POR QUE AS FLORESTAS DO BRASIL SÃO DEVASTADAS? Alceo Magnanini
POR QUE AS FLORESTAS DO BRASIL SÃO DEVASTADAS? Alceo Magnanini,
engenheiro-agrônomo, Ecologista, assessor da Diretoria de Biodiversidade e Áreas Protegidas (Dibap/Inea)
- Rio de Janeiro, 2016 -
Direitos desta edição do Instituto Estadual do Ambiente (Inea).
Produção editorial Gerência de Informação e Acervo Técnico (Geiat/Inea)
Diretoria de Biodiversidade e Áreas Protegidas (Dibap) Av. Marechal Floriano, 45 – Centro CEP 20080-003 - Rio de Janeiro - RJ
Coordenação editorial Tania Machado
Este livro é uma homenagem ao servidor Alceo Magnanini. As opiniões expressas nele são da inteira responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a posição do Instituto.
Revisão Ana Paula Paiva, Sandro Carneiro e Islaine Lemos Projeto gráfico/ Diagramação Taís Fernandes
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.
Ilustrações Taís Fernandes
Disponível também em: www.inea.rj.gov.br >Estudos e Publicações >Publicações
Normalização Wellington Lira dos Santos
Catalogação na fonte:
M196p
Magnanini, Alceo, 1925Por que as florestas do Brasil são devastadas? / Alceo Magnanini. – Rio de Janeiro : INEA, 2016. 46 p. : il. color. Bibliografia: p. 42-46. 1. Desmatamento – Brasil. 2. Política florestal – Brasil. 3. Florestas – Conservação – Brasil. 4. Florestas – Administração – Brasil. I. Instituto Estadual do Ambiente (RJ). II. Título. CDU: 504.122(81)
SUMÁRIO À Guisa De Introdução
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1. Denúncia De Devastação: Fato, Exagero Ou Fantasia?
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2. Desculpas Podem Justificar A Devastação?
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3. Qual A Verdade Sobre Os “Ciclos Econômicos”?
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4. A Ocupação Da Terra Tem Que Ser Devastadora?
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5. Nada Se Fala Sobre A Devastação Da Fauna?
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6. Por Que As Leis Não São Cumpridas?
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7. Qual O Futuro De Nossas Florestas?
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Referências Bibliográficas
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À guisa de introdução Em 2010, ao final de uma conversa entre dois ex-colegas da Turma de 1948 da Escola Nacional de Agronomia (a primeira turma a se formar na Universidade Rural em Seropédica), um deles, Camilo Augusto Guerreiro Filho, fez-me uma proposta: “Alceo, vamos escrever um livro sobre desmatamento? Você escreve a parte florestal e eu, a parte da legislação. Concorda?”. Assim combinamos e começamos a trabalhar. A parte florestal, que me coube, ficou pronta e chegou a ser totalmente aprovada pelo meu amigo. A parte da legislação florestal, que abrangeria a transcrição de todas as leis, decretos e regulamentos que existiam, além de requerer um levantamento histórico volumoso, ainda exigia a correspondente análise. Em consequência, houve um descompasso entre as duas partes, apesar da grande experiência jurídica do Camilo, acumulada em seu exercício de contínua advocacia.
Então, abruptamente, aconteceu o seu infausto falecimento, em 20121. Sem poder contar mais com a sua preciosa autoria naquela segunda parte que tínhamos planejado, foi ela substituída pelo item 6 (p. 35), este de minha inteira autoria. Em homenagem póstuma ao meu amigo Camilo Augusto de Morais Guerreiro Filho, foi mantido, em todo o texto desta publicação, o tratamento na primeira pessoa do plural.
No dia 26 de julho de 2012, em homenagem póstuma ao advogado e professor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), foi inaugurado o Espaço Cultural Camilo Augusto de Morais Guerreiro Filho, pelos presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ) Wadih Damous, da OAB-Niterói, Antonio José Barbosa da Silva, e da Caixa de Assistência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro (CAARJ) Felipe Santa Cruz. Além de engenheiro agrônomo, advogado militante e professor de Direito, Camilo Guerreiro Filho foi autor de diversos livros sobre a área e comandou a Superintendência de Pesca do Ministério da Agricultura. Pertencia ele a uma tradicional família de advogados e professores; seu pai foi fundador da Faculdade de Direito da UFF, e seus irmãos Paulo e Ademar, professores de Direito Civil na mesma faculdade. 1
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1. Denúncia de devastação: fato, exagero ou fantasia? ANALISEMOS AS DENÚNCIAS O primeiro alerta no Brasil sobre corte de árvores deve ter sido aquele, lá pelos anos 1550 depois de Cristo, que se percebe na narração de um diálogo entre um idoso indígena tupinambá e um jovem europeu francês (LÉRY, 1980): - Por que vinde vós outros, maíres (franceses) e perós (portugueses) buscar lenha de tão longe para vos aquecer? Não tendes madeira em vossa terra? Disse-lhe que tínhamos muitas, mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos, como ele o supunha, mas dela extraíamos tinta para tingir, tal qual o fazem com os seus cordões de algodão e suas plumas. Retrucou o velho imediatamente: - E porventura precisais de muito? Respondi-lhe: - Sim, pois no nosso país existem negociantes que possuem mais panos, tesouras, espelhos e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil com que muitos navios voltam carregados. Retrucou o selvagem: - Ah, tu me contas maravilhas, Mas, esse homem tão rico de que me falas não morre? Respondi-lhe: - Sim, morre como os outros. Mas os selvagens são grandes discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso perguntou-me de novo: - E quando morrem, para quem fica o que deixam? Respondi: - Para seus filhos, se os têm, na falta destes para os irmãos ou parentes mais próximos. Continuou o velho, que, como vereis, não era nenhum tolo: - Na verdade, agora vejo que vós outros maíres sois grandes loucos, pois atravessais o mar e sofreis grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para amontoar riquezas para vossos filhos ou para aqueles que vos sobrevivem! Não será a terra que vos nutriu suficiente pa-
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ra alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos; mas estamos certos de que depois de nossa morte a terra que nos nutriu também os nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados.
Historicamente, desde o tempo do patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva (1790), numerosas pessoas, preocupadas com o desperdício de nossos recursos naturais, têm alertado que a degradação das florestas acarreta, de fato, perdas incalculáveis para o Brasil. Os autores, nacionais ou estrangeiros, que comentam tal situação, não hesitam em usar palavras candentes, como destruição, devastação, desperdício, desmatamento desenfreado, extrativismo ganancioso, perda de recursos naturais, extinção de espécies biológicas etc. Também são numerosos os autores que divulgaram e divulgam suas previsões sobre a crítica situação de ecossistemas em diversas regiões do Brasil. Todavia, mesmo que motivadas por louvável intenção de despertar consciências, tais previsões acabam sendo rotuladas como fantasiosas por personalidades que alegam exageros ou mesmo delírios nas predições. A bem da verdade, também se encontram escritos que apresentam intenções ou propostas de medidas que poderiam, talvez, compensar parcialmente perdas nas características dos microclimas, solos, águas, floras, faunas ou paisagens locais. Entretanto, ressalte-se, muitas dessas perdas são irrecuperáveis. Aqueles que se manifestam contra os desmatamentos têm até sido comumente rotulados de “profetas de calamidades”, “arautos de desastres”, “alarmistas histéricos, “ambientalistas xiitas” e outras expressões similares. Para as pessoas de visão míope (e, infelizmente, há muitas que assim se manifestam), quem denuncia a dilapidação dos nossos recursos naturais tem interesses ocultos, inconfessáveis. Então, usam, amplamente,
uma curiosa inversão de valores na argumentação. E, no final dos debates, os partidários dos lucros imediatos ou de curto prazo sempre concluem que os denunciantes estão a soldo do “capitalismo estrangeiro” ou “coniventes com a cobiça internacional pelas nossas terras e riquezas”. A denúncia original passa logo a ser rotulada de prejudicial para o progresso e para a nossa tão decantada (hoje e sempre) soberania nacional. Na verdade, menosprezar quem faz as denúncias e agir como se todas fossem manobra da oposição, simplesmente, é desconhecer toda a dimensão dos fatos e não entender (ou não querer entender) que, pelo contrário, as denúncias feitas sobre as ações danosas do homem em relação à natureza objetivam, primordialmente, a defesa do patrimônio natural do Brasil e a garantia do seu uso permanente sem desperdício ou esgotamento. Quando é que se compreenderá que a preciosa herança ambiental deste país vem sendo criminosamente dilapidada, sob a falsa justificativa de que isso é necessário para o “desenvolvimento” social e para o “progresso” da nação? Quando é que se entenderá que tudo foi (é e, infelizmente, será) feito para auferir ganhos financeiros, exclusivamente financeiros (e não econômicos), para uns poucos indivíduos ou para pequenos grupos, e isso apenas por um limitado período de tempo? Quando é que se dará conta de que herdeiros podem devastar ricas heranças e viver suas vidas numa boa, sim, mas que, quando acabarem as heranças, as suas boas-vidas também acabarão? Quando é que se compreenderá que o sempre proclamado interesse do governo (ou dos governos) nem sempre é o interesse nacional? Até quando se permitirá um ilimitado enriquecimento financeiro de alguns indivíduos à custa de um constante (e, até hoje, progressivo) empobrecimento geral dos recursos naturais, em todo o país?
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ANALISEMOS OS DESMENTIDOS OFICIAIS Via de regra, os dirigentes deste imenso Brasil, sistematicamente e por motivos verdadeiros só sabidos por eles, têm negado ou, pelo menos, tentado disfarçar a dura realidade dos fatos. Eles têm divulgado dados estatísticos (?) que indicam constantes diminuições percentuais (??), tentando mostrar progressivas reduções de desmatamentos nas diversas regiões brasileiras, ano após ano. Estatisticamente!... Aqui, no Brasil? E, pior ainda, tudo isso com a incomensurável agravante de que as tais estatísticas só mostram dados quantitativos e, nunca, até hoje, mencionaram dados qualitativos das coberturas florestais. Estão totalmente omitidos os dados essenciais para a elaboração de análises sobre matas ou florestas, quais sejam: definição do tipo de floresta, suas características e biodiversidade. Apenas fornecem números sobre dimensão de áreas em hectares ou em quilômetros quadrados. Tais dados (mesmo que fossem estatisticamente corretos) juntam no “mesmo saco batatas inteiramente diferentes”, pois se referem somente às coberturas florestais. Pretendem, talvez, dar uma visão simplificada, mas, com isso, omitem totalmente a complexidade imensa dos relacionamentos entre os seres vivos e os ambientes (dos quais, inclusive, os humanos participam). Além disso, ignoram que os dados ambientais variam de lugar para lugar. Em conclusão, mesmo que fossem corretas, as tais estatísticas (oficialmente propaladas como contraditório definitivo às denúncias formuladas) só mostram dados percentuais quantitativos sobre coberturas de matas e são omissas quanto aos dados qualitativos dessas matas. Ora, são justamente esses dados os mais importantes nas questões concernentes aos problemas ambientais que enfrentamos. Nada é divulgado sobre as matas
ou florestas quanto às suas composições, estruturas, tipos, estágios de evolução etc. Simplesmente, os dados qualitativos inexistem nas estatísticas que se divulgam. Em face de tudo que efetivamente vem ocorrendo (e, infelizmente, continua a ocorrer), os desmentidos ou tentativas de diminuição das consequências das perdas florestais no Brasil só encontram, obviamente, aceitação por parte de alguns setores financeiros ou políticos cujas ações estão focadas no imediatismo dos lucros ou que atendem aos interesses de pequeno grupo de pessoas, em detrimento dos interesses da imensa maioria da coletividade. Tal foco, é importante realçar, é justamente o oposto do que consiste a letra da nossa Lei Magna - a Constituição Federal -, que é muito bem repetida em todas as subsequentes constituições estaduais, determinando como princípio básico o atendimento aos interesses das coletividades e do bem-estar do povo, e não aos interesses de alguns indivíduos. Mas, parece, tudo isso fica apenas como letra em papel; na prática, a realidade é muito outra.
ANALISEMOS A VERDADEIRA REALIDADE Na sua imensa maioria, as denúncias sobre devastação florestal foram, e são, verdadeiras, sim, e os tradicionais atos de querer “tapar o sol com a peneira” têm merecido cada vez menos credibilidade nacional e, até mesmo, internacional. A explicação é simples: até muito recentemente, só indo pessoalmente ao local (onde quer que este fosse) seria possível confirmar, ou não, uma denúncia de desmatamento ou de degradação ambiental. E isso era muito difícil de ser feito, em razão da nossa tradicional carência geral de pessoal e material para fiscalização. Assim, para o povo, o assunto florestal acabava sendo considerado
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pontual e subjetivo, com conflitos verbais entre denunciantes e denunciados, cujos interesses estavam muito distantes e nem sempre claros ou esclarecidos. Atualmente, entretanto, as condições são outras, porque está facultado a qualquer pessoa o poder de auferir informações fidedignas sobre a situação das coberturas de matas. Para isso, tanto no Brasil como em qualquer local da Terra, basta que se disponha de um computador conectado à internet. Até mesmo um esquimó, em pleno Ártico e sem dele arredar os pés, pode ver na tela o que está acontecendo na Amazônia, em Angola, na Malásia, na Austrália ou no Canadá, graças à transmissão de imagens de satélites, facilmente acessíveis e disponíveis. De agora em diante, ninguém mais pode alegar que: “eu não sabia”, “vou apurar se é verdade”, “ verei se é intriga de interessados” ou “essa denúncia é fantasia alarmista”. E como aqueles dados estatísticos consoladores já não mais se sustentam, e nem se pode mais esconder as imagens que são exibidas de graça quase em tempo real, acredita-se no que quiser.
