sendo que tem em suas mãos um produto realmente diferenciado. “Então vimos que o produtor perde bastante no supermercado. Em algumas empresas, existem agricultores que são produtores orgânicos e que deixaram de trabalhar com supermercados por esse motivo, porque perdiam muito”, conta. O supermercado ganha principalmente com o marketing do verde, do sustentável, que tem uma preocupação com o meio ambiente. Ele acaba atraindo mais pessoas que querem comprar num lugar que tenha essa visão ambiental. “Meu estudo faz uma crítica sobre como se comporta o produto orgânico nessas grandes redes varejistas e serve para traçar parâmetros para ver se vale a pena divulgar e comercializar os orgânicos no supermercado”, expõe. “Para o consumidor, está claro que na feira livre ele paga menos. E, para o pequeno agricultor, também é melhor levar esse produto para a feira. Ele vai ganhar muito mais”, garante.
Publicação Dissertação: “Produção orgânica pela lógica de mercado: estratégia de marketing verde em supermercados” Autor: Edimar Paulo Santos Orientadora: Maria Ângela Fagnani Unidade: Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) Financiamento: Capes
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Pesquisa revisita narrativas transnacionais do século 19 Dissertação revela as conexões com a Europa no Brasil oitocentista CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
vinda da corte portuguesa transformou a cidade do Rio de Janeiro, onde permaneceu de 1808 a 1821, em centro de referência político e cultural do Brasil. A partir daí intensificou-se a adoção no país de padrões culturais europeus, particularmente os franceses. No século 19, o Brasil mantinha profundas conexões com o que acontecia na Europa. Revistas como o Correio das Modas (1839-1840) e o Novo Correio de Modas (1852-1854) publicavam figurinos importados da França para que suas leitoras se mantivessem informadas sobre as últimas novidades do mundo da moda e pudessem se vestir como as francesas. Mas a sintonia com a Europa não se restringia à indumentária e abrangia também o mercado editorial. Com efeito, os dois periódicos publicavam narrativas ficcionais de propósitos moralizadores, em geral de origem francesa. Dissertação desenvolvida por Ana Laura Donegá e orientada pela professora Márcia Azevedo de Abreu, do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, mostra que, em meados do século 19, a literatura estrangeira chagava ao Brasil muito mais rapidamente do que se costuma imaginar. Alguns meses já eram suficientes para que os leitores do Rio de Janeiro tivessem em mãos textos recém-publicados na Europa. Para a autora, estas constatações relativizam a ideia disseminada de que a literatura produzida pelos europeus chegava ao Brasil com muito atraso A pesquisadora discorda: “Não é bem assim. Muitas vezes os leitores brasileiros tinham acesso ao que estava sendo lido na Europa no mesmo período”. Ela entende ainda que a pesquisa também ajude a repensar a ideia de globalização, pois os jornais e a revistas da época cumpriam o papel desempenhado hoje em grande parte pela internet e contribuíam para que pessoas de diferentes partes do mundo se mantivessem conectadas, ressalvadas, naturalmente, as diferenças na rapidez e na quantidade de informações decorrentes das condições e tecnologias modernas. A pesquisa se insere no projeto “A circulação transatlântica dos impressos – a globalização da cultura no século XIX”, coordenado pelos professores Márcia Azevedo de Abreu e Jean-Yves Mollier, que conta com pesquisadores do Brasil, Portugal, Inglaterra e França. O projeto visa a possibilitar o melhor conhecimento dos impressos e das ideias em circulação entres esses quatro países no “longo século 19” (1789-1914). Seus principais objetivos são identificar e analisar as práticas culturais inerentes aos processos de circulação dos impressos e ideias em escala transnacional, caracterizando as apropriações dessas ideias nesses países por meio da observação dos escritos e das ações dos letrados, bem como das atividades de censores, editores, impressores e livreiros.
Publicação Dissertação: “Publicar ficção em meados do século XIX: um estudo das revistas femininas editadas pelos irmãos Lemmert” Autora: Ana Laura Donegá Orientadora: Márcia Azevedo de Abreu Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Financiamento: Fapesp
A pesquisadora recebeu da Fapesp bolsa de mestrado e bolsa Bepe – Bolsa de Estágio à Pesquisa no Exterior, que lhe permitiu estudar em Versalhes, na França, com o professor Jean-Yves Mollier, do Institut d’estudes culturelles et internationales, na Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines. Aluna de doutorado na Unicamp, sob orientação da professora Márcia Abreu, atualmente ela trabalha com a professora Cláudia Poncioni, do Département Études Ibériques et Latino-Américaines, da Sorbonne Nouvelle (Paris 3), sobre tema também relacionado à globalização da cultura. Sobre as duas revistas escolhidas para estudo, Ana Laura explica que o Correio das Modas: jornal crítico, literário, das modas, bailes, teatros etc, como o próprio subtítulo indica, apresentava narrativas ficcionais, comentários sobre peças de teatros, concertos e bailes, bem como charadas, poesias, máximas moralizantes e pequenas anedotas. Já o Novo Correio de Modas: novelas, poesias, viagens, recordações históricas, anedotas e charadas trazia também matérias sobre economia doméstica e beleza, artigos sobre viagens e recordações históricas, além de uma seção quinzenal de crônicas. As publicações destinavam-se ao público feminino, provavelmente de famílias ricas, pois suas assinaturas semestrais tinham preços elevados (7$000-7$500) em relação a outras publicações congêneres (3$000-4$000 ou ainda mais baratas), possivelmente consumidas por leitoras de menor poder aquisitivo. As duas revistas eram publicadas pela Casa dos Editores Eduardo & Henrique Laemmert. Para delinear um panorama cultural dessa época é importante lembrar que os irmãos Laemmert abriram no Rio de Janeiro inicialmente a Tipografia Universal, que se tornou especialmente famosa pela publicação de almanaques e guias com informações úteis para o cotidiano dos moradores da corte e de outras províncias. Mas o projeto dos irmãos, além de ambicioso, mostrou-se bastante diversificado. Eles investiram em livros didáticos, científicos e históricos, em dicionários e enciclopédias, em traduções de clássicos infantis e em manuais técnicos autoinstrutivos sobre temas variados, como agricultura, culinária, etiqueta e medicina. Participaram do mercado de belas letras ajudando a resguardar árcades como Tomás Antonio Gonzaga e José Bonifácio, a impulsionar a carreira de escritores iniciantes como Gonçalves Dias e Sousândrade e também investiram em revistas literárias, caso dos dois periódicos estudados pela autora.
A PESQUISA Ao estudar os tipos e as proveniências das narrativas publicadas pelas revistas, Ana Laura realizou investigações, na França, sob orientação do professor Jean-Yves Mollier. Ela buscou reconstituir a origem das 278 narrativas que foram publicadas pelos dois periódicos. Para tanto, realizou consultas em acervos online e também em bibliotecas públicas, como a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, o Real Gabinete Português de Leitura, a Biblioteca Nacional Francesa e a Bibliothèque de Saint-Geneviève. Ao final, ela conseguiu localizar e determinar a origem de mais de 75% das 278 narrativas. Em linhas gerais, diz ela: “Pude perceber que a maioria das narrativas era originária de publicações estrangeiras, principalmente da França, fonte de pelo menos um terço dos textos veiculados pelas duas revistas. Mas isso não constitui nenhuma surpresa face ao prestigio deste país no merca-
Nas imagens desta página, reprodução do “Novo Correio de Modas”: figurinos importados e ficção de propósitos moralizadores
ma, os autores nacionais que colaboravam com essas publicações escreviam textos com diretriz moralizadora. Essa característica orientava a literatura de época e os escritores desse período procuravam instruir e educar moralmente os leitores enquanto os divertiam. Grosso modo, esclarece a autora, “tanto as narrativas estrangeiras quanto as brasileiras publicadas nas duas revistas procuravam instruir as leitoras solteiras a obedecerem aos pais e a não se entregarem a aventuras amorosas antes do casamento. As casadas, por sua vez, deveriam permanecer sempre fieis aos cônjuges, abdicar da felicidade pessoal em prol dos filhos, manter-se reservadas diante de estranhos e abandonar hábitos considerados pouco virtuosos, como vaidade excessiva”.
