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Outubro 2006Janeiro 2007 – Preço avulso: € 3.00, gratuito para as sócias

Revista da Associação das Antigas Alunas do Instituto de Odivelas

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14 de Janeiro Onde está a tradição?


Í N D I C E

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EDITORIAL

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Actividades da A.A.A.I.O. e suas sócias Passeio à Golegã por Maria Emília Canelhas Passeio ao Cartaxo por Paula Santos Apresentação de cumprimentos à nova direcção do I.O. Magusto por Ana Maria Hoeppner Participação da A.A.A.I.O. na Abertura Solene das aulas do I.O. Festas de Natal d’A Nossa Casa e do ATL por Ana Maria Hoeppner Voluntariado C.A.S.O. – I.A.S.F.A. Donativos Odivelas muito activa por Ana Maria Hoeppner Assembleia Geral Ordinária por Fernanda Ruth Jacobetty Vieira 50 anos depois por Isabel Garcia Leandro (Alberty Martins)

20 Agenda 20 Convívios e passeios 21 21 22 23 24

In Memoriam In Memoriam Lembrando a Jovita por Maria Noémia de Melo Leitão Recordando a Teresa por Rosette Milheiro D. Aninhas por Maria Emília Canelhas

25 25 26 27 27 29 29 30

Notícias do I.O. 10 de Junho de 2006 por Rita Matos O céu não é o limite por Salomé Pereira de Matos Abertura Solene por Rita Matos Abertura do Ano Lectivo – Palavras da Directora Dia do Exército em Évora por Rita Matos Instrução Militar por Rita Matos Graduações por Rita Matos

III

31 O que é feito de ti, A.A.? 31 Maria de Lurdes Mimosa Ruiz por M. Margarida Pereira-Müller 35 Destaque 35 A propósito de Mozart – Oração de Sapiência proferida na Abertura do Ano Lectivo por Maria Amélia de Carvalho Pinto 44 À conversa com... 44 Felícia Cabrita, a jornalista sem medo por M. Margarida Pereira-Müller 48 Ideias Soltas 48 Maria Joana Mendes Leal, uma antiga aluna activa na sociedade do seu tempo por Maria Benedita Tribolet Abreu 50 A diferença por Maria Noémia de Melo Leitão 52 Saudades por Elsa Portela 56 Túmulo da Infanta por Maria José Cadete 60 Histórias de África V por Maria de Lourdes Sant’Anna 63 Exposição de cerâmica de Dário Vidal por Fernanda Ruth Jacobetty Vieira

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EDITORIAL

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m 1900 foi criado o Instituto Infante D. Afonso - o nosso Colégio teve várias designações – Instituto Feminino de Educação e Trabalho, Instituto de Odivelas e novamente Instituto Infante D. Afonso – e desde a sua fundação tem sido a referência de todas as alunas que lá foram educadas e por lá passaram. Na Direcção do Coronel Ferreira de Simas, este grande pedagogo percebeu a importância do vínculo das alunas à sua Escola e fundou a Associação das Antigas Alunas para que assim se perpetuassem os laços que as identificassem com ela e a necessidade de um ponto de encontro entre as gerações vindouras, o nosso Instituto. Esse espírito foi mantido até hoje e, é na data histórica da fundação do nosso Colégio – a 14 de Janeiro - que, uma vez por ano, se realiza o encontro de tantas quantas querem recordar os anos passados da sua adolescência na Casa onde viveram, estudaram, e aprenderam a ser MULHERES. O 14 de Janeiro é, e será sempre, a festa da nossa escola, do nosso Colégio. É nesse dia que juntas, Actuais e Antigas Alunas, celebram a escola que as une e, deste modo, une as gerações. A romaria das antigas alunas ao I.O. é sempre uma festa. É aí que se revêem as antigas colegas, professoras, vigilantes e empregadas que fizeram parte da nossa vida durante alguns anos. As Antigas Alunas esperam ansiosamente por esse dia para se reverem e recordarem. A Dra. Deolinda Santos teve bem a noção da importância deste convívio e quanto de benéfico era para o Instituto manter o relacionamento das suas antigas alunas com o colégio. Outras Direcções do I.O. se seguiram que, com muito carinho, abriram sempre as portas desta magnífica Casa A Direcção do I.O. decidiu cingir às suas antigas alunas. A última Directora, Margarida de as celebrações à Missa, Raimond, incentivou mesmo a o que provocou uma onda Associação das Antigas Alunas a organizar vários eventos culde indignação turais que pudessem projectar nas Antigas Alunas o nome do Colégio em sintonia com a nossa Associação, para uma maior visibilidade não só das actividades escolares como das acções de solidariedade no meio em que se insere e da sua função educativa, cultural e social.

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EDITORIAL

O 14 de Janeiro, independentemente, do dia de semana, foi sempre respeitado pelas direcções do Instituto em consideração por todas as suas educandas e pela alegria do encontro de gerações. Nos últimos anos, tentando dignificar mais ainda esta data, a Associação brindou o nosso Instituto com dois magníficos concertos divulgados até pela imprensa. Este ano foi diferente. A nova Direcção do Instituto, por falta de conhecimento ou de experiência do significado desta festa de fraternidade, alegando o encerramento do colégio aos fins de semana e aos cortes financeiros sofridos, decidiu cingir as celebrações à missa, este ano missa solene com a presença do Bispo D. Januário Torgal e das entidades da tutela, que foi transmitida em directo pela RTP e, a um simples cafezinho, encerrando o Instituto às 13 horas. A proposta apresentada, em vão, em Novembro pela Associação de se manterem as tradições do encontro com o habitual almoço (este ano com o contributo do pagamento do mesmo por cada antiga aluna devido às dificuldades financeiras em que o I.O. se encontra) e confraternização no ginásio não foi atendida, o que provocou uma onda de indignação em tantas e tantas antigas alunas que, este ano, por ser domingo, tencionavam lá se encontrar e celebrar o seu dia. Lamenta-se também a falta de sensibilidade e disponibilidade por parte do I.O. para contornar a situação. Resta-nos esperar que este incidente não se repita, que o 14 de Janeiro continue a ser a festa do nosso Instituto e que, durante todo esse dia, o Colégio continue a ter as portas abertas a todas as alunas. Esperamos que o dia 9 de Março próximo, Dia da Antiga Aluna, seja festejado como sempre, homenageando as Antigas Alunas que mais se empenharam na vida do Instituto e da nossa Associação com um programa condigno à celebração do dia e em sintonia com a nova Direcção do I.O. As boas tradições são para se acarinharem e são para se manterem os elos de todas as alunas do nosso Instituto, para não chegarmos à banalização do slogan de que “a tradição já não é o que era”. A Direcção

Algumas das poucas Antigas Alunas que estiveram presentes no 14 de Janeiro

Durante a Missa, a Presidente da Mesa da Assembleia Geral da A.A.A.I.O. e as três últimas Directoras do I.O.

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ACTIVIDADES

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A.A.A.I.O. I Maria Emília Canelhas - A.A. N.º 82/1951

Passeio a Golegã – Capital do Cavalo

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oi com muita chuva que embarcámos na camioneta da Câmara Municipal de Odivelas, sempre colaborando graciosamente, com rumo a vila da Golegã. Após uma pequena paragem na área de serviço de Aveiras, onde esticámos as pernas e tomámos um café retemperador, chegámos ao nosso destino, parando no Largo da Igreja (Largo da Imaculada Conceição). Fizemos uma curta visita a este monumento, mandado construir por D. Manuel I ao Mestre Diogo Boytaca e classificado como Monumento Nacional. Dentro do seu estilo, o mais puro do seu tempo, apresenta um pórtico Manuelino (arcos policêntricos bordados de caireis e de alcachofras estilizadas que sobrelevam as cruzes de Cristo), e no seu interior podemos apreciar as três naves de cinco tramos, de arcaria ogival e belos azulejos do séc. XVIII na Capela Mor, representando Nossa Senhora da Conceição, e um pequeno altar, na ala direita, um silhar baixo de azulejos azuis e amarelos do séc. XVII. À saída, deparamos com o monumento em homenagem a Manuel dos Santos, toureiro de renome mundial, orgulho da terra que o viu nascer. Ainda no largo mais ao lado, ergue-se um pelourinho encimado por um capitel supostamente do séc. XVI. Em frente, um espaço lindamente ajardinado encimado por um belo edifício de traça seiscentista, que já albergou vários departamentos estatais, conhecido como o Palácio do Pelourinho. Como estava perto da hora do almoço e o tempo continuava de chuva, entrámos no Restaurante Central – reconhecido pela sua típica gastronomia – onde degustámos uma refeição bem Um interessante passeio ribatejana: sopa de pedra, arroz de tamboril, pão e enchidos da terra, à Capital do Cavalho rematando com doce, café, e chá ao gosto das senhoras. Após o almoço, de novo na camioneta, fomos ate ao “Equuspolis”, espaço inaugurado em Maio de 2003, bem enquadrado no espaço natural – Parque da Juventude – onde ao lado corre o rio Almonda. Neste edifício encontram-se o Museu Municipal Martins Correia, a galeria de arte de João Pedro Veiga, o Auditó-

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ACTIVIDADES

rio Eng. Ricardo Magalhães, dotado de tecnologia audiovisual e o “Eaquos Virtual”, onde assistimos à projecção em três dimensões de um pequeno filme (mais ou menos 30 minutos), registando os primórdios da Golegã, suas gentes, seus costumes, sendo a figura principal o Cavalo Lusitano, orgulho da terra e reconhecido mundialmente. Acabada a sessão, percorremos uma sala com o espólio da terra, desde imprensa noticiosa de factos e visitas a Feira da Golegã, um cavalo embalsamado à escala real, casacas de lavradores e toureiros ricos e pobres, montadas e arreios, instrumentos de trabalho, sobressaindo uma rica casaca de Mestre João Núncio, usada em 1957, e de Carlos Relvas em 1873, confeccionadas pela correaria do Sr. Silvestre, mestre nesta arte equestre. Carlos Relvas, filho da terra, era um monárquico que viajava muito pelo estrangeiro, exímio cavaleiro, inventor de um barco, o “sempre em pé” (sempre que se voltava retomava a sua posição). Infelizmente, nunca foi aproveitado... Soubemos também que Carlos Relvas viveu numa casa com estilo muito heterogéneo, devido a ideias que trazia das suas viagens, e que actualmente está a ser preparada para

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receber o seu espólio fotográfico – Atelier Fotográfico de Carlos Relvas. Um painel da casa de 1876 encontra-se numa parede da mesma. Seguindo a nossa guia, pudemos ver a escultura do cavalo que, baseado em vestígios arqueológicos, há cerca de 50 milhões de anos teria 60-70 cm de altura, com dedos em vez de cascos (4 à frente) e 3 dedos nos membros posteriores, como os da lebre, e cuja autenticidade tenta o visitante a tocar o seu pelo cinza aveludado. Achados arqueológicos na vila de S. Miguel (abandonada), bem como uma ânfora reconstituída, sec. III a V, adereços vários. Quando das Invasões Francesas muitas quintas foram

À porta do “Central” – Golegã

ocupadas como a do Sábado por Junot em 1747, e Massena que destruiu a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição (o maior templo da borda-d ’água), cuja reconstrução terminou em 1882. Reconduzidas ao Museu, no rés-do-chão apreciaámos as esculturas e pinturas de LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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ACTIVIDADES

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Rui Fernandes, todas versando o trabalho do campino, com os cavalos e toiros. No 1º andar, vimos então toda a arte de Martins Correia (1910-1999), filho da terra que estudou na Casa Pia e cursou a Escola Superior de Belas Artes. O seu espólio ocupa toda uma enorme sala onde esculturas em gesso, bronze, pinturas a tinta-da-china, a cores, medalhística em bronze (molde) e um painel em bronze e tinta (de cuja aplicação foi o percursor), para alem de figuras da nossa História. Após um curto descanso, descemos ao piso térreo onde se compraram algumas lembranças deste espaço. Infelizmente, o tempo não ajudou para podermos apreciar toda a monumentalidade desta terra, com as suas igrejas, monumentos e locais de exposições

como o Picadeiro Lusitanus e outros, ou a famosa e mais antiga freguesia rural (a Azinhaga), local onde nasceu o escritor José Saramago. A Golegã é a vila mais ribatejana com a sua Feira Nacional do Cavalo, e que em Novembro tem a sua expressão máxima com a sua Feira Internacional do Cavalo – este ano a VIII. Regressámos, cansadas mas enriquecidas, esperando ter oportunidade de voltar, se possível com bom tempo, para acabar de ver toda a estatuária alusiva ao “modus vivendi” dos goleanenses e visitar as inúmeras igrejas e solares, a Reserva Natural classificada como Reserva da Biosfera pela UNESCO e o Paúl do Boquilobo que alberga uma considerável colónia de garças.

Tarde de Bailado

No dia 27 de Janeiro, por iniciativa do Lyons de Oeiras liderado por Isabel Ribeiro da Silva 20 crianças da Escola de Bailado dos Maristas orientadas pela sua professora de ballet fizeram uma exibição de ballet no nosso Lar. As nossas residentes e a nossa Associação muito apreciaram o espectáculo, esperando que acções destas se repitam.

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ACTIVIDADES DA A.A.A.I.O. I Paula Santos

Passeio ao Cartaxo

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o dia 15 de Setembro partimos de Odivelas, no Largo D. Dinis às 10h da manhã, éramos 14 entre residentes, antigas alunas e acompanhantes. Por volta das 10h45 fizemos uma paragem, numa estação de serviço, para beber café, tendo chegado às 11h15 ao nosso destino: Cartaxo. Ao programar este passeio, propusemo-nos visitar o Museu Rural e do Vinho que se situa na Quinta das Pratas, complexo cultural e desportivo do concelho. Iniciámos então a nossa visita ao supracitado museu que está instalado em diferentes edifícios que outrora tiveram funções de apoio à actividade agrícola da quinta. No primeiro espaço, inicia-se o percurso museológico com uma exposição de carácter permanente intitulada À Descoberta de Cultura Rural com a apresentação de elementos geográficos, etnográficos e históricos do concelho do Cartaxo. Aqui encontram-se objectos associados ao pão, ao azeite, ao cavalo e ao touro. A seguir a Taberna Tradicional reconstituída com todos os elementos característicos deste espaço de convívio. Por fim, entra-se numa antiga adega que foi restaurada para aí se colocar um percurso museológico destinado a apresentar as várias fases de produção do vinho: desde a plantação do bacelo, o tratamento da vinha, a preparação do vasilhame até à vindima, à pisa, ao lagar, trasfega e à conservação do vinho em tonéis e em depósitos. Antes de sairmos visitámos a loja do museu e fizemos algumas compras. Após esta visita, seguiu-se o almoço no restaurante “O Lusitano”, com a seguinte ementa: sopa de legumes, bacalhau com batatas a murro e salada mista (acompanhado de sumos, água e vinho) A sobremesa era variada: pudim de ovos, mousse de chocolate, baba de camelo ou fruta. Finalizou com um delicioso café/ chá. O saboroso almoço foi do agrado de todas. Após o almoço visitámos algumas lojas no centro do Cartaxo e a pastelaria que vende os famosos e deliciosos “cartaxinhos” (bolos tradicionais do Cartaxo). Pelas 16h30 regressámos ao autocarro tendo chegado a Odivelas, por volta das 18h. As senhoras residentes regressaram ao Lar na carrinha da Associação com o Sr. Costa, nosso motorista. Foi um dia diferente e agradável para todas. Assistente Social de A Nossa Casa LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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ACTIVIDADES

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A.A.A.I.O.

Apresentação de cumprimentos à nova direcção do I.O.

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23 de Outubro a Presidente da Direcção acompanhada pela Margarida Pereira-Müller, Chefe de Redacção da Revista Laços e nossa responsável pelas Relações Públicas e Imprensa, apresentaram os cumprimentos à nova Directora do I.O. Dra. Maria da Graça Martins, tendo abordado vários assuntos relativos às duas instituições e aos laços e vínculos existentes entre ambas. Consolidaram-se as tradições dos dias festivos como 14 de Janeiro – aniversário do Colégio – e 9 de Março – Dia da Antiga Aluna – assim como outros acordos existentes na interacção educativa e social que envolvem as actuais e antigas alunas e seu corpo docente. Dada a problemática do 14 de Janeiro este ano ser um domingo e o Colégio se encontrar fechado aos fins de semana, ficou acordado que a Direcção da A.A.A.I.O. apresentaria uma proposta de realização do evento à Direcção do I.O., que foi entregue a 2 de Novembro, não tendo sido, no entanto, atendido o programa proposto.

Magusto – S. Martinho esteve no lar

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esde que o Lar se mudou para o Forte de S. João das Maias foi a primeira vez que o São Martinho nos visitou. Um dia de sol radiante, para cumprir a tradição, o calor das castanhas cozidas com erva doce, a jeropiga para alegrar os ânimos e a boa companhia de muitas antigas alunas que, algumas acompanhadas dos seus maridos, nos deliciaram também com as suas doçarias caseiras, bem à moda das receitas das nossas aulas de culinária do I.O. Foi uma tarde muito animada e agradável que se proporcionou às residentes do Lar sempre ávidas de novas caras e novas abordagens , o que as conforta e lhes dá a sensação de não terem sido relegadas ao ostracismo.

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ACTIVIDADES

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A.A.A.I.O.

Abertura solene das aulas do I.O.

