Número 17 – Dezembro de 2008
Investigação e
Debate SERVIÇO SOCIAL
Neste número:
- “Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede” - “Tuberculose e Intervenção Social: Perspectivas e Desafios” - “A Cidadania pela via da Escrita: Reflexões Conexas com a Formação no Contexto das Novas Orientações Europeias”
Associação de Investigação e Debate em Serviço Social
Ficha Técnica: Investigação e Debate – Serviço Social Ano 12/Numero 17 – DEZEMBRO/2008 Director: Joaquim Paulo Silva Sub-Director: Miguel Ângelo Valério Equipa Editorial: António André Cristina Quinteiro Daniel Seabra Isabel Pinto da Silva Joaquim Paulo Silva José Álvaro Santos Maria José Barbosa Colaboradores Neste Número: Helena Neves de Almeida Joaquim Paulo Silva José Álvaro Santos Manuel Menezes Miguel Ângelo Valério
Colaboradores Internacionais Mario Calarco (Docente na Universidad Nacional Comahue-Argentina) Neuza Farias de Araújo (Docente na Universidade do Rio Grande do Norte-Brasil) Raquel Martínez Chicon (Docente na Universidade de Granada-Espanha) Richard Hugman (Docente na Universidade de New South Wales-Austrália) Conselho Editorial Prof.ª Dr.ª Fernanda Rodrigues (Docente na Universidade Católica) Profª Drª Maria da Conceição Ramos (Docente na Faculdade de Economia do Porto) Mestre Manuel Meneses (Docente no Instituto Superior Miguel Torga) Profª Drª Neuza Farias de Araujo (Docente Universidade Rio Grande do Norte- Brasil) Editor Associação de Investigação e Debate em Serviço Social Proprietário Associação de Investigação e Debate em Serviço Social Sede da Redacção: Rua de Antero de Quental nº 241, sala 14 4050- 057 Porto Tel/fax: 22 509 32 89 E-mail: aidssp@clix.pt ERC Nº Inscrição: 119114
de 7/06/1995
Tiragem: 300 exemplares Arranjo Gráfico: lavra…EDITORIAL Rua Pereira da Costa, 156 – 2.º 4400 – 245 Vila Nova de Gaia Tlm. – 966 238 966 E-mail: lavra.poesi@iol.pt
1
e
ditorial
Joaquim Paulo Silva
Caros leitores, voltamos ao vosso convívio, continuando com um projecto com mais de uma década. Um projecto editorial que mantêm viva a memória e a actualidade das teorias e práticas do serviço social, bem como a proficuidade das ciências sociais e do campo da intervenção social. Temos connosco uma promessa do “Trabalho Social”, o Dr. Miguel Ângelo Valério que passa assumir o cargo de subdirector e a colaborar na edificação dos próximos números da Revista, o que é já uma mais valia para todos nós. Neste número, reunimos textos diversos de autores, que na sua maioria já foram publicando nesta revista, produzindo reflexões sobre matérias tão diversas como a cidadania, a leiturabilidade, a ética, a produção escrita em serviço sócia e a mediação social.
Como projecto a revista continua a desafiar-vos para a colaboração. O projecto de transforma-la numa revista interactiva, ou seja também localizada na net, poderá ajudar a este desiderato, mas sobretudo será sempre a capacidade do exercício da cidadania pela via da escrita, que poderá conduzir ao enriquecimento de cada número, e consequentemente do serviço social.
Boas Leituras
2
CONCEPTUALIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO SOCIAL EM TRABALHO EM REDE
HELENA NEVES ALMEIDA 1
O conceito de mediação deriva etimologicamente do latim mediare (interpor-se) e foi empregue através dos tempos para designar uma oferta de interposição muitas vezes imposta a dois beligerantes. Actualmente o termo ultrapassa largamente essa concepção, e assume-se como um modo de gestão de um "sistema de transacções"
2
no
quadro da acção social. A prática de mediação surge nos anos 70 nos Estados Unidos da América principalmente no sentido de regular litígios sem recurso a instancias jurídicas, como uma prática decorrente da insatisfação sentida pelas pessoas devido à lentidão dos processos judiciais, aos seus custos e por vezes à falta de respeito
1
Professora auxiliar do Instituto Superior Bissaya-Barreto (Coimbra), Doutorada em Trabalho Social pela Faculdade de Letras da Universidade de Fribourg (Suiça). 2 BONDU D., Nouvelles pratiques de médiation sociale. Jeunes en difficultés et travailleurs sociaux, Paris, ESF, 1998, p.14. 3
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
pelas decisões. A mediação emerge como um
Existem sobretudo duas concepções de
modo de resolução de conflitos entre
mediação: uma ligada à cultura americana que
particulares e entre estes e os serviços
a encara como um meio alternativo de
públicos e como "um modo de regulação
resolução de conflitos, embora com contornos
social"3 de que as "boutiques de droit" e os
próprios, e uma outra, mais universalista,
"community board" são exemplo4.
europeia, herdeira da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em que “o
3
Cf. BONAFÉ-SCHMITT J.P., “Plaidoyer pour une sociologie de la médiation” in Annales de Vaucresson, 29, 1988, pp.19-44, et BONAFÉSCHMITT, J.P. & al., Médiation et régulation sociale, GLSI -Université Lyon II, 1992. 4
As boutiques de droit, associações de informação jurídica, surgiram em França (1975) por iniciativa de advogados e militantes associativos. Instalaramse nos bairros para dar resposta à procura social das populações mais desfavorecidas e facilitarlhes o acesso ao “direito a ter direito”. O projecto de mediação sobre o qual as "boutiques de droit" assentam, baseia-se na criação de estruturas de proximidade e na implicação activa dos habitantes. Por tudo isto, Bonafé-Schmitt considera a mediação, uma justiça doce. Nos termos da "Carta da mediação e das boutiques de droit" (divulgada por Philippe Turrel, Vers un droit d'ingérence sociale , 1995, in SIX, J.F., Dynamique de la médiation, Paris, Desclée de Brower, 1995, p.147) o conceito parece como percursor de um direito de ingerência social (“ Le choix d’action des Boutiques de Droit procède d’un droit d’ingérence sociale de certains acteurs de la Société Civile qui permettrait à des habitants des quartiers, désignés comme médiateurs, d’être porteurs d’une certaine légitimité” in TURREK, op. cit., p.8.) de certos actores da sociedade civil, direito que daria legitimidade aos habitantes dos bairros designados como mediadores. O domínio da sua acção é o contencioso do quotidiano, é a regulação de litígios menores (pequenos furtos, querelas verbais, maus cheiros na via pública). No que respeita as Community Boards, a mais conhecida é a de San Francisco que funciona independente dos tribunais. Esta iniciativa visava humanizar o tecido social em que se manifestam conflitos interpessoais e pretendia implicar cada cidadão através da sua responsabilização na procura de uma solução. O trabalho de base consistiu no estabelecimento de contactos com a população e com as instituições. O clima de confiança criado
outro” é um ser diferente mas igual, e para a qual as semelhanças são mais importantes do que as diferenças. Neste contexto, a mediação está centrada sobre a regulação constante das relações sociais. Ela opera novos laços, de forma criativa, renovando laços cortados, gerindo
a
sua
ruptura.
Enquanto
os
americanos têm o culto da negociação, os europeus têm o da lei. Bonafé-Schmitt (1999, 18) está convencido de que “as formas e o
permitiu dar voz aos conflitos existentes, tendo sido criado um espaço onde as pessoas podiam falar dos seus problemas e resolvê-los com a ajuda de terceiros e extra-judicialmente. Nesta perspectiva, mediação é também entendida como uma acção preventiva da marginalidade. A experiência de San Francisco é diferente de outros modelos de mediação, uma vez que: a) a mediação é concebida como um meio de solucionar assuntos penais, como uma acção de prevenção de criminalidade, e b) visa a regulação pacífica de conflitos menores pela revitalização do espírito comunitário nos bairros urbanos. Neste contexto, a mediação ultrapassa a resolução de conflitos: os cidadãos procuram a paz social pela redução de tensões sociais e raciais, pelo desenvolvimento de solidariedades , pela prevenção de conflitos de vizinhança. Neste caso, a 4
Investigação e Debate (17) desenvolvimento da mediação nos diferentes
equipamentos
domésticos
países são directamente influenciadas pelos
comunicações.
Porém,
sistemas de regulação social”. Uma análise
institucionalização
comparada desenvolvida pelo autor e seus
associou-se uma burocratização dos serviços
colaboradores
que tem contribuído para o arrastamento do
sobre
a
medição
penal
de
das
e à
crescente
relações
resolução
sociais
existente em França e nos Estados Unidos,
processo
evidencia diferentes modelos de integração
sobretudo no âmbito da justiça, da saúde e
social subjacentes aos modelos de medição. O
da protecção social.
modelo francês é universalista e republicano e
Apesar de os princípios da igualdade de
o modelo americano é diferencialista ou
direitos sociais e da universalidade da
comunitário. Estas diferenças de modelos
protecção social pública fazerem parte da
explicam porque nos Estados Unidos se fala
nossa memória colectiva recente, o direito à
mais de “mediação comunitária” e que em
indignação começa a ter eco junto das
França se realce “a mediação de bairro, social
populações, sempre que as decisões políticas
ou intercultural”. Após os anos oitenta,
inibam ou contrariem a aplicação de tais
começou-se a falar de práticas de mediação
direitos. Surgem queixas individuais e até
fortemente influenciadas pelas correntes
movimentos sociais de contestação 5 e de
americanas.
reivindicação, que exigem o desenvolvimento
Numa Europa cujo desenvolvimento se
de processos que facilitem a resolução dos
processa a ritmos diversos, Portugal é um dos
conflitos
países da União Europeia cuja modernização
administração pública instituiu nos diversos
económica e social se tem vindo a processar
serviços gabinetes para a recepção de queixas
emergentes.
das
das
Nesse
situações,
sentido,
a
sobretudo nas últimas três décadas, com indicadores positivos a nível dos padrões de consumo, dos costumes, do acesso aos
mediação "é uma incitação cívica e pessoal pela
informação, educação e acção”. 5 É disso exemplo, o movimento de contestação à política de co-incineração dos resíduos tóxicos, desenvolvida pelo Governo Português, que tem mobilizado a população em grupos de contestação social no sentido de encontrar alternativas que respeitem as preocupações da população em relação ao meio ambiente e à saúde pública. 5
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
individuais relativas aos conflitos que possam
povos. Face ao exposto, pode-se afirmar que
existir entre utentes e serviços, mas a sua
em Portugal o conceito e a prática de
resolução é demorada. A nível de pequenos
mediação estão em construção, pelo que se
conflitos entre cidadãos, e a nível de
torna imperioso aprofundar conhecimento
consumo, foram instituídos tribunais de
neste domínio.
arbitragem, tentando diminuir os custos que
De facto, a prática de mediação expandiu-se
acarretam processos judiciais demorados. Em
por diversos campos de intervenção e foi
qualquer
destes
assumindo diferentes perfis no quotidiano.
processos
alternativos
recursos
de
Hoje assiste-se à proliferação da diversidade
conflitos, como a conciliação, a negociação ou
de mediadores e de práticas de mediação
a arbitragem. Porém, tais processos não se
como resposta criativa a conflitos inscritos nas
confundem com a mediação6. A mediação
relações inter-pessoais ou decorrentes de
social tem sido assegurada por profissionais
mudanças
que trabalham nas organizações sociais, mas
institucionalização
está desprovida de uma concepção clara e
alterações a nível do perfil e funções da
orientada por finalidades específicas. Se a
família, a mundialização da economia, a
nível europeu a mediação está presente no
expansão da sociedade da informação e a
discurso político e na prática institucional, em
crise do Estado-Providência. Defende-se o
Portugal tem sido essencialmente utilizada a
processo de mediação em áreas diversas,
nível político, designadamente no plano
quando
internacional e no caso de conflitos entre
predominante nas relações a nível familiar,
6
de
utilizam-se
resolução
Constituem excepções algumas práticas comunitárias onde se começa a fazer intervir a figura de mediador (por exemplo, no quadro das políticas de integração das minorias étnicas) e na área familiar que, neste momento, possui instâncias de mediação, designadamente o Instituto Português de Mediação Familiar (1993) e a Associação Nacional para a Mediação Familiar (1997), dando corpo a uma prática de mediação, já instituída na Europa há alguns anos.
sociais,
o
designadamente, das
conflito
relações
assume
um
a
sociais,
papel
penal, administrativo, escolar, político, social, ou a nível empresarial, e sempre que a procura de alternativas exigir a intervenção de uma
terceira
pessoa
que
valorize
a
comunicação entre as partes e a capacidade
6
Investigação e Debate (17) de tomada de decisão por parte dos litigantes
intervenção de uma terceira pessoa exterior à
no estabelecimento de um acordo mútuo. O
sua rede de relações. Porém, a dispersão e
conflito, o equilíbrio e a mudança constituem
difusão acometida a tal diversidade poderão
pólos referenciais da expansão de práticas
constituir
mediadoras; a mediação é utilizada em
reflexão que descapitaliza o conhecimento a
situações de conflito, no sentido de o
nível da intervenção.
controlar
A primeira exigência que se coloca é a
ou
prevenir,
estabelecer
ou
reestabelecer laços sociais, e deste modo, regular
relações
sociais
ou
um
indicador
de
insuficiente
clarificação conceptual.
impulsionar
mudanças a nível pessoal, inter-individual e
1 – CARACTERÍSTICAS CONCEPTUAIS DA
social.
MEDIAÇÃO
No quadro da diversidade da produção escrita sobre a mediação, são predominantes as
1.1 -
A
mediação
é
frequentemente
abordagens sociológicas reflexivas, raramente
confundida com conciliação, arbitragem,
de base ontológica. Ora, a diversidade de
negociação e resolução de conflitos, mas
práticas profissionais constitui um factor de
constitui um processo distinto.
dinamização
do
saber
fazer,
dada
a
criatividade permanente que a complexidade
A conciliação é um processo formal ou
das situações-problema coloca ao processo de
informal pelo qual as partes, com a
procura de alternativas. Este tem sido um
intervenção ou não de uma terceira
factor valorizador do saber
profissional
pessoa, tendem a aproximar os seus
daqueles que diariamente contactam com
pontos de vista visando uma solução para
utentes de serviços sociais, com populações
o seu litígio. Quando existe uma terceira
socialmente excluídas ou com pessoas que no
pessoa, compete-lhe propiciar a discussão
seu
do
dia-a-dia
se
debatem
com
conflitos/problemas cuja solução passa pela
assunto
restabelecendo
entre a
as
pessoas,
comunicação
e
7
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
ajudando as partes em litígio a encontrar
conjunto com as partes envolvidas. Deste
soluções através de um processo de
modo, conciliação e mediação são de natureza
sucessivas aproximações. O conciliador
semelhante apesar de a conciliação ser de
organiza o encontro entre dois ou mais
natureza judiciária8 e a mediação de natureza
parceiros em conflito e promove a
extra-judiciária
realização de um acordo verbal ou escrito.
característica da mediação é o facto de ela ser
A conciliação é ainda um estado de
"non-procedure", como refere Paul Paclot9,
espírito, que caracteriza todos os que
Presidente honorário do Tribunal de Comércio
privilegiam as relações humanas, a atitude
de Paris, num colóquio realizado em 1986.
de escuta e diálogo, e que os adquirem
Com efeito, as partes estão livres do
depois de uma reflexão seriamente
constrangimento processual, e tal facto
conduzida tanto a nível teórico como
contribui para que aqueles que a ela recorrem
prático. Não se improvisa e é um
não a percebam como uma justiça. O
"suplemento de alma" 7 ao procedimento
mediador não está investido de qualquer
clássico da justiça. A prática da conciliação
poder, nem tem o imperium do juiz. "Esta
confronta-se com os limites da prática da
forma de mediação por conciliação é muito
palavra inerentes a qualquer reencontro
utilizada tanto nas interacções privadas (no
(Six,
J.P.,
1995).
