Ju 665

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Campinas, 15 a 21 de agosto de 2016 - ANO XXX - Nº 665 - DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

MALA DIRETA POSTAL BÁSICA 9912297446/12-DR/SPI UNICAMP-DGA

CORREIOS

FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT Foto: Antonio Scarpinetti

luz

à à meia-luz

5

Pesquisa da enfermeira Michelle Gonçalves da Silva sobre a influência da iluminação nas reações emocionais das gestantes, em casos de parto normal, revela que a penumbra deixa a mãe mais tranquila no momento de dar à luz.

Centro Obstétrico do Caism-Unicamp

3 Desastres naturais na África e América do Sul 4 Mucoadesivo libera antibióticos na dose certa 6 e 7 O desmonte da indústria nos últimos 30 anos 8 Estudo propõe melhor governança de terras no AC 9 Línguas e preconceito na fronteira Brasil-Paraguai


2 Campinas, 15 a 21 de agosto de 2016

A saúde e o saneamento

frente ao anúncio de corte de gastos

Situação do SUS é debatida em evento da série “Balanço das Políticas Sociais no Brasil” LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

Saúde e saneamento” foi o tema de mais uma edição do “Balanço das Políticas Sociais no Brasil”, no âmbito da série Perspectivas Unicamp 50 Anos, justamente no momento em que o governo federal acena com profundos cortes nos gastos sociais. Na mesa-redonda “Saúde e saneamento: alargamento da demanda e estreitamento de recursos”, realizada na tarde do último dia 4, no Centro de Convenções, estudiosos da área deram sua contribuição ao debate sobre saúde pública, infraestrutura e eficiência, com ênfase na Região Metropolitana de Campinas. O debate foi coordenado por Nelson Rodrigues dos Santos, professor de Medicina Preventiva e Social da Unicamp, que observou a coincidência deste evento se realizar em momento muito próximo do anúncio pelo governo de cortes mais drásticos e definitivos dos orçamentos públicos para saúde, educação e outras áreas sociais. “Esta mesa estava planejada há mais de um ano e o tema central trata justamente da sucessão de cortes que já vinham sendo feitos depois da Constituição de 88, que aprovou políticas públicas extremamente civilizadas e avançadas, ao nível europeu, copiando e adaptando para o Brasil os melhores sistemas públicos de saúde, educação e previdência social.” Nelson dos Santos observou que a partir de 1990, os governos foram pressionados e compelidos por forças do sistema financeiro internacional e também nacional a ir alterando todos os compromissos constitucionais. “Os orçamentos federais para saúde e educação foram sendo comprimidos gradativamente, o que perdura até os dias de hoje. O Ministério da Saúde, por exemplo, sobrevive com um orçamento que equivale de um terço a metade do previsto constitucionalmente. Agora, o governo enviou ao Congresso uma PEC [proposta de emenda constitucional] transformando o piso mínimo previsto em lei em teto.” O médico sanitarista Gastão Wagner de Sousa Campos, também professor da Unicamp, disse que apesar do contexto de restrição orçamentária, o Sistema Único de Saúde (SUS) cresceu bastante e ganhou uma importância crucial para a maior parte da sociedade brasileira. “O SUS atende 75% da população e restringi-lo vai provocar uma barbárie sanitária e forte reação política e social. Independentemente de recursos, há uma ameaça direta de desconstrução do sistema. Colocaram um ministro da Saúde [Ricardo Barros] que é ostensivamente contra o SUS, sob o argumento da falta de recursos, mas que na verdade tem um projeto de valorização do mercado da saúde; quer criar um plano de saúde para pobres, oferecendo apenas alguns serviços. Eu prevejo muita reação.”

Fotos: Antonio Scarpinetti

O professor Nelson Rodrigues dos Santos: “Os orçamentos federais para saúde e educação foram sendo comprimidos gradativamente, o que perdura até os dias de hoje”

O sanitarista Gastão Wagner de Sousa Campos: “O SUS atende 75% da população e restringi-lo vai provocar uma barbárie sanitária e forte reação política e social”

O professor Cármino Antônio de Souza: ”Vivemos um momento de crise particularmente ampla e profunda, mas não estou entre aqueles que temem um desmonte do SUS”

Lúcia Nogueira de Paiva Britto, professora da UFRJ: “Na realidade, abriu-se para o setor privado a possibilidade de acessar recursos em igualdade com o setor público”

Cármino Antônio de Souza, professor titular da Unicamp e atual secretário de Saúde de Campinas, adiantou que apresentaria dados sobre a administração municipal da saúde, que considera a experiência mais difícil de sua vida. “O volume de atendimentos é enorme e o secretário, além de administrar 104 unidades próprias de saúde (120, somando os convênios), precisa estar muito próximo da população e de cerca de 9 mil trabalhadores da área. Chegamos a oferecer 4 milhões de procedimentos por ano, sendo que em Campinas 70 mil pessoas perderam seus planos de saúde, o

que pressiona o sistema público. Vivemos um momento de crise particularmente ampla e profunda, mas não estou entre aqueles que temem um desmonte do SUS, não vejo ninguém com poder para isso, embora seja bom ficarmos atentos.” Atuante na área de saneamento, Lúcia Nogueira de Paiva Britto, professora da UFRJ, abordaria os impasses existentes hoje para tornar este serviço universalizado. “Não sendo acessível para o conjunto da população, vou tratar sobre como isso afeta a saúde, quais são as áreas onde a ausência do serviço é mais marcante e quais as

perspectivas nesta fase política de transição e redução de ‘gastos’ públicos – não considero saneamento como gasto e sim como investimento, ainda que o governo atual não veja desta forma. O Ministério das Cidades (onde está a Secretaria Nacional de Saneamento) sustenta que a solução passaria por investimentos privados, mas tentarei desmistificar esta visão. Na realidade, abriu-se para o setor privado a possibilidade de acessar recursos em igualdade com o setor público, ou seja, do FGTS, com juros muito baixos e contratos de até 30 anos, o que torna saneamento um bom negócio.”

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador-Geral Alvaro Penteado Crósta Pró-reitora de Desenvolvimento Universitário Teresa Dib Zambon Atvars Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários João Frederico da Costa Azevedo Meyer Pró-reitora de Pesquisa Gláucia Maria Pastore Pró-reitora de Pós-Graduação Rachel Meneguello Pró-reitor de Graduação Luís Alberto Magna Chefe de Gabinete Paulo Cesar Montagner

Elaborado pela Assessoria de Imprensa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Periodicidade semanal. Correspondência e sugestões Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, CEP 13081-970, Campinas-SP. Telefones (019) 3521-5108, 3521-5109, 3521-5111. Site http://www.unicamp.br/ju e-mail leitorju@reitoria.unicamp.br. Twitter http://twitter.com/jornaldaunicamp Assessor Chefe Clayton Levy Editor Álvaro Kassab Chefia de reportagem Raquel do Carmo Santos Reportagem Carlos Orsi, Carmo Gallo Netto, Isabel Gardenal, Luiz Sugimoto, Manuel Alves Filho, Patrícia Lauretti e Silvio Anunciação Fotos Antoninho Perri e Antonio Scarpinetti Editor de Arte Luis Paulo Silva Editoração André da Silva Vieira Vida Acadêmica Hélio Costa Júnior Atendimento à imprensa Ronei Thezolin, Gabriela Villen, Valerio Freire Paiva e Eliane Fonseca Serviços técnicos Dulcinéa Bordignon Assine o jornal on line: www.unicamp.br/assineju


3 Campinas, 15 a 21 de agosto de 2016

Comparando desastres naturais na África e na América do Sul Foto: Reprodução

Pesquisa do Instituto de Geociências faz análise de episódios entre 1970 e 2009

Região atingida pela seca na Somália: problemas climáticos causaram milhares de mortes nas últimas décadas no “Chifre da África”

MANUEL ALVES FILHO manuel@reitoria.unicamp.br

Foto: Antonio Scarpinetti

Segundo a professora Lucí Nunes, autora da pesquisa, uma forma de atenuar e superar mais rapidamente as consequências dos desastres naturais é atacar os graves problemas socioambientais presentes nos dois territórios

TABELA 1

elas se dão tanto em nações pobres quanto ricas, os episódios ocorridos na África nas quatro décadas pesquisadas foram potencializados por causa da desestruturação socioambiental do continente. Entre 1960 e 2000, aponta o estudo, houve um aumento significativo da população na África e uma maciça migração de pessoas das áreas rurais e isoladas para os centros urbanos. “Não é o caso de se dizer, obviamente, que essa dinâmica seja a causa primária dos desastres naturais. Entretanto, a ocupação desordenada do território contribuiu para a desestruturação do ambiente. Além disso, a falta de infraestrutura para atender às necessidades básicas do conjunto da população

Hidrom. e Climáticos

COMPARAÇÃO

Em sua pesquisa, Lucí Nunes comparou os resultados obtidos para a África com os sistematizados por ela para a América do Sul, contidos em estudo realizado anteriormente. “Como a metodologia foi basicamente a mesma, considerei interessante confrontar os dados para identificar os pontos de convergência e as assimetrias entre as duas regiões”, esclarece. A primeira diferença está no número de países que compõem os dois

Eventos

Mortos

Afetados

Danos (‘000 US$)

60,5

80,9

96,4

50,4

4,1

2,5

0,5

49,6

Biológicos

35,4

16,5

3,1

0,0

TOTAL

100

100

100

100

Eventos

Mortos

Afetados

Prejuízos (‘000 US$)

Mov. Massa úmido

1,2

0,1

0,0

0,0

Extremos de temper.

0,5

0,0

0,3

0,2

35,5

2,3

12,7

21,6

1,3

0,0

0,0

1,8

12,3

78,1

79,6

11,7

9,7

0,5

3,8

15,1

Inundação Incêndio TABELA 2

certamente colaborou para reduzir a qualidade de vida das pessoas e, não raro, para aumentar os riscos de morte”, pondera a docente da Unicamp.

Geofísicos

Subtipos

Seca Tempestade Terremotos

3,0

2,3

0,4

49,6

Vulcanismo

0,8

0,3

0,1

0,0

Mov. Massa seco

TABELA 3

ntre os anos de 1970 e 2009, o mundo registrou 10.686 desastres naturais, que causaram 4.901.331 mortes, afetaram 6.921.541.146 pessoas e provocaram prejuízos, ainda que subestimados, da ordem de US$ 1,8 bilhão. Composto por 55 países e um território autogovernado [Saara Ocidental], o Continente Africano respondeu por 18,4% dessas ocorrências, 17,7% dos óbitos, 5,6% da população afetada e 1,3% das perdas econômicas. Os dados são revelados por uma pesquisa recém-concluída pela professora Lucí Hidalgo Nunes, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp. O trabalho foi realizado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do programa Bolsa Produtividade em Pesquisa. No estudo, a docente da Unicamp não somente contabilizou os números relacionados aos desastres naturais ocorridos ao longo de 40 anos na África, como também comparou esses dados com os obtidos para a América do Sul, apurados por ela em pesquisa realizada anteriormente. Nos dois casos, Lucí Nunes agrupou as ocorrências em três classes: eventos hidrometeorológicos e climáticos (seca, extremos de temperatura, inundação, movimento de massa seco, movimento de massa úmido, tempestade, incêndio), geofísicos (atividades sísmica e vulcânica) e biológicos (epidemia). Os dados, explica a pesquisadora, foram extraídos de fontes oficiais das Nações Unidas. As informações sobre os desastres naturais foram fornecidas pelo The International Disaster Database (EM-DAT), gerido pelo Centre for Research on the Epidemiology of Desastre (CRED), da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica. “Trata-se de um banco de dados de elevada qualidade, embora os próprios administradores reconheçam que alguns dados devam estar subestimados, notadamente os relacionados às perdas econômicas”, observa Lucí Nunes. Entre as classes de desastres naturais consideradas, a África registrou no período analisado o predomínio de ocorrências hidrometeorológicas e climáticas, seguindo uma tendência mundial. Estes episódios foram os que afetaram mais pessoas e provocaram a maior parte das fatalidades. Os danos materiais também foram ligeiramente maiores nessa categoria de calamidade. As epidemias ocuparam na segunda colocação em número de eventos, de afetados e de óbitos, mas os desastres geofísicos geraram mais perdas econômicas do que os eventos biológicos avaliados, conforme a pesquisa [veja tabela 1]. Ao desmembrar esses dados, a pesquisadora identificou os principais subtipos de fenômenos causadores dos desastres. “As inundações e epidemias responderam por mais de 70% das catástrofes nas nações africanas, seguidas pelas secas”, aponta Lucí Nunes. De acordo com ela, o número de mortos foi muito mais expressivo por causa das consequências das secas, seguido pelas epidemias. “As secas responderam por quase 4/5 dos afetados, mas os terremotos, mesmo tendo sido muito mais raros em relação aos outros tipos de desastres, causaram prejuízos muito vultosos”, informa a autora do estudo [veja tabela 2]. Em termos absolutos, os países mais afetados pelos desastres naturais foram Nigéria, Zaire e Etiópia. Num segundo patamar, surgiram África do Sul, Quênia, Tanzânia e Moçambique. Quanto às vítimas fatais, as primeiras colocações ficaram com Etiópia, Moçambique e Sudão. Embora a ocorrência de calamidades seja democrática, ou seja,