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Abertura solene das aulas do I.O. em Novembro de 2006, foi presidida pelo Comandante da Instrução e Doutrina do Exército, Ten-General Cunha Lopes e as, nesse dia oficialmente nomeadas, Directora do Instituto, Graça Maria Martins e Subdirectora Maria Manuela Pereira com a presença de todas as actuais alunas, a maioria das professoras, as duas Presidentes da A.A.A.I.O., convidados oficiais militares e civis, algumas antigas alunas e muitos familiares das actuais alunas, principalmente das caloiras. O ginásio estava repleto, como sempre sóbrio mas muito bem decorado, tendo a sessão começado com as palavras da nova Directora que apresentou os resultados escolares obtidos no ano de 2005/6 e as novas directrizes no campo pedagógico e administrativo do colégio. A oração de sapiência proferida pela professora de música Dra. Maria Amélia Pinto “A propósito de Mozart”, além de nos transportar ao tempo em que Mozart, frequentador de várias casas reais e um imenso universo cultural deliciando o mundo europeu com a sua vastíssima obra, apresentou a importância da música na vida do Homem desde embrião, abrindo o caminho ao sucesso na vida escolar e ao equilíbrio emocional, muito especificamente com os efeitos que a sua música produz nos adolescentes segundo estudos e pesquisas realizadas em vários países do mundo desde 1970 até 1998. Documentou a sua palestra com projecções de imagens de Mozart e executando ela própria alguns trechos do compositor (ver transcrição na pág. 35). Seguiu-se a entrega dos prémios às alunas mais classificadas, tendo-se verificado o elevado grau de aproveitamento das premiadas, que de ano para ano cada vez é melhor. A Presidente da Direcção da A.A.A.I.O. entregou o nosso prémio á finalista de 2006 melhor classificada em Sociologia, Sara Franco Graça, A. N.º 224/1998. O Comandante da Instrução e Doutrina, antes de encerrar a sessão, dirigiu-se a todas as alunas, docentes e familiares ali presentes, empenhado em garantir a continuação dos êxitos já obtidos, na disciplina e no bom nome do colégio, assegurando estar atento à evolução e adaptação às circunstâncias do mundo moderno e, principalmente, do nosso paìs. A sessão terminou com o hino nacional e o tradicional grito colegial “ Salve nosso Instituto – Cada vez mais alto”.

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ACTIVIDADES

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A.A.A.I.O. I Ana Maria Hoeppner - A.A. N.º 318/1952

Festas de Natal d’A Nossa Casa e do ATL

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o dia 18 de Dezembro, o capelão do Instituto celebrou a missa de Natal nas instalações de A Nossa Casa, no Forte das Maias, estando presentes alguns membros dos Corpos Sociais, o Director do CAS de Oeiras, Coronel Ascensão, muitos dos familiares das nossas residentes bem como antigas alunas que colaboram connosco. Pela primeira vez não contámos com a presença nem da Directora nem da Subdirectora do I.O. por motivo de compromissos já assumidos anteriormente para esse dia. No entanto, a professora de música do Colégio, Natércia Simões, apesar de uma forte constipação e ter tido a mãe hospitalizada, acompanhou-nos na missa tocando o órgão da nossa residente e A.A. Feliciana Ribeiro, dando um sentido mais festivo à nossa celebração. Seguiu-se um lanche sempre recheado de bons doces e salgadinhos na maioria oferecidos pelas A.A. generosas e atentas a estes mimos para as nossas idosas e para quem nos visita. Foram distribuídos sapatinhos de lã feitos por uma A.A. e chocolates gentilmente oferecidos pela Nestlé Portuguesa a todas as residentes. Este ano a festa de Natal no nosso ATL, na Arroja, em Odivelas, foi mais modesta. Poucas crianças apareceram ao convívio mas as que estavam presentes tiveram um lanche apropriado, receberam bolas de futebol e brinquedos oferecidos pela A.A. Madalena Carvalhosa além de terem ido ao Circo Atlas com bilhetes oferecidos pelo mesmo. Às famílias carenciadas que usufruem habitualmente do Banco Alimentar, foi-lhes distribuído um cabaz do Natal bem recheado, graças à iniciativa dos colaboradores do ATL – Cândida Silva (funcionária da Junta de Freguesia de Odivelas), Dra. Florinda Afonso, Coordenadora do ATL e o Aux. Administrativo, João Silva, que numa acção de consciencialização solidária conseguiram angariar vários donativos em numerário e géneros alimentares entre as firmas e pessoas particulares de Odivelas (azeite, bacalhau, bolo-rei, óleo, açúcar, espumante, vinho do Porto entre outros). Estamos imensamente gratas a todos os que contribuíram para esta iniciativa.

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ACTIVIDADES

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A.A.A.I.O.

Voluntariado

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s actividades que várias O grupo dos passeios semanais voluntárias têm exercido neste últimos meses tem dado já os seus frutos e muitas alegrias às residentes mais interessadas. A Elsa Ribeiro e Maria do Carmo Faro (ginástica e movimentos, sessões de música e animação), a Benedita Tribolet Abreu (informações pela Internet, canto e poesia), a Margarida Pereira-Müller (um conto antes do almoço) e a Maria José Cadete (artes plásticas, pintura, trabalhos manuais), além de bem dispostas, são as delícias das residentes que já não passam sem elas. Elas não só animam como transmitem às nossas idosas um bafo de juventude, alegria, qualquer coisa de diferente do mundo de lá de fora que lhes enche o coração dum carinho e ternura imensos, transformando o resto do dia na expectativa da próxima vez. Elas são já imprescindíveis.

C.A.S.O. – I.A.S.F.A.

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convite do Director do Centro de Apoio Social de Oeiras do IASFA, Coronel Ascensão, a nossa Direcção esteve presente no almoço de confraternização dos funcionários daquela instituição estreitando desA nutricionista do C.A.S. e a sa maneira os amigáveis laços que nossa Assistente Social nos unem na nossa acção social e beneficiando também do intercâmbio de conhecimentos e experiências de ambas instituições. O ambiente sempre acolhedor e agradável daquela grande casa foi colmatado com um manjar que deliciou todos, não só pela aparência como pela sua confecção. Tivemos oportunidade que conhecer a nutricionista, Dra. Kátia, uma jovem muito alegre e elegante que se disponibilizou a visitar-nos no Forte das Maias e a dar-nos uma ajuda na escolha / confecção das nossas ementas e que se efectuou no dia 17 de Janeiro. Foi uma visita muito proveitosa e de uma mais valia enorme. Agradecemos à Direcção do C.A.S.O. mais esta colaboração e ajuda. LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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ACTIVIDADES

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A.A.A.I.O.

Donativos

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nfelizmente devido à grave doença mortal da nossa colaboradora, Maria Teresa Belmonte, não nos foi possível listar todos os nomes das A.A. que nos fizeram donativos em numerário para aqui puoderem ser publicados. Agradecemos a todas desta forma pedindo que levem em consideração a perda desta nossa amiga que se dedicou à nossa associação. Recebemos ainda das seguintes A.A.: M.Cândida Correia Marques M.Engrácia Simão/família Dr. António Carvalho Cesaltina Silva M. do Céu Alves Monteiro M. Ida Mendonça M. Helena Alves Pereira Ana Isabel Almeida e Brito M.Prazeres F. Gonçalves Ana Maria Pinto Soares Nuno Pedro Pinto Soares Filha da A.A. Marta Fonseca Maria José Cadete Isabel Maria Gago Maria Adelaide Spencer Vieira Martins Maria Salete Tereno Maria Amélia Damásio

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– Duas camas de estilo – Vário mobiliário, quadros e cortinados – Numerário – Vestuário e remédios – Numerário – Numerário – Objectos decorativos para venda – Serviço de jantar completo, dois casacos e diversos objectos decorativos para venda – Assinatura da Selecções – Toalhas de mesa, outros atoalhados – Sofá de penas c/almofadas decorativas – Géneros alimentícios do Alentejo – Doçaria – Numerário – Numerário – Numerário – Confeitaria


ACTIVIDADES

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A.A.A.I.O. I Ana Maria Hoeppner - A.A. N.º 318/1952

Odivelas muito activa

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Outono foi repleto de manifestações várias no Município de Odivelas. A Biblioteca D. Dinis comemorou o seu 9º aniversário com uma série de actividades muito diversificadas e dirigidas às várias faixas etárias do Concelho. A nossa Associação foi convidada e assistir com as residentes a uma tarde de “Contos e Lendas de D. Dinis” que teve lugar no sótão da biblioteca. Claro que não existe nenhum sótão no sentido real da palavra, mas um pequeno canto da biblioteca das crianças foi genialmente decorado dando a sensação de se estar sentado num pequeno sótão, e ali mesmo, três jovens animadoras deliciaram-nos com pequenos jogos de palavras e incitaram as nossas “jovens residentes” a contar o que sabiam de D. Dinis e das suas lendas ou contos tradicionais. A tarde passou depressa demais, pois a biblioteca D. Dinis está muito bem organizada e com recantos aliciantes para quem se interessa pelos livros, pela cultura e por momentos relaxantes num convívio agradável. O Túmulo de D. Dinis, que todos nós tão bem conhecemos, foi alvo de uma visita muito específica orientada pela Dra. Máxima Vaz e pelo Professor Doutor Vieira da Silva mostrando aspectos e teorias novas (para os menos entendidos) deixando algumas perguntas e suposições no ar, o que não deixa de ter o seu quê de interesse e curiosidade. O 8º Aniversário do Município de Odivelas foi solenemente comemorado no dia 9 de Novembro nos Paços do Concelho com a presença da sua Presidente, Susana Amador, que num discurso muito sucinto deu uma visão real da situação em que Odivelas se encontra, dos momentos difíceis que atravessa na nomenclatura geral do país onde se enquadra, e das perspectivas futuras que aposta para o jovem concelho que pretende que seja dinâmico, vanguardista, multicultural e ecológico. A Associação foi representada pelas Presidentes da Mesa da Assembleia Geral e da Direcção que tiveram o ensejo de cumprimentar e felicitar a Presidente da Câmara, sempre muito afável e carinhosa para connosco, bem como a Presidente da Junta de Freguesia de Odivelas, Graça Peixoto e Vítor Peixoto, Vice-Presidente da Câmara, nossos amigos desde a primeira hora e principais colaboradores nas nossas acções e actividades sociais, não esquecendo os representantes da CDU, sempre muito atentos às nossas necessidades e lutas para uma vida melhor para as nossas crianças do ATL da Arroja. Não faltou no fim da sessão o bolo de aniversário e o respectivo espumante que por sinal eram excelentes. O Município de Odivelas está de parabéns.

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ACTIVIDADES

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A . A . A . I . O. I Fernanda R. Jacobetty Vieira - A.A. N.º 152/1955

Assembleia geral

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o dia 25 de Novembro, pelas 14,30h, reunimo-nos em Assembleia Geral Ordinária, para aprovação do Orçamento e Plano de Acção para 2007, presidindo à Mesa Noémia de Melo Leitão. Foram apresentadas, como habitualmente, pelo nosso contabilista Renato Cordeiro que, como sempre costuma fazer, distribuiu cadernos onde se encontram lançados todos os movimentos financeiros da nossa Associação e Lar. Isso permite uma melhor análise, pelos elementos da Assembleia, do que vai sendo exposto. Na sequência da exposição foram solicitados alguns esclarecimentos, após o que foi aprovado por unanimidade a apreciação do Orçamento e programa de acção para o ano de 2007. Seguiu-se o costumeiro animado convívio, especialmente grato às associadas que não se vêem com tanta frequência, e que aproveitam para pôr as novidades em dia como, também, proporciona encontrar, no mesmo espaço, todas as residentes e com elas conversar.

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ACTIVIDADES DA A.A.A.I.O. I I s a b e l M a r i a G a r c i a L e a n d r o - A . A . N . º 2 1 1 / 1 9 5 6

50 anos depois

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1956.... omo este ano está tão distante no tempo e tão perto e bem presente na minha memória. Parece que foi ontem.... mas os anos foram rolando, a ampulheta marcando, o calendário contando e, quando dei conta, tinham-se passado 50 anos! Como entrei para o Colégio com 10 anos isto significa que eu já tenho 60 anos.... Será que é mesmo possível? Será que eu sou mesma sexagenária....? Parece-me que não há qualquer engano e, como estamos em 2006.....pergunto-me vezes sem conta....como é possível? Como é possível que 50 anos já se tenham passado desde aquele dia de Outubro em que nós, tão pequeninas, entrámos a medo e pela 1ª vez naquele Colégio tão grande, cheio de claustros e de corredores enormes, camaratas repletas de camas, um refeitório imenso cheio de mesas redondas e várias vigilantes vestidas de preto que nos assustavam e de quem nós tínhamos muito receio. Primeiro vieram as saudades do colinho maternal, dos mimos da família, da caminha fofa lá de casa, dos pais, dos irmãos, dos avós, dos tios, dos primos e dos amiguinhos que ficaram do lado de fora. Depois foi sentirmo-nos desamparadas, sozinhas, num meio que nada nos dizia, rodeadas de rostos que não conhecíamos, de gente adulta que não nos dava ternura, de meninas como nós cheias de medos e temores, umas tímidas e envergonhadas, outras mais ladinas e descontraídas. Após 50 anos As tristezas, as lágrimas (muitas vezes esvoltei ao Colégio condidas, à noite, no aconchego dos lençóis, e apenas ouvidas pela menina da cama do lado)..., numa palavra a infinita saudade da nossa casa! Logo a seguir a dificuldade de entrar numa rotina pesada e bem difícil para quem, com 10 anos acabados de fazer ou mesmo ainda com 9 anitos, não tinha qualquer preparação para tais tarefas diárias: levantar muito cedo ao som da campainha, abrir, arejar, bater o colchão de palha e fazer a cama sem covas; cumprir os rituais de higiene matinal sem esquecer o serviço aos lavatórios e à camarata; estar pronta a tempo, bem fardada e penteada, sem atrasos, sem brincadeiras nem conversas e ir rapidinho para a forma, sempre, sempre em silêncio. LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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Havia também as orações matinais na capela, o cheirinho gostoso do pequenoalmoço, as campainhas da regente no refeitório e depois, finalmente, a ida para as aulas. A adaptação (a difícil adaptação) à comida do colégio, a severidade das normas de comportamento, o restringir da nossa alegria e espontaneidade, próprias de crianças daquelas idades, tudo, tudo era difícil para a maioria das meninas, ainda crianças, que tinham acabado de entrar no I.O. Os recreios, sempre curtos e insuficientes, eram tudo o que tínhamos para, finalmente, nos sentirmos um pouco nós,

um pouco livres e libertas, para podermos brincar, rir e saltar, correr e passear. A ansiedade com que se aguardava pela única saída geral do mês e pelas visitas em todos os outros domingos, só mesmo quem esteve num colégio interno pode entender qual o seu significado. Os dias, as semanas, os meses e os anos foram passando...., as meninas melhor ou pior foram-se adaptando, continuaram a chorar muitas, muitas vezes, a ter muitas saudades de casa e dos miminhos da Mãe e do Pai mas, ao mesmo tempo, foram crescendo. O Colégio já não lhes parecia tão grande, as vigilantes já não metiam tanto medo e as colegas de des16

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conhecidas passaram a amigas, cúmplices e confidentes. Depois chegou a idade dos amores, dos namorados, dos bailes, das cartas, dos recados e dos bilhetinhos; alegrias nos amores correspondidos e desilusões quando tal não acontecia. Continuámos a crescer, de crianças passámos a adolescentes e a mulheres no meio de muita cumplicidade e de tantos, tantos segredos com as amigas mais íntimas; muitas, muitas histórias se poderiam contar! Uma a uma, para todas nós, chegou a hora da partida, daquelas paredes que tanto sabiam de nós, das meninas que connosco conviveram durante a nossa adolescência e depois....? Depois cada uma foi seguindo o seu caminho, cursos, vida profissional, casamento, filhos, netos e.... muitas de nós nunca mais se encontraram. Eu, que nunca respondi aos convites de algumas colegas, daquelas amigas com quem me tenho encontrado, principalmente da Isabel Boavida, da Isabel Sá Machado, da Benedita Tribolet, e da M. Luís, para estar presente em encontros periódicos ou no 14 de Janeiro, este ano deu-me a nostalgia e, finalmente, resolvi tentar fazer as pazes com Odivelas e, voltei... voltei ao Colégio 50 anos depois! É verdade...eu que entrei em 1956 retornei este ano para, finalmente, tentar afastar alguns fantasmas e, de alguma maneira, apaziguar-me com todas aquelas paredes. Devo confessar que me fez muito bem! Durante todo este tempo as lembranças que me ocorriam eram, quase sempre, as desagradáveis e dolorosas. Esta visita foi muito importante para mim e agora, felizmente, já não é só assim....