Uma
inter-subjectivo (Martin & Masson, 1986).
Aquilo que separa a mediação da conciliação é uma questão de peso e duração. A mediação aplica-se a questões de maior importância, sendo o tempo utilizado no processo maior do que na conciliação. Em todo o caso a proposta
Le Bulletin, 8, 1986. 8 Pierre Estoup num artigo publicado em 1986 considera que os tribunais não são forçosamente o local único de solução de todos os conflitos. É necessário que para pequenos litígios sejam favorecidas soluções rápidas e pouco onerosas , fundadas sobre a equidade. Porém, salienta que o desenvolvimento de procedimentos de conciliação e de composição amigável exige uma mudança de mentalidades de todos os participantes na acção judiciária (cf. ESTOUP P., “Conciliation et amiable composition” in Le Bulletin, 8, 1986, pp. 9-12). 9
de solução formulada resulta de um trabalho
7
MALIGNE P., “De la conciliation aux arbitrages” in
Presidente honorário do Tribunal de Comércio de Paris. Comunicação feita no âmbito do colóquio organizado pela Associação Francesa de Arbitragem, consagrado à arbitragem e à mediação, 20 Jan.86, 21-30 (citado por SIX J.F., Le 8
Investigação e Debate (17) seio da família e das redes de sociabilidade)
está presente nos modos juridiscionais de
como nas interacções públicas (grupos de
regulação
pares, sociabilidades profissionais)” (Macé,
familiares, de consumo ou de outra
1996).
ordem. A arbitragem não é um modo de
de
conflitos,
sejam
eles
conciliação. É um modo de justiça que
A arbitragem é um processo formal pelo
chega a uma decisão arbitral e tem todas
qual as partes, de comum acordo, aceitam
as
submeter o seu litígio a uma terceira
judiciária. A arbitragem é caracterizada
pessoa que terá por missão resolvê-lo
por ser: a) - uma acção institucionalizada :
depois de os ter ouvido e estudado os
a decisão é pronunciada por uma terceira
seus respectivos argumentos (Bonafé-
pessoa que não representa nenhuma das
Schmitt, J.P., 1999). O árbitro tem por
partes e de forma independente, apenas
missão resolver o litígio e a sua decisão
tendo
obriga as partes. No caso da arbitragem as
apresentados por cada uma das partes; b)
duas partes colocam nas mãos de um
- uma acção rápida: o tempo requerido
terceiro o poder de impôr uma decisão
reduz-se ao necessário para a análise da
que se propõem aceitar. A mediação
situação, após ouvir os intervenientes na
considera os direitos daqueles cujos
contenda, e uma tomada de decisão.
características
em
de
uma
consideração
os
decisão
dados
interesses são contraditórios e solicita um posicionamento activo. Neste caso, os
Mas é necessário distinguir ainda mediação,
antagonistas não podem nem devem
negociação e resolução de conflitos.
abdicar da sua possibilidade de agir, eles
A negociação é um processo que permite
devem participar tão activamente quanto
que duas ou mais partes em presença,
possível na procura de uma solução, criá-
com interesses opostos, estabeleçam um
la e decidir em conjunto. A arbitragem
acordo através de contactos directos
temps des médiateurs, Paris, Éditions du Seuil,
1990). 9
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
entre os representantes das partes. Na
este perfil não se ajusta ao de mediador.
sua
se
Os dois processos são autónomos mesmo
desenvolvia sobre um conflito, mas sobre
que por vezes se articulem. A mediação
as condições de uma mudança. Hoje a
não se reduz à negociação nem esta
negociação estendeu-se aos conflitos
implica sempre uma mediação e vice-
sociais. A negociação pressupõe uma
versa, uma vez que implica uma terceira
confrontação directa entre as duas partes,
pessoa não pode
podendo cada uma ser assistida por
negociação e não pode ser considerada
advogados ou peritos. " A negociação não
como uma serva da negociação, um
é mais do que um jogo estratégico entre o
facilitador da tarefa de negociação como
conflito e a cooperação" (Simonet,J. &
defende H.Touzard. De facto a mediação
Simonet, R., 1987, 50). A negociação
tem sido considerada uma serva da
repousa sobre um fundo de interesses
negociação. Porém, convém assinalar que
comuns
que
a mediação não é uma parte de um
permitem estabelecer um acordo a fim de
conjunto mais vasto chamado negociação,
se poder cooperar. Touzard (1977, 400)
ela tem a sua própria autonomia.
origem
e
a
negociação
interesses
não
opostos
considera que compete ao mediador
ser assimilada à
A mediação também não se confunde
"facilitar a realização de um acordo entre
com
a
resolução
as partes", inserindo a mediação no
linguagem corrente a mediação surge
quadro da negociação. Mas significará isso
associada à resolução de conflitos, e seria
que o mediador seja um negociador?
um modo não violento de os resolver. O
Segundo este autor, o mediador regula as
conflito é em si mesmo uma realidade útil
relações interpessoais e seria uma mais
e um factor de desenvolvimento. Apenas
valia para o processo de negociação. A
a
terceira pessoa assumiria um papel de
transforma os adversários legítimos e
"agente de facilitação na negociação". Ora
normais em inimigos que em vez de
violência
de
perverte
conflitos.
o
conflito
Na
e
10
Investigação e Debate (17) procurarem encontrar um equilíbrio nas
conciliação e a negociação podem constituir
suas relações pretendem tirar a "pele" do
orientações práticas a considerar no decurso
outro. O conflito em si próprio não é bom
de uma mediação. Ou seja, se por razões que
nem mau, ele é a pior e a melhor das
se prendem com a natureza e as finalidades
coisas. A melhor quando o seu confronto
da mediação, a prática de arbitragem e de
permite encontrar soluções inovadoras
resolução
adaptadas aos interesses das partes em
confundir com aquela, já no que respeita à
presença e pior quando a forma de o
negociação e à conciliação elas podem ser
ultrapassar faz recurso à violência. Deste
integradas no processo de mediação como
modo, pode-se fazer uma boa ou má
estratégias, uma vez que dão alguma margem
gestão do conflito. A mediação não é um
de manobra ao mediador. O objectivo da
meio de dissolução dos conflitos, pois
mediação não é o de promover a conciliação
assim não seriam salvaguardadas as
ou a negociação, mas estes podem ser
diferenças
objectivos-meio importantes no decurso da
entre
os
adversários,
de
conflitos
não
se
podem
mantendo-as através de acordos; pelo
acção.
contrário,
seriam
Se a mediação não se confunde com nenhum
apagadas no sentido de alcançar uma
dos processos referidos, o que entendemos
espécie de "ideal de fachada".
por mediação?
essas
diferenças
Embora diferentes, os conceitos traduzem práticas que sendo diversas se articulam e imbricam
umas
encontrar
no
nas
outras.
processo
de
Poder-se-á mediação
1.2 - A mediação é um mecanismo de regulação
a
nível
societal
e
interindividual.
procedimentos próximos da negociação ou da conciliação. O conceito de mediação está
Por toda a Europa têm emergido mediadores
totalmente
de
diversos. Cada país adoptou a mediação como
resolução de conflitos e de arbitragem, mas a
um modo alternativo de resolução de
desligado
dos
conceitos
11
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
conflitos e como um modelo de regulação
mediação interindividual é entendida como
social, sabendo que “a regulação social é o
um modo não contencioso de regulação de
conjunto de mecanismos através dos quais se
litígios, sob a égide de uma terceira pessoa.
criam, se transformam e se anulam as regras.
Em qualquer mediação poder-se-á considerar
A regulação social toma a forma de mediações
a existência de uma micro-mediação (inter-
sociais e interindividuais. Elas preenchem uma
individual)
dupla função, latente e manifesta: “fazer
(societal) que formam um contínuum variável
sociedade” e “regular conflitos””( De Briant e
segundo a representação que os actores têm
Palau, 199,43).
do processo.
A
mediação
define-se
como
e
de
uma
macro-mediação
o
A mediação “faz sociedade” na medida em
“relacionamento entre dois termos e dois
que ela cria laços sociais fundados em
seres” (ibid, 43). Ora, na perspectiva das
representações culturais e históricas da
ciências sociais, a mediação é mais do que o
sociedade. Mas ela é igualmente um processo
estabelecimento de relação entre a sociedade
alternativo de resolução de conflitos, um
e o indivíduo. Ela é simultaneamente societal
modo que permite a sua transformação
e interindividual, mesmo que os diferentes
partindo de um compromisso.
actores sociais não tenham consciência dessa dualidade. A mediação é societal na medida
1.3 - A mediação assenta num conjunto de
em que esse relacionamento visa “constituir
“estruturas
ou desenvolver laços sociais e tratar ou
designadamente uma terceira pessoa, uma
prevenir conflitos” (ibid, 118) . Inserem-se
ausência de poder de decisão, uma mudança
nesta categoria as mediações da linguagem,
por catálise e a comunicação.
fundamentais”10,
do direito, da escola, enquanto operações de construção da realidade, de laços sociais,
a) Uma terceira pessoa
“vectores de sensibilidades e matrizes de sociabilidades” (Debray, 1991, 15) .
A
10
Cf. Six, J.F., Le temps des médiateurs, op.cit. 165193. 12
Investigação e Debate (17) A primeira condição para que haja mediação é
necessariamente
a interposição de um terceiro elemento. Essa
independente dos dois protagonistas ou
terceira pessoa pode ser uma instituição a que
antagonistas. Esta condição é essencial para
uma das partes de um conflito faz apelo. Se o
não se pensar que estamos perante uma
terceiro se encontra implicado num dos dois
mediação quando ainda nos encontramos
campos, não se poderá falar de mediação. O
numa situação dual, em que o "mediador"
lugar mediano que ocupa na relação permite-
ocupa uma posição de interventor com poder
lhe quebrar a dualidade em que se encontram
de
as partes e assumir uma posição de referência
acusações entre os dois antagonistas num
central comum às mesmas. No contexto da
processo de culpabilização mútua. Ora a
mediação
um
mediação consiste em fazer passar a ideia que
aos
não há ganhadores nem perdedores e que o
permite
sucesso de um não significa a morte ou a
a
linguagem
distanciamento
em
acontecimentos expressar
o
opera relação
imediatos
e
significado
desses
decisão.
um
Numa
terceiro
elemento
mediação
surgem
rejeição do outro.
acontecimentos. Tal distanciamento é um trabalho de liberdade. Quando ocorrem trocas
b) Ausência de poder
que permitem estabelecer um contrato entre
O não poder constitui a segunda condição
as partes, mais do que uma partilha, tal
para que se considere que a acção é de
significa um desprendimento em relação a
mediação. A interposição de um mediador
interesses considerados relevantes por cada
não significa que ele exerça um poder
uma delas. Pelo contrato cada uma das partes
decisório, apesar de por vezes lhe poder ser
liga-se à outra por livre vontade.
dado um estatuto de árbitro ou de juiz.
Ao contrário de um julgamento , de uma
Mesmo que o requerente o deseje, mais ou
arbitragem ou de uma negociação, que são
menos conscientemente, mesmo que o
situações duais , a mediação é uma situação
mediador
no
secretamente, não pode ser exercido nenhum
mínimo
"trial".
Ela
implica
o
deseje,
mais
ou
menos
13
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
poder de decisão durante a mediação. O
dar.
mediador não toma o lugar das partes
autoridade moral, que também é uma forma
envolvidas: ele deve suscitar a sua liberdade,
de poder mas não de influenciar directamente
criar condições para que estabeleçam uma
o curso dos acontecimentos, não um poder
relação efectiva que permita encontrar uma
judiciário ou legislativo. A procura de uma
solução imaginada ou inventada por iniciativa
terceira pessoa deve-se a essa autoridade
e esforço das duas partes,
e possam
moral que se exerce num clima de confiança e
implementá-la concretamente. A mediação
respeito pela liberdade de cada um, sem o uso
processa-se
e
da força, coerção ou qualquer meio de
envolvimento das partes, com liberdade de
pressão11. No entanto, no espaço da relação
escuta das sugestões do mediador, libertos
movimentam-se energias que se traduzem em
até de qualquer poder de sedução.
poderes, porventura menos claros, que
Quando o poder superior designa um
analisaremos mais tarde.
por
livre
consentimento
Ao
mediador
reconhece-se
uma
mediador, ele é visto pelas partes como alguém que , mais tarde ou mais cedo, vai
c) Processo catalítico
aplicar as decisões projectadas pelo poder em
Etimologicamente derivado do grego Katalysis
questão. Mas para se ser mediador a acção
o termo catálise é utilizado na química para
tem de ser desenvolvida com autonomia, com
designar a "modificação da velocidade de uma
uma determinada margem de manobra. O 11
espaço de evolução do mediador é estreito e frágil: ele deve ser criado por cada um dos intervenientes e não imposto do exterior. Esta característica de ausência de poder confere às duas partes a possibilidade de melhor analisarem o seu problema e de escolher livremente a solução que eles lhe pretendem
Geneviève Pelpel (1982) no artigo "La médiation au risque de la dépendance" publicado na revista Informations Sociales, 4 , chama a tenção para a possibilidade de a relação entre mediador e mediado se poder vir a transformar numa relação de dependência, dada a fragilidade com que as partes se apresentam no processo, e acrescenta: " numa relação de ajuda ninguém pode fazer economia de um período de dependência. A dependência é um dos motores da autonomia" (71). Porém, dado que a intervenção do mediador é uma intervenção a prazo, no caso de se tratar de uma mediação junto de uma população carenciada a vários níveis, a dimensão afectiva torna-se importante, podendo vir a criar-se problemas de interdependência. 14
Investigação e Debate (17) reacção química condicionada pela presença
terceira pessoa (um mediador), considerada
de substâncias que não aparecem nas
como um actor desarmado e sem poder, a
equações finais daquela reacção, isto é , a sua
mediação é uma acção por catálise.