ANALISEMOS ALGUMAS OUTRAS VERDADES Milênios antes da arribação dos “descobridores” portugueses no litoral brasileiro, todo este imenso Brasil já era habitado por inumeráveis tribos e grupos indígenas bastante diversos, que, obviamente, interagiam com as variadas florestas onde viviam. Para os europeus de então, nos séculos posteriores e, inclusive, hoje, tudo se resume a “índios-mansos” e “índios-brabos”. Talvez hoje sequer seja possível avaliar, nem mesmo aproximadamente, quais eram as verdadeiras características de cada uma das distintas etnias, culturas, localizações e quantos foram os agrupamentos
indígenas pré-cabralianos, uma vez que a própria colonização luso-brasileira (ou melhor, euro-brasileira), ao longo de mais de cinco séculos, pecou em intenções, palavras e ações que alteraram, misturaram e mesclaram todo aquele universo étnico. De qualquer modo, milhares de anos antes de 1500, certamente as populações indígenas caçavam animais, cortavam árvores, removiam arbustos e faziam seus roçados, inclusive usando o fogo para os mais diversos fins (limpar o mato, acossar caça, guerrear etc.). As consequências das atividades de alguns poucos milhões (dois milhões?, três milhões?, cinco milhões?) de indígenas vivendo espalhados na imensidão de mais de 851 milhões de hectares, provavelmente, alteraram muito pouco a riqueza da diversidade biológica natural do país. Isso estando, ainda, estritamente influenciado pela maior ou menor concentração dos grupos tribais, principalmente junto ao litoral e nos locais estratégicos de penetração para o interior. Repara-se que a densidade demográfica indígena no Estado do Rio de Janeiro, na época do descobrimento, provavelmente, não excedia os dois habitantes/km², ao longo do litoral. Para dar uma ideia: em termos de equivalência, tal densidade significa que, dentro da área dos bairros de Copacabana e Leme, teríamos apenas seis indígenas! Consideramos nosso dever dizer, entre parênteses, que não concordamos com a filantrópica interpretação do tão difundido conceito do “selvagem-nobre”. Na verdade, o tal “selvagem-naturalista-ecológico-nobre”, se pouco alterava o ambiente onde vivia, era simplesmente porque era pouco numeroso em relação às áreas, essas, sim, imensas. Também nunca acreditamos na literária lenda romântica de que o indígena vivia em harmonia com a natureza, que não caçava durante a época de reprodução (chamada hoje de “defeso”) e que respeitava as fêmeas grávidas dos animais. Tudo isso, para nós, é apenas uma
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invenção hipócrita, talvez inconsciente, para compensar os maus-tratos infringidos aos indígenas. Estes, eternas vítimas, adotaram, pressurosos, aqueles belos mitos. A nossa versão é simples e franca: o indígena é um ser humano e todo ser humano é predador, seja “selvagem” ou “aculturado”. As tênues, dispersas ou pequenas alterações que um grupo indígena produz na imensidão do ambiente natural onde vive são devidas, simplesmente, ao fato de que seus indivíduos não são numerosos. Coloquem um milhão de indígenas dentro de uma área igual à de Copacabana e vejam o que acontecerá com a natureza. Quando as atividades exercidas pelos indivíduos excedem a capacidade de suporte do meio ambiente, todos – sejam indígenas ou civilizados, nativos ou invasores, brancos ou negros, amarelos ou vermelhos, caucasianos ou semitas, ocidentais ou orientais, católicos ou budistas –, fatalmente, produzirão impactos e resultados ecológicos desastrosos. Recorda-se o que aconteceu com os povos Anazazi, Pueblo, Olmeca, Tolteca, Azteca, Maia, Inca, ou com as grandes e antigas civilizações que se ressentiram da exaustão ambiental causada por elas nos respectivos territórios que ocupavam na Europa, África, Oriente Médio, Índia, China, Malásia, Austrália etc. A verdade, nua e crua, é que o gênero biológico Homo sempre se distinguiu como formado por espécies altamente predadoras. Mesmo os Homo de Neandertal e de Cromagnon já acuavam mamutes, atolando-os em pântanos, e faziam emboscadas e precipitavam em despenhadeiros grandes manadas de cavalos selvagens, bisões e cervos. O mesmo praticou o Homo sapiens sapiens, fosse ele amarelo, vermelho, negro, branco, mestiço de qualquer feição. Suas caçadas e pescarias resultaram, sempre que as condições permitiam, em grande mortandade, a qual excedia, em muito, a necessidade de carne, de cou-
ro ou de tendões animais. Isso continuou pelos séculos afora, em todo o mundo, e, aliás, deu as bases para o aparecimento do escambo, do comércio e da indústria. Afinal, os excedentes é que justificam os frigoríficos e as geladeiras, e o aumento do dinheiro auferido. Especialmente nós, que nos autodenominamos, sem nenhuma modéstia, Homo sapiens sapiens, conseguimos alcançar um patamar mundial de excepcional poderio para predação e alteração das condições ecológicas naturais. Patamar esse, aliás, que não cessa de ser ultrapassado. Recordemos que qualquer predador, quando é pouco numeroso, altera pouco o ambiente. Pelo contrário, quando em grande número, produz significativo impacto ecológico na região, seja ele indígena ou não. As populações indígenas brasileiras já vinham, há séculos, talvez milênios, exercendo atividades que exigiam maior ou menor ocupação territorial, com as consequentes alterações ambientais sob a forma de clareiras, evidentemente localizadas e adstritas a sítios limitados aos territórios que ocupavam. As proporções dessas alterações estavam (como estão hoje) diretamente relacionadas ao número de indivíduos da população. Embora não se disponha, obviamente, de testemunhas oculares da verdadeira história, os conhecimentos que acumulamos ao longo de mais de cinquenta anos, em campo e no gabinete, nos permitem estimar que uma densa cobertura florestal natural ocupava quase totalmente o que é atualmente o território brasileiro. Essa cobertura florestal era composta por variada tipologia, abrangendo: 1) Florestas tropicais perenifoliadas (como os diversos tipos de mata remanescentes na Amazônia e o que resta de Mata Atlântica nas áreas extra-amazônicas); 2) Florestas semidecíduas (como as dos diversos ti-
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pos das poucas ainda remanescentes no interior do Nordeste e do Centro do país); 3) Florestas de cerradões (como as manchas remanescentes, mas empobrecidas, que outrora eram chamadas de cerradões); 4) Florestas decíduas de caatingas (das quais não sobraram remanescentes; hoje palidamente substituídas pelas caatingas-arbóreas. Note que, em linguagem indígena, caatinga significa “mata branca”); 5) Florestas de pinheirais, no sul do país; 6) Florestas de restingas (cujos remanescentes, já empobrecidos, só persistem em poucos trechos das áreas litorâneas sob proteção especial); 7) Florestas de manguezais (como aquelas ainda existentes no litoral nordeste do Amapá). Como se vê, é um quadro geral bem diferente do que hoje é apresentado nos trabalhos fitogeográficos, que classificam o que existe agora, e não o que existia antes das alterações antropogênicas. O fato, progressivo e cada vez mais comum, tem sido o da diminuição das coberturas florestais em todas as regiões do Brasil, com a subsequente perda de recursos naturais, riqueza em biodiversidade e disponibilidade hídrica e edafológica, além de alterações climáticas locais e, em alguns casos, regionais. Mesmo sem possuirmos nenhuma bola de cristal, podemos interpretar as tendências, que aí estão para quem quiser vê-las. São cada vez mais evidentes o progressivo empobrecimento dos revestimentos florestais ainda existentes no Brasil e a consequente perda definitiva de milhares de espécies biológicas do ainda imenso patrimônio biológico nacional, que, nos ambientes remanescentes não demasiadamente alterados, ainda revela, apesar de tudo, amostras do que era no passado. Assim
sendo, nada há de fantasia ou de pessimismo na previsão de que haverá imensos danos para a economia nacional e de que aumentarão os empecilhos à melhoria da qualidade de vida dos nossos habitantes, a menos que o quadro de devastação ambiental deste país seja substituído por outro de recuperação ambiental geral e irrestrito. Sempre que nos defrontarmos com algum mal, doença ou exemplo de mau comportamento, se quisermos atenuá-lo ou extingui-lo, precisaremos saber o que o causou. Podemos saber tudo sobre os efeitos, mas o essencial é que se equacionem as causas. Além disso, pouco ou nada adiantará nos preocuparmos em aliviar ou atenuar efeitos, se não removermos as causas. É curioso notar que existem inúmeros livros e artigos sobre desmatamentos, os quais, além de preencherem bibliotecas, descrevem, a maioria deles, os efeitos e sugerem como remediá-los. Porém, são poucos os escritos que esclarecem quais as causas que produziram tais resultados e como se poderia enfrentar e remover a origem do problema. É incontestável que se procedeu a verdadeiras devastações nas matas brasileiras e forçoso reconhecer que os desmatamentos continuam atualmente. Mas, se as matas são mesmo tão úteis, como se diz, se trazem tantos benefícios, por que foram tão devastadas e continuam a ser desmatadas? A primeira causa pode ser atribuída à singela ignorância, ao simplório desconhecimento que se tenha sobre florestas. É sempre lamentável que alguém possa cometer atos danosos sob a alegação de não saber o que estava fazendo, visto que a ignorância pode explicar, mas, jamais, justificar atos que tragam prejuízos para nós mesmos. Sem embargo, ao longo da história, os recursos da flora, da fauna, das águas, dos solos, das paisagens, do meio ambiente, enfim, vêm sendo depredados por simples
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ignorância. O alegado “eu não sabia” vem sendo dito, há séculos, por culpados e inocentes, por líderes e liderados, por dirigentes e dirigidos. E, infelizmente, essa invocação de ignorância e de inconsciência parece que continuará a ser empregada pelos próximos séculos, apesar da jurisprudência vigente de que a ninguém é dado o direito de alegar o desconhecimento da lei ao descumpri-la. Pode-se identificar outra causa para a devastação florestal, muito mais grave do que a simples ignorância. É o menosprezo, o pouco caso com que muitas pessoas tratam o assunto desmatamento. Quando sabemos, mas não ligamos, o nosso comportamento pode chegar aos limites do dolo. A pouca ou nenhuma importância dispensada ao se tratar desses assuntos é muito mais grave do que o simples desconhecimento a respeito deles, do que aquela singela ignorância. Em outras palavras, isso equivaleria a dizer “eu sei disso, mas não me importo”, ou, então, “não estou nem aí, deixa isso pra lá”. Agora nos deparamos com outra causa ainda mais grave: quando se desmata, quando se dizima florestas inteiras para atender apenas aos interesses pessoais ou de grupos que visam somente conseguir lucros no menor prazo possível, sem considerações sobre as consequências que previsivelmente advirão. Ao se estigmatizar essa causa (irracional, não seria melhor acrescentar?), que tanto devastou e ainda dizima nossas matas, abarca-se com uma visão global aquilo que vem sucedendo no Brasil desde que os europeus aqui desembarcaram.
A todos esses praticantes - no passado, no presente e no futuro - se ajusta a versão brasileira da tristemente célebre frase monárquica francesa après moi, le dèluge2: “depois de mim, que se arranjem”. A explicação dos danos vultosos, e dificilmente reparáveis, que dilapidam e ameaçam o nosso patrimônio natural é justamente esse comportamento egocêntrico, materialista e inconveniente, que vem orientando as ações humanas exclusivamente no interesse de aportes financeiros imediatos ou de curto prazo. É justamente esse comportamento rotineiro e equivocadamente sempre intitulado em prol de “superiores interesses sociais ou econômicos” que acabará por trazer irreparáveis prejuízos globais para o país e para a coletividade. E isso não é de hoje, pois vem se repetindo ao longo de toda a nossa história pátria.
Expressão francesa que significa “depois de mim o dilúvio”. É máxima - que reflete grande egoísmo e desprezo pela coisa pública atribuída a Luís XV, que previa a derrocada próxima da monarquia, mas esperava que ela viesse apenas após a sua morte. (in: MOURA, NEVES Maria Helena. Guia de uso do português: confrontando regras e usos. São Paulo: Editora UNESP, 2003). 2
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2. Desculpas podem justificar a devastação? Devastação florestal é injustificável. As desculpas para o que se fez no passado (e ainda se faz no presente) são simplesmente inaceitáveis face ao grande, mas ainda longe de esgotado, estado do conhecimento científico. O que se poderia justificar é, somente, um desmatamento parcial, limitado e controlado, com corte de exemplares vegetais e alteração consequente da fauna, tudo tendo sido previamente estudado, planejado e executado, em função da necessidade absoluta de manter um balanço ecológico suficiente que possa garantir sustentabilidade ambiental indispensável para o local. Não se pode mais aplicar aquele célebre senso comum: “Vamos fazer, depois vemos no que dá”. Como também a cândida e esfarrapada desculpa do “lamento, eu não sabia...” não pode ser invocada para justificar qualquer infração contra o meio ambiente. Contudo, infelizmente, isso é o que mais acontece. É muito natural que aquele que se defronte com o desconhecido tenha um sentimento de receio. Facilmente, isso pode levar à sensação de medo. Para combater esse medo, desde crianças nos incutem o hábito de reagir com agressividade contra o desconhecido. O mesmo acontece em relação às florestas, comumente descritas como lugares misteriosos e ameaçadores, cheios de perigos, soturnos e impenetráveis, conforme as imagens que constantemente nos são moldadas através de nossa inadequada educação. O que sucede também em relação aos animais e plantas que desconhecemos: temos receio, medo, e nossa reação é a agressão.
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Pareceria até justificável concluir que, se desconhecemos o que existe em uma floresta, bastará eliminá-la e não precisaremos mais ter nenhum receio daquilo que nela existia. Todavia, toda eliminação traz consequências, e nada proveitosas, como se sabe hoje. Lembremos aquela Lei universal da Física: “Para toda ação corresponde uma reação igual e em sentido contrário”. Desde os tempos mais remotos, o homem vem derrubando, cortando e queimando ou removendo árvores, arbustos e qualquer vegetação que esteja próxima do lugar onde ele dorme e vive. Isso até poderia ser explicado como uma medida de precaução contra possíveis inimigos, sejam outros humanos, sejam animais, que poderiam lhe trazer perigo. Assim, a ideia primária seria: uma vez removida a floresta, não haveria mais risco de ataques. Esse pensamento, aliás, deve ser a origem do hábito das populações primitivas de circundarem-se de terreiros limpos e até varridos diariamente, que é procedimento comum ainda nos dias atuais, praticado ao redor de tendas, barracas, acampamentos, malocas, vilarejos e qualquer outra habitação humana. Até mesmo como manobra tática em lutas travadas entre os seres humanos no passado (empregada ainda em nossos dias), verificou-se a intencional destruição e queima de toda a vegetação para “limpar o terreno”. A história da nossa “civilização” está repleta de batalhas e guerras com exemplos militares de terra arrasada, ou seja, a destruição de tudo que for possível para não deixar recursos que possam ser utilizados pelo inimigo. O curioso é que, advindo a paz, os ex-inimigos, já irmanados, precisam então reconstruir e tentar recuperar tudo de novo. É claro que alguém precisará arcar com as despesas e sempre se verificam irrecuperáveis perdas ou danos. E dizem que nos classificamos como hominídeos da espécie do homem sábio, sábio (cientificamente, Homo sapiens sapiens)...
Mas, ainda pior, como se poderia justificar esse ato estratégico de terra arrasada quando ele é praticado por nós mesmos, em tempos de paz, aqui em nossa terra, contra nós mesmos ou nossos descendentes? Não é isso que a nossa cultura dita civilizada vem hipocritamente fazendo? Isso é o que fazemos diariamente e cada vez mais, movidos pela nossa famigerada política de exportar, exportar, exportar, porque isso nos daria mais divisas. Será que ninguém ainda reparou na perversa verdade da frase “quanto mais exportarmos, mais importar poderemos”? Estamos dentro de um círculo vicioso, justamente aquele que nos torna cada vez mais dependentes de ocultos interesses exteriores. E, assim, batalhamos para entrar no círculo da tão glorificada globalização econômica mundial. Francamente, como diz o povo, entramos numa fria e nos tornamos cada vez mais dependentes da economia mundial dita globalizada, mas efetivamente comandada pelos países ditos ricos. O fato é que estamos mergulhando nela (e de cabeça erguida, em nome da soberania nacional), à custa do nosso rico patrimônio de recursos naturais ainda remanescentes (rochas, minerais, solos, águas, flora, fauna, paisagens e climas locais). O extrativismo de produtos naturais para fins comerciais é uma das atividades humanas que, se exercida em excesso, pode levar à extinção, em breve espaço de tempo, aquelas mesmas fontes que fornecem o precioso recurso natural desejado. É óbvio que haverá lucro imediato ou em curto prazo e, consequentemente, isso trará bem-estar para alguns indivíduos, para algumas famílias, para algumas classes sociais, por um limitado período de tempo, mas acabará resultando em perdas e danos comprometedores para o futuro pátrio. Desde 1500 a nossa história está cheia desses exemplos indesejáveis.