0,3

0,0

0,0

0,0

Epidemia

35,4

16,5

3,1

0,0

TOTAL

100

100

100

100

Eventos

Mortos

Afetados

Danos (‘000 US$)

Hidrom. e Climáticos

77,8

31,0

88,0

77,9

Geofísicos

14,7

60,6

10,7

22,1

Biológicos

7,5

8,4

1,3

0,0

TOTAL

100

100

100

100

territórios. O sul-americano soma 12 nações, mais a Guiana Francesa (Departamento Ultramarino da França) e as Ilhas Malvinas (possessão britânica). Esta última, porém, não foi considerada no estudo por causa da falta de informações. No caso da América do Sul, a pesquisa considerou os anos de 1960 a 2000. Nesse período, a região contabilizou 863 desastres naturais (8,1% do cômputo mundial), que provocaram 179.468 mortes (3,7%), 138.350.198 afetados (2,21%) e prejuízos financeiros da ordem de US$ 440 milhões (2,4%). “Assim como a África, a América do Sul também seguiu a tendência mundial e registrou um número significativamente maior de eventos hidrometeorológicos e climáticos. Estes impactaram mais pessoas e causaram mais prejuízos, embora os fenômenos geofísicos tenham sido mais letais”, pontua a professora da Unicamp [veja tabela 3]. Conforme o levantamento, Peru, Venezuela e Colômbia foram os países que apresentaram os maiores percentuais de mortes por desastres naturais. Já o Brasil se destacou negativamente quanto ao número de afetados. Na opinião da professora Lucí Nunes, em termos comparativos, África e América do Sul apresentaram melhoras parciais em alguns aspectos e pioras expressivas em outros nos períodos tomados para a análise. A docente considera que o aumento do número de ocorrências nas duas regiões espelha, em boa medida, a crescente vulnerabilidade das condições de vida da população, a africana em especial. “Na África, a taxa de habitações classificadas como subnormais é a mais alta do mundo, segundo as Nações Unidas. No continente, as desigualdades sociais deixaram de ser imensas para se tornarem generalizadas. Vale destacar que, mesmo estando em condições ‘menos ruins’, a América do Sul está longe de ocupar uma posição confortável nesse aspecto, dado que o percentual de populações em risco na região é alto e atinge diferentes extratos sociais”, adverte. Nos períodos analisados, assinala a docente da Unicamp, ocorreram episódios de destaque. “No caso da África, a década de 1980 foi marcada pelas graves consequências provocadas pelas severas secas que castigaram o chamado ‘Chifre da África’, região onde estão localizados países como Somália e Etiópia. Uma das causas do fenômeno foi a intensa atividade do El Niño. O número de mortes e de afetados foi assombroso”, recorda. Na oportunidade, o flagelo da seca africano comoveu o mundo e levou grupos e entidades a promoverem campanhas de auxílio às populações mais atingidas. Uma das iniciativas foi o “USA for Africa”, do qual participaram artistas de renome mundial, entre eles Michael Jackson, Lionel Richie e Stevie Wonder. Os astros gravaram a canção “We Are The World” e destinaram os lucros obtidos com os direitos de execução para as ações de socorro aos africanos. Em relação à América do Sul, um dos mais violentos desastres naturais aconteceu na década de 1970, no Peru. Um terremoto acompanhado de deslizamentos generalizados atingiu o Departamento de Ancash, dizimando a cidade de Yungay e afetando diversas outras localidades. Segundo estimativas das autoridades locais, a catástrofe produziu entre 70 mil e 80 mil mortos e 20 mil desaparecidos. Uma das conclusões do estudo comparativo da professora Lucí Nunes aponta que um aspecto comum às duas regiões investigadas é que os efeitos perversos dos desastres naturais têm padrão marcadamente socioespacial. Eles normalmente acontecem nos mesmos lugares, afetando as mesmas pessoas ou grupos sociais. “Isso produz outra perversidade, que é a banalização das tragédias”, pontua a docente da Unicamp. Por fim, a pesquisadora ressalta que, por serem democráticas, as catástrofes continuarão ocorrendo e atingindo os mais diferentes pontos do planeta, África e América do Sul inclusive. “Não resta dúvida de que novos episódios, com diferentes impactos, acontecerão novamente nas duas regiões. O desafio, portanto, é somar esforços e competências para fazer com que as consequências sejam atenuadas e superadas o mais rapidamente possível. Uma boa maneira de se fazer isso é atacar os graves problemas socioambientais presentes em ambos os territórios”, analisa.


4 Campinas, 15 a 21 de agosto de 2016

Mucoadesivo libera fármacos para tratamento odontológico Fotos: Antonio Scarpinetti

Membranas de nanofibras de alta adesão são aplicadas diretamente no local da infecção LUIZ SUGIMOTO sugimoto@reitoria.unicamp.br

ma opção inovadora para a área odontológica em termos de novos materiais é apresentada em tese de doutorado desenvolvida na Unicamp: são membranas de nanofibras de alta adesão para liberação bucal de fármacos, voltadas neste caso ao tratamento de infecções na gengiva. Este tipo de dispositivo mucoadesivo é aplicado diretamente no local da infecção, liberando o antibiótico em doses infinitamente menores que no tratamento convencional, com a redução proporcional de efeitos colaterais ao paciente – e que pode ser estendido à área médica, dependendo do medicamento a ser incorporado. A pesquisa é de autoria de Silvia Vaz Guerra Nista, orientada pela professora Lucia Helena Innocentini Mei, na Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp. Silvia Nista informa que as doenças periodontais são bastante comuns, afetando em torno de 54% dos indivíduos entre 15 e 19 anos de idade, e 67% entre 35 e 44 anos. “As infecções na gengiva geralmente começam com uma gengivite e vão progredindo até atingir a raiz e a estrutura de apoio do dente, criando o que chamamos de bolsa periodontal que pode levar à sua perda. São doenças propiciadas pela falta de higienização correta dos dentes e por vários outros fatores, sendo o cigarro um dos principais; mas também por hereditariedade, gravidez, variação hormonal, comprometimento do sistema imunológico como no HIV, etc.”. Segundo a pesquisadora, o tratamento de casos mais graves é difícil e custoso, realizando-se uma raspagem na raiz do dente para remoção do tártaro e, sob a margem gengival, curetagem e alisamento radicular; aplicação de bactericidas no local; e ingestão de antibióticos para eliminar as bactérias. Dependendo do tamanho da bolsa periodontal causada pelas bactérias anaeróbicas, pode ser necessária até uma cirurgia. “Um problema sério no tratamento convencional está nas dosagens muito altas de antibióticos, entre 750 e 1.500 miligramas diárias, via oral. Isso traz efeitos colaterais como gastrointestinais (náuseas, diarreia, constipação), alterações do humor, insônia, depressão, confusão mental. Se a pessoa não tem condições para pagar o tratamento, a doença leva à perda do dente e, por conta disso, à baixa autoestima e ao isolamento social.” O objetivo da pesquisa de doutorado, salienta Silvia Nista, foi desenvolver membranas de nanofibras com material mucoadesivo para liberação de antibiótico, visando em princípio a aplicação in situ em gengivas infeccionadas. “Os revestimentos mucosos (em cavidade bucal, nasal, ocular, retal, vaginal) são considerados sítios potenciais para a administração de drogas, com várias vantagens em relação à administração oral. Dentre as mucosas, a bucal é a mais aceita pelos pacientes, mas apresenta grandes desafios para a comunidade científica, como a baixa eficácia dos sistemas adesivos e da liberação controlada de fármacos, além do indesejado efeito de liberação imediata de toda a carga do fármaco (burst release).” A autora da tese desenvolveu diversas membranas de nanofibras de alginato e quitosana, que são polímeros naturais mucoadesivos, para uso intracorpóreo, e também uma membrana com um núcleo de acetato de celulose e revestida com os mesmos polímeros, para uso extracorpóreo. “É necessário que sejam mucoadesivas para que fiquem em contato com o sítio ativo, onde precisam atuar, promovendo a liberação contínua do

O mucoadesivo desenvolvido pela pesquisadora: biopolímeros na composição

fármaco por tempo prologando. As membranas foram carregadas com o fármaco metronidazol (MTZ), um antibiótico amplamente utilizado no tratamento da periodontite.” Silvia conta que várias empresas estão envolvidas no desenvolvimento e comercialização de tecnologias de liberação de fármaco, com base no sistema via transmucosa oral, porém uma das maiores limitações associadas com estes sistemas é a dificuldade de sua fixação no local de absorção. “Por isso, focamos nossa pesquisa no desenvolvimento de um dispositivo de liberação com alta adesão, utilizando sistemas mucoadesivos de biopolímeros. A quitosana e o alginato são biopolímeros bem conhecidos, biocompatíveis, biodegradáveis, permitindo várias aplicações farmacêuticas e biomédicas. Deve-se enfatizar também que os polímeros utilizados são solúveis em água e, dessa forma, não citotóxicos (como foi demonstrado nos testes realizados), dispensado processos adicionais para extração de solvente residual.” Para o tratamento, acrescenta a pesquisadora, faz-se a curetagem na área infeccionada e coloca-se a membrana dentro da bolsa periodontal, entre o dente e a gengiva. “Nos testes simulando as condições reais de aplicação dos dispositivos na cavidade oral (desempenho por tempo e força de mucoadesão e por adsorção de mucina), as membranas ficaram aderidas por 24 horas à mucosa bucal de porco, que é comumente utilizada para simulações. Como as membranas são biocompatíveis e bioabsorvíveis pelo organismo, não há necessidade de removê-las depois da liberação do fármaco.”

DOSAGEM ÍNFIMA Silvia Nista comparou seus resultados com trabalhos na literatura relatando a administração de antibiótico em dosagens de 750mg/dia e constatou que as membranas exigem uma quantidade 1.500 vezes menor para atingir a mesma concentração in situ. “Quando o paciente toma um comprimido do medicamento, há todo um metabolismo envolvendo o fígado, que chamam de primeira passagem hepática, reduzindo esta concentração. A quantidade de princípio ativo que chega à gengiva é muito pequena, além de causar todos os efeitos colaterais.” A autora da tese explica que as membranas foram produzidas através da técnica de eletrofiação com solução polimérica aquosa, que resulta em fibras com diâmetros em escala nanométrica, o que aumenta a área de contato com o local de infecção onde será liberado o medicamento. “Unindo esta característica nano (alta área de contato) com o polímero mucoadesivo, constatamos que a adesão é duas vezes maior do que de filmes poliméricos normais. Nos testes, o dispositivo de alginato foi aquele que apresentou melhores resultados com o metronidazol.” Conforme a pesquisadora, o processo de eletrofiação para produção de nanofibras poliméricas é muito atrativo devido à sua metodologia de baixo custo, produzindo nanofibras a partir de uma grande variedade de materiais, de um modo relativamente simples, repetitivo e de fácil construção, sendo o único método que pode ser desenvolvido para produção em escala industrial.

Quanto à membrana de acetato de celulose para uso extracorpóreo, a pesquisadora observa que ela pode ser utilizada em fase inicial da periodontite, na parte externa da gengiva, visto que a bolsa periodontal ainda não terá se formado. “Na verdade, o metronizadol foi nosso fármaco modelo, mas é possível a incorporação de outros medicamentos neste dispositivo. Ele pode ser aderido em qualquer região da mucosa bucal (bochecha, palato, sublingual) para liberar qualquer outro fármaco, proteínas, peptídeos, insulina, calcitronina, hormônios, analgésicos, enzimas, esteroides, agentes cardiovasculares ou mesmo um fármaco antitumoral, reduzindo os efeitos colaterais provocados por medicamentos quimioterápicos. Apenas testes específicos para cada fármaco são necessários.”