presença faz acelerar a reacção sem nela
A mediação parece ser, à primeira vista, um
tomarem
se
paradoxo na sociedade actual: as descobertas
produziria mesmo sem a sua presença,
científicas e tecnológicas apresentam soluções
embora mais lentamente. A catálise ou acção
para
catalítica
de
multiplicação de leis em todos os domínios
substâncias especiais , os catalisadores"12.
parece dar resposta a todos os litígios, sem
Ainda
os
esquecer as redes de comunicação que
catalisadores são " como o óleo com que se
propiciam laços e soluções variadas. Ora, ao
lubrifica uma máquina e que permite a esta o
mesmo tempo que se foi construindo o
melhor rendimento, sem que contudo lhe
mundo moderno, estabelecendo contactos e
forneça a mínima quantidade de energia de
ligações de toda espécie, federações, uniões
que
parte,
reacção
exerce-se
a
aquela
propósito
é
por
esta
intermédio
refira-se
capaz"13.
que
O
que
papel
dos
grande
monetárias,
parte
dos
convenções,
problemas,
foram
a
também
catalisadores é duplo: por um lado são
aparecendo os catalisadores. Como refere
agentes que determinam reacções por quebra
Paule Paillet (1982, 9) "quando os modos de
de equilíbrio instável e por outro lado são
protecção do cidadão, quando a regulação das
simples aceleradores da reacção. Ora, a
suas relações com a lei, com a norma e com a
catálise constitui uma condição que reforça as
instituição se encontram perturbadas ou
duas anteriormente enunciadas. A mediação
pervertidas, é necessário encontrar um elo de
resulta a maior parte das vezes numa
ligação. Seja de natureza política, associativa,
transformação, sem ser o iniciador ou o motor
sindical, jurídica ou social, ele terá sempre por
dessa mudança. Pela presença de uma
missão o estabelecimento das conexões
12
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, (ilustrada com cerca de 15000 gravuras), Volume VI, Lisboa, Editorial Enciclopédia, Lda, p.274.
necessárias. Neste
13
sentido, a mediação
Ibid., p.273. 15
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
representa uma constatação de imperfeição
outras
do
conseguida, a melhor sucedida, é aquela que
nosso
mundo
e
uma
abertura
á
mediações;
a
mediação
mais
esperança”.
produz uma verdadeira comunicação entre as
O mediador como catalisador é desprovido de
partes, uma comunicação que trará realmente
poder coercivo, decisório e legislativo. Ele não
frutos na vida de cada uma das duas pessoas
toma o lugar dos protagonistas, não absorve
ou de cada um dos dois grupos" (Six, 1991,
os seus diferendos, não promove a sua fusão
185). A mediação deve produzir, não uma
através da acção. Pelo contrário, o mediador
simulação de comunicação, mas uma troca
reúne as partes em conflito, pede-lhes que
real; mesmo quando não é alcançada deve
tomem em mãos o curso das suas vidas, dos
provocar em cada um a consciência de que
seus projectos, e que enveredem por um novo
não existe apenas a sua verdade, e que o
caminho, adoptando uma nova dinâmica
outro também possui uma parte dela. Com
entre si.
efeito, um dos benefícios da mediação é comunicar a cada um que o isolamento são
d) Comunicação
nefastos à construção de uma saída e que a
O fim principal da mediação reside no
abertura em relação ao outro só valoriza a sua
estabelecimento ou restabelecimento da
posição.
comunicação entre as partes, facilitando o
Na mediação, a produção da comunicação
diálogo entre si. Mesmo quando não se
compreende três etapas14: a escuta, o tempo
estabelece um acordo entre as partes e cada
e a conclusão. A escuta permite compreender
uma assume uma posição radical, o insucesso
a situação, os argumentos, e os significados
da mediação é relativo porque se estabeleceu 14
uma comunicação parcial transformando as duas partes. " Não há uma mediação perfeita; toda a mediação é um momento de catálise, mas ainda terá de avançar com a ajuda de
A questão metodológica é tratada por diversos autores: BONAFÉ-SCHMITT J.P., “La médiation sociale et penale” in BONAFÉ-SCHMITT J.P. & al., Les médiations, la médiation, op.cit.; DAHAN J., “La médiation en matière familiale” in BONAFÉSCHMITT J.P. & al., Les médiations, la médiation, op.cit.; SIX J.F., Dynamique de la médiation, op.cit.; DE BRIANT V. & PALAU Y., La médiation. Définition, pratiques et perspectives, op.cit. 16
Investigação e Debate (17) atribuídos por cada uma das partes ao assunto
quando suscita laços benéficos entre pessoas
em análise; o tempo permite gerir os
ou grupos que não os tinham; 2 - Mediação
diferendos e favorece a tomada de posição
renovadora
em liberdade, sem precipitações e de forma
laços já existentes entre as pessoas e os
consciente
grupos;
pelas
partes
envolvidas;
a
quando
permite melhorar os
conclusão é o produto do trabalho efectuado
II - Mediações destinadas a parar um conflito:
até ao momento, num esforço de respeito
3 - Mediação preventiva que antecede um
pela identidade dos agentes em presença. “
conflito ainda em gestação entre pessoas e
Cada mediação é diferente e exige um tempo
grupos e consegue evitar a sua explosão; 4 -
específico,
para
Mediação curativa que responde a um
mediação, com o seu ritmo próprio. Compete
conflito existente ajudando as pessoas e os
ao mediador fazer com que a mediação seja
grupos envolvidos a encontrar uma solução.
bem sucedida no tempo; o prolongamento ou
A mediação é uma acção realizada por uma
a
os
terceira pessoa, entre pessoas e grupos que o
reencontros de mediação resulta de uma
consentem livremente e aos quais caberá a
adaptação contínua; tudo isto para conduzir a
decisão final, e destina-se a fazer nascer ou
mediação ao seu termo” (Six, 1995, 144).
renascer entre eles novas relações, a prevenir
diferente
diminuição
dos
de
mediação
intervalos
entre
ou a gerir relações perturbadas em si . 1.4 - A mediação pode ter finalidades e objectos diversos.
Por todo o lado, hoje fala-se de mediação, uma prática que foi adquirindo diversas facetas consoante o seu objecto: mediação
Quanto às suas finalidades, a mediação
política, familiar, social, penal, cultural, muitas
enquadra-se em dois grupos e quatro tipos de
vezes apelidada como tal sem o ser. Hoje é um
mediação ( Six, 1991, 164):
conceito banalizado porque responde a uma
I - Mediações destinadas a fazer nascer ou
necessidade
renascer um laço social: 1 - Mediação criadora
difundindo: a interposição de uma terceira
que
se
foi
construindo
e
17
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
pessoa que permita encontrar alternativas e
relações que cada um pode ter com as
saídas para impasses que surgem do choque
instituições e com a sua administração,
de interesses entre as partes. Ao lado dos
podendo ser associada a uma melhoria da
mediadores
existem
relação entre os serviços públicos e os seus
mediadores políticos ao serviço da cidade, da
utentes. A mediação tem uma dupla função:
sua evolução e transformação e que são
por um lado evitar as dificuldades entre
mediadores na medida em que são actores
utentes e serviços e por outro lado apreender
concretos que a nível local constroiem o
os factores de insatisfação do público. A
referencial de uma política. São mediadores
mediação surge como uma resposta às
que ocupam uma posição estratégica no
dificuldades de comunicação.
do
quotidiano,
sistema de decisão pois formulam o quadro intelectual
em
que
se
desenvolvem
negociações, conflitos ou alianças que levam à
1.5 - A mediação pode ser de natureza institucional, profissional ou cidadã.
decisão, como refere Pierre Muller. A sua visão do mundo vai influenciar a percepção
Quanto à sua natureza, a mediação pode
daqueles que intervêm no sistema de decisão.
apresentar-se segundo diversas tipologias. Por
Este autor distingue a este nível de mediação,
exemplo, para colocar em evidência a
três
os
complexidade das diferentes abordagens
elites
conceptuais, Six define duas concepções -
administrativas. Os utentes dos serviços
mediação institucional e mediação cidadã,
sentem-se por vezes sufocados na sua relação
enquanto De Briant & Palau defendem outras
com
mediadores
nomenclaturas - mediação tradicional, nova
profissionais compete-lhes traduzir a procura
mediação; mediação pública e mediação
de forma a encontrar resposta para o
privada.
problema. A mediação não se exprime apenas
A mediação institucional está ligada a um
nas relações interpessoais, mas também nas
poder, que provém de uma instância superior,
categorias
profissionais,
as
os
de
mediadores:
eleitos
instituições.
e
Aos
as
18
Investigação e Debate (17) e que resulta de um qualquer organismo, e a
Uma outra forma de distinguir as novas
mediação
mediações
cidadã
é
uma
mediação
resulta
da
distinção
entre
independente, suscitada pela vida quotidiana
mediações públicas e mediações privadas. A
em livre associação, é a mediação cidadã.
mediação pública é uma mediação legal. O
A mediação tradicional « met en relation
estabelecimento de relações é um produto da
deux termes ou deux êtres et la société ou
intervenção de uma terceira pessoa com
l’institution transcendante qui en tient lieu »
poder público para tratar de conflitos sem a
(De Briant e Palau, 1999,50), ela regula e dá
imposição de uma solução. São mediações
visibilidade ao social, ou como referem os
públicas : a) as que se desenvolvem no quadro
autores citados “ uma mediação social
da relação entre o público e a administração,
consciente” que estabelece a relação entre o
pelo
individual e o universal. Esta mediação
mediadores culturais, mediadores educativos,
tradicional recorre à figura de sábio-mediador.
as mediações que ocorrem em colectividades
As mediações tradicionais apoiam-se na
locais ligadas a problemas do ambiente ou a
vontade de estabelecer relações sociais,
actividades inter-culturais); b) as que são
ultrapassando a dimensão individual. A
organizadas pela administração (mediações
simples presença do mediador “amador”
jurídicas,
representa e forja o laço social. Cabem neste
estabelecem no quadro da relação entre
tipo de mediação, a mediação religiosa, a
Estados,
mediação de vizinhança e a mediação política.
europeia e internacional.
A nova mediação pressupõe a acção de uma
A mediação privada
terceira pessoa neutra e imparcial. Trata-se de
acção de uma terceira pessoa no processo de
uma
interindividual,
resolução de conflitos ou no estabelecimento
simultaneamente societal, mesmo quando
de laços sociais entre duas partes que se
coloca em evidência a dimensão micro no
opõem, mas trata-se de uma acção fundada
quadro de uma acção profissional.
na construção de um acordo pelas partes
mediação
Mediador
civis,
da
República,
penais);
designadamente
c)
pelos
as que
a
se
mediação
implica igualmente a
19
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
implicadas, sem o recurso a qualquer tipo de
segunda
pressão. As mediações privadas traduzem a
empresas e é considerada como um modo de
vontade dos actores em construírem laços
regulamentação das diferentes estratégias
sociais ou regularem conflitos sem o recurso a
existentes. De Briant & Palau estabeleceram
instâncias públicas. As mediações privadas
uma grelha de análise comparativa entre as
podem
políticas públicas tradicionais e as novas
ser
qualificadas
de
“mediações
favorece
a
aproximação
entre
comunitárias” baseadas na organização da
políticas públicas, salientando
“sociedade civil”, isto é , os indivíduos, as
premières sont imposées quand les secondes
famílias, as associações e as empresas. São
sont
exemplo
as
gouvernance locale ou sectorielle, sur la base
“Community Boards” e as “Boutiques de
de relations principalement contractuelles ou
Droit” anteriormente referidas. A mediação
non
privada desenvolve-se entre particulares. Ela é
mediação participa e valoriza a redefinição do
vista como a acção de uma terceira pessoa
papel dos actores tradicionais. Até aqui
que
entre
competia ao Estado tomar a seu cargo os
indivíduos ou grupos de indivíduos, partindo
destinos individuais, mas hoje os apoios são
de regras definidas por eles próprios.
A
incertos, pelo que é necessário que cada um
mediação social, familiar e cidadã são
conte consigo próprio e construa com outros
variantes que correspondem à vontade de
novas solidariedades. E isto é verdade tanto
auto-regulação
da
ao nível dos indivíduos como a nível das
intervenção pública na regulação dos conflitos
nações. Para diminuir a angústia que tal
interindividuais. A mediação empresarial e a
incerteza provoca, são necessárias mediações.
mediação negocial são igualmente privadas: a
Em suma, existem duas correntes para
primeira é requerida pela direcção da
tipificação da mediação
estrutura para regular os conflitos internos
natureza: uma mais institucionalizada que
pela via do diálogo e extra-judicialmente, e a
provém
deste
favorece
tipo
o
ou
de
mediação,
relacionamento
de
eliminação
négociées
avec
unilatérales “.
de
um
que
l’ensemble
Neste
poder
“ les
de
contexto,
la
a
quanto à sua
estabelecido
(a
20
Investigação e Debate (17) mediação institucional) e outra que pretende
enfraqueceram o papel desses mediadores
uma autonomia, que encara a mediação como
tradicionais, tendo sido substituídos pelas
produto da relação quotidiana dos cidadãos (a
associações que foram surgindo de forma
mediação
explosiva em todos os domínios. Os membros
cidadã).