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Até a madeira que deu nome ao nosso país, que foi intensa e persistentemente procurada, extraída e transportada desde a época da chegada de Cabral até depois do período colonial português, foi quase extinta. Os historiólogos apelidaram isso de “ciclo econômico do pau-brasil”, no qual milhares e milhares de troncos foram levados para a Europa. Atualmente só são encontrados exemplares arbóreos da espécie botânica Caesalpinea echinata em áreas de reservas legais, em raras áreas florestais remanescentes, como também em áreas mais raras ainda de reflorestamento. Já vai muito longe o tempo em que um proprietário de terras requeria a um vice-rei a licença oficial para cortar exemplares de pau-brasil e justificava seu pedido escrevendo “de cada 10 árvores, sete são de pau-brasil, sendo como são propriedades da Coroa, e não as poderia cortar para as necessidades de cultivar a propriedade sem licença oficial” (Arquivos do Instituto Histórico Nacional). Hoje, não estamos mais nem com disposição para repudiar totalmente aquela extração de pau-brasil, mesmo porque ela nos gravou com o apelido grosseiro de “brasileiros”, que, imbecilmente, não refutamos, tanto que nós mesmos assim nos chamamos. Por que brasileiros? Todos sabemos que, no idioma português, quem trata com ferro é ferreiro, com sapatos é sapateiro, com relógios é relojoeiro, com madeiras é madeireiro, com minérios é mineiro, com baleias é baleeiro etc. A terminação “-eiro” tem o significado de profissão ou ofício. Nos tempos em que éramos colônia lusitana, quem contrabandeava o pau-brasil era, corretamente, chamado de brasileiro. Hoje, nós somos os únicos terrestres que insistem em ser chamados, irracionalmente, de brasileiros! Os outros povos (argentinos, chilenos, peruanos, bolivianos, equatorianos, colombianos, venezuelanos,
guianenses, surinamenses, panamenhos, costa-riquenses, guatemaltecos, mexicanos, norte-americanos, canadenses, italianos, ingleses, franceses, belgas, holandeses, irlandeses, israelenses etc.), por sua vez, nos chamam de “brasilianos”, “brasilenos”, “brazilians”, “bresiliènes”, “brazilianisches” ou similares idiomáticos, utilizando terminações que significam a nacionalidade de origem. O abominável adjetivo “brasileiro”, só mesmo quem fala português é que usa esse termo equivocado. Por ignorância ou por preguiça? Falar em tradição não nos parece inteligente, se a tradição tem base totalmente errada. Os produtos florestais, como os numerosíssimos troncos de madeiras de construção civil e naval, as montanhas de lenha e carvão e as toneladas de seivas, óleos e taninos, foram o produto material de grande parte da estrutura física empregada no estabelecimento da Colônia, Reinado, Império e República neste país. E contribuem substancialmente para nossa vida até hoje. Fomos grandes “exportadores” de matérias-primas. Ainda somos. Até quando? É evidente que, para sobreviver, qualquer ser humano precisa dispor de um trecho de terras do qual possa extrair recursos naturais, inclusive plantando ou criando. Assim tem sido desde os tempos pré-históricos, quando os grupamentos humanos “evoluíram” da fase de caçadores-pescadores-coletores para a fase de criadores e plantadores, alterando, junto às suas habitações, a vegetação natural, substituindo-a por plantação de lavouras e por pastos e currais para animais capturados e criados. Antigamente, as chamadas “lavouras brancas”, ou seja, de cultivo de vegetais para subsistência, embora usassem práticas inadequadas (derrubada de árvores, uso de fogo, nenhuma prevenção contra a erosão, monocultivos), não se traduziam em maiores danos para os
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ecossistemas existentes apenas porque eram pontuais, em pequeno número e dispersos em meio à imensidão do território natural. Esse quadro mudou de feição, entretanto, quando os agrupamentos humanos se avolumaram em razão do crescimento demográfico. Consequências ainda maiores advieram quando, além de usar práticas agrícolas inadequadas, o homem passou a colher acima das suas necessidades de subsistência. O problema é que as alterações ambientais têm seus limites e só se adquire noção deles quando se começa a pagar as consequências pelos excessos cometidos. Até mesmo inteiras civilizações antigas padeceram e desapareceram, se não puderam migrar, devido aos problemas do esgotamento da fertilidade dos solos ou das perturbações hídrico-climáticas resultantes da excessiva expansão das suas inadequadas práticas agrícolas e de ocupação dos solos. O modelo de expansão da “fome por terras novas” nos trouxe (e ainda traz), após um período de abundantes, comerciáveis e exportáveis produções agropastoris, o surgimento de imensas áreas de terras esgotadas, erodidas e abandonadas ou mal aproveitadas. Além disso, naquelas atividades de lavouras ou de criação de animais com propósitos comerciais e para exportação, o primeiro passo sempre foi o de abater a mata, de desflorestar tudo para ter superfícies limpas a fim de plantar ou criar o que se visava na ocasião. Após a grande devastação, veio a grande produção; depois, sucessivas menores produções, e, em seguida, a grande exaustão das terras. Depois, bem depois, vamos todos procurar grandes novas terras...
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3. Qual é a verdade sobre os “ciclos econômicos”? O Brasil exibe imensas cicatrizes em seu corpo patrimonial natural, que foram (e continuam sendo) produzidas pelos intensos e extensos desflorestamentos, devidos aos, eufemisticamente, denominados ciclos econômicos. Antes de tudo, há que se concordar que os chamados ciclos econômicos não foram ciclos. Expliquemos: todos eles (extração de árvores, de animais, de ouro, de pedras preciosas, de minérios, de produção agrícola, de criação de animais, de ocupação do solo etc.) tiveram seus inícios e apogeus, mas não um fim, pois continuam até hoje, não sucessivamente, mas se sobrepondo, complementando ou alternando. Além disso, dependendo do ponto de vista, podem ou não ser considerados “econômicos”. Foram proveitosos, sem dúvida, regional e financeiramente, para algumas pessoas e grupos sociais em determinadas épocas da História do Brasil. Apesar disso, do ponto de vista de um
observador impessoal e intemporal e do ponto de vista do Brasil como nação, tais “ciclos econômicos” resultaram (e resultam) em contínuo empobrecimento de recursos naturais e em dilapidação de riquezas patrimoniais. Em suma, jamais poderão ser qualificados como “econômicos” num balancete global nacionalista para o país. Nas escolas ensinam aos nossos jovens que os ditos “ciclos econômicos” forneceram os alicerces da pátria. A nosso ver, foram e ainda são eles que solaparam (e solapam) a nação brasileira. Tal como se fez (e ainda se faz), os “ciclos extrativistas” de madeiras, gado, cana-de-açúcar, milho, minérios, café, algodão, mandioca etc. (e agora a soja) funcionaram como maldições faraônicas que empobreceram e empobrecem incalculavelmente o Brasil para o futuro. A tão generalizada apresentação de “ciclos econômicos” perderia muito da sua perversidade se eles fossem apresentados como fases purgatórias e períodos de crises aos quais o Brasil histórico vem sobrevivendo, apesar de tudo. Mesmo antes de 1500, grandes capitais europeus já giravam em torno do tráfico de escravos, que era fonte
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de consideráveis lucros para o reino português. Com o desenvolvimento, a partir da década de 1530, da colonização da costa atlântica no Brasil, o regime latifundiário para a produção do açúcar passou a exigir grande quantidade de mão de obra escrava, arrebanhada, inicialmente, entre os indígenas e substituída em progressão crescente pelos negros africanos. Mas, se quisermos mesmo história, leiamos o que escreveu o jornalista Napoleão Sabóia, sob o titulo “O Brasil era para ser paraíso, mas...”, em texto divulgado na internet: A representação do paraíso terrestre. A mais fiel tradução do mito da Terra Sem Males. Assim poderia ter permanecido o Brasil por mais alguns séculos, não tivessem os portugueses e tantos outros depois deles entendido o descobrimento tão ao pé da letra: como uma licença para remover a cobertura florestal por onde quer que passassem. Após o primeiro deslumbramento, o exuberante Novo Mundo precisava ser domado, cristianizado e explorado. O descobrimento começa pelas bordas, em toda a região costeira, com a exploração predatória do valioso pau-brasil e de outras madeiras nobres da Mata Atlântica, utilizadas na reforma e construção das caravelas ou em igrejas e mobiliário. A devastação assume tamanho vigor, que logo entre 1510 e 1520 a Coroa Portuguesa manifesta preocupação com a predação aos recursos naturais e D. Manuel dá instruções para reduzir o desperdício e racionalizar a derrubada de “árvores reais e paus de lei”, origem da expressão “madeira de lei”. A ocupação territorial da zona costeira toma grande impulso e marca o século XVII com a abertura de fazendas de cana-de-açúcar e a expansão da pecuária, em detrimento da Mata Atlântica. Registros do que era esta floresta posta abaixo e descrições detalhadas de espécies da flora e fauna encontram-se em inúmeros relatos de jesuítas, capazes de separar a natureza (e os índios) do conceito corrente de “selvagem”. O ciclo da mineração, iniciado em meados do século, leva os colonizadores mais para o interior, abre novas estradas e deita, em seu leito e nos alicerces de todas as construções, imensas árvores de madeira nobre da mesma Mata Atlântica. Em torno de 1650, a retirada da mata para expansão urbana e o consumo de lenha e carvão nas proximidades das primeiras
cidades já causa deslizamentos e assoreamentos de rios, também tidos, então, como veículo de doenças tropicais e infecções. Em 1760, novamente se manifesta a preocupação da Coroa Portuguesa, com o desperdício de recursos e o rei D. José expede um alvará, determinando “a proteção das árvores mangues do Brasil”. Cinco anos mais tarde, chega o governador da Capitania de São Paulo, Antônio Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, com vários cartógrafos e a firme determinação de planejar a ocupação no Brasil colônia. Ele concebe um conjunto de cidades e estradas, ligando a foz do Prata a São Paulo, Goiás, Planalto Central e Belém, norteado pelo conceito de divisão por bacias hidrográficas, que ainda hoje o País luta em implantar, para dar mais racionalidade ao desenvolvimento. Em 1790 surgem as primeiras denúncias ambientalistas, com os textos de José Bonifácio, contra as “desordens promovidas por feitores estúpidos e ignorantes na arte de pescar baleias”, de sua “Memória Primeira sobre as Baleias”. A ocupação do interior se intensifica, assim como a criação de novas cidades. O café avança e com ele, a exaustão do solo e a erosão. No Rio de Janeiro, a presença da Família Real transforma a paisagem. Com a corte, em 1808, vieram 20 mil portugueses e muitos outros migraram nos anos seguintes, ampliando plantações e descobrindo novas áreas. A expansão da cidade do Rio de Janeiro se volta para os morros, que se tornam instáveis sem a floresta e sob chuvas tropicais. A partir de 1811, ocorrem grandes desmoronamentos, cobrindo o Rio de Janeiro de lama vermelha. O microclima muda e a disponibilidade de água potável diminui. Em 1823, a primeira proposta de recuperação ambiental cabe, de novo, a José Bonifácio, que propõe à Constituinte a proteção das florestas e o replantio de árvores. Seguem-se anos de grandes secas e crise de abastecimento de água no Rio de Janeiro. Em 1850 tem início a imigração européia para o País e a consolidação das fronteiras nacionais, com grande expansão cafeeira pelo interior dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Regiões inteiras perdem a cobertura vegetal. Floresta em pé é sinal de incivilidade, de sujeira, uma inimiga a ser vencida. Em 1861, Dom Pedro II manda plantar e conservar as florestas Tijuca e Paineiras, a única experiência governamental em grande escala de reflorestamento de nativas. E bem sucedida! O século XIX termina com secas, erosões e mais transformações da paisagem do interior, com grandes perdas de biodiversidade e habitats. Os primeiros desmatamentos de
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grandes proporções para instalação de fazendas ocorrem no baixo rio Amazonas, na chamada Zona Bragantina, no Pará. Nos primeiros anos do século XX, a devastação acelera e toma proporções brutais no Paraná e em Santa Catarina, onde se instala a Southern Brazil Lumber & Colonization, a maior serraria da história da América Latina. Em poucos anos, a floresta de araucárias é dizimada e a Lumber deixa para trás graves prejuízos ambientais e desigualdades sociais. Na Amazônia, dá-se o ciclo da borracha e quase se extinguem os peixes-boi, mortos aos milhares. Dóceis e indefesos, eram abatidos para fornecer óleo e carne, com possibilidade de serem mantidos em pequenos cercados, como reserva de carne viva. Em 1937, é criada a primeira unidade de conservação federal: o Parque Nacional do Itatiaia, na divisa Rio de Janeiro-Minas Gerais. O marechal Cândido Rondon faz o reconhecimento e ocupação do interior do País, enquanto a industrialização atrai migrantes do campo para a cidade. A partir de 1960 e ao longo dos anos 70, a “integração nacional” é a palavra de ordem e o “progresso” segue para o norte e para o oeste, com a construção das grandes hidrelétricas e das estradas Belém-Brasília, BR-364, Transamazônica de onde até hoje partem os principais agentes de devastação amazônica. Os incentivos fiscais inserem grandes empreendimentos e grandes fraudes ambientais no cenário da Amazônia. Os cerrados são gradualmente ocupados, descobertos como a nova fronteira agrícola. Organiza-se um grande levantamento dos recursos naturais com base em imagens de radar o Radam Brasil referência até hoje, mesmo com a precisão e a profusão das imagens de satélites ambientais. [...] 4
Tudo isso é História, uma História do Brasil que não é divulgada por não ser dos superiores interesses dos nossos governos.
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ANALISEMOS OS EXTRATIVISMOS Os extrativismos, que também podem ser descritos como “ciclos”, tiveram seus inícios com a “deportação” do pau-brasil, de papagaios, de indígenas etc. Isso já na carga da nau da frota de Cabral, que tinha sido incumbida, no ano de 1500, de levar à Corte portuguesa a notícia do “descobrimento” do que é, hoje, a costa da Bahia. A partir daquela data, nem tão longínqua assim, foi dada a partida para o prosseguimento crescente da grande atividade de extração de madeiras (que, aliás, perdura ainda hoje), para atender demandas de matéria-prima para obras e utensílios civis e navais europeus, em especial de Portugal, uma vez que começavam a escassear os recursos madeireiros das ilhas dos Açores, das Ilhas Canárias e da Ilha da Madeira (nome só outrora justificável, mas que permanece até hoje). Não há como deixar de ressaltar a intensa e extensa extração de pau-brasil, desde as planícies fluminenses até o Rio Grande do Norte, motivada pela voraz demanda que havia pela tintura extraída dos troncos levados para o Velho Mundo. Em menos de cinco séculos, os portugueses, franceses, holandeses, espanhóis, ingleses e brasileiros derrubaram mais de meio milhão (527.182, segundo Rocha) de árvores conhecidas como “pau-brasil”. Um dedicado pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Yuri Tavares Rocha, após consultar quase mil livros e documentos no Brasil e em Portugal, divulgou que, em quatro séculos, a Coroa portuguesa e do Império do Brasil extraiu cerca de 500 mil árvores
http://www2.uol.com.br/JC/_2000/1804/br1804a.htm, acesso em 26/08/2016.
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de pau-brasil da Mata Atlântica, sendo que a exploração mais intensa ocorreu no século XVIII, quando foram cortadas 322.260 árvores. Segundo um escrito, em parte nada imparcial, de Evaristo de Morais: [...] o comércio do pau-brasil sempre foi exclusividade da Coroa. D. João VI, quando da abertura dos portos às nações amigas, autorizou a comercializar todo e quaisquer gêneros e produções, à exceção do pau-brasil. Em 1808, o recém criado Banco do Brasil passou a ter comissão na venda da madeira de tinturaria. Após a Independência, o pau-brasil transformou-se em monopólio nacional e sua venda destinada a saldar a dívida externa com a Inglaterra. A partir de 1850, a fabricação industrial da anilina retirou o pau-brasil do mercado e não a devastação de suas matas. Em 1875, foi registrada a última exportação de pau de tinta para a Europa. Por quatro séculos, a legislação e as medidas de controle e manejo das matas da Coroa portuguesa e brasileira, permitiram sua exploração sustentada e a manutenção das matas. [...] No Brasil, a ocupação luso-brasileira desenvolveu vários exemplos de sistemas sustentáveis de exploração agroflorestal e agropastoril inéditos, sem desmatamentos expressivos, respeitando, com sabedoria, os condicionamentos ambientais. Foi o caso da ocupação da caatinga, do cerrado, do Pantanal, da pampa, dos campos sulinos e, até, de boa parte da mata atlântica [...]. (grifo nosso).