REFERÊNCIAS
do de livros no período. Na sequência situavam-se as narrativas escritas por ingleses (12%) e brasileiros (12%). Depois vieram as de origem portuguesa e alemã (5% cada). Embora em menor número, também foram encontrados textos originalmente escritos em espanhol, italiano, polonês, russo e árabe”. A linha editorial conservadora, constata a pesquisadora, se manifestou em todas as seções dessas duas publicações, embora de maneira mais clara nos espaços dedicados à ficção em prosa. Isso explica o empenho dos tradutores em selecionar narrativas estrangeiras com normas de comportamento voltadas ao sexo feminino. Da mesma for-
A pesquisa mostrou que a ficção nacional manteve diálogo com as referências estrangeiras, pois a ideia de que a moralização era um dos papeis centrais da literatura se revelou um elemento comum nas produções dos dois lados do oceano. Diante desse elemento transnacional, a procedência das narrativas perde sua importância, já que tanto europeus quanto brasileiros se preocupavam em criar enredos que mostrassem o vício punido e a virtude premiada, esperando, com isso, interferir no comportamento dos leitores. Entretanto, a pesquisadora detecta a presença de alguns elementos tipicamente nacionais na produção de autores brasileiros, que colaboravam com essas revistas, ao manifestarem o desejo de abordarem coisas do Brasil. Isso se revela, segundo ela, na presença de descrições de paisagens nacionais, de diferentes festividades religiosas ou de eventos ocorridos na história brasileira. Mas ressalva: “O molde escolhido por eles nessa tarefa, porém, é estrangeiro, daí a utilização de cenas fortes, diálogos inflamados, sofrimentos amorosos, conflitos familiares e outras cenas violentas de impacto emotivo nas leitoras, a exemplo do que ocorria nos folhetins vindos da França”. Sobre o alcance do trabalho Ana Laura afirma: “A minha pesquisa mostra que já nesse período as pessoas se emocionavam, se divertiam e aprendiam com as mesmas intrigas, em diferentes partes do mundo”. Como exemplo, ela cita a narrativa “Tribunaus criminels de Bosnie” publicada pela primeira vez, em dezembro de 1838, no jornal Affiches, annonces judiciaires, avis divers du mans et du département de la Sarthe, que era impresso na cidade de Le Mans, na França. No começo do ano seguinte, em janeiro de 1839, ela aparecia em português nas páginas do periódico lisbonense “Arquivo Popular: leituras de instrução e de recreio”, e três dias mais tarde, em alemão, no “Museu für Kunst, Literatur, Musik, Theater und Mode”, de Munique. Em agosto de 1840, chegou à América do Sul nas páginas do Correio de Modas com o título “Costumes e usos judicias em Bósnia”. Mas a trajetória da narrativa não parou por aí. Alguns anos mais tarde, em 1851, traduzida para o espanhol, foi lançada em Madrid, pelo “La ilustración, periódico universal”, e no mesmo ano, no México em edição do “Illustración Mexicana”. Ou seja, em treze anos, a narrativa foi traduzida para três línguas e se disseminou por territórios geograficamente distantes.
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Campinas, 14 a 27 de abril de 2014
Características de azeites europeus foram avaliadas no Laboratório de Análise de Alimentos, na FEA
Fotos: Antonio Scarpinetti
Méritos para o feito em casa Pesquisa revela que o azeite extravirgem nacional exibe características similares às de importados CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
studos desenvolvidos pelo químico industrial de alimentos Cristiano Augusto Ballus, na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, orientados pela professora Helena Teixeira Godoy, e complementados por trabalhos realizados no Centro de Investigación y Desarrollo del Alimento Funcional, vinculado ao Departamento de Química Analítica da Universidad de Granada (Espanha), mostram que o azeite de oliva extravirgem brasileiro, produzido ainda de forma restrita, exibe características similares aos produtos importados. Recomendado pelos benefícios que traz à saúde, o consumo do azeite extravirgem vem aumentando no Brasil, embora os custos de importação restrinjam a sua utilização. O azeite de oliva extravirgem é altamente recomendado por seus benefícios à saúde humana segundo comprovações mencionadas na literatura médica que, divulgadas pelos meios de comunicação, contribuíram para disseminar o aumento de seu consumo em todo o mundo. Talvez os estudos mais vulgarizados nessa área estejam relacionados à conhecida dieta mediterrânea, na qual se atribui a ele importante papel na prevenção de determinadas doenças, como as coronarianas e alguns tipos de câncer. Entre os principais responsáveis por estes efeitos destacam-se o elevado teor de ácido oleico, que diminui o colesterol “ruim”, e a presença de compostos fenólicos, que agem como sequestradores de radicais livres. A fração lipídica dos azeites de oliva, constituída por ácidos graxos, corresponde a 98% de sua composição química. Nos 2% restantes assumem particular importância principalmente duas classes de compostos antioxidantes: os fenólicos e os tocoferóis. Entre outros parâmetros, a legislação determina que para ser considerado extravirgem o azeite de oliva deva conter entre 55% e 83% de ácido oleico entre os ácidos graxos e apresentar acidez abaixo dos 0,8%, características responsáveis pela sua maior resistência à degradação durante o tempo de prateleira e no uso em condições mais drásticas, como é o caso de frituras. Esta estabilidade está associada à preponderante presença do ácido oleico na fração lipídica, cuja molécula possui apenas uma ligação dupla, diferentemente do que acontece, por exemplo, com o óleo de soja, que possui elevados teores de ácidos graxos que contêm duas e três ligações duplas, o que o torna mais facilmente degradável por oxidação. O azeite de oliva extravirgem é obtido da azeitona somente através de meios mecânicos, sem nenhum outro tratamento. O fruto é colhido na época devida e, no menor tempo possível, lavado e prensado, seguindo-se os processos de filtração, decantação ou centrifugação. Este processamento garante que mesmo os componentes minoritários, entre eles os fenólicos, permaneçam no produto final, diferentemente de outros óleos vegetais que, quando submetidos ao refino químico, perdem várias das substâncias benéficas à saúde.
PRIMEIRA FASE
Em relação aos azeites de oliva extravirgem importados para comercialização no Brasil, não foram encontrados estudos que avaliassem sua capacidade antioxidante e o teor de compostos fenólicos. Em vista disso, Cristiano iniciou suas pesquisas com azeites de oliva importados e encontrados nos supermercados com o objetivo de caracterizar tanto qualitativamente como quantitativamente os antioxidantes neles presentes. Nesta fase, ele analisou 45 amostras quanto ao teor de fenólicos totais e capacidade antioxidante total, desenvolveu um método para separar, identificar e quantificar 17 diferentes compostos fenólicos, aplicando-o a outras 15 amostras de azeite de oliva importados, nas quais conseguiu quantificar 5 destes compostos. Ao comparar os teores destes últimos com os trabalhos realizados em países europeus, ele concluiu que eram compatíveis. Desta etapa resultaram dois artigos, um em fase de submissão e outro publicado no periódico Food Chemistry. Durante a realização desta primeira fase do trabalho, que se estendeu por cerca de dois anos, Cristiano se deu conta de que no Brasil estava-se tentando produzir azeite de oliva extravirgem, o que o interessou muito diante da possibilidade de se chegar a um produto nacional supostamente de menor custo e acessível a um mercado consumidor maior. Com efeito, a importação do produto, basicamente de Portugal, Espanha, Itália e Grécia, o torna caro para o consumidor brasileiro que geralmente restringe seu uso a saladas e determinados pratos específicos e utiliza no dia a dia os tradicionais óleos locais. A possibilidade de ampliação do consumo de azeite de oliva no mercado brasileiro despertou, já há alguns anos, o interesse pela produção de azeites de oliva nacionais, particularmente por iniciativa de institutos de pesquisa como a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), a Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa-RS), que se propuseram estudar e desenvolver no país variedades de oliveiras adequadas à produção de azeite de oliva extravirgem. Embora ainda não comercializados em escala, estes azeites produzidos no Brasil começaram a aparecer em alguns pontos de venda de MG e RS.