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Quero agradecer à antiga Directora, Margarida Raymond, que acedeu de imediato ao meu pedido de visita, de uma forma muito amiga e compreensiva e que, com a ajuda de uma professora, Albertina Flores e da Assistente da Direcção, Cecília Lopes Pereira, me foi proporcionado relembrar e reviver vários locais e episódios há muito escondidos entre as nervuras da minha memória. A elas, pelo seu tempo, paciência e disponibilidade, o meu muito obrigada. Os primeiros passos, ao sentir-me entrar de novo naquela portaria aonde chorei lágrimas incontáveis aos domingos à noite, na hora de voltar para o Colégio, confesso que me deu um certo nó na garganta mas depois..... Depois..... depois estava tudo no lugar certo.... estava quase como dantes.... era como se o tempo não tivesse passado, como se um relógio especial apenas tivesse marcado os dias e as horas da minha idade e deixasse que o resto permanecesse inalterado. Visitei tudo, com calma e sem pressas...... a saborear cada cantinho e cada pedaço de mim que estava bem longe mas ainda tão perto. Ali estava eu, espectadora de mim mesma, a ver-me correr, a brincar, a estudar...a rir e a chorar! Até parece que podia ver as minhas amigas de então, como elas eram naquele tempo, felizes por me re-encontrarem e a sorrirem para mim como que a dizerem.... “ Isabelinha, estiveste ausente durante muito tempo mas.... és muito benvinda....!” Pude passear pelos mesmos corredores onde dantes desatinava em correrias e ficava de castigo; lá estavam as camaratas das pequeninas, na mesma, em tons de rosa, onde eu tanto chorei

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com saudades da minha casa e dos mimos da família e depois, os quartos das mais velhas com as suas divisórias que nos davam um pouco de intimidade e onde eu também derramei lágrimas com saudades de uns certos meninos que eram os meus amores da altura. Vi os claustros e a torre da Madre Paula, a capela e o túmulo do D. Dinis; o ginásio com a galeria de onde assistíamos às festas e o palco onde, por muitas vezes, toquei piano (ensinada pela minha Mãe) em várias datas festivas do Instituto; a zona das aulas de culinária da D. Jaqueline, a da rouparia onde cosi e remendei tantas meias castanhas sempre por ficar de castigo, a casinha dos sapatos.... tudo continuava no mesmo lugar e quase que inalterado. As salas de aulas, com as carteiras, as mesmas ou iguais às do meu tempo, fizeram-me regressar aos estudos em que não se podia falar, rir ou brincar, mas que nós...... de uma maneira ou de outra, lá arranjávamos um jeito de desanuviar aquele ambiente tão pesado de 3 horas consecutivas que me pareciam, diariamente, intermináveis. No meu tempo havia sempre a presença delas.......em qualquer local e a qualquer hora lá estavam elas......sempre vestidas de negro, tudo viam e sabiam, nada deixavam escapar. Eram as “semis” como nós lhes chamávamos e que me faziam sufocar. Eram apenas umas mulheres que tomavam conta de nós, ensinavam-nos a ser respeitadoras e cumpridoras, orientavam-nos quando tínhamos problemas e nos queriam ajudar nas nossas dificuldades, mas, para mim...., naquela altura.....eram simplesmente... o inimigo! E como eu tinha medo delas...! O medo era tão grande e tão poucas as arLAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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mas, para uma menina como eu, lutar. Era pequena e indefesa, apenas tinha para me defender a resistência, a tristeza e a revolta. Ainda hoje, passados que são tantos anos, não consigo pensar nelas com muita simpatia, carinho ou amizade... De diferente apenas encontrei algumas “modernices”: os computadores substituíram as máquinas de escrever, os laboratórios são mais sofisticados e estão agora no rés-do-chão, vi uma exposição de vestidos e acessórios de alunasestilistas e até descortinei uma cabine telefónica (como me teria dado jeito 50 anos atrás...!). Em contraste, o que vi muito diferente foi a zona do campo de jogos, dos baloiços, do ténis, da piscina e da quinta. No local dos jardins bem tratados, floridos e ornamentados de então, aonde antes se brincava, jogava e corria, encontrei agora, com muita pena minha, ervas altas e matagal aonde é quase impossível transitar. Fiquei cons-

trangida, pesarosa e a pensar que é pena que uma parte tão boa e bonita do Colégio, que nós desfrutávamos com tanta alegria e exuberância, estivesse presentemente quase que interditada e impossível de utilizar pelas actuais alunas. E agora, em 2006, ali estava eu, como antiga aluna, almoçando na mesa da Directora (que, antigamente, era para mim 18

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a comandante das hostes inimigas). Olhando bem para o fundo do refeitório e mesmo no fim do corredor central, lá estava a minha mesa de quando eu era caloira, aquela mesa onde eu passava quase todos os intervalos e recreios para desespero da minha chefe de mesa – a Manuela Ayala – que, cheia de paciência e amizade, ficava também sem os recreios por minha culpa e, os meus castigos sucediam-se, sistematicamente, por eu não comer.... E, assim, foram passando imagens de outros tempos, daquela Isabelinha pequenina que, por não comer, foi um dia, a chorar, duramente arrancada daquela mesa pela D. Cândida, a regente, levada pela mão e obrigada a atravessar o refeitório desde uma ponta até á mesa da direcção. Tudo estava em silêncio, apenas se ouviam os saltos da D. Cândida – toc, toc, toc – e o bater do meu coração – catapum, catapum, catapum; os saltos, toc, toc, toc e o coração, catapum, catapum, catapum. Todas as cabeças estavam voltadas para mim, todos os olhares incidiam sobre nós e eu, sentindo-me ainda mais pequenina do que sempre fui, a tremer de medo e de vergonha, sentia as lágrimas a saltarem e a correrem pelas minha cara, apenas me perguntando que crime tão grave teria eu cometido para estar a passar por tão grande humilhação. A seguir fui depositada na mesa da Directora que já lá se encontrava acompanhada de outros elementos do Colégio e quem é que acha que eu, naquelas condições, conseguiria comer o jantar? Claro que nada pude engolir, que deitei debaixo da mesa a bola de carne assada, enorme, que aumentando à medida que eu metia garfadas na boca teimava em não passar para


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o esófago. Claro que fui descoberta e fiquei mais uma vez de castigo.... e desta vez.... 5 semanas seguidas sem sair....! Nesse tempo a psicologia não estava na moda, o que foi uma pena, pois talvez “elas” tivessem lidado comigo de uma maneira mais pedagógica e não me tivessem torturado tanto. Apenas uma, uma só e, curiosamente a mais velha de todas, a D. Berta, professora de moral, foi a única que me compreendeu e me ajudou, além de me dar o apoio, a ternura e o carinho de que eu estava tão carente e de que tanto necessitava. Aquele ano lectivo de ’56 / ‘57 foi muito difícil e pesado para mim...e, no final do ano, ainda tive a desagradável surpresa de receber um chumbo que, por considerar uma grande injustiça, ainda me fez derramar muitas lágrimas, desta vez já em casa, pois já era época das férias grandes. Da 1ª turma passei para a 2ª, de menina pequenina e ingénua, cresci e torneime mais madura, de inocente passei a ser mais responsável e, pouco a pouco, passei a adolescente e a mulher. Com esta reprovação acabei também por ser privilegiada pois fiquei com colegas de dois cursos: as de 1956, pouco mais do que crianças, que me acompanharam no ano da difícil adaptação e as de 1957 com quem vivi e convivi intensamente durante 5 anos, até à minha saída definitiva no 5º ano. Passados que são tantos anos, tendo vivido várias experiências diferentes e viajado por todo o mundo pergunto-me o que será feito das minhas colegas? Onde estão e o que aconteceu àquelas meni-

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nas que, como eu, nunca apareceram no 14 de Janeiro ou nas reuniões periódicas? Onde andarão as minhas grandes amigas que nunca mais vi, de quem gostava tanto, eram minhas confidentes e de quem tenho tantas saudades, como a JéJé, a Isabel Calado, a Teresa Matias, a Lucília Branco, entre muitas outras? Agora que, finalmente, tinha decidido ir ao 14 de Janeiro e encontrar e rever muitas das minhas colegas, mais uma vez vou faltar, desta feita porque me encontro fora de Portugal, regressando apenas em Maio próximo. No entanto espero que, quem ler estas linhas se lembre de mim nesse dia e que esse reencontro seja apenas adiado até Outubro de 2007 pois está a preparar-se um reunião dos ’50 anos de entrada do curso de 1957 e de todas aquelas que se lhe foram juntando. Como será bom encontrar, depois de 50 anos, as colegas do Colégio, reviver os tempos passados e saber das nossas amigas de antigamente, sem esquecer aquelas que, infelizmente, já nos deixaram. Para qualquer informação ou apenas para indicar contactos é favor falar com a Isabel Boavida (Bastos Moreira) para os telefones 214190603, 914656066, que tem estado a fazer um levantamento de todas as colegas desse ano e a iniciar a preparação dessa confraternização (AGENDADA PARA OUTUBRO DE 2007). Para quem me quiser contactar pode fazêlo, mesmo quando não estou em Portugal, para o email: isa.ago@hotmail.com e, assim, poderemos “falar” facilmente e matar saudades de outros tempos.

“M ENINAS” NÃO ESQUEÇAM A REUNIÃO DE 50 ANOS DE ENTRADA DE 1957 LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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G E N D A

Pa r a f i c a r i n f o r m a d o s o b r e t o d a s a s a c t i v i d a d e s d a A . A . A . I . O. p a r a 2 0 0 7

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Convívios 09 de Março 26 de Maio 30 de Junho 1-30 de Agosto 10 de Novembro 15 de Dezembro

Dia da Antiga Aluna Chá da Primavera Festa dos 3 Santos Férias Magusto Festa do Natal

Passeios 20 de Junho 11 de Julho 19 de Setembro 17 de Outubro

Atouguia da Baleia Rio Maior Corroios Mafra

Instituto de Odivelas Forte S. João das Maias Forte S. João das Maias Forte de St.º António Forte de S. João das Maias Forte das Maias

Passeios de Meio-dia Museu da CIdade/Museu Bordalo Pinheiro/Museu da Criança/Palácio de Belém/Jardim da Estrela/ Museu do Brinquedo/Centro Cultural de Belém

Actividades semanais no Forte das Maias Artes/Trab. Manuais Ginástica/Mobilização Passeio de 1/2 dia Leitura Cabeleireiro/Cosmética

2.ª feira 4.ª feira 5.ª feira 4 e 6.ª feira 6.ª feira

Actividades do ATL “Ser Cidadão em Odivelas” Formação parental (colaboração dos parceiros) Centro de convívio para idosos da Arroja – várias actividades (Ginástica, cabeleireiro, trabalhos manuais, etc.) Programa de actividades várias até Julho: Dia Mundial da Paz, concurso de dança, olaria, Dia Internacional da Mulher, Dia do Pai, Dia Mundial da Saúde, Dia Mundial da Árvore, Dia Internacional da Família, Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades, Dia dos Avós, teatro, canções, etc. Programa de férias (praia) no mês de Julho A partir da Páscoa iniciam-se às 5as feiras os passeios à tarde com a A.A. Benedita Tribolet Abreu e/ou outras candidatas que queiram levar as residentes a passear de carro.

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MEMORIAM

Infelizmente não somos eternos e é sempre com pesar que dizemos adeus a algumas colegas e residentes

Maria Margarida Gameiro Torres Baptista Rosa Dias A.A. nº 60/1951 Em Maio de 2006 Cacilda Santa Correia das Neves A.A. nº 61/1934 No dia 12 de Dezembro de 2006 Ana Dores Pinho Canêlhas Lopes do Rego A.A. nº 357/1923 No dia 30 de Dezembro de 2006

III

Maria Teresa Marinha Mendes Belmonte Funcionária administrativa da A.A.A.I.O. No dia 3 de Janeiro de 2007

IN MEMORIAM

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IN MEMORIAM I Maria Noémia de Melo Leitão - A.A. N.º 245/1931

Lembrando a Jovita A.A. Nº 233/1924

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endo chegado a época natalícia lembramo-nos sempre das nossas amigas e colegas que nos deixaram com muita saudade. Mais uma companheira e amiga que nos deixou o ano passado e que recordamos agora. Esta é a realidade que nos magoa. A Jovita – que se acolheu ao nosso Lar em 7 de Fevereiro de 1998 – foi vencida pelo desgaste dos anos. Antiga aluna do I.O., onde entrou em 1924, aqui se mostrou sempre cumpridora dos seus deveres. Ingressou, depois, no quadro de funcionárias, tendo exercido, com rigor e competência, as funções que lhe foram cometidas. Saiu do I.O. para constituir família e do seu casamento nasceu um filho muito dedicado e atento ao bemestar de sua Mãe. Vinha vê-la, frequentemente, trazendo-lhe, com a sua presença, o carinho e a alegria que tanto confortam quem está no declinar da vida. A dedicação a sua Mãe levou-o a tornar-se um bom amigo do Lar, interessando-se generosamente, pelo bem-estar das senhoras residentes que, na sua globalidade eram parte do mundo da sua própria Mãe. Os que partem permanecem no coração e na memória dos que lhes foram queridos. Compreendendo a dor de seu filho a AAAIO continua a acolhê-lo sempre que nos visita com tanto ou mais carinho. É muito generoso para com a Associação continuando a fazer os seus donativos tal como quando sua Mãe ainda estava connosco. O espírito da Jovita continua entre nós.

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IN MEMORIAM I Maria Rosete Milheiro - A.A. N.º 117/1952

Recordando a Teresa*

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uerida Teresa

Já sabíamos que era grave, mas quando a notícia chegou, foi um choque, porque a tua serenidade e vontade de viver, a tua força e preserverança na luta eram tão grandes, que pensámos que conseguirias vencer. E será assim, rindo docemente a dizer “sinto-me bem” que ficarás connosco. Gostamos de recordar os momentos sentados à sombra dos álamos no jardim d’ “A Nossa Casa” e de imaginar que logo, logo vem a sardinhada dos Santos Populares e lá estaremos no terraço do Forte de Santo António, a beber a tua célebre sangria e a saborear a tua inimitável Bôla de Carne, contemplando a enorme bola de fogo a mergulhar devagar no mar, enquanto a luz do dia irá empalidecer lentamente. Foram 17 anos da tua vida, do teu tempo, dados à Associação à qual, apesar de não teres sido antiga aluna, já pertencias de alma e coração. Hoje dia 14 de Janeiro, recordo-te a receber as quotas das A.A., naquela azáfama característica deste dia, ansiosa pelo fim da tarde para poderes ir dar um apertado abraço à tua neta que fazia anos. Querida Teresa vamos ficar por aqui a recordar…. a rever-te. Até sempre!

(*) Maria Teresa Belmonte, administrativa da nossa Associação durante 17 anos.

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IN MEMORIAM I Maria Emília Canêlhas - A.A. N.º 82/1951

Ana das Dores de Pinho Canêlhas Lopes do Rego (A.A. N.º 354/23)

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o passado dia 30 de Dezembro, a Antiga Aluna Ana das Dores, minha tia, mais carinhosamente tratada por Aninhas, faleceu na sua casa, na Baratã, com 93 anos. Foi aluna do Colégio (IFET), na vigência da tia e Regente Laura Canêlhas, de onde saiu para completar os estudos e tirar o Curso do Magistério Primário. Exerceu o seu ministério como professora, sendo a primeira colocação em Torres Vedras e dali para outras escolas, outras localidades, até chegar a Vale de Todos – Ansião, antes de vir para Lisboa, em 1950, já casada e com 2 filhos. Aqui, ficaram a morar no Largo da Luz, numa casa anexa ao Instituto Adolfo Coelho, onde o marido, António Lopes do Rego – também professor e do Ensino Especial – foi director largos anos. Quando reformados, foram viver para Baratã – Sintra. A Aninhas era a mais velha de oito irmãos, dos quais a Maria Helena (já falecida) e a Laurinda (A.A. 193/1938) foram também antigas alunas; o irmão Carlos (meu Pai) é agora o mais velho e a Laurinda a mais nova. Foi sempre uma mulher de temperamento forte, não desfalecendo em momentos difíceis que passou, especialmente na doença do marido e sua convalescença. Apresentavam-se nas Festas da Associação, ainda em Odivelas, convivendo com antigas colegas, amigas e familiares, já estando eu efectiva no Lar, o que a animava quando mais tarde passou a usar a nossa Casa com mais frequência. Já viúva, após uma operação delicada à cabeça – fruto de uma queda no jardim da sua casa – a tia Aninhas recorreu à nossa Casa-Lar, em Odivelas, onde foi admitida em 31/08/1999 para restabelecimento. Voltou à sua casa; mas como Residente Temporária, várias vezes a tivemos connosco (a última vez uma semana antes de falecer), sendo sempre alegremente acolhida e carinhada pela Direcção e pelas outras utentes, de quem tinha granjeado muito afecto, pelo que a notícia da sua morte foi muito sentida por todos. Deixa dois filhos – Ana Luísa e António – e, 7 netos e bisnetos

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NOTÍCIAS

DO

I.O. I Rita Lorena Gil Matos - A. N.º 7/1999

10 de Junho de 2006

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ia 10 de Junho, Dia de Portugal, foi também um dia muito especial para todos nós militares, pois festejámos o Dia de Portugal, como já há algum tempo não ocorria. Participaram os três ramos das Forças Armadas (Força Aérea, Exército e Marinha) que se reuniram no Porto para comemorar este grandioso dia, estando presentes as Instituições de Ensino Militar: C.M.(Colégio Militar), I.O.(Instituto de Odivelas) e I.M.P.E.(Instituto Militar dos Pupilos do Exército), as Academias da Força Aérea e Militar e a Escola Naval, dois pelotões, respectivamente, da Força Aérea e Marinha e quatro pelotões do Exército. Várias entidades militares e civis presenciaram esta cerimónia, sendo de destacar o Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, os nossos C.E.M.F.A.(Chefe de Estado Maior da Força Aérea), C.E.M.E.(Chefe de Estado Maior do Exército) e C.E.M.A.(Chefe de Estado Maior da Armada) e os respectivos vice-C.E.M.F.A., vice-C.E.M.E. e vice-C.E.M.A. Foi, em meu entender, uma cerimónia solene. Todavia tenho de criticar, de forma construtiva, o nosso Exército, pois ao contrário dos restantes ramos das Forças Armadas, houve diversas falhas durante o desfile incluindo uma avaria num veículo. Nós, militares, devemos sempre honrar e tornar mais alto o nosso estatuto de militares e para que tal aconteça temos de evidenciar sempre o nosso ramo. Todavia há que felicitar a A.M. pelo seu desempenho e excelente aprumo. Felicito, do mesmo modo, a Escola Naval e a Academia da Força Aérea, esta última não só pelo seu desempenho e aprumo, mas também pela “esquadrilha” de F-16 com que nos presenteou, demonstrando o seu poderio. Gostei do desempenho do I.O. e apoio a nossa participação nestas cerimónias militares e espero que o próximo passo seja desfilarmos no dia 14 de Janeiro (data do aniversário do I.O.) em plena Avenida da Liberdade.

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NOTÍCIAS

DO

I.O. I Salomé Pereira Matos - A. N.º 174/1999

O céu não é o limite… é onde começa o divertimento Andøya, na Noruega, voltou a acolher, entre 28 de Julho e 5 de Agosto de 2006, o Campo

Espacial Europeu – European Space Camp (ESC) –, onde 21 participantes de seis países diferentes (Noruega, Dinamarca, Alemanha, País de Gales, Austrália e Portugal), de idades entre os 17 e os 19 anos, tiveram uma experiência única de poder trabalhar como verdadeiros cientistas profissionais, ligados ao fabrico e lançamento de foguetões espaciais. Foram divididos por seis grupos: Design de sistema de foguetões (A), Física de Foguetões (B), Instrumentação Experimental (C), Montagem de Foguetões (D) e Telemetria de Foguetões I e II (E e F). O objectivo de todos os grupos era lançar o foguetão ESC 2006. O trabalho de grupo envolvia muitas áreas científicas como a Física, a Electrónica, a Matemática e a Telemetria. As tarefas eram divididas entre os grupos, sendo dado grande realce ao espírito de grupo e à cooperação entre todos. O Grupo A tinha a responsabilidade da trajectória do foguetão e a aerodinâmica. O Grupo B aplicava as bem conhecidas teorias físicas ao foguetão de modo a poder fazer previsões. O Grupo C empenhou-se na construção de sensores que estariam a bordo durante o voo, enquanto o Grupo D debatia o local das máquinas durante o voo. Os Grupo E e F trataram da Telemetria do Foguetão I e II, mantendo sob vigilância o foguetão e os seus sinais durante o voo. O foguetão ESC 2006 recebeu o nome de Ikaros (o homem cuja maior ambição era poder voar) e foi lançado, com êxito, no dia 4 de Agosto de 2006. Para além das actividades científicas, os jovens que participaram no ESC 2006 tinham também de fazer face a vários desafios no exterior: um safari de baleias que não iremos esquecer, o concurso GPS e o banho da meia-noite, sempre seguidos de momentos musicais, não esquecendo as gastronómicas gauffres quentes deliciosas que ajudavam a recuperar energias. No ESC não há lugar para nos aborrecermos, pois espaço, desafios, aventura e curiosidade estão presentes constantemente. A vontade de ir mais além e estava no sangue de todos os participantes.