MATERIAL INÉDITO A professora Lucia Helena Innocentini Mei, do Departamento de Engenharia de Materiais e Bioprocessos da FEQ, afirma que seus parceiros da área odontológica desconhecem técnicas similares à desenvolvida na tese de sua orientada. “Os estudos do meu grupo em colaboração com a FOP [Faculdade de Odontologia de Piracicaba] e Faculdade São Leopoldo Mandic já vêm de dez anos. Eles nos deram suporte realizando os testes para esta pesquisa, para a qual já entramos com pedido de patente junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)”. Silvia Nista, que recebeu da Fapesp a bolsa e também recursos para compra de equipamentos, bem como do CNPq, adianta que está iniciando os contatos para viabilizar os testes das membranas de nanofibras em humanos. “Os testes de mucoadesão, tempo de exposição, liberação do fármaco e permeação em mucosa de porco apresentaram bons resultados, mostrando que o material é promissor. Agora é dar continuidade à pesquisa com os testes clínicos. Colegas da área odontológica consideram as membranas ótimas também para outras aplicações, como de anestésicos.”

Publicação Tese: “Membranas de nanofibras com alta adesão para liberação bucal de fármacos” Autora: Silvia Vaz Guerra Nista Orientadora: Lucia Helena Innocentini Mei Unidade: Faculdade de Engenharia Química (FEQ) Silvia Vaz Guerra Nista, autora da tese, e a professora Lucia Helena Innocentini Mei, orientadora: antibióticos na dose certa


5 Campinas, 15 a 21 de agosto de 2016

Penumbra torna o parto mais tranquilo, demonstra pesquisa Estudo revela também que parturiente sente raiva na hora da concepção Fotos: Antonio Scarpinetti

Gestante e enfermeira no Centro Obstétrico do Caism-Unicamp

ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br

dor do parto é tida como uma das mais difíceis de enfrentar, apesar de passageira. As mulheres de modo geral ficam muito apreensivas com esse momento e, no fundo, sonham com um lenitivo na hora do parto. Estudos têm sido feitos nessa direção. Uma pesquisa de mestrado recentemente apresentada à Faculdade de Enfermagem (FEnf) apurou que a baixa iluminação na sala do procedimento pode favorecer a fisiologia do parto normal e abreviar esse sofrimento. A conclusão é da enfermeira obstetra Michelle Gonçalves da Silva. Segundo a pesquisadora, alguns estudos reportam que a iluminação ativa o neocórtex, que é o lado do raciocínio, da inteligência. “Na hora do parto, é preciso que ocorra justamente o contrário: desativar o neocórtex e ativar o córtex primal, ou seja, aquele do lado animal, para que a gestante consiga expulsar o bebê.” As mulheres chegam com muito medo ao hospital e isso inibe a ativação do córtex primal. Acabam liberando adrenalina, ao invés de liberar a ocitocina (hormônio natural do parto), ficando em estado de vigilância, prontas para reagirem. “Constatamos que, quando as luzes são apagadas, é possível resgatar o córtex primal, ativá-lo e liberar mais ocitocina, permitindo que o parto flua mais naturalmente”, disse. Michele acredita que seu estudo poderá contribuir muito para a expansão do conhecimento na área de Obstetrícia, pois infelizmente o Brasil ainda se sobressai como recordista mundial em cesarianas e existem inúmeros relatos de violência obstétrica hoje. Que influência teria a iluminação da sala de parto nas reações emocionais das parturientes? A enfermeira avaliou isso a partir de sua vivência pessoal. Ela faz partos diariamente e, além disso, está grávida pela primeira vez – de gêmeos. Percebeu que a mulher que tinha filho em um ambiente com menos iluminação, de penumbra, conseguia ter um parto mais tranquilo.

Michelle estudou um sistema que codifica expressões pelos movimentos dos músculos da face, batizado como Facial Action Coding System (Facs). Esse sistema foi desenvolvido pelos pesquisadores norte-americanos Paul Ekman e Wallace Friesen, os inventores do detector de mentiras moderno. Paul e Wallace idealizaram essa ferramenta para ser aplicada em diversas áreas do conhecimento. Michelle viu nisso terreno propício para avaliar quais emoções as gestantes estariam sentindo quando o bebê nascia. Para isso, a enfermeira teve que se submeter a uma prova elaborada pelos autores da Facs para saber se estaria apta a utilizar esse sistema que atuaria como coadjuvante do parto. Estava. É a primeira brasileira certificada a fazer uso dessas codificações faciais.

EMOÇÕES

Michelle filmou 95 gestantes durante e após o parto, divididas em dois grupos: as que foram filmadas num ambiente com luzes acesas e as que foram filmadas num ambiente com luzes apagadas, ficando aceso apenas o foco cirúrgico voltado para o períneo da mulher. Os partos aconteceram no Hospital “Alípio Ferreira Neto”, periferia de São Paulo. Esse hospital possui um modelo tradicional em que as mulheres são acompanhadas no pré-parto e, na hora de darem à luz, são levadas para a sala de parto. As filmadoras escolhidas capturavam com acurácia as imagens em ambiente de penumbra, que passavam pelo sistema de codificação facial para estabelecer as emoções (medo, raiva, nojo, alegria, tristeza e surpresa) das mulheres no momento do expulsivo.

Somente se codificam as reações, e esses códigos podem ser empregados em várias situações, até mesmo num jogo de arremessos, por exemplo. Filma-se a fisionomia do jogador e é possível fazer sua codificação facial, estabelecendo as emoções que sentiu. No caso das parturientes, essa ferramenta nunca havia sido usada para esse propósito. “Manualmente, congelamos a imagem, a cada segundo, quatro vezes. A seguir, avaliamos o movimento dos músculos da face, chegando a uma predefinição. Se a emoção sentida foi raiva, a imagem vai para o software dos autores-inventores e ajuda a colocar a codificação final por meio de uma imagem semelhante. Se corresponderem, a codificação é raiva mesmo”, explicou. Algumas mulheres passaram por cinco a sete minutos de filmagem, outras por 15 a 40 minutos. Contudo, independentemente do tempo que permaneceram na sala de parto, as mulheres fizeram a mesma sequência de emoções: medo, surpresa, raiva, alegria. “A diferença esteve mesmo na iluminação. Quando o ambiente era todo iluminado, elas demoravam mais em seu tempo de emoção, porque às vezes apareciam também nojo e tristeza misturados. É como custasse para engatar a surpresa e a raiva”, averiguou. Em seu projeto, Michelle verificou principalmente duas emoções que estavam presentes no ato da mulher conceber: a “surpresa”, que atua como um gatilho para a “raiva”, que é a emoção mais comum no parto. Mas como raiva? A autora esclareceu que essa é a emoção mais primitiva que o ser humano tem e que parir é o ato mais primitivo de que se tem notícia. De acordo com a enfermeira, a mulher entra numa sala de parto com medo. Depois oscila entre nojo e tristeza. “Quando sente surpresa, é como se resgatasse o lado animal e sentisse raiva. É nessa hora que ela consegue expulsar o bebê. Por isso esse sentimento é muito importante para o nascimento”, salientou. O ambiente com baixa luminosidade proporciona uma sequência de emoções sem quase interferências, mencionou. A gestante consegue ter todas essas emoções mais rapidamente. Quando existe iluminação, talvez ela se sinta observada, não conseguindo resgatar seu lado primitivo tão facilmente quanto o ambiente de penumbra. “Para nossa grande felicidade, em ambos os grupos foi interessante perceber que, após o nascimento, 100% das mulheres exprimiram alegria, por mais dificultoso e sofrido que tenha sido o parto”, constatou.

HUMANIZAÇÃO

Em estudos recentes, relata-se sucintamente e de forma qualitativa que a penumbra favorece a humanização do parto. Há estudos também que descrevem qualitativamente,

por verbalizações das mulheres, as emoções que sentiram no parto. Mas nunca houve um estudo que codificasse essas emoções. “O ambiente com baixa luminosidade traz uma fisiologia melhor ao parto. Não precisa intervir tanto e não ocorre interferência de outras emoções. A mãe consegue desencadear surpresa, raiva e alegria muito mais naturalmente”, notou a autora. O estudo de Michelle foi feito apenas com mulheres que tiveram parto normal, mesmo porque, na cesariana, há uma intervenção muito extensa (sete camadas de pele são cortadas) e não há como apagar as luzes durante esse procedimento. O sistema que Michele usou pode ser adotado em psiquiatria, criminalística, com pacientes em coma, com bebês e em qualquer situação na qual se queira medir uma emoção, desde que se consiga filmar a fisionomia. A enfermeira salientou que esse sistema é o mesmo do detector de mentiras, mas que o detector é um avanço da pesquisa desses autores norte-americanos com a Facs. A novidade é que Michelle incorporou a etapa de codificação das emoções. “Os autores da Facs se mostraram interessados neste estudo, uma vez que o sistema deles nunca havia sido aplicado à saúde da mulher e nem à Obstetrícia”, revelou a autora. “Hoje a Facs está tão difundida em vários tipos de pesquisa e de diversas áreas que já foi montado um grupo nos Estados Unidos que somente elucida emoções e codificação da ação dos músculos que geram as emoções.” No futuro, Michelle espera que as luzes apagadas sejam incorporadas aos protocolos de parto dos hospitais-maternidades. Esse achado também dará margem a outras pesquisas nessa linha. “Será que, se codificarmos as expressões dos bebês nascendo, isso faria diferença? E, em relação aos profissionais, como eles se sentem fazendo o parto?”, questionou. Em sua opinião, são situações que merecem uma resposta em pesquisas posteriores e que podem imprimir uma nova dinâmica à assistência ao parto. “Elas dão margem para melhorar em todos os sentidos, olhando todos os atores: profissionais, bebês, mãe, acompanhante.” Esse trabalho foi feito dentro da linha de pesquisa de saúde da mulher: assistência ao parto. Agora Michelle pretende partir para o doutorado, sobretudo porque, após o parto, ia até as pacientes e também perguntava pessoalmente que emoção elas tinham sentido. O resultado não coincidiu com o que apontou a Facs, diferente de outros estudos que a utilizam. A mestranda ressaltou que esse resultado apontou que é como se a mulher tivesse um pudor cultural de admitir que sente raiva, mesmo durante o parto. “Pretendo fazer um estudo para descobrir por que as mulheres não assumem de fato essas emoções?”, sublinhou.

Publicação Dissertação: “Influência da iluminação em sala de parto nas manifestações emocionais de parturientes: ensaio clínico randomizado” Autora: Michelle Gonçalves da Silva Orientador: Antonieta Keiko Kakuda Shimo Unidade: Faculdade de Enfermagem (FEnf)

A enfermeira obstetra Michelle Gonçalves da Silva: “Quando o ambiente era todo iluminado, elas demoravam mais em seu tempo de emoção”