SEGUNDA PARTE
Cristiano considera que a produção experimental de azeite de oliva extravirgem no Brasil vem apresentando resultados pro-
missores, de maneira a viabilizar uma futura produção em escala industrial. Diante disso, diz ele, “é de fundamental importância caracterizar a composição química destes azeites de oliva nacionais, pois suas qualidades estão diretamente atreladas às diversas classes de componentes químicos que os devem constituir. Isto me levou a esta pesquisa”. Moveu-o ainda o fato de não ter encontrado na literatura nenhum estudo a respeito dos teores de compostos fenólicos e tocoferóis nos azeites de oliva extravirgem produzidos a partir de cultivares existentes em diferentes regiões dos estados do RS, SC e MG. Nesta segunda parte do trabalho, com base em amostras recebidas desses três Estados produtores, o pesquisador se propôs a ampliar seu projeto inicial para englobar a caracterização de compostos majoritários e minoritários contidos nos azeites de oliva extravirgem brasileiros. Ele deteve-se então em analisar primeiramente os teores de ácidos graxos, de tocoferóis e cinco compostos fenólicos em 17 amostras de azeites de oliva produzidos em MG, a partir de diferentes variedades de azeitonas, nos anos de 2010/2011. O equipamento de que dispunha no laboratório lhe permitiu identificar apenas cinco fenólicos que conseguiu quantificar. Ao fazê-lo, constatou que os teores desses compostos são muito similares aos encontrados em azeites de oliva dos países da Europa e Argentina, também uma grande produtora de azeite de oliva. Este trabalho lhe rendeu artigo que se encontra em fase de avaliação no periódico Food Research International. O trabalho o estimulou a buscar amostras de outras regiões do Brasil, mesmo porque existe muita variação climática e de solo entre os três Estados produtores. A partir daí Cristiano determinou o perfil qualitativo e quantitativo de 20 diferentes compostos fenólicos utilizando 25 amostras oriundas de diferentes variedades de azeitonas cultivadas em MG, SC e RS nos anos 2011/2012. Esta parte da pesquisa foi desenvolvida, juntamente com outras atividades, no período de um ano, junto ao Departamento de Química Analítica da Universidad de Granada, em Andaluzia, no sul da Espanha, que acumula grande experiência em trabalhos com compostos fenólicos, particularmente os do azeite de oliva. Além da experiência acumulada, a universidade possui equipamentos que permitem análises com maior acuidade e possibilitam quantificar maior número de compostos. Exemplo disso, explica ele, é o fato de ter identificado, nesta fase, 20 compostos fenólicos e tê-los quantificado, enquanto com o equipamento de que dispunha
em seu laboratório só tinha chegado a cinco deles. Com isso, ele conseguiu caracterizar muito melhor os azeites de oliva provenientes dos três estados brasileiros e constatou que são muito similares aos europeus pelo menos em relação aos compostos fenólicos. Artigo correspondente a este trabalho encontra-se em fase de submissão.
CHEGADA
Para Cristiano “a análise de compostos presentes nos azeites de oliva extravirgem produzidos no Brasil será de fundamental importância na determinação de suas qualidades, permitindo aquilatar se os produtos obedecem às diretrizes nacionais e internacionais”. A pesquisa permite, ainda, diferenciá-los dos azeites de oliva provenientes de outros países e leva à construção de uma identidade para os azeites de oliva produzidos nos diferentes estados brasileiros. Possibilita ainda avaliar de que forma a localização geográfica, as características climáticas, as condições de solos e outros fatores alteram sua composição. Para o pesquisador, o próximo passo será determinar se as características sensórias dos azeites de oliva brasileiros que se revelarem promissores são adequadas à sua comercialização. Em Granada o pesquisador foi orientado pelo professor Antonio Segura-Carretero, cientista de renome em seu país. Sobre seu estágio na Espanha ele afirma: “Ao sair do Brasil eu tive como objetivo conhecer esse grupo que trabalha com azeite de oliva, o que facilitaria minhas pesquisas e me permitiria criar relacionamentos. A experiência de fato foi muito boa e vivi um dos melhores períodos da minha vida, tanto pela evolução profissional como pessoal, pois amadureci enfrentando novas situações”. Ele destaca, ainda, a disponibilidade do orientador espanhol, que o recebeu sem maiores delongas, muito interessado em saber das características dos azeites de oliva que começam a ser produzidos no Brasil e, também, dos pesquisadores das empresas oficiais de pesquisa brasileiras, que almejam conhecer as composições dos azeites de oliva que produzem e aquilatar como solo, clima, colheita e processamento as influenciam. A propósito, ele afirma: “Neste particular, foi um aprendizado, pois trabalhando somente com análises, eu não conhecia nada relativo à agronômica, ao cultivo, à colheita, à extração. Essas informações surgiam quando havia necessidade de discutir os dados obtidos em relação a cada variedade e explicar as diferenças encontradas, que podiam estar relacionadas a uma ou mais variáveis. Foi uma experiência riquíssima”.