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NOTÍCIAS

DO

I.O.

Abertura Solene por uma graduada Pelas 15 horas do dia 27 de Outubro de

2006 deu-se início à abertura solene do I.O., cerimónia de muita importância para toda a comunidade escolar. Iniciou-se a cerimónia com o hino do Instituto. Seguiu-se uma palestra proferida pela Professora Amélia Pinto em homenagem aos 250 anos de Mozart. Foi uma conferência interessante e distinta das outras e não saturou os ouvintes. Posteriormente a Sra. Directora fez um balanço geral do ano lectivo (ver texto a seguir) e depois iniciou-se a entrega de medalhas e prémios às alunas que se distingui-

ram pelo seu bom comportamento e nível académico. No final, o General Chefe de Instrução fez um pequeno discurso dirigido aos pais, direcção, professores, funcionários e alunas. Assistiram à cerimónia altas entidades, assim como pais, encarregados de educação, corpo docente do I.O. e antigas alunas. A cerimónia foi encerrada ao som da “Portuguesa” e após o grito do I.O. Por Rita de Lorena Gil de Matos A. nº7/1999

Abertura do Ano Lectivo Palavras da Directora Exmo. Sr. Comandante do Comando da Instrução e Doutrina, Exmas. Entidades Civis e Militares, Minhas Senhoras e meus Senhores, Caros colegas, Estimados funcionários civis e militares, Queridas alunas, Agradecemos a presença de todos os que nos quiseram acompanhar nesta cerimónia em que, de forma solene, damos início ao novo ano lectivo. Cada novo ano representa um desafio que, com toda a comunidade educativa, procuraremos vencer. Assim, é necessário avaliar o que foi feito e perspectivar o futuro.

No ano de 2005/2006, os resultados finais, em termos de aprovação, foram os seguintes: 5.º ano ............... 100% 6.º ano ............... 96.4% 7.º ano ............... 94.7% 8.º ano ............... 87% 9.º ano ............... 90.3% 10.º ano .............. 96.6% 11.º ano .............. 100% 12.º ano .............. 79.3% As alunas que concluíram o 12.º ano entraram maioritariamente nos cursos da sua preferência. No campo desportivo há que realçar a excelente participação da classe especial de giLAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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NOTÍCIAS

DO

I.O.

nástica rítmica em vários saraus, nomeadamente no Encontro Gímnico dos três estabelecimentos militares de ensino. As nossas alunas assistiram a diversas conferências e palestras que tiveram por finalidade o seu enriquecimento cultural e humano. Além disso, elas próprias, com o acompanhamento experiente dos professores, desenvolveram vários projectos no âmbito das artes e das ciências. Este ano lectivo iniciou-se com o curso de graduação das alunas do 12.º ano, cujo objectivo foi desenvolver em cada aluna a sua capacidade de liderança, bem como o seu sentido de responsabilidade e dever. No passado dia 22 de Outubro, em Évora nas cerimónias comemorativas do Dia do Exército, estas qualidades das alunas do Instituto de Odivelas evidenciaram-se ao desfilarem com garbo e profundo sentido de missão. No início deste mês, demos continuidade ao intercâmbio com a Escola da Légion d’Honneur, tendo sido escolhidas para ir a Paris, dez alunas que se distinguiram pelo seu bom comportamento e pelos bons resultados na disciplina de francês. Representaram com dignidade o Instituto, tendo deixado uma óptima imagem por onde passaram. A educação nunca foi uma tarefa fácil, mas são exemplos destes que nos enchem de orgulho e nos animam a continuar a dar o nosso melhor. É por isso que neste momento queremos transmitir uma mensagem de esperança a toda a comunidade educativa. A nossa esperança vem de todos vós aqui presentes e de todos os que, não estando aqui, se mantêm a trabalhar neste momento, pois todos, com grande dedicação e, muitas vezes, com sacrifício pessoal, tudo fazem para manter a dignidade e o funcionamento desta casa.

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LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

Apelamos a todo o pessoal civil e militar que continue a garantir as condições necessárias ao bom funcionamento do Instituto. Exortamos todo o corpo docente que continue com o profissionalismo e a dedicação que nos têm permitido manter um ensino de excelência, apesar de todos os condicionalismos a que estamos sujeitos, como, por exemplo, a escassez de verbas e de pessoal. Queremos dizer a todos os pais e encarregados de educação que tudo faremos para que as nossas alunas tenham uma formação académica séria, que as prepare para a sociedade actual e moderna, complementada por uma formação moral que as conduza à vivência duma cidadania responsável. Neste sentido são os valores como a verdade, o trabalho, a disciplina, o rigor, a tolerância e a amizade que orientam a nossa acção. Queremos também que as nossas alunas sejam jovens felizes e realizadas. Neste sentido, procuraremos melhorar o seu dia-a-dia nesta casa. A todos os que partilham connosco este objectivo, queremos expressar a nossa gratidão pela forma cooperante e carinhosa com que acolheram a nova direcção. Em particular, agradecemos aos nossos superiores a confiança e a colaboração demonstradas que são para nós um estímulo e também uma responsabilidade acrescida no desempenho das nossas funções. Este novo ano apresenta-se com muitas exigências e objectivos elevados, mudanças profundas e valores intemporais. O caminho para o sucesso assenta no espírito de equipa e na vontade de cada um se superar. Por tudo isto, confiamos que todos, alunas, encarregados de educação, professores, monitoras, vigilantes, auxiliares, pessoal civil e militar, estejam motivados para levar o Instituto de Odivelas cada vez mais longe, “cada vez mais alto”.


NOTÍCIAS

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I.O. I Rita Lorena Gil Matos - A. N.º 7/1999

Dia do Exército em Évora

o dia 22 de Outubro de 2006, mais uma vez, festejou-se o dia do Exército e o Instituto de Odivelas participou nesse grande dia. As alunas tiveram treinos durante o mês de Outubro, cujo instrutor foi o Major André e no Sábado, dia 21, tiverem o ensaio geral, voltando ao I.O. no final da tarde. Domingo, de manhã, as alunas “abandonaram” o I.O. pela manhã, partindo rumo a Évora a fim de participarem no grande desfile em comemoração do Dia do Exército, onde estiveram vários pelotões pertencentes a instituições do Exército, a Academia Militar, o Colégio Militar, o Instituto Militar dos Pupilos do Exército e o I.O. Presenciaram a cerimónia variadíssimas entidades militares e civis destacando-se o Ministro da Defesa, o CEME, o vice-CEME, o vice-CEMFA, entre muitos outros. É de destacar o serviço do nosso Major e o constante acompanhamento da nossa Directora que assistiu não só aos treinos como também à cerimónia, o que demonstra a familiaridade e a preocupação com as alunas.

O desfile correu muitíssimo bem se as alunas, apesar da chuva, desfilaram muito bem, dignificando o I.O. O Dia do Exército Português comemora-se no dia 24 de Outubro de 2006, data em que se celebra a tomada de Lisboa, em 1147, pelas tropas de D. Afonso Henriques, Patrono do Exército. Para assinalar data tão ilustre, o Exército Português instituiu, na semana de 18 a 24 de Outubro de todos os anos, um conjunto de actividades comemorativas, a desenvolver no Continente e Regiões Autónomas. Com a realização destas actividades, o Exército Português pretende divulgar o seu espírito e as suas capacidades junto da população em geral, com particular incidência nos jovens. São promovidas, desta forma, iniciativas de natureza militar, cultural, desportiva e recreativa, orientadas pelos princípios da elevação, dignidade, profissionalismo e tradição, que são timbre do Exército Português.

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Instrução Militar no I.O.

nstrução Militar (IM) é umas das várias, mas ainda assim poucas, actividades extracurriculares. Tem como objectivo dar uma pequena preparação física às alunas do secundário que pretendem frequentar uma instituição militar no futuro, no entanto poderá ser frequentada a título de curiosidade. Mas será a IM uma actividade extra-curricular a que se dá a mesma importância que a esgrima ou coro? A verdade é que há duas formas de ver o problema, uma delas é recorrer a uma pers-

pectiva mais pessimista, a outra a forma de observar este problema é estudá-lo recorrendo a uma perspectiva mais optimista. IM tem alguns problemas. Um deles a dificuldade em transportar as alunas até ao Colégio Militar - ainda não há muito tempo, isto acontecia e as alunas não tinham IM. Actualmente o problema foi resolvido. E com esta dificuldade de não haver transporte, o instrutor do IM teve que cancelar aulas que tinha planeadas com a espingarda automática G3, LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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NOTÍCIAS

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I.O. I Rita Lorena Gil Matos - A. N.º 7/1999

uma vez que o transporte de armas é algo quase impossível de se fazer, requer muito burocracia. O horário imposto para a realização desta actividade é muito curto, no que diz respeito às alunas dos 10º e 11º anos, equivalendo a um único meio bloco semanal. No entanto, e por muitos que sejam os problemas, o Instituto faculta-nos, e em minha opinião faz os possíveis para isso, uma IM com alguns requintes, usufruindo de uma semana de campo no final de três anos de IM, ou seja no 12º ano. No âmbito de IM são feitas viagens às respectivas Academias da Força Aérea e Militar e Escola Naval, afim de dar a conhecer as futuras instalações destas

“pequenas militares”. IM é alvo, no fim do 12º ano, de um prémio para a aluna que demonstra mais aplicação e qualificação nas aulas, o que afirma a importância dada pelo Instituto de Odivelas a esta actividade extracurricular e de uma forma muito explícita o interesse que tem em facultar às alunas o melhor para o seu futuro. Conclui-se que o Instituto por muitos problemas que tenha tido com IM, jamais deixou de apresentar esta actividade às suas alunas e sempre com a melhor qualidade com que o pode fazer. Isto mostra que por muitos que sejam os problemas o I.O. tende sempre a resolvê-los, nunca prejudicando as alunas.

Graduações

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pós 103 anos de vida, o I.O. decide transformar as suas finalistas em graduadas e foi assim que também as alunas do 12º ano pertencentes ao ano lectivo 2006/2007 voltaram ao I.O. uma semana antes das aulas começarem. No dia 11 de Setembro, todas se apresentaram no I.O. para iniciarem o curso de graduação. Tiveram diversas aulas que as ajudaram a conferir o seu estatuto como graduadas e alunas em simultâneo. Os três dias passaram e a cerimónia chegou, juntamente com as novas alunas, no dia 13 de Setembro de 2006, que entraram no I.O. para o descobrir! A cerimónia foi presenciada pelo General Comandante de Instrução do Exército, pela Directora do I.O., pela Subdirectora do I.O. e pelos pais/encarregados de educação. As alunas foram graduadas segundo uma hierarquia. A cerimónia decorreu sem qualquer incidente e, apesar de simples, foi de grande dignidade. Foram graduadas as seguintes alunas: 30

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Cmdt de Batalhão - Salomé Matos, A. Nº 174 Porta-Estandarte - Margarida Azevedo, A. Nº 82 Cmdt da 1ª Companhia - Joana Cristóvão, A. Nº 109 Cmdt da 2ª Companhia - Virgínia Dias, A. Nº 32. Os outros dois dias foram, igualmente, de grande importância tanto para as novas alunas, que tiveram o prazer de conviver com as pessoas da casa e as graduadas, como para as alunas graduadas que ajudaram à integração das mais novas. Todavia esta integração teria sido imperfeita se algumas das professoras do I.O. não tivessem ajudado e não tivessem colaborado com as alunas. Foi uma semana muito boa, pois permitiu às graduadas e às novas alunas relacionaremse e isso fomenta uma certa aproximação e uma amizade que anteriormente era mais difícil de existir, e acima de tudo surge uma pequena camaradagem entre as alunas.


O Q U E É F E I T O D E T I , A . A . ? I M. Margarida Pereira-Müller - A.A. N.º 244/1967

Maria de Lourdes de Azevedo B.C. Mimoso Ruiz Mulher com um objectivo: a matemática

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matemática já bailava na cabeça de Maria de Lourdes de Azevedo B.C. Mimoso Ruiz, mesmo antes dela realmente saber o que isso seria. Lembra-se de sempre ter dito aos oito anos: ”Quando for grande, quero ser professora de Matemática!”. E foi – uma grande matemática! Não se pode dizer que tenha sido influenciada pelos pais, por quem aliás nutre uma admiração e um carinho fora do vulgar. Quando tivemos a entrevista para a “Laços”, passámos uma das três horas da nossa conversa a falar do Pai, que mal conheceu visto ter ficado órfã ainda em criança, tinha a Maria de Lourdes uns 2 ½ anos. Mas foi um homem que lhe deixou nos genes a genica, a coragem e a vontade de lutar. José Augusto Borges da Costa recebeu a Comenda da Ordem Militar de Cristo, uma ordem honorífica portuguesa que herdou o nome da extinta Ordem de Cristo, e que é concedida por destacados serviços prestados no exercício das funções em cargos de soberania ou Administração Pública, e na magistratura e diplomacia. O seu Pai comandou o Regime de Infantaria 13 na famosa Batalha de la Lys, que teve Carreira de muito trabalho lugar a 9 de Abril de 1918, na mas com muita compensação região da Flandres, no sector de Ypres. Apesar das tropas portuguesas terem perdido mais de 7.500 soldados, José Augusto Borges da Costa regressou a Portugal, mas morre passados dois anos em consequência dos gazeamentos que sofreu na guerra. Mãe de grande coragem A Mãe, Maria da Silva Azevedo Borges da Costa, era também uma mulher de grande garra. Muito nova, viu-se viúva com dois filhos ainda bebés, em Trás-osMontes, onde viviam. Pior ainda: toda a sua família tinha emigrado para o Brasil seis meses anos. “A Mãe, a filha mais velha de oito irmãos, estava completamente LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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só, numa quinta enorme, a que o Rei D. Dinis dera o 3º foral”, resume Maria de Lourdes. Tira o curso do Magistério, mas em Trás-os-Montes não havia escolas suficientes para todos os professores formados em 1926. “Teve de esperar seis anos para encontrar trabalho”. Salazar já estava no poder e mandou construir escolas em todo o país. A Mãe teve finalmente sorte e é “colocada numa escola numa das melhores aldeias da região: Celeirós do Douro”, uma das aldeias situadas nos socalcos do rio Douro (actualmente esta aldeia tem 267 almas). A Mãe pega em armas e bagagens e muda-se para Celeirós do Douro com os dois filhos, entretanto com oito e seis anos. “Era uma mulher muito inteligen-

Maria de Lurdes aos 74 anos

te, bonita e com muita classe e rapidamente encanta todas as pessoas da aldeia”. Celeirós do Douro tinha nessa altura uma característica muito especial. Sem o saberem, os habitantes viviam em completa democracia. A vida da aldeia era dominada pelos grandes senhores do Vinho do Porto que, no entanto, convivi32

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am com toda a aldeia. O sábado, por exemplo, era o dia das crianças. Todas as crianças – pobres e ricas – se reuniam e brincavam juntas – e comiam uma refeição comunitária dada pelos senhores ricos. Infância em ambiente democrático Maria de Lourdes vive assim uma infância despreocupada. Herdara da Mãe a sua inteligência e, sem se aplicar muito aos estudos, conseguia brilhar na escola. Só se interessava por matemática e desenho. Quando a Mãe lhe perguntava se já tinha estudado, respondia atrevidamente: “Para quê? Eu oiço a aula na escola!”. Sem nada estudar, passa o exame da 4ª classe com distinção. Só que a vida não se escreve só com linhas felizes. Oito dias depois do seu exame final da escola primária, sai uma nova legislação respeitante a admissão ao liceu que exige igualmente um exame. Maria de Lourdes fica em pânico: sabe que não domina a matéria, pois os seus conhecimentos baseiam-se somente no que ouviu nas aulas, conhecimentos esses que não foram reforçados com estudo. Os dias anteriores ao exame tenta decorar, com a ajuda da Mãe, os rios e as serras de Portugal, os reis das quatro dinastias, mas fica reprovada. Entrada no I.O. Entretanto, a Mãe fora colocada numa outra aldeia onde Maria de Lourdes não pode continuar os estudos. Concorre ao I.O., onde não é admitida por falta de vagas. Com grande esforço financeiro


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da Mãe, Maria de Lourdes vai para um colégio interno em Vila Real. Todos os dias, Maria de Lourdes rezava para conseguir ir para Odivelas. No ano seguinte, volta a concorrer ao I.O. e volta a não ser admitida. Maria de Lourdes continua a rezar. “E não é que Deus ouviu as minhas orações?” comenta ainda hoje. Um dia, no final do 1º período, a Mãe vai visitá-la ao colégio em Vila Real e diz-lhe: “Vais para Odivelas”. Inesperadamente, uma aluna tinha saído e tinha aberto uma vaga. Entra no I.O. no dia em que faz os exames médicos. No entanto, os sonhos são às vezes pesadelos quando se tornam realidade. Maria de Lourdes tenta adaptar-se a uma vida nova, bem longe da sua Vila Real natal. Deixa de estudar. “Não me adaptei nada e não era capaz de abrir um livro”, relembra hoje. Ao ver as notas da filha, todas negativas, a Mãe escreve-lhe uma longa carta, que termina com um aviso: “Ou te aplicas, ou sais do colégio e não podes tirar nenhum curso”. Maria de Lourdes dá razão à Mãe e começa a tomar atenção nas aulas e a estudar. Passou o exame do 2º ano do liceu sem problemas. No 4º ano, outro obstáculo: Maria de Lourdes apanha o tifo e perde o ano por faltas. “Jurei que nunca mais ia perder outro ano. A partir daí, passei sempre a ter boas notas, sempre 18 a Matemática”. A Matemática era uma vocação decidida. Ao completar o 6º ano do liceu, sai do I.O., e entra como directora do colégio a Sra. D. Aida da Conceição que cria o lar universitário. Maria de Lourdes sabe que pode ficar no lar e com esse estímulo estuda ainda mais para poder ir para a universidade. “Terminei o 7º

ano com muitas distinções”, diz com orgulho. Curso universitário brilhante É seleccionada para o lar universitário do I.O., uma entre as doze meninas que frequentavam a universidade. “Estava a realizar-me. Estava em plenitude completa”. Faz o exame de admissão à faculdade, que passa com 16 valores – a nota mais alta nesse ano, que partilha com uma outra rapariga, Otília Kohn, com quem mantém uma concorrência positiva durante todo o curso. Terminam o curso ao mesmo tempo, com as duas notas mais altas desse ano. E no entanto, e apesar de todas as provas dadas durante todo o curso, não fica na faculdade após a licenciatura. O seu sonho era seguir a carreira universitária, mas “nesse tempo, as mulheres não eram convidadas para assistentes. Comecei a dar explicações e mais tarde entrei como serviço eventual no Liceu Passos Manuel”. Entretanto, surge o amor e Maria de Lourdes casa com um jovem advogado. Têm três filhos. Tira o Curso de Ciências Pedagógicas da Faculdade de Letras de Lisboa. Faz o estágio no Liceu Pedro Nunes, mas não concorre aos concursos nacionais, pois não pode sair de Lisboa para não estragar a carreira ao marido. Os sacrifícios que se fazem são recompensados. Um dia, encontra por mero acaso um professor, que teve na faculdade, que se lembra que Maria de Lourdes era uma aluna excepcional. E imediatamente a convida para ir trabalhar na universidade como assistente do 1º Grupo (Matemáticas Puras), dirigido pelo professor Almeida Costa, o professor que trouxe a nova Álgebra para PorLAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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tugal e que era director da própria faculdade e da Academia das Ciências. Trabalhou ainda com o Professor Sebastião e Silva, pioneiro da reforma da Matemática e representante do movimento das Matemáticas Modernas em Portugal. Maria de Lurdes na nossa conversa