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Campinas, 15 a 2

Economista detal indústria nos ú

Pesquisador elenca fatores que contribuíram para a desind CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

issertação de mestrado desenvolvida pelo economista Leonel Oliveira Mattos trata de tema que suscita muita discussão e controvérsia, a denominada desindustrialização no Brasil e, particularmente, no Estado de São Paulo. O estudo, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, sob orientação do professor Fernando Cezar de Macedo Mota, considera que essa desindustrialização se manifesta por meio da relativa e progressiva diminuição da participação da indústria na riqueza do país e na geração total de empregos, com a agravante da queda da participação nas exportações desde o fim da década de 1980. O Brasil estaria revertendo o desenvolvimento industrial iniciado nos anos 1930, que continuou nos governos militares, e decorrentes da implantação de políticas de Estado com esse objetivo, interrompido depois de cinco décadas, após 1980, colocando em risco a capacidade de crescimento autônomo e sustentável da nação e aumentando o seu distanciamento tecnológico dos países recém-industrializados do Leste asiático, nos quais passou a se concentrar a produção industrial mundial nas últimas décadas. Para o autor, a situação enfrentada pelo país nos últimos 30 anos decorre do caráter liberal e conservador da gestão macroeconômica brasileira, que muito pouco se alterou desde 1989, que passou a priorizar a remuneração do capital na esfera financeira; o desenvolvimento territorial urbano apoiado na construção civil; e as atividades envolvendo commodities agrícolas e minerais. O pesquisador defende que a indústria de transformação possui elevado potencial para alavancar o desenvolvimento econômico e social de uma nação ao ampliar a capacidade de geração de excedentes econômicos e dilatar a divisão social do trabalho. O objetivo da dissertação é o de apresentar alguns aspectos relevantes para o debate sobre o processo de desindustrialização no Brasil e no seu principal parque industrial, o Estado de São Paulo. Para tanto, explica Leonel, “inserimos o tema no contexto do cenário macroeconômico brasileiro, a partir de 1989, quando sob o pretexto do combate à inflação crônica, o país passa por profundas transformações sob a égide do neoliberalismo”. São mostrados então os impactos dessa política no crescimento da economia brasileira, particularmente sobre sua indústria de transformação, e apresentadas as evidências que permitiriam caracterizar um processo de desindustrialização, ou seja, de reversão na estrutura industrial até então existente, tais como perda de dinamismo econômico, queda na participação do PIB, diminuição do valor agregado, descompasso de produtividade em relação à indústria internacional e perda significativa do mercado nacional para competidores estrangeiros, que determinou o elevadíssimo aumento da importação de produtos industrializados. Por fim, ele relaciona o mau desempenho da indústria de transformação paulista ao processo de desconcentração da produção nacional em decorrência da denominada Guerra Fiscal, após 1989. No decorrer do trabalho, em que se valeu principalmente do banco de dados do IBGE e do Ministério do Desenvolvimento do Comércio Exterior, dos censos e pesqui-

sas da Confederação Nacional das Indústrias e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, o autor mostra que esse quadro não surgiu esporadicamente ou por um período curto de tempo, mas resultou de um projeto longo de gestão econômica que levou à definição de que tipos de capitais seriam mais bem remunerados. Dessa escolha, em detrimento do capital industrial, resultaram incentivos para as áreas de produtos primários, agrícolas, pecuários, minerais, a especulativa remuneração do capital financeiro, imobiliário e da construção civil, que levaram, por exemplo, a grandes obras públicas, caso do programa Minha Casa Minha Vida, de estádios e dependências esportivas para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas. Para Leonel, esse caminho penaliza a indústria e cada vez mais a inviabiliza e a torna menor, o que é preocupante do ponto de vista do dinamismo econômico e de quanto se pode vislumbrar de crescimento do país sem uma boa base industrial. Mesmo porque, considera ele, “para o enfrentamento das suas desigualdades sociais com soluções mais permanentes e duradouras, o Brasil vai ter que passar por um crescimento econômico mais forte, caminho certamente de difícil pavimentação sem uma sólida industrialização”.

CONTEXTUALIZAÇÃO Ao longo do desenvolvimento do trabalho, o autor distingue as várias fases das políticas governamentais e econômicas vividas pelo país. A partir de 1930, com Getúlio Vargas, passou-se a ter uma agenda voltada ao desenvolvimento industrial, até então muito incipiente e localizado em alguns setores como alimentação, calçados e vestuários. A partir daí desenvolveram-se as primeiras estatais e indústrias que passaram a produzir insumos básicos como eletricidade, aço, petróleo, telefonia, minérios. Seguiu-se o Plano de Metas do governo JK, quando ocorre outro grande salto. A crise do início dos anos 60 contribuiu para o gol-

Segundo a pesquisa, a aposta no desenvolvimento territorial urbano apoiado na construção civil e nas commodities agrícolas, entre outros fatores, ajudaram a enfraquecer a indústria

Fábrica desativada na região de Campinas: de acordo com o estudo, participação da indústria na riqueza do país come

pe dos militares que buscaram estimular o desenvolvido industrial principalmente com o Plano Nacional de Desenvolvimento do governo Médici, cujos reflexos se estenderam até 1985. Observavam-se, principalmente antes de 1979, taxas de crescimento muito aceleradas na área econômica e ainda maiores na indústria, embora também crescessem, em graus menores, agricultura e serviços. Esse desenvolvimento atingiu o ápice em 1985, quando assume o gover-

no Sarney, a partir do qual passou a sofrer queda acentuada. A séria crise que acometeu vários países, inclusive o Brasil, nos anos 80, levou, a partir dos países centrais, a outro entendimento sobre as bases da política global, que deu origem ao conhecido Consenso de Washington, que abriu caminho para um modelo econômico liberal na América Latina. Antes se entendia a importância de um estado desenvolvimentista, focado no de-


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alha desmonte da últimos 30 anos

dustrialização paulista e seus reflexos na economia do país Foto: Antonio Scarpinetti

Foto: Antoninho Perri

O economista Leonel Oliveira Mattos, autor do estudo: “O Brasil vai ter que passar por um crescimento econômico mais forte, caminho certamente de difícil pavimentação sem uma sólida industrialização”

eçou a declinar na década de 1980

senvolvimento industrial, mas a partir dos anos 90 fortaleceu-se no mundo a ideia do liberalismo econômico. Segundo essa doutrina, as causas da crise intensa estavam nos anos de intervenção estatal que teriam gerado ineficiência e problemas produtivos na economia, que seria resgatada com a redução da interferência do Estado. Essas diretrizes, implantadas no governo Sarney, mostraram-se mais evidentes no governo Collor, com as primeiras privatizações das

antigas estatais, e atingiram o ápice durante o Plano Real e nos governos FHC, que mantêm a trajetória de privatizações e desregulamentações da economia, o que não foi essencialmente alterado nos governos do PT, a menos de pequenas diferenças. Essa tendência se consolidou na América Latina, que passou a ampliar investimentos na agroindústria enquanto o capital e o desenvolvimento industrial se deslocavam para países do leste asiático, caso da China,

Fotos: Antonio Scarpinetti

que passaram a oferecer para os países centrais, sedes do capital e da produção industrial, a possibilidade de produção a custos menores, com ganhos maiores, com produtos comercializados no mundo todo. Esse quadro gerou um rearranjo da economia mundial, pois gerou em grande parte dos países menor participação industrial no PIB nacional, redução do volume de empregos e desequilíbrios na balança comercial. Em decorrência estimularam-se determinadas atividades como as do mercado financeiro que se avolumou gerando grandes lucros dos bancos. No Brasil, em que se praticavam as maiores taxas de juros do mundo, inviabilizava-se a captação de capitais para projetos industriais e os capitães de indústrias sentiam-se desestimulados a investir diante dos maiores lucros obtidos no mercado financeiro. Além do que, juros altos e a facilidade de mobilização de capitais atraíam muitos dólares apreciando o câmbio e facilitando as importações, fragilizando a indústria nacional, principalmente as de maior intensidade tecnológica e de valores agregados maiores, nas quais inovações são mais prementes. Com a manutenção do câmbio baixo procurava-se combater a inflação, pois a importação de produtos industriais muito baratos balizavam os preços a serem praticados pelos produtores nacionais, que acabavam perdendo a competitividade e, para se manterem, passaram a agregar menor valor aos seus produtos para conseguir competir com os importados, levando-os à redução da capacidade de investimentos. Como resultado, em relação aos produtos industrializados, a balança comercial brasileira entrou no vermelho, durante o governo Lula, principalmente em decorrência da importação de produtos eletrônicos, óticos, de telecomunicações, condutores, processadores, e de produtos de alta tecnologia em geral, embora a balança comercial

como um todo mantivesse um superávit em decorrência da exportação de produtos primários. Em 2014, mais da metade dos produtos de exportação do Brasil eram básicos, sem quaisquer tipos de manufatura ou beneficiamento industrial. Como esperado, a desintegração da indústria nacional foi mais sentida no Estado de São Paulo, em que se concentrou sempre a maior parcela da produção industrial do país, situação agravada pelas facilidades fiscais oferecidas por Estados e municípios para atrair indústrias e importações.

GLOBALIZAÇÃO Todo esse processo se insere em uma nova ordem global em que outros países como o Brasil estão inseridos, estimulados por movimentos oriundos de países centrais e formas de pensamento neles geradas, que cada vez mais se distanciam da ideia de um projeto nacional, de uma indústria autônoma e independente do resto do mundo. Ganha importância o conceito de economias conectadas e atividades produtivas cada vez mais interligadas, o que leva à modificação da divisão internacional do trabalho e à especialização de cada área em determinado tipo de reprodução do capital. No Brasil e na América Latina, com o capital financeiro, agrícola, mineral ganhando muita importância, ocorreu enfraquecimento do capital industrial, atraído e deslocado para o Leste asiático. A propósito, Leonel estabelece um paralelo interessante: “A China utiliza hoje, guardadas as devidas proporções, as mesmas estratégias adotadas pelo Brasil nos anos 30 e 40, que é a de se preocupar em desenvolver sua economia através de uma forte industrialização. A diferença é que o Brasil, à sua época, estava preocupado com abastecimento do mercado interno, enquanto a China concentra-se na exportação de produtos industrializados”.

Publicação Dissertação: “Desindustrialização no Estado de São Paulo entre 1989 e 2010” Autor: Leonel Oliveira Mattos Orientador: Fernando Cezar de Macedo Mota Unidade: Instituto de Economia (IE)


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CARLOS ORSI carlos.orsi@reitoria.unicamp.br

sistema brasileiro de gestão do uso e ocupação da terra é caótico, com atribuições sobrepostas e isoladas entre órgãos das diversas esferas do governo que não compartilham integralmente as informações entre si, além de ser regido por uma legislação complexa, às vezes contraditória e de interpretação instável, disse o pesquisador Elyson Ferreira de Souza, autor da tese de doutorado “Os problemas fundiários do Acre: um estudo para uma melhor governança de terras”, defendida no Instituto de Economia (IE) da Unicamp. Para o autor, a principal contribuição do trabalho parte do conceito norteador de “governança de terras”. A governança da terra, resume ele, é “um conceito em que o conjunto de regras, processos e organizações pelo qual se determina o acesso e a gestão do uso da terra é decidido conjuntamente entre todos os setores da sociedade: governo, organizações não governamentais, setor privado e a sociedade civil.” O conceito de governança de terras foi primeiramente desenvolvido pelo Banco Mundial, e, a metodologia LGAF (sigla de “Land Governance Assessment Framework”, ou “Quadro de Avaliação da Governança da Terra”), específica para avaliação da governança fundiária e utilizada na tese, reuniu todas as organizações ligadas ao setor fundiário e, por meio de consenso, avaliou a governança de terras no Acre. A tese foi orientada pelo professor Bastiaan Philip Reydon.

Tese expõe problemas fundiários do Acre

Estudo do Instituto de Economia propõe melhor governança de terras Foto: Reprodução

BRASIL Parte da pesquisa envolveu um estudo histórico do quadro institucional brasileiro, a questão dos direitos de propriedade e a necessidade de governança fundiária num sistema regido pela economia de mercado. “É um desenho no qual as organizações fundiárias não conversam entre si. Temos diversas leis e instituições fundiárias que atuam e se sobrepõem”, disse o pesquisador. “Há uma histórica incapacidade do Estado em gerir suas terras, e os agentes especulativos se aproveitam disso obtendo ganhos extraordinários”. Souza cita o cenário de concentração fundiária existente no país, as elevadas extensões territoriais anualmente desmatadas, altos ganhos especulativos com terras e elevados conflitos fundiários. “Enquanto tudo isso acontece, administrativamente, cada instituição age para resolver seus problemas imediatos e terceiriza as dificuldades para as demais”, resumiu. A tese propõe um sistema institucional integrado, a exemplo do modelo holandês ou alemão. A despeito do foco no Acre, os problemas e soluções apontados na tese, diz o autor, são gerais: “Você pode pegar um Estado ou outro, os problemas fundiários se assemelham: no meio urbano, é o surgimento de bairros sem o menor planejamento e loteamentos clandestinos; no meio rural, é o caso de grilagem de terra, ou seja, a pessoa que se apropria de terra pública por não haver fiscalização ali – é muito corriqueiro isso, especialmente na Amazônia. E essas propostas de solução aos problemas fundiários sugeridos ao Acre podem ser aplicáveis a qualquer Estado brasileiro. Dependem de vontade política para implementá-las”.

SOLUÇÕES Para o problema da desarticulação das políticas sobre uso e gestão da terra, Souza propõe a criação de comissões municipais e estaduais. “Os problemas acontecem no município. E as comissões municipais e as estaduais seriam um ‘locus’ para que cada município ou associação de municípios, inclusive o Estado, possa discutir as questões de gestão e uso do solo”. Outra ideia obtida na pesquisa é a criação de um cadastro único, tanto para as terras públicas, como para as particulares, defendendo a integração das organizações governamentais com os cartórios com ampla transparência. Souza propõe “que seja criado um cadastro único para terras públicas, um cadastro único para terras privadas, sempre inserindo nisso os cartórios, porque são os cartórios que registram, que emitem os títulos. Temos muitos órgãos atuando, todos eles dispersos. A proposta desta tese é que trabalhem conjuntamente”.