Publicação Tese: “Caracterização química e capacidade antioxidante de azeites de oliva extravirgem provenientes do Brasil e de outros países utilizando técnicas eletroforéticas, cromatográficas e espectrométricas” Autor: Cristiano Augusto Ballus Orientadora: Helena Teixeira Godoy Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
O químico industrial de alimentos Cristiano Augusto Ballus: testes comparativos
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Campinas, 14 a 27 de abril de 2014 www.unicamp.br/unicamp/noticias/2014/03/07/abertas-inscricoes-para-6a-onhb VII Encontro de Educação Musical da Unicamp Com o tema “Música na Escola: um mundo de possibilidades”, evento acontece no dia 22 de abril, às 8h40, no Instituto de Artes (IA). No programa, workshops, oficinas, mesas redondas, comunicações orais e apresentações artísticas. Como convidados participam Enny Parejo, Marisol Ponte-green, Vasti Attique, Uirá Kuhlmann , entre outros convidados. O evento prossegue até o dia 25 e a organização é da professora Adriana do Nascimento Araújo Mendes. Mais detalhes no link http://www.iar.unicamp.br/educacaomusical/ O professor e a leitura do jornal - Seminário nacional será realizado nos dias 24 e 25 de abril de 2014, das 8 às 18 horas, na Faculdade de Educação da Unicamp. Organizado pela Associação de Leitura do Brasil (ALB), Faculdade de Educação da Unicamp, Grupo RAC, Associação Nacional de Jornal (ANJ) e Centro Universitário Salesiano (Unisal-Campinas), o evento acontece a cada dois anos e coloca em foco o uso pedagógico da mídia, especialmente do jornal impresso, na sala de aula, mantendo a interface com outros suportes midiáticos e acompanhando a evolução dos meios de comunicação na contemporaneidade. Mais informações pelo e-mail acamorim@alb.com.br ou site http://correio.rac.com.br/ correio_escola/7seminario/index.php
EVENTOS FUTUROS PAINEL DA SEMANA Seminário de Educação Matemática - Evento acontece de 14 a 16 de abril, no Centro de Convenções da Unicamp e na Faculdade de Educação (FE). Edição aborda o tema “Aprender Matemática e conquistar autonomia”. A organização é do Laboratório de Psicologia Genética (LPG/FE-Unicamp). Programação, inscrições e outras informações no site http://www.proepreemacao. com.br/?p=795 Estude no Japão - A Vice-Reitoria Executiva de Relações Internacionais (VRERI) promove palestra com Regina Erika Shiino sobre o programa de bolsas de intercâmbio do governo do Japão para 2015. O encontro ocorre no dia 14 de abril, às 12h15 no auditório do Instituto de Artes (IA). Auxílio a eventos - A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) está disponibilizando auxílio financeiro para a realização de eventos científicos, esportivos e artísticos que ocorram dentro dos campi da Universidade. As inscrições para o edital podem ser realizadas no período de 15 de abril a 15 de maio de 2014. O edital é direcionado para eventos a serem realizados até 30 de setembro de 2014. Mais detalhes no link http://www.prp.gr.unicamp.br/faepex/ editais/2014/2014_Edital_Congressos.pdf Lume em Goiânia - A 4ª edição do Festival “Na ponta do nariz” acontece durante todo o mês de abril, em Goiânia (GO). No dia 18, a atriz Naomi Silman, do Lume Teatro Unicamp realiza a demonstração técnica “Os Sete Lados do Ridículo” e no dia 19 apresenta o espetáculo solo “O Não Lugar de Ágada Tchainik”, às 20h, no Teatro do Sesi de Goiânia. Conheça o programa completo do Festival http://www.napontadonariz.com/ ONHB - Professores de História e alunos do oitavo ano do ensino fundamental até o terceiro ano do ensino médio podem se inscrever para mais uma edição da Olimpíada Nacional em História do Brasil. O prazo vai até 20 de abril. Leia mais: http://
Além da guerra às drogas - No dia 30 de abril, às 9 horas, no Centro de Convenções da Unicamp, acontece mais uma edição do Fórum Permanente de Educação e Saúde com o tema “Além da guerra às drogas: o desafio de novas políticas para o uso de substâncias psicoativas”. O evento está sob a responsabilidade dos professores Luís Fernando Tófoli, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), e de Taniele Rui, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). Inscrições e outras informações no link http://www.foruns.unicamp.br/ foruns/projetocotuca/forum/htmls_descricoes_eventos/saude76.html Workshop com Renato Orsi - A Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) organiza entre 12 e 16 de maio, o workshop teórico-prático “Sub-tipagem molecular e análise de sequências genômicas aplicadas a estudos de micro-organismos patogênicos”. Ele será ministrado por Renato Hohl Orsi, bacharel em Ciências Biológicas pela Unicamp em (2001). O evento ocorre no Salão Nobre da FEA, das 8 às 18 horas. Inscrições podem ser feitas até 9 de maio. Mais informações: 19-3521-2174. Histórias da arte em exposições - O Museu de Artes Visuais (MAV) da Unicamp e o Grupo de pesquisa Modos de Ver, Exibir e Compreender organizam, dia 21 de maio, às 10 horas, no auditório do Instituto de Artes (IA), o colóquio nacional “Histórias da arte em exposições”. O colóquio objetiva discutir exposições consideradas “cruciais” para/pela história da arte refletindo sobre o papel das exposições de arte para a constituição de uma História da Arte no Brasil. Mais detalhes no site http://haexposicoes.wordpress.com/, telefone 19-3521-6583 ou e-mail mfmcouto@iar.unicamp.br Simpósio Internacional de Glaucoma da Unicamp Décima edição do evento ocorre de 23 a 24 de maio de 2014, no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo SP. Inscrições e mais informações: telefone 11 5575-0254 ou e-mail atendimento@creativesolution.com.br Workshop da FEA - A Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) promove entre 26 e 30 de maio, o workshop “Microorganismos probióticos em alimentos: microbiologia, tecnologia,
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funcionalidade e inovação”. O evento é organizado por docentes da Unicamp, da Universidad Nacional del Litoral (Argentina) e conta com a participação de palestrantes de universidades brasileiras e de órgãos governamentais. Interessados em participar podem se inscrever, até 23 de maio. Mais detalhes no site http://www.fea.unicamp.br/extensaoworkprobioticos.html A educação estética na pedagogia Waldorf - Palestra será ministrada por Jonas Bach Junior, pós-doutorando pela Faculdade de Educação (FE), dia 28 de maio, às 14h30, no Salão Nobre da FE. A participação no evento é gratuita e não há necessidade de inscrição prévia. Informações: 19-3521-5565. Revista Brasileira de Inovação recebe artigos - A editoria da Revista Brasileira de Inovação recebe, até 31 de julho, artigos para a confecção de um número especial sobre política industrial e inovação, a ser lançado em 2015. Os artigos devem ser resultados de pesquisas originais e inéditos, de natureza teórica ou aplicada e se alinharem aos temas definidos nesta chamada. Serão aceitos trabalhos em português, inglês ou na língua espanhola. Wilson Suzigan, do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp e Renato Garcia, do Instituto de Economia (IE) são os editores da publicação. Leia mais: http://www.unicamp.br/unicamp/eventos/2014/04/02/ revista-brasileira-de-inovacao-recebe-artigos-ate-31-de-julho
TESES DA SEMANA Biologia - “Efeito de um programa de terapia manual sobre a variabilidade da frequência cardíaca e indicadores de estresse em vestibulandos” (doutorado). Candidata: Heloisa Aparecida Ferreira. Orientadora: professora Dora Maria Grassi Kassisse. Dia 25 de abril de 2014, às 9 horas, na sala de defesa de teses do prédio da CPG do IB. Computação - “Adaptação de workflows dirigida por contexto aplicada ao planejamento de saúde” (doutorado). Candidato: Bruno Siqueira Campos Mendonça Vilar. Orientadora: professora Claudia Maria Bauzer Medeiros. Dia 14 de abril de 2014, às 14 horas, no auditório do IC. Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo - “Diagnóstico situacional do lodo de esgoto sanitário na UGRHI nº 5 - Estado de São Paulo” (mestrado). Candidato: Daniel Henrique Honório. Orientador: professor Bruno Coraucci Filho. Dia 16 de abril de 2014, às 14h30, na sala CA-22 da CPG da FEC. Engenharia Elétrica e de Computação - “Modelagem de um relé de proteção diferencial de transformador no RTDS” (mestrado). Candidato: Fabiano Gustavo Silveira Magrin. Orientadora: professora Maria Cristina Dias Tavares. Dia 23 de abril de 2014, às 14 horas, na sala de vídeo conferência da FEEC. Engenharia Mecânica - “Atenuação de ruídos e vibração utilizando pastilhas piezoelétricas e circuitos elétricos dissipativos” (doutorado). Candidato: Téo Lenquist da Rocha. Orientador: professor Milton Dias Junior. Dia 22 de abril de 2014, às 9h30, na sala JD-02 da FEM. Física - “Estudo teórico de sistema de elétrons altamente correlacionados” (doutorado). Candidato: César José Calderon Filho. Orientador: professor Gaston Eduardo Barberis. Dia 16 de abril de 2014, às 10 horas, no auditório da Pós-graduação do prédio D do IFGW. Geociências - “Anomalias antrópicas de gadolínio e distribuição dos elementos terras raras nas águas do rio Atibaia e ribeirão Anhumas (SP)” (mestrado). Candidato: Francisco Ferreira de Campos. Orientadora: professora Jacinta Enzweiler. Dia 14 de abril de 2014, às 14 horas, no auditório do IG.