Investigação A partir daí não pára. Dedica-se à investigação matemática, tendo apresentado trabalhos em vários países. Publica inúmeros trabalhos de investigação, sendo inclusivamente convidada para participar no livro comemorativo do II Centenário da Academia das Ciências de Lisboa dedicado a “Estudos de Álgebra, Geometria e Análise”, onde publica um trabalho sobre “Sur le Théorème du Paramètre et les Foncteurs Adjoints en Catégories Abéliennes”. A sua actividade científica em conferências, seminários, cursos de curta duração para actualização de professores de Matemática, congressos, etc. é tão importante e tão vasta que obteve a categoria de doutoramento – um feito raro em Portu-

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gal. Dirige ainda na primeira Universidade Livre do país o Curso de Matemática. Em 1982, ano em que morre a Mãe, vai para a Universidade de Aveiro. No ano seguinte é nomeada Professora Auxiliar Convidada da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, onde fica até se reformar aos 70 anos. Entre a sua obra publicada, conta-se “Um curso de álgebra linear e geometria analítica”, “Uma introdução à Álgebra”, “Uma introdução vectorial à análise complexa” e “Aplicações da Álgebra Linear à Geometria n-dimensional”. Turismo de Habitação A reforma não significa porém ficar parada. Começa a reconstrução do património familiar: a Casa da Timpeira, a casa dos seus avós. Situada nas proximidades de Vila Real, esta casa do séc. XIV, raiz da família dos Azevedos, ampliada no séc. XVIII. Esteve sempre na posse da família, com excepção de um breve espaço de tempo no séc. XIX, após o que foi readquirida pelo avô da actual proprietária. Está cheia de memórias históricas. No séc. XIX foi um activo centro político em torno do Conselheiro António de Azevedo Castelo Branco. Aí viveu o Pe. António de Azevedo que foi mestre de Camilo Castelo Branco na juventude do grande romancista, em homenagem ao qual está em formação uma biblioteca camiliana na casa. Maria de Lourdes ocupa agora o seu tempo na gestão da Casa da Timpeira, que transformou em Turismo de Habitação e visitando os seus filhos em Lisboa e Fátima.


DESTAQUE I Maria Amélia Pinto - Professora do I.O.

A propósito de Mozart Oração de Sapiência proferida na Abertura do Ano Lectivo

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stamos a comemorar os 250 anos do nascimento de Mozart, uma das grandes figuras da História da Música, e um dos E maiores compositores de sempre. Em 1756, a 27 de Janeiro, no n.º 9 de Getreide Strass, em Salzburg, nasceu Joahnes Chriysostomus Theophilus Mozart, que se tornou conhecido como Wolfgang Amadeus Mozart. O seu pai, Leopold Mozart, nasceu em Augsburg, em 1719, e era filho de uma família abastada. Tinha sido originariamente destinado a servir a Igreja. Foi estudar Teologia para a Universidade de Salzburg, mas sendo um exímio violinista, ainda antes de acabar o curso, dedicou-se exclusivamente à música. Era um homem de grande cultura, tendo sido admitido ao serviço do Príncipe Arcebispo com o cargo de compositor da corte e mais tarde de violinista, tendo chegado a vice-kapellmeister (espécie de dirigente musical geral). Era um compositor conceituado, um dotado violinista e um leal empregado, que sonhava ser o chefe da orquestra da corte. Leopold Mozart casou em 1747 com Anna Maria Pertl, nascida em 1720 em St. Gilgen bei Salzburg, e tiveram sete filhos dos quais só dois sobreviveram: Maria Ana, “Nannerl” como era conhecida, e Wolfgang, que Mozart tem passaram a infância numa feliz casa familiar, com muitos amigos e tudo o que uma criança influenciado gerações da época poderia desejar. em vários séculos Para as crianças, o pai ocupava o primeiro lugar e a mãe um lugar secundário, “à sombra do seu severo marido”. Cresceram sob o olhar atento do pai, que procurava distrair os filhos com jogos e outras actividades, mas para o pequeno Mozart tudo o que fizesse tinha de estar relacionado com música. Nannerl e Wolfgang nunca foram à escola, mas tiveram o pai por mestre. É incrível que tendo feito, como veremos adiante, tantas viagens, representações, exercícios, composições, além das doenças próprias da infância, tivessem tempo para uma instrução tão profunda. Wolfgang, por exemplo, sabia não só escrever, ler e LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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contar melhor do que a maioria dos seus contemporâneos, mas tinha ainda sólida cultura geral, falava e lia correntemente em alemão, inglês, francês, italiano e latim. Sabia também piano, violino, órgão, canto e matérias teóricas como composição.

Casal natal de Mozart

Nannerl era mais velha do que Wolfgang e começou as suas lições de cravo aos três anos. Desde o berço que o irmão ouvia as lições, e desde muito cedo assistia às aulas da irmã. Quando ela saía do teclado, começava ele a procurar os sons e a tentar tocar. Quando tinha quatro anos, já tocava de memória uma série de pequenas peças. Mozart passava horas sozinho exercitando-se no cravo. Era o seu brinquedo principal. Aos cinco anos começou a compor as suas próprias músicas. Naturalmente as primeiras composições de Mozart foram transcritas para a pauta pelo seu pai, mas muito cedo começou ele próprio a escrever música, como pode ser observado em documentos que 36

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chegaram até aos nossos dias e estão em museus, como no Albertina Museum em Viena e no Museu Carolino Augusteum, em Mozart Platz, Salzburg. Leopold depressa reconheceu o talento dos filhos. Nannerl, aos dez anos, já era considerada uma verdadeira criança prodígio a tocar cravo, e Wolfgang aprendia com imensa facilidade a tocar qualquer música, e tinha uma enorme capacidade de improvisação e de composição. O pai sentia o apelo e a responsabilidade de anunciar ao mundo o “milagre que Deus fizera em Salzburgo”, como ele escreveu um dia. E procurou também dar ao filho contactos que lhe assegurassem o futuro, além de naturalmente, melhorar as finanças familiares. É de notar que muito antes dos dez anos de idade, Wolfgang já era o principal sustento da família. Foi ele quem ganhou fama e fortuna. Foi ele quem proporcionou aos pais, conforto e segurança, lhes abriu oportunidades impensáveis, e o convívio com reis, rainhas e imperadores. Leopoldo começou a fazer grandes planos para os seus dois filhos. Abandonou as ambições como professor e compositor e devotou-se de todo o coração à formação e desenvolvimento dos seus filhos. Apresentou-os com grande sucesso na corte de Salzburgo, mas o Príncipe Arcebispo não mostrou grande interesse pelos jovens prodígios, tendo no entanto autorizado Leopold a ausentar-se da corte várias vezes para levar os filhos em digressão. Em 1762, Leopold, Anna Maria, Nannerl e Wolfgang fazem uma primeira digressão. Foram a Munique, onde as crianças tocaram para o Príncipe Elei-


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tor, tendo maravilhado todos os ouvintes. Dirigiram-se então à corte imperial de Viena. Durante a viagem, de três semanas, fizeram várias paragens, tendo tocado para a nobreza em várias cidades e a sua fama aumentou enormemente. Foram recebidos em Schönbrunn, o Palácio de Verão da Corte, como se fossem da nobreza. A Imperatriz Maria Teresa apreciou particularmente o génio de Wolfgang, a quem tratou carinhosamente, permitindo que as crianças Mozart brincassem com os Príncipes, tendo oferecido a Wolfgang um fato igual ao do príncipe herdeiro, e homenageado a família Mozart convidando-os para se sentarem à sua mesa. Em 1763 começaram uma nova digressão que durou três anos, e os levou por setenta e cinco cidades em oito países. A Europa central era constituída na época por uma multitude de estados minúsculos. Esta multiplicidade favorecia uma grande actividade musical. Cada príncipe, em cada cidade, queria desenvolver a sua própria via, a sua própria actividade cultural, o que criava imensas oportunidades para os músicos e outros artistas da época. O itinerário da família Mozart levou-os entre outros sítios por Munique, Augsburg, Ulm, Manheim, Frankfurt (onde Goethe os ouviu tocar), Aachen, Bruxelas e Paris, onde ficaram cinco meses, dando concertos e tendo sido convidados para a corte de Luís XV. Na noite de Natal, Mozart tocou órgão na capela real, e foram convidados para a mesa do rei. Em Abril de 1764 embarcaram para Inglaterra. Durante as viagens, as apresentações eram feitas tanto em salões da realeza

Mozart e a sua irmã Nannerl

e da nobreza, como também em locais improvisados como as salas de albergues por onde passavam. As apresentações de Wolfgang não se limitavam a mostrar a sua virtuosidade ao piano, mas também a provar outros conhecimentos: tocar com as teclas cobertas, tocar e cantar, só ou com a sua irmã, improvisar, ler à primeira vista peças desconhecidas. E tudo fazia sem dificuldade. Na viagem a Londres o pai escreveu numa carta acerca do seu filho: “Wolfgang compôs a sua primeira peça a 4 mãos”. O biógrafo de Mozart, Georg Nissen, confirma quão importante foi, pois até então uma sonata a 4 mãos nunca tinha sido feita em lado algum; portanto o pequeno Mozart pode ser reconhecido como o inventor do dueto em piano, tendo-o tornado sem sombra de dúvida uma forma popular de fazer música. Claro que atendendo ao tamanho do clavicórdio e do cravo nesta época, esLAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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tes duetos num teclado só eram possíveis para crianças. A estadia em Londres, que durou quinze meses, permitiu ao jovem encontrar e conviver com outros músicos, nomeadamente Bach e Händel. Ao longo das suas viagens, as influências a que esteve exposto contribuíram para formar a sua personalidade musical, dada a sua capacidade de absorver tudo de uma forma excepcional, aliado a uma memória formidável. Mais tarde Mozart escreveu “sem viajar, é-se realmente uma pobre criatura!”. De regresso a casa vindos de Londres, Mozart recebeu uma encomenda da Casa Imperial: uma Missa (Waisenhausmesse). Alguns meses depois deslocaram-se a Viena onde Mozart apresentou a obra encomendada, e, com doze anos dirigiu para a Imperatriz Maria Teresa uma ópera, composta por ele: “Bastien e Bastienne”. De regresso a Salzburgo, aos treze anos é nomeado Konzertmeister, na orquestra da corte, um lugar de prestígio mas não remunerado. Apesar das muitas viagens e concertos, Mozart já tinha composto, com esta idade, obras em quase todos os estilos: dez sinfonias, duas óperas, dezoito sonatas, treze missas, várias outras obras corais e quatro concertos para piano. A música italiana e sobretudo ópera e canções, faziam o gosto musical na época, por isso não admira que Leopold se preocupasse em apresentar o seu talentoso filho ao público italiano tão breve quanto possível. A esperança de arranjar um influente patrono estava em primeiro lugar no seu pensamento, assim como o desejo que em Itália Wolf38

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gang tivesse um estímulo importante para as suas composições. Em Bolonha estudou contraponto com o franciscano frei Martini, e em Milão dirigiu com muito sucesso a sua própria Ópera “Mitridate Ré di Ponto”, e tinha apenas catorze anos! Mozart tinha uma memória excepcional. Conta-se que, depois de ter ouvido na capela Sistina o “Miserere” do compositor do século XVII Gregório Allegri, peça que era famosa não só pela sua beleza mas porque era expressamente proibido retirar da capela qualquer folha desta obra, Mozart ao chegar a casa escreveu de memória toda a peça, que era a quatro vozes e no final, cantada a nove vozes. Em Julho de 1770 o papa Clemente XIV, conferiu-lhe a ordem da Espora de Ouro, que era uma condecoração raramente concedida, e para mais sendo ele tão jovem, tornando Mozart “Sir Wolfgang”. O contacto frequente com imperadores, reis, e outras personalidades desde a mais tenra infância, ensinaram-lhe não só como se comportar com naturalidade como a ter consciência do seu valor. Esteve em Turim e Veneza onde deu vários concertos, sempre com muito êxito, e regressou a Salzburgo com a encomenda de uma ópera para o Teatro de ópera de Milão. No ano seguinte, Mozart e o pai voltam a Itália, onde Wolfgang dá vários concertos e onde estão até Agosto, partindo de Milão de regresso a Salzburg. Como presente de casamento para o arquiduque Fernando, na ocasião das suas bodas com a princesa de Modena, Mozart escreve uma ópera festiva “Ascanio in Alba” cuja primeira apresentação foi um sucesso completo.


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Em 1772, entre Março e Outubro, fazem a terceira e última digressão por Itália. Wolfgang compõe para a Ópera de Milão a ópera “Lúcio Silla”, entre outras obras. Regressados de novo a Salzburgo, o príncipe arcebispo entretanto falecido, tinha sido substituído pelo arcebispo Colloredo, que lhe oferece o posto de Konzertmeister, passando a receber salário anual pela sua função na corte (150 florins, cerca de três mil e trezentos euros na moeda de hoje). Compôs durante este período missas, sonatas para igreja, serenatas. Mas o ambiente de Salzburgo, um meio demasiado pequeno, extremamente conservador, levou a uma constante insatisfação de Mozart. As viagens tinham-no posto em contacto com expressões musicais que o fascinavam, como a Escola de Mannheim, a música italiana, Haydn. O ambiente cada vez mais sem perspectivas de Salzburgo levam-no a pensar num novo posto noutro lugar, e a pedir a sua demissão do cargo. Começa a viver da renda de concertos, aulas particulares, e da publicação das suas obras, sendo pioneiro nessa tentativa de viver autonomamente, da comercialização do seu trabalho. Volta a Viena em 1781, tendo ficado alojado em casa dos seus velhos amigos, a família Weber, que entretanto se tinha mudado para lá. Apaixona-se e casa com Constanza Weber, em 1782, contra a vontade do pai, que se recusa a comparecer ao casamento, e começa uma nova etapa da sua vida como homem e como compositor. Mozart era um compositor prático. A maior parte da sua obra foi escrita a

pedido, por encomenda, por exigência da sua posição ou pelas necessidades da vida. A música de tecla foi quase toda composta para ser interpretada por ele próprio. Numa sociedade estratificada, o teclado (cravo e pianoforte) era por excelência, o instrumento da sala de visitas da classe média. Os quartetos e quintetos de cordas faziam parte dos prazeres do aristocrata conhecedor, e Mozart conseguiu escrever e agradar a todas as classes. Dava grande atenção aos progressos na concepção e

Mozart em Schönnbrunn

mecanismo do piano, e qualquer evolução era de imediato reflectida na sua obra. Em 1781 começa o período da sua vida como artista independente, em Viena. Vive os seus melhores dias. Faz concertos, sendo ele o solista, dá lições particulares, ganha muito dinheiro. As encomendas multiplicam-se e todas as obras têm uma muito boa recepção. 1781 a 1786 é um dos períodos mais prolíficos da sua carreira, com óperas LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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como “Idomeneo”, “O Rapto do Serralho”, “As Bodas de Fígaro” música de câmara, especialmente os seis quartetos de cordas dedicados a Haydn, concertos e sonatas para piano. Em 1787, é nomeado compositor da corte imperial de Viena com o rendimento de 800 florins anuais. Neste período conhece e começa a trabalhar com o libretista Lorenzo da Ponte, com quem faz “As Bodas de Fígaro”, “Don Giovani” estreado em Praga em 1787 com grande sucesso (embora em Viena tal não aconteça, por ser uma obra difícil para a burguesia da cidade), e “Cosi fan Tutte” levada à cena em Viena em 1790. O triunfo e a fortuna, porém, revelam-se de curta duração. Faltam-lhe apoios devido à morte do Imperador, a sua popularidade diminui, as dificuldades financeiras começam a aparecer, Constanza adoece, o pai morre. A obra de Mozart reflecte os seus problemas. Mas ele continua a compor. As óperas “A Clemenza di Tito” apresentada em Praga e “A Flauta Mágica”, apresentada pela primeira vez em Viena, são compostas em 1791, bem como o lindíssimo “Concerto para clarinete kv 622”. Na Primavera de 1791 recebe a encomenda de um “Requiem” que virá a ser concluído pelo seu aluno Franz Sussmayer, já que cada vez mais enfraquecido e a trabalhar noutros projectos, demora a concluí-lo. Em Dezembro de 1791 morre, deixando esta obra inacabada. Como era hábito na época, para as pessoas sem grandes posses, pensa-se que foi enterrado numa vala comum.