O seringueiro e ambientalista Chico Mendes, cuja resistência resultou na implantação de reservas extrativistas no Acre Foto: Antoninho Perri

Elyson Ferreira de Souza, autor da tese de doutorado: “Há uma histórica incapacidade do Estado em gerir suas terras”

O pesquisador sugere, ainda, o estabelecimento de um centro de capacitação em assuntos fundiários para realização de pesquisas e capacitação de técnicos efetivos para as organizações. “A gente vê uma rotatividade muito grande nas organizações fundiárias, com diversos cargos comissionados, nomeados. Quando a pessoa finalmente pega ritmo, sabe o que está acontecendo, muda o governo, muda a equipe, perde-se a memória”. O centro de capacitação permitiria que os funcionários obtivessem preparação e chegassem a uma interpretação mais uniforme das regulamentações em torno da questão da terra. “Haveria seminários, reuniões, cursos e debates para que uma lei que vem sendo interpretada de uma forma por um órgão possa ser interpretada do mesmo modo por outro, para que haja uniformidade de interpretação, evitando conflitos interpretativos entre técnicos das organizações fundiárias”.

INTERESSES O caos institucional no setor fundiário “foi desenhado”, disse o pesquisador. “A literatura enfatiza que desde a lei de terras de 1850, a gente vê a formação de um conjunto de brechas de legislação que propicia a caótica situação fundiária do país. Hoje existem decisões sob demanda. O governo age quando provocado, quando há um grave conflito, uma denúncia, um caso que atinge a mídia”. O pesquisador aponta, ainda, o profundo desconhecimento do governo sobre a situação das terras no meio rural, principalmente na Amazônia. “Há uma falta de conhecimen-

to sobre o que se tem, falta de fiscalização da quantidade de terra, não se sabe hoje quanta terra devoluta há na Amazônia, e nem onde estas terras estão”, descreve. “Já os agentes especulativos sabem onde estão essas terras sem fiscalização. Eles se apropriam dessas terras, conseguem a emissão de títulos falsos, e se apropriam de milhões de hectares, é o caso das grilagens”, descreve. “Depois, essas pessoas têm ganhos astronômicos: apropriam-se de terra pública, desmatam e têm ganho econômico com a venda de madeira, depois vendem a terra desmatada para pastagem”. O cenário é de leis ultrapassadas, especulações fundiárias, males sociais e ambientais, conflitos por terras e incapacidade do Estado em gerir as terras, enumerou o pesquisador. “Terras desconhecidas, intervenção de agentes especulativos, uma concentração fundiária muito grande, derrubada de madeira para vender, expulsão de pessoas que estão ali, dos moradores tradicionais, o que desemboca em conflitos”, prosseguiu. “E aí o que se vê hoje é um cenário caótico das terras brasileiras, especialmente com a investida de agentes especulativos para se apropriar, seja para vender a terra, para explorar os recursos minerais, para vender madeira, ou explorar recursos hídricos... Então os interesses são vários. O que se tem hoje é uma falta de governança sobre as terras. Leis ultrapassadas, que se contradizem, e uma classe política que não está muito interessada em resolver o problema. Uma ou outra iniciativa é feita, mas com pouco fôlego, poucos recursos, equipe reduzida, como é o caso do Programa Terra Legal”.

ACRE O objetivo da pesquisa foi identificar o nível de governança nas terras do Acre, à luz da avaliação das organizações fundiárias do Estado, propondo políticas alternativas para os possíveis problemas encontrados. Para atingir aos objetivos da pesquisa, Souza buscou identificar quais os determinantes da complexa situação fundiária no Acre. O Estado do Acre, disse ele, foi escolhido como base para a tese por conta de uma série de características especiais. “O Acre é uma região de fronteira com Peru e Bolívia, e as terras que são hoje o Estado do Acre eram desses países; passou pela condição de Estado Independente de Galvez, depois de Plácido de Castro; foi Território Federal e por fim, foi elevado à categoria de Estado. Sendo expedidos títulos de posse de terras em todas estas situações”. O Estado também tem a peculiaridade de ser uma área de fronteira, com legislação específica para administração de terras. E foi palco de uma luta intensa contra o desmatamento e a apropriação de terras por especuladores, especialmente, nos anos de 1970. Souza cita os “empates”, quando ativistas se punham diante dos tratores e motosserras para evitar a derrubada da floresta, “empatando” o avanço do desmatamento. Desse movimento, participaram várias lideranças da academia, imprensa, igreja e movimentos sociais, incluindo Chico Mendes e Marina Silva. A partir disso tudo, algumas iniciativas interessantes surgiram, destaca o pesquisador, como a criação das Reservas Extrativistas, o pioneirismo na elaboração do Zoneamento Ecológico Econômico e a diminuição das áreas em conflito. “Contudo, a exemplo do que acontece em todo o país, ainda há muito que avançar para a efetiva governança de terras urbanas e rurais no Estado, como é o caso dos problemas de integração de ações e informações, e o compartilhamento disto com a sociedade”, afirma.

Publicação Tese: “Os problemas fundiários do Acre: um estudo para uma melhor governança de terras” Autor: Elyson Ferreira de Souza Orientador: Bastiaan Philip Reydon Unidade: Instituto de Economia (IE)


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Fronteiras do

preconceito Tese mostra como representações das línguas faladas no Paraguai e no Brasil podem alimentar estereótipos e interferir na construção da identidade Foto: Antonio Scarpinetti

momento em que as políticas linguísticas tornaram o português a língua oficial. Desenhou-se então o mito do país monolíngue, ignorando as línguas indígenas. a identidade paraguaia, persiste o reflexo da Guerra do ParaJá o guarani, no Paraguai, seguiu um caguai (1864-1870) como nação minho totalmente oposto com a ditadura de dizimada pelos brasileiros e Stroessner, que o estimulou como língua naque ainda sofre consequências cional porque tinha uma população campesidisso. O país tem seu nome associado à falna que falava a língua indígena. Reconhecer sificação, à criminalidade, ao não lugar, à não a língua dos que estavam à margem era uma originalidade, à terra de ninguém. Mas as forma de representatividade para exercer representações das línguas de fronteira são controle. reflexos de um contexto histórico e cultural Na década de 1970, começaram as polítique envolve relações de poder. Essa imagem cas linguísticas de escolarização do guarani. emanta políticas linguísticas e estereótipos Stroessner as iniciou pelas escolas militares. calcados em ideologias, produz efeitos negaEm 1989, ele foi deposto e, em 1992, em tivos e, muitas vezes, interfere na construção consequência das políticas de valorização do da identidade. guarani, o país se declarou país bilíngue: com Essas são algumas das conclusões do eso guarani e o espanhol. Hoje mais de 90% da tudo de doutorado do linguista Eli Gomes população paraguaia fala o guarani. Castanho denominado “Entre a tradição e Quando Eli perguntou aos paraguaios se o a tradução: representações sobre identidaguarani era uma língua ou dialeto, eles nem des e línguas na fronteira Brasil/Paraguai”, deixaram terminar a pergunta e responderam orientado pela professora Terezinha de Jesus que certamente era língua e prevalecia uma Machado Maher. O trabalho foi defendido recentemente no Instituto de Estudos da Linvisão de língua situada naquilo que é passível guagem (IEL). Nele, se discutiram as idende ser escolarizado. “Se não é escolarizado, tidades do Paraguai e do Brasil, e as línguas não é língua”, esclareceu. faladas no contexto fronteiriço, entre Ponta Quando chegou a vez de indagar aos braPorã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Parasileiros se o guarani continua sendo língua, guai), Departamento de Amambai. eles responderam que, para os paraguaios, No entender de Eli, é necessário evidensim. Para eles, não. Então é um objeto que se ciar a fronteira como um território com mais molda muito a uma imagem que se tem do recursos do que problemas. “Ser trilíngue dono da língua. (saber português, espanhol e guarani) é o Enquanto o Brasil teve uma política linmaior dos recursos que a fronteira pode ofeguística de extermínio, o Paraguai teve ourecer. Usar o guarani – língua oficial do Paratras intenções. A pesquisadora do IEL Caroguai – é uma experiência que a sua população lina Rodrigues, que estudou a construção do tem sabido tirar proveito, graças ao processo guarani como língua nacional, trabalhou com de escolarização e gramatização, a despeito a pergunta de “como essa imagem de símda cultura grafocêntrica.” bolo nacional foi construída para o guarani Professor do Instituto Federal de Educacomo objeto ditatorial de Stroessner?” Essa ção Ciência e Tecnologia do Mato Grosso do imagem, apurou ela, é muito focada na consSul (IFMS) desde 2011, o doutorando susO linguista Eli Gomes Castanho, autor da tese: “As identidades são muito dinâmicas e, por isso, uma pessoa trução de imagens de símbolos nacionais. E a tentou que caberá à educação problematizar não está sujeita a um só modo de ser, ainda mais quando não se vive em um único país” língua é um símbolo nacional. Isso reverbera as diferenças e colocá-las em jogo na escola, a na fala deles, notou o autor do estudo. fim de contribuir para um processo identitá“Dá-se a impressão de que o Brasil nem lembra da tica de obrigatoriedade do ensino de espanhol no ensino rio dos alunos e de quem vive na fronteira. “As identidades Guerra do Paraguai. Parece algo tão apagado”, comentou são muito dinâmicas e, por isso, uma pessoa não está sumédio da fronteira, os brasiguaios (brasileiros com famíEli. Já os paraguaios acabam usando um simulacro sobre jeita a um só modo de ser, ainda mais quando não se vive lias paraguaias) não sabem o espanhol até entrar na escola. como os brasileiros fazem e como eles veem. “Aqui falaem um único país.” O português, para os paraguaios, é visto como uma mos de Guerra do Paraguai e lá eles usam o termo Guerra No estudo, foram entrevistados seis universitários (três língua-trampolim para ascensão no Brasil, trazendo a posda Tríplice Aliança. É o discurso de quem perdeu a Guerra brasileiros e três paraguaios) para avaliar como as represibilidade de continuar estudos de pós-graduação e de indo Paraguai e o discurso da covardia de três países que se sentações da fronteira são construídas. A visão que se tem gresso no mercado de trabalho, mesmo no Paraguai, onde uniram contra ele.” dos brasileiros é a imagem da celebração da diferença, a presença de brasileiros é intensa na agropecuária. Ocorre O último capítulo da tese – “Decorrências de um olhar identidade que oculta um discurso conflituoso, que apareque muitos paraguaios que estudam agronomia vêm a nepara a fronteira” – lança um olhar sobre a diferença. “Nosce em vários momentos. cessidade de usar a língua portuguesa, ao passo que o brasa escola até ganhou um prêmio, no ano passado, por ser sileiro não escolhe o espanhol, e sim o inglês, como língua Ao se perguntar aos brasileiros e paraguaios se o guauma instituição promotora da igualdade de gênero, pela rani era uma língua ou um dialeto, alguns brasileiros disestrangeira. então Secretaria de Políticas das Mulheres”, revelou. “Mas, seram que era um dialeto, porque “não é puro”, porque Para alguns brasileiros, o guarani é “feio”, uma “língua ao problematizar a diferença, um tema como a invisibilida“é uma língua indígena” e uma série de categorias que o de bugre”, reforçando a ideia de uma representação pejorade se mostra, pois há uma forte tendência a tornar invisível minimizam, como o fato dos paraguaios não o escreverem. tiva. “Por que o Brasil não fala em massa nenhuma língua a diferença, uma vez que é confortável ocultar os conflitos. Eli constatou que “o guarani colheu flores no canhão da indígena?”, questionou o doutorando. “Temos quase 200 A diversidade não consiste só em abraçar. Está na alimenditadura do general Alberto Stroessner (de 1954 a 1989), línguas indígenas no país.” tação, no modo de ser, na linguagem.” que o ideal nacionalista latino-americano converteu o guaraEli considera fundamental que se façam intervenções A Universidade Nacional de Assunción atualmente tem ni ao longo dos anos em idioma nacional e, desde 1992, tem a partir da prática pedagógica para modificar estereótipos cursos de agronomia e de administração rural, e o Instituto sido ensinado nas escolas. O status de língua foi alterado”. historicamente construídos, além de tratar a questão da Federal oferece cursos de agronomia e agronegócio. “MiOs paraguaios dizem que o guarani é uma língua pordiversidade. Na fronteira, alguns professores brasileiros nha expectativa é que minha tese contribua para pensar que tem gramática, poesia, literatura. “Como no Brasil a comentaram que é muito difícil lidarem com crianças que em políticas de intercâmbio entre instituições”, propôs. língua de origem indígena não goza do mesmo status, creio falam o guarani como língua materna, como se isso fosse “No nosso Instituto, temos uma aluna que pesquisa planque nosso estudo serve como um estímulo para valorizar tas medicinais do Paraguai, não conhecidas no Brasil. Este um grande problema. práticas orais em guarani em ambos os países. O mesmo é um modo de dar visibilidade à diversidade e destacar os pode ser dito do espanhol porque muitas vezes, embora pontos salientes que, com certeza, aquele país possui.” POLÍTICAS a família o conheça, os filhos não se dizem falantes dessa língua”, afirmou o doutorando. Existe hoje em dia uma retomada da memória da Guerra do Paraguai. O paraguaio se mostra ressentido. Alguns até De acordo com ele, o espanhol foi implantado no PaPublicação usaram essa palavra por causa das mortes que essa guerra raguai como língua castelhana. O termo espanhol surgiu trouxe. Também se ressentem da imagem criada na mídia no século 20. Isso fez com que a representação de uma da pirataria. Apesar desse ressentimento, a maioria ainda língua Ibero-Americana fosse vista como língua diferente. Tese: “Entre a tradição e a tradução: representações soenxerga o brasileiro como um povo alegre e desinibido. Também chamou a atenção que o castelhano não é só visto bre identidades e línguas na fronteira Brasil/Paraguai” como uma língua latina-americana pelos paraguaios. É a Um ponto chave, considerou o pesquisador, foi a queslíngua da escola, enquanto o espanhol é reputado como a Autor: Eli Gomes Castanho tão da escolarização das línguas indígenas. No Brasil, houlíngua do dia a dia. ve um movimento contrário a esse processo que remonta à Orientadora: Terezinha de Jesus Machado Maher Os rótulos espanhol e castelhano não são tão claros época do Marquês de Pombal, no século 18. Ele expulsou Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) no Brasil, garantiu Eli, porém espanhol e castelhano são a os jesuítas que faziam um trabalho educativo com os inmesma coisa. Observa-se que, em razão da política linguísdígenas, para instituir a educação laica. Houve ainda um ISABEL GARDENAL bel@unicamp.br