Linguagem - “A literatura no ensino médio: os gêneros poéticos em travessia no Brasil e na França” (doutorado). Candidata: Cynthia Agra de Brito Neves. Orientadora: professora Maria Viviane do Amaral Veras. Dia 14 de abril de 2014, às 9 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “Design de ambientes virtuais de aprendizagem e as contribuições da pedagogia dos multiletramentos, dos estudos bakhtinianos e de remediação” (mestrado). Candidato: Adolfo Tanzi Neto. Orientadora: professora Roxane Helena Rodrigues Rojo. Dia 16 de abril de 2014, às 10 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “O revisor nos rastros da ficção no contexto dos estudos da tradução” (mestrado). Candidata: Juliana Cristina Fernandes Pereira. Orientadora: professora Maria Viviane do Amaral Veras. Dia 23 de abril de 2014, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “Uma análise dos espaços no romance Pedro Páramo, de Juan Rulfo” (mestrado). Candidata: Yvonne Ortiz Morán. Orientador: professor Francisco Foot Hardman. Dia 25 de abril de 2014, às 14 horas, na sala de colegiados do IEL. “A relevância referencial dos dêiticos discursivos na interação entre sujeitos afásicos e não afásicos: intersubjetividade e remissão anafórica” (mestrado). Candidata: Natália Luísa Ferrari. Orientadora: professora Edwiges Maria Morato. Dia 25 de abril de 2014, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “Circuitos turísticos ítalo-descendentes: o uso contemporâneo das heranças culturais no sul e sudeste do Brasil” (doutorado). Candidato: Marcelo Panis. Orientadora: professora Maria Tereza Duarte Paes. Dia 22 de abril de 2014, às 14 horas, no auditório do IG. Matemática, Estatística e Computação Científica “Estabilidade não-linear de soluções estacionárias das Equações de Euler incompressíveis com simetria helicoidal” (doutorado). Candidato: Maicon José Benvenutti. Orientadora: professora Helena Judith Nussenzveig Lopes. Dia 14 de abril de 2014, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. “Inferência estatística para regressão múltipla H-Splines” (doutorado). Candidato: Saulo Almeida Morellato. Orientador: professor Ronaldo Dias. Dia 14 de abril de 2014, às 14h30, no auditório do Imecc. “Estrutura lagrangiana para fluidos isentrópicos compressíveis no semiespaço com condição de fronteira de Navier” (doutorado). Candidato: Edson José Teixeira. Orientador: professor Marcelo Martins dos Santos. Dia 23 de abril de 2014, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. Dia 25 “Teorema 90 de Hilbert para o Radical de Kaplansky e suas relações com o grupo de Galois do Fecho Quadrático” (doutorado). Candidato: Fábio Alexandre de Matos. Orientador: professor Antonio José Engler. Dia 25 de abril de 2014, às 14 horas, na sala 253 do Imecc. Odontologia - “Impacto de estratégias motivacionais e de ativação da intenção na prática da atividade física, modalidade caminhada, em pessoas com diabetes mellitus tipo ii: um estudo piloto” (mestrado profissional). Candidato: Marco Antônio Vieira da Silva. Orientador: professor Fabio Luiz Mialhe. Dia 16 de abril de 2014, às 9 horas, na sala da Congregação da FOP. Química - “Morita-Baylis-Hillman em síntese. Diversidade estrutural e avaliação biológica de espiro-hexadienonas” (doutorado). Candidata: Lucimara Júlio Martins Barreiro. Orientador: professor Fernando Antônio Santos Coelho. Dia 25 de abril de 2014, às 9 horas, no miniauditório do IQ. “Desenvolvimento e otimização de procedimentos de extração em fase sólida molecularmente impressa (mispe) e aplicação na determinação de diuréticos tiazídicos em urina por HPLC” (doutorado). Candidato: Leonardo Augusto de Barros. Orientadora: professora Susanne Rath. Dia 25 de abril de 2014, às 14 horas, no miniauditório do IQ.
DO PORTAL
Fausto Castilho doa acervo de 10 mil livros à Unicamp filósofo Fausto Castilho, professor emérito da Unicamp e um dos maiores conhecedores da obra de Martin Heidegger (1889-1976), doou à Universidade o seu rico acervo bibliográfico estimado em 10 mil volumes. Do total das obras, seis mil integram coleções completas de grandes filósofos. O acervo reúne exemplares raros escritos nas línguas maternas dos filósofos fundamentais, entre as quais a grega, latina, árabe, italiana, francesa, inglesa e alemã. Entre as obras doadas sem ônus à Universidade, está a edição alemã de Sein und Zeit (Ser e Tempo), livro em que Castilho se baseou para lançar, no Brasil, a primeira edição bilíngue (alemão-português) daquela que é considerada a obra fundamental de Heidegger. Há também três volumes de The Works, de John Locke, de 1727; edições de Immanuel Kant, incluindo um editado pela Academia Prussiana; além de obras de Schelling, Schopenhauer, Hegel, Nietzsche, Marx, São Tomás de Aquino, José Ortega y Gasset, Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, Luís Câmara Cascudo, Euclides da Cunha, entre outras. A constituição da biblioteca pessoal de Fausto Castilho - licenciado em filosofia pela Universidade de Sorbonne, onde foi aluno de Merleau-Ponty, Jean Piaget e Gaston Bachelard - baseou-se em trabalho de aquisições ao longo dos últimos 70 anos, fato que se confunde com a própria história do doador. “Eu comecei a formar esta biblioteca há mais de 70 anos, quando tinha 14 anos. São, portanto, mais de 70 anos de esforço para construí-la. Ela tem uma característica: as diversas disciplinas presentes no
Foto: Antoninho Perri
O professor Fausto Castilho (à esq.) e o reitor José Tadeu Jorge durante a assinatura do contrato de doação, no último dia 4
acervo bibliográfico têm sempre uma remissão ao fundamento filosófico que está subjacente a todas as partes deste acervo”, disse Castilho, ao lado de sua esposa, Carmen. Ele assinou o contrato de doação com o reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, no último dia 4, no gabinete da reitoria. “Gostaria de agradecer a confiança na Universidade como recebedora deste acervo, que é um ‘senhor’ acervo. Acho que vai ser extremamente útil para a Unicamp do ponto de vista do ensino e da pesquisa. Mas, certamente, nos honra ainda mais recebê-lo porque se trata de um verdadeiro arquivo de conhecimento”, agradeceu o reitor Tadeu Jorge.