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Efeito Mozart Mas se o homem acabou, a obra continua. Ainda hoje, duzentos e cinquenta anos depois, os jovens e os menos jovens, sentem um grande prazer ao escutar as suas músicas. E não é por acaso. A música de Mozart, pode equilibrar a nossa energia de maneira extraordinária. Não é demasiado rápida nem demasiado lenta. A simplicidade e claridade desta música têm a capacidade de produzir harmonia no corpo e na mente. Pesquisa feita usando música de Mozart, mostra, por exemplo, que acalma, aumenta a capacidade de concentração e facilidade de falar nas crianças, e sobressai sobre outras músicas pelo seu poder curativo sobre o corpo humano. A esta capacidade curativa chama-se “Efeito Mozart”. Estudos feitos por Howard Gardner demonstram que a música é uma das inteligências básicas incluídas no código genético da nossa espécie, é vital para o nosso bem-estar e fundamental no desenvolvimento da inteligência. Don Campbell trouxe à luz o papel do som no desenvolvimento do cérebro, e como a música é um factor importante no crescimento da inteligência em geral. Já Maria Montessori e Jean Piaget reconheciam a música como uma inteligência inata pronta para se revelar entre o 3.º e o 4.º ano de vida. Rudolf Steiner considera a música como fundamental para o intelecto, criatividade, capacidade matemática e desenvolvimento espiritual. Durante os anos oitenta e noventa, vários jornais científicos publicaram estudos que provavam que a música literalmente altera as estruturas do desenvol-


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vimento do cérebro no feto, e que as crianças reconhecem e preferem a música que ouviram antes de nascer. Outros estudos provam que o Q.I. aumenta em crianças que recebem regularmente educação musical, assim como, por exemplo, que meia hora de terapia diária com música, melhora a imunidade, alivia o stress e estimula o desenvolvimento da linguagem (ao aumentar os números de ligações neuronais). A música estimula o cérebro, ajudando a que durante os primeiros anos de vida os neurónios estabeleçam mais conexões entre si, e, mais tarde, o estudo de música relaciona-se com o desenvolvimento da inteligência. A prática regular de música, aumenta a capacidade de memorizar, cria bons hábitos de estudo, e melhora a capacidade de expressar emoções. A música fala uma linguagem que as crianças entendem instintivamente. Facilmente entendem os versos e sentem o ritmo, dançando ou batendo palmas, enquanto as vibrações físicas, padrões organizados e subtis variações, interagem com o corpo e o cérebro de uma maneira que outro tipo de ensino não faz. Nas crianças muito pequenas, o facto de fazerem música com os que lhe são mais queridos são ainda um factor de felicidade. E enquanto a música os diverte, ajuda a moldar mental, emocional, social e fisicamente o seu desenvolvimento. A prática e o estudo regular de música desenvolve a linguagem, incluindo vocabulário, expressividade e facilidade de comunicação, desenvolve as capacidades de socialização, aumenta as capacidades académicas de leitura, escrita, matemática e outras, assim como a sua

capacidade de memorização e reprodução, além de criar na criança um forte senso de identidade. É estranho pensar que a música e sons rítmicos verbais que nos chegam ao longo da vida, possam ter um tão poderoso efeito no corpo e no espírito, mas isto é hoje indiscutível. Usada de forma sensata a música pode criar condições de desenvolvimento saudável nas crianças e jovens. Desde o princípio dos tempos, a humanidade sentiu o poder da vibração, do ritmo e do som. Muitos mitos da cria-

Mozart

ção em variadas culturas, descrevem um som primordial ou vibração que criou a matéria do nada. Hoje em dia a ciência confirma a verdade por detrás desta velha intuição. Os cientistas pensam que o som sob a forma de ondas vibracionais pode ter orquestrado o padrão das galáxias. Sabe-se que a lua vibra como uma campainha num processo chamado de “harmónicos esféricos”, provavelLAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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mente em resposta à queda de um meteoro há muito tempo. Do mesmo modo, os tsunamis são criados pelos efeitos vibracionais do tremor de terra, que cria pequenas ondas que vão aumentar de força enormemente. Música, ritmo, vibração do som servem para organizar a matéria, para criar uma estrutura no espaço e no tempo. Os seus efeitos são mensuráveis, não só nos objectos físicos mas, também, nas entidades biológicas. Atingindo o cérebro via ouvido, a música interage a um nível orgânico com uma grande variedade de estruturas neuronais. De facto, a investigação indica que esta interacção deixou marcas ao longo dos milénios na fisiologia humana. Sabe-se que o cérebro dos bebés, quando nascem, vem com a capacidade de reconhecer tonalidade, altura e tempo. Os sistemas que o cérebro usa para processar música são idênticos ou ligados com os sistemas usados na percepção, memória e linguagem. Experiências feitas com computadores levam a pensar que os padrões musicais são simples cópias ou espelhos da organização do desenvolvimento das estruturas do cérebro. Talvez por isso achamos a música tão agradável. Foi por causa do ouvido que o homem pôde expressar-se, ouvir e pensar. Investigadores descobriram que há proximidade no cérebro dos centros da audição e da emoção e verificaram que desordens na audição têm muitas vezes reflexo em dificuldades emocionais e vice-versa. Para tratar umas com eficácia, é preciso tratar as outras. Os sons que vibram criam padrões e campos energéticos de ressonância e movimento no espaço que nos rodeia e nós ab42

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sorvemos estas energias que subtilmente alteram o nosso pulso, pressão sanguínea, tensão muscular, temperatura da pele, e outros ritmos internos. Investigações recentes mostram que mesmo adormecidos ou anestesiados, continuamos a ouvir. Cerca de 1960, investigadores, ao estudarem o efeito da música no ser humano, verificaram a particular acção da música de Mozart. Esta produz um efeito energizante bastante diferente da música de outros compositores. Investigações nos anos oitenta e noventa confirmam que a música de Mozart produz indiscutivelmente os melhores resultados e pertence à lista de ferramentas mais efectivas no tratamento de uma larga gama de deficiências e dificuldades. Naturalmente há música de outros compositores como Handel, Haydn, Beethoven, que produzem bons resultados, mas Mozart tem um poder curativo libertador. Mas porque é que a música de Mozart resulta melhor do que de outros compositores? Porque as pessoas gostam mais ou porque tem realmente propriedades, respostas universais para as quais só agora se começa a ter noção? Diversos investigadores, através de inúmeros estudos, confirmaram que a música de Mozart tem efeito sobre o cérebro, ajudando a organizar padrões no córtex cerebral, fortalecendo especialmente os processos criativos do lado direito do cérebro, que se associam com o relacionamento espacio-temporal. É assim que as suas composições são utilizadas em musicoterapia na cura de diversas enfermidades. Claramente já se reconhece que os ritmos, harmonias, melodias, frequências da música de


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Mozart, estimulam e carregam as zonas criativas e motivacionais do cérebro. A música deste compositor, contem uma mistura de estruturas muito claras, ritmos naturais, melodias fáceis de reter, e uma gama de frequências que nos acalmam, outras que nos estimulam, e outras ainda que facilitam a concentração. Se o desenvolvimento do cérebro é um processo de incorporação de padrões num sistema cada vez mais complexo, então a música é uma ferramenta eficaz na aquisição de padrões. Isto começa antes do nascimento e continua depois com padrões de movimento, cognição, e primeiras experiências de interacção social. Estudos mostraram, por exemplo, que a música acalma ou estimula os movimentos do coração do feto e que, prematuros que nos cuidados intensivos ouvem música clássica, ganham mais peso, deixam o hospital mais cedo e têm maiores chances de sobrevivência. Sabe-se ainda que, as crianças que desde muito cedo têm treino regular de música, têm melhores capacidades motoras, maior aptidão para as matemáticas e melhores resultados na leitura do que as que não fazem esse treino. Os jovens que cantam ou tocam um instrumento regularmente, obtêm resultados muito superiores em testes do que os que não o fazem. Por exemplo, em estudos feitos com alunos universitários, nos Estados Unidos, o grupo que

ouviu dez minutos de uma sonata de Mozart (a n.º 448) antes dos testes, obteve maiores pontuações na parte espacio-temporal dos testes de inteligência que fizeram logo a seguir, do que o grupo de comparação que não ouviu música. Na Academia de Ciências na Bulgária, obteve-se uma melhoria da capacidade de aprendizagem dos estudantes; os alunos aprendiam tarefas complexas em menor tempo, fazendoos ouvir música, neste caso de instrumentos de corda. Estão a continuar numerosos estudos e discussões sobre o denominado “efeito Mozart” para o desenvolvimento da inteligência, a capacidade de concentração e atenção, nomeadamente em crianças hiperactivas, e até na terapia de algumas desordens do cérebro. Será que a música pode tornar as crianças mais inteligentes? Certamente aumenta o número de conexões neuronais no seu cérebro, ensina-lhe a ter bons hábitos de estudo, e dá-lhes alegria e prazer. Quem sabe se não se estará a caminho de uma revolução silenciosa, que poderá mudar o futuro, e se através da musicoterapia, se poderão vir a formar jovens mais felizes e melhor preparados para a vida? Os momentos de encantamento que a música oferece, amplificados pelo amor, são sem dúvida importantes. Tal como Mozart disse: “Amor, Amor, Amor, isto é a alma do génio”!

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À CONVERSA COM... I M. Margarida Pereira-Müller - A.A. N.º 244/1967

Felícia Cabrita, a jornalista sem medo

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proveitámos o lançamento do livro “Os amores de Salazar”, no passado dia 7 de Novembro, no Forte St. Antonio do Estoril, para falarmos com Felícia Cabrita, não só autora do livro, mas também jornalista do semanário SOL, tendo trabalhado em vários órgãos de comunicação social, como o jornal Expresso, a revista Grande Reportagem ou a estação de televisão SIC. Tornou-se muito conhecida por ter sido a primeira pessoa a denunciar grandes escândalos nacionais, como o Ballet Rose ou o caso Casa Pia.

Quando se fala em si, surge de imediato o adjectivo “destemida”. Acha-se destemida? Tirei o curso de Línguas e Literaturas Modernas, mas não queria ser um rato de biblioteca. Com uns 17 anos já tinha tido uma experiência de jornalismo. Sentia que tinha de fazer coisas noutra área. O jornalismo de investigação, que eu comecei logo a fazer, é um jornalismo que lida com os meios mais obscuros da nossa sociedade (político, financeiro, etc.) e, por isso, envolve sempre riscos. É portanto uma vida de contínua pressão. E eu já passei por diversas situações muito complicadas.

A jornalista dos temas incómodos

Pode dar-nos alguns exemplos? Angola é um bom exemplo. No início dos anos noventa, fomos duas mulheres – a fotógrafa Clara Azevedo e eu – a Angola. Estávamos a fazer a biografia da Sita Valles, uma angolana que veio para Portugal, antes do 25 de Abril, para cursar Medicina, torna-se militante da UEC (Unidos Estudantes Comunistas), ao lado da Zita Seabra. Depois da revolução, achou que esta tinha falhado, e voltou para fazer a sua revolução em Angola. Algum tempo após o seu regresso a Angola, dá-se o chamado golpe de Nito Alves contra Agostinho Neto e ela, que estava muito ligada a essa ala, assim como milhares e milhares de pessoas, incluindo mulheres, jovens e crianças, foram mortos, fuzilados.

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O que foi exactamente fazer a Angola? Eu tentava reconstituir a vida dela, primeiro falando com as pessoas (família, colegas de curso) que a conheceram cá, e depois ir a Angola perceber o que tinha sido aquela matança. Era – e até certo ponto ainda é - um tema completamente tabu. Que dificuldades sentiram? Muitas dificuldades, de toda a espécie. Por exemplo, dificuldades no terreno, porque a UNITA estava a chegar. Angola estava muito perigosa – aliás o General Tomé Pinto, na altura em Angola como representante de Portugal na Comissão Conjunta para a Formação das Forças Armadas Angolanas nos termos do Acordo de Bicesse, dizia-nos “Vocês não saem deste hotel. Eu proíbo-vos”. É que os nossos colegas jornalistas que na altura estavam em Angola, todos eles tinham segurança e saíam em carros do governo. Mas nós as duas, ainda por cima com um ar muito novinho, alugámos um carro e andávamos pelo nosso próprio pé, tanto à noite como de dia. E conseguiram o que queriam? Conseguimos tudo o que queríamos: documentos secretos da Polícia Secreta, incluindo documentos assinados pelo poeta Agostinho Neto a mandar fuzilar aquelas pessoas todas. Mas eu queria sempre mais. Lembro-me que a Clara Azevedo, que é muito corajosa, me chegou a dizer: “Felícia, pára”, mas continuámos sempre. Uma puxava a outra. Uma vez fomos fotografar uma vala comum e a Clara disse-me de repente: “Esta luz está uma porcaria. Não con-

segui fazer fotos boas. Temos que voltar cá amanhã”. Ora nós já tínhamos subornado as pessoas para ali entrar. Voltar um segundo dia era arriscadíssimo. Mas voltámos. Já fazíamos à filme: ficava uma dentro do carro, com o carro pronto a arrancar, pronto a fugir. Muitas vezes senti que estava no limite. E sentiu medo? Nunca senti medo, porque não consigo ter medo. Só no dia seguinte, quando as

coisas passaram, eu começo a analisar as situações e penso que aquilo poderia ter sido muito complicado. Não quer dizer que seja inconsciente. Faço as coisas de forma pensada. Se tenho de fazer um trabalho que é complicado, sei como me tenho de mexer. Mas nunca uso seguranças. Provavelmente tenho uma mãozinha que me protege, um anjo muito forte. Porque só escolhe temas relacionados som o “lado obscuro” da nossa sociedade? LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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Eu acho que o mundo é muito mau. E nós temos aqui um papel a fazer. Ou nos fechamos em casa, ficamos com a nossa família, tratamos das nossas coisinhas, para não termos que fazer nada, ou temos de ter um papel actuante na nossa sociedade. E a sociedade portu-

guesa cada vez está mais corrupta. O papel do jornalista é fazer essa intervenção, porque é uma das formas de actuação. Não fica cansada de ver o mundo só por essa lente escura? Eu costumo dizer que só mexo na porcaria. É complicado. Daí precisar de fazer de quando em quando grandes retiros. Estou muito ligada à casa, à família. Não tenho vida social, portanto, todo o tempo que tenho livre é para estar em casa, com a minha filha. E aí faço uma limpeza mental. Preciso do afastamento para voltar a ser pessoa. Investiga muitos casos ao mesmo tempo ou um de cada vez? Geralmente, trato um caso de cada vez, pois caso contrário é muito complicado, porque são temas, todos eles, que 46

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exigem muito. E tem de se ter tempo. Felizmente, eu tenho tempo para trabalhar. E vou até ao fundo. Quanta mais informação há, mais confortável é a minha posição. Pois se eu oiço as pessoas e tenho muito documentos, posso escrever com muita à vontade sobre o tema. Eu preciso de tudo isto. Eu preciso de saber que esgotei todas as fontes. Quando me falta qualquer coisa, se sinto que ainda há uma pessoa importante para ouvir sobre o tema, não fecho um trabalho. Daí Joaquim Vieira ter dito na apresentação do livro “Os amores de Salazar” que o livro ainda estava fechado, que ainda haveria seguimento. Sente que ainda não esgotou o tema, mesmo depois de ter escrito primeiro sobre “As mulheres de Salazar” e, agora, sobre “Os amores de Salazar”? Mas ainda há mais documentos sobre o tema! Falei com pessoas extremamente generosas que me deram documentos importantíssimos e com outras que não me quiseram dar o que tinham. Um segredo que se guarda durante tanto tempo tem de ter mais contornos. Infelizmente, muita gente já morreu. Resta-nos ir pelos lados, pelos filhos. Muitos documentos não chegaram à Torre do Tombo. O que sente quando termina um livro? Dá um grande suspiro? Eu estou sempre a suspirar. Este livro coincidiu com uma série de trabalhos complicados. Suspiro, mas não fico a pensar naquilo que pari. Eu só preciso de sentir que fiz um bom trabalho. E depois parto para outra.


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Como lhe surgem os temas, dos livros e dos temas jornalísticos? Surgem. Assim. Por isso, os Ballet Rose. Fui de férias e levei para ler o livro “O processo das virgens”. E dei por mim a pensar: como é que é possível isto ter-se passado em Portugal e ninguém fala disso? Esta gente ainda está viva? No final das férias, quando regressei a Lisboa, enfiei-me no Tribunal da Boa Hora, onde estava o processo, a tirar moradas e nomes completos e, pus-me a caminho. Mas, a escolha dos temas depende do tema. A investigação sobre as mulheres/os amores de Salazar surgiu duma conversa com o professor Marcello Rebelo de Sousa. Como vê o jornalismo actualmente em Portugal? O jornalismo está muito mau neste momento em Portugal. Há um grande comprometimento entre a classe jornalística e a classe política, uma grande promiscuidade. O jornalismo nos últimos dois anos afundou-se bastante. Os miúdos, os novos jornalistas, saem das universidades e são tratados como carne para canhão. Fazem estágios que

não lhes são pagos – contra a corrente, no jornal onde estou a trabalhar agora, o “Sol”, os miúdos todos são pagos – e, passados seis meses, vão para a rua. Assim, não se fazem jornalistas. Os que conseguem ficar nos jornais, são mal pagos e não têm meios para saber como é jornalismo a sério. Acabaram-se os conselhos de redacção, onde todos os temas eram discutidos, e onde o patronato não tinha influência nenhuma na linha editorial do jornal. Hoje tal não se encontra em jornal nenhum. Os jornalistas mais velhos estão demasiado desiludidos para ir contra a corrente e os mais novos têm medo de perder o local de trabalho. Veja-se o caso Casa Pia. Vamos esperar que o caso chegue ao fim. Basta fazer uma espécie de colectânea com os artigos que saíram e analisar o que escreveram os jornalistas que se dedicaram ao tema. Quando o estudo estiver feito, vai desmistificarse muita coisa. Estamos, na realidade, na pior fase do jornalismo em Portugal. Que projectos tem agora em mãos? Em Abril, vai sair já o próximo livro, uma biografia de Pinto da Costa.