Evidentemente, não se pode concordar com os dois últimos parágrafos. Mesmo para alguém pouco familiarizado com os acontecimentos da História do Brasil, aquelas palavras não batem com a realidade dos fatos. Em nossa opinião, mais verdadeiro seria se o ilustre narrador tivesse escrito no seu penúltimo parágrafo: “Por quatro séculos, a legislação e as medidas de controle e manejo das matas da Coroa portuguesa e brasileira não conseguiram nem a sua exploração sustentada, nem a manutenção das matas”. Concordaríamos, também, com o autor, se ele tivesse escrito no seu último parágrafo: “No Brasil, a
ocupação luso-brasileira não desenvolveu exemplos de sistemas sustentáveis de exploração agroflorestal e agropastoril, produzindo, em geral, desmatamentos expressivos, não respeitando os mais elementares condicionamentos ambientais. Como foi o caso da ocupação da caatinga, do cerrado, do pantanal, dos campos sulinos e, principalmente, de boa parte da Mata Atlântica”. Seja como for, somando-se o passado ao presente, não se pode deixar de assinalar o incalculável volume de lenha e de carvão vegetal que vem sustentando todos os passos da ocupação e colonização do nosso país. É bastante significativo lembrar que houve, na época da Colônia, o costume de se chamar de “fogos” aqueles numerosos agrupamentos humanos, alguns dos quais posteriormente se transformaram em povoados, vilarejos, vilas e cidades. Em todos, claro, houve os consumos generalizados e sem controle de lenha e de carvão oriundos do abate incessante de árvores e dos desmatamentos. A busca por metais valiosos e pedras preciosas sempre tem acontecido logo depois de todo e qualquer descobrimento de novas terras. Busca tanto mais estimulada quando há deles indícios visíveis em adereços exibidos pelos indígenas. O Brasil não escapou dessa regra universal. Evidentemente, depois da descoberta das jazidas, procedeu-se ao extrativismo generalizado que, se, inicialmente, era restrito em suas consequências relativas à cobertura florestal local, passou a trazer cada vez maiores alterações ambientais em função da proporção das atividades de mineração. Ao longo da nossa história, os garimpos cresceram em número e em dimensões, acarretando, progressivamente, impactos ecológicos indesejáveis cada vez maiores, que culminam quando resultam na total remoção do meio ambiente primitivo. É sabido que os recursos minerais se caracterizam pelo determinismo local: eles existem apenas
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em determinados locais e só nestes é que podem ser extraídos, ao contrário dos recursos vegetais ou animais, que, muitas vezes, podem ser obtidos em outras áreas, por meio da lavoura ou da criação. Sem embargo, nem mesmo o “determinismo locacional” da mineração pode excluir um essencial uso racional que atenda à necessidade de manter certo equilíbrio com o meio ambiente. Além disso, em oposição ao que comumente aconteceu e ainda acontece com todas as outras atividades de exploração dos recursos naturais, a legislação exige que se proceda a recuperação (possível) da natureza, em toda a área alterada pela mineração. Com relação aos metais preciosos, seria interessante ver o que comentariam os historiadores que enaltecem os feitos europeus (e que vivem propalando o conceito de que o Novo Mundo “deve” tudo o que tem hoje ao Velho Mundo), ao se depararem com o discurso atribuído ao cacique Cuatemoc durante conferência dos chefes de Estado da União Europeia, Mercosul e Caribe, em 20024. Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, para encontrar os que a encontraram só há 500 anos. O irmão europeu de aduana me pediu um papel escrito, um visto, para poder descobrir os que me descobriram. O irmão financista europeu me pede o pagamento - ao meu país -, com juros, de uma dívida contraída por Judas, a quem nunca autorizei que me vendesse. Outro irmão europeu me explica que toda dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos e países inteiros sem pedir-lhes consentimento.
Eu também posso reclamar pagamento e juros. Consta no “Arquivo da Cia. das Índias Ocidentais” que somente entre os anos 1503 e 1660 chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América. Teria sido isso um saque? Não acredito, porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao sétimo mandamento! Teria sido espoliação? Guarda-me Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue do irmão. Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores, como Bartolomeu de Las Casas ou Arturo Uslar Pietri, que afirmam que a arrancada do capitalismo e a atual civilização européia se devem à inundação de metais preciosos tirados das Américas! Não; esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata foram o primeiro de tantos empréstimos amigáveis da América destinados ao desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução, mas indenização por perdas e danos. Prefiro pensar na hipótese menos ofensiva. Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do que o início de um plano “MARSHALLTESUMA”, para garantir a reconstrução da Europa arruinada por suas deploráveis guerras contra os muçulmanos, criadores da álgebra, da poligamia, e de outras conquistas da civilização. Para celebrar o quinto centenário desse empréstimo, podemos perguntar: os irmãos europeus fizeram uso racional, responsável ou pelo menos produtivo desses fundos? Não; no aspecto estratégico, dilapidaram nas batalhas de Lepanto, em navios invencíveis, em terceiros reichs e várias formas de extermínio mútuo; no aspecto financeiro, foram incapazes, depois de uma moratória de 500 anos, tanto de amortizar o capital e seus juros, quanto de independerem das rendas líquidas,
O texto publicado no Anuário Humanus IV - Sama Multimídia encontra-se amplamente difundido na internet. Não existem informações precisas sobre o cacique Guaicaipuro Cuatemoc, a que tribo ou nação ele pertence, nem qual o seu país de origem. Há também referências à autoria de Luis Britto García, escritor venezuelano, que o escreveu em homenagem ao Día de la resistencia indígena e foi publicado pelo jornal El Nacional, de Caracas, no dia 18 de outubro de 1990. Tampouco foram encontradas referências sobre a conferência dos chefes de Estado em 2002. Ademais da veracidade da procedência, optei por inserir o texto mesmo assim, por considerar seu conteúdo original, pertinente e de extremo valor (http://www.quatrocantos.com/lendas/110c_guaicaipuro_cuatemoc.htm). (N.A.).
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das matérias-primas e da energia barata que lhes exporta e provê todo o Terceiro Mundo. Este quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman, segundo a qual uma economia subsidiada jamais pode funcionar, e nos obriga a reclamar-lhes, para seu próprio bem, o pagamento do capital e dos juros que, tão generosamente, temos demorado todos estes séculos em cobrar. Ao dizer isto, esclarecemos que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos europeus, as mesmas vis e sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros que os irmãos europeus cobram aos povos do Terceiro Mundo. Nos limitaremos a exigir a devolução dos metais preciosos, acrescida de um módico juro de 10%, acumulado apenas durante os últimos 300 anos, com 200 anos de graça. Sobre esta base, e aplicando a fórmula européia de juros compostos, informamos aos descobridores que eles nos devem 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as cifras elevadas à potência de 300; isso quer dizer: um número para cuja expressão total será necessário expandir o planeta Terra. Muito peso em ouro e prata...; e quanto pesariam se calculados em sangue? Admitir que a Europa, em meio milênio, não conseguiu gerar riquezas suficientes para pagar esses módicos juros, seria admitir seu absoluto fracasso financeiro e a demência e irracionalidade dos conceitos capitalistas. Tais questões metafísicas, desde já, não nos inquietam, índios da América. Porém, exigimos assinatura de uma carta de intenções que enquadre os povos devedores do Velho Continente e que os obriguem a cumpri-la, sob pena de uma privatização ou conversão da forma que lhes permitam entregar suas terras, como primeira prestação de dívida histórica.
Depois de ler o discurso, podemos fazer uma indagação: qual governo latino-americano terá a iniciativa, digna e corajosa o bastante, para reivindicar seu direito, perante os tribunais internacionais, de cobrar as dívidas do Velho Mundo consequentes de toda a espoliação que fizeram ao Novo Mundo, ao longo dos séculos? Como estamos analisando fatos históricos relacionados com a devastação florestal, para os autores que apreciam caracterizá-los em ciclos, poderíamos
lembrar que eles se esqueceram da pesca (ou caça?) das baleias, ao longo do litoral brasileiro. Baleias? Mas, o que teriam elas a ver com desmatamentos? Vejamos o que escreveu, em 1790, José Bonifácio de Andrada e Silva: [...] desde 1615, os portugueses estabeleceram a extração de baleias nas costas do Brasil. Só em uma Armação de S. Catarina, em 1775, caçaram 500 baleias. Ali haviam 20 caldeiras de 4 palmos [88 cm] de diâmetro [inconvenientemente pequenas, segundo o autor] que, para frigir o óleo consumiam toras de 3 e 4 palmos [66 a 88 cm] de diâmetro [...]
Andrada e Silva também assinalou que, achando-se tais toras... [...] exclusivamente em matas antiquissimas, ou como ali dizem, em matos virgens, vê-se quasi todos os anos o Contrato baleeiro na necessidade de comprar leguas e leguas [1 legua = 6,6 km] de terras de arvoredo, para delas só aproveitar as árvores mais grossas. Que despeza ! Além do prejuizo, que o Publico recebe de se queimarem inutilmente madeiros que deveriam servir para construcção de navios e para usos semelhantes [...]
Mas, quanto ao que foi mesmo essa imensa devastação, pode-se ter uma ideia aproximada, tal como transparece no texto: [...] Nem estes saõ os unicos damnos resultantes da má economia das lenhas desde meado Agosto, em que acaba esta pesca (que principiando nos fins de Junho com grande perda dura por tão pouco) toda a immensa escravatura das Armações até ao começo da nova pesca unicamente se emprega no córte das lenhas, e nos carretos arredados, por já naõ haver matas vizinhas[...]
Já muito mais recentemente, foi escrito o comentário seguinte (MAGNANINI e MAGNANINI, 2002): Prosseguiu-se, sem cessar, desde aquela época, mesmo depois daquele relato publicado em 1790, na eliminação
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das florestas, direta ou indiretamente provocada pelos ciclos econômicos da cana-de-açúcar, da criação extensiva do gado, das plantações de café, de algodão, do extrativismo da mineração, da exportação de madeiras comerciais, do consumismo de carvão vegetal e da lenha, continuando-se até hoje com práticas agrícolas inadequadas, com a ocupação desenfreada dos solos, etc. Quem se detém para meditar um pouco sobre esse nosso passado histórico, compreende melhor a razão da atual pobreza em grandes árvores nas regiões das outrora exuberantes matas atlânticas que existiram desde o Maranhão até ao Rio Grande do Sul. Onde estão as grandes árvores com mais de quinhentos anos de existência? As condições climáticas, edáficas e hídricas certamente não seriam obstáculos para o crescimento de gigantes florestais, antes pelo contrario. Então o que teria acontecido com elas? É extremamente importante lembrar que o corte e a derrubada das árvores no Brasil, durante meio milênio, e até ainda hoje, segue sempre um mesmo procedimento utilitário e ganancioso: procurar e abater os maiores exemplares que forem encontrados. A exploração florestal aqui significou sempre a eliminação dos maiores e mais sadios exemplares arbóreos, na total ignorância da necessidade de proteger os maiores e melhores exemplares para posterior reprodução. Não se justifica a desculpa de que não existiam ainda os conhecimentos sobre genética de que dispomos hoje, porque desde o início conhecido da atual civilização sempre se preservaram os melhores exemplares de cavalos, touros, cães, etc e também de vegetais como fruteiras para a desejável reprodução. Na verdade o comportamento padrão foi (e, infelizmente, ainda é) o de saque.
Temos que levar em conta que, nos tempos coloniais, até mesmo antes de se montarem as oficinas, casas e instalações que visavam à reparação e, depois, até a fabricação de inúmeras embarcações (botes, caravelas, naus etc.), que consumiram volumes consideráveis de madeiras cortadas de árvores selecionadas pelas suas qualidades navais, já se extraíam, intensamente, as madeiras para construção e aparelhamento de engenhos, usinas, fábricas e moradias,
complementadas pelo uso incessante de lenha e carvão. Obviamente, tudo à custa das matas circunvizinhas e dos manguezais.
ANALISEMOS A CRIAÇÃO DE GADOS Propositadamente, escrevemos gados, porque, em geral, enfatiza-se o gado bovino, esquecendo-se dos outros gados, com o cavalar, o asinino, o muar, o bubalino, o caprino, o ovino etc. Desde o início da exploração das novas terras descobertas, diversas espécies de animais domésticos acompanharam o homem branco, a maioria trazida de ilhas atlânticas do Hemisfério Norte ocupadas pelos lusos ou dos continentes europeu, africano e asiático. Evidentemente, todas essas espécies introduzidas tinham necessidade de espaços e alimentação adequados às suas exigências, em proporções condizentes com seus números de indivíduos. As consequências foram derrubadas crescentes e sucessivas das florestas e o uso cada vez maior do fogo para controlar a invasão das clareiras pelas plantas da sucessão natural vegetal (chamadas até hoje de mata-pastos). Enquanto visavam apenas à subsistência dos ocupantes locais, as derrubadas ocasionadas para criação dos gados eram tópicas e dispersas. Porém, quando “evoluíram” para atender a intentos comerciais, iniciou-se o chamado “ciclo econômico do gado”, que, na verdade, não foi um ciclo, pois continua, até hoje, associado aos outros “ciclos”, que, aliás, também continuam mesclados ou sobrepostos. Tão logo foi definida no Reinado como atividade comercial de alta renda, a produção de açúcar exigiu o desenvolvimento de atividades complementares essenciais, embora reputadas como secundárias. Entre elas,
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tiveram destaque as lavouras de produção para consumo local ou regional (mandioca, milho, feijão, tabaco etc.) e a criação dos gados. A criação dos gados, exigindo pastos que eram formados à custa da derrubada dos matos em áreas não ocupadas pelas lavouras, seguia na esteira das plantações, pois os animais domésticos eram fonte de carne, leite, couros etc., mas também constituíam essenciais auxiliares nos tratos e atividades rurais. A pecuária, sempre em regime de criação e aproveitamento extensivos, passou a ter vida própria e assumiu uma função importantíssima na devastação florestal que se interiorizou pelo Brasil. Desde então, as alterações produzidas pelo colonizador passaram a modificar inteiros ecossistemas regionais. A cobertura florestal primitiva das matas atlânticas das baixadas litorâneas, a qual não estava sendo usada pelas lavouras de cana-de-açúcar, milho, tabaco etc., passou a ser substituída por cada vez mais extensas pastagens mantidas sempre pelo único instrumento disponível: o fogo. Até a década de 1990, a rápida expansão do desmatamento da região amazônica, conforme assinalam todas as fontes de informação disponíveis, foi devida à abertura de novas estradas e ao trabalho de formação de imensas áreas de pastos. Mais para o interior, as primitivas matas de caatingas e as matas do que, hoje, conhecemos como domínio dos cerrados, foram substituídas, de norte a sul e de leste a oeste, ao longo dos “caminhos dos sertões”, pelas imensas coberturas vegetais graminoides, incendiadas periodicamente para “formação de pastos”. Eis o testemunho de outros autores: As primeiras cabeças a chegarem no Brasil vieram das Ilhas de Cabo Verde, em 1534, para a capitania de São Vicente.