Também participaram da cerimônia, o coordenador-geral, Alvaro Penteado Crósta; o diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), Jorge Coli; o chefe de gabinete adjunto, Osvaldir Pereira Taranto; o linguista e ex-reitor Carlos Vogt; o coordenador do Serviço de Bibliotecas da Unicamp (SBU), Luiz Atílio Vicentini; o procurador-geral Otacílio Machado Ribeiro; a funcionária Tereza Portela; e o pesquisador Alexandre Guimaraes. Além dos 10 mil volumes, Castilho doou à Unicamp as estantes que abrigavam a coleção. O mobiliário é considerado antigo e de grande valor histórico. Todo o acervo do filósofo encontrava-se em sua residência, em Campinas. A intenção, conforme relatório
técnico da SBU, é incorporar parte do acervo à área de Coleções Especiais da Biblioteca Central. Licenciado em filosofia pela Universidade de Sorbonne (Paris, França), Fausto Castilho é um dos fundadores do Instituto de Filosofia e Ciência Humanas (IFCH) da Unicamp. Ele dirige as coleções multilíngues de filosofia e estudos de filosofia moderna e contemporânea da Editora da Unicamp. É tradutor, entre outros, de Ser e Tempo (Heidegger), do Manual dos cursos de Lógica Geral (Kant), além de ter escrito as obras: O conceito de universidade no projeto da Unicamp; Considerações em torno do contencioso; e As determinantes da Longa Duração e sua conversação: o impasse. (Silvio Anunciação)
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Campinas, 14 a 27 de abril de 2014
Tese propõe indicadores para qualidade da educação infantil Para autora do estudo, ferramentas podem subsidiar novas políticas públicas Foto: Laura Carvalho Freitas Rodrigues
CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br
acesso à educação e o papel dos fatores sociais na formação do indivíduo são identificados como condições necessárias ao desenvolvimento. Em relação à criança de 0 a 3 anos de idade esse acesso pressupõe que ele deva oferecer contextos educativos pautados no entendimento dos processos do desenvolvimento infantil. A preocupação é particularmente significativa porque é nesta fase de vida que se estabelecem as bases para o desenvolvimento intelectual, afetivo, social e físico, conforme evidenciam pesquisas publicadas nas últimas décadas. Em vista disso, amplia-se a responsabilidade social de oferecer ambientes educativos de qualidade e que favoreçam o pleno desenvolvimento das crianças, construtoras ativas do seu conhecimento e de sua personalidade. Nesta fase tão singular é imprescindível que o acompanhamento dessas crianças tenha uma intencionalidade educativa e seja planejado com base em suas necessidades. Neste contexto, a creche, que passou a se constituir no segmento educacional mais procurado, é vista como o espaço educativo por excelência. Com efeito, com o tempo ela deixou de ser apenas cuidadora de crianças, enquanto as mães trabalham, e passou a ser considerada também como o local em que elas são atendidas em suas necessidades físicas e afetivas. Nesses ambientes, as crianças desenvolvem relações de confiança com os adultos; têm respeitadas suas individualidades; encontram ambientes seguros, saudáveis e adequados aos seus níveis de desenvolvimento; interagem entre si; dispõem de tempo para explorar objetos utilizando seus sentidos; e se deparam com oportunidades de aprendizagens significativas. Desse modo, uma creche com função educativa deve satisfazer a todos estes requisitos, que levam ao desenvolvimento pleno das crianças e exigem a adoção de programas devidamente estruturados e capazes de atender as dimensões “cuidar” e “educar”, indissociáveis na creche educativa. Estas considerações fazem parte da tese da pedagoga Andréa Patapoff Dal Coleto, apresentada à Faculdade de Educação (FE) da Unicamp e orientada pela professora Orly Zucatto Mantovani de Assis. No trabalho, a pesquisadora apresenta percursos que devem ser seguidos para a construção de indicadores de qualidade da educação infantil com vistas aos objetivos que devem orientá-la. Os indicadores constituem sinais que revelam aspectos de determinada realidade e que permitem qualificá-la. Assim, por exemplo, para avaliar a saúde econômica de um país podem ser utilizados, como indicadores, índices de inflação, taxas de juros, crescimento do PIB. A pedagoga considera a discussão da qualidade do atendimento da educação infantil (0 a 3 anos) fundamental como subsídio para a luta por novas políticas públicas e para a reflexão sobre o trabalho realizado nas creches para o desenvolvimento da criança como pessoa e na construção do cidadão. O alcance social do trabalho fica evidente quando se sabe que o segmento educacional que mais cresceu nos últimos anos foi o do atendimento às crianças de 0 a 3 anos. As mudanças sociais e a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho levaram à necessidade cada vez maior de creches, procuradas principalmente pelas classes econômicas menos favorecidas, o que levou o governo a incluir esse atendimento, desde 1996, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Mas qual a qualidade dessas creches, como dimensioná-la e como persegui-la? Ao encontro das respostas a estas questões se propôs Andréa. Foto: Antoninho Perri
A pedagoga Andréa Patapoff Dal Coleto: trilhando, com a comunidade, o caminho para uma escolha melhor
Criança brinca em creche em Campinas
PRESSUPOSTOS
A autora passou a se interessar particularmente pelo tema quando colaborou no processo de construção do instrumento de auto avaliação da qualidade na educação infantil no Distrito Federal. Outra experiência que a motivou a atuar nesta área foi o trabalho que desenvolveu na formação de professores e educadores de educação infantil. A análise dos cenários descortinados nessas atividades engendrou muitos questionamentos, um deles fundamental em seu trabalho: a participação de professores, educadores, dirigentes e pais de alunos na construção dos indicadores para avaliar a qualidade da educação infantil contribui para que eles sejam mais eficazes e próximos da realidade das instituições envolvidas? Sua resposta definiu a opção pelo tema: “Considerando que a participação em um processo avaliativo permite ao professor distanciar-se do seu trabalho e tomar consciência dos seus acertos e erros, pareceu-me muito oportuno realizar uma pesquisa em que os participantes estariam estabelecendo os padrões de qualidade, a partir dos quais poderiam analisar o trabalho pedagógico na instituição em que atuam”. A ideia do trabalho foi, portanto, desenvolver a capacidade da própria comunidade em gerir todo o processo para aperfeiçoar e buscar mudanças para a realidade em que está inserida. Em decorrência, diz a autora, o papel regulador deixa de ser feito por esferas externas e superiores, no bojo de documentos oficiais, que em geral mostram-se distantes da realidade das instituições educacionais avaliadas. A partir desse quadro, Andréa montou um projeto que teve como ideia central transformar toda essa problemática em um percurso: construir conjuntamente com a comunidade escolar os indicadores de qualidade da educação infantil. Participaram do estudo três Escolas de Educação Infantil que atendem a crianças de 0 a 3 anos, segmento creche, pertencentes à rede pública de ensino, uma delas mantida por uma ONG que faz parte da rede conveniada com a Secretaria de Educação.
METODOLOGIA
O cerne da investigação foi a utilização da técnica do grupo focal como principal instrumento de coleta de dados. O processo envolve um grupo de discussão informal e de tamanho reduzido, constituído com o propósito de obter informações de caráter qualitativo em profundidade. Trata-se de uma técnica rápida e de baixo custo que permite que gerentes de projetos ou instituições obtenham informações qualitativas sobre o desempenho de atividades desenvolvidas, prestação de serviços, novos produtos. O objetivo principal de um grupo focal é revelar as percepções, sentimentos, atitudes e ideias dos participantes sobre o problema em discussão. Inicialmente, a pesquisadora elaborou um questionário básico, organizado em oito dimensões com base em conhecimentos técnicos e bibliografia consagrada, encaminhando-o para a comunidade escolar das três escolas participantes: dirigentes, professores, monitores e pais de alunos. Através dele, ela objetivava realizar uma pesquisa de qualidade da educação infantil e conhecer a percepção que as pessoas envolvidas com a escola tinham sobre qualidade. Em uma segunda etapa, as oito grandes dimensões foram então submetidas separadamente aos grupos focais de cada escola. As oito dimensões da qualidade da educação infantil referiam-se a: 1) ambiente físico; 2) planos e rotinas; 3) interações adultos-crianças; 4) interações entre iguais; 5) experiências educativas; 6) cuidados para uma vida saudável; 7) qualificação e desenvolvimento profissional; 8) parceria escola-família. Foram estabelecidos por cada grupo os indicadores da qualidade de cada instituição, ou seja, os parâmetros que cada uma delas deve considerar para avaliar situações e desempenhos.