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Meninas de Odivelas venham juntar-se a nós em actividades artísticas, estamos na Outurela de Carnaxide, na Quinta do Salles da Fundação Marquês de Pombal, junto à SIC. Autocarro 714, Vimeca 01 e 10. Ocupa o tempo livre e encontra pólos de interesse. Aprende desenho, pintura, azulejo, história de arte, informática. Fazemos visitas e conferências. Duas tardes por semana, apenas € 50/mês. Coordenação de Maria José Cadete 934252343 - 963519907 - 214194948 LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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S O LTA S I M a r i a B e n e d i t a Tr i b o l e t A b r e u - A . A . N . º 1 0 0 / 1 9 5 3

Maria Joana Mendes Leal, uma antiga aluna activa na sociedade do seu tempo1

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aria Joana Mendes Leal, filha do Coronel José Joaquim Mendes Leal e de Maria da Conceição Mendes Moreira, nasceu na Serra da Estrela, em Torroselo, em 12 de Outubro de 1896. Recebeu a educação típica de toda a “filha-família” dos princípios do século XX, tendo aprendido as primeiras letras em casa, com o pai, Aos 11 anos, foi para o Instituto Infante D. Afonso, hoje Instituto de Odivelas, que frequentou durante dois anos lectivos (de 1908 a 1910), período em que seu pai ocupou o cargo de Presidente da Câmara dos Deputados. O eclodir da República levou a família a refugiar-se na casa de Torroselo e Maria Joana abandonou a partir dessa data os estudos oficiais, prosseguindo a sua educação em casa. Em 1922, Maria Joana Mendes Leal publicou o seu primeiro livro, com imprimatur dado pelo Arcebispo de Mitilene, o que revela que já nessa época seria militante católica. Em 1929, iniciou uma colaboração regular no jornal católico “As novidades” onde assinou, com o pseudónimo de Coccinelle, uma coluna de enorme sucesso, comprovado pela inúmera corresponCatólica convicta, dência dirigida à autora. muito activa no campo Católica convicta e empenhada, cujo trabalho na área social foi reconhecido da defesa das mulheres mais tarde pela Santa Sé e em 1936 foi-lhe dada a condecoração Pro Eclesia et Pontifica, esteve ligada ao Movimento Noelista e à Associação Católica Internacional da Obra de Protecção às Raparigas (O.P.R.). A facilidade com que usava a palavra e a escrita levaram a que fosse convidada para participar em múltiplas actividades e a deslocar-se frequentemente dentro e 1

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Artigo publicado no Boletim Semestral NEHM de Março/Setembro de 2005 por António Ferreira de Sousa intitulado “Maria Joana Mendes Leal - Uma activista Católica durante o Estado Novo”.

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fora do país. Participou no Congresso Eucarístico de Loriga em 1931, deslocou-se por todas as sedes Episcopais do país em 1932, visitou em 1934 algumas Juntas Diocesanas da Obra de Protecção às Raparigas (OPR) e, em Junho desse ano, é nomeada Vice-presidente da Junta Nacional da OPR, o que a levou a deslocar-se, mais uma vez, pelo país para verificar o funcionamento das várias Juntas (Guarda, Covilhã, Viseu, Porto, Braga e Coimbra). Em 1934, fez a apresentação pública da LICF (Liga Independente Católica Feminina) recentemente criada. Em Maio de 1935, participou no X Congresso Internacional da OPR na Suíça. Continuou a deslocar-se continuamente pelas várias Dioceses do país até 1941, sempre no âmbito da OPR e nesse ano foi nomeada presidente da Junta Nacional de Protecção. A partir desse ano começou a moderar um pouco a actividade, devido ao seu debilitado estado de saúde e a um crescente empenhamento em afazeres políticos: vogal da direcção da Obra das Mães (1937), directora do Boletim da MPF (designado “ Menina e Moça” a partir de 1943), membro da Junta Nacional de Educação a partir de 1939, procuradora à Câmara Corporativa em três legislaturas representando as Associações Particulares de Assistência a partir de 1942, entre muitos outros lugares.

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As viagens que realizou por todo o país, quer ao serviço da OPR quer da MPF, deram-lhe grande visibilidade pública. Apoiou publicamente a candidatura de Américo Tomás em 1958 e envolveu-se directamente na contenda política apelando ao voto nas páginas do “Diário de Lisboa”. Apesar da doença, ainda se deslocou durante 3 meses aos Estados Unidos a convite da embaixada deste país em Portugal e em 1960 deslocou-se a Goa, a convite do Governador-geral Vassalo e Silva. Foi essa a sua última grande viagem, mas não a derradeira porque, em 1964, foi à Madeira e aos Açores para proferir uma conferência sobre “A palavra saudade no Cancioneiro Português”. Foi agraciada com a Comenda da Ordem da Benemerência, Comenda da Ordem da Instrução Pública e Medalha da Cruz Vermelha e foi-lhe concedida a designação de Dama da Ordem de Santiago da Espada, além da Condecoração pro Ecclesia et Pontifíce concedida por Pio XI em 1936. Faleceu em Janeiro de 1976. Publicou ao longo da sua vida milhares de artigos em revistas e jornais, proferiu centenas de discursos e conferências e foi talvez a mulher com maior intervenção no espaço público durante o Estado Novo, como militante católica e adepta fervorosa do Regime.

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S O LTA S I M a r i a N o é m i a d e M e l o L e i t ã o - A . A . N . º 2 4 5 / 1 9 3 1

A diferença

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em sempre as nossas estações televisivas nos trazem notícias desmotivadoras e carregadas de dramatismos. De onde em onde, aparece uma reportagem que nos faz admirar as qualidades maravilhosas de quem sabe e quer lutar por uma vida que, à primeira vista, parece votada ao fracasso. Desesperar face a situações de incrível despojamento parece o mais óbvio, só que a vontade dos guerreiros pela vida é incomensurável, daí que vençam barreiras, mesmo as que parecem instransponíveis. A reportagem que vi é estimulante e mensageira da esperança. Quando há pouco me sentei a pensar sobre o que devia escrever para figurar na «Laços», lembrei-me de um documentário passado há meses num dos canais da televisão (não posso precisar qual), sobre o esforço maravilhosamente despendido por deficientes que aproveitam as capacidades disponíveis para sobreviverem, sem estenderem a mão à caridade ou esperarem auxílio de familiares e da comunidade. Exemplo magnífico que devia ser seguido por muitos outros, naturalmente desejosos por se emanciparem, mas a quem falta iniciativa, incitamento ou arrojo. O já referido documentário versava sobre uma empresa do norte do país, em Oliveira de Azeméis, salvo erro, e cujo dono e a maior parte dos empregados são portadores de deficiência. O dono da empresa, deslocandose com o auxílio de duas canaHá reportagens dianas e de próteses adaptadas que nos fazem admirar aos membros inferiores, foi vítias qualidades de quem luta ma, em criança, de uma poliomielite que o deixou incapacitado. apesar do fracasso À medida que foi crescendo, encontrou um ambiente familiar de louvor à luta pela vida. O pai, segundo disse, avisava-o de que devia trabalhar, o que, desde logo, o despertou para uma auto- suficiência. Não discorreu sobre como tinha encaminhado a sua escolha para a fundação de uma empresa, em que propunha dar a mão a outros e outras que, sendo deficientes como ele, deviam, através do seu trabalho, suportar a estrutura global da fábrica.

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Alguns operários - em número reduzido - encarregam-se de tarefas específicas, entre elas a condução da carrinha utilizada na distribuição dos artefactos produzidos, pelos diversos clientes. A empresa fabrica produtos feitos em marroquim, pele fina, como porta-moedas, carteiras de homem, caixas de óculos e de canetas, etc. cuidadosamente elaborados e acabados. De entre os operários entrevistados, as perguntas mais incisivas recaíram sobre um homem cujo corpo franzino e muito deformado se desloca, penosamente, com o apoio de duas canadianas. Conheci este homem em Espinho, quando aqui vivi e a quem dei muitas vezes uma pequena importância. Portanto, pedia esmola, apresentava-se sujo e andrajoso, revelava fome e mau passadio, qual sem abrigo esquecido da sociedade. Confessou, na entrevista, que pedia para comprar droga, vício que venceu, quando um dia se interrogou e concluiu que devia abandonar a tentação. E conseguiu. Agora, gozando do privilégio de ser igual a quem trabalha honestamente, bendiz

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o dia em que foi admitido na empresa que serve, com entusiasmo. Tem uma casa bem arranjada (as imagens testemunharam o conforto, o arranjo e a limpeza) e onde, após o regresso do trabalho se sente reconfortado. E concluiu: - Estou feliz, só me falta uma mulher, mas é difícil. No seu olhar – e só neste momento perpassou toda amargura de quem se sente diferente, estigmatizado por marcas de que não é responsável e que o tempo tem tornado mais profundas e deformantes. Grande lição eu colhi desta empresa - a Deficiprodut - pela força de ânimo emanada por cada um dos seus colaboradores, no seu esforço redobrado, no seu empenhamento em contribuir para o desenvolvimento da casa que neles confiou. A sua expressão era de felicidade, sorriam à vida, porque são independentes, sorvem o valor inestimável da liberdade, são cidadãos de corpo inteiro. Deus os proteja e permita que continuem a lutar, gloriosamente, pela realização plena da sua personalidade.

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S O LTA S I E l s a Po r t e l a - A . A . N . º 7 / 1 9 4 8

Saudades

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A

despedida lá estavam todos: o Pai, a Mãe e os irmãos mais novos, porque o Manuel já tinha vindo para Lisboa, que a entrada na Escola do Exército era mais cedo. A fazer-me forte sorria contrafeita, as lágrimas a queimarem-me os olhos e o barco ali mesmo em frente, a escada encostada ao portaló, não sei quantos degraus, à espera do meu último beijo, dos abraços de despedida, o único elo que me ligava já à ilha, antes do navio se pôr ao largo e me levar para tão longe! Foi a primeira vez que me separei da família e lembro-me de que chorei até ao Garajau, sem ninguém me ver, bem escondidinha num canto do “deck”. Perto de mim a Sofia, filha dos meus padrinhos, já mulher que, aproveitando umas férias connosco, me faria companhia até Lisboa, onde seria entregue às minhas avós, antes de dar entrada no Instituto. Para eu não ficar envergonhada, afastou-se um pouco e deixou-me chorar tranquila. Quase dois dias de viagem do Funchal até Lisboa! Nunca mais chegávamos! Já não me lembro onde o barco atracou, se no cais da Rocha ou de Alcântara, porque daí por diante foram tantas as partidas e chegadas que lhes perdi a conta! E sempre aquela mágoa à partida e a alegria da chegada!

A pessoa é rica quando dá sorrisos

Depois foram as perguntas sem resposta de uma criança habituada a olhar o mar largo, os espaços livres, as árvores, os picos, confinada a uma superfície limitada de paredes brancas, onde se chegava por uma esca-

da. - Ó avó porque é que não posso...isto...? - Porque as meninas não devem ... Nunca podem, nunca devem! Fazer caretas, assobiar, dar pontapés nas coisas, falar alto, rir muito ... E eu só queria ser oficial da marinha ou gaivota, porque ao menos podia ter mar à minha volta, muito mar para ir e voltar. Ninguém queria perceber isso que era tão 52

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simples, só eu! Não viam que os pássaros precisam de voar, de ter espaço?! Antes de entrar para o Instituto já tinha o nº sete. A minha avó Palmira marcava a ponto de cruz setes no meu enxoval, a azul e a vermelho. Que eu até gostava do nº sete, porque até aí os soldados lá do quartel tinham números bem mais compridos e difíceis. O duzentos e vinte e nove, por exemplo, que era o número do impedido. Não me estava mesmo a ver tão pequena com um número tão grande... E lá fui de eléctrico até Pedrouços, com a Avó, muito magrinha, muito direita, com o seu chapéu de feltro preto e as luvas de pelica fininha, como ela gostava, apresentar-me ao colégio. Fui muito calada até chegar. Morria de curiosidade e de medo. Só tinha vontade de fugir dali, não sei bem para onde, nem como. Foi a Senhora D. Manuela Cavaleiro, antiga aluna do Instituto, e a nossa vigilante do 1º Ano, que me recebeu à portaria e me foi mostrar as instalações. Era tudo enorme: as camaratas, a sala de jantar, o palácio, o pátio de basalto, a mata. Já não era a minha casa, nem a gritaria dos meus irmãos, com os cães a ladrar, as sentinelas a berrarem “sentinela alerta!”, os carros do quartel a entrarem e a saírem, as formaturas, a ginástica na parada em frente ao meu quarto logo de manhã, os toques de clarim, a instrução militar... Podia haver em Pedrouços pátios enormes, mas acabaram-se os jogos de futebol com os meus irmãos e o impedido, todo aquele chão de terra solta que nos punha como peles vermelhas, onde

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só faltavam as penas!... Aí começaram as lágrimas, já sem vergonha. Chorei até ficar cansada! Quando a Avó se foi embora senti finalmente alguma paz e pensei, para meu bem, e pela primeira vez, que quando se tem que estar em qualquer lado, perto ou longe, o mais inteligente que há a fazer é gostar de se estar e tirar daí o melhor partido. Foi o que fiz. Olhei a mata com atenção no dia seguinte, na passagem para as aulas, e vi um espaço verde, cheio de árvores, baloiços e em frente do refeitório (que também era sala de visitas aos domingos) um lago redondo que devia ter peixes. Era o primeiro dia em que vestia o uniforme interno, a túnica de quadradinhos pretos e brancos, a blusa de piqué branco e a gravata preta (que nunca percebi porquê preta!). Eu nunca tinha feito laços e tive que pedir ajuda. Que difícil! Começava uma vida nova. - Eu sou a sete, e tu? - Eu sou a Guida Junça. Sou alentejana e de Évora! Tinha umas tranças loiras lindas, cor das espigas maduras, muito bem feitas e enroladas à volta das orelhas, que fazia sem ajuda e me deixavam cheia de inveja, eu, que nem um simples laço sabia fazer... Não nos conhecíamos mas depressa ficámos amigas, o que não é difícil quando se dorme e vive debaixo do mesmo tecto, se veste da mesma maneira e se tem o mesmo regulamento. O mais difícil para mim era cumprir os tempos de silêncio, que eram muitos. Fiquei a semana toda à espera da primeira aula de ginástica. A nossa querida professora era muito nova, recém formada pelo INEF, pequenina, muito LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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alegre, mas muito exigente. Era a sr.ª D. Carlota Frazão, casada com o Prof. Moniz Pereira. Logo na primeira aula tive oportunidade de exibir a minha habilidade de contorcionista, que tinha treinado livremente desde os quatro anos: a esparregata de frente e de lado, o” pino” mal feito, a aranha, a ponte e que me dificultaram o crescimento, deixando as pernas e os braços curtos para o resto da vida, por não ter sido bem orientada com exercícios de alongamentos, para compensar o esforço exigido (e que só vim a entender muito tarde). Mas foi bem divertido e compensador na altura. A nossa sala de aula, nos dois primeiros anos em Pedrouços era num cantinho do R/C no edifício das aulas, com janelas para a mata e onde ouvíamos os passarinhos e os eléctricos, nosso único elo com o exterior. A mata era circundada por um muro alto até onde era proibido ir. A mata podia ser explorada, mas o muro nunca! De vez em quando eu e a Guida conseguíamos, muito a medo, passar despercebidas por instantes e íamos por um caminhito que só nós conhecíamos, espreitar a rua e os eléctricos. Nunca fomos apanhadas. Estudámos juntas, durante muito tempo, um plano de fuga do Colégio. A conspiração secreta foi estudada durante meses com todos os pormenores. Éramos as duas muito pequenas e para nós tudo parecia fácil. Como não podíamos ir para a Madeira, iríamos para Évora. No dia marcado, depois do almoço, lá fomos de mão dada pela Avenida das Hortenses, na direcção de Algés. Mal tínhamos andado cem passos, eu comecei a hesitar e achei por bem convencer a Guida, que era melhor desis54

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tirmos porque íamos acabar sem saídas e sem férias. Ela tem um ataque de choro, sentiu-se traída e eu senti-me a traidora mais miserável de todas. Apesar deste desfecho a nossa amizade não sofreu qualquer abalo e há uns anos, ela, que vive no Brasil, veio a Portugal para ver a família e estar comigo. Estivemos mais de quarenta anos sem nos vermos, e foi tudo como se não nos tivéssemos visto apenas desde ontem... As diferenças entre as alunas no colégio sentiam-se muito aos domingos de visita. É que umas tinham pais, irmãos, avós; outras tinham a família longe, e só nas férias grandes ou nas pequenas se podiam ver. Essa era a faceta difícil para mim e para as outras, embora quase sempre tivesse o meu irmão Manuel ou uma das minhas avós, a trazeremme os bolinhos e a ternura de casa. De resto, se não vinham, eu pouco me atrapalhava porque arranjava sempre maneira de ouvir chamar o meu número, para a visita, e lá ia aos beijinhos aqui, festinhas ali, colher a ternura de que me alimentava uma semana, até ao próximo domingo. Nem sempre as vigilantes de serviço à visita fechavam os olhos, e de vez em quando, lá ia recambiada para o recreio, sem tempo para despedidas! Já instaladas em Odivelas ia a correr jogar ping pong ou fazer barulho na sala, que era a forma de me “vingar” e compensar as frustrações da clausura. Mas ria-me muito e fazia rir as outras, para não ter de chorar. Por isso tinha fama de “mal comportada” e quase sempre Regular em comportamento. Verdade seja dita que tinha consciência que não merecia mais, porque era incapaz de respeitar todos os silêncios do dia. Con-


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servei desse tempo o meu senso de justiça. Ainda bem! Porque ainda não me esqueci de rir, com as coisas tristes e com as alegres. Ficou-me de pequena. E já agora aproveito para contar um episódio curioso que se passou há uns bons anos. Nessa altura a vida não era nada fácil, com três filhos adolescentes a estudarem, as minhas vinte e quatro horas do dia, que não podiam esticar mais, cheias de aulas e afazeres de toda a espécie, de Pai e de Mãe!... Ia a entrar no Liceu, sempre a correr e a distribuir bons-dias e sorrisos, quando a funcionária da portaria, depois de me cumprimentar, me disse muito séria:

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- A Srª Drª tem cara de rica. Só me faltava esta! Era tudo o que menos esperava, porque não sabia o que era ter cara de rica e porque os fatos que vestia, de manhã à noite, eram os mesmos fatos de treino com que andava há anos! - Porque é que diz isso? - É porque a Senhora entra e sai desta casa sempre a rir. É que ela não conhecia os meus segredos, de rir para fora e chorar por dentro! Dei-lhe um beijinho, que é a melhor maneira que conheço de dizer obrigada! E... senti o meu coração aquecer. Nesse dia, à chegada a casa, ralhei menos com os meus filhos.

I.R.S. Segundo a Lei nº 16/2001 de 22 Junho (Artº 32º, nº 6), podem destinar uma parte dos impostos que pagam ao Estado, em favor de uma Instituição Social que mereça o vosso apreço e credibilidade. Para tanto, basta que ao preencherem e entregarem a declaração de impostos, no

Anexo H e no quadro 9, campo 2, Associação das Antigas Alunas do Instituto de Odivelas e o número de contribuinte (NIPC) 502335599. Não irão ter nenhum agravamento no imposto. Continuam a pagar o mesmo que pagariam sem tomar esta opção.