Em 1550, Tomé de Sousa mandou uma caravela a Cabo Verde para trazer um novo carregamento, desta vez para Salvador. Da capital da colônia o gado dispersou-se em direção a Pernambuco e daí para o nordeste, principalmente Maranhão e Piauí. Como a atividade canavieira se desenvolveu no nordeste, a atividade pecuarista também nesta região se concentrou, em terras do interior, reservando a zona litorânea à cana-de-açúcar. Dessa maneira a atividade criatória cumpriu um duplo papel: complementar a economia do açúcar e iniciar a penetração, conquista e povoamento do interior do Brasil, principalmente do sertão nordestino. No entanto esse processo não ocorreu de imediato. Num primeiro momento o gado foi criado no próprio engenho, sendo utilizado como força de tração e alimento. O senhor de engenho era o dono dos animais. Com o correr do tempo, a exigência cada vez maior de terras para o cultivo da cana-de-açúcar expulsou a boiada dos limites da área agrícola. Iniciou-se então uma segunda etapa, na qual existia uma nítida delimitação entre dois tipos de atividade, a agricultura e a pecuária, embora seguissem ainda vizinhos e interdependentes. A partir do início do século XVII a atividade criatória torna-se mais independente, ocupa terras cada vez mais para o interior, pois o desenvolvimento dos rebanhos exige grandes extensões de terras para as pastagens. Os rebanhos se destinam ao mercado interno, principalmente aos engenhos, porém se tornam atividades separadas, e as feiras de gado tornam-se o elo entre ambos os interesses. A primeira feira realizou-se na Bahia em 1614. É nesse momento que a pecuária pode ser vista como um fator de povoamento do interior. Desde o século XVII, até meados do século XVIII a pecuária ocupou diversas regiões do interior do nordeste, tendo como centros de irradiação as capitanias da Bahia, onde o gado ocupou terras do “sertão de dentro” e de Pernambuco, ocupando as terras do “sertão de fora”, sempre através dos rios, ao longo dos quais desenvolveram-se os currais. Diversos rios serviram como canais de integração entre o litoral, onde se concentrava a maioria da população da colônia e as novas terras ocupadas, abrangendo as regiões do Ceará, Piauí e Maranhão, para aqueles que partiam da Bahia, e as terras da Paraíba, e Rio Grande do Norte. Os vaqueiros, homens rudes e duros, muitas vezes escravos fugidos das fazendas do litoral, foram os verdadeiros conquistadores do sertão, abrindo caminhos, fundando povo-
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ações e ocupando áreas antes totalmente virgens da presença dos colonizadores. É preciso reconhecer, entretanto, que a penetração do gado e dos vaqueiros nos sertões do Nordeste nem sempre se verificou de maneira pacífica. Na Bahia, por exemplo, houve um enorme levante dos índios janduís e paiacus durante as últimas décadas do século XVII, obrigando o Governo-geral a solicitar a ajuda de bandeirantes vicentinos (os “sertanistas de contrato”) afeitos desde há muito à guerra e à caça ao índio. Em socorro aos vaqueiros baianos vieram experimentados apresadores de indígenas, como Estêvão Parente, Domingos Barbosa, Brás Arzão, Domingos Jorge Velho, Cardoso de Almeida e outros, que foram empregados na repressão à chamada “Guerra dos Bárbaros” ou “Confederação dos Cariris”. Muitos dos paulistas empregados nas guerras do norte não tornaram mais a São Paulo e preferiram a vida de grandes proprietários nas terras adquiridas por suas armas: De bandeirantes, isto é, despovoadores, passaram a conquistadores, formando estabelecimentos fixos. A pecuária do nordeste, que em princípio destinava-se a desempenhar o papel de atividade complementar à economia açucareira, de setor fornecedor de alimento e força de tração aos engenhos, ganhou considerável impulso com a descoberta do ouro das Gerais, nos fins do século XVII. 5
É da opinião de Carlos Castro (vide item 6) que o desmatamento da Mata Atlântica foi um fenômeno do século XX, baseando-se nos dados encontrados de que, entre 1945 e 1960, a cada cinco anos, desmatou-se mais do que o total desmatado entre 1500 e 1930. Além disso, Castro informa que, entre 1985 e 1995, a Mata Atlântica perdeu mais de um milhão de hectares (aproximadamente 11% de seus remanescentes) e que, dos mais de 1,3 milhão de quilômetros quadrados originais, subsistem apenas cerca de 8%.
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Isso evidencia que, estrangeiros ou brasileiros, exploradores ou explorados, súditos ou coloniais, livres ou escravos, brancos ou pretos, monarquistas ou republicanos, todos vieram provocando devastações florestais ao longo da nossa História. Saiba o leitor que, enquanto são lidas essas linhas, as matas atlânticas, que recobriam mais de 15% do território brasileiro (ou seja, aproximadamente 1,36 milhão de km2), já não existem em mais de 80% do território, ou seja, foram desflorestados mais de 1,08 milhão de km2. Para se ter uma ideia, a imensa área desmatada é maior, por exemplo, que a área somada dos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, mais Distrito Federal, ou, ainda, maior que o tamanho da Bolívia e da Colômbia ou a da soma das áreas da Alemanha, Espanha, Inglaterra e Itália. Até mesmo equivalente a 108 milhões de campos de futebol! As florestas amazônicas que ocupavam, num passado ainda recente, mais de 4,1 milhões de km2, já estão destruídas em mais de 35%, significando radical modificação ambiental e empobrecimento da biodiversidade em mais de 1,45 milhão de km2. Essa imensidade superficial é maior que o somatório dos territórios dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e de dois terços de Minas Gerais, ou, ainda, superior à soma das áreas do Peru e Paraguai e, também, maior que Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda juntos. Até mesmo mais de 145 milhões de campos de futebol! Vamos relembrar como foi o padrão do desmatamento na Amazônia:
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=388, acesso em 26/08/2016
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Ferraz (2001), recentemente, analisa as causas da expansão da fronteira agrícola na Amazônia brasileira a fim de explicar separadamente a demanda por áreas de cultivo agrícola e por áreas de criação de rebanho. Este estudo confirma que a demanda por novas terras que incentivam o desmatamento sofre influência de fatores econômicos, como o preço dos produtos agrícolas e da terra e do nível de crédito rural. Também, conforme era esperado, foi constatado que a rede de estradas pavimentadas e não pavimentadas foi um dos principais determinantes para a expansão do desmatamento. Em suma, o processo de desmatamento na Amazônia brasileira resulta do avanço da fronteira agropecuária na busca de novas terras, respondendo de forma esperada aos incentivos de preço, a tecnologia disponível e as economias externas da infra-estrutura instalada na região. O desmatamento na Amazônia deve, então, ser analisado tanto na ótica regional brasileira como na ótica mundial. Dessa forma, o controle do desmatamento não requer só uma ação de controle e monitoramento, mas também um conjunto de incentivos econômicos que permitam que os serviços ambientais da floresta, capturados por toda a população mundial, sejam internalizados na renda da população local. Logo, a sustentabilidade do uso da floresta Amazônica brasileira dependerá de ações de controle e monitoramento, da internalização de compensações pelos benefícios dos serviços ambientais globais e da transferência e adoção de tecnologias de produção agropecuária de baixo impacto ambiental que também sejam viáveis do ponto de vista do produtor agrícola. (REIS et al., 1993, 1996 e 2001).
Vamos relembrar como foi o padrão do desmatamento nas matas atlânticas: Em 1928, o assistente-chefe de botânica a agronomia do Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal, do Estado de São Paulo, F. C. Hoehne, impressionado com o corte das árvores pelas madeireiras, alertava para o perigo. Urge que os governos oponham um dique à onda devastadora de madeiras, que ameaça transformar nossa terra em deserto, disse Hoehne, após percorrer de trem a região das matas de araucária, nos Estados do Paraná e Santa Catarina. Anos mais tarde, em 1963, um estudo da Fundação de Pes-
quisas Florestais do Paraná (FUPEF) apontava para o fim das florestas em 15 anos. Hoje, constata-se uma área remanescente de 0,8% das matas, no Paraná, e menos de 3 % em Santa Catarina. A Mata Atlântica do Rio de Janeiro foi reduzida a 17% dos 97% que existiam originalmente. Segundo a professora Helena Bergallo, do departamento de Ecologia da Universidade Estadual do Rio de janeiro:”O Estado necessita aumentar o esforço de conservação dos remanescentes ainda existentes principalmente em áreas de nascentes e de matas ciliares que, segundo ela, são as que mais sofrem degradação. Segundo Alceo Magnanini, os ciclos econômicos foram fatais para biodiversidade; as APAs, no seu entendimento não são unidades de conservação (UCs) e sim unidades para planejamento. “O Brasil todo deveria ser uma “APA”, disse ele. Outro aspecto destacado por ele foi o descumprimento do Código Florestal. No Brasil, quase todos os proprietários são infratores do Código Florestal, disse, ressaltando que se a obrigatoriedade da conservação das Reservas Legais fosse cumprida, só no Estado do Rio de Janeiro teríamos mais de 40% do território com cobertura florestal. As plantações de Pinus, incentivadas por programas de governo e pela indústria do papel, estão invadindo as paisagens onde antes predominavam as araucárias, árvore símbolo do Paraná. Além dos programas de incentivo, estudos técnicos comprovaram que o Pinus cresce mais rápido que a araucária e se alastra com facilidade. Essas características determinaram a suspensão da plantação dessa espécie num entorno de 10 quilômetros do núcleo das matas de araucária e gerou protestos entre madeireiros. (REIS et al., 1993, 1996 e 2001).
ANALISEMOS AS LAVOURAS COMERCIAIS As lavouras de cana de açúcar para fins de consumo local e para exportação europeia foram iniciadas pelos colonizadores lusos logo que se instalaram nas novas terras, e, rapidamente, elas se estenderam pela costa nordestina, desde as planícies do Maranhão até as baixadas costeiras atlânticas do sudeste, que foi chamada sucessivamente de Terra das Palmeiras, Terra dos Papagaios, Terra da Vera Cruz, Terra da Santa Cruz, Brazil e Brasil.
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Lê-se no artigo de Evaristo Eduardo de Miranda, “Novos e Modelos de exploração Florestal”, divulgado na internet, que: Estudos científicos, cada vez mais circunstanciados, indicam que durante o período da Coroa portuguesa, a área média cultivada anualmente foi da ordem de 9.000 hectares, chegando a um máximo de 16.000 hectares no início do Império. O total de áreas desmatadas para a produção de açúcar, durante mais de 220 anos, no momento da Independência, atingia cerca de 14.000 km2. Comparada à extensão da Mata Atlântica, os desmatamentos causados pela cana-de-açúcar, durante mais de duzentos anos de povoamento, podem ser considerados irrisórios. Atualmente, em apenas um ano, se produz muito mais cana-de-açúcar no Brasil que durante todo o período da Coroa. [...] A história do desmatamento é fruto do Século 20 e da República. As políticas florestais da Coroa portuguesa e do Império conseguiram, por diversos, invejáveis e complexos mecanismos, manter grande parte da cobertura florestal do Brasil praticamente intacta até final do Século 19. Como assinala Carlos Castro, “em vez de imputar a Portugal a culpa por ter nos deixado uma ‘herança predatória’, talvez devamos aprender com as práticas conservacionistas que os portugueses preconizaram e tomarmos consciência de que a destruição das florestas brasileiras não é obra de 500 anos, mas principalmente desta geração.6
Poderíamos concordar, mas apenas parcialmente, com o texto acima. Por exemplo, não se consegue conciliar essa argumentação pró-luso-colonial-imperial com a verdade dos fatos históricos e com os escritos de José Bonifácio, Antonil e tantos outros que testemunham contrariamente a essa inédita defesa ultramarina que enaltece a “política florestal da Coroa portuguesa” (?) e as “práticas conservacionistas que os portugueses preconizaram” (?).
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Como se justificaria a alegada justeza da política que orientou tanto assim aquela Corte portuguesa, quando todos sabem que, nos primórdios da colonização europeia do Brasil, foi usado o forçado trabalho escravo dos indígenas como garantia de sucesso para a produção açucareira, que foi a principal produção econômica até o século XVIII. No princípio, a rebelde mão de obra indígena era a única disponível para atender às necessidades das lavouras, engenhos e práticas de criação de gado, como também para satisfazer os serviços domésticos. A população indígena, pertencesse ela a que grupo étnico fosse, era a única fonte encontrada pelos novos “donos” das terras para o fornecimento de trabalhadores, submetidos à impiedosa escravização, desde logo imposta. Inclusive, porque ali existia um apreciável contingente populacional e faltavam os recursos necessários para trazer escravos do continente africano. Assinale-se que, embora existentes desde o final do século XVI, as disposições reais que vedavam a escravidão indígena, na prática, não tinham cumprimento. Eclodiram desobediências, rebeldias, fugas, lutas armadas e até a adoção do alcoolismo e do extremo recurso dos suicídios da parte dos indígenas escravizados, como reação contra o regime de escravidão. Em face da crítica situação da mão de obra, só restava a alternativa onerosa e difícil de substituir os escravos indígenas pelos escravos negros, tal como a que se processou a partir do século XVII. Ela não foi uma consequência exclusiva da resistência dos índios à escravidão, nem da constante diminuição da população indígena resultante das guerrilhas e das doenças trazidas do exterior. O maior motivador deve
http://www.evaristodemiranda.com.br/artigos-tecnicos/velhos-e-novos-modelos-de-exploracao-florestal/, acesso em 26/08/2016.
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ter sido o sempre magno interesse comercial relativo ao próprio escravo como mercadoria. Não se pode deixar de ressaltar que, apesar da posição contrária da Igreja Católica, florescia o tráfico negreiro internacional e, provavelmente, foi o lucro auferido com o tráfico negreiro, que, tornando-se uma das principais fontes de recursos financeiros para a metrópole, fez o escravo africano mais rentável e proveitoso do que o escravo indígena. A principal fonte de receita das capitanias, instaladas no Brasil colonial, vinha do considerável comércio, via mar, de açúcar, algodão, tabaco, além de produtos de uma mineração incipiente, mantido com Lisboa e os portos africanos da Guiné, Angola e Moçambique. Em seguida, o tabaco, desconhecido no Velho Mundo (antes de se descobrir o Novo Mundo), teve ampla aceitação nas cortes da Europa, donde se irradiaram os hábitos crescentes de mascar tabaco, de aspirar o pó (rapé) ou de fumar, possíveis graças ao produto extraído de uma planta nativa das Américas, já usada pelos indígenas, principalmente em rituais. Foi o tabaco um dos principais produtos brasílicos de exportação, destinado, sobretudo, aos mercados da Europa, sendo o de melhor qualidade destinado à metrópole. Na África, passou a ser valiosa mercadoria de troca no comércio de escravos negros. Desde logo, a nefanda e impiedosa negociação de escravos africanos, trazidos aos milhares em navios negreiros e vendidos aos fazendeiros e comerciantes, assumiu proporções de destaque e passou a significar importantíssimo comércio. Salvador e Rio de Janeiro foram os principais portos negreiros e de tráfico escravo no país. Isso teve reflexos inusitados em relação ao plantio de algodão. Note-se que, embora o algodão fosse um dos produtos secundários de exportação na época da corte lusitana, há relatos, desde o século XVII, de que todas as roupas dos escravos eram feitas de algodão.
No século XVIII, houve um grande aumento do consumo britânico de algodão, o que animou uma crescente produção nas colônias portuguesas, dedicadas aos lucros comerciais. Entretanto, a concorrência do algodão produzido nas Treze Colônias Americanas era de menor custo e de melhor qualidade, além de trazer decadência para a produção algodoeira no Brasil. Todavia, posteriormente, a cultura que veio substituir os cafezais, que estavam em declínio de produção devido ao esgotamento dos solos nas áreas mais antigas de plantações de cafeeiros, foi a do algodão, em crescente demanda em virtude da revolução industrial europeia, que estava alcançado extraordinário progresso graças aos novos teares mecanizados ingleses. A questão é que a fabricação do, cada vez mais aceito e procurado, tecido de algodão estava ameaçada pela insuficiente matéria-prima, por causa do bloqueio que os Estados Unidos do Norte estavam fazendo aos Estados Unidos do Sul, impedindo qualquer exportação. O algodão, tendo sido promovido de material de panos plebeus para tecidos usados em vestimentas reais, chegou a ser denominado “o ouro branco”. Sua demanda norteou quase toda a política externa britânica, que exerceu considerável pressão nas áreas produtoras, como na Índia, Egito e, inclusive, na América do Sul, onde teve inegável papel (oculto?) na Guerra do Brasil-Uruguai-Argentina contra o Paraguai (este, na época, o maior produtor sul-americano de algodão). Depois dessa guerra, o nosso país, ao longo das fases de repúblicas pelas quais passava, foi ampliando as suas áreas de cultivo da fibra conífera, tão cobiçada internacionalmente, de modo a ocupar as antigas e esgotadas áreas cafeeiras no Sudeste e as pastagens abertas nas caatingas no Nordeste.