Os
mediadores
institucionais permitem que a instituição a
de tais associações são mediadores cidadãos.
que pertencem dialogue com os seus utentes,
Do ponto de vista dos modos de acção, o que
prestando
se
distingue estes dois tipos de mediadores? Aos
confrontam e se sentem perdidos na máquina
mediadores institucionais é solicitado que
administrativa e que vêm nesses mediadores
resolvam problemas de
um recurso. Eles fazem o acolhimento e
emprego, de assuntos sociais. São peritos com
escuta das pessoas, humanizam a sua função
formação técnica orientada para o tratamento
e a instituição, como refere Jean-François Six .
de problemas na área em que é solicitada a
No entanto, as instituições correm o risco de
sua intervenção e que se tornaram em
burocratizarem a mediação institucional se ao
intermediários obrigados, que desempenham
criarem serviços de mediação para responder
um papel indispensável.
a problemas institucionais estes se tornarem
mediadores institucionais representam um
locais
certo poder, os mediadores cidadãos são
reais
onde
impessoal
se
serviços
aos
administram
assuntos
que
de
forma
Enquanto os
Os
cidadãos entre cidadãos. A sua procura faz-se
origem
de igual para igual, não para lhes solicitar
pelas
respostas para os problemas mas para
instituições, eles são mediadores naturais que
assumir o papel de terceira pessoa, de alguém
nascem nos grupos sociais para tratar de
que não seja um árbitro. Espera-se que pela
problemas da comunidade. Eles não têm
sua presença, acolhimento e escuta se crie um
poder, apenas têm autoridade moral. O
espaço para análise de um problema em
desenvolvimento urbano, a dispersão da
relação ao qual se precisa de tomar uma
família,
decisão. Mesmo que eles não resolvam os
mediadores diferente:
cidadãos eles
os
não
administrativos.
alojamento, de
têm
uma
são
criados
movimentos
de
população
21
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
conflitos, devido à ausência de recursos
não formuláveis, especialmente nos casos de
técnicos para o efeito, espera-se que a relação
stress,
estabelecida com o(s) cidadão(s) permita a
Durante muito tempo os conflitos e as
construção de uma alternativa para o conflito.
discórdias eram apaziguados no quadro de
Apoiam-se nos recursos que as pessoas
uma auto-regulação posta em prática por
dispõem, transmitem confiança, confortam,
actores que provinham de espaços de
ajudam-nas a encontrar uma solução que não
mediação natural, como as famílias alargadas,
é imposta do exterior. Por isso, ser mediador
paróquias, vilas. O recurso à mediação
cidadão é uma arte da relação pessoal e social
exterior a este quadro ocorria apenas em
e quando se procura um mediador cidadão
situações graves e complexas, pelo que era
sabe-se que o seu trabalho permite suscitar
entendida como o último recurso. Com a
elos e é capaz de mostrar uma luz ao fundo do
urbanização acelerada, essas estruturas de
túnel. "Mediador é todo aquele que utiliza o
regulação foram-se esbatendo, as relações
seu direito de participar, todo aquele que não
sociais
se remete para o Estado para regular todos os
começou a fazer-se recurso à denúncia,
assuntos da cidade mas quer praticar actos
queixa para os casos de pequenos e médios
cívicos; a mediação faz parte deles” (ibid,
litígios. É neste quadro que surgem práticas
198). O mediador cidadão promove a
diversas, mas frequentemente confundidas
esperança. Ora, toda esta filosofia de agir
com a mediação.
exclusão,
foram-se
ansiedade
e
doença”.
institucionalizando
e
exige tempo, sem pressões institucionais de encontrar uma solução ou de chegar à solução quase no imediato. A mediação permitiria aproximar pontos de vista, pôr em questão
2–
MEDIAÇÃO,
SERVIÇO
SOCIAL
E
partilhada
e
TRABALHO EM REDE
certezas e atenuar mal entendidos e como refere Paillet (ibid, 136) "É necessário estar
Hoje
a
acção
social
é
cada vez mais atento às procuras implícitas,
implementada por organismos centrais e
22
Investigação e Debate (17) periféricos, novos parceiros sociais numa
rede. Apenas uma rede de actores sobre um
lógica de partenariado e de trabalho em rede,
território (uma equipa de pessoas referentes
dando, deste modo, corpo a um modo
numa
alternativo de articulação entre o público e o
plenamente um papel de mediação social
privado, o global e o sectorial. A articulação
(Bondu, 1998). A rede tem um efeito
entre protecção pública, privada e sistema
multiplicador de esforços, e cria condições
informal constitui a referência central do novo
para uma abordagem global, rompendo com a
modo de protecção social. O Estado oferece à
lógica do "ping-pong institucional". Por isso, o
comunidade um novo papel através da
conceito de rede pode ser entendido como
descentralização
um paradigma necessário à compreensão de
valorização
das
e
da redes
participação, comunitárias
da e
um
instituição)
novo
princípio
pode
de
desempenhar
organização
da
informais, esbatendo desse modo o seu papel
sociedade. Nesta modalidade de trabalho
no domínio da política social15.
descobre-se
Uma das modalidades de organização de uma
estruturalidade
intervenção de base territorial é o trabalho de
quotidiano em relação à globalidade da
a
força e
dos
laços,
funcionalidade
a do
organização social (Sanicola, 1994). O trabalho 15
Badie (1996, apud Martin, 1998) sugere que o poder político se exerce através da mediação do solo e do lugar, ele não é inato. Existem razões de ordem económica e social capazes de fazer compreender as tendências contemporâneas de "retorno ao local", embora com uma nova roupagem. Assinale-se a mundialização do espaço económico, que exige cada vez mais a regulação local dos problemas económicos e sociais, e os fenómenos actuais de precaridade, de mobilidade espacial das populações que caracterizam a crise social em que vivemos. Os custos que as situações de precaridade acarretam são elevados a nível social e económico, e implicam a descentralização de esforços. Por outro lado, a sociedade civil reage às situações de precaridade, mobilizando as solidariedades primárias (família, vizinhança,... ) na luta contra os efeitos desestabilizadores do crescimento do espaço económico. Hoje assiste-se à emergência de um processo de reacção social contra a precarização e a insegurança que se traduz no retorno ao local e à procura de novas solidariedades.
de rede é a configuração mais ou menos estável e permanente de interacções entre indivíduos que se conhecem e reconhecem como actores, e que privilegiam as relações sociais primárias. Consiste num conjunto de intervenções que permitem que os recursos estabeleçam
conexões
entre
si
e
que
desenvolvam estratégias capazes de produzir relações significativas num dado território.
23
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
Através da cooperação voluntária entre
de laços sociais que está associada à exclusão
actores, a rede assegura a conjugação de
social. É a autonomia técnica e um sentimento
energias individuais, o que exige um confronto
de identidade de interesses partilhado tanto
de lógicas profissionais. A necessidade de uma
pelos profissionais como pelas instituições
acção global exige que tais lógicas sejam
que anima e impulsiona um trabalho de rede
trabalhadas
interactiva,
e lhe confere eficácia. Por vezes é necessário
promovendo o conhecimento interpessoal e
construir uma dupla rede de actores locais,
uma dinâmica de mudança: mudança de
mobilizadas sobre a inserção dos sujeitos:
de
forma
atitudes, de perspectivas e de acção16.
uma rede de actores económicos que
Porquê trabalhar em rede? Quais as suas
representam
vantagens?
(empresas, associações) e que permitem o
Aquilo que mobiliza uma rede não são os
enquadramento e o apoio a uma mão de
objectivos institucionais strito sensu mas uma
obra com características distintas (por
lógica de qualidade de serviços e rapidez de
exemplo, os deficientes)
acção, articulando esforços entre os vários
uma
rede
o
mundo
de
do
actores
trabalho
(políticos,
parceiros formais ou informais. Não são os
económicos,
compromissos formais que ligam os diversos
susceptíveis de serem pessoas-recursos e
intervenientes, mas a vontade de encontrar
que tenham em vista o acompanhamento
alternativas de forma criativa para ultrapassar
social e profissional dos sujeitos, e que ao
problemas vivenciados no particular mas com
mesmo tempo sejam capazes de dar
uma expressão colectiva, tais como a ruptura
respostas práticas aos problemas que se
16
Podem identificar-se três tipos de redes: a) rede de actores institucionais, como recursos mobilizáveis - a lógica do partenariado; b) rede de inter-conhecimentos - rede de actores no terreno para assegurar uma abordagem global e aberta dos problemas; c) rede informal tecida pelos sujeitos num dado território.
sociais,
associativos)
colocam no quotidiano. Estes actores locais são diversificados: eleitos locais, trabalhadores
sociais,
formadores,
professores, médicos, entre outros.
24
Investigação e Debate (17) transformações dos problemas sociais e à Esta dupla rede de actores locais potenciam o
transformação da sociedade global. A política
trabalho de apoio e inserção social e criam
pública é um processo de mediação social
condições para um protagonismo social dos
uma vez que se centra nos desajustamentos
utentes dos serviços. No entanto, pressupõe
que podem surgir entre sectores e entre um
um acordo tácito entre as partes , que permita
sector e a sociedade global, ou seja tem por
rentabilizar
uma
objecto a gestão da relação global-sectorial.
sinalização atempada das situações de risco
Neste sentido, os assistentes sociais são
social. O trabalho em rede permite reavivar a
considerados como mediadores, ocupando
esperança na construção de um futuro
um lugar central nessa articulação. Sem o
diferente ou renovado.
recurso a actores que assumam o referencial18
As instituições funcionam com profissionais
da política pública e procedam à construção
cuja tarefa é efectuar a transacção entre
ou transformação da relação entre sectorial e
aquilo que se faz a nível sectorial e global, e os
global o sistema de decisão não funciona. Isso
assistentes
determina
serviços
e
sociais
assegurar
são
profissionais
a
importância
que
têm
os
capacitados para lidar com um problema
mediadores no domínio das políticas públicas.
individual ou de grupo de forma inserida na
A função de mediação resulta da conjunção de
dinâmica do conjunto das políticas. Os
dois pares de dimensões: a dimensão
problemas têm de ser tratados de forma
cognitiva-dimensão normativa e a dimensão
integrada, e neste contexto os assistentes 18
sociais (entre outros profissionais) assumemse como artesãos do desenvolvimento de uma política
17
pública17
que
se
adapta
às
Gérard Martin (1998, 124) considera que se pode falar de política pública quando uma ou mais autoridades locais tentam modificar o meio sócio-cultural e económico dos actores através de um programa de acções coordenadas.
Este conceito elaborado por analogia com a noção matemática de "sistema de referência" é uma estrutura de sentido que permite pensar a mudança nas suas diferentes dimensões. Compreende quatro factores: os valores (ex. as noções de igualdade e equidade), as normas que separam o real percebido do real desejado, os algorítmos (relações causais que exprimem teorias de acção) e imagens (cada política traduz uma imagem do problema a tratar, uma representação sobre o grupo de referência do problema e uma concepção de mudança). O referencial é o quadro intelectual que baliza a intervenção. 25
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
intelectual-dimensão de poder. O primeiro par
dão visibilidade e que se forem consideradas
designa a relação entre o desejável e o real e
de
o segundo a estruturação do campo de força
descontextualizadas constituem constantes na
da mediação (através da linguagem e da
diversidade de práticas profissionais no
produção de sentido). Uma política pública
domínio social. A mediação social processa-se
produz
Os
através de acções como a prestação de
mediadores são actores que decodificam o
informação-formação de competências, o
mundo, o interpretam, o tornam inteligível,
encaminhamento
lhe dão sentido definindo objectivos e acções
administração
concretas
acompanhamento psico-social.
sentido
que
e
também
visam
poder.
transformar
os
forma
singular,
independentes
social, de
a
gestão
recursos
e
e
e o
problemas. Num trabalho de rede o mediador
Subjacente às modalidades de acção, que
desempenha um papel de pivot. Para tal terá
constituem as unidades visíveis da mediação
de ser reconhecido socialmente pelos outros
social protagonizada pelos Assistentes Sociais,
actores locais. Tal é o resultado de um
desenvolvem-se processos de trabalho com
trabalho paciente de identificação, sinalização
componentes técnicas associadas ao “saber
e conhecimento dos diferentes recursos
fazer administrativo-relacional” (Mondolfo,
existentes.
1997, 32), mas que não se restringem a essa
É no local que se vive, mas é no particular que
dimensão. Eles revelam competências sócio-
se intervem. Nesse particular existe uma
profissionais
interdependência de factores que implicam a
quotidiana, invisíveis aos olhos do cliente, mas
articulação entre aquilo que é singular e
que constituem uma fonte de legitimidade da
individual e aquilo que é global e colectivo. A
mediação social efectuada. Mais ainda, eles
mediação
das
vinculam as práticas profissionais de mediação
concepções valorizadas recentemente no
e sinalizam a diferença com outro tipo de
domínio do serviço social. Ela implica um
práticas como o voluntariado. Os processos de
conjunto de modalidades de acção que lhe
trabalho também não se confundem com
revela-se
como
uma
capitalizadas
na
prática
26
Investigação e Debate (17) etapas metodológicas da mediação. Estas
solicitações. Se é verdade que é necessário
correspondem
e
que cada profissional perceba os seus limites,
sequenciais no desenvolvimento da acção,
também é verdade que o exercício da
enquanto os processos de trabalho se
mediação implica uma avaliação permanente
confinam aos saberes e às competências
da sua posição e o desenvolvimento de uma
operacionalizadas no decurso da mediação,
acção estratégica com avanços e recuos, num
sejam elas de carácter teórico, técnico ou
processo de conquista permanente. Ora a
relacional (Autès, 1999, 229). Como refere o
trajectória de afirmação dos assistentes
autor, por referência ao contributo de Guy le
sociais tem passado pelo reconhecimento do
Boterf (1994), a competência corresponde à
valor da estratégia em brechas e momentos
capacidade prática de mobilizar recursos em
oportunos. A relação de poder que se exerce
função do utente e da interpretação que o
no contexto institucional é diferente em cada
profissional faz da situação.
situação e cada momento, pelo que a
O uso de estratégias revela-se importante
estratégia
tanto a nível da conquista do espaço
conquista de espaço profissional.
profissional como na procura de alternativas à
Por vezes é necessário negociar papéis,
situação-problema,
a
delimitando fronteiras e complementaridades,
mediação. Em termos profissionais, para além
(re)estabelecendo espaços de troca. O Serviço
dos
ao
Social, embora seja dependente de instâncias
desenvolvimento da acção, há a considerar a
superiores a nível administrativo, possui uma
posição activa do profissional na construção
autonomia técnica que lhe confere alguma
do seu quotidiano. Quer isto dizer, que a
margem
prática não se impõe ao técnico, como se de
mediação. Quando existem litígios no plano
um ritual pragmático se tratasse, mas que lhe
das
compete
imperativo clarificar as funções e os papéis
a
momentos
elas
constrangimentos
participar,
constantemente
face
distintos
potenciam
contextuais
criar à
ou
inovar
variedade
de
assume
de
relevo
manobra
competências
no
inclusive
processo
profissionais,
na
de
torna-se
que lhe são reservados, definir os momentos
27
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
de intervenção e de articulação com outros
e do potencial humano dos recursos que
profissionais, determinar as responsabilidades
utiliza. Deste modo, quando se fala em
de cada actor no processo. Por vezes
estratégias de mediação faz-se apelo ao
verificam-se resistências e representações da
conjunto de atitudes que permitem ao
profissão de Serviço Social que dificultam a
profissional fazer a gestão dos poderes que
acção. Mas quando as dificuldades são
contextualizam a acção e proporcionar a
estruturais, a procura de alternativa não
mudança não apenas na situação mas
depende
também nos sujeitos. Tal faz com que elas
nem
da
vontade
nem
do
empenhamento individual do técnico ou do
sejam
sujeito. É necessário que isso seja esclarecido,
concepções
porque isso permite ponderar os limites e em
problema coloca-se quando o Assistente
função dessa avaliação unir esforços (em
Social se prende a concepções teóricas em
termos de equipa ou a nível institucional) para
detrimento
prosseguir
ou
oportunidades e do potencial humano na
enfrentando as barreiras que intervêm no
resolução das situações, ou quando a sua
processo.
prática quotidiana se processa de forma
Na mediação não existem receitas e uma
rotineira.
atitude com resultados positivos num dado
desculpabilizadores
momento e situação poderá não ser eficaz
vitimização, de dúvida e interrogação face às
num outro contexto. Os referenciais teóricos
dificuldades, tais como: " não existem
orientam e potenciam as práticas,
não as
respostas para os problemas", " o serviço
substituem nem limitam. O profissional ao
social não dispõe de modelos teóricos
tomar conhecimento da situação-problema
alternativos a outras ciências sociais", ou " foi
intervém, integrando os quadros teóricos
para isto que tirei o curso?". É obvio que este
referenciais, os objectivos institucionais, a
tipo de argumentos surge algumas vezes após
representação que faz da prática profissional
tentativas variadas de
o
trabalho,
contornando
diversificadas de
e
prática
do
sinalizadoras
de
profissional.