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Painel da semana 

Painel da semana  Ciência & Artes nas Férias - A Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da Unicamp recebe, de docentes e pesquisadores da Universidade, projetos para a edição de 2017 do Programa Ciência & Artes nas Férias (CAF). Eles devem ser submetidos ao Fundo de Apoio ao Ensino, à Pesquisa e à Extensão (Fapex/PRP), até 12 de setembro. As escolas das Diretorias de Ensino (Leste e Oeste) de Campinas e as da Rede Pública de Ensino Médio dos municípios de Limeira e de Piracicaba também já podem efetuar a inscrição dos estudantes. Mais detalhes no link http://www.unicamp.br/unicamp/ eventos/2016/08/08/prp-recebe-projetos-e-inscricoes-para-o-cienciae-artes-nas-ferias  Conversas Bordadas da Unicamp - Evento acontece no dia 15 de agosto, a partir das 9h30 no Espaço Cultural Casa do Lago. Gratuito, o encontro contará com conferências de profissionais da área, desfile, oficinas práticas de bordado e exposição de trabalhos. O objetivo é compartilhar a síntese dos resultados dos três anos de realização do projeto Oficinas Motivacionais de Bordado da Unicamp. Este projeto atende pessoas em tratamento na área da saúde, seus acompanhantes, funcionários e comunidade de Campinas e região. Diversas oficinas foram realizadas em universidades públicas, formando multiplicadores em diversos seguimentos educacionais e institucionais. A programação completa está disponível no link http:// www.cac.preac.unicamp.br/wp-content/themes/busybee/images/programacao.pdf. No dia 15, às 19 horas, no mesmo local, está previsto o lançamento do livro Milagres Bordados, de Tereza Barreto.  Educação Inclusiva - O Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED) e o Departamento de Ensino e Práticas Culturais (DEPRAC) organizam no dia 15 de agosto, às 19 horas, na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, o Seminário Internacional de Educação Inclusiva “Cenários atuais do Brasil e Portugal”. O objetivo do evento é discutir e refletir sobre a visão portuguesa e a brasileira sobre a inclusão, com ênfase na educação, dados os avanços desses países na implementação do movimento inclusivo. O público-alvo são alunos, professores e pesquisadores. Mais detalhes pelo telefone 19-3521-5564 ou e-mail eventofe@unicamp.br  Conferência Internacional da IASTED - A Unicamp sediará no seu Centro de Convenções de 16 a 18 de agosto deste ano a 6ª Conferência Internacional da IASTED sobre Modelagem, Simulação e Identificação (MSI 2016) e a 15ª Conferência Internacional IASTED em Sistemas Inteligentes e Controle (ISC2016). Os eventos, que integram parte das comemorações dos 50 anos da Unicamp, servirão como fóruns para troca de ideias, tecnologias e pesquisa entre cientistas, engenheiros e profissionais interessados. Mais informações: http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2016/02/18/unicamp-sediadois-eventos-de-nivel-internacional-em-agosto  OBR - A modalidade teórica da Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR) terá, pela primeira vez, ainda este ano, uma segunda fase prevista inicialmente apenas aos alunos do ensino médio. Ela será aplicada no dia 19 de agosto, em universidades e centros de pesquisa espalhados pelo país. Leia mais no link http://www.unicamp.br/unicamp/ eventos/2016/06/23/modalidade-teorica-da-obr-sera-em-19-de-agosto  Medalha J. J. Thomson - O professor da Unicamp Marcos Nogueira Eberlin será o primeiro cientista sul-americano a receber a

Teses da semana 

medalha J. J. Thomson, conferida bianualmente pela Fundação Internacional de Espectrometria de Massa (IMSF, na sigla em inglês). A escolha de Marcos Eberlin foi feita após votação dos representantes de 39 sociedades de espectrometria de massa afialidas. Conforme a IMSF seu nome foi escolhido entre 17 candidatos indicados graças aos relevantes serviços para o desenvolvimento e propagação da espectrometria de massas. A medalha será entregue em agosto na cidade de Toronto, no Canadá, durante a 21ª Conferência Internacional de Espectrometria de Massas. Leia mais no site http://www.imsc2016.ca/

Teses da semana  Artes: “Entrelinhas do corpo [no espelho]: meios, referências e estímulos ao processo criativo” (doutorado). Candidata: Natália Fernandes Brescancini. Orientadora: professora Lygia Eluf. Dia 15 de agosto de 2016, às 13 horas, na sala AP10 do DAP do IA.  Ciências Aplicadas: “Linchamentos virtuais: paradoxos nas relações sociais contemporâneas” (mestrado). Candidata: Karen Tank Mercuri Macedo. Orientadora: professora Carolina Cantarino Rodrigues. Dia 15 de agosto de 2016, às 10 horas, no auditório UL70A da FCA.  Ciências Médicas: “O Raciocínio Clínico em prática de enfermaria: o uso da ferramenta IDEA, da avaliação de competências e do Teste de Concordância de Script” (mestrado). Candidata: Sandra R. S. Gasparini. Orientadora: professora Simone Appenzeller. Dia 15 de agosto de 2016, às 9 horas, no anfiteatro da CPG da FCM. “Visão de professores e equipe de saúde sobre a atuação da Fonoaudiologia na Educação Infantil” (mestrado). Candidata: Thais Fernanda Oliveira Rolim de Moura. Orientadora: professora Irani Rodrigues Maldonade. Dia 16 de agosto de 2016, às 9 horas, no anfiteatro da CPG da FCM. “Disartria e qualidade de vida em pacientes com esclerose lateral amiotrófica” (mestrado). Candidato: Lavoisier Leite Neto. Orientadora: professora Ana Carolina Constantini. Dia 17 de agosto de 2016, às 9 horas, na sala da congregação da FCM. “Fatores associados à variação no comprimento e diâmetro vaginal após radioterapia pélvica” (mestrado). Candidata: Jumara Martins. Orientador: professor Luiz Francisco Cintra Baccaro. Dia 18 de agosto de 2016, às 14 horas, no anfiteatro Kazue Panetta da FCM. “Apego materno em situações de risco: concepções de puérperas e da equipe de enfermagem” (mestrado). Candidata: Thamires Gonçalves Vechiato. Orientadora: professora Cecília Guarnieri Batista. Dia 18 de agosto de 2016, às 14 horas, na sala laranja da CPG da FCM. “A vivência de mães desde o diagnóstico pré-natal da fissura labiopalatina em seus filhos até a realização da primeira cirurgia reparadora” (mestrado). Candidata: Marina Cruvinel Macedo. Orientador: professor Roberto Benedito de Paiva e Silva. Dia 19 de agosto de 2016, às 9 horas, no anfiteatro da Pós-graduação da FCM.  Computação: “Análise estatística da evolução por rearranjo de genomas” (doutorado). Candidata: Priscila do Nascimento Biller. Orientador: professor João Meidanis. Dia 15 de agosto de 2016, às 14 horas, no auditório do IC2 do IC.

Eventos futuros 

“PTB: uma abordagem integrada de alocação de páginas, threads e banda para arquiteturas NUMA” (mestrado). Candidato: Martin Ichilevici de Oliveira. Orientador: professor Guido Costa Souza de Araújo. Dia 18 de agosto de 2016, às 14h30, no auditório do IC 2 do IC.  Engenharia de Alimentos: “Avaliação de estratégias tecnológicas para redução de sódio em produtos cárneos emulsionados orientadas pela percepção do consumidor” (doutorado). Candidata: Maria Teresa Esteves Lopes Galvão. Orientadora: professora Marise Aparecida Rodrigues Pollonio. Dia 15 de agosto de 2016, às 14 horas, no anfiteatro ll do DTA da FEA. “Farinha de casca de maracujá amarelo (Passiflora Edulis): efeito no stresse oxidativo da obesidade e na proliferação de células tumorais” (doutorado). Candidata: Milena Morandi Vuolo. Orientador: professor Mario Roberto Marostica Junior. Dia 15 de agosto de 2016, às 14 horas, no anfiteatro do DEPAN da FEA. “Efeitos do processos de maturação úmido e seco e suas combinações nos atributos físicos, químicos e sensoriais em filé de costela bovino” (mestrado). Candidato: Gustavo de Faria Vilella. Orientador: professor Sérgio Bertteli Pflanzer Júnior. Dia 17 de agosto de 2016, às 14 horas, no anfiteatro 2 do DTA da FEA. “Potencial de minerais em resíduo de frutas cítricas e estimativa da bioacessibilidade de cálcio, ferro e magnésio” (mestrado). Candidata: Joyce Grazielle Siqueira Silva. Orientadora: professora Juliana Azevedo Lima Pallone. Dia 19 de agosto de 2016, às 14 horas, no auditório do DCA da FEA. “Concentração de compostos bioativos de resíduos de mirtilo (Vaccinium Myrtillus L.) usando extração com CO2 supercrítico e nanofiltração” (doutorado). Candidata: Juliana Paes. Orientador: professor Julian Martínez. Dia 19 de agosto de 2016, às 14 horas, na sala 31 DEA da FEA.  Engenharia Elétrica e de Computação: “Análise e implementação de uma arquitetura iterativa com sub-pipelining de 3 estágios e datapath de 32 bits para um co-processador AES-128” (mestrado). Candidato: Júlio Cesar Soares Américo Filho. Orientador: professor Luís Geraldo Pedroso Meloni. Dia 15 de agosto de 2016, às 10 horas, na sala PE11 do prédio da CPG da FEEC.  Geociências: “Tecnologia assistiva como política pública: inclusão na agenda de pesquisa e coprodução com o usuário” (mestrado). Candidato: Rafael Giglio Bueno. Orientadora: professora Milena Pavan Serafim. Dia 16 de agosto de 2016, às 9 horas, no auditório do IG. “A controvérsia da neutralidade da rede no Marco Civil da Internet no Brasil” (doutorado). Candidato: Vinicius Wagner Oliveira Santos. Orientador: professor Marko Synésio Alves Monteiro. Dia 26 de agosto de 2016, às 14 horas, na sala A do DGRN do IG. “O centro está nas margens: os circuitos da economia urbana no eixo rodoviário Natal-Caicó (RN)” (doutorado). Candidato: Diego Salomão Candido de Oliveira Salvador. Orientador: professor Márcio Antonio Cataia. Dia 17 de agosto de 2016, às 13 horas, na sala EB01 do IG. “Detecção indireta de contaminação no solo por hidrocarbonetos líquidos a partir de alterações espectrais de culturas vegetais” (doutorado). Candidata: Salete Gürtler. Orientador: professor Carlos Roberto de Souza Filho. Dia 17 de agosto de 2016, às 14 horas, na sala A do DGRN do IG. “Mapeamento de áreas vulneráveis a movimentos de massa no município de Ubatuba – SP” (mestrado). Candidata: Camila Fabiana da Silva. Orientadora: professora Regina Célia de Oliveira. Dia 18 de agosto de 2016, às 14 horas, na sala A do DGRN do IG.