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A remoção das matas para plantio de canaviais foi feita, a princípio, em toda a planície litorânea brasileira, de norte a sul, onde as condições climáticas lhes fossem favoráveis. Em geral, os canaviais tinham deixado in natura as encostas das serras, onde avultavam problemas maiores de tratos agronômicos e de transporte da produção. Nessas áreas mais declivosas, inadequadas para o plantio de canaviais e impróprias para algodoais, as matas que ainda tinham sido pouco alteradas foram sendo totalmente substituídas por cafezais. A introdução histórica dos pés de café foi em chácaras metropolitanas da capital do Brasil. As plantações logo se estenderam por todos os morros da cidade do Rio de Janeiro e daí por quase todas as matas atlânticas vizinhas, que eram derrubadas e queimadas. A paisagem das matas foi substituída por infindáveis plantações de pés de café, em alinhamentos morro-acima-morro-abaixo, de horizonte a horizonte, pelos atuais Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Paraná, alastrando-se até o Paraguai. Seu único limite foi a linha de maior ocorrência de geadas no Sul do Brasil. Tudo sem nenhuma preocupação quanto à erosão superficial da terra. Estava-se, por toda a parte, trocando as matas “improdutivas” pelo chamado “ouro verde”. Contudo, infelizmente, tais lavouras cafeeiras, como foram lavouradas por onde passaram — se bem que tenham trazido riquezas para muitas personalidades, para algumas famílias e para uma parte do nosso país no passado —,esgotaram-se em pouco mais de uma centena de anos e deixaram para todos os brasileiros do presente e do futuro um imenso legado de solos esgotados, terras abandonadas e áreas erodidas.
Para os brasileiros do futuro, o Brasil do passado será muito grande e muito rico. O Brasil do presente ainda é grande e rico, apesar de, infelizmente, estar suportando, por enquanto, maus-tratos de toda ordem, entre os quais a rotina de devastação florestal.
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4. A ocupação da terra tem que ser devastadora? Para quem mora em cidades - e recordemos que, atualmente, mais de 80% da população brasileira vive em zonas urbanas -, poucas pessoas reparam que seus vilarejos, vilas, cidades e metrópoles se instalaram nas áreas de antigas florestas, que foram removidas para dar espaço para as ruas, praças, casas, fábricas, estradas, pontes, aeroportos, obras de engenharia etc. Esse processo, além de constante e firme, ameaça os poucos e esparsos remanescentes da Mata Atlântica, sob a “justificativa” do crescente déficit de algumas milhões de residências, tal como ocorre no Brasil. Essa incessante e crescente carência trará ainda maiores danos ambientais, que resultam em incalculáveis prejuízos para a coletividade. A expectativa quanto aos danos que tudo isso causará à Mata Atlântica é alarmante. O crescimento sem controle das cidades tem trazido a diminuição das áreas verdes necessárias para uma melhor qualidade de vida para todos. O aumento populacional e o desenvolvimento das indústrias exigem mais áreas amplas nas cidades e arredores. Grandes espaços, outrora florestais ou arborizados, são abertos para construção de condomínios residenciais e polos industriais. Para construir nossas rodovias, ferrovias e até aquavias, é necessário planejar e executar a retifi-
cação de traçados, mesmo que isso exija a remoção de matas. Porém, raramente recupera-se, mesmo que parcialmente, coberturas florestais ou, pelos menos, áreas rearborizadas nas partes afetadas. O mal não foi, nem é, a substituição da cobertura florestal pelas obras e construções em si, o que era, e é, indispensável para o alojamento da população crescente. O mal, ou melhor, os males são o emprego dos processos usados para efetivar todas aquelas ocupações do espaço anteriormente coberto por matas. Embora os casos da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica sejam os mais problemáticos, o desmatamento ocorre nos quatro cantos do país. Além da derrubada predatória para fins econômicos, a devastação de matas tem ocorrido também nas chamadas frentes agrícolas, onde, para aumentar a quantidade de áreas para a agricultura, muitos fazendeiros derrubam quilômetros de árvores. Outro problema sério, que provoca a destruição do verde, são as queimadas e incêndios florestais. Muitos deles ocorrem por motivos econômicos. Proibidos de queimar matas protegidas por lei, muitos fazendeiros provocam esses incêndios para ampliar as áreas destinadas à criação de gado ou ao cultivo. Também ocorrem incêndios por pura irresponsabilidade de motoristas. Bombeiros afirmam que muitos incêndios têm como causa inicial as pontas de cigarros jogadas nas beiradas das rodovias. Esse problema não é exclusivo do nosso país, pois no mundo inteiro o desmatamento ocorreu e ainda está ocorrendo. Nos países em desenvolvimento, principalmente os asiáticos, como a China, quase toda a cobertura vegetal foi removida. Estados Unidos e Rússia também destruíram suas florestas com o passar do tempo. Felizmente, embora todos esses problemas ambientais estejam ainda ocorrendo, verifica-se uma diminuição em comparação ao passado.
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5. Nada se fala sobre a devastação da fauna? Antes de tudo, não se quer repetir aqui o habitual lapso de só se aludir a matas, florestas e vegetações, sem fazer nenhuma consideração para a fauna, como parece ser do feitio nacional. Há que atender ao reclamo que o leitor já deve estar fazendo, desde o início deste livro. Muito se tratou no Brasil sobre assuntos florestais, mas pouco foi mencionado quanto à destruição incessante que vem dizimando a outrora riquíssima fauna brasílica. Justamente nesse país que já foi mundialmente conhecido pelo nome de Terra dos Papagaios. Todos nós devemos considerar, sim, esse assunto do empobrecimento da fauna indígena, tão grave quanto o da devastação da flora, mesmo porque ambos são interdependentes. No entanto, vamos transcrever o que outros estudiosos das nossas “coisas” colocaram no domínio público da internet, uma vez que se ouvem outras ditas “justificativas” muito usadas para tolerar a caça de subsistência para certos grupos privilegiados. E, aqui, podemos endossar totalmente o que Fábio Olmos 7 , biólogo e doutor em Zoologia, expôs em seu artigo “Comendo a Galinha de Ovos de Ouro”, abaixo transcrito: Infelizmente, aqui no Brasil a fauna silvestre é encarada antes como fonte de proteína para determinadas parcelas da população do que como fonte de inspiração, ou como um ativo financeiro que pode ser explorado sem que seja consumido.
http://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/16756-oeco-15843/, acesso em 22/08/2016 7
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O pior é que há quem defenda com unhas e dentes esta exploração, que além de economicamente burra (compare o preço de 1 kg de carne ou frango com o de um cartucho de espingarda), não tem nada de sustentável. Não estou falando aqui da caça esportiva manejada de forma científica. Sabemos muito bem que sem ela os banhados no Rio Grande do Sul, por exemplo, já teriam sido totalmente transformados em anti-econômicos arrozais. O problema é a caça de subsistência, encarada como direito das populações rurais pobres, e que alguns grupos “tradicionais” defendem como sua prerrogativa cultural. Embora teoricamente seja permitida apenas sob autorização especial e seguindo um manejo tecnicamente elaborado, na prática ela ocorre de forma ampla, geral e irrestrita. Como publicado este ano, a maior parte das apreensões de animais feitas pelo IBAMA no Amazonas é de bichos destinados à panela, não aos “biopiratas” que nossa ministra do Meio Ambiente gosta de demonizar. A ineficaz Lei Ambiental de 1998, ao extinguir o dispositivo que considerava a caça ilegal como crime inafiançável, ajudou a piorar uma situação que já era ruim. Mas que poderia melhorar com a simples proibição do comércio de pólvora e espoletas, já que o grosso da caça (e boa parte dos assassinatos no campo) é feito com armas de soca ou munição recarregada. Mas ninguém se importa com isso nos Ministérios do Meio Ambiente e da Justiça. O fato é que grande parte das florestas brasileiras está vazia. Vazia de bichos. Nossos bosques tinham mais vida. Você pode caminhar por dias em florestas na Amazônia, no Cerrado, na Caatinga ou na Mata Atlântica sem ver nenhum animal de médio ou grande porte. A maioria já foi para a panela ou abasteceu o mercado de peles, couros, banha e bichos de estimação. Menos visível que o escândalo do desmatamento que deixa a terra nua, essa catástrofe não é menos importante, pois afeta também áreas supostamente protegidas. O Parque Nacional do Iguaçu, uma das grandes arrecadações dentre o sistema brasileiro de Unidades de Conservação, teve suas queixadas extintas pelos caçadores locais. Que assim eliminaram o prato principal das ameaçadas onças-pintadas, que agora procuram comida nas fazendas próximas, gerando conflitos que sempre acabam mal para os gatos. Expedição recente ao longo de 52 km do rio Floriano, no cora-
ção selvagem do Parque, achou 26 acampamentos com restos de animais. E isso acontece no parque mais rico do país. Amazônia vazia... É da Amazônia que vem as melhores estimativas do tamanho do estrago. Estudo feito pelo biólogo Carlos Peres, publicado em 2000 (Conservation Biology 14: 240-253), sugere que a população rural da floresta amazônica brasileira (na época estimada em 8,1 milhões de pessoas) consumia algo como 23,5 MILHÕES de mamíferos, aves e répteis por ano. Não é surpresa que seja muito incomum achar uma localidade amazônica com concentrações de araras, capivaras, cervos, queixadas, mutuns e ariranhas como as facilmente encontradas em locais protegidos no Pantanal. Praticamente todos os estudos sobre a sustentabilidade da caça de subsistência realizados na Amazônia, tanto com grupos indígenas como com seringueiros, caboclos ou ribeirinhos, mostrou que a caça retira mais animais do que as populações animais podem repor. Ou seja, não é sustentável. Isso ocorre em terras indígenas, reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentado. Em geral é necessária a intervenção de biólogos para que os sapientes povos da floresta passem a ter padrões de exploração sustentável. O que por sinal contraria o paradigma que diz que estes povos são conservacionistas natos para os quais podemos entregar nossas florestas sem pestanejar. Para a fauna, a tal “etnogestão da biodiversidade” (será que quem criou o termo tem senso do ridículo?), entusiasticamente vendida pelo MMA, significa ser massacrada para ir para a panela ou para virar matéria-prima de balangandãs. Não é novidade que os pacotes destinados à Amazônia incluem a “focagem noturna de jacarés” e a “pesca de piranha”, exatamente para mostrar alguma fauna a turistas decepcionados que acreditavam que encontrariam uma floresta onde árvores se curvam sob o peso de macacos e araras e uma onça pode ser vista a cada curva de rio. Outra estratégia para diminuir a frustração é manter animais semi-domesticados junto aos alojamentos, o que alimenta o comércio ilegal de animais silvestres, como já vi em Marajó. Ou fazer passeios em locais onde animais apreendidos pela fiscalização são recuperados, o que é mais decente. Nenhum desses expedientes seria necessário se boa parte da Amazônia não fosse de florestas vazias. Claro que há exceções, em geral em áreas militares de acesso restrito como a Serra do Cachimbo (com fauna espetacular graças ao campo de pro-
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vas da Aeronáutica) ou alojamentos isolados e bem protegidos, como no rio Cristalino. Mas você tem que saber onde procurar. Espingardas em punho... Na Caatinga há uma guerra de extermínio contra tudo que se move em curso desde que Garcia D´Ávila construiu seu castelo e começou a queimar o sertão para criar gado. Seu melhor símbolo é a facilidade com que se vê dezenas de pessoas com espingardas em punho que caminham despreocupadas nas estradas, coisa rara ou inexistente em outras regiões. Lembro de estar trabalhando com colegas do Ceará no sul daquele estado e encontrarmos um grupo de pombas asa-branca. Este é um bicho peba com ampla distribuição que pode ser visto às dezenas nos jardins do Plano Piloto de Brasília, no campus da UNICAMP e mesmo na minha cidade natal, Santos. Meus colegas tiveram orgasmos ornitológicos múltiplos ao verem os pombos. Porque o bicho, vagabundo em outros lugares, foi praticamente extinto no Ceará devido à caça persistente com espingardas, estilingues e arapucas. Caça que eliminou praticamente todas as espécies de maior porte e interesse gastronômico, transformou a tarefa de determinar a fauna original do estado (e de toda a Caatinga) num exercício que demanda arqueologia. Ou seções espíritas. O Parque Nacional Serra da Capivara é um dos melhores exemplos que conheço sobre o impacto da caça sobre a fauna da Caatinga. Em 1991 trabalhei no Parque, que ainda era uma entidade virtual, existindo apenas no papel. Como é normal no sertão nordestino, parte significativa da população masculina da região estava engajada em matar qualquer animal silvestre que encontrasse. Ver um reles mocó, cotia, veado ou jacu era como acertar na loteria. Devo ter visto cinco ou seis jacus em um ano. Como muitos devem saber, a ONG gestora do Parque, a Fundação Museu do Homem Americano, conseguiu fazer o Parque da Serra da Capivara ser uma das melhores Unidades de Conservação da América Latina , apesar das resistências de setores do IBAMA e do MMA, incomodados por uma ONG que consegue fazer o que o governo tem sido notoriamente incapaz. Hoje, graças a um plano de fiscalização eficiente, é possível ver 50-60 jacus juntos nas fontes de água manejadas pelo Parque, com cotias, mocós, tatus, veados e macacos ao seu redor. A nota triste é a extinção local das queixadas, das quais talvez 20 ainda existissem em 1991. A proteção chegou muito tarde para elas. Devo notar que o sucesso da Serra da Capivara acontece apesar do Piauí ser um país com leis diferentes. No Brasil
o portador de uma arma não registrada e/ou sem porte está cometendo um crime inafiançável. Mas no Piauí os delegados nem registram boletins de ocorrência sobre isso, nem os juízes mantém os infratores engaiolados até o julgamento. Quando um visitante estrangeiro me pergunta onde pode ver mamíferos na Mata Atlântica eu recomendo que faça a trilha da Pedra Grande, no Parque Estadual da Cantareira. Isso fica dentro da cidade de São Paulo, e de lá posso ver os arredores de meu apartamento no Centrão. Mas também é possível ver cotias, pelo menos três espécies de macacos,bichos-preguiça, jacus, macucos, tucanos e esquilos com facilidade.Facilidade muito maior do que é possível encontrar essas espécies em locais como a Estação Ecológica Juréia-Itatins, ícone das áreas protegidas da Mata Atlântica, ou o Núcleo Picinguaba do Parque Estadual da Serra do Mar. Ou no Parque Estadual da Ilha do Cardoso. A caça crônica realizada pelas “populações tradicionais”, que ocupam essas áreas teoricamente protegidas se encarregou de dizimar as populações animais. Estado lamentável. Os melhores dados sobre a situação da fauna na Mata Atlântica de São Paulo estão sendo obtidos pela equipe de Mauro Galetti, do Departamento de Ecologia da UNESP de Rio Claro. Parte das conclusões, apresentadas no Congresso da Sociedade de Biologia da Conservação em julho passado, mostra o lamentável estado da fauna da Mata Atlântica paulista. Isto é triste porque São Paulo já foi uma referência como sistema estadual de meio ambiente e de Unidades de Conservação. Certamente o fato do Estado mais rico e populoso da Federação ter ainda 13% de cobertura por habitats naturais, que inclui boa parte da Mata Atlântica que resta no planeta, é extremamente positivo. Mas algo de podre acontece sob as árvores. O panorama geral é deprimente, com a grande maioria das Reservas mostrando extinções locais, populações animais muito reduzidas e com os palmitos eliminados. Essa detonação está associada às atividades de caça e extrativismo realizadas por comunidades que vivem tanto no interior como no entorno das reservas. Estas incluem de bairros inteiros a aldeias indígenas, algumas das últimas fruto de invasões recentes (a moda atual começou em São Paulo) apoiadas pela Procuradoria da República. Enquanto que até o início da década de 1980 a forma de criação das Unidades de Conservação era a tradicional (desapropriar e retirar os ocupantes), a redemocratização foi acompanhada pela popularização das lorotas antropológicas sobre povos tradicionais como mantenedores e geradores da biodi-
