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INTRODUÇÃO – Relator da Comissão Parlamentar de Inquérito da Barragem de Brumadinho, deputado André Quintão

INTRODUÇÃO

Apresento este livro com a comoção e o sentido de responsabilidade que marcaram todo o trabalho da comissão parlamentar de inquérito da Assembleia Legislativa que investigou o crime da Vale S.A. em Brumadinho. Instauramos a CPI pouco mais de um mês depois do rompimento da Barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, que despejou 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos sobre uma área de 300 hectares, soterrando seres humanos, animais domésticos e silvestres, contaminando rios e córregos, destruindo casas, pousadas e cultivos agrícolas, atingindo dezenas de municípios ao longo da Bacia do Rio Paraopeba. Foram 272 pessoas mortas (“joias perdidas”, como são chamadas por seus familiares), dez das quais continuam desaparecidas.

Abrimos os trabalhos da CPI definindo objetivos precisos: investigar as causas do rompimento da barragem, apontar as responsabilidades, definir diretrizes para a reparação dos atingidos e, ao mesmo tempo, deixar instrumentos de controle e fiscalização para que crimes como esse nunca mais aconteçam.

Nos seis meses de depoimentos, visitas a comunidades atingidas e análise de centenas de documentos, a CPI imprimiu aos seus trabalhos rigor técnico aliado à preocupação permanente com as pessoas. Dentro de suas atribuições legais e dos objetivos estabelecidos, pode-se dizer que foi uma CPI fortemente participativa. Nas diversas reuniões, sempre abertas e transmitidas ao vivo, tivemos a presença constante de familiares das vítimas, de atingidos e de suas entidades representativas. A imprensa cumpriu também o seu papel. Recebemos contribuições voluntárias de especialistas; buscamos informações junto à força tarefa, composta por órgãos e entidades estaduais e federais; partilhamos dados com as CPIs do Congresso Nacional e da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Contamos também com a valiosa colaboração das comissões permanentes da Assembleia.

Tudo isso foi possível, cabe registrar, graças ao envolvimento do conjunto dos parlamentares que integraram a CPI, à condução equilibrada de seu presidente, Gustavo Valadares, e à confiança e à determinação do presidente da Assembleia, Agostinho Patrus.

Desde o início das audiências, foram sendo comprovados fatos, decisões e omissões da Vale S.A. que concorreram para o rompimento da barragem e a magnitude dos danos. A mineradora tinha conhecimento dos riscos e agiu para ocultá-los. Em junho e setembro de 2018, a empresa de consultoria Tüv Süd emitiu duas declarações de estabilidade da Barragem 1 à Agência Nacional de Mineração (ANM), embora fosse real o risco de liquefação. A Vale S.A. ocultou também da ANM um fraturamento hidráulico com extravasamento de lama e água ocorrido em junho de 2018 e desconsiderou informações dos 10 piezômetros automatizados e dos radares, entre outros avisos técnicos desprezados em nome do lucro. 9

A empresa não agiu sequer para salvar vidas: manteve o refeitório, a oficina, o posto médico e a administração da mina a jusante da barragem, com a presença de pessoas que não teriam chance de sobreviver em um rompimento abrupto. A lama os atingiria em até um minuto – era esse o cálculo do Plano de Ação de Emergência para Barragens de Mineração (PAEBM), que a Vale S.A. tinha em mãos desde abril de 2018 e ao qual a CPI teve acesso. De fato, 258 trabalhadores da mineradora e de empresas terceirizadas morreram no ambiente de trabalho.

O Relatório Final da CPI, ao qual me dediquei intensamente, com o apoio inestimável dos colegas da CPI e do qualificado corpo técnico da Assembleia e dos mandatos, consta de 360 páginas e faz 110 recomendações judiciais, administrativas e a órgãos. Em 17/9/2019, ele foi entregue ao Ministério Público, às Polícias Federal e Civil, ao STF, ao TJMG e aos órgãos da Justiça que participaram da força-tarefa. No mesmo dia, foi entregue também aos familiares das vítimas e disponibilizado para o conjunto da sociedade. A CPI levantou provas dos delitos de falsidade ideológica e uso de documento falso, homicídio por 270 vezes, lesão corporal dos sobreviventes, danos ambientais qualificados. Pediu o indiciamento de 11 dirigentes e engenheiros da Vale S.A. e de dois auditores da Tüv Süd. No âmbito civil, que a Vale S.A. responda pelos danos elencados: materiais, ambientais, trabalhistas e morais.

Este livro, além da síntese do relatório final, inclui três capítulos originais e um caderno de fotos. O primeiro capítulo, “Brumadinho e região”, busca contextualizar a cidade de Brumadinho do ponto de vista histórico, cultural, ambiental, econômico e social. O 10º, “Os órfãos da Vale”, traz diversos depoimentos de familiares das vítimas sobre as consequências da tragédia-crime para as comunidades atingidas. O 17º, “Por um novo modelo de desenvolvimento”, reflete sobre a necessidade (e a possibilidade concreta) de que seja adotada uma nova forma de mineração em Minas Gerais, mais segura e sustentável. O caderno de fotos ilustra diferentes aspectos da tragédia e as várias fases da CPI.

Devo dizer que este livro é também um tributo às vítimas e a suas famílias, bem como a todos os demais atingidos em Brumadinho e ao longo da Bacia do Paraopeba. Ele busca dar voz aos seus familiares, colegas e amigos, que continuam clamando por uma reparação justa e pela punição dos responsáveis.

Por trás dos relatórios, estão as pessoas e as comunidades. Perdas irreparáveis, famílias desestruturadas, danos ambientais perenes. Um sofrimento enorme. Frente a essa tragédia, que poderia ter sido evitada, os diversos níveis de Poder precisam assumir um compromisso civilizatório: a vida tem que vir em primeiro lugar.

Deputado André Quintão Relator da CPI de Brumadinho

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