O
discernimento
Surgem
então da
das
discursos
(in)acção,
de
solução para o
28
Investigação e Debate (17) problema diagnosticado, mas também é
opportunités et des disponibilités; c'est utiliser
verdade
ocasiões
au plus vite toute information afin de saisir,
subentende uma ausência de questionamento
dans l'intérêt de la clientèle, des moyens
sobre o percurso profissional : "o que é que eu
réduits; c'est encore recourir à des passe-
fiz para ultrapassar a situação?".
droits ou obtenir des concessions grâce,
Apesar de as estratégias poderem ser
justement,
interdependentes e complementares entre si
relationnel; c'est autant créer l'occasion de la
durante
saisir" (Soulet, 1997, 55).
que
o
em
algumas
processo
de
mediação,
e
à
la
force
de
son
réseau
abrangerem também o campo do imprevisto,
O principal instrumento de trabalho do
uma vez que embora racionais surgem no
Assistente Social é a palavra, e esta permite
contexto da emergência do novo, a prática do
deslocar o conceito “estratégia” para o
Serviço Social evidencia-as como um leque de
domínio do cliente. No processo de mediação
opções organizadas em torno do contexto
a estratégia consiste muitas vezes em fazer
(situação) e da representação que o técnico
adquirir por parte do cliente um pensamento
faz do seu perfil profissional. O termo
estratégico de antecipação do curso dos
"bricolage
acontecimentos e em relação a essa previsão
"
utilizado
pelos
autores
francófones reflecte esta incessante atitude
reorientar o seu comportamento.
criativa no processo de descoberta de
Quando um mediador institucional tem à sua
soluções inovadoras. "Bricoler, c'est donc
responsabilidade todo o trabalho de relação
savoir tisser des liens, mais c'est également
com o exterior, organização de projectos,
composer, en utilisant d'ailleurs ces rélations
estabelecimento de protocolos, pressupõe-se
privilégiées, toujours individuelles, avec les
que esse trabalho se baseie num trabalho de
possibilités et les impossibilités; c'est trouver
equipa. Neste quadro, emerge uma nova
des solutions aux problèmes que rencontre la
dimensão da mediação que é a supervisão
clientéle
para acompanhamento de todas as diligências
ponctuelles
en
apportant
construites
en
des
réponses
fonction
des
administrativas
e
técnicas
associadas
à
29
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida
divulgação
e
avaliação
das
acções.
O
comprometida
com
experiências
acompanhamento dos projectos e da equipa
transformadoras
permite uma avaliação permanente das
configura-se como um elemento central da
acções
mediação.
e
o enquadramento dos casos
Ela
(Bronfenbrenner,
surge
na
1996),
sequência
do
concretos na lógica do projecto ou da acção
movimento de procura existente e no
promovida. O desenvolvimento deste trabalho
envolvimento
favorece a reflexão, estimula a tomada de
actores no processo. É esta dinâmica que
decisões
permite que a mediação seja reconhecida
com
base
nas
necessidades
diferentes
organizar o tempo e estabelecer prioridades e
alternativas e que se traduz na criação de
contribui para assegurar a articulação entre
novas necessidades e questionamento da
técnicos. Para além de se mostrar útil à gestão
situação. Enquanto mediador, compete ao
do quotidiano, a coordenação desenvolve o
Assistente Social promover o envolvimento de
espírito de equipa e promove a expressão de
outros agentes, estimular a entrada de novos
sentimentos por parte das equipas ou dos
actores formais e informais no processo (por
actores envolvidos no processo. Aqui a
exemplo
mediação
perfil
profissionais, familiares, vizinhos, amigos) até
complexo e global, envolvendo diversos
ao limite do possível. Porém, nem sempre o
técnicos ou profissionais complementares na
confronto de lógicas e interesses é assegurado
lógica do projecto e da acção. Por isso, a
e quando o é a construção de alternativas
coordenação
esbarra
um
assegura uma articulação e
outras
com
de
construção
e
como
também
processo
agentes
quotidianas, favorece a autonomia, permite
assume
um
dos
empresas,
frequência
em
de
serviços,
barreiras
cooperação entre serviços e técnicos na
institucionais associadas à burocracia e à
prossecução das suas finalidades e objectivos.
normalização e funcionamento dos serviços
A procura de alternativa, entendida como
ou
rejeição de um modelo de “déficit” em favor
pressupõe
de
posicionamento aberto, não cristalizado, uma
uma
pesquisa
política
e
prática
dos
profissionais. autonomia
Fazer
mediação
técnica,
um
30
Investigação e Debate (17) capacidade de diálogo e de acção que nem
hipoteca a mediação e o consequente
sempre os diversos actores são capazes de
envolvimento dos diversos actores sociais.
assegurar. A ausência destes elementos
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS: ALMEIDA, H. (2001). Conceptions et pratiques de la médiation sociale. Les modèles de médiation dans le quotidien professionnel des assistants sociaux, Coimbra : Fundação Bissaya-Barreto, Instituto Superior Bissaya-Barreto. AUTÈS, M. (1999). Les Paradoxes du travail social, Paris: Dunod. BADIE, B. (1996). La fin des Territoires, Fayard. BONAFÉ-SCHMITT & al. (1999). Les médiations, la médiation, collection Trajets, Toulouse : Éditions Érès. BONAFÉ-SCHMITT J.P.(1988). “Plaidoyer pour une sociologie de la médiation” in Annales de Vaucresson, 29. BONAFÉ-SCHMITT, J.P. & al. (1992). Médiation et régulation sociale, Lyon : GLSI -Université Lyon II. BONDU D. (1998). Nouvelles pratiques de médiation sociale. Jeunes en difficultés et travailleurs sociaux, Paris : ESF. BRIANT, V. & PALAU Y. (1999). La médiation. Définition, pratiques et perspectives, collection Sciences Sociales, 128, Paris : Éditions Nathan/HER. BRONFENBRENNER U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados, Porto Alegre: Artes Médicas. DEBRAY R. (1991). Cours de médiologie générale, Paris : Gallimaard. ESTOUP, P. (1986). “Conciliation et amiable composition” in Le Bulletin, 8. LE BOTERF G. (1994). De la compétence, Paris : Les Éditions d’Organisations. MACÉ, É. (1996). “Les contours de la médiation : institution, conciliation, conformation. À propos d'un dispositif de "médiation" de la RATP” in Revue Française de Affaires Sociales, 2. MALIGNE, P. (1986). “De la conciliation aux arbitrages” in Le Bulletin, 8.
MARTIN G. (éd.) (1998). La dynamique des politiques sociales. Observation, management, évaluation, Paris : Éditions Éditions l’Harmattan. MARTIN, P. & MASSON, M.P. (1986). “Passer à autre chose” in Le Bulletin, 8. MONDOLFO Ph. (1997). Repenser l'action sociale: missions, moyens, méthodes, Paris : Dunod. PAILLET P. (1982). “Des médiations par milliers” in Informations Sociales, 4. PELPEL, G. (1982). "La médiation au risque de la dépendance" publicado na revista Informations Sociales, 4. SIMONET, J. & SIMONET R. (1987). A gestão de uma equipa. Guia para negociar, animar, formar, Colecção Gestão, Edições Cetop. SIX, J.F. (1995). Dynamique de la médiation, Paris : Desclée de Brower. SIX, J.F. (1991). Le temps des médiateurs, Paris : Éditions du Seuil. SOULET M.H. (1997). Petit précis de grammaire indigène du travail social: règles, principes et paradoxes de l'intervention sociale au quotidien, collection Res Socialis, Fribourg : Éditions Universitaires. TOUZARD, H. (1977). La médiation et la résolution des conflits, Paris : PUF. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, (ilustrada com cerca de 15000 gravuras), Volume VI, Lisboa, Editorial Enciclopédia, Lda.ROBERTS R. (1990). Lessons from the Past: Issues for Social Work Theory, London, Routledge. RONNBY A. (1992). “Praxiology in Social Work” in International Social Work, vol,35, pp.317-329. SCHÖN D. (1987). The Refective Practitioner: How Professionals Think in Action, New York, Basic Books.
31
TUBERCULOSE E INTERVENÇÃO SOCIAL PERSPECTIVAS E DESAFIOS1
2
Joaquim Paulo Silva
Resumo: Este artigo pretende fazer uma leitura sócio-histórica da Tuberculose, particularmente das formas de intervenção social, numa área da saúde comunitária, que já foi apelidada de peste branca, propondo alguns desafios essenciais para um modelo do século XXI.
Abstract: The main objective of this article is to make a social and historical avaliation of Tuberculosis, particulary the social work pratice on this area, and find some proposals of a model for a XXIth century, on a disease so called “The white Plague”.
1
Texto apresentado nas IIIas. Jornadas de Serviço Social, organizadas pela AIDSS nos dias 15 e 16 de Novembro de 2007, e realizadas na Universidade Católica Portuguesa, Porto. 2 Licenciado em Serviço Social, Mestre em Relações Inter-Culturais, Assistente Social no Centro Diagnóstico Pneumológico do Porto e Director da Revista Investigação e Debate – Serviço Social. 32
Investigação e Debate (17)
UMA DOENÇA DO PASSADO – UM MODELO
e as sociedades, a deslocação imensa de
ULTRAPASSADO
populações para cidades que rapidamente ultrapassam em mais de mil % o número de
1. Quando
habitantes, na sua maioria ex assalariados Robert
acabando em especulações
Koch
isolou
definitivo com acerca
da
o
bacilo,
todas as
identidade
do
rurais, passando a assalariados urbanos vivendo
nas
condições
habitacionais
higiénico
–
sanitárias
mais
e
abjectas,
Mycobacterium Tuberculosis pensou-se, com
trabalhando 12 ou mais horas por dia em
lógica, que a sua história terminaria aí
fábricas
(Baldaia, 2005: 115).
disseminação e transmissão da doença como
A Tísica, como era conhecida na Antiguidade,
uma
a Tuberculose, é conhecida pelo menos desde
proletariado,
o final do século I d. C., quando Arete, físico
desenvolvimento burguês, pela corrupção dos
grego, traçou um quadro clássico dos doentes
costumes (nas palavras dos Liberais de então
com Tuberculose: febre baixa mas continua,
que culpavam os operários pela sua condição
perda progressiva de forças. aspecto final de
e pela doença), ou nos meios progressistas
um cadáver vivo com as faces rosadas e
pele falta de assistência pública à mole
salientes, olhos brilhantes encerrados nas
humana indigente, fruto de uma sociedade
órbitas (Goff,1991:188).
que abandona os seus doentes e indigentes
insalubres,
corrente
possibilitando
facilitadora, tão
minando
necessário
a
o ao
em nome do progresso. O Bk destruía bairros É no entanto ao longo dos séculos XVIII e XIX
insalubres das brandes cidades, conduzindo à
com a Revolução Industrial que a Tuberculose
desorganização
assume importância crucial para os indivíduos
guetização da pobreza, onde milhares de
do
espaço
urbano,
á
33
Tuberculose e Intervenção Social » Joaquim Paulo Silva
seres humanos viviam em zonas habitacionais
portanto da necessidade de intervenção,
sem água potável e saneamento básico, com
avaliação, aconselhando, empregando os seus
enormes carências ao nível alimentar, não
membros, higienizando o grupo.
lhes sendo satisfeitas as necessidades básicas
O Doutor Hazemann foi um dos primeiros
fundamentais (Goff).
teóricos do serviço social, no qual via uma
Mas o Bk, atingia também, de forma
organização
igualitária alguns membros da burguesia, os
quantificar a pobreza urbana para repartir
mais debilitados, os génios desesperados (
objectivamente os auxílios. Assim como o
como Chopin, Musset, Paganini, as irmãs
urbanista e o higienista tornam sã uma cidade
Bronté,
Nobre,
procurando as causas de insalubridade,
Sebastião da Gama, Cesário Verde, entre
dotando-a de um plano de cidade, assim os
outros), membros de famílias reais.
trabalhadores sociais deverão procurar nas
Este caldo sócio – económico potenciou o
famílias as causas do mau-estar económico e
rápido
fisiológico e dotá-las de um plano de vida
em
Portugal,
desenvolvimento
António
da
Tuberculose,
científica
encarregada
de
denominada a “Peste Branca”, nas zonas
(Goff).
urbanas em processo de industrialização,
A partir da Tuberculose, controlar a família,
como foi o caso da cidade do Porto, entre as
controlar a raça contra a degenerescência.
últimas décadas do século XIX e as primeiras
Uma sociedade higienista, uma medicina
do século XX.
elevada a política global, nas palavras de Saint
Foram os Higienistas que influenciaram acção
Simon em 1813.: “É necessário associar todas
política e os seus responsáveis, a tomarem nas
as questões políticas a questões de higiene” (
mãos a acção simultânea de criação de
Goff).
dispensários e sanatórios, de visitantes sociais
No entanto, todo o debate e torno da questão
(as visitadoras: enfermeiras), da necessidade
social e da relação com as condições sanitárias
de enquadrar cada família, desses bairros
e ambientais das populações nas grandes
infecto, num foco possível da infecção e
cidades europeias e norte americanas no
34
Investigação e Debate (17) início do século, conduziram dos anos 20 aos
fez cair a incidência e deu a ideia de controlo e
anos 50 do XX século a uma melhoria global
quiçá possível erradicação da doença.
das condições sociais e habitacionais, de onde ressalta a intervenção estatal com a criação
UMA
do Estado Social e dos primeiros Serviços
PARADIGMA DE INTERVENÇÃO TOTAL
Nacionais
de
Saúde.
Ainda
antes
DOENÇA
DO
PRESENTE
–
UM
da
descoberta dos antibióticos, a Tuberculose
2.
começa a regredir por acção da intervenção
No início da década de 80 do século XX,
coordenada estatal. Em França, por exemplo,
registou-se uma alteração significativa na
em
pela
curva descendente de novos casos de
Tuberculose era de 85 000 (ano) e em 1945,
Tuberculose a nível mundial (Dimas, 2005:
embora elevado, era de cerca de 42 000 (Goff,
118).