Foi, portanto, a partir destas oito dimensões, que o grupo focal de cada escola construiu os indicadores que satisfaziam seus anseios de qualidade. Esses indicadores dizem respeito, por exemplo, a instalações e recursos materiais disponíveis; organização pedagógica que garanta o cuidar e educar; formação do pessoal; relação produtiva e sadia entre eles e as crianças; relações entre as próprias crianças; atividades desenvolvidas; cuidados para uma vida saudável; preservação da integridade física das crianças; formação inicial e continuada específicas; parceria escola-família. Para a pesquisadora, “levantamentos e análises de elementos como estes constituem o que se pode considerar avaliação institucional de uma creche, e esse foi o ponto crucial do nosso estudo. A partir daí passamos a ter um instrumento de avaliação construído pela própria escola e que pode ser usado periodicamente”. Ela aconselha seu emprego semestral com alterações nas constituições dos grupos focais. Para a pedagoga, esse processo permitiu a tomada de consciência de toda a comunidade escolar sobre a importância de conversar periodicamente sobre as dimensões propostas e sobre o processo de construção da qualidade, conceito muito amplo e que, portanto, impõe articulações para que sejam alcançados os melhores resultados possíveis. Para tanto, considera que o caminho mais adequado seja a avaliação. A propósito, a educadora comenta: “Infelizmente, em nosso sistema educacional não existe a cultura da avaliação, que normalmente é vista como o estabelecimento de um ranking, ou seja, avalia-se para comparar com o outro, sem o foco na melhor qualidade do trabalho em si mesmo. O que estamos propondo é um encaminhamento que conduza à tomada de consciência e que permita a construção de qualidade da educação infantil”. A tese não chega à construção de um processo de avaliação e se atém a apresentar o percurso que conduz à construção dos indicadores da qualidade, o que por si só já constitui uma avaliação. Cada escola ficou com o instrumento que construiu e recebeu da pesquisadora um documento de orientação de como aplicá-lo. Para Andréa “a participação da comunidade se revelou altamente eficaz e eficiente para uma avaliação de significado verdadeiro. Ela pode se constituir em instrumento de formação continuada e isso faz a diferença no trabalho”. A autora lembra que existe um documento sobre avaliação da educação infantil elaborado pelo MEC que ninguém usa porque não existe o envolvimento, não existe o sentimento de pertencimento, não existe a compreensão de sua importância. Trata-se de algo distante da realidade, da especificidade de cada unidade educativa. Ela conclui enfatizando que “o papel de regulador deixa de ser feito por esferas totalmente externas e superiores, advindos de documentos oficiais ou instrumentos internacionais que muitas vezes mostram-se distantes da realidade das instituições educacionais avaliadas. O estudo teve como ponto de partida dar voz a educadores, professores, dirigentes e pais de alunos, garantindo-lhes espaços para as manifestações de suas expectativas, necessidades e interesses quanto ao atendimento à criança pequena”.
Publicação Tese: “Percursos para a construção de indicadores da qualidade da educação infantil” Autora: Andréa Patapoff Dal Coleto Orientadora: Orly Zucatto Mantovani de Assis Unidade: Faculdade de Educação (FE)
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Campinas, 14 a 27 de abril de 2014 Foto: Divulgação
ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br
tesebius, de Alexandria, foi o primeiro a juntar um conjunto de flautas a um mecanismo cujas notas eram acionadas através de alavancas, e o ar para as flautas era produzido por um fole hidráulico. Assim nasceu o órgão de tubos, o mais antigo dos instrumentos de tecla, em 246 a.C. Seja para acompanhar o canto gregoriano, o polifônico ou os hinos congregacionais protestantes, o órgão de tubos sempre teve lugar nas solenidades das Igrejas Católica e Reformada. Era um elemento do culto e por muitos anos o único instrumento permitido nas liturgias. Pouco se tem publicado sobre a história do órgão no Brasil e o seu funcionamento. Também havia dúvidas se o país teria tradição organística. Apesar de muitos estudiosos defenderem que não, o doutorando Handel Cecilio concluiu em sua tese de doutorado que houve sim tradição organística no Brasil. A pesquisa, do Instituto de Artes (IA), foi orientada pela docente Helena Jank. Muito da dúvida sobre a tradição brasileira se justifica pela necessidade de considerar o contexto histórico, religioso, geográfico, social, urbano e econômico de cada século da história do Brasil, afirma o organista e musicólogo. Nos primeiros séculos, as igrejas eram poucas. Então não havia como comparar o Brasil com países da Europa – um continente que já tinha órgãos desde 660 d.C. “Não se pode comparar quantidade com igrejas europeias que possuem pelo menos um órgão. Só o convento de Mafra, Portugal, possui seis órgãos”, argumenta. Além disso, a colonização brasileira se deu a princípio no litoral. Depois adentrou o continente. Com isso, eram muitas as dificuldades geográficas e que encareciam o transporte do órgão. Com a descoberta do ouro na Capitania de Minas Gerais, no início do século 18, Vila Rica tornou-se a cidade mais rica do mundo: “a Nova Iorque da época”. Contudo, para a importação de um produto, trazê-lo do litoral para Vila Rica, levava pelo menos três meses. Imagine então levar um órgão subindo e descendo montanhas no lombo de mula! Essas dificuldades encorajaram o surgimento de mestres construtores de órgãos, os organeiros, nesta Capitania. A gênese da construção de órgãos no Brasil se deu a partir de meados do século 18, por meio do ensino de ofícios. O mestre passava o que aprendia para o discípulo. Os grandes exemplos foram Agostinho Rodrigues Leite e seu filho Salvador, que aprendeu o ofício com o pai e prosseguiu com excelência na atividade. Os órgãos foram introduzidos na Igreja por volta de 660 d.C., contudo foram adotados para acompanhamento no período entre os séculos 9 e 10. Na tradição católica, o canto gregoriano começou um pouco antes, no século 5. O início do século 16 foi marcante na história do órgão de tubos com a Reforma Protestante – terreno fértil para o canto congregacional, com os hinos e o órgão solista. Logo sentiu-se a necessidade de expandir o instrumento. Foram colocados novos teclados, que passaram a crescer em extensão. A Igreja Católica, com a Contra Reforma, seguiu a mesma tendência. No Concílio de Trento, entre 1545 e 1563, foi postulado que o órgão de tubos seria o instrumento por excelência. A notícia foi bem-vinda, e o órgão tomou outra forma e dimensão, oficializando-se na Igreja Católica Romana.
TRABALHO
Handel Cecilio, autor da tese defendida no Instituto de Artes: constatando lacunas na musicologia brasileira
De Cabral aos mosteiros seu, e um órgão portátil. Pela ligação que os portugueses tinham com a Igreja Católica, os navegantes sempre levavam religiosos em suas embarcações. Mediante análise de documentos e crônicas de época, procurou-se a comprovação da atuação de frei Masseu nas primeiras missas no Brasil. Este frei italiano acompanhou vários momentos da viagem de Cabral, e Handel os acompanhou para comprovar ou desconstruir a ideia de que ele foi o primeiro organista. A posição final foi que ele não tocou nas missas celebradas no Brasil, por não haver documentos comprobatórios, a contragosto de organistas, musicólogos e historiadores. É certo que a esquadra tinha órgão e organista porque, segundo as crônicas, na continuação da viagem, houve relatos de celebrações com o órgão de tubos e se falava de Masseu. No Brasil, no entanto, sequer a carta de Cabral comentava esse episódio, embora esteja comprovada a presença dele nas primeiras missas do Descobrimento. O padre Pedro da Fonseca veio a ser o primeiro organista da Sé Primaz do Brasil, em Salvador, conforme documentação, a qual comprovava inclusive pagamentos.