Destaque do Portal 

“Práticas de inovação aberta na indústria petroquímica brasileira: o caso da Braskem” (mestrado). Candidata: Bruna Alves Bueno. Orientador: professor Ruy de Quadros Carvalho. Dia 18 de agosto de 2016, às 14 horas, no auditório do IG.  Linguagem: “Respiração e pensamento - A abertura da escrita na obra de Jean-Luc Nancy” (doutorado). Candidata: Paola Sanges Ghetti. Orientador: professor Marcos Antonio Siscar. Dia 16 de agosto de 2016, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “A (re)invenção de uma bailarina: Um acidente...Um corpo...Uma dança” (doutorado). Candidata: Nara Pratta. Orientadora: professora Nina Virgínia de Araújo Leite. Dia 17 de agosto de 2016, às 9 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “Uma análise de necessidades de uso da língua inglesa por Oficiais Aviadores do Esquadrão de Demonstração Aérea da Força Aérea Brasileira” (mestrado). Candidata: Ana Lígia Barbosa de Carvalho e Silva. Orientadora: professora Matilde Virginia Ricardi Scaramucci. Dia 17 de agosto de 2016, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “Considerações sobre a narrativa histórica em “Mensagem” de Fernando Pessoa e em “A vida de Nun’Álvares” de Oliveira Martins” (doutorado). Candidato: Renato Salgado de Melo Oliveira. Orientador: professor Paulo Elias Allane Franchetti. Dia 18 de agosto de 2016, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “Letramentos e projetos colaborativos no ensino de língua inglesa do ProFIS” (mestrado). Candidata: Luciana Vasconcelos Machado. Orientadora: professora Cláudia Hilsdorf Rocha. Dia 19 de agosto de 2016, às 9h30, na sala de defesa de teses do IEL. “Objetos digitais de aprendizagem para ensino de literatura em repositórios públicos brasileiros” (doutorado). Candidata: Marly Aparecida Fernandes. Orientadora: professora Roxane Helena Rodrigues Rojo. Dia 19 de agosto de 2016, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL. “Bastidores lobatianos da descoberta do petróleo em solo brasileiro” (doutorado). Candidata: Kátia Nelsina Pereira Chiaradia. Orientadora: professora Marisa Philbert Lajolo. Dia 19 de agosto de 2016, às 14 horas, na sala de defesa de teses do IEL.  Odontologia: “Dosimetria em tomografia computadorizada de feixe cônico com diferentes protocolos” (doutorado). Candidata: Helena Aguiar Ribeiro do Nascimento. Orientadora: professora Deborah Queiroz de Freitas França. Dia 16 de agosto de 2016, às 9 horas, na Congregação da FOP. “Influência da desinfecção por energia de microondas em biofilme multiespécies sobre próteses totais” (mestrado). Candidato: André Gazetta de Moraes. Orientador: professor Wander José da Silva. Dia 19 de agosto de 2016, às 8h30, no anfiteatro 4 da FOP. “Otimização da captura e análise das bandas de Hunter-Schreger para identificação humana” (mestrado). Candidata: Zulieth Del Carmen Lopez Arrieta. Orientador: professor Sergio Roberto Peres Line. Dia 19 de agosto de 2016, às 9 horas, na sala de seminários do Depto. de Morfologia da FOP.  Química: “Dispositivos microfluídicos combinado aprisionamento por dieletroforese e detecção por SERS” (mestrado). Candidata: Gabriela Brito Almeida. Orientador: professor José Alberto Fracassi da Silva. Dia 16 de agosto de 2016, às 14 horas, no miniauditório do IQ. “Espectroscopia terahertz: instrumentação e aplicações” (doutorado). Candidato: Francisco Senna Vieira. Orientador: professor Celso Pasquini. Dia 18 de agosto de 2016, às 9 horas, no miniauditório do IQ.

Destaque do Portal

Vestibular amplia conteúdo Unicamp abriu no último dia 8 as inscrições para o Vestibular 2017. Este ano, a principal novidade é a ampliação do número de questões de caráter interdisciplinar – passam de 4 para 12 – na primeira fase, que ocorrerá em 20 de novembro. Nesta etapa, os vestibulandos responderão a 90 questões objetivas de Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciências Biológicas, Física, Química e Inglês. Na segunda fase, que ocorrerá nos dias 15, 16 e 17 de janeiro de 2017, os candidatos continuarão respondendo a 6 questões discursivas por prova. Outra novidade do Vestibular 2017 será a ampliação da abrangência do Programa de Ação Afirmativa para Inclusão Social (PAAIS). A partir deste ano, além dos candidatos que cursaram o ensino médio integralmente em escolas da rede pública de ensino no Brasil, aqueles candidatos que concluíram o ensino médio pelo Enem também poderão beneficiar-se da pontuação do PAAIS, de acordo com as regras estabelecidas no Edital do Vestibular. O PAAIS prevê a adição de 60 pontos à nota da primeira fase do Vestibular e mais 20 pontos para candidatos que se autodeclararem pretos, pardos ou indígenas e que também tenham cursado escola pública. Além da bonificação na primeira fase, os candidatos que passarem para a segunda fase têm mais 90 pontos na prova de redação e outros 90 nas demais provas da segunda fase. Candidatos que se autodecla-

O pró-reitor de Graduação, professor Luis Alberto Magna: “Nossa expectativa é de que cheguemos a um número de candidatos semelhante ao do exame passado, que foi de 77 mil”

rarem pretos, pardos ou indígenas têm mais 30 pontos na segunda fase, além dos 90, totalizando 120 pontos. Além disso, segundo o coordenador executivo da Comvest, professor Edmundo Capelas de Oliveira, antes da primeira fase haverá prova de Habilidades Específicas exclusivamente para os candidatos ao curso de Música. Eles deverão enviar entre os dias 2 e 9 de setembro, via internet, vídeos com suas apresentações. Em relação aos demais cursos que exigem habilidades específicas (Arquitetura e Urbanismo, Artes Cênicas, Artes Visuais e Dança), essas provas ocorrerão no período de 23 a 26 de janeiro de 2017. Nesta edição, o Vestibular da Unicamp será levado a mais quatro cidades: Botucatu, Bragança Paulista, Marília e Registro.

MATRÍCULA

O coordenador executivo da Comvest, professor Edmundo Capelas de Oliveira: prova de Habilidades Específicas exclusivamente para os candidatos ao curso de Música

A divulgação da primeira chamada para matrícula não presencial será feita no dia 13 de fevereiro. A matrícula da primeira chamada, também não presencial, ocorrerá em 14 e 15 de fevereiro. O Vestibular Unicamp 2017 oferecerá 3.330 vagas distribuídas em 70 cursos. “Nossa expectativa é de que cheguemos a um número de candidatos semelhante ao do exame passado, que foi de 77 mil”, estimou o pró-reitor de Graduação da Universidade, professor Luis Alberto Magna. As inscrições poderão ser feitas até 1º de setembro, exclusivamente pela internet. A taxa de inscrição é de R$ 160 e deverá ser paga até dia 2 de setembro. (Manuel Alves Filho)


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Pesquisadora testa técnicas de microencapsulação de probióticos e prebióticos para alimentos funcionais

Microgéis na ‘receita’ Foto: Antonio Scarpinetti

CARMO GALLO NETTO carmo@reitoria.unicamp.br

consumo de alimentos funcionais tem se intensificado nos últimos anos. Eles se distinguem por propriedades benéficas à saúde, melhorando as funções fisiológicas, potencializando o valor nutricional dos alimentos, auxiliando o equilíbrio e a atividade da microbiota intestinal, reduzindo o risco de determinadas doenças. Probióticos e prebióticos são exemplos de ingredientes funcionais que vêm sendo empregados pela indústria de alimentos com vistas à oferta de produtos mais saudáveis, nutritivos e funcionais. Entretanto, as condições de processamento, armazenamento e ingestão dos alimentos em que os probióticos são adicionados podem provocar uma redução em sua viabilidade, fazendo com que não alcancem o sítio de ação em quantidades adequadas para conferir benefícios desejados. Neste contexto, o acondicionamento em sistemas de microencapsulação oferece proteção, além de proporcionar a liberação controlada deste ativo no local de atuação. Com o objetivo de conferir maior resistência a estes microrganismos ao longo dos processos de produção e armazenamento e garantir ainda sua atuação no intestino, onde devem chegar em quantidades adequadas, vêm sendo utilizadas técnicas de microencapsulação, que consistem em revestir materiais de interesse, proporcionando proteção às condições adversas a que são expostos. Nessa direção se orientou o trabalho desenvolvido pela mestra em engenharia de alimentos Karen Cristina Guedes Silva, no Laboratório de Engenharia de Processos, orientada pela professora Ana Carla Kawazoe Sato, do Departamento de Engenharia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp. Em sua dissertação, Karen avalia a influência da adição de prebióticos e probióticos na produção de microgéis de alginato e gelatina e também a eficiência da técnica de encapsulação na sobrevivência e viabilidade dos microrganismos probióticos encapsulados isolada e conjuntamente com prebióticos. Ela estuda ainda a viabilidade e a cinética de liberação dos microrganismos probióticos após a passagem pelos fluidos gástricos e intestinais por simulação in vitro, além de avaliar a estabilidade e viabilidade dos probióticos microencapsulados adicionados em iogurte ao longo de 28 dias de armazenamento. A microencapsulação é uma técnica que permite proteger compostos de interesse utilizando diferentes tipos de materiais poliméricos, convertendo-os em produtos de maior conveniência e aplicabilidade, além de possibilitar sua liberação controlada e melhorar a biodisponibilidade dos ativos, sendo largamente empregada pela indústria farmacêutica. A microencapsulação voltada para aplicação em alimentos deve garantir a utilização de polímeros biodegradáveis, pois estes não apresentam toxicidade e degradam-se em determinadas condições.

Publicação Dissertação: “Produção de microgéis simbióticos de gelatina-alginato e simulação da liberação controlada em condições gastrointestinais” Autora: Karen Cristina Guedes Silva Orientadora: Ana Carla Kawazoe Sato Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) Financiamento: CNPq e Faepex

A professora Ana Carla Kawazoe Sato, orientadora, e Karen Cristina Guedes Silva, autora do estudo: para além da pesquisa básica

A microencapsulação de compostos ativos apresenta grande potencialidade na indústria de alimentos e, por isso, estudos que visam a melhoria de processos, a caracterização da cinética de liberação, através de testes de simulação in vitro das condições gastrointestinais e viabilidade, podem contribuir para evolução do setor e possibilitar sua aplicação em escala industrial em alimentos diversificados.