Idem:187)
A terceira vaga da industrialização, pelo
Desde que Waksman, em 1944, descobriu a
desenvolvimento
estreptomicina, a quimioterapia não mais
tecnológica, globalizada, mercantilista, com
parou de registar sucessos decisivos contra o
consequências na precariedade do emprego e
bacilo da Tuberculose, que até aos anos 80
das condições de vivência psicossociais,
foi-se reduzindo de tal modo que das doenças
geraram o aparecimento de uma nova
registadas na União Europeia, ficava no fim da
pobreza,
tabela (23º sensivelmente) ao nível da
(mantendo-se
mortalidade.
tradicional), da exclusão social, em simultâneo
A visão estritamente biológica da doença, com
com
a consagração dos anti-bacilares (os 4 grande
Imunodeficiência
de
diversificação das novas dependências que
1920
o
base:
isoniazida e
número
de
estreptomicina, pirazinamida),
mortos
rifampicina, com
grande
sucesso terapêutico em boa parte do mundo,
o
de
de
novos
uma
sociedade
grupos
de
da
pobreza
alguma
aparecimento Humana
do
pobres
Vírus
(HIV)
e
dita
da da
criaram grupos de risco mais vastos e alargados.
35
Tuberculose e Intervenção Social » Joaquim Paulo Silva
São vários os estudos e especialistas que
100 mil da União Europeia (Dados de 2004
chamam a atenção, desde os anos 90 do
da O.M.S.).
Século passado, para a intima relação entre a população sem-abrigo, desempregada de
Em Portugal, em 2006 (dados SVIG/TB), foram
longa duração, do HIV, e de Indivíduos com
notificados 3092 casos novos de Tuberculose
comportamentos aditivos, e a proliferação da
(TB), correspondendo a uma incidência de
tuberculose nestes grupos.
29,4 por 100 mil habitantes.
Em 1990 um terço da população mundial
A distribuição geográfica é heterógenea,
continuava afectada pelo Bacilo de Koch,
destacando-se as áreas de Lisboa (com 38,9
surgindo anualmente 8 milhões de novos
por 100 mil) e do Porto (com 45,4 por 100 mil)
casos e 3 milhões de mortes.
estas zonas bem acima da média europeia e
Os dados de 2004 apontam para um
mesmo muito similares aos piores países do
panorama
Leste.
ainda
mais
complexo
em
determinadas zonas do mundo:
Portugal, apesar da descida de cerca de 10% na última década( muito aquém do que vinha
No mundo: surgem por ano mais de cinco
descendo em décadas anteriores), permanece
milhões de pessoas infectadas e morrem
a mais elevada dos países da União Europeia
1,7 milhões.
antes do alargamento de 2004. Mesmo após o
O Sudoeste Asiático é um dos locais no
alargamento vemos países como a Hungria,
mundo particularmente afectados - 1,2
República Checa e Eslováquia e Polónia com
milhões de casos e 500 mil mortos.
melhores resultados que os nossos, ao nível
Em Africa, a situação é extremamente
da incidência.
delicada,
No entanto a tendência global para um certo
Tuberculose/HIV,
pela
correlação
ocorrendo
uma
recrudescimento da doença em todo o
incidência de 272 casos por 100 mil
mundo,
mesmo
habitantes, em contraste com os 27 por
desenvolvidos, bem
nos
países
mais
como a verdadeira
36
Investigação e Debate (17) pandemia na Africa, Ásia e América do Sul,
desemprego, o isolamento, os grupos em
tornou uma urgência a Tuberculose e a
situação de exclusão, conduzindo o Estado
intervenção na mesma, com o aparecimento
Providência ao dilema da sua superação,
de novos programas como o Stop TB, a
ou mudança.
nomeação de Jorge Sampaio como Enviado Especial das Nações Unidas para a Luta Contra
Bruto da Costa (2005) define com clareza a
a Tuberculose, denunciando a emergência da
tipologia das novas “exclusões sociais”:
Tuberculose. Causas para esta situação:
Os
idosos,
doentes
e
acamados,
deficientes, cuja condição de isolamento
Sensação no início dos anos 70 que a
provocada
Tuberculose estaria controlada, ao nível
individualista potencia a quebra dos laços
clínico, e mais uma ou duas décadas e
sociais e aumenta a falta de auto-
seria erradicada, levou ao desarmar dos
suficiência
instrumentos públicos de acção Estatal
conduzindo a limitações sócio-económicas
organizada de prevenção, diagnóstico e
graves;
tratamento, desactivando-se uma rede de
por
e
uma
sociedade
autonomia
individual,
A toxicodependência, o alcoolismo, a
dispensários e sanatórios (exactamente o
prostituição. Comportamentos que se
que aconteceu em Portugal).
interligam com a pobreza clássica, mas
Alteração da composição social com o
que ultrapassam na medida em que
aparecimento de uma Nova Exclusão,
associam
familiar,
a
típica das Megalópoles mundiais, em
desvinculação social, o desemprego,
a
resultado da alteração económica e
falta de cuidados de saúde, a inércia de
tecnológica, imposta pela globalização dos
cidadania,
mercados financeiros, informacionais e
também nova e a mais baixa da escala de
das novas tecnologias, aumentando o
exclusão, os sem abrigo.
o
abandono
engrossando
a
categoria,
37
Tuberculose e Intervenção Social » Joaquim Paulo Silva
O desemprego de longa duração fruto das
articulando com o HIV. A própria vacina da
mutações rápidas do mercado de trabalho
BCG, bem conhecida, não previne a
e da tecnologização dos serviços, que
transmissão
impelem diversos tipos populacionais da
principalmente nos adultos.
situação
de
inseridos,
para
de
modo
global,
a
desintegração social, criando pobreza e
Esta situação deve-se ao facto das indústrias
exclusão social;
farmacêuticas se situarem nos países mais
Os Sem – Abrigo. Uma das formas mais
ricos, cuja incidência tem sido baixa, ao
extremas de exclusão social, relacionada
contrário
com Urbanização das sociedades, a
Veronique
indiferença perante a tragédia pessoal e a
investigação
incapacidade dos sistemas de segurança
negligenciada
social
porque
estatais
oferecem
respostas
dos
“a
mais
Vincent neste
pobres, (OMS, campo
durante
como
2007), tenha
muitos
Tuberculose
tem
diz “
a
sido
anos(…)” elevadas
eficazes. É uma população heterogénea,
incidências apenas nos países mais pobres”.
com histórias de vida diversas, que de
Ainda, mas não menor, a causa ambiental está
queda em queda foram perdendo não só
topo da ordem, com as mudanças bruscas
a residência, mas a vivência social,
climáticas que vão alterando as condições
construindo uma história de rua difícil de
globais de vivência urbana, alterando os
alterar.
rirmos normais de deslocalização humana,
A resistência do BK aos “velhinhos”
pela destruição, pela escassez de recursos,
antibióticos”, produziu novas estirpes
pela busca de melhor qualidade de vida
resistentes,
ultra
noutras paragens (emigrações e migrações),
resistentes (estas praticamente sem cura)
transportando o Mycobacterium e as suas
ao tratamento tradicional. Sendo pois
novas virulências para zonas do globo mais
urgente apoio á investigação de novos
diversas, pela própria facilidade de transporte.
multiresistentes
e
fármacos mais potentes, inovadores e
38
Investigação e Debate (17) A visão fracturante sobre a natureza, o
(dos avanços químicos e profiláticos), em
homem e o cosmos, herdada da modernidade,
intima relação com as opções macro das
visões que excluem parte do conhecimento
políticas sociais e de saúde na reconstrução de
humano na organização de programas e
um
projectos, locais e globais, sobre fenómenos
diagnóstico/tratamento/inserção/empowerm
de características totais, como é o caso da
ent e envolvimento de todos os agentes
Tuberculose, perde hoje terreno, se queremos
activos (profissionais, voluntários, familiares,
encarar esta luta, não como específica de uma
públicos e privados), reconstruindo as pontes
visão clínica-social, ou bio-psico-social, mas
entre os deserdados das franjas, as ONG no
mais lata, exactamente tão lata quanto a
terreno e o sistema público, em formas
multitude de factores que aqui intervêm.
móveis
Ora a Tuberculose poder-se-á considerar
medindo a qualidade eco – social e antropo –
como o paradigma da relação entre doença e
espiritual das respostas, face a tamanhas
condições sócio – económicas precárias, bem
necessidades.
documentada desde o século XIX. Ou seja,
Um sistema simultaneamente local e global.
sem menosprezo para outra doença, um
Local, perspectivado em função das dinâmicas
fenómeno social total que implica um novo
de expansão da Tuberculose, e das razões bio-
paradigma de abordagem.
psico-sócio-económicas e culturais desses
Um paradigma simultaneamente personalista,
resultados, aonde a prevalência é dramática,
pois deve assentar num Projecto do Ser,
como nos bairros sociais das grandes cidades,
enquanto Sujeito de Direitos e pessoa na sua
ou em zonas degradas, ou ainda em grupos de
dignidade, mas também, enquanto grupo
risco como emigrantes, os toxicodependentes,
humano, perspectivado na sua diversidade e
os isolados, os portadores de HIV, e global,
unidade em simultâneo.
tendo em conta, que num mundo globalizado,
Um paradigma que deve assentar numa
nenhum território é impermeável à pressão
relação em rede: entre as questões biofísicas
estrutural da Economia financeira mundial,
sistema
de
tecno-social
interacção
de
transdisciplinar,
39
Tuberculose e Intervenção Social » Joaquim Paulo Silva
que determina, muitas vezes, as apostas
Flexibilizar os Centros de Diagnóstico e
políticas locais e defrauda as expectativas dos
Tratamento
agentes e das populações.
Populações atingidas pela Tuberculose, os Novos
ALGUNS DESAFIOS
em
função
Excluídos,
ao
das
nível
Novas
da
sua
Organização, Horários e Disponibilidade de articulação com agentes no Terreno.
3.
Perceber
que
a
Intervenção
na
Articular políticas Públicas Nacionais e
Tuberculose
Internacionais.
Transdisciplinar, e portanto qualquer
Articular
Políticas
Públicas
com
as
é
Multidimensional
e
intervenção é simultaneamente clínica –
Organizações Privadas no Terreno.
política – social – psicológica – cultural –
Investir na Reorganização de um sistema
ecológica.
Público de Luta Contra a Tuberculose.
tornaremos o Programa Stop Tb, até 2015,
E
que
só
deste
modo
uma realidade e não um pesadelo.
BIBLIOGRAFIA: Baldaia, João Dimas (2005), “ Tuberculose: Um Novo Desafio”, Revista Investigação e Debate – Serviço social, nº 15, Porto, pp. 115-120.
Silva, Joaquim Paulo (2005), Caracterização SócioEconómica do Utente de Serviço Social, Centro Diagnóstico Pneumológico do Porto, Porto.
Costa, Alfredo Bruto (2005), Exclusões Sociais, Cadernos Democráticos, Nº2, Gradiva, Lisboa, pp.9-1.
Sampaio, Jorge (2007), Entrevista, Revista Noticias Sábado, 96, Porto, pp.12-24.
Goff, Jacques Le (1991),” As doenças Têm História”, Terramar, Lisboa, pp. 187 – 201. OMS (2007), in Conferência: Uma Solução Conjunta para as Doenças Tropicais: A Resposta Luso-Americana”, Lisboa.
Valente, Maria de Jesus (S/d), “ Tuberculose: Doença da Pobreza e do Subdesenvolvimento”, In A Tuberculose na Viragem do Milénio, Lidel, Lisboa, Cap. 43, pp. 565-575.
Almeida, A. Ramalho(S/d), A Tuberculose – Doenças do Passado, Presente e do Futuro, Bial, Porto. Santos, José Álvaro et al. (2004), Por Um Novo Humanismo Para o Serviço Social, Cadernos da AIDSS, Porto, pp. 75-95.
40
A CIDADANIA PELA VIA DA ESCRITA REFLEXÕES CONEXAS COM A FORMAÇÃO NO CONTEXTO DAS NOVAS ORIENTAÇÕES EUROPEIAS Manuel Menezes1
NOTA INTRODUTÓRIA Em primeiro lugar gostaríamos de agradecer o convite que nos foi feito pela Associação de Investigação e Debate em Serviço Social Associação essa, com quem temos tido o prazer de colaborar nos últimos anos e que, não é, demais lembrá-lo, ao desenvolver um conjunto de eventos conexos com a prática profissional tem, também ela. Contribuído para a reflexão e debate dos assistentes sociais o que, em ultima instância, se traduz num resultado gratificante para a profissão do serviço social em Portugal.
1
Assistente Social, Mestre em Serviço Social pelo Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa. Docente nas Licenciaturas em Serviço Social e Ciências Sociais no Instituto Superior Bissaya-Barreto - Coimbra.
41
A Cidadania pela Via da Escrita » Manuel Menezes
Tomando como ponto de partida o titulo dado
projecção ideal sobre a pratica, as suas
a este encontro – Intervenção Social: do
limitações no plano da reprodução do
Escrever ao Fazer. Ao analisarmos o mesmo,
concreto são evidentes (Nobre Pontes, l995:
verifica-se que ele evidencia duas esferas da
169) mas, em paralelo, não nos devemos
intervenção, designadamente a escrita e
esquecer, também. de que «(..) a relação
acção cm consequência, remete para a
entre a teoria e a pratica deve ser pensada
relação entre a teoria e a pratica profissional,
não
Assim sendo, apesar de muitas vezes se ouvir
entidades distintas, mas como um processo
dizer que a teoria é distinta da prática ou que
orgânico, onde a primeira e um elemento
a teoria na prática é outra, teremos que estar
pratico
cientes de que, por um lado, o contacto com a
necessária» (Robert Weisshaupt et all, 1988:
experiência pratica exige aos profissionais um
24).
background teórico (não existe pratica sem
concordemos com as limitações da projecção
teoria) e, por outro, só a partir do momento
ideal que é feita sobre a prática, a teoria tem
em
relação
que procurar constituir-se como a expressão
complementar entre a teoria e a prática
necessária dessa mesma pratica, pois, só
(através da escrita, da investigação), é que
assim, teremos possibilidades de reflectir
será
sobre as mediações presentes na mesma. Este
que
estabelecerem
possível
aos
uma
assistentes
sociais
enquanto
da
Por
adequação
segunda:
outras
incumbe
a
entre
sua
palavras.
duas
expressão
embora
desenvolver uma acção politica tendo em
trabalho
essencialmente
aos
vista a promoção da cidadania, procurando
docentes e pesquisadores. mas não só a estes,
alcançar o objectivo último da prática, que é a
na medida em que os assistentes sociais, Dado
transformação.
trabalharem directamente com o objecto da
O referido, não invalida que estejamos
prática profissional, têm possibilidades de se
conscientes de que por melhor que seja a
constituir como actores privilegiados na
42
Investigação e Debate (17) promoção da cidadania por intermédio da
Num primeiro ponto, não descurando as
escrita.2 Isto é são os assistentes sociais que
diferenças existentes entre o direito formal –
produzem, analisam e detém os documentos.
que enuncia os princípios de uma cidadania
as informações que, muitas vezes, são
em pé de igualdade para todos os indivíduos –
utilizados por cientistas sociais de outras áreas
e o direito na sua efectivação concreta – que
para produzirem a dimensão teórica. Logo em
torna pouco visível a mesma –, proceder-se-á
nossa opinião, é chegado o momento de os
a uma explanação das mediações presentes
profissionais, também eles. contribuírem para
na passagem do abstracto para o concreto e
a promoção da cidadania por intermédio da
de como as mesmas podem facilitar (ou não) a
produção teórica conexa com o trabalho que
promoção da cidadania pelos profissionais.
realizam quotidianamente.