O mosteiro de Olinda sobreviveu com um monge muito idoso, que sonhava com a abertura dos noviciados. Alguns relatos apontaram que ele esperou todos os dias, por anos, a chegada dos monges alemães. Quando os viu se aproximando, foi um momento de grande emoção. A restauração dos mosteiros beneditinos começou. Handel fez o primeiro estudo de caso sobre o órgão do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro (RJ), construído em 1773, um dos principais órgãos representantes da organaria colonial brasileira, obra de Agostinho Leite. De acordo com crônicas de época, era um órgão de tubos de baixo custo para o valor e a qualidade que possuía. Esse instrumento revelou técnicas interessantes de construção. Também um recibo de encomenda de um órgão realejo, portátil, mostrou as características desta tipologia de instrumento no século 18, informação então desconhecida. Para os monges beneditinos, “a dignidade do culto dependia de como eles cantavam o cantochão (canto gregoriano) e do órgão de tubos para o acompanhamento”.
ORGANISTA
BENEDITINOS A parte final da tese trata da arte organística nos mosteiros beneditinos, exemplificando essa tradição. Conforme apurado, os mosteiros enfrentaram altos e baixos. Alguns fecharam (o da Paraíba e da Graça e de Brotas, ambos na Bahia). O jeito foi recuperá-los na documentação. Contudo, desde o fechamento dos noviciados (formação de religiosos que precede a emissão dos votos) pelo Marquês de Pombal, no século 18, até o final do século 20, foram mantidos seus ofícios e o uso do órgão. Foto: Antoninho Perri
INVESTIGAÇÃO Handel Cecilio tinha em comum com o compositor barroco G. F. Handel o gosto pelos órgãos. Isso fez com que abordasse em sua tese a arte organística no país entre os períodos colonial e o imperial. Ele procurou esquadrinhar os mosteiros beneditinos, por ser a Ordem que mais preservou o órgão como único instrumento em seus ofícios divinos, desde a fundação dos mosteiros brasileiros. Seu trabalho teve como um dos objetivos a busca do marco inicial da história do órgão no Brasil e, assim, determinar quem foi o primeiro organista brasileiro. O primeiro momento estudado foi a vinda da esquadra de Cabral ao Brasil, que trouxe um frei franciscano organista, Mas-
próprio punho, sem falar do incentivo dos príncipes Dom Antônio e Dom Bertrand. Com isso, foi possível recuperar a história desde a sua fundação e o que havia sobre a arte organística, como os órgãos de tubos, os organistas desta Ordem e os organeiros.
Handel Cecilio atua em concertos no Brasil e no exterior
E MUSICÓLOGO
Desde o mestrado, Handel se dedicou ao estudo dos órgãos, organistas e organeiros dos períodos colonial e imperial. A única forma de promover o resgate histórico foi por meio de documentação eclesiástica e de crônicas de época. Para isso, foi aos mosteiros do RJ, Bahia, Olinda, Recife e cidades de São Paulo e Vinhedo, antigo mosteiro de Santos; e a diversos arquivos em Portugal (Torre do Tombo, Arquivo Distrital de Braga, Arquivo da Universidade de Coimbra), além de ter visitado o mosteiro de Tibães (casamãe dos mosteiros brasileiros). Muitos documentos no Brasil e em Portugal foram perdidos, dificultando o resgate e a construção da história do órgão no país. Em Recife, para se ter uma ideia, um membro de uma das Ordens Terceiras conseguiu arrecadar todos os livros de registro delas e os guardou em uma igreja. É que as Ordens estavam jogando-os no rio Capibaribe. Muito da história se perdeu, ou a traça comeu, ou faltou o devido restauro. Os beneditinos, fiéis guardadores de sua documentação em arquivos próprios, foram fundamentais, e abriram as portas a Handel para a investigação nos mosteiros. Os mosteiros do RJ, Olinda, Salvador e Vinhedo receberam o pesquisador em suas hospedarias. Em alguns deles, foi convidado a fazer as refeições na clausura, em distinção ao hóspede. Muito dessa abertura se deveu a uma carta de Dom Luís de Orleans e Bragança, príncipe herdeiro da família imperial brasileira. Handel, ligado à Monarquia, solicitou ao príncipe essa apresentação para os mosteiros. Dom Luís redigiu uma carta de
Handel examinou milhares de documentos. Primeiramente era necessário descobrir em qual arquivo ou igreja estava o documento necessário. Mesmo inventariados, era preciso consultar livros históricos e documentos extensos para descobrir onde estaria uma pequena informação. Outro obstáculo foi a leitura de documentos antigos. Teve que aprender paleografia, que estuda textos manuscritos antigos e medievais. No Brasil, os cursos em geral duram 15 dias ou um semestre, e poucas escolas oferecem cursos intensivos. Deparar-se com um documento do século 18 no mestrado foi desanimador para Handel. Foi então que procurou a responsável pelo arquivo de Sabará (MG). “Ela abriu o documento no computador. Foi lendo e eu acompanhando. A caligrafia antiga foi se tornando clara.” O pesquisador continuou a leitura de textos antigos como autodidata, com o auxílio de escassa bibliografia. Na Universidade de Coimbra, Portugal, aonde foi dar continuidade às pesquisas documentais, com bolsa-sanduíche da Capes, Handel soube que haveria dois semestres de Paleografia e Diplomática, que trata da leitura e o estudo dos documentos antigos. A professora dessas disciplinas, Maria do Rosário Barbosa Morujão, tornou-se a sua coorientadora estrangeira. Debruçou-se sobre os séculos 16 e 17 [as leituras mais difíceis], passando pelos 18 e 19 [leituras mais fáceis]. “Sem a paleografia, eu não teria feito um terço do que fiz”, admite. Outras ferramentas empregadas foram a historiografia portuguesa e brasileira, além de um curso intensivo de Latim com a professora Anita Martins.0
INFLUÊNCIA Handel notou algumas lacunas na musicologia brasileira. Os séculos 16 e 17, por exemplo, são pouco pesquisados, enquanto o século 18 e os subsequentes são mais estudados. Especificamente quanto à história da arte organística brasileira, não se sabia sobre a gênese da organaria e a construção de órgãos. Até meados do século 18, documentos reclamam a falta de organeiros, que é respondida por meio de análise de documentos brasileiros e portugueses. “Atualmente, temos organeiros brasileiros e muitos órgãos digitais, mas sobreviveram apenas cerca de 24 órgãos históricos”, relata. O último é o da antiga Sé do RJ, a antiga capela real, vindo de Portugal. O pesquisador constata que o órgão de tubos está intimamente ligado à liturgia das igrejas cristãs. Havia regras estipuladas desde o Concílio de Trento para o seu uso e sistematizadas em 1600 no Caeremoniale Episcoporum. Em algumas missas, era obrigatório. Na Semana Santa, não podia ser tocado. Só no Sábado de Aleluia, e com toda registração. Handel atua em concertos no Brasil e no Exterior. Na Espanha, compõe o Duo Regia Symphonia Musicae com o trompetista Basilio Gomarín Píres. Também atua como organista em igrejas reformadas desde os dez anos. Estudou piano, mas escolheu o órgão. O pai foi seu primeiro professor e quem lhe deu o nome de um dos mais notáveis músicos de todos os tempos.
Publicação Tese: “A arte organística nos mosteiros beneditinos do Brasil colonial e imperial: seus órgãos, organistas e organeiros” Autor: Handel Cecilio Orientadora: Helena Jank Coorientadora: Maria do Rosário B. Morujão (Universidade de Coimbra) Unidade: Instituto de Artes (IA) Financiamento: Capes