O QUE FOI FEITO Primeiramente, a pesquisadora selecionou uma combinação de biopolímeros e produziu a partir destes as soluções biopoliméricas que dariam origem aos microgéis. Na solução formada a partir dos biopolímeros foram adicionados o probiótico e o prebiótico. Mas antes disso, a pesquisadora avaliou diferentes concentrações de prebióticos a serem adicionadas à matriz biopolimérica para determinar aquela que pro-

porcionaria a formação de microgéis mais resistentes. Nos testes preliminares foram avaliadas então propriedades reológicas como viscosidade e textura, para que pudesse ser definida a concentração ótima do prebiótico mais adequada à encapsulação. A partir então da solução dos biopolímeros que continha o probiótico e o prebiótico produziram-se os microgéis, que foram caracterizados por microscopia eletrônica e ótica, para determinar a distribuição do probiótico na cápsula, além do tamanho das partículas formadas. Constatou-se a sua dispersão em todo o interior do invólucro, embora parte dele possa dispor-se na superfície. A propósito, a pesquisadora explica: “Visto que o prebiótico melhora a atuação do microrganismo ativo, optamos por produzir microgéis simbióticos, para poder avaliar inclusive essa ação conjunta. Com a microencapsulação, pretendíamos que o probiótico resistisse à passagem pelo

O que são e como agem Os probióticos são microrganismos vivos presentes naturalmente na flora intestinal, sendo essenciais à manutenção do equilíbrio desta microbiota para garantir uma vida saudável. Fatores como alimentação desequilibrada, uso de antibióticos, entre outros, podem reduzir o número de bactérias benéficas e aumentar a proliferação de bactérias indesejáveis nessa flora. A suplementação de probióticos em quantidades adequadas nos alimentos possibilita a recomposição da microbiota intestinal, conferindo benefícios à saúde dos consumidores. Estudos mostram que a capacidade de sobrevivência de bactérias probióticas durante os processos de produção, período de armazenamento e trânsito no trato gastrointestinal é baixa. Isso decorre de vários fatores, como condições ácidas a que são expostas, presença de sais biliares, temperatura, entre outros. Produtos que associam probióticos e prebióticos são conhecidos como simbióticos. Como o próprio nome indica, a associação proporciona uma relação de simbiose, em que os prebióticos potencializam a sobrevivência e a colonização de bactérias probióticas, por atuarem como substrato, ou seja, fonte de energia para os probióticos. Na realidade os prebióticos são componentes alimentares não digeríveis, como fibras, que apresentam maior poder de atividade no

intestino grosso ao serem metabolizadas pelos probióticos, afetando beneficamente os consumidores, por estimularem seletivamente a proliferação e a atividade das bactérias benéficas no cólon e inibir a multiplicação de patógenos. Os prebióticos são componentes alimentares essenciais, por atuarem como substrato para a proliferação de Lacibacillus e Bifidobacterium, sendo responsáveis, juntamente com os probióticos, pelo aumento na absorção de água pelas paredes intestinais, nutrição das células do cólon, propiciando aumento do volume fecal e redução do tempo de trânsito intestinal, além de estarem associados à redução no risco de doenças colorretais, infecções e intolerância a lactose. Devido à baixa viabilidade dos microrganismos probióticos frente às condições digestivas, o uso de técnicas de microencapsulação torna-se uma alternativa para o problema. A microencapsulação constitui um processo em que partículas são incorporadas em uma matriz que proporciona uma barreira física para o material aprisionado, oferecendo proteção, reduzindo a permeabilidade e exposição do ativo durante sua exposição a condições que não lhe são propícias. Visto que a ação dos probióticos se dá no intestino, os sistemas matriciais para a veiculação destes compostos devem ser resistentes à passagem pelo estômago, devido às condições de elevada acidez.

trato gástrico, ao qual é sensível, chegando ao intestino, local em que a desintegração da cápsula deve ocorrer para que o ativo seja liberado, exercendo assim sua ação”. Após a caracterização dos microgéis, a etapa seguinte concentrou-se na viabilidade de sua aplicação. Nessa fase a pesquisadora produziu um iogurte e avaliou nele o comportamento dos sistemas de encapsulação por 28 dias, a 4º C, período em que um alimento com adição de probióticos deve manter-se ativo, a fim de ser caracterizado como um alimento funcional. O que efetivamente verificou-se com o microrganismo encapsulado. No passo seguinte foram realizadas as simulações gastrointestinais in vitro. Para tanto, os microgéis foram adicionados em soluções que simulavam as condições gástricas e intestinais para avaliar como seria a liberação do ativo após seu consumo.

RESULTADOS Para estas simulações foram utilizadas três formulações: a adição de probiótico livre, do microgel contendo apenas o probiótico e do microgel constituído por ele e pelo prebiótico. Na estocagem do iogurte os resultados mostraram-se melhores no caso dos microgéis simbióticos, o que era esperado, uma vez que o prebiótico atua como fonte de substrato para o microrganismo, fazendo com que ele se mantenha ativo. Em relação à simulação in vitro observou-se que os microgéis resistiram bem à passagem pelo trato gástrico. No entanto, os microgéis simbióticos foram mais resistentes, sendo capazes de liberar o probiótico por uma extensão maior do intestino. Neste caso, em condições intestinais, observou-se uma ruptura progressiva dos microgéis, proporcionando uma liberação gradual dos microrganismos no sítio de ação desejado. Em última análise, a encapsulação permite a utilização de menor quantidade de microrganismos nos alimentos para atingir atividade semelhante à empregada em suas formas livres em produtos alimentícios. No laboratório essa tecnologia está sendo testada em produtos lácteos. Visando ainda o universo de pessoas que não podem consumir estes produtos, a professora Ana Carla lembra que, em projeto com a Embrapa-RJ, estão sendo desenvolvidos também estudos, dentro da mesma linha de pesquisa, com vistas a estender a aplicação para produtos não lácteos, caso dos sucos. E conclui: “Com a utilização deste microgel em diferentes alimentos, procuramos viabilizar aplicações práticas, indo além da pesquisa básica, o que certamente abrirá novos espaços para as indústrias de alimentos, propiciando maiores benefícios para os consumidores”.


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Foto: Reprodução

PATRÍCIA LAURETTI patricia.lauretti@reitoria.unicamp.br

Brasil produzia demais. No início do século 20, o café era não só o principal produto de exportação, mas o verdadeiro motor para o desenvolvimento do país. Mas o Brasil produzia com qualidade de menos. E, por esta razão, após a crise de 1929 e a superprodução de café brasileiro, não havia muito o que fazer a não ser investir em ciência e tecnologia. O entendimento do governo de Getúlio Vargas era de que somente melhorando a qualidade do produto seria possível competir com o café colombiano, por exemplo, tido até os dias de hoje como superior ao produzido no Brasil. A investigação desse período histórico foi feita pelo pesquisador Jefferson de Lara Sanches Júnior e passa pela criação da primeira estação experimental do governo federal específica para o estudo do café do Brasil, instalada na cidade de Botucatu (SP), em 1934. A estação existiu até a década de 1970, quando foi transformada em campus da Unesp. A pesquisa de mestrado de Jefferson, desenvolvida no Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp e orientada pela professora Cristina de Campos, deu origem ao livro “A Encyclopédia viva da moderna cultura cafeeira no Brasil” lançado recentemente. Algumas estações experimentais, que eram institutos de pesquisa e extensão vinculados à Federação, já existiam no país desde o começo do século, porém em localidades consideradas de menor relevância no contexto político da República Velha, em Estados do Nordeste ou Rio de Janeiro. Predominava, na Primeira República, a ideia de descentralização política, que dava poder aos Estados frente ao governo federal, sobretudo Minas Gerais e São Paulo com a política que ficou conhecida como a do “café com leite”. “A centralização política volta com Getúlio Vargas e vai se refletir nas esferas econômica e de ciência e tecnologia para a agricultura. O governo federal passa a centralizar todos os esforços para criar uma política para a cafeicultura”, assinala o autor. Segundo Jefferson, a Estação Experimental de Botucatu também seria criada para oferecer uma contrapartida aos paulistas derrotados em 1932 na chamada Revolução Constitucionalista. “Embora tenha sido criada em 1934, a gênese da estação é anterior e tratava-se de uma ideia dos paulistas”, afirma Jefferson. A cafeicultura se mantinha em pé nos momentos de crise graças a intervenções macroeconômicas que regulavam o mercado. Houve as “cotas de sacrifício” que destinavam nada menos que 40% da produção à queima. “Entre 1932 e 1944 foram queimadas 75 milhões de sacas de café, que correspondem a até quatro anos de safra”, com-

Fazenda Lageado, onde funcionou a estação Experimental de Botucatu: novas técnicas e metodologias na produção de café

plementa. E mesmo anos depois da criação da estação de Botucatu, a verdadeira saída para o café foi a compra de cotas pelos Estados Unidos no contexto da Segunda Guerra, dentro da política para a conquista de aliados entre os países latino-americanos e a diminuição de impostos que taxavam o produto em 1937. A criação da estação experimental se configurou em um apelo à ciência e tecnologia em um breve espaço de tempo. “O que me chamou a atenção, quando comecei a pesquisar os documentos da estação, foi que havia muito entusiasmo das pessoas envolvidas. Vê-se que eles acreditavam que aquela seria uma das soluções para a cafeicultura, mas em 1943/1944 há uma mudança. A partir da década de 1940 ocorre um esforço maior da diversificação da nossa pauta agrícola”. Enquanto durou a proposta de melhorar a qualidade do produto brasileiro por meio da ciência e da tecnologia, o pessoal da estação de Botucatu fez várias tentativas para aprimorar a bebida nacional. “Devemos lembrar que a década de 1930 marca o início de um esforço destinado à consolidação de uma política de industrialização no Brasil e, portanto, a agricultura passa a ser olhada como setor que fornece insumos para a indústria. As estações até tinham a função de proporcionar uma maior diversificação da agricultura e que o café deixasse um pouco de ser o centro das atenções, mas isso não seria feito de uma hora para outra. Por alguns anos, o café ainda manteria seu protagonismo”. O título do livro, “A encyclopédia viva da moderna cultura cafeeira no Brasil”, é derivado de frase dita pelo então Ministro da Agricultura, Odilon Braga, no momento de sua criação, e retratava as intenções e a

grandeza contida na proposta desse instituto de pesquisa para a cafeicultura nacional. Novas técnicas, metodologias e caminhos para a produção de um café de melhor qualidade foram testados pela estação de Botucatu. Caravanas de pesquisadores foram até a América Central, em países como a Colômbia ou a Costa Rica, para estudar os métodos de produção. “Um deles foi a técnica do sombreamento. Entendia-se que o café que crescia na sombra de outras árvores produziria mais frutos para serem colhidos no ponto de cereja, que era considerado o de melhor maturação. Com o tempo ficou comprovado que a sombra não só não ajudava como acabava favorecendo o aparecimento de pragas como a broca”. Outras pesquisas desenvolvidas em Botucatu eram relacionadas à hibridização de espécies, testes de curvas de nível, testes com fertilizantes e podas.

OCUPAÇÃO A pesquisa realizada por Jefferson também concluiu que a instalação da estação experimental de Botucatu foi um reflexo da ocupação do Estado de São Paulo na época e da expansão da cafeicultura. “O Instituto Agronômico de Campinas (IAC) nasceu ainda no Império e tinha como finalidade atender o Oeste histórico do Estado, que margeia Minas Gerais. Botucatu se insere em outro contexto, cuja fronteira agrícola iria mais para o oeste geográfico com direção ao norte do Paraná. Era uma cidade de ‘boca de sertão’ onde terminava a ocupação do homem branco. Ou seja, Botucatu era o ponto de partida para povoar todo o restante do Estado de São Paulo”. A região a ser explorada compreendia cidades como Bauru,

Foto: Divulgação

Jefferson de Lara Sanches Júnior, autor do livro: “A estação deveria oferecer assessoria técnica às regiões que produziam muito, mas com pouca qualidade, em contrapartida à região da Mogiana, que produzia cafés de melhor qualidade”

Marília, Ourinhos ou Assis. “A estação deveria oferecer assessoria técnica às regiões que produziam muito, mas com pouca qualidade, em contrapartida à região da Mogiana, que produzia cafés de melhor qualidade”. A ideia é reforçada pela instalação no período de usinas para beneficiar o café de forma mais eficiente e também laboratórios de amostragem do que estava sendo produzido. Enfim, um polo científico para a cafeicultura que entrou em declínio antes mesmo de se consolidar. “Para que investir em ciência e tecnologia se medidas econômicas terminaram por resolver o problema que seria resolvido pela estação experimental? ”. A questão levou o autor do livro a concluir que o investimento em ciência e tecnologia foi “a boia lançada para a cafeicultura segurar em um momento de crise. Foi o que sobrou quando não houve habilidade para resolver os problemas por outros caminhos. Isso demonstra justamente essa ideia refratária e bastante restrita da ciência e tecnologia, pensada de forma superficial e reducionista enquanto deveria ser vista de forma mais estruturante, emblemática e abrangente”.

SERVIÇO

Foto: Antonio Scarpinetti

Fachada de um dos prédios do Instituto Agronômico de Campinas: criado no Império com a finalidade de atender o Oeste do Estado de São Paulo

Título: “A Encyclopédia viva da moderna cultura cafeeira no Brasil” Autor: Jefferson Lara Sanches Junior Páginas: 202 Editora: UFABC (à venda no site da editora) http://editora.ufabc.edu. br/index.php/ciencias-sociais/22a-encyclopedia-viva-da-modernacultura-cafeeira-no-brasil-a-esta cao-experimental-de-cafe-de-botu catu-e-a-ciencia-na-cafeicultura-na cional-1889-1945 Apoio: Fapesp Preço: R$ 39,90


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