Num segundo ponto, partindo do pressuposto
Na presente comunicação será nossa intenção
de que a prática da cidadania, pela via da
problematizar
mediações
escrita, remete não só mas também, para a
enunciadas. Para tal subdividimos o texto em
formação em serviço social e para o papel
dois pontos distintos:
desempenhado peias escolas, procurar-se-á
algumas
das
reflectir sobre algumas das questões que tem 2
Marilda Iamamoto exprime de um modo clarividente esta ideia; «pouco se sabe, (...) sobre os segmentos populacionais com os quais se trabalha; os modos de trabalho e as formas sociais que assumem; as experiências, aspirações e suas conformações em termos politico-culturais. Os assistentes sociais têm uma possibilidade de contacto directo extremamente privilegiada, com a vida quotidiana das 6asscs subalternas. na sua diferencialidade. Mas esta possibilidade pouco tem se revertido em provocação para a pesquisa, que atente para as diferenças internas dos vários segmentos das classes trabalhadoras e para a apreensão das formas distintas de subalternidade. (...) faz-se necessário, no meu entender, estimular as investigações sobre as condições de vida e de trabalho dos múltiplos segmentos sociais com os quais actuamos, resgatando suas vivências e praticas, suas representações(...)» (1993: 11 3114).
vindo ser equacionadas na actualidade, designadamente as conexas com as novas orientações europeias no concernente ao ensino superior.
1 – DO ABSTRACTO AO CONCRETO: LIMITES E POSSIBILIDADES DA CIDADANIA NA PRATICA PROFISSIONAL
43
A Cidadania pela Via da Escrita » Manuel Menezes
Na experiência actual, os profissionais ao
necessário analisar. por exemplo, a questão
reflectirem sobre o conteúdo da sua pratica
do acesso aos direitos, acesso esse. em
quotidiana, devem repensá-lo tanto, na óptica
termos reais por contraposição ao ideal que se
da cidadania daqueles que já a possuem –
explicita pela definição constitucional ou
como é que pode ser complexificada – como,
melhor dizendo direitos universais (cf. Jane
daqueles que embora simbolicamente sejam
Jenson, 1996). De acordo com Aldaíza Sposati
considerados cidadãos na realidade não o são
(1994), não basta conhecer as possibilidades,
– como é que a podem obter. Destarte,
consagradas
debate sobre o cidadania não se deve limitar
constitucionais, mas como é que é possível
somente à relação entre indivíduo e o Estado
alcançar efectivamente esses direitos. que
(reconhecimento pelo Estado de direitos)3,
acções desenvolver ao nível da sociedade civil.
mas, deve ser alargado ao conceito da
que
sociedade civil, onde exista uma tomada de
ganhando
posição e, um reconhecimento pela sociedade
decisão.
civil da extensão dos direitos a todos. Por
Neste contexto, é de extrema importância o
outras palavras. e necessário que o debate em
contributo de Vera Silva Teles, que chama a
volta da cidadania, transite. de um nível
atenção para o importante desafio, que é o de
ao
permita
a
nível
dos
auto-organização
autonomia
e
direitos
desta.
capacidade
de
abstracto, que não toma em atenção a contextualização dos direitos. para um outro, onde se desenvolva urna reflexão sobre as estratégias que possivelmente facilitarão a concretização efectiva dos direitos4, i. e., será 3
Tradição Liberal-Individualista – dimensão mais estática da cidadania. 4
A diferença entre o direito em abstracto e no concreto. pode ser clarificado ao tomarmos em atenção,. por exemplo, as diferenças existentes entre a segurança social e a acção social. Ao
analisarmos a lei de Bases da Segurança Social, deparam com uma diferença clara entre os regimes de segurança social e acção social, enquanto no primeiro, existem prestações garantidas como direitos, no segundo caso, estamos perante prestações ou modalidades de apoio social tendencialmente personalizadas. Assim sendo, as prestações da acr;3o social não se constituem como direitos subjectivos dos destinatários (Ilídio das Neves,1993; Apelles Conceição, 1994). Destarte, de acordo com Ilídio das Neves ( 1993), encontramo-nos perante um direito em abstracto. i. e,. o destinatário tem a possibilidade de requerer, sem que no entanto, a partida esteja garantida a atribuição de uma prestação e, em consequência o direito somente se consolida por intermédio de uma atribuição concreta. dependendo esta. do estudo/diagnostico da situação pessoa I do requerente e/ou dependentes 44
Investigação e Debate (17) enraizar a cidadania nas práticas sociais. ou
capacidade de influenciar os procedimentos
seja. a análise não deve limitar-se ao direito
institucionais. i. e.,. embora existo uma lei. a
formal
mesma. não consegue produzir alterações nos
(legalidade
–
direitos
enquanto
garantias inscritas em lei), devendo procurar
procedimentos
apreender os mesmos na sua efectivação
comportamentos e condutas da sociedade.
concreta. Traduzindo-se cm discursos e
Por outras palavras. não basta ter o direito.
valores que apreendam e interpenetrem as
tem que se ter a implementação do direito –
heterogeneidades presentes na pratica social.
que
tomando assim. em atenção «(...) o modo
contorne
como as relações sociais se estruturam».
poderemos afirmar que. depois de uma
Deste modo, a legalidade dos direitos –
legalidade constituída, nos precisamos de um
embora importante – não é suficiente. sendo
processo contínuo de legitimação.
necessário
de
De igual importância, é a alusão à necessidade
a
de publicitar as desigualdades existentes na
negociação e o reconhecimento, i. e.. a forma
sociedade civil, de forma a que, a concepção
como os direitos podem propugnar a «(...)
linear que tem predominado, possa ser
sociabilidade regida pelo reconhecimento do
substituída por um «ideal de equidade». É
outro como sujeito de interesses válidos,
então necessário a constituição de espaços
valores pertinentes e demandas legítimas»
públicos onde as «(...) diferenças podem ser
(1994: 91-2). Esta reflexão e importante para
expressadas
o serviço social. dado que. embora o direito
negociação possível; espaços nos quais valores
formal seja importante não é, suficiente, visto
circulam, argumentos se articulam e opiniões
que, em muitos casos ele não tem a
se formam; e nos quais, sobretudo, a
legitimidade
um
processo
politica5,
que
continuo integre
suponha as
institucionais
normas
e
várias
situações.
e
e
nos
procedimentos
representadas
Então,
numa
dimensão ética da vida social pode se 5
Sobre as diferenças existentes entre a legalidade dos direitos e a sua efectivação concreta, pode-se cfr. um outro texto da autora: Vera da Silva Telles(1997).
constituir em uma moralidade pública através da convivência democrática com as diferenças
45
A Cidadania pela Via da Escrita » Manuel Menezes
e os conflitos que elas carregam e que exigem,
universalidade dessas politica numa dada
por isso mesmo, de cada um, a cada
realidade. lesto é, com o avanço das políticas
momento, o exercício dessa capacidade
neoliberais e, sabendo que as mesmas são, no
propriamente moral de discernimento entre
seu
justo e injusto (...)» (ib.: 92).
focalistas (contrarias à universalização), não
Se
argumentação
apresentada
estiver
conjunto,
prioritariamente
politicas
descurando, igualmente, que o assistente
correcta, ao trasladarmos a reflexão para uma
social
esfera mais lata, facilmente concordaremos
essencialmente casuística, ad hoc. poder-se-ia
que na análise que façamos das relações
afirmar que este tipo de politicas seriam
existentes entre as politicas sociais e o serviço
facilitadoras do desenvolvimento campo de
social é necessário compreender o modelo de
trabalho do serviço social. Convém, no
politicas sociais que está implementado, com
entanto. não esquecer que, por um lado, as
o
mesmas apelam a um desmantelamento
intuito,
de
perceber
que
tipo
de
desenvolve
regulação
solidariedade existe - não deve ser só uma
progressivo
solidariedade
substituição do mesmo pela filantropia da
de
retórica
mas
uma
do
uma
civil
Estado-1’rovidencia
e,
por
outro.
que
e
solidariedade concreta - que necessidades
sociedade
o
sociais são asseguradas pelo Estado e, qual a
desenvolvimento da prática profissional na
taxa de: cobertura das mesmas. qual a taxa de
óptica destas politicas acaba por propugnar o
contribuição do cidadão, dado que. no
aparecimento de profissionais – cultura
desempenho do seu papel o serviço social
profissional – que adoptam o princípio da
pode constituir-se como um factor de
subsidiariedade, ou seja, na acepção de
ampliação ou de restrição da qualidade de
Aldaíza Spozati ao «desfocarem a leitura da
vida e, consequentemente, como promotor
procura da totalidade e ao hierarquizarem
(ou não) da cidadania.
casos e situações. [acabam por desenvolver] o
Destarte, a relação do serviço social com as
carácter focalista da atenção compensatória.
politicas sociais. interliga-se com o grau de
na medida cm que são incapazes de trabalhar
46
Investigação e Debate (17) numa direcção universalizante». Em face do
prática que os assistentes sociais estão a
referido, corremos o risco de assistir a um
experienciar. A apreensão do empowerment
retorno conservador da prática profissional.
na sua globalidade. facilita a constituição do
retorno esse, que se da cm paralelo com o
mesmo,
aumento
trabalhada
da
procura
do
trabalho
dos
enquanto com
possibilidade as
ser
singularidades
que
apresentam
aos
assistentes sociais. porquanto. as politicas
institucionalmente
focalistas, ao propugnarem a emergência de
profissionais. bem como, e não menos
testes selectivos no acesso aos direitos.
importante, uma via possível de revalorizarão
sentem
da
necessidades
profissionais que
de
contratar
melhor se
os
encontram
dimensão
assistentes
se
a
politica sociais,
da
pratica
Seguindo
dos esta
preparados para seleccionar os mais carentes.
argumentação e, apesar de cientes da
os mais necessitados. pois. só estes. serão
importância que a dimensão imediata assume
incorporados. Por outras palavras. o trabalho
na pratica. i. e., a dimensão que coloca a
selectivo,
ênfase na necessidade de resposta às procuras
assistente
o
poder
social.
de pode
classificação ser
do
novamente
que
imediatamente
são
colocadas
fortalecido na prática. assistindo-se a uma
profissionais;
deslocação da regu1ação universal. para uma
revalorização/aprofundamento de uma outra
regulação ad hoc. Visando minorar tais
dimensão onde o empowerment pode ser
possibilidades.
a
trabalhado. designadamente: (i) a dimensão
valorização da dimensão do empowerment na
que procura promover um trabalho – a longo
pratica profissional, devendo esta emergir
prazo - com o intuito de propugnar
conquanto estratégia de que, possivelmente.
modificações, não só nos indivíduos, mas,
os profissionais se podem socorrer para a
também, na estrutura social.
uma
via
possível
é
defendemos
aos a
promoção da cidadania activa. Explicitando, ao valorizarmos a perspectiva mais dinâmica da cidadania e ao colocarmos a ênfase na
47
A Cidadania pela Via da Escrita » Manuel Menezes
esferas técnica e politica e que propugne uma 2 – FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL:
reflexão que incentive à acção, é que,
PREOCUPAÇÕES CONEXAS COM A ESFERA DA
possivelmente,
INVESTIGAÇÃO E AS NOVAS ORIENTAÇÕES
pratica que, lucidamente, se comprometa com
EUROPEIAS
a construção da cidadania activa. Ao
desenvolvimento
da
sociedade da informação e da sociedade do conhecimento, terse-á
de
responder
com
poderemos
pensar
uma
Isto só será possível, a partir do momento cm que a dimensão da investigação seja mais valorizada ao nível da formação6. Por outras
a
palavras, na actualidade «não se pode mais
sociedade educativa.
pensar
Pedro Lourtie
em
um
profissional
meramente
tecnico-operativo, nem em um profissional Não descurando, o referido, um possível
teórico generalista que conhece as grandes
ponto de partida, para uma prática que se
determinações
deseja promotora da cidadania activa. Poderá
consegue
ser encontrado ao nível da formação que é
mediações (...), nem inserir-se criticamente
ministrada aos futuros assistentes sociais.
em relação aos fenómenos com os quais se
Isto é, a mutabilidade presente na actualidade
depara» (Fausto Neto, 1993; 27). Deste modo,
da experiência não consegue ser apreendida
ao formarmos assistentes sociais, devemos
tendo por base currículos que de algum modo
estar cientes de que «(...) dotar o profissional
se encontram cristalizados. Será necessário
de uma perspectiva critico-investigativa não e
então, repensar a formação dos futuros
apenas capacititá-1o com instrumentos de
nem
da
sociedade
exercitar
as
mas
não
necessárias
profissionais, visando a adequação da mesma 6
as novas problemáticas que quotidianamente se apresentam no situação, porquanto, só por intermédio
de
uma
formação
que
reequacione as mediações que perpassam as
Esta preocupação, pensamos, tem estado – mais ou menos presente em algumas das escolas, não só ao nível da formação graduada como, também, no concernente a formação pós-graduada. Convêm referenciar o importante passo dado com a implementação dos cursos de Mestrado no nosso país ( 1987: ISSSL.;1991: ISSSP e, mais recentemente - 2000 - no Instituto Superior Miguel Torga).
48
Investigação e Debate (17) pesquisa a serem ministrados em uma ou
constituir-se numa estratégia que torne viável
outra disciplina de técnicas quantitativas ou
tal postura) (Alcina Martins, 1995: 13).
qualitativas de pesquisa. E integrar a própria
É este, em nosso entender, o desafio actual
lógica do curso com uma perspectiva de
para todos nos – tanto docentes. como
articulação teoria/realidade, F. capacita-1o
profissionais –. exigindo um trabalho em
para a valorização do empírico, construindo
conjunto e uma aproximação entre as Escolas.
um diálogo com conceitos. I.. transmitir a
a classe profissional e o conjunto de
perspectiva de que um dos elementos de
instituições/associações com preocupações
ampliação da capacidade interventiva está na
nesta arca do saber.
ampliação da capacidade de conhecimento e
Este desafio torna-se tão mais pertinente. se
critica cm relação a realidade objecto das suas
tomarmos em consideração as orientações
intervenções» (ib.: 27- 8). Logicamente, se
emergentes ao nível da organização do ensino
conseguirmos lançar profissionais no mercado
superior na União Europeia (U.E.), orientações
de trabalho que possuam este perfil, mais
essas que, logicamente, irão influenciar a
facilmente teremos possibilidades de valorizar
esfera da formação dos assistentes sociais no
a dimensão da investigação na própria prática.
nosso pais. Deste modo, será nossa intenção,
como já foi referido supra. Esta, por sua vez,
reflectir um pouco sobre essas orientações em
só terá sentido se «(...) a produção de
interconexão com o modo como as mesmas
conhecimentos abrir novas perspectivas de
podem ser problematizadas na esfera do
intervenção profissional que culminem em
serviço social.
propostas no âmbito das políticas públicas.