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versidade e melhores conservacionistas do que os imperialistas euro-descendentes. Essa pseudociência, politicamente correta, encontrou eco na Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo. O resultado são Unidades de Conservação que, ao invés de estarem cheias de bichos e turistas apreciando-os, estão cheias de gente detonando-as e são um verdadeiro programa de índio para visitar. A grande exceção ao padrão de detonação encontrado por Galetti e seu grupo é um Parque criado nos velhos tempos. Embora o Parque Estadual de Carlos Botelho tenha sofrido extração seletiva de madeira e retirada de carvão antes de virar uma Reserva, hoje tem a fauna mais exuberante da Mata Atlântica paulista. Ou talvez do planeta. Por dois motivos. Não tem moradores no seu interior (embora os Guaranis invasores do vizinho Parque Intervales agora o assediem para caçar e furtar palmito) e teve um diretor que por mais de 30 anos levou seu trabalho a sério. O imortal Dr. Bento é autor de uma das minhas verdades politicamente incorretas favoritas. Em suas palavras: “Educação ambiental? O que funciona é o cacete ambiental!!!”. As robustas populações de muriquis e jacutingas do Parque, as maiores do planeta, são um dos resultados. O interessante em São Paulo é que algumas das Reservas mais defaunadas, como Juréia e Picinguaba, são considerados “exemplos” de gestão moderna que leva em consideração os interesses das “populações tradicionais e” onde foram enterrados milhões, vindos de projetos como o PPMA-KfW, em reuniões participativas, planos de gestão e a tradicional dobradinha evento social-produção de papel que caracteriza projetos “modernos” de Conservação da Natureza, que pouco se importam com resultados objetivos. É claro que se as populações animais fossem usadas como indicadores de sucesso destes projetos (aumentaram ou diminuíram? houve extinções?) os gestores passariam a gastar o dinheiro naquilo que importa e não em fingir que algo foi feito. Mas quem pergunta para os bichos se um projeto ambiental está funcionando? Não deixa de ser irônico que macacos, cotias e tatus estejam mais seguros na capital paulistana do que na Juréia. Um novo projeto de estímulo ao ecoturismo nos Parques paulistas está se iniciando. Espero que este inclua a proteção das áreas e acabem as cenas deprimentes como a venda de palmito e aves silvestres no estacionamento da Caverna do Diabo, em pleno Parque Estadual de Jacupiranga. A Polícia Ambiental paulista seria muito
mais útil se tivesse destacamentos fixos, patrulhando o interior dos Parques do que checando a origem da lenha das pizzarias Por conta própria. O ecoturismo tem sido vendido como a solução para a economia estagnada ou decadente de várias regiões. E seu foco em geral são Parques e outras áreas protegidas onde visitantes podem não apenas nadar em belas cachoeiras ou caminhar em praias relativamente desertas, mas também ter seu “momento Discovery Channel” ao ver um grupo de muriquis, ou descobrir jacarés tomando sol. Ou ver aquela ave especial que só ocorre ali. Ou uma árvore milenar coberta de orquídeas. Mas qual o potencial turístico da favela em meio a árvores na qual parte do Parque Estadual Intervales se transformou após a invasão por índios Guarani? Qual o estímulo para que um visitante retorne a uma Amazônia onde só verá animais semi-domesticados? A troco de quê alguém visitará um Pantanal transformado em carvoarias e pastagens? A destruição contínua da fauna e da natureza brasileira é a destruição de algumas das melhores razões para que o País seja visitado. A menos que queiramos continuar como paraíso do turismo sexual. Ou talvez do turismo de aventura baseado na fuga de balas perdidas. Infelizmente o ônus de parte dos problemas sociais brasileiros é sempre lançado sobre a natureza, em um processo de degradação estúpida. Populações eternamente presas na armadilha da pobreza gerada pela falta de educação e alta natalidade, que não conseguem colocação em um mercado de trabalho cronicamente deprimido, mas sempre exigente de qualificação, têm na extração não sustentável de recursos naturais sua fonte de sobrevivência. O resultado é destruição ambiental e de um patrimônio que poderia gerar renda sem ser consumido. Graças à recusa governamental em fugir do paternalismo barato de dar esmolas, à aversão ao cumprimento da lei e à inércia endógena de alguns grupos sociais, resta à natureza arcar com sua sobrevivência. E não faltam os ecoburocratas que acham que a função das Unidades de Conservação é fornecer proteína para os Parques antropológicos que pululam no País. Este processo não acabará bem nem para seringueiros e caboclos da Amazônia nem para os caiçaras e Guaranis que exterminam a fauna dos Parques paulistas. Comer o último muriqui e cortar o último palmito podem matar a fome do momento, mas não tirará ninguém da miséria nem trará a dignidade de
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ser membro de uma cultura vencedora e auto-suficiente, e não mendicante. Mas as extinções são para sempre. PS: Em meu artigo anterior, uma de minhas conclusões é que a reforma agrária é uma falsa solução para o excedente populacional resultante da falta de empregos, falta de educação e falta de planejamento familiar. Esses fatores criam uma demanda que não pode ser suprida pelo aumento da oferta de terras. Em reportagem do OESP de 22/01/06 José Rainha Júnior diz que os filhos dos assentados viram novos sem-terra por falta de opção. Em suas palavras: Se ele pudesse escolher estaria numa escola técnica ou na agroindústria. Mas onde há empregos? Eu e o Movimento dos Sem Terra concordamos plenamente neste ponto.
A propósito da fauna, a análise da sua crescente destruição ainda comporta a apreciação de alguns dados que poderão nos dar uma ideia, ainda que pálida, das consequências que a devastação florestal vem trazendo para a fauna indígena do Brasil, uma vez que esta está na estrita dependência de alimentação e abrigos fornecidos pela vegetação. Em 2004, um estudo foi realizado por vários pesquisadores do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) junto a 680 madeireiras (27% do total), em 82 polos da Amazônia. Só no ano de 2004, foram cortados 6,2 milhões de árvores naquela região. Repare que o estudo somente considerou as toras de uso comercial e não contabilizou o total de árvores cortadas em desmatamentos agrícolas e pecuários e não comercializadas. No período de 2003 a 2004, foram desmatados mais de 24 mil km2 (maior que a área de 2,4 milhões de campos de futebol) na Amazônia. Alguém falou sobre as consequências para a fauna regional? E, no Estado do Rio de Janeiro, onde a Mata Atlântica chegou a cobrir 97% de seu território e, hoje, cobre menos de 10% da área do Estado? Apesar das áreas protegidas, por todos os outros lugares constatam-se perdas na diversidade biológica (biodiversidade) no primitivo Bioma Mata Atlântico do Rio de
Janeiro, que é parte importante do Patrimônio da Humanidade, oficialmente reconhecido pelas Nações Unidas. Milhares e milhares de espécies já se extinguiram no nosso país, devido aos ciclos “econômicos”. Ciclos esses que, hoje, revelam terem sido “deseconômicos”, pois significaram explorações descontroladas dos recursos naturais, desde o início da História do Brasil, a começar pela extração do pau-brasil, seguida de constantes destruições ambientais para a implantação da civilização ocidental com seus extrativismos sem controle, suas atividades pecuárias, suas monoculturas de cana- de-açúcar, café, algodão, cítricos, grãos etc. Isso foi o passado e é o presente. Como será o futuro? Até mesmo algumas atividades predatórias, como a que quase levou ao extermínio das baleias, já estiveram estreitamente relacionadas com a devastação florestal, como se lê no relato de José Bonifácio de Andrada e Silva, quando comentava que o óleo das baleias era usado na iluminação da Europa, depois de obtido com o cozimento da massa de gordura dos animais em grandes tachos alimentados por toras de lenha que tinham que ter, no mínimo, 60 cm de diâmetro (e isso durante décadas a fio). A situação da devastação da fauna é muito mais grave do que se tem conseguido descrever. Como se sabe, a fauna não se limita aos animais que pertencem aos grupos de mamíferos, aves, répteis e peixes. A devastação florestal também elimina milhões de indivíduos invertebrados (protozoários, vermes, moluscos, gongolos, lacraias, aranhas, escorpiões e insetos, por exemplo). Todos são elos fundamentais nas cadeias alimentares dos animais superiores. Milhares de insetos, vermes e crustáceos, entre outros não lembrados, essenciais, todavia desconhecidos, são importantes para a manutenção das florestas, e muitos já não devem existir mais.
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6. Por que as leis não são cumpridas? Aqui, vamos dar a palavra ao advogado Marcos de Abreu e Silva (2005), da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (FAEMG), que, ao analisar aspectos histórico-jurídicos do desmatamento florestal no Brasil, escreveu: As florestas localizadas na banda oriental do território nacional, particularmente na região nordeste e sudeste, onde se localizava em toda sua integridade e inteireza a Mata Atlântica, em verdade, começaram a ser destruídas com a chegada dos portugueses em 1500. Já em 1502, Fernão de Noronha, em consórcio com judeus conversos, contratou com a Coroa Portuguesa o direito exclusivo de exploração do pau-brasil. Era o primeiro monopólio estatal criado para uma exploração predatória que não se limitara à exploração do ibitapitanga ou arabutan, como era conhecido na linguagem Tupi a árvore famosa cujo cerne era a mais rica fonte de tintura avermelhada da época. O monopólio da Coroa continha nítido objetivo político, econômico, e, ao mesmo tempo, estratégico. Os beneficiários do monopólio de exploração das florestas nas 900 léguas de litoral (5,9 mil quilômetros), em contrapartida, obrigaram-se a defender a terra e as matas contra a cobiça de espanhóis, holandeses, ingleses e franceses e, ainda, pagar à Coroa um quinto de seus lucros. A Primeira Carta Régia, elaborada no
ano de 1542, teve como objetivo apenas a punição pelo desperdício da madeira, dado que este recurso natural constituía para a Metrópole uma riqueza de enorme potencial; todavia, em nada se preocupou aquele normativo com relação aos efeitos nocivos que a sua exploração descontrolada poderia ensejar para a Natureza. Foram também intensamente exploradas outras madeiras de alto valor, especialmente destinadas à construção naval, edificações, móveis e outros usos nobres, como tapinhoã, sucupira, canela, canjarana, jacarandá, araribá, pequi, jipaparana, peroba, urucurana e vinhático. O monopólio da exploração da madeira da “Terra brasilis” só terminou em 1859, quando a Coroa já registrava que o volume contrabandeado era superior ao das vendas oficiais e os corantes preferidos eram produzidos a partir do alcatrão mineral. Até aí foram três séculos de intensa devastação florestal induzida por motivações de interesse do próprio estado colonizado, sempre justificada por interesse da segurança ou do desenvolvimento da terra brasileira. A cumplicidade do Poder Público na devastação continuava às escâncaras. Já no período imperial, por exemplo, Dom Pedro I enviava para Londres enormes contingentes de madeira para serem leiloadas, a fim de obter recursos para saldar juros da dívida pública externa. O espírito extrativista permaneceu até que as plantações de cana de açúcar e a implantação da pecuária bovina passaram a motivar a supressão de matas remanescentes. A terra, por si só, praticamente não tinha valor. O proprietário recebia gratuitamente uma sesmaria. A alternativa econômica da época era consumir, o mais rápido possível, toda a potencialidade do solo. Um modelo instituído pela Coroa que persistiu por séculos. A Carta de Lei de 1827 tentou, sem êxito, defender as reservas florestais por via da proibição à exploração desautorizada das madeiras de lei. Dom Pedro II, pela Lei nº 601, editada em 1850, proibiu a exploração florestal em terras descobertas. Mas, sua lei foi ignorada porque justificava-se o desmatamento como necessário ao progresso da agricultura e da pecuária. O Império não podia abrir mão das monoculturas do café e do cacau para alimentar
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o mercado de exportação. A Princesa Izabel, em 1872, autorizou o funcionamento da primeira companhia privada especializada em corte de madeira, para evitar o desmatamento descontrolado. Porém, em 1875, liberou totalmente de licença prévia qualquer para corte de madeira nas matas particulares. Em 1920, o Presidente Epitácio Pessoa, preocupado com a preservação e restauração de matas, disse: “... dos países cultos dotados de matas e ricas florestas, o Brasil é talvez o único que não possui um código florestal”. Em 1921, foi criado o Serviço Florestal com regularização em 1925. Porém, nada adiantou, pois este serviço não tinha respaldo na Constituição de 1891, que omitira qualquer dispositivo a respeito de matas e árvores. Só após 1934 o Brasil veio a dispor de um Código Florestal, com a edição do Decreto nº 23.793 de 1934, baixado pelo Chefe do Governo Provisório. Um disciplinamento que já se preocupava mais do que a simples preservação das florestas em si. Cuidava também dos efeitos reflexos na conservação do regime das águas e de espécimes da fauna, na proteção contra erosão, dentre outras disposições. As florestas, consideradas em conjunto, foram, ela primeira vez, reconhecidas como bem de interesse comum a todos os habitantes do país (art. 1º). Curioso é que a índole axiológica implícita no primeiro código permite ilações de que se dava mais valor ao desenvolvimento econômico do que ao objetivo de preservar matas ou cuidar do ambiente ecológico. Claro exemplo disso é a disposição contida no artigo 25 do Código de 1934, que assegurava ao pretendente à produção de lenha para uso de vapores e máquinas o direito de desmatar florestas próximas de rios e de estradas, caso o seu pedido de autorização não fosse decidido no prazo de trinta dias pela autoridade competente. A toda evidência, portanto, deu-se prevalência ao interesse do empreendimento daquele que desmata em detrimento da floresta. Já em 1965, a Lei 4.771, revogando o código de 1934, introduziu novo disciplinamento para as florestas e as demais formas de vegetação existentes no território nacional; estes recursos foram reconhecidos como de utilidade para as terras que revestem, estabelecendo que são bens de interesse comum a todos os habitantes do País. Os direitos de propriedade passaram a ser exercidos com as limitações da legislação em geral e especialmente daquelas criadas pelo novo código. Contudo, o fato mais relevante na ordem jurídica florestal é a Constituição Federal de 1.988 que, cuidou, pela primeira vez, em sede constitucional, da questão ambiental. Por via de conseqüência, diversas alterações foram introduzidas a partir
de sua promulgação, especialmente na Lei 4.771/65, visando ajustá-la aos novos ditames constitucionais. Na ordem cultural, há de se relevar a realização da ECO-92, realizado no Rio de Janeiro, momento a partir do qual a sociedade brasileira despertou pelo debate racional e atitudes mais consistentes em termos de meio ambiente. Mostrou-se, a partir de 1992, em todos os segmentos sociais, uma extraordinária capacidade de conscientização sobre a importância da matéria ambiental. A partir daquele evento, tornaram-se de intensa freqüência as mais diferentes ações de defesa dos recursos naturais, todas elas implementadas com resultados de alta efetividade.