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S O LTA S I M a r i a J o s é C a d e t e - A . A . N . º 3 1 0 / 1 9 5 8

O túmulo de D. Maria Affonso, filha de El-Rei D. Dinis

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uem não se tem interrogado sobre os segredos do túmulo que se encontra na nossa igreja? Aqui vai alguma l uz que encontrei quando andava à procura de informação relativa aos vestígios arqueológicos de uma villa romana, conhecida pelo nome de Retorta, na freguesia de Boliqueime em Loulé. Deparei-me então com um interessante artigo que desejo partilhar com todas as Antigas Alunas. Nada melhor que utilizar as palavras do autor e fazer a transcrição integral do texto, à época em que foi escrito (1889). Muito obrigada a Borges de Figueiredo por o ter escrito. As fotografias foram por mim tiradas em visitas que fiz ao local.

«Já tive occasião de informar os leitores da Revista, das noticias que nos restam de D. Maria Affonso, filha bastarda de D. Dinis, e que foi monja de Odivellas. Hoje tratarei do seu túmulo. Na abside lateral da banda da epistola, na egreja do mosteiro de Odivellas, existe hoje um tumulo occupando o local do antigo altar. Diz fr. Francisco Brandão, e com elle concorda George Cardoso (que d’elle recebeu informações), que a sepultura de D. Maria Affonso, estava de seu tempo na parede do Será o túmulo Claustro, correspondente à capelIa de S. João Baptista; o que á primeira vista parece invalimesmo de D. Dinis? dar o facto de ser este de que agora trato o tumulo da filha do rei lavrador; mas toda a dúvida cessa perante a consideração de elle ter sido transterido para o logar onde se encontra actualmente. Tambem o grande mausoleu de D. Dinis estava no centro da egreja primitivamete; depois foi mudado para o lado da epistola; e finalmente transferido para a abside do lado do evangelho, onde o vemos, posteriormente ao terremoto. Destruida esta difficuldade, nenhuma outra resta; porquê as outras pessoas do sangue real sepultadas em OdivelIas foram: um filho de D. Affonso IV que morreu menino, e D. Filippa filha de D. Pedro de Alfarrobeira. Ora o tumulo pertenceu a uma mulher; como o indica a estátua da tampa, mas não a D. Fillipa, que foi 56

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sepultada na sacristia, onde se vê o seu epitaphio. A maneira da esculptura da arca, e da estatua da tampa, é testemunho irrefragavel d’isso. A auzencia de epitaphio demonstra tambem que era da primeira nobreza a pessoa nelle encerrada; sabe-se que os moimentos grandes e antigos de pessoas de sangue real não tinham geralmente letreiro, por se considerar isso desnecessário. Examinemos o tumulo: A estátua representa uma mulher muito moça, pode dizer-se uma creança. O rosto, oval, é formoso; os labios teem uma expressão graciosa e de resignação, que parece ter querido dar-lhe o artista. Enquadram o rosto os cabellos, divididos ao meio da fronte e caindo em anneis na almofada, que sustenta a cabeça, e sobre os hombros. O collo, a descoberto no alto, é logo occulto pela tunica longa descendo em prégas até aos pés que se apoiam em dois pequenos cães que olham em sentido opposto. Por sobre a tunica, ou habito, mas deixando vel-a ao centro, desce naturalmente o manto dos hombros até aos pés. As mãos estão erguidas sobre o peito. Em cada um dos lados da arca, e ladeados por nichos com figuras bem esculpturadas, há dois escudos, perfeitamente eguães entre si; e em cada um dos topos reproduz-se o mesmo escudo, todos elles rodeados d’um paquife composto de folhas de hera: Escudo esquartellado: no primeiro quartel, leão rompente para a esquerda; no segundo e terceiro, as quinas; no quarto, castello de tres torres. 0 que não foi mencionado em epitaphio, foii indicado no escudo d’armas seis vezes repetido no tumulo. As quinas no

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segundo e terceiro quartel provam evidentemente que nas veias de quem alli jaz correu sangue real portuguez. O castello do ultimo quartel nada tem de extraordinario; os castellos são parte in-

tegrante das armas reaes portuguezas, e os filhos bastardos dos reis os usavam, com as quinas, em seus brazões, como se vê dos sellos conhecidos de D. Affonso Sanches e d’outros. O que é difficil de explicar, é certamente o leão rompente que se vê figurado no primeiro quartel. Todavia, não me parece de todo desarrazoado, antes natural, que o leão alli faça allusão á mãe da fallecida, vindo assim confirmar-se a opinião de Brandão, que eu sigo, de ter sido mãe de D. Maria Affonso, D. Branca Lourenço, filha de D. Lourenço Soares de Valladares. O representar-se o leão dos Valladares no primeiro quartel seria expressamente para indicar a bastardia. Não pode duvidar-se de que D. Dinis mandou fazer este túmulo para sua filha, à qual sobrevivera cinco anos. Podemos suppor que D. Maria lhe era mui querida, como todos os outros seus bastardos. É porém, notável que elle não fizesse d’ella menção em nenhum dos LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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seus testamentos. Parece curial que alli houvesse alguma allusão a ella; mas nem a minima referencia se encontra, mesmo quando trata dos anniversarios e missas por alma dos seus parentes. Encontraremos a explicação d’esse silencio no facto de ser dolorosa para D. Dinis a memoria de sua filha, pela terrivel desgraça que a esta succedeu? O moimento de D. Maria Affonso assenta sobre duas figuras. Como se sabe, todos os antigos tumulos destinados a estarem afastados das paredes, isolados inteiramente, eram sustentados por quatro ou mais supportes, dispostos regularmente aos angulos e lados da arca. Pelo, contrario, os moimentos destinados a estar encostados á parede, no fundo de capellas ou vãos, embora fossem

geralmente lavrados em todas as suas faces, tinham apenas dois cachorros, que se de dispunham, symetricamente proximo das extremidades da arca, e que tinham o tamanho suficiente para abranger a largura d’ella supportando-a. É este último o caso que se dá no sarcophago de D. Maria Affonso, vindo isso ainda confirmar que elle estava, junto á parede do claustro. 58

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Não são figuras de animaes os supportes do tumulo; mas figuras humanas. Uma, a que se vê do lado da cabeceira, representa um frade, com seu habito cingido pelo competente cordão, sandalias nos pés, apoiado nos joelhos e nos cotovellos, debruços. A cabeça desappareceu. O outro supporte é composto de duas figuras: um homem e uma mulher. Elle, corpulento como o frade; ella, franzina, uma verdadeira creança. O homem, cuja cabeça desappareceu tambem, tem trajo de cavalleiro; do cinturão lhe pende a bainha da espada; cobre-lhe o trajo de cavalleiro um habito, podendo suppor-se que quizeram representar um frei de alguma ordem militar. A creança, apenas veste uma curta camisa, e tem os cabellos cingidos por uma faixa roliça e torcida, o que também é um característico da epocha em que foi feita a esculptura. As attitudes das duas figuras mostram uma scena terrivel. O homem quiz roussar a creança. Colheu-a desprevenida, provavelmente num banho ou no leito, descuidada, intemente. Opprimida, pelo infame, a creança grita, tenta com suas mãos repellil-o; mas os seus esforços são baldados, e só pode gritar por soccorro. E então o algoz, raivoso de não poder satisfazer os seus bestiaes appetites, e enfurecido contra a victima, que brada, segura-a violentamente pelos cabellos com a mão crispada e sanhuda, e enterra-lhe a sua espada no lado esquerdo do peito. O artista representou optimamente a scena. É horrivel a expressão do rosto da víctima: expressão a um tempo de desespero e de dor, physica indescriptiveis. Era costume medieval (herdado dos antigos, e que nós ainda hoje seguimos


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frequentemente) o representar nos tumulos alguma scena mais ou menos notavel da vida das pessoas que deviam conter. Exemplo d’isso temos no mausoleu de D. Dinis, um de cujos supportes representa um homem prostrado por uma fera: nomeadamente D. Dinis derrubado pelo urso de Belmonte. Não é pois de extranhar que alli se representasse aquele passo, terrivel mas capital da vida de D. Maria Affonso, facto de que dependeu naturalmente o resto da sua existencia. Debalde procurei nas nossas chronicas e nobiliarios, em livros impressos e manuscriptos, alguma allusão ao facto; nada absolutamente descobri. É provavel que muito poucas pessoas tivessem conhecimento da scena representada no supporte do tumulo, por isso que elle estava no claustro; os frades que entravam alli não se entretinham por certo a examinal-o detidamente; as freiras nao dariam tal indicação aos chronistas; e estes calariam a desdita da filha do rei lavrador. Sem de modo nenhum pretender explicar o facto que resiste a todas as investigações, ponderarei comtudo que talvez aquella scena revele uma d’essas brutaes e atrozes vinganças, extremamente vulgares na meia edade; mórmente advertindo-se que contra o rei D. Dinis (cujo reinado é alliás muito obscuro, se levantaram grandes odios, uns a que não deu motivo, , outros causados pelas suas muitas aventuras. Pode defender-se a opinião de que a desventura de D. Maria Affonso lhe succedeu antes de entrar no convento. A figura do supporte representa sem dúvida alguma uma creança. E foi naturamente em consequencia d’esse infausto aconteci-

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mento que D. Dinis recolheu em Odivellas a filha sobrevivente á catastrophe, já que não podia dar-lhe uma posição brilllante no mundo, como praticou com a sua outra filha bastarda. A infeliz D. Maria Affonso não viveu muito. Sabe-se que falleceu em 1320; e o monumento erigido por ella, e de que já noutra occasião tratei, em nada pode esclarecer-nos, por não ministrar particularidade alguma de importancia para este objecto, e tambem por não haver a certeza de estar inteira a data. Mas devemos attender a que ella é sempre a ultima mencionada das filhas de D. Dinis, nas lista em que os antigos nos deixaram, e em que elles costumavam conservar a ordem do nascimento. Por outro lado a estatua tumular, que têm de comprido 1m,70, e na qual ninguem recusará ver o retrato de D. Maria, mostra-nos uma mulher muito moça ainda; e as dimensões do tumulo (que no exterior de longo 1m,91, e no interior mede apenas lm,70) não permittem dar á fallecida uma estatura maior d’um metro e cincoenta centimetros o maximo. D. Maria deve ter nascido de D. Branca Lourenço pelos annos de 1302, tendo pois, quando falleceu, a edade de dezoito annos, e reconhece-se que era pessoa de mui pequena estatura. Os restos de D. Maria desappareceram naturalmente por occasião do terramoto do primeiro de novembro de 1755, e transferencia do tumulo do seu local primitivo para onde está hoje.” Borges de Figueiredo Fonte: Figueiredo, A. C. Borges de, 1889, — Inscrições latinas do Algarve, in Revista Archeologica e Histórica, Typografia da Academia Real das Sciencias, Lisboa, Vol. III, p. 16-20 LAÇOS Número 1/07 – Outubro 2006-Janeiro 2007

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Maria de Lourdes Sant’Anna - A.A. N.º 278/1936

Histórias de África (V)

frica não se explica”, foi o que li de Francisco Camacho, que continuava, “é preciso ir a África para compreendê-la e para compreender os que falam dela como se falassem de outro mundo. Porque é de outro mundo que se fala quando se fala de África”. Munida de algumas fotografias e de documentação vária resolvi falar-vos do Parque Nacional da Gorongosa situado no centro de Moçambique, na Serra da Gorongosa, hoje com uma população de elevado número de espécies que não é fácil encontrar em qualquer outro lugar, carnívoros, herbívoros e uma imensidade de aves de cores lindíssimas. Depois da caça furtiva ter sido reduzida, a sua reabilitação tornou-se possível com a reconstrução das infra-estruturas inerentes a qualquer Parque que se pretenda possa ser turístico. O rio Urema, que circunda a zona profunda do Parque, extravasa para o rio Pungué que por seu turno vai desaguar no Oceano Índico. O nome da Serra da Gorongosa provém do primeiro chefe a fixar-se na zona, bem como as águas do rio Urema devem-se ao movimento constante dos hipopótamos. Em 2 de Março de 1921 foi criada esta reserva de África caça com cerca de 1000 quilómetros e em não se explica 1935 a reserva de caça foi aumentada para 3200 quilómetros quadrados, permitindo deste modo enormes manadas de elefantes, zebras, bois-cavalos, “inhacosos”, impalas, cudos, búfalos, javalis, leopardos, leões e muitas outras espécies, o que faz do Parque Nacional da Gorongosa uma das grandes reservas de caça do continente africano. Creio ter ido à Gorongosa talvez três vezes sempre agradadas do passeio. Num deles, acompanhados pelo chefe dos guias, Rodrigues, pudemos seguir pela “picada” dos leões que debaixo de um renque de palmeiras anãs dormiam sossegadamente; alguns levantavam-se, bocejavam, davam meia volta, e depois de nos olharem calmamente tornavam ao seu sono tranquilamente. Outros, nem se movi60

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am. Também na picada dos elefantes tivemos de parar e um deles, talvez o mais pequeno, quase abalroou o nosso jipe... Por este guia, Rodrigues, várias histórias nos foram contadas, entre elas uma que muito me impressionou. Era expressamente proibido a qualquer visitante regressar de noite à casa-mãe, se o carro em que seguia deixasse de andar, porque algum dos outros carros iria procurá-lo. Infelizmente um deles resolveu seguir a pé pelas picadas e por fim subir para uma das grandes árvores e ficar lá em cima. Um leopardo subiu também atrás dele e no dia seguinte apenas foram encontradas as suas botas. Connosco aconteceu que levando-nos o chefe dos guias Rodrigues à margem do rio Urema -“o Boé-Maria”- para vermos mais de perto a enorme massa de

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hipopótamos, fomos carregados por eles numa corrida que nos amedrontou. Ime-

diatamente o Chefe Rodrigues nos mandou recuar lentamente e avançando para a manada enfurecida enfrenta, batendo palmas, o que a surpreendeu e fez voltar para o rio.

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A Gorongosa hoje O multimilionário norte-americano de 37 anos, Greg Carr, está a investir, a fundo perdido e em nome da “luta contra a pobreza”, 29 milhões de dólares na reabilitação do parque natural da Gorongosa. Este parque acolheu em tempos a maior densidade de animais em África, mas os combates entre as tropas da Frelimo e os guerrilheiros da Renamo, ao longo dos 16 anos de guerra civil, bem como a caça furtiva e a fome provocaram a morte de 95% dos grandes mamíferos e o desequilíbrio de grande parte dos eco-sistemas. Carr comprou recentemente 54 búfalos ao Kruger ParK na África do Sul e tem programada a aquisição até 2015 de variados animais - elefantes, zebras, gnus, hipopótamos, cudos, elandes, rinocerontes e mais búfalos, etc. Vai também construir estradas, pontes, edifícios diversos e uma nova pista de aviação. Nos próximos quatro anos, as transformações e investimentos no Parque da Gorongosa vão desenrolar-se em grande ritmo, para que em 2010, quando decorrer o Campeonato do Mundo de Futebol na África do Sul, tudo esteja a postos para receber 50 mil visitantes nesse ano. Greg Carr, que aos 30 anos se tornou multimilionário, é um idealista prático e pragmático que considera que este parque é um negócio como muitos outros a que se dedicou com enorme sucesso. Está disposto a investir nele o seu próprio capital, mas quer que o negócio frutifique. Quer que as receitas cheguem a 39 milhões de euros pelo menos em 2010. Há 100 mil pessoas que vivem nos limites e dentro da reserva e ele tem um compromisso com essas populações que consiste em investir 20% do encaixe do negócio na melhoria das suas aldeias e na criação de mil postos de trabalho. Por Maria Benedita Tribolet Abreu A.A. nº 100/1953

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S O LT A S I Fernanda R. Jacobetty Vieira - A.A. N.º 152/1955

Exposição de cerâmica de Dário Vidal AO ARTISTA O Artista capta o Mundo Como raios de Sol, o cristal, Patenteia o Eu profundo Cristalino ou imundo O Bem, Beleza ou o Mal. Passa aos outros sentimentos Emoções, p’la Forma e Cor Torna eternos seus momentos Ao erguer seus monumentos Ao Belo, à Fé, ao Amor.

D

ário Vidal, amigo da nossa Associação, expôs, com grande sucesso, no Centro Cultural de Cascais, obras de azulejaria e cerâmica, assim como algumas instalações. A exposição esteve patente entre 24 de Novembro último (a inauguração fez-se na noite da tempestade, o que não obstou que as salas se enchessem) e o início de Janeiro de 2007. Os visitantes tiveram a oportunidade de renovar a ideia que tinham da Cerâmica, e de se aperceberem de que, uma técnica utilizada pelo Homem há milhares de anos pode, ainda, surgir formal e tecniCriatividade camente original. O artista trabalhou e utilizou, sem inibições, barro e azulejos cheia de frescura e, servindo-se de uma criatividade cheia de frescura, jogou com aspectos formais e pictóricos, a que a ordem e o rigor não cerceou a liberdade expressiva. Com recurso a azulejos antigos, assim como a outros materiais e, também, a objectos, fez associações antes impensáveis. Embora muitos dos painéis fossem materialmente bastante pesados, era de leveza a sensação que transmitiam ao espírito do observador.

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Algumas caixas, em acrílico transparente, protegiam grandes pratos onde se contorciam formas quase orgânicas, em coloridos e vitrificados movimentos. As instalações faziam reInstalação: “Penso, logo, existo”

flectir, e o “Penso, logo, existo”, cabeça vítrea (de uma transparência que a maior parte dos humanos não costuma patentear…), em cima de um plinto, exibia pensamentos estranhamente estáticos.

Parabéns a Dário Vidal, também pelo entusiasmo de que dispunha para a concretização de obras que exigiam tanto esforço de execução, além de força interior e energia física. Congratulamo-nos pelo facto de este artista ser casado com a nossa amiga A.A. Fernanda Rico, economista que tem, de diversas formas, cooperado com a nossa Associação dando, não só pareceres que lhe são solicitados, no âmbito da sua formação e experiência profissional, como outros contributos. Um deles, por exemplo, foi poder-se limitar o Jardim fronteiro ao Museu do Instituto (museu este que foi instalado, após obras de adaptação, no edifício do antigo lagar de azeite na quinta do Mosteiro) por grandes painéis de madeira escurecida, em tabuinhas cruzadas, oferecidos pelo casal Vidal à Associação que, por sua vez, cedeu ao Instituto os que serviram para esse efeito.

Painel de azulejos com montagem

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