Não
Isto
não
conhecimento público que a partir dos anos
já
90, tem vindo a ser evidenciados esforços
institucionalizados. mas ousarem contribuir
tendo em vista a uniformização da legislação
para práticas instituintes. a investigação pode
dos distintos Estados-Membros da U.E. no que
e.
se
trabalharem
os
assistentes
apenas
com
sociais praticas
descurando
concernente
à
o
livre
referido,
é
circulação
do
de
49
A Cidadania pela Via da Escrita » Manuel Menezes
trabalhadores no espaço comunitário, ou seja,
Estado-Membro; os nacionais de países
temos assistido à tentativa de criação de um
terceiros
mercado europeu de emprego. Podendo
trabalhar no território dos Estados-
referir-se, como exemplo:
Membros têm direito a condições de
i.
A implementação do EURES (Serviço
trabalho equivalentes àquelas de que
Europeu de Emprego), que procurava não
beneficiam os cidadãos da União;
que
sejam
autorizados
a
só informar, aconselhar e colocar à escala
Mas, ao se dar a passagem para a experiência
europeia, os candidatos a emprego, como
concreta, verifica-se a existência de entraves à
também constituir-se como um fórum de
sua concretização. Neste sentido, uma decisão
análise e discussão das problemáticas
de 1995, instituiu o ano de 1996 como sendo
conexas com a esfera do trabalho na U.E.;
o Ano Europeu da Educação e da Formação ao
ii. O ponto 19 (Parte I) da Carta Social
Longo da Vida, com o intuito de melhorar os
Europeia, refere explicitamente que: «os
níveis de qualificação dos cidadãos dos
trabalhadores migrantes originários de
diferentes Estados-Membros. Procurava-se,
uma dos Partes Contratantes e suas
por esta forma, dar mais um contributo para
famílias tem direito à protecção e
concretização do que o Tratado que lnstitui a
assistência no território de qualquer outra
Comunidade Europeia (versão consolidada)
parte contratante 7»;
defendia no capítulo 3 relativo a «educação,
iii. No artigo 15.” da Carta dos Direitos Fundamentais
da
União
formação profissional e juventude»8.
Europeia,
Apesar das distintas iniciativas, a não
defende-se que: «todos os cidadãos da
emergência plena de um mercado de trabalho
União Europeia têm liberdade de procurar
europeu prende-se, ainda, com a formação
emprego, de trabalhar, de se estabelecer
académica ministrada, que lança no mercado
ou de prestar serviços em qualquer
de
trabalho
qualificações.
indivíduos Procurando
com
distintas
minorar
os
7
Cfr. Resolução da Assembleia da Republica nº 21/91, de 6 de Agosto. de l991, especialmente Artigo 19º (Parte II). 50
Investigação e Debate (17) problemas dai resultantes surge, então, a
acumulação e transferência de créditos11 com
Declaração de Bolonha9, assinada a 19 de
intuito
Junho de 1999 por 29 Ministros da Educação
estudantes. docentes, investigadores, entre
da E.U.10. Na mesma, enunciam-se dois
outros. Em síntese, o objectivo ultimo
objectivos genéricos a atingir na primeira
criação de um espaço europeu de ensino
década do terceiro milénio, designadamente:
superior (por intermédio de uma convergência
(i) a competitividade do Sistema Europeu de
cada vez maior entre os diferentes graus
Ensino
e
académicos), espaço esse que, a ser criado, se
empregabilidade no espaço da U.E.. Visando o
pode vir a constituir como um elemento de
alcance dos mesmos, propõe uma estrutura
extrema importância para a consolidação e
organizativa baseada em dois ciclos: um
aprofundamento da cidadania europeia.
primeiro ciclo (pré-graduado), com a duração
Tendo cm vista a progressiva implementação
mínima de três anos. devendo a formação aí
do enunciado. tem vindo a ser desenvolvidos
ministrada ser relevante para o mercado de
todo um conjunto de trabalhos (seminários
trabalho. A aprovação no ciclo pré-graduado.
nacionais e internacionais), com o intuito de,
permite o acesso a um segundo ciclo (pós-
em conjunto, se encetar uma reflexão
graduado), que concederá os graus de Mestre
conducente ao modo como, a partir das
e/ou Doutor. Esta estrutura deve, igualmente.
diferentes
prever a implementação de um sistema de
Membro, se pode chegar a um entendimento
Superior;
(ii)
a
mobilidade
de
facilitar
realidades
a
mobilidade
de
cada
dos
a
Estado-
comum. Os obstáculos, no entanto, têm sido significativos, verificando-se que o sucesso da 8
Vide artigos 149.º e I50.º. A Declaração de Sorbonne (assinada em 25 de Maio de 1998), já enfatizava o papel das universidades ao nível do desenvolvimento das dimensões culturais da União. Defendendo a importância da constituição de estudos superiores facilitadores da mobilidade e empregabilidade dos cidadãos da União. 10 Convém referir que está prevista para o presente mês de Maio, uma conferência em Praga, onde serão analisados os desenvolvimentos conseguidos desde 1999. 9
11
Estes, tanto podem ser adquiridos ao longo da formação universitária, em contextos educativos de ensino não superior como. posteriormente. por intermédio da aprendizagem ao longo da vida. A última é considerada fundamental para o indivíduo, dado lhe transmitir os valores de solidariedade e tolerância, ao mesmo tempo que facilita a sua participação em processos de decisão democráticos (Cfr. Decisão n.º 2493/95/CE).
51
A Cidadania pela Via da Escrita » Manuel Menezes
declaração não é um dado adquirido, havendo
a surgir nos a partir dos anos 9014. a formação
ainda muito terreno a desbravar. Vejamos
e de quatro anos. Destarte, se ao nível interno
algumas das problemáticas que podem ser
há necessidade de repensar a formação das
equacionados.
diferentes instituições de ensino. com intuito
Ao tomarmos cm consideração, por exemplo,
de aproximar a formação dos profissionais
os dois ciclos propostos deparamo-nos com
que são lançados no mercado de trabalho, Ao
diferenças significativas não só entre os
trasladarmos a reflexão para o espaço
Estados-Membros, como também ao nível
transnacional.
interno de cada pais. No caso concreto
porquanto, a formação nesta área de
português, os dois ciclos já se encontram cm
intervenção é maioritariamente de três anos
vigor
algumas
(Espanha,
diferenças quanto a duração do primeiro. Isto
Finlândia.
é, em Portugal, para se aceder ao ciclo pós-
Consequentemente.
graduado, tem que se frequentar um primeiro
condicionalismos ao nível do reconhecimento
ciclo com a duração mínima de quatro anos12.
universal de graus que tem por base distintas
Tomando em atenção a formação cm serviço
formações. ou seja, não descurando o
social,
formação
aumento da competição no mercado de
ministrada nas «escolas clássicas» é de cinco
trabalho que o mesmo implica, é necessário
anos13, enquanto nas escolas que começaram
reflectir sobre a acumulação de créditos e a
existindo,
no
constatamos
entanto,
que
a
a
situação
França, Suécia15,
Bélgica, entre
agudiza-se,
Alemanha, outros).
vislumbram-
se
avaliação da qualidade dessa formação pois, 12
Convêm referir que, mesmo antes das propostas da Declaração de Bolonha, já algumas Universidades europeias – nomeadamente britânicas requeriam para o acesso ao segundo ciclo a frequência de um primeiro ciclo de apenas três anos. E, segundo Guy Haug, é provável que num futuro próximo os politécnicos estarão em condições de oferecer o grau de Mestre em grande número de países europeus. 13 Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa, Instituto Superior de Serviço Social de Beja, Instituto Superior de Serviço Social do Porto, Instituto Superior Miguel Torga. De constituição
só assim. será possível a emergência da
recente, os cursos da Universidade Católica e da UTAD (Trabalho Social), também são de cinco anos. 14 Instituto Superior Bissaya-Barreto, Universidade dos Açores, Universidade Fernando Pessoa e Universidade Lusófona. 15
Convém referir que em algumas escolas. os cursos já são apresentados com a acumulação de créditos de acordo com o ECTS.
52
Investigação e Debate (17) confiança instituições
mutua
entre
universitárias,
as
diferentes este
retrocesso cm termos de formação académica
raciocínio. Pedro Lourtie defende que «a
e a colocação, no mercado de trabalho, de
existência de sistemas de avaliação de
profissionais com diferentes qualificações. Por
qualidade credíveis é esscncia1 ao processo
outras palavras. a partir do momento em que
de Bolonha, (e que) a aceitação internacional
falarmos em licenciaturas bietápicas, várias
do sistema de avaliação da qualidade nacional
questões se colocam: que denominação dar
é essencial ao reconhecimento mútuo de
aos profissionais bacharéis? Podem ou não
qualificações».
concorrer
Ainda
Seguindo
apreensão justificada, porquanto, significa um
conexa
com
as
em
pé
de
igualdade
com
orientações de Bolonha, tem-se vindo a
profissionais licenciados? Devem ou não
levantar uma outra questão. nomeadamente
possuir um tipo de especifico de carreira e,
a referente as licenciaturas bietápicas. Isto é,
consequentemente.
o primeiro ciclo referido supra pode ser
diferenciadas? Qual seria a opção das
subdividido em dois estádios. Um primeiro
entidades
estádio de três anos que conferirá o grau de
contratação, i. e., aquela recairia sobre os
bacharel e. um segundo estádio de um ou dois
bacharéis
anos que conduziria à atribuição do grau de
Paralelamente. quando cm outros países os
licenciado. Até aqui tudo bem, só que a
profissionais lutam pela obtenção do grau de
questão agrava-se significativamente. a partir
licenciatura (por exemplo, em Espanha),
do momento em que se começa a falar de
parece-nos um contra-senso enveredar pela
licenciaturas bietápicas em serviço social. ou
via da perca de direitos adquiridos desde
seja, tomamos conhecimento da existência de
1989.
um
reflexões/preocupações que tinha cm mente
possível
licenciaturas
projecto no
deste
politécnico
tipo e
de
como,
partilhar
remunerações
empregadoras
ou
Eram
com
sobre
estas,
os
ao
os
nível
da
licenciados?
algumas
presentes
e
das
que,
normalmente, não há «fumo sem fogo»
possivelmente. poderão ser enriquecidas com
encontrarmo-nos bastante apreensivos. A
o debate que se segue.
53
A Cidadania pela Via da Escrita » Manuel Menezes
BIBLIOGRAFIA: Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000). Nice, 7 de Dezembro. CONCEIÇÃO, Apelles J. B. (1994). Segurança Social. Sector Privado e Empresarial do Estado. Lisboa, Rei dos Livros. 5ª ed., 446 pp. Decisão nº 2493/95/CE; do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 1995 IAMAMOTO. Marilda Villela (1993’). Ensino e Pesquisa no Serviço Social: Desafios na Construção de Projecto de Formação Profissional. 1n Produção Cientifica e Formação Profissional, Cadernos ABESS n.º 6. pág. 101 a 116. HAUG, Guy (s/d). O sector Colleges/Politécnicos nos Cenários Post-Bolonha.. In URL.: http://www.ipv.pt/millenium/Millenium21/ 21_pt3.htm. JENSON, Jane (1996). Citizenship Regimes: From Equity to Marketisation. In Social and Political Citizenship in a World of Migration – Conference, European Forum. Florença, European University Institute. policopiado. 37 pp. LOURTIE, Pedro (s/d).A Declaração de Bolonha. In URL: http://www.esse.ipvc.pt/politicaedu/decl-debolonha.htm PONTES, Reinaldo Nobre (1995). Mediação e Serviço Social .Um Estudo Preliminar sobre a Categoria Teórica e Sua Apropriação pelo Serviço Social. São Paulo, Cortez Editora, 198 pp. 51AR’I’INS, Alcina (1995). Investigação e Serviço Social: Análise de Algumas Questões. Estudos e Documentos. Série I. Lisboa, CPIHTS, 20 pp.
MENEZES. Manuel (2001). Serviço Social Autárquico e Cidadania. A experiência da Região Centro. Coimbra. Editora Quarteto, no prelo. NETO, Ana Maria Q. Fausto (1993). Produção Cientifica e Formação Profissional – Os Paradigmas do Conhecimento e o seu Rebatimento no quotidiano do Ensino. da pesquisa e do Exercício Profissional. In Produção Cientifica e Formação Profissional, Cadernos ABESS n.º 6. pág. 21 a 28. NEVES, Ilídio das (l993). A Segurança .Social Portuguesa, Problemas, Realidades e Perspectivas. Lisboa. Universidade Internacional. Colecção Estudos. 130 pp. SPOSATI, Aldaíza (l994), Cidadania e Pobreza; Desafios Actuais. In Cidadania (II), Vida Pastoral. São Paulo, pág. 2 a 6. TELLES, Vera da Silva ( I 994), Sociedade Civil e a Construção de Espaços Públicos. In .Anos 90, Politica e Sociedade, São Paulo, Editora Brasiliense, pag. 91a 102. TELLES, Vera da Silva (1997). Direitos sociais: afinal do que se trata? In Direitos Humanos no Limiar do Século XXI – Conferencia. Brasil. Centro Cultural Maria Antónia. Policopiado. 15 pp. UNIÃO EUROPEIA (1999), Compilação dos Tratados, Vol. I, Tomo I. Luxemburgo. Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias. WEISSHAUPT. Jean Robert et all (l988). As Funções Sócio-Institucionais do Serviço Social. São Paulo. Cortez Editora, 181 pp.
54
RECENSÕES Livro: Serviço Social e Meio Ambiente Autor: J. Andrés Domingues et al Editora : Cortez Editora (São Paulo – Brasil) Ano: 2007 “…A experiência acumulada pelos/pelas assistentes sociais com as camadas excluídas e marginalizadas é de fundamental importância para o desenvolvimento da perspectiva da educação ambiental como educação política, de intervenção, participação e voltada para a construção de uma sociedade justa e sustentável.” na badana do livro Marcos Reigota
55
Livro: Estratégias em Serviço Social Autor: Vicente Paula Faleiros Editora : Cortez Editora (São Paulo – Brasil) Ano: 2007
“Vicente Paula Faleiros é um dos principais nomes do Serviço Social brasileiro e latino-americano. Este título decorre principalmente da sua capacidade em combinar a acção na academia – entre ensino e pesquisas – com a efectiva vivência da prática profissional e a militância nos movimentos sociais e políticos.” na badana do livro Aldaíza Sposati
56