Já Warren (1966) conclui que: *CONCLUSÃO*: As anotações acima declinadas levam a uma certeza de que o desmatamento das florestas do leste brasileiro decorreu de razões que sempre abrigavam, ainda que por via reflexa, o interesse da Coroa Portuguesa, do Império ou mesmo do estado nacional. O que se observa é que o poder estatal, desde o descobrimento do Brasil, quando não foi o maior interessado, estimulou ou foi cúmplice do processo de devastação da nossa floresta litorânea durante os últimos cinco séculos. Esta realidade histórica não ficou esquecida. Tanto que o constituinte originário da nova Carta da República de 1988 foi extremamente lúcido e cuidadoso, distinguindo com muita propriedade a responsabilidade de preservação e a responsabilidade pela restauração. A primeira, que objetiva assegurar a defesa e preservação da floresta remanescente, seria ônus da coletividade e do Poder Público, incluindo-se aí, por óbvio, a participação dos proprietários de terras rurais. A segunda, que diz respeito à responsabilidade da restauração de florestas suprimidas, ao longo desses cinco séculos, ficou a cargo exclusivo do Poder Público, conforme se dessume do inciso I, § 1º do artigo 225 da Constituição da República, eis que o reflorestamento é um dos processos ecológicos essenciais. Tais responsabilidades são do mais alto interesse público na medida em que visam assegurar o direito das presentes e futuras gerações, não só em relação às florestas, mas em relação a tudo que se abrigue no que se chama de Meio Ambiente. Todos os aspectos acima assinalados devem ser desapaixonadamente levados em conta. Afinal, não é correto, não é justo e, muito menos, teria amparo legal, pretender, a essa altu-
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ra, impor aos titulares atuais da propriedade rural a responsabilidade exclusiva de restauração de florestas devastadas num passado, que já vem de muito longe. Ele está obrigado, sim, a conservar, nos termos da lei, o que ainda resta de florestas. Se o governo ou a sociedade convencerem-se de que é preciso restaurar onde não mais exista floresta, que ali a restaure. Mas, que o faça por sua conta, respeitando o direito de propriedade já incorporado no patrimônio individual de cada proprietário atual, por ato jurídico perfeito e acabado, sem qualquer ofensa à lei. Uma lei que se subsuma ao ordenamento constitucional.
Em apenas 30 anos, o Brasil viveu uma rápida transformação, passando de uma economia agrária para uma sociedade altamente industrializada. A parcela da população urbana aumentou de 30% para mais de 80%. A consciência ambiental das pessoas alerta para a necessidade de preservação ambiental. Governos de diversos países e ONGs de meio ambiente têm atuado no sentido de criar legislações mais rígidas e uma fiscalização mais atuante para combater o crime ecológico. Espera-se que, no início deste novo século, o homem tome consciência desses problemas e comece a perceber que antes do dinheiro estão a vida de nosso planeta e o futuro das próximas gerações. Nossos filhos têm o direito de viver num mundo melhor. Sem embargo, considera-se um retrocesso, assinalado por especialistas e universitários, a revogação da Lei Florestal de 1965, substituída pela lei de uso do solo rural, que data de 2012 e foi apelidada de “Novo Código Florestal”. Sem outro intuito que o histórico, recordemos o que era, como foi feita, a que visava e o que continha a extinta Lei Federal nº 4.773, de 1965. Antes de tudo, a Lei Federal nº 4.771, de 15 de setembro de 1956, foi uma lei especificamente florestal e não poderia ser chamada de Código Florestal (o que significaria uma consolidação de diversos dispositivos legisladores sobre florestas). Entretanto, foi sempre chamada de Código Florestal de 1965. O primeiro fato é que tudo já tinha começado em 1961, quando foi instituído o Grupo de Trabalho para ela-
boração da Lei Florestal, criado pelo Memorando Presidencial GP/MA. nº 42, de 5 de abril de 1961, que ratificou a preposição nº 4 do então governador do Estado de São Paulo, aprovada na 4a reunião de governadores, realizada no Estado da Guanabara. O segundo fato é que o Grupo de Trabalho instituído foi composto por: Osny Duarte Pereira, advogado, magistrado do Estado da Guanabara e autoridade mundialmente reconhecida em Direito Florestal (presidente e coordenador do Grupo de Trabalho); Adelmy Cabral Neiva, advogado, professor de Direito Internacional Público e Direito Comparado e procurador do Instituto Nacional de Imigração e Colonização (INIC); Bernardo Pain, advogado e consultor jurídico substituto da Consultoria Jurídica do Ministério da Agricultura; Alceo Magnanini, engenheiro agrônomo, botânico do Ministério da Agricultura e chefe do Setor de Ecologia Florestal do Centro de Pesquisas Florestais e Conservação da Natureza do Estado da Guanabara; Roberto de Mello Alvarenga, diretor do Serviço Florestal e vice-presidente do Conselho Florestal do Estado de São Paulo; Henrique Pimenta Veloso, engenheiro agrônomo do Ministério da Saúde e chefe da Secção de Ecologia do Instituto Oswaldo Cruz. O terceiro fato é que as atividades do Grupo de Trabalho foram interrompidas quando aconteceu a inesperada renúncia do presidente Jânio Quadros e somente foram reiniciadas em 1962, quando o ministro da Agricultura considerou indispensável o seu prosseguimento com os mesmos componentes, acrescido apenas da colaboração do engenheiro agrônomo Victor Abdennur Farah, então presidente do Conselho Florestal Federal. O quarto fato é que, sob a coordenação altamente competente do desembargador Osny Duarte Pereira, o Grupo de Trabalho concordou que todos os dispositivos em estudo seriam analisados por cada um dos membros
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do grupo e que estes poderiam proceder às consultas que julgassem necessárias com colegas, amigos ou conhecidos, fora do grupo. Mais ainda, o texto de cada dispositivo a ser aprovado só poderia sê-lo por unanimidade de votação de todos os membros. Portanto, a menor discordância representaria veto e acarretaria novo estudo e novo julgamento. Isso, naturalmente, sobrecarregou o trabalho de todos, com demorados e exaustivos debates, mas o resultado final foi ineditamente positivo. O quinto fato é que o projeto de lei não foi apenas o resultado do trabalho de alguns tecnocratas (como, às vezes, ainda se ouve falar), mas, sim, produto do esforço sério e dedicado de mais de dois anos de estudos e reuniões que abrangeram, sinteticamente, os pareceres de dezenas de especialistas e as opiniões de dezenas de interessados em matéria florestal, bem como as análises da legislação e dos direitos florestais de outros países. O sexto fato é que, além disso, o Congresso Nacional examinou longamente a proposta do projeto de lei, nele introduzindo pequenas alterações, tanto que foi somente em 15 de setembro de 1965 que o presidente da República, Hugo Castelo Branco, assinou o texto final da lei, que colocou o país entre aqueles possuidores da mais avançada legislação florestal, posição ocupada até maio de 2012. Já em 2011, apareceu um projeto de lei que seguiu exatamente o caminho contrário daquele acima descrito, pois foi iniciado nos escaninhos do Congresso Nacional, aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal e, depois, promulgado pela Presidência da República, apesar de todas as manifestações de repúdio que recebia da comunidade científica, dos especialistas e técnicos dos órgãos competentes, da Academia Brasileira de
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Ciências (ABC), da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), dos conselhos regionais de Engenharia e Arquitetura, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do próprio Ministério Público Federal (MPF), de ONGs e do abaixo-assinado com mais de um milhão de signatários do povo que pedia o veto da Presidência da República. Eis o resumo da história: em 25 de maio de 2012, passamos a ter a Lei nº 12.651 (originada do Projeto de Lei 1.876/1999), dispondo: [...] sobre a proteção da vegetação nativa tendo revogado o Código Florestal Brasileiro de 1965. [...] O projeto que resultou no texto atual tramitou por 12 anos na Câmara dos Deputados e foi elaborado pelo deputado Sérgio Carvalho (PSDB de Rondônia). Em 2009, o deputado Zini do PCdoB foi designado relator do projeto, tendo emitido relatório favorável à lei em 2010. A Câmara dos Deputados aprovou o projeto pela primeira vez no dia 25 de maio de 2011, encaminhando-o ao Senado Federal. No dia 6 de dezembro de 2011, o Senado Federal aprovou por 59 votos contra 7 o projeto de Aldo Rebelo. [...] No dia 25 de abril de 2012, a Câmara aprovou uma versão alterada da lei, ainda mais favorável aos ruralistas, que a comemoraram. Em maio de 2012, a presidente Dilma Rousseff vetou 12 pontos da lei e propôs a alteração parcial em 32 outros artigos. Após o Congresso aprovar o “Novo Código Florestal”, ONGs, ativistas e movimentos sociais organizaram o movimento “Veta Dilma”, pedindo o veto integral ao Projeto de Lei. 8
O projeto de lei foi aprovado em 2012 como Lei Federal n° 12.651/2012, revogando a Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965, a Lei n° 7.754, de 14 de abril de 1989 (e suas alterações posteriores), e a Medida Provisória no 2.166/1967, de 24 de agosto de 2001. Enfim, sabemos todos que promulgar uma lei é uma coisa e outra é implantá-la e fazê-la cumprir.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Novo_C%C3%B3digo_Florestal_Brasileiro, acesso em 06/10/2016
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7. Qual o futuro de nossas florestas? RESPOSTA 1 Para destruí-las, basta manter a rotina, infelizmente, já tradicional. Parece ser indesculpável ensinar alguém a destruir a natureza, tanto mais que, para isso, bastaria continuar a empregar os métodos corriqueiros de ocupação e de uso dos recursos naturais, como desbravar, derrubar, queimar, esgotar os solos, desperdiçar águas, exportar matérias-primas, provocar erosões, poluir os ambientes e abandonar os locais tornados improdutivos. Incrivelmente, quem pratica tudo isso, hoje, ainda é agraciado como “pioneiro” e “conquistador” de mais terras para o nosso Brasil, “expandindo” as fronteiras agrícolas (embora deixando para trás terrenos sáfaros, improdutivos e abandonados). Na verdade, nesta imensidão terrestre que é o Brasil, já devastamos mais de 90% das florestas localizadas fora da chamada bacia amazônica. Os inventários e os trabalhos dos estudiosos da nossa natureza mostram que restam, esparsos e distantes entre si, menos de 10% da outrora contínua mata extra-amazônica, que se apresentava do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte e Ceará. Fala-se muito na defesa da Amazônia, na carência e na urgência de medidas para se proteger aquele inestimável patrimônio natural, o que é efetivamente uma necessidade inadiável. Todavia, a maioria dos brasileiros não tem ainda noção de que, em pouco mais de quinhentos anos, já foi destruída outra floresta de dimensão quase amazônica, como eram as florestas atlânticas. Já se conseguiu, ao longo do Oceano Atlântico, remover muito mais do que simples coberturas florestais: houve des-
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truição de solos, águas, climas locais, floras e faunas. Extinguiram, para sempre, milhares e milhares de espécies de fungos, vegetais e animais cujos nomes e classificações nem chegamos a conhecer por um simples motivo: os lenhadores, carvoeiros, fazendeiros, pecuaristas, especuladores imobiliários etc. chegaram muito antes que os botânicos, zoólogos, ecólogos e geneticistas. Tais perdas biológicas são irrecuperáveis, irreparáveis, tanto mais porque uma extinção de espécie biológica é para sempre: não há meios de recriar uma espécie extinta, apesar de nós próprios já termos ouvido, certa ocasião, de um presidente do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), a pretensiosa afirmação de que a nossa tecnologia sempre dá um jeito. O que se fala sobre o grau de devastação pátrio não é exagero, visto que testemunhamos, há mais de setenta anos, a devastação desnecessária das florestas atlânticas. Pior, todos somos testemunhas oculares, atualmente, em todos os estados onde ainda remanescem algumas áreas de matas, de que as atividades, explícitas ou implícitas, prosseguem, acarretando a destruição do que resta! Destruir é fácil. E, como a fiscalização é universalmente precária, qualquer um tem muitas maneiras de destruir, se quiser, dependendo só de sua consciência. É óbvio que haveria o inconveniente de ser ilegal. Daí, aqueles mais interessados em acabar com as matas e com a vegetação “selvagem” e “ïmprodutiva” procuraram descobrir como destruir legalmente. Continuar a devastar com o apoio legal é difícil, mas não é impossível. Basta revogar decretos, alterar textos de leis e, então, estará bem aberto o caminho para os interessados, sejam eles quais forem. As medidas provisórias (!) são o que se chama de “pratos cheios”, mesmo que menos “palatáveis” para os brasileiros. Isso é, na verdade, o que pretendem aqueles que inspiram e
geram as repetidas, e sempre renovadas, propostas de aperfeiçoamento e atualização das leis vigentes, mascaradas de novos dispositivos legais para a proteção (!) das matas atlânticas ou para a defesa (!) das florestas amazônicas. Diz-se que de boas intenções o inferno está calçado e as propostas desses “aperfeiçoamentos” da legislação estão sempre eivadas de boas intenções, com repetidas invocações de interesse social, com “preocupações” quanto à sobrevivência das comunidades carentes, com promessas de geração de novos empregos e, principalmente, impregnadas do mito da “sustentabilidade” dos usos mantidos nas explorações. Chegou-se até a invocar o sagrado interesse da segurança nacional! Cuidado com essas propostas, compatriotas, nelas, pode-se sempre notar segundas intenções nas entrelinhas e por baixo do tapete. Aceite, só para fins de argumentação, temporariamente, que o progresso, o desenvolvimento e o futuro do Brasil dependem do corte e da exploração dos 10% que sobraram das matas atlânticas, e que a legislação que os protegia foi revogada, ou substituída por outra que, matreiramente, facilita a remoção ou o corte das matas, baseando-se em subjetivos conceitos de vegetação primária, secundária, terciária, natural, primitiva, plantada, enxertada, ou seja, qualquer que seja a classificação pseudocientífica que o lobby interessado engendrou. Na prática, isso representou, no mínimo, um desrespeito constitucional no que concerne ao meio ambiente. Só há duas alternativas: as florestas ou podem ou não podem ser derrubadas.
RESPOSTA 2 Para proteger ou usar sem destruir os nossos recursos naturais, já conhecemos os procedimentos que devem
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ser repetidamente ensinados, mesmo para aquelas comunidades realmente adiantadas e baseadas em padrões que, decididamente, não sejam os dos lucros imediatos e que não adotaram o lema “depois de nós, o dilúvio”. Mas, quando será feita a recuperação ambiental no país? Já é mais do que tempo de se dar início no Brasil, em todos os seus estados e na maioria dos municípios, os projetos e programas de recuperação florestal. Muito mais grave e inadiável do que o pagamento da dívida externa é o pagamento da nossa dívida interna ambiental. Note que, nesse caso, o nosso credor não são as instituições internacionais, mas, sim, a natureza em que vivemos. Estejamos todos certos de que ela nos cobrará o débito ambiental e as multas surgirão fatalmente em carência de águas, em crises de energia, em decréscimo da produção agrícola, em prejuízos climáticos e em crises econômicas. Para sermos práticos, todos devemos, antes de planejar e executar, estudar criteriosamente. Afinal, esse é o procedimento sugerido por todos aqueles que pensam no Brasil como uma pátria, e não como um paraíso fiscal ou financeiro para lucros fáceis. Cremos que é, esse mesmo, o único processo democrático, normal e legal, com toda a transparência e seriedade que o assunto requer, ao contrário das manobras, obscuridade, injustificável afobação e demonstração de falta de competente assessoramento, que parecem estar caracterizando todas as propostas de alteração ambiental que volta e meia aparecem, principalmente nos períodos de mudanças dos governantes.
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