2009 - Número 18

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Número 18 – Dezembro de 2009

Investigação e

Debate SERVIÇO SOCIAL

Neste número:

- “Novas Abordagens da Intervenção Social: A Aplicação e a Construção de Conhecimento – Um Desafio e uma Dinâmica Actual no Serviço Social” - “Ética” - “Violência Doméstica: Usar a Leiturabilidade para (bem) Informar”

Associação de Investigação e Debate em Serviço Social


Ficha Técnica: Investigação e Debate – Serviço Social Ano 13/Numero 18 – DEZEMBRO/2009 Director: Joaquim Paulo Silva Sub-Director: Miguel Ângelo Valério Equipa Editorial: António André Cristina Quinteiro Daniel Seabra Isabel Pinto da Silva Joaquim Paulo Silva José Álvaro Santos Maria José Barbosa Colaboradores Neste Número: Helena Neves de Almeida Joaquim Paulo Silva José Álvaro Santos Manuel Menezes Miguel Ângelo Valério

Colaboradores Internacionais Mario Calarco (Docente na Universidad Nacional Comahue-Argentina) Neuza Farias de Araújo (Docente na Universidade do Rio Grande do Norte-Brasil) Raquel Martínez Chicon (Docente na Universidade de Granada-Espanha) Richard Hugman (Docente na Universidade de New South Wales-Austrália) Conselho Editorial Prof.ª Dr.ª Fernanda Rodrigues (Docente na Universidade Católica) Profª Drª Maria da Conceição Ramos (Docente na Faculdade de Economia do Porto) Mestre Manuel Meneses (Docente no Instituto Superior Miguel Torga) Profª Drª Neuza Farias de Araujo (Docente Universidade Rio Grande do Norte- Brasil) Editor Associação de Investigação e Debate em Serviço Social Proprietário Associação de Investigação e Debate em Serviço Social Sede da Redacção: Rua de Antero de Quental nº 241, sala 14 4050- 057 Porto Tel/fax: 22 509 32 89 E-mail: aidssp@clix.pt ERC Nº Inscrição: 119114

de 7/06/1995

Tiragem: 300 exemplares Arranjo Gráfico: lavra…EDITORIAL Rua Pereira da Costa, 156 – 2.º 4400 – 245 Vila Nova de Gaia Tlm. – 966 238 966 E-mail: lavra.poesi@iol.pt

1


e

ditorial

Joaquim Paulo Silva

Com a edição da presente Revista fecha-se um ciclo, e abre-se outro em definitivo. Fecha-se o ciclo pessoal onde assumi a Direcção da mesma, com todo o prazer de ter dado corpo a um projecto original em Portugal, no campo do Serviço Social. Abre-se outro, num plano mais próximo às novas realidades das redes informacionais, na sociedade em rede, conforme Castells identifica, uma Revista Digital, que terá outros protagonistas na sua Direcção, condução e definição do rumo. Uma Revista que responda a alguns dos desafios, nomeadamente o da qualificação, o da internacionalização e da dimensão da sua divulgação. A todos os que colaboraram nesta última década um forte abraço positivo, pela dinâmica que conferiram. Ao próximo Director, equipa e colaboradores a boa sorte tão desejada, a quem inicia um projecto de envergadura, e com tradição. Até sempre

2


NOVAS ABORDAGENS DA INTERVENÇÃO SOCIAL A APLICAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS: UM DESAFIO E UMA DINÂMICA ACTUAL NO SERVIÇO SOCIAL

HELENA NEVES ALMEIDA1

Os referenciais teóricos da intervenção social são múltiplos, tão variados quanto os contextos, as finalidades e os sujeitos de acção. Nela se cruzam diferentes tipos de conhecimento: o conhecimento teórico que nos permite identificar factos e compreender os factores intervenientes bem como o sentido da sua influência nas situações de vida sinalizadas, e o conhecimento prático, que corresponde ao saber fazer, um conhecimento que faz apelo a técnicas, habilidades e atitudes, e que, embora esteja associado e reflicta um saber teórico, possui uma visibilidade notória no processo (por exemplo, elaborar

1

relatórios,

fazer

entrevistas,

proceder

Professora auxiliar do Instituto Superior Bissaya-Barreto (Coimbra), Doutorada em Trabalho Social pela Faculdade de Letras da Universidade de Fribourg (Suiça). 3

a


Novas Abordagens da Intervenção Social » Helena Neves Almeida

encaminhamentos, comunicar de forma clara,

pouco

escutar,

conhecimento

investigação-acção tem remetido a área da

axiológico, uma vez que conhecimento teórico

intervenção para um isolamento e uma

e prático é permeado por valores. O

dependência em relação à produção teórica

interventor

das ciências sociais e humanas.

dialogar)

social

e

não

o

pode

pretender

investimento

no

domínio

da

compartimentar a reflexão da acção, e

A pesquisa sobre o uso de teorias pelos

quando o faz está a iludir-se (De Bruyne,

práticos sugere que eles raramente usam uma

Herman et Schoutheete, 1991; Banks, 1995).

teoria particular identificável, mas sim uma

Os três campos são interdependentes e

“teoria prática” (Banks, 1995, 52), isto é,

cruzam-se no quotidiano das práticas de

conhecimento apreendido da prática e partes

intervenção.

de corpos teóricos e técnicos adquiridos no

A intervenção social tem sido palco de

trabalho (Curnock e Hardicker, 1979; Roberts,

diferentes incursões teóricas nem sempre

1990). As actividades e os papéis são tão

adequadas à realidade social. Este facto foi

variados e os contextos tão diversos, que é

largamente reconhecido a partir da segunda

difícil estabelecer um corpo teórico único para

metade dos anos 60. O apelo à indigenização

a intervenção social. Banks define o trabalho

do serviço social, isto é, ao esforço de

social

construção de conhecimento e de aplicação

compreensão teórica ou prática de alguns

de modelos elaborados tendo por base a

ramos da ciência, arte, aprendizagem ou outra

realidade de cada formação social (Kahn,

área de estudo envolvente ” e nesse sentido, o

1970) coloca tal facto em evidência. Se é

interventor social dispõe de uma panóplia de

verdade que tal apelo tem a vantagem de

teorias que influenciam a sua prática reflexiva

evitar erros cometidos noutros países, o

(Schön, 1987) e empenhada (Ronnby, 1992). O

como

“um

conhecimento

de

4


Investigação e Debate (18) trabalhador social restringe-se, nesta lógica, a

efectuado por Barbour em 1984 junto de 20

um mero utilizador de conhecimentos. Ele não

estudantes, para além de identificar duas

é visto como um produtor de novos saberes.

perspectivas

Levanta-se, pois, a questão de saber qual a

perspectiva de ajuda e outra curativa),

relação entre teoria e prática no processo de

permitiu ainda identificar três grupos de

intervenção, quais os argumentos existentes

situações: a) os estudantes que tinham

neste contexto.

adquirido ideias gerais e métodos, mas que

no

uso

da

teoria

(uma

eram incapazes de dizer qual a sua origem, 1 – A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NO

eram incapazes de os situar no plano da

PROCESSO DE INTERVENÇÃO SOCIAL

teoria; b) os estudantes que usavam teorias particulares que consideravam relevantes, e

São vários os estudos que evidenciam que os

cada estudante construía um “stock”, uma

interventores sociais elaboram e retêm

amálgama de instrumentos profissionais a ser

modelos durante a sua prática, apesar das

usados e c) os estudantes cujo uso de

dificuldades que têm em os identificar. O

conhecimentos

estudo efectuado por Carew em 1979 a 20

personalidade. A utilização da teoria na

trabalhadores sociais no Norte de Inglaterra

prática levanta, pois, algumas questões.

revela que poucos usavam teoria de forma

Neste domínio sobressaem três argumentos

explícita no decurso do seu trabalho, mas

(Payne,1994):

muitos a usavam sem se aperceberem disso,

O argumento pragmático, o argumento

como uma rede mais do que como um guia

positivista e o ecletismo.

estava

associado

à

sua

explícito para acção. A maior parte referia ter adquirido uma série de destrezas, através da prática,

que

lhe

permite

O argumento pragmático considera que

desenvolver

existe um conjunto confuso de teorias, a

procedimentos adequados aos problemas

maior parte importadas de diferentes

apresentados pelos clientes. Um outro estudo

contextos sociais, económicos e políticos e

5


Novas Abordagens da Intervenção Social » Helena Neves Almeida

sem aplicação útil. As dificuldades de

sociais e

humanas,

aplicação à prática derivam de razões

sociologia e da psicologia, tais como: teorias

diversas, entre as quais se salienta : o

da comunicação, teorias da mudança, teorias

caracter generalista de algumas teorias, o

do

que impede a sua utilização em acções

personalidade,

práticas específicas, e a existência de uma

teorias cognitivas, teoria dos sistemas, entre

grande competição entre teorias, o que

outras, e tal facto dificulta a sua utilização

dificulta a escolha de uma delas. Segundo

pelos profissionais do social.

conflito,

teorias teorias

designadamente

psicodinâmicas

da

da

comportamentais,

o argumento pragmático, existem três 

tradições separadas:

O argumento positivista2

defende que

muitas das teorias são insuficientemente a) a tradição

pragmática associada ao

trabalho social em serviços oficiais (Poor Law, Segurança Social ) cuja componente

2

Segundo De Bruyne (1984) o positivismo

reconhece que : 1 – o mundo social é inacessível , só o mundo dos factos é cientificamente

de apoio económico é fundamental;

analisável; 2 – o mundo subjectivo (consciência,

b) a

tradição

socialista

que

reformas sociais, criticismo

concentra

intuição e valores) escapa à ciência; 3 – a

social e

observação exterior é o único guia, sendo a compreensão e a introspecção rejeitadas devido à

intervenção

colectiva

(grupos

e

comunidades);

ausência de controle; 4 – a noção de lei geral encontra-se no centro do programa positivista, e visa a descoberta e a verificação de leis gerais. O

c) a tradição terapêutica relacionada com indivíduos e grupos que apresentam

indivíduo, não tem interesse nem significado em si mesmo; 5 – o conhecimento das estruturas essenciais e das causas fundamentais e finais é

problemas pessoais e dificuldades sociais.

ilusório. O conhecimento verdadeiro é fruto da capacidade de predizer acontecimentos que

Tendo em consideração tais abordagens, as diferentes práticas reflectem a influência de referenciais teóricos diversos das ciências

pertencem à esfera da pertinência das leis que estabeleceu. Erickson (1986) considera que o paradigma positivista radica no postulado da uniformidade

da

vida

social.

A

orientação

positivista valoriza uma “neutralidade axiológica” à 6


Investigação e Debate (18) rigorosas e não constituem verdadeiras

2 - QUE REFLEXÃO NOS MERECEM TAIS

teorias uma vez que descrevem e

ARGUMENTOS?

levantam hipóteses, mas não possuem um poder

explicativo

suportado

por

Segundo

esta

considerarmos que a teoria é socialmente

perspectiva, a compreensão da actividade

construída e que corresponde muitas vezes à

humana deverá ser baseada em métodos

necessidade de dar resposta a questões e

das ciências naturais, e por conseguinte

problemas sentidos em várias instituições

predizer comportamentos, partindo de

(Grawitz, 1986, 331), então teoria e prática

métodos experimentais e de testes

não são universos separados. A teoria poderá

estatísticos.

ser útil à renovação das práticas e a prática,

referencias

empíricas.

Quanto

ao

argumento

pragmático,

se

entendida como campo de interacção de 

centra a atenção na

múltiplos factores como o contexto, a procura

possibilidade de utilizar diversas teorias

e os actores, é essencial à construção de

ao mesmo tempo, de forma combinada.

novos conhecimentos. Se a questão se coloca

Segundo este argumento, os clientes

a nível da capacidade de prescrição, então

devem poder beneficiar de todo o

convém assinalar que tudo aquilo que

conhecimento disponível, uma vez que as

fazemos é teorético (Howe, 1987).

teorias

O ecletismo

domínios

são

pertencem

disciplinares

a

diversos

Também o argumento positivista é falacioso.

ou

podem

Nos anos sessenta surgiram novas orientações

trabalhar a diferentes níveis. Este facto

epistemológicas

que,

fundamenta o argumento de que será

tradição weberiana, valorizam o caracter

possível fazer uso de diferentes teorias de

subjectivo e significativo das acções dos

forma combinada.

actores.

Segundo

por

o

interpretativo/compreensivo, acção e privilegia os valores da racionalidade, do rigor e da eficácia (Groulx, 1984).

influência

da

paradigma as

relações

entre os comportamentos e os significados

7


Novas Abordagens da Intervenção Social » Helena Neves Almeida

que os actores lhes atribuem, variam através

ser valorizado como fonte de conhecimento,

das suas interacções sociais, pelo que a

por influência da corrente fenomenológica de

comportamentos

podem

Husserl. Esta nova abordagem permite tornar

corresponder significados diversos consoante

estranho aquilo que é familiar, e explicitar o

os contextos (Lessard-Herbert; Goyette et

que está implícito. A vida quotidiana escapa-

Boutin , 1994)3. O paradigma interpretativo

nos por ser muito familiar, por existirem laços

assegura

de proximidade que nos dificultam a sua

como

idênticos

que

uma

continuidade

relativamente ao saber de senso comum. Os

análise.

saberes do senso comum

interpretativo/compreensivo permite-nos a

que todos os

O

sujeitos têm sobre a sua realidade, história e

compreensão

meio constituem a base do conhecimento das

através de elementos concretos da prática;

realidades sociais. Tal pressuposto não implica

permite considerar os significados que os

uma

sujeitos atribuem aos acontecimentos e às

ruptura

com

o

senso

comum

protagonizada pelo positivismo, mas uma

de

paradigma

situações

particulares,

condições contextuais de existência.

continuidade entre aquele e o saber científico.

Esta orientação epistemológica centra-

Neste contexto, o mundo quotidiano passa a

se sobre a compreensão e não sobre a explicação

3

(determinista)

de

“realidades

Os autores citados caracterizaram o paradigma

interpretativo como uma orientação baseada no

externas” como defende o positivismo de

postulado ontológico dualista ( a realidade é

Durkheim (1980). Aliás, o poder explicativo

simultaneamente materialista e espiritualista), com uma dimensão social que valoriza o contexto espacial e temporal (os significados variam em

das ciências sociais é ilusório dada a dificuldade

em

isolar

os

factores

função dos grupos específicos de indivíduos, que pelas suas interacções partilham determinadas compreensões e tradições próprias deste meio, que difere de um grupo para outro). Do ponto de vista ontológico, a uniformidade da vida social é aparente, apesar de constituir uma categoria epistemológica necessária à interpretação do mundo

intervenientes nas situações sociais. Face ao exposto, poder-se-á questionar se estudar o social significará explicar ou compreender? Ao considerarmos que o objecto social não é uma realidade exterior, mas sim uma construção

8


Investigação e Debate (18) subjectiva, então estudar o social implica

contexto, o campo da prática constitui-se

compreendê-lo. No entanto, compreender

como uma entidade dinâmica, propiciadora da

pode significar, como salienta Max Weber,

construção de novos conhecimentos. A acção

explicar a motivação e o sentido atribuído ou

é sempre provida de sentido e significado e o

associado à acção. Neste sentido, explicar é

interventor não se pode remeter a um papel

também apreender o contexto em que se

passivo no processo de recepção e aplicação

insere essa acção.

dos conhecimentos. Os saberes renovam-se

A aceitação do argumento eclético, o facto de

no quotidiano e no contexto da relação entre

se reconhecer a possibilidade de combinar

actores sociais. Os interventores sociais têm

conhecimentos diversos no decurso da acção,

de ter consciência deste facto e não

não implica que o interventor social se liberte

negligenciar a enorme fonte de conhecimento

das suas responsabilidades no processo de

que constitui a prática. Teoria e prática estão

acumulação, integração e transformação de

indiscutivelmente associados.

saberes provenientes da prática, como se a teoria restringisse a acção ou limitasse a

3 – O VALOR DA TEORIA

produção de conhecimento, ou ainda como se a prática constituísse um reservatório da

Mas não desprezemos o valor da teoria. Ela

teoria. Pelo contrário, a teoria potencia a

constitui um guia essencial tanto no plano da

prática, fornece-lhe orientações preciosas

construção de novos conhecimentos como no

quanto à compreensão da realidade /

da acção, uma vez que fornece à prática

contexto em que trabalha e ao próprio

(Payne,1994, 50):

processo

de

intervenção, sem

cair no

modelos

que

permitem

destacar

practicismo.

determinados princípios e padrões de

Por isso, a teoria deve ser entendida como um

actividade que uniformizam as práticas, a

instrumento orientador da acção e a acção um

partir de descrições de procedimentos

espaço de renovação do conhecimento. Neste

práticos gerais;

9


Novas Abordagens da Intervenção Social » Helena Neves Almeida

abordagens ou perspectivas – no quadro

“casework”,

trabalho

de

de actividades humanas complexas que

trabalho

permitem que os sujeitos participem de

compreensivas

forma consciente nos processos em que

enquadramento

estão implicados;

independentemente do objecto central e

explicações – sobre os motivos porque

área de actuação. Reportamo-nos a

uma dada acção resulta de uma dada

conhecimentos

maneira, e em que circunstâncias tal

compreender a complexidade do processo

acontece;

de

prescrições – de acções de forma a que

baluartes da fundamentação de práticas

aqueles que intervêm saibam o que fazer

diferenciadas

em circunstâncias específicas;

uniformizadas do ponto de vista da

justificações – para o uso de modelos e de

intencionalidade da acção. Entre essas

explicações da prática;

teorias

responsabilidades – na descrição de

psicodinâmicas,

práticas adequadas.

comportamentais, as teorias cognitivistas

residencial.

grupo

ou

As

teorias

fornecem

um global,

que

intervenção

e

e

permitem

que

constituem

simultaneamente

situamos

as

teorias

as

teorias

e as teorias sistémicas. O mesmo autor, cuja obra é igualmente

Teorias

Perspectiva

que

constituem

referida por Sara Banks (1995), faz a distinção

maneiras de encarar a vida, organizam

entre

teorias

aplicadas,

teorias

compreensivas,

teorias

posturas profissionais no que concerne à

específicas

teorias

mudança pessoal e social, e enformam

e

concepções

perspectiva: 

no

quadro

de

práticas

- oferecem um

profissionais. Situamos neste grupo as

sistema de pensamento que abrange

abordagens humanista / existencialista e

todas as práticas dos Assistentes Sociais

radical.

Teorias compreensivas

que queiram desenvolver práticas de 10


Investigação e Debate (18) 

delimitam

multiplicidade de referenciais teóricos coloca

procedimentos específicos e atitudes

em evidência a complexidade do processo de

referenciais qualquer que seja o contexto

intervenção e a necessidade de um trabalho

e o quadro teórico de partida. As teorias

interdisciplinar ou transdisciplinar.

Teorias

Específicas

que

da comunicação e da resolução de problemas encontram-se neste grupo de orientações. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS: A RESPONSABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES UNIVERSITÁRIAS QUE MINISTRAM FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL.

Teorias Aplicadas que produzem um conjunto de conhecimentos orientados

Face

para situações particulares concretas no

conhecimentos à realidade social implica um

âmbito individual ou colectivo, como a

esforço fundado em três vertentes:

gestão de conflitos, o trabalho de redes, a

1. o reconhecimento dos conteúdos teóricos

pedagogia

da

consciencialização,

o

empowerment, a advocacy . Também a mediação social se insere neste tipo de

ao

exposto,

a

aplicação

de

que fundamentam as práticas renovadas e o sentido que lhes é atribuído; 2. a identificação da rede conceptual que alicerça as posturas inovadoras no plano

teorias (Almeida, 2001).

processual; Não existe propriamente uma teoria da

3. a aceitação do papel activo do interventor

intervenção social, mas sim diversas teorias de

no plano da construção do conhecimento.

suporte

das

opções

metodológicas

e

processuais que trabalham a diferentes níveis:

Estes

a nível da compreensão global, a nível da

desenvolvimento

conceptualização

nível

teoricamente fundamentadas, estratégicas,

processual. Independentemente dos modelos

isto é cognitivamente orientadas por relações

que adoptemos para análise da articulação

meios-fins, adaptadas à realidade social de

entre teoria e prática no domínio social, a

intervenção, como a produção de novos

da

prática

e

a

elementos

favorecem de

acções

tanto

o

coerentes,

11


Novas Abordagens da Intervenção Social » Helena Neves Almeida

saberes. O campo da acção não é um depósito

Neste contexto, a responsabilidade das

de conhecimentos que se traduzam numa

instituições universitárias é acrescida. Torna-

rotina. A acção é o resultado de opções

se necessário desenvolver uma “cultura de

mesmo que não tenhamos consciência do

investigação” que aproxime os discursos da

facto. E, embora os seus fundamentos nem

teoria e da prática. E isso só se consegue

sempre sejam muito claros, essas opções

fazendo e ensinando a fazer investigação. A

conduzem à percepção de que as práticas são

relação com o campo da intervenção permite

diversas. Para isso muito tem contribuído a

renovar conhecimentos, aproximar estratégias

deficiente reflexão que é feita sobre o

e valorizar saberes.

quotidiano profissional.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS: ALMEIDA H. (2001). Conceptions et pratiques de la médiation sociale. Les modèles de médiation dans le quotidien professionnel des assistants sociaux. Coimbra, Fundação Bissaya-Barreto / Instituto Superior Bissaya-Barreto. BANKS S.( 1995). Ethics and values in social work, London, Macmillan Press. CURNOCK K. & HARDICKER P.( 1979). Towards Practice Theory. Skills and Methods in Social Assesments, London, Routledge & Kegan Paul. DE BRUYNE P. & al. (1974). Dynamique de la recherche en sciences sociales, Les pôles de la pratique méthodologique, Paris, PUF. DURKHEIM E. (1980). As regras do método sociológico, Lisboa, Editorial Presença. ERICKSON F. (1986). “Qualitative methods in research on teaching” in WITTROCK M.C., Handbook of research on teaching, Nova Yorque, Macmillan, pp.119-161. GRAWITZ M. (1986). Méthodes des Sciences Sociales, Paris, Précis Dalloz, 7e edition.

GROULX L. (1984). “Recherche et formation en service social au Quebec: tendances et interprétation” in Service Social dans le Monde, 3. HOWE D. (1987). An introduction to social work theory: making sense in practice, Community Care,England, Wildwood House Limited. KAHN A. (1971). Teoria e prática do planejamento social, S.Paulo, ESSPUC. LESSARD-HÉBERT G., & BOUTIN G. (1994). Investigação qualitativa: fundamentos e práticas, Lisboa, Instituto Piaget. PAYNE M. (1991).Modern Social Theory: a Critical Introduction, London, Macmillan Press. ROBERTS R. (1990). Lessons from the Past: Issues for Social Work Theory, London, Routledge. RONNBY A. (1992). “Praxiology in Social Work” in International Social Work, vol,35, pp.317-329. SCHÖN D. (1987). The Refective Practitioner: How Professionals Think in Action, New York, Basic Books. 12


ÉTICA

José Álvaro Santos

1

1. INTRODUÇÃO Todo o Ser Humano encontra-se inserido numa determinada realidade física e social e, no permanente esforço de adaptação a essa realidade vai levantando questões sobre aquilo que o rodeia, questões essas que se prendem sob a forma como proceder face aquilo que o rodeia. È da necessidade da resolução desses problemas que nasce a Ética. A redescoberta da Ética é um fenómeno pleno da actualidade. A perda dos grandes referenciais político-sociais que se verificou após a queda do Muro de Berlim trouxe, com uma grande acutilância, as questões sobre o sentido da existência.

1

Assistente Social na Câmara Municipal de Gaia e Presidente da AIDSS 13


Ética » José Álvaro Santos

A necessidade de definir novos padrões de

complexidade; só pode trabalhar com a

conduta que permitem combater a dúvida e a

complexidade, a contradição, a incerteza.»3

insegurança conduziu a um debate sobre o

Esta complexidade surge do reconhecimento

conjunto de valores que fornecessem as linhas

que o Homem como ser vivo engloba quatro

de acção da conduta humana. Busca-se,

pólos complementares:4

assim, na ética um conjunto de respostas e de

O sistema genético (código genético)

linhas de orientação que dêem respostas ás

O cérebro

questões levantadas pela existência.

O sistema sociocultural

Contudo, a própria Ética tem sido abordada

O ecossistema (no seu carácter de nicho

por novas perspectivas. O Ser Humano realiza-

ecológico e no seu carácter global de

se através dos seus actos e, através deles,

ambiente)

expressa a sua postura ética. Ora, como salientou Edgar Morin2, cada gera um

«Vivemos várias vidas numa só vida: Vivemos

conjunto de inter-retroacções que podem

a nossa vida enquanto vivemos a vida legada

mudar o seu sentido ou mesmo invertê-lo. A

pelo nosso pai e pela nossa mãe, a vida dos

este conjunto de inter-retroacções chamou a

nossos filhos e dos nossos familiares, a vida da

Ecologia de Acção e com ela tenta chamar

sociedade, a vida da especie humana, a vida

atenção para a complexidade da Ética.

da vida…»5

«Mais ainda: a ética não podia ser lúcida sozinha, isto é ignorar as eventualidades e as desordens que impõe a ecologia da acção; não basta querer agir bem para agir bem. Isto significa que a ética não pode superar a

2

Morin, Edgar (1981). As Grandes Questões do nosso Tempo. Lisboa, Editorial Noticias. 3ª Edição, pag.114

3

Morin, 1981, pag. 215 Cf. Morin, Edgar (1973). O Paradigma Perdido. Mem Martins, Publicações Europa-América.5ª Edição, pag. 194 e seguintes. 5 Morin, Edgar (1981). As Grandes Questões do nosso Tempo. Lisboa, Editorial Noticias. 3ª Edição, pag. 228 4

14


Investigação e Debate (18) É a consciência desta pluridimensionalidade

antropo-ética7que reconhece em todo o Ser

que leva Edgar Morin a falar de um triplo

Humano um ego-alter (um sujeito como si

“Ethos”6:

mesmo) e confraterniza com ele como alterego (outro si mesmo).

Um “Ethos” egocêntrico – em que cada

Temos, assim, uma Ética que reconhece a

um é por si próprio centro de preferência

realidade física, biológica e sociologicamente

e age por si;

dependente

Um “Ethos” genocêntrico, em que são os

liberdade,

nossos genitores e progenitura, família,

científico da realidade humana resultante da

clã que constituem o centro de referência

inter-relação entre Biologia e Antropologia,

e preferência;

procurando abarcar as dimensões humanas da

Um “Ethos” etno/sociocêntrico em que a

realidade.

do

individuo-sujeito

baseada

num

e

da

conhecimento

sociedade se impõe como centro de referência e preferência.

2. O QUE É A ÉTICA?

Este triplo “ethos” corresponde à nossa tripla

Partimos, assim, da ideia de que a ética tem

natureza uma vez que cada um de nós é, por

que ter em conta a pluridimensionalidade

si mesmo, ó centro do mundo, membro de

humana. Mas será possível a existência de um

uma família e elemento de uma sociedade.

normativo ético face à complexidade do

A este triplo “Ethos” Edgar Morin acrescenta

“Ethos” demonstrada por Edgar Morin? E

um quarto, que segundo ele, teve início nas

poderá esse normativo ser universal?

mensagens bíblicas, evangélicas e budistas e

A negação de um normativo ético, conforme

que se afirma nos sec. XVIII e XIX nos ideais

demonstrou Edgar Morin8, levada ás ultimas

humanistas e internacionalistas; trata-se da

consequências, implicaria uma ciência sem responsabilidade, uma ciência sem sujeito,

6

Morin, 1981, pag. 214

7

Morin, 1981, pag. 214 15


Ética » José Álvaro Santos

indiferente ás consequências dos seus actos,

valor quer porque se constitui como uma

posição que desde já recusámos.

orientação para o comportamento humano.10

Então se afirmámos a necessidade de um

Então

normativo ético para a actividade científica e

entendemos «…o conjunto de valores que

técnica, como abordámos a questão da

regulam a acção humana, valores esses que

universalidade da ética face à complexidade

resultam de uma reflexão sobre o contexto de

do “Ethos”? Se aceitamos a existência de

uma acção e que têm a pretensão em afirmar-

diversos “Ethos”, não estaremos a por em

se como “imperativos” de consciência com

causa a universalidade do enquadramento

valor

ético, essencial para a sua existência?

conhecimento ético é avaliar um acto em

A resposta encontrámos em Luís Araújo9.

virtude da sua finalidade, motivos e do seu

Segundo ele, o Ser Humano não pode viver

conhecimento ideal, julgando-o tendo em

sem interpretar a sua natureza, o significado

consideração a finalidade dos valores.

da sua circunstância, a sua finalidade.

Quando procurámos legitimar esta dimensão

A Ética é, assim, o”pensar fundamental”,

normativa,

expressão feliz, pois, no acto de pensar

requisitos necessários à definição de um

procuramos o fundamento dos nossos actos. É

critério firme e convincente. Este deve ter

uma actividade cognitiva, onde a elaboração

uma aplicação universal e adequada a cada

de juízos de facto ou de realidade está

situação particular, permitindo construir uma

intrinsecamente

filosofia ética enraizada na vida e assegurar-

relacionada

com

uma

podemos

dizer

absoluto.»11

que

O

precisamos

por

objectivo

de

delinear

Ética

do

os

actividade valorativa, quer porque a captação

lhe uma orientação válida.

objectiva da realidade é em si mesma um

É necessário, pois, definir um fim supremo capaz de se transformar em ideal estruturador

10 8

Morin, 1981,pag. 212 9 Araújo, Luís de (1992). A Ética Como Pensar Fundamental. Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda

Araújo, 1992, pag. 18 Santos, Maria Helena Varela e Lima, Teresa Macedo (1982). No Reino dos Porquês: “O Homem do outro lado do espelho”. Porto, Porto Editora, 3ª Edição, pag. 419 11

16


Investigação e Debate (18) da vida no qual a Dignidade Humana seja

Mounier14, que uma pessoa só existe quando

preservada universalmente dum modo que

adere a um sistema de valores e que a

possibilite a afirmação da autonomia do

permanência de valores é necessária para a

indivíduo e a criação de normas dirigidas à

sua auto-identificação.

resolução

Quando um indivíduo adere a valores, estes

de

conflitos

quotidianos

da

existência humana. Em

função

deste

revelam os critérios de preferência que e

fundamenta as suas acções. Estes critérios

referenciando-nos a Luís Araújo, podemos

têm por base, a relação entre o indivíduo e a

então considerar que o fim supremo da Ética

sua circunstância. Contudo, e, como bem

consiste

condições

realça Luís Araújo, este critérios para serem

necessárias para o Ser humano alcançar a

válidos, tem que ser reconhecidos como

Felicidade na dignidade.12

valores universais. Logo a vontade individual

em

promover

pressuposto,

as

terá que ser fundamentada num critério 3. OS VALORES ÉTICOS

universal, evitando-se assim a subjectividade estreita, o ser caprichoso e obrigando a um

Se a Ética existe pela necessidade de

exercício de meditação e responsabilidade.15

fundamentar os nossos actos, pois, é através

É esta exigência de auto-meditação e de auto-

deles,

consciente,

responsabilidade que torna os valores num

conforme considerava Marx13, que o Homem

produto de histórias pessoais que, inseridos

se revela, e que estes são orientados por uma

num movimento histórico supra individual,

escala de valores à qual aderimos, podemos

tende transformá-los em vigências sociais,

então concluir, seguindo o pensamento de

fundamentando

da

actividade

vital

a

praxis

colectiva

da

humanidade. 12

Santos, Maria Helena Varela e Lima, 1982, pag. 43 13 Karl Marx, “Économie politique et Philosophie (1844)”. Citação retirada de Araújo, Luís de (1992). A Ética Como Pensar Fundamental. Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, pag. 86

14

Cordon, Juan Manuel Navarro e Martinez, Tomas Calvino (1992). História da filosofia, 3º volume. Lisboa, Edições 70, pag. 157 17


Ética » José Álvaro Santos

No entanto, poderá existir conflitualidade

A adesão aos valores está inserida num

entre o indivíduo e o mundo histórico ao nível

contexto histórico. O dinamismo temporal

das opções. Esta conflitualidade poderá

implica a avaliação das opções fundamentais

desaparecer se for eleito o acordo com o

de cada Ser humano, face à realidade histórica

outro como a situação mais valiosa. Não

onde está inserido. Daí que os valores tenham

obstante, a impossibilidade de alterar as

origem numa universalidade subjectiva, em

condições externas que impedem a sua

que o objecto não é percepcionado como é,

autenticidade obrigam o indivíduo a optar ou

mas como deveria ser, satisfazendo as

por soluções revolucionárias criando outras

exigências da consciência. Assim, a adesão dos

condições que abram novas perspectivas ou a

valores não deve ser uma sujeição dogmática,

desenvolver acções de índole cultural que

mas

permitam desmontar os obstáculos que se lhe

coerente, capaz de orientar o Ser Humano,

colocam.

sem, no entanto, mutilar a sua liberdade.

Esta adesão a valores tem como objectivo a

Este compromisso crítico resulta do facto de o

realização pessoal. Existe uma comunicação

ser

entre os valores e os fins que queremos

permanente tentativa em ser aquilo que já

atingir e a realidade social onde estamos

previamente definiu no seu projecto de vida.

inseridos. Como resultado das nossas opções,

Deste modo, existe uma relação dinâmica

a nossa conduta traduz uma visão do mundo e

entre os valores e os fins a que se aspira e a

da

marcas

realidade social onde está inserido. Para que

incorporadas em coisas e acções com que nós

possa prosseguir o projecto de vida, o ser

estruturamos as nossas vidas e são estas

Humano precisa de se conhecer e conhecer os

marcas que transmitem a nossa visão do

outros, ou seja, existe um dever de conhecer e

mundo.

de conduta que definem a característica ética

vida.

Os

valores

são

as

num

compromisso

humano

ter

sempre

crítico,

como característica a

da pessoa. 15

Cf. Araújo, Luís de (1992). A Ética Como Pensar Fundamental. Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, pag 41 18


Investigação e Debate (18) É com este conhecimento que o Ser Humano

outros, do projecto livre que compromete

reflecte a visão do mundo e da vida de cada

cada um na vida, face ao outro, e na

Ser Humano. O agir humano é um resultado

comunicação inter subjectiva.

disto mesmo. Como tal, a experiência dos

Portanto, a responsabilidade vive-se perante a

valores dá-se em situações reais, concretas e

comunidade humana, uma vez que são os

individualizadas, nas quais os valores são

outros que ao questionarem-se exigem a

incorporados

justificação dos nossos actos.

em

coisas e

acções

que

enquadram a vida quotidiana.16

É a consciência da nossa liberdade e da nossa

A prossecução de um projecto de vida obriga

responsabilidade que nos permite sermos

a agir e, ao agir, o ser Humano opta e na

capazes de administrar os nossos próprios

opção que faz assume a sua liberdade. A vida

actos, ou seja, sermos sujeitos autónomos.

humana é uma sucessão de situações

Ao reconhecer a sua autonomia, o Ser

alternativas onde as opções feitas, por cada

Humano assume a sua plenitude a sua

um, representam os limites impostos à sua

maneira de ser e as suas opções. Aqui parte

liberdade. Face aos conflitos que se nos

para uma relação de interdependência com os

deparam ao longo da vida, cada um de nós

outros, pois, o agir liberta-o duma vida

analisa as situações e julga a distinção entre

meramente existencial, comprometendo-o

os diversos valores fundamentando o seu

“nas concretas circunstâncias do mundo e da

comportamento.

vida” 17 e sujeito à apreciação moral dos seus

A liberdade é, assim, fonte de valores, pois, só

actos.

através da vivência plena das situações e das

Embora as contrariedades resultantes desta

opções resultantes dessa vivência é que

apreciação moral possam ser muitas, o Ser

vamos definindo a nossa escala de valores.

humano deve assumi-las de forma consciente,

Visto que acção humana resulta da relação

uma vez que elas resultam da afirmação do

directa de cada ser humano com o mundo dos

seu projecto pessoal. O cumprimento deste

16

17

Araújo, 1992, pag. 53

Araújo, 1992, pag. 71 19


Ética » José Álvaro Santos

projecto pessoal é a manifestação da nossa

Uma função. Avaliar um acto em virtude

autenticidade e como tal fonte das nossas

da sua finalidade, motivos e do seu

opções individuais.

conhecimento ideal

Nesta perspectiva, um comportamento lúcido,

Valores:

sério e sincero testemunha a autenticidade da

o

Liberdade

vida. Por outro lado, demonstra que o dever

o

Responsabilidade

não é lago exterior à pessoa, mas que está

o

Autonomia

profundamente enraizado na consciência de

o

Autenticidade

cada um. No entanto é preciso ter em consideração que

Considerando

se não queremos que a autenticidade não se

analisemos uma situação concreta. Um

transforme em capricho, é preciso um esforço

diploma legal que suscitou uma enorme

de racionalização e ultrapassar o plano

polémica foi a Lei nº 12/93 de 22 de Abril, que

elementar

regula a colheita de órgãos e tecidos de

do

sensível.

Daí

que

a

este

quadro

referencial,

autenticidade implica a realização de uma

origem humana.

autocrítica no que concerne aos princípios

A polémica centrava-se exactamente no valor

orientadores da vida.

ético do diploma, na medida em que partia do pressuposto que todos somos dadores,

4. ÉTICA, MORAL E IDEOLOGIA

excepto

quando

manifestámos

a

nossa

indisponibilidade para o efeito. Coloca-se a Façamos um ponto de situação. Temos então

questão: Isto é uma postura ética? Face à

considerado para a Ética:

carência que se verifica de órgãos em quantidade para transplante é legitimo deixar

Um objectivo: A dignidade humana

pessoas morrer, quando existe uma solução para o problema?

20


Investigação e Debate (18) Analisemos o parágrafo 1 do artigo 10º desta

tal não respeitemos os valores éticos? A vida

lei, o cerne de toda a polémica. Citamos: «São

humana não está acima destes valores?

considerados como potenciais dadores “post

Um acto moralmente bom não é sinónimo de

mortem” todos os cidadãos nacionais e os

um acto ético. Socialmente, podemos aceitar

apátridas

em

prescindir de um nosso direito para a

Portugal que não tenham manifestado junto

prossecução de objectivos que todos achemos

do ministério da Saúde a sua qualidade de não

válidos. A questão que imediatamente se

dadores.» Face ao disposto, chegámos à

coloca é esta: se o objectivo é válido porque é

conclusão que em Portugal somos todos

que as pessoas não tomam elas próprias a

dadores. Para não o sermos teremos que

tarefa de a executar em vez de deixar alguém

manifestar a nossa vontade nesse sentido. Ou

exterior a elas a imponha?

seja, somos todos titulares de um estatuto

Ética implica participação, assumir uma

para o qual não manifestámos qualquer

postura, pois, só assim através dos nossos

vontade em o ter. Não fomos livres de

actos, manifestámos a nossa postura ética. Se

escolher, como tal o acto de ser dador não é

não actuamos, onde está a nossa adesão a

administrado por nós e assim sendo não

valores?

fomos autónomos. Consequentemente, não

Em relação à dignidade humana exposta no

assumimos esta opção, logo o acto não é

facto de corrermos o risco de deixarmos

autêntico, não parte de nós e portanto não

pessoas morrer, aparentemente por uma

somos responsáveis por ele. Conclusão, se

questão de egoísmo, a própria lei levanta

nenhum dos valores foi respeitado, o diploma

interrogações importantes. Ela não se limita

não pode ser ético.

aplicar este estatuto aos nacionais, impõe-no

Julguemos, então, o diploma em função da

igualmente aos estrangeiros e apátridas. No

sua finalidade. Será legitimo deixarmos

actual contexto de imigração, em que,

morrer pessoas quando elas podem ser salvas

provavelmente em números nunca vistos, um

através da recolha de órgãos, ainda que para

elevado número de imigrantes provenientes

e

estrangeiros

residentes

21


Ética » José Álvaro Santos

de países em que a língua oficial não é o

Ética não se pode, portanto, confundir nem

português entra no nosso país, onde fica a

com Moral, nem com Ideologia. A Moral é

dignidade destas pessoas, que não sabendo

uma

falar português, fugindo da miséria e da fome

sistematizada, de regras ou normas que

dos seus países de origem, são dadores sem

orientam o comportamento humano. Tem

saber, contra a sua vontade, a sua religião e a

uma índole prescritiva e funcionalmente

sua cultura?

prática da moral. Os conteúdos morais são

Aqui confrontámos Ética e Ideologia. O Estado

ditados por instâncias sociais de índole

tem que lidar com um problema grave, difícil,

ideológica.

delicado

que

A Ideologia é uma representação intelectual

formalizando mecanismos de rejeição do

da realidade originada pela leitura dos

cumprimento da sua vontade por parte dos

conflitos e tensões resultantes da coexistência

cidadãos, está assegurada a democraticidade

temporal de indivíduos. «Nesta linha de

da sua decisão e do apoio dos cidadãos. Mais

pensamento se há-de compreender que as

uma vez coloca-se a questão: sendo a

ideologias, quer a nível pessoal, quer no

intenção boa, porque não leva os cidadãos

âmbito colectivo e de acordo com os

aderir ao seu projecto?

teorizadores

Este é um problema ideológico, das relações

Conhecimento (entre outros Max Scheler, Karl

entre Estado e Cidadão em que, neste caso,

Manheim,

optou-se por uma decisão centralizada,

Gurvitch), não são mais do que expressões

imposta aos cidadãos, em que a “salvaguarda”

reflexas, mais ou menos inconscientes das

democrática é a possibilidade de se formalizar

diversas contexturas sociais em que os

uma forma do não cumprimento da lei. Como

indivíduos e os grupos humanos estão

já previamente demonstrámos, a intenção

inseridos».

pode ser a melhor, mas o acto não é ético.

«Neste sentido Louis Althusser escreveu que

e

parte

do

pressuposto

enunciação,

mais

ou

menos

da chamada Sociologia do

Petirim,

Sorokim,

e

Georges

as ideologias são estruturas que se impõem à

22


Investigação e Debate (18) maioria dos homens sem passar pela sua

violados? Porquê forma violados? São estas

consciência.

questões que estão patentes na análise do

São

objectos

culturais

percebidos, aceites, suportados e agindo

decreto-lei que atrás referimos.

funcionalmente sobre os homens mediante

Quer a moral, quer a ideologia contextualizam

um processo que lhes escapa, cujo o

“à priori” a nossa acção independentemente

predomínio acarreta uma mundividencia da

dos contextos dos nossos actos. Não há

natureza voluntarista quase sempre em

conhecimento para agir. A Ética implica além

oposição a um verdadeiro conhecimento, não

de um conhecimento para agir, a afirmação e

obstante representar como um “discurso

transmissão de valores. Coloca nos actos um

sistemático” (Fernand Dumont) que pretende

conjunto de valores, aos quais já nos

assegurar resposta válidas para as mais

referimos, e transmite uma análise da

diversas interrogações humanas.»18

realidade.

Ética é, assim, uma reflexão sobre o mundo envolvente, uma tentativa de conhecimento

5. A ÉTICA EM SERVIÇO SOCIAL

da realidade e não uma elaboração de normas ou regras. Por isso, falámos de valores e não

Face ao exposto, impõe-se a pergunta: que

de regras, normas ou princípios. Falámos dos

ética para o Serviço Social?

valores que orientam a nossa acção e para os

Um projecto ético para o Serviço Social terá

podermos aplicar precisámos de conhecer o

que responder a três questões:

contexto onde actuámos. Daí que também possamos de falar de Ética como método na

Que Ser Humano quer construir?

medida em que, para responder à pergunta “o

Quais as finalidades do Serviço Social?

que devo fazer?”, teremos que conhecer o

Que valores defendemos?

contexto

da

nossa acção:

Que

causas

conduziram ao problema? Que valores foram

A primeira questão é para nós a mais essencial. A construção do sujeito é a questão

18

Araújo, 1992, pag. 107 23


Ética » José Álvaro Santos

fundamental da sociedade actual. O Serviço

compeliram “este” ser humano a mutilar o

Social não pode fugir a ela, não só pela sua

seu carácter exactamente humano, para se

própria natureza (como podemos ajudar

moldar e conforme as circunstâncias, de um

alguém se não conhecemos a causa do

modo

problema?), mas também

a

produtor/consumidor, sendo-lhe vedada a sua

disciplina das Ciências Sociais mais bem

realização, entendida aqui como a satisfação

preparada para responder à emergência do

de

sujeito.

objectivas, quer subjectivas.

Ignorar

isto

é

porque é

perder

uma

todas

maquinal

as

suas

um

agente

necessidades,

quer

oportunidade histórica, assim como colocar a

O Serviço Social terá, então que “olhar para

existência da profissão em risco.

dentro” do indivíduo, debruçar-se sobre a

Lidámos com seres humanos, são eles a

pluridimensionalidade

nossas matéria-prima. Por norma dirigem-se a

percepcionada como constituída por todos os

um Assistente Social quando se encontram em

níveis que compõem a dimensão individual: a

dificuldades, o que significa que estão

herança genética, a personalidade, a história

fragilizados, e recorrem na esperança que os

individual e familiar, a cultura, os contextos

ajudem a encontrar o espaço e o modo de

sociais de vivência, as aspirações mais intimas

reencontrar a sua identidade.

e transcendentais do ser.

O que fazer com estas pessoas? Para onde as

Será através da análise pluridimensional do

conduzimos?

“humano” e o desenvolvimento da mesma,

«O que nós propomos é a “reunificação” do

que o Assistente Social poderá mediar o

Homem. Ou seja, a espartilhação de que o

indivíduo e a sociedade, numa perspectiva de

Homem foi objecto, por um mecanismo

descoberta individual da própria estrutura

societal massificador, tanto nos objectos de

pluridimensional de si, descoberta essa

individual

consumo como nos padrões de vida, de jogo, dos tempos livres, da afectividade, nas dimensões mais intimas da pessoa, que

24


Investigação e Debate (18) visando permitir uma procura consciente da

à totalidade do real, totalidade que inclui

identidade social.”19

todas as actividades superiores do Homem

Em nosso entender, já não basta dizer que o

como a moral, a estética, a fé religiosa ou

Serviço

objectivo

humanista. Reportando mais uma vez ao

o

auto

Código Deontológico dos Assistentes Sociais,

conhecimento e a valorização dos indivíduos,

podemos então definir como finalidade do

grupos e comunidades…” como está expresso

Serviço Social capacitar os clientes “para a

no Código Deontológico Internacional dos

tomada de consciência dos seus problemas,

Assistentes Sociais.20O Serviço Social tem que

de modo a assumirem uma atitude critica da

ir para além disto, tem que promover o

realidade

reagrupamento de todas as dimensões do

alcançarem as suas metas como seres

sujeito, senão corre o risco de cair numa

sociais.”21

posição meramente assitencialista, posição

Já não nos limitámos a advogar como

que como já realçamos não satisfaz as

objectivo do Serviço Social apenas a defesa do

necessidades actuais.

bem-estar das populações. Se defendemos

O Serviço Social terá então como finalidade

que, como forma de superação das situações

contribuir

ganhe

de carência em que se encontra, teremos que

consciência do sistema de valores onde está

ajudar o sujeito a encontrar em si os recursos

inserido de modo a permitir uma visão

que possam ultrapassar as dificuldades, então

racional e unificada do mundo. Será através

também

desta consciencialização que vai permitir uma

consciencialize dos contextos onde está

tomada de posição raciocinada relativamente

inserido.

Social

“…promover

19

tem

o

para

como

bem-estar,

que

o

sujeito

Silva, Joaquim Paulo e Santos, José Álvaro (1994). Por um novo humanismo para o Serviço Social, Investigação e Debate Serviço Social, nº1.pp. 5-7 20 APSS (1994), Código Deontológico Internacional dos Assistentes Sociais, Investigação e Debate Serviço Social, nº1,p.17.

onde

será

estão

necessário

inseridos,

que

este

para

se

6. OS VALORES ÉTICOS DO SERVIÇO SOCIAL

21

APSS (1994), pag. 17 25


Ética » José Álvaro Santos

Antes de avançarmos, esclarecemos desde já

sendo, é impossível desenvolver qualquer

que os valores referidos nos capítulos

actividade sem a participação do interessado.

anteriores são entendidos aqui como os

Temos que, no entanto, analisar o conceito de

valores que devem enquadrar qualquer

participação no sentido de especificar que

Código Ético. Contudo, qualquer actividade

noção de participação em Serviço Social.

profissional tem o seu grau de especificidade,

Considerámos duas formas de participação:

especificidade essa que obriga a que, perante

- A inconsciente ou “imposta” pelos ritos

a intervenção concreta de uma determinada

sociais na vivência quotidiana, sem objectivo

área profissional, defina valores que traduzam

definido (ex. Pagamento de impostos ou

a natureza e a finalidade de uma profissão

taxas, a utilização de equipamentos colectivos

enquadrando-a

como transportes e cantinas, etc.);

dentro

de

determinados

parâmetros. É o que vamos concretizar neste

- A consciente em que se vocaciona a vida

capítulo.

para a prossecução de necessidades sentidas

No âmbito do Serviço Social, considerámos

e concretização de um ideal.

três valores fundamentais:

Se entendemos a actividade no Serviço Social

Participação

voltada para a construção de uma filosofia de

Solidariedade

vida, baseada numa visão do mundo, então,

Democracia

poderemos

aceitar

a

participação

consciente como a única que realmente permite a realização pessoal, na medida em

a) Participação

que

resulta

de

um

processo

de

pluridimensionalidade

consciencialização não só do mundo que o

humana e da necessidade de cada um

rodeia como igualmente da sua própria

construir uma visão unificada do mundo e

identidade. Temos então duas fases no

criar uma filosofia de vida própria. Assim

desenvolvimento da participação consciente:

Falámos

aqui

da

26


Investigação e Debate (18) 

Numa primeira etapa desenvolve-se um

Mas se participar é relacionar-se com os

processo de consciencialização, ou seja,

outros, então teremos que possuir um sistema

ter

básico de relacionamento com o outro,

consciência

que

participa

na

construção da sua vida e na construção da

identificado

com

o

processo

de

sociedade. Desenvolve-se a consciência

consciencialização da participação: respeito

sobre ele próprio, sobre a sua história

pelas opções de vida do outro, pela sua

pessoal, os laços individuais e sociais as

liberdade, consciência de que o separa e o

capacidades escondidas no conteúdo da

que une, consciência de que para isso

sua pluridimensionalidade, a percepção

acontecer é necessário a solidariedade.

da sua existência enquanto indivíduo com características próprias e por outro a consciência de estar no mundo e o

b) Solidariedade

perceber, adquirindo uma visão sobre a desse

A totalidade do real implica a asserção de uma

seus

realidade pluridimensional. O indivíduo ao

objectivos e ideais, desenvolvidos ao

iniciar todo o processo de libertação do

longo do processo de consciencialização.

individual, de construção da vida social irá

A segunda etapa concerne à participação

chocar-se com todas as dimensões do real, ou

propriamente dita. Nesta fase, com o

seja, ao relacionar-se com os outros de uma

individuo

forma

própria mundo

pluridimensionalidade articulando-a

com

consciente

os

das

suas

consciente

irá

proceder

outras

capacidades vai desenvolvê-las em torno

dimensões do real do qual fazem parte

duma filosofia de vida exercendo a

integradas num contexto social.

liberdade

de

participando

de

cisão,

Esta percepção implica quer a construção da

conscientemente

nas

própria liberdade, que tem os seus limites,

escolha

relações com os outros.

e

que são a liberdade do outro, e daí a necessidade de um instrumento de mediação

27


Ética » José Álvaro Santos

efectiva, entre a liberdade de ser pensar, criar,

A solidariedade orgânica nasce e desenvolve-

acreditar e a necessidade de um vivência

se

colectiva pautada pelo respeito desse ser

industriais

individual, daí a Solidariedade.

interdependência

Partindo

da

distinção

sociedades e

ditas

modernas ou

baseia-se

na

complexa

dos

membros

dessa

por

sociedade, não apenas de um conjunto de

Durkheim22 entre solidariedade mecânica e

crenças e sentimentos comuns, mas sim de

orgânica, podemos exemplificar melhor este

uma interdependência funcional, na divisão

conceito de solidariedade que busca uma

do trabalho. A consciência colectiva perde

síntese

corpo

destas

duas

elaborada

nas

modalidades.

A

em

favor

da

interdependência

solidariedade mecânica, para Durkheim, é,

funcional. A solidariedade directa, mecânica

sobretudo, exemplificada nas sociedades pré-

decresce, não podendo o indivíduo satisfazer

industriais, onde os grupos sociais, apesar de

as suas necessidades, originando franjas

diferenciados, estavam unidos por laços de

sociais desenraizadas que perdem noção de

pertença, crenças comuns, duradouros e

coesão social, obrigando o Estado criar

aceites pela generosidade,

não

Instituição de carácter “reparador” que vão

implicava a existência de canais moderadores

aumentando consoante o desenvolvimento da

da solidariedade directa e provenientes das

complexidade

crenças comuns que dominavam não só o

modernas.

consciente,

dos

É neste contexto que surge o estado

indivíduos, que podiam encontrar no interior

Providência e as formas de solidariedade

de cada forma de solidariedade satisfatória e

orgânica características desta politica social.

harmónica

Se as formas tradicionais de solidariedade

mas

como

o

o

que

subconsciente

resposta

ás

suas

necessidades.

social

das

sociedades

foram ultrapassadas pela evolução urbana das sociedades industriais, a verdade é que o Estado Providência assente na frágil mediação

22

Cf. Giddens, Anthony (1984) Capitalismo e moderna teoria social. Lisboa. Editorial Presença, 2ª. Edição, pag. 122 e 123

do estado, entra em crise acelerada. Não

28


Investigação e Debate (18) resistimos

neste

ponto

a

citar

Alçada

porta. Do que não parece haver dúvidas é que

Baptista23, que testemunha esta transição:

a segurança social, a coberto dos bons

«O certo é que me foi dado assistir ao

sentimentos que a caucionam, criou nas

desaparecimento da solidariedade e, radiante,

sociedades

evoluído,

parasitárias a que impávidos e respeitosos,

vi

surgir

esta

solidariedade

modernas,

uma

das

zonas

institucionalizada, contabilizada, que ia fazer

assistimos.»24

depender o remédio dos novos males de um

Temos, portanto, dois sistemas bem definidos:

aparelho organizado, que acudiria pronto, em resposta a um direito dos infelizes, que iriam

O tradicional, directo, visceral, feito da

deixar ficar à mercê do teor da caridade dos

relação pessoa a pessoa, assente no

corações dos seus semelhantes. A verdade é

conhecimento

que

capacidade

estes

dois

tipos

de

respostas

da de

natureza

da

sua

sofrimento

e

da

correspondiam a motivações e sentimentos

inevitabilidade da partilha com os que

que nada têm de superficiais e que se colocam

sofrem; 

em duas galáxias distintas».

O outro, o sistema de solidariedade

E refere ainda:

orgânico, que possuía como subjacente o

«Falar da falência e da inoperacionalidade do

desejo de encarregar uma instituição de

Estado

que,

intervir junto dos mais carenciados, mas

imediatamente, toda a demagogia acéfala se

que burocratizou-se e essa burocratização

ponha a puxar pelos lugares comuns duma

conduziu a uma solidariedade teórica que

retórica que condecorou o nosso tempo com

nos alheou do sofrimento humano, ao

“comenda da Idade Social” e que não está

mesmo tempo que permitiu a alguns

disposto a averiguar se o cidadão vive mais

aproveitar

confortado quando a desgraça lhe vem bater à

beneficiar de apoios que em princípio não

Providência

leva

a

as

falhas

do

sistema

e

lhes estavam destinados. 23

Baptista, António Alçada(1986) Peregrinação Interior Vol.II O Anjo da Esperança. Lisboa. Editorial Presença, 3ª Edição, pag. 41

24

Baptista, 1986, pag. 40 29


Ética » José Álvaro Santos

e arte a esse défice de dignidade que ainda Contudo, não é nossa intenção pôr em causa

abunda pelos caminhos da democracia.»

nenhuma das solidariedades. Se a primeira

Qualquer forma de solidariedade terá que

permite um conhecimento mais profundo

obrigatoriamente

daqueles que sofrem, não deixa de ser

individualidade de cada um, mas também os

também verdade que igualmente introduz

Direitos e deveres que considerámos para

elementos de arbitrariedade, uma vez que o

todos os seres humanos. Por outras palavras,

apoio ao assistido também se determinava

teremos que ter uma solidariedade orgânica

pelas referências culturais daqueles que

que responda ás necessidades de cada um

assistem.

através de uma relação pessoa a pessoa,

Por outro lado, se a Solidariedade orgânica se

assente no conhecimento da sua natureza, à

burocratizou, não é menos verdade que impôs

semelhança da solidariedade mecânica.

princípios, mais ou menos universais e

As instituições “…Tem que responder em

consagrou direitos a estratos populacionais

concreto a cada situação, oferecendo, pelo

sistemáticos excluídos.

menos,

A nossa proposta é uma síntese das duas.

desespero. O discurso institucional tem que

Como bem referiu Adelino Antunes25 «Cada

conseguir englobar o utente como parte

vez mais, nos novos tempos do advir, o

contratual da sua inserção ou reabilitação.

homem protesta e reivindica a devolução da

Será, afinal

sua dignidade, como disse Paul Legrand. E

os métodos científicos e as referencias ao

esse protesto adivinha-se no rosto de todos os

saber, não pode olvidar o homem biológico, o

que aprendem e assumem serem Pessoas de

homem racional, mas também o homem de

direito e de dever. E cada vez mais se torna

alma e fé.»26

urgente responder com capacidade, engenho

É necessário que a solidariedade brote da

a

respeitar,

esperança

e

não

erradicando

a

o

um discurso que sem esquecer

sociedade civil, assumindo um carácter activo, 25

Antunes, Adelino (1999). Repensar e Agir para uma resposta criativa, Investigação e Debate Serviço Social, nº9.p. 5

26

Antunes, 1999, pp. 6-7 30


Investigação e Debate (18) pessoal, grupal e acima de tudo visível e

Mas esta participação, ao mesmo tempo que

directo, conciliando com as estruturas das

permite o desenvolver da liberdade de

instituições sociais do Estado, através da

escolha de um “modus vivendi”, implica

abertura destes aos cidadãos, na sua gestão e

também que a sociedade encare o individuo

participação, de uma forma descentralizada,

como um ser livre, capaz de poder expressar o

permitindo

seu

uma

maior

mobilidade

e

pensamento,

capaz

de

associar-se

adaptabilidade ás necessidades de partilha do

livremente, sem sofrer qualquer coacção

sofrimento, rompendo com o parasitismo e

psicológica, física ou espiritual imposta por

exclusão.

mecanismos totalitários no seio da sociedade, respeitando-lhes tanto a sua dignidade de

c) Democracia

cidadãos comuns a todos os outros com os mesmo direitos e deveres conferidos por lei,

O conceito de Democracia, que nasce da

sem privilégio9s ou exclusões deliberadas,

palavra grega “Demoskratia”, governo do

como a sua individualidade, expressa pela

povo ou para o povo, implica uma vertente

tolerância para com o outro, respeitando o

politica que assume, no Ocidente, o carácter

seu valor e dignidade enquanto Ser Humano,

de participação na eleição dos governantes.

respeitando e acentuando as ideias, as acções,

Contudo, a nossa proposta parte de uma ideia

as formas de vivência e aqui se entroncam

mais

com a Solidariedade.

vasta

e

ampla

do

conceito

de

Democracia. Considerámos a Democracia

Ora, como bem refere Joaquim Paulo Silva27, o

como

que se constata actualmente é a existência de

a

possibilidade

do

Ser

Humano

participar em todas as esferas da vida: social,

franjas de

população que

permanecem

politica, cultural, espiritual, ideológica, etc.,

afastadas do acesso, não só ao emprego, à

para que todas possam ter acesso a um

habitação, à alimentação, mas também de

desenvolvimento da sua personalidade. 27

Cf. Silva, Joaquim Paulo (1999). , O Serviço social na Era Planetária. Investigação e Debate Serviço Social, nº9.p. 36 31


Ética » José Álvaro Santos

toda a vivência social, duma profissão, da

a construção de uma articulação entre Seres

informação, dos produtos educacionais e

Humanos.

culturais, excluídos de qualquer noção de pertença à “multidão”, abaixo de qualquer hierarquia social. «São

vidas

humanas

7. A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA PARA O SERVIÇO SOCIAL

não

qualificadas,

magoadas perante os outros, a sociedade, que

Parece-nos que deixamos claro que, em nosso

não contam para os novos poderes mundiais,

entender, a Ética não é um mero código

substituídos pelos avatares tecnológicos».28

normativo legal que estipula as normas pelas

È necessário religar o Ser humano ao mundo,

quais uma profissão se rege. Antes de mais,

recuperar a dignidade perdida e promover a

Ética é o instrumento pelo qual a profissão

sua requalificação.

reflecte sobre o mundo onde está inserida. A

No entanto, para que esta tarefa seja

complexidade da vida humana obriga o

cumprida é necessário aceitar o Outro. Neste

Serviço

contexto, o individuo ganha consciência dos

permanentemente sobre o seu papel na

limites da sua liberdade individual, através da

sociedade. A Ética torna-se, assim, o “pensar

consciência da existência do Outro e dos seus

fundamental” da profissão e a forma como

pontos de vista. Gera-se uma consciência

esta dialoga com o mundo.

individual do seu papel, na sociedade e na

Por outro lado, através dela, afirma a sua

vida que se desenvolve em dialéctica e não

responsabilidade definindo um conjunto de

através da imposição de regras ou por

valores que norteiam a sua actividade com

qualquer forma de coacção. Assim, assiste-se

vista a um objectivo bem determinado: a

ao desenvolvimento de um processo ético “de

Dignidade Humana.

baixo para cima”, ou seja não existe o

Estes valores e objectivo conduzem

cumprimento de um postulada ético, mas sim

assunção de um projecto profissional que

Social

a

questionar-se

à

consubstancia a reconstrução do sujeito. 28

Silva, 1999, pag. 36 32


Investigação e Debate (18) Por reconstrução do sujeito entendemos a

fundamentar. Na procura de respostas, a

necessidade de analisar o sujeito em todas as

questão de saber o que fazer numa situação

suas dimensões e contribuir para a sua

concreta, analisa-se que valores estão postos

realização

e

em causa e quais devem nortear a acção

possibilitando as suas capacidades, para que

naquele caso concreto. A reflexão nestes

ele próprio encontre o seu rumo.

parâmetros conduz à organização de uma

A definição dos valores corresponde a esta

metodologia de intervenção na qual se define

dimensão. Quando falámos de Liberdade,

objectivos, métodos e meios nos moldes mais

Responsabilidade,

e

adequados quer aos valores éticos quer ao

Autenticidade, não estamos só a falar das

contexto da acção, como aliás, tentámos

obrigações do técnico. Falámos também das

demonstrar no capitulo III.

obrigações que qualquer um terá que

Ética é a essência do Serviço Social. Poderia

considerar nos seus actos.

dizer-se que é uma frase feita ou que em

pessoal,

Quando

potenciando

Autonomia

falámos

de

Participação,

muitas

actividades

profissionais

a

Ética

Solidariedade e Democracia referimo-nos a

assume o mesmo peso. A isto respondemos

valores que abrem espaços, não só necessário

que, por norma, se tem associado a Ética a um

ao

conjunto de regras que não devem ser

exercício

necessários

profissional, ao

mas

também

desenvolvimento

da

violadas na actividade profissional. Mas no

individualidade.

Serviço Social o que está em causa é o diálogo

Ao analisarmos a questão por este prisma, a

com o mundo, no sentido em que, mais do

Ética assume uma outra faceta, que é o seu

que qualquer outra profissão, a necessidade

carácter

metodológico.

definir

os

da adaptação á realidade onde está inserido e

valores,

da

ter consciência da Ecologia da Acção são

intervenção profissional, a Ética passa a ter

fulcrais nesta posição e que obriga a uma

um

maior consciência ética.

parâmetros,

papel

através

decisivo

Ao dos

na

organização

metodológica da intervenção, além de a

33


Ética » José Álvaro Santos

Se a matéria-prima do Serviço Social parte e dirige-se ao Ser Humano, não num sentido mecanicista, mas sim num processo de valorização dos recursos endógenos, então, não é possível actuar sem balizarmos a actividade profissional dentro de um quadro ético não só para que o profissional tenha consciência do seu papel, mas também para que quem recorre a ele perceba os objectivos do seu trabalho.

34


VIOLÊNCIA DOMÉSTICA USAR A LEITURABILIDADE PARA (BEM) INFORMAR

Miguel Ângelo F. M. Valério

1

Resumo: Este artigo pretende avaliar o grau de leiturabilidade de dois folhetos/brochuras informativos usados na intervenção junto de vítimas de violência doméstica. Após a aplicação de quatro fórmulas (SMOG, Flesh-Kincaid, Indíce FOG e FORCAST) de leiturabilidade, verificamos que os documentos analisados não se encontram adaptados à população-alvo, não sendo acessíveis à maioria da mesma, não conseguindo, assim, cumprir a sua missão de informar e prevenir a violência doméstica.

1

Licenciado em Trabalho Social pela pela UTAD; Pós-Graduado em Intervenção Social na Criminologia pelo ISPGaya; Assistente da Escola Superior de Desenvolvimento Social e Comunitário do ISPGaya; Colaborador do Departamento de Educação e Psicologia da UTAD 35


Violência Doméstica » Miguel Ângelo F. M. Valério

1. INTRODUÇÃO

tomar

A violência doméstica é um flagelo que não

violência

escolhe etnias, classes, idades, sexos e

preocupações surgiram com os movimentos

religião, daí ser considerada um problema

feministas da altura em prol da igualdade de

transversal que afecta toda a sociedade quer

direitos entre os sexos [Costa, 2000, cit. por

directamente quer indirectamente.

Vicente, 2001]. Em poucos anos, essas vítimas

Neste sentido, tem-se vindo ao longo dos anos

invisíveis de que se ignorava a existência

(embora em Portugal recentemente), a

saíram da sombra às centenas [Ferreira,

estudar a problemática de forma a poder

2005], sendo intolerável para as sociedades

combatê-la. Todavia, ainda não se conseguiu,

que se considerem democráticas e que se

embora

guiem pelos princípios de igualdade, liberdade

se

tenham

vindo

a

desenhar

medidas,

essencialmente,

contra

as

mulheres.

pela Estas

estratégias nesse sentido.

e autonomia aceitarem esta tipologia de

No entanto, a questão impõe-se: Será que as

comportamentos.

estratégias

È neste contexto, e devido ao facto de existir

se

encontram

adaptadas

e

adequadas à nossa realidade?

uma variedade de comportamentos violentos que existiu a necessidade de definir violência

2. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

doméstica,

o

que

pode

Apesar da violência doméstica sempre ter

considerado crime público.

ou

não

ser

existido, Matos (1998) defende que é um fenómeno que apenas recentemente ganhou

2.1 Definição de Violência Doméstica

visibilidade, tendo os estudos científicos no

Assim e para que os comportamentos

máximo, trinta anos de existência, sendo que

violentos

os primeiros estudos remontam aos anos

doméstica e consequentemente crime público

80/90 [Lisboa e Pais, cit. por Matos, 2000].

(Lei n.º7/2000 de 27 de Maio, que altera o

Desde os anos oitenta que vários países da

artigo 152 do Código Penal) é necessário que

Europa e da América do Norte têm vindo a

sejam exibidos por uma pessoa sobre outra

sejam

considerados

violência

36


Investigação e Debate (18) com a qual possui relações familiares ou

vítima de inferioridade, de incapaz e de

similares (pai/padrasto, tios, avós), com o

incompetente), de ameaças (como afiar uma

intuito de conseguir o controlo e domínio

faca) e insultos para intimidar e aterrorizar,

[Costa e Duarte, 2000]. Portanto, segundo

mantendo a vítima sob o seu controlo

Almeida *2002+ violência doméstica é “(…)

[Alarcão, 2002; Almeida, 2001]. A violência

qualquer acto, omissão ou conduta que serve

psicológica, segundo Alarcão [2002] e Almeida

para infringir sofrimentos físicos, sexuais,

[2001],

mentais, directa ou indirectamente (…)”.

menosprezantes que desvalorizam a mulher,

traduz-se

em

comportamentos

abarcando a privação da satisfação das 2.2 Tipos de Violência Doméstica

necessidades básicas (comer e dormir),

A violência doméstica pode ser exercida por

acusações de ter amantes, de ser uma

diversas formas que, em grande parte, estão

prostituta ou a destruição de objectos

interligadas, podendo ser divididas em seis

pessoais.

grupos:

Convém referir que, normalmente, estes tipos

física,

psíquica,

verbal,

sexual,

isolamento forçado e controlo económico.

de violência surgem interligados. As agressões

Segundo Alarcão [2002] e Almeida (2001) as

físicas, por exemplo, são frequentemente

agressões físicas, como o próprio nome indica,

acompanhadas ou precedidas de abuso verbal

correspondem

físicos

e/ou psicológico [Annan, 2002; Matos, 2002,

(bofetadas, pontapés, espancamentos, puxar

Associação Portuguesa de Apoio à Vítima,

o cabelo, apertar o pescoço). A agressão

2005]. A combinação destas formas acaba por

sexual corresponde [Alarcão, 2002; Almeida,

enredar a vítima de tal forma que, no

2001] a comportamentos sexuais que a vítima

entendimento de Antunes [2002], esta acaba

não

impostos,

por perder o controlo, autonomia e confiança

violentamente ou sob ameaça, constituindo a

em si, passando a culpabilizar-se, humilhar-se

violação. A agressão verbal/intimidação toma

e

deseja

a

e

que

maus-tratos

lhe

são

apresentando

baixa

auto-estima,

a forma de comentários depreciativos (acusa a

37


Violência Doméstica » Miguel Ângelo F. M. Valério

consequências da vitimação a que se encontra

legitimam a violência doméstica, tornando-se

exposta.

elos vulneráveis. É ainda de salientar que, neste tipo de

2.3 Definição da População-Alvo

comportamentos, a mulher, as crianças, as

Não existe um retrato-tipo das vítimas de

pessoas portadoras de deficiência e os idosos

violência doméstica. De acordo com o

são geralmente as vítimas preferenciais.

Ministério de Saúde [2003], nada pode

Segundo as estatísticas referentes ao ano de

predizer que uma pessoa se vá tornar uma

2005, a percentagem é superior a 80% (88%

vítima, apesar deste fenómeno ser mais vísivel

segundo a Associação Portuguesa de Apoio à

em classes populares. No entanto, são

Vítima [2006] e 81% nas regiões urbanas e

conhecidos alguns factores que tornam as

97% nas não urbanas [violência doméstica

vítimas mais propensas a ser vítimas deste

sobe 17% em 2005, 2006]), não tendo o

tipo de situações, como por exemplo o nível

número de homens vítimas uma acentuada

socioeconómico baixo, geralmente associado

visibilidade, havendo para isto, segundo

a um grau de escolaridade inferior e a uma

Alarcão [2002], diversas razões (culturais,

condição perante a actividade económica,

educacionais

como desempregada ou doméstica. Outros

processo de socialização). Em Portugal cerca

factores são a dependência e factores

de 6 mulheres são vítimas de crimes contra a

situacionais como a gravidez ou o desemprego

vida por semana, sendo a violência doméstica

[Ferreira, 2002]. A teoria baseada na família

a causadora do maior número de mortes de

[Ferreira, 2002] defende como factor de risco

mulheres entre os 16 e 44 anos [Comissão

o facto de existir violência na família de

para a Igualdade e Direitos da Mulher, 2001].

origem podendo existir uma reprodução de

Na violência doméstica a mulher é quase

comportamentos, assim como as crenças

sempre a vítima, o que se explica pela história

religiosas e os mitos culturais explicados pelas

das sociedades ocidentais. A mulher em

teorias sociais e culturais [Ferreira, 2002] que

Portugal [Pimentel, 2000] sempre teve um

e

decorrentes

do

próprio

38


Investigação e Debate (18) estatuto de submissão ao homem, primeiro à

estudado, ou seja não é um crime que afecte

autoridade do pai, depois à do marido. As

apenas os menos letrados.

agressões físicas, os castigos impostos pelo homem

à

mulher,

eram

vistos

com

3. LEITURABILIDADE

naturalidade [Almeida, 2001] e muitas vezes

A leiturabilidade (tradução do termo inglês

instigados, chegando a estar contemplados no

readability) tem como objectivo calcular o

Código Penal prevalente na época do Estado

número de anos de escolaridade necessários

Novo [Pimentel, 2000]. O interior do lar era

para que se compreenda na plenitude um

visto como um local privado, onde ninguém

documento escrito. Este cálculo é realizado

podia interferir, sendo o homem o senhor da

através de fórmulas onde se conjuga o tipo de

casa que impunha o controlo sobre aqueles

palavras, o número de frases e de parágrafos,

que viviam sob o mesmo tecto. A mulher vivia

etc. Esta técnica é relativamente nova em

para a família deixando de parte a escola para

Portugal tendo sido utilizada apenas numa

poder ajudar a mãe nos trabalhos domésticos

ocasião [Raposo, 2001; Valério, 2002].

e na educação dos irmãos. 3.1 Contextualização Histórica Tabela 1 – Vítimas de Violência Doméstica segundo a Escolaridade

Como anteriormente referimos [Valério, 2001] a leiturabilidade descreve a facilidade com que

um

documento

pode

ser

lido

e

compreendido. As fórmulas para esta técnica começaram a ser desenvolvidas nos Estados Fonte: APAV, 2006

Unidos da América, nos anos 20 do século

No entanto, verificamos na Tabela 1, que a

passado, apresentando-se sob a fórmula de

violência doméstica é um crime transversal no

equações matemáticas, que correlacionam os

que diz respeito à escolaridade das vítimas,

elementos quantificáveis da escrita.

não ultrapassando os 10% em cada escalão 39


Violência Doméstica » Miguel Ângelo F. M. Valério

O primeiro estudo sobre esta temática surgiu

permite verificar a complexidade das ideias ou

como uma resposta à procura dos professores

a ordenação lógica das mesmas, nem tem em

de ciências das escolas secundárias dos

conta aspectos intrínsecos do próprio leitor

Estados Unidos da América, de termos que

(como o interesse e a motivação, por

pudessem ser mais facilmente compreendidos

exemplo) [Meyer, 2003].

pelos alunos, do que os normalmente utilizados “termos técnicos” *Stephens, 2000+.

3.3 As Fórmulas

Estas fórmulas surgiram depois de

Ao realizarmos uma investigação sobre esta

vários anos de estudo dos autores das

temática, verificamos que são várias as

mesmas, e não são apenas, resultado de uma

fórmulas existentes para apurar o grau de

compilação de ideias de diversos autores.

leiturabilidade (Powers-Sumner-Kearl, Flesch

Uma das fórmulas mais usuais (Flesch-Kincaid)

Reading Ease, Bormuth, Coleman-Liau, Fry

foi resultado de anos de investigação que

Readability Graph, Rapid Estimate of Adult

culminou em tese de doutoramento [Flesch,

Literacy in Medicine (REALM), Dale-Chall,

s.d.; Flesch, 1974].

SMOG,

Flesh-Kincaid,

FOG

e

FORCAST

[Johnson, 1998; University of Virgínia, 2000; 3.2 Vantagens e Desvantagens

Meyer, 2003; Chall & Dale, 1995]), sendo que

A principal vantagem desta técnica, passa pela

neste trabalho apresentaremos as mais

possibilidade de permitir ao autor de um

utilizadas e que, por esse motivo, nos

determinado documento verificar se a sua

parecem ser as mais válidas.

escrita está demasiado densa para as pessoas que serão o alvo das mesmas, podendo através destas fórmulas verificar se os destinatários

destes

documentos

serão

3.3.1 Fórmula SMOG

capazes de os compreenderem na sua

A fórmula SMOG desenvolvida por Harold

plenitude. Apesar disso, esta técnica não

McGraw é referida como sendo umas das

40


Investigação e Debate (18) mais testadas e recomendadas, em especial

Para os propósitos desta fórmula, frase é

pela sua facilidade de aplicação e pela

definido como o conjunto de palavras

possibilidade de ser utilizada em documentos

pontuadas com um ponto final, um ponto de

curtos.

exclamação ou um ponto de interrogação,

Para calcular o grau de leiturabilidade através

sendo que as palavras hifenizadas são

desta

consideradas como apenas uma única palavra,

fórmula,

devemos

começar

por

seleccionar 30 (trinta) frases, (10 do início, 10

os

números

e

as

abreviaturas

são

do meio e 10 do fim), contabilizando

contabilizados como se estivessem escritos

posteriormente todas as palavras com 3 ou

por extenso.

mais sílabas, incluindo repetições, e o total de palavras.

Posteriormente,

verifica-se

a

3.3.2 Fórmula Flesch-Kincaid

correspondência deste valor com o expresso

Como já referimos, a fórmula Flesch-Kincaid,

na tabela de conversão SMOG I (Anexo A),

resultou de vários anos de pesquisa do autor

para se achar o grau de escolaridade

[Flesch, 1974], sendo a fórmula usada pelo

necessário.

Departamento de Defesa dos EUA [Johnson,

Quando analisamos textos com um número

1998; Meyer, 2003]. Neste caso, contabilizam-

de frases inferior a trinta, contabilizam-se

se o número de frases, palavras e sílabas do

todas as palavras com 3 ou mais sílabas do

documento escrito. De seguida, é calculado a

texto e o número total de frases, encontrando

média de sílabas por palavra (A) e a média de

o correspondente valor de conversão, na

palavras por frase (B). Posteriormente, aplica-

tabela de conversão SMOG II (Anexo B).

se a fórmula: (A x 11,8) + (B x 0,39) – 15,59. O

Posteriormente, multiplica-se o número total

valor calculado é o valor de leiturabilidade.

de palavras com 3 ou mais sílabas pelo valor encontrado na tabela de conversão SMOG II, e

3.3.3 Índice FOG

verifica-se a correspondência na Tabela de

O índice FOG foi desenvolvido por Gunning

conversão SMOG I.

em 1968 [Miles, 1990; Meyer, 2003] é, na

41


Violência Doméstica » Miguel Ângelo F. M. Valério

nossa opinião, a mais simples de todas as

um exemplo de 150 palavras e contabiliza-se o

utilizadas

de

número de palavras de apenas uma sílaba,

leiturabilidade, devido aos poucos cálculos

dividindo o valor anterior por 10, subtraindo

que

este valor a 20.

são

para

calcular

necessários

o

valor

realizar

para

encontrarmos o grau de leiturabilidade. Começando por se escolher conjuntos de 100

3.4 Estudos sobre Leiturabilidade

palavras (se possível 3 conjuntos), passa-se

Como já referimos, apenas existe em Portugal

posteriormente ao cálculo da média de

dois estudo nesta área [Raposo, 2001; Valério,

palavras por frase, dividindo o número total

2002]. O primeiro estudo, verifica o grau de

de palavras polissilábicas pelo total de

leiturabilidade nos folhetos de promoção da

palavras no texto e multiplicando-se por 100

saúde na área da alcoologia no concelho de

(de forma a obter a percentagem de palavras

Miranda do Douro, e os resultados apontam

com 3 ou mais sílabas), somar finalmente os

para um grau de leiturabilidade entre o 10º e

dois cálculos anteriores e multiplicando por

o 12 º Ano, ou seja, para que a população

0,4 para obter o grau de leiturabilidade.

compreenda o que está escrito nesses folhetos necessitam de ter, pelo menos, o 10º

3.3.4 Fórmula FORCAST

ano de escolaridade.

A fórmula FORCAST, inicialmente desenhada

No caso de Valério [2002] foram estudados

para verificar os manuais técnicos das Forças

folhetos informativos da Segurança Social,

Armadas Norte-Americanas é única fórmula

verificando que é necessária uma formação no

existente que não necessita de frases

âmbito do ensino superior, para tornar

completas, sendo por esse motivo bastante

possível a compreensão desses documentos.

utilizada na verificação de questões de

Estas conclusões são reforçadas, no mesmo

múltipla escolha.

estudo,

Para calcular o valor de leiturabilidade através

população do concelho de Miranda do Douro.

com

um

inquérito

aplicado

à

desta fórmula, selecciona-se aleatoriamente

42


Investigação e Debate (18) Internacionalmente,

a

testemunha de crime, enquanto que o

aplicação desta técnica no âmbito das

primeiro é mais específico sobre a violência

brochuras/folhetos de prevenção não é uma

doméstica, apresentando informações sobre

prática habitual, sendo usada essencialmente

procedimentos para denúncia, detecção e

para a verificação dos instrumentos de

acção em caso de estar presente o crime

estudos científicos [Gilbert, 1998; Mathis &

referido.

Tanner, 1999]. Curiosamente, todos os outros

Para a análise do grau de leiturabilidade,

estudos a que tivemos acesso (embora não

aplicamos a cada prospecto, as quatro

sendo nacionais e não aplicáveis directamente

fórmulas referidas (SMOG, FLESCH-KINCAID,

à violência doméstica) apontam, na sua maior

FOG

parte,

posteriormente a média de todas as fórmulas.

para

um

verificamos

grau

de

que

escolaridade

e

FORCAST),

encontrando

necessário, superior aquele que é a média de escolaridade dos locais onde o estufo foi realizado. *Short et al., 1995; D’Alessandro et al., 2001; Johnson, 1998; Miles, 1990].

5. APRESENTAÇÃO DOS DADOS Como podemos verificar no gráfico 1, o grau de leiturabilidade do documento 1 [Comissão para a Igualdade e para os Direitos

4. MÉTODO Tendo

das Mulheres, s.d.], é de 17 anos de

como

trabalhos,

escolaridade com a fórmula SMOG, 21 com a

grau

de

fórmula Flesch-Kincaid, 14 com o índice FOG e

leiturabilidade de dois documentos (folhetos)

21 com a fórmula Forcast. Estes valores

editados em Portugal no âmbito da violência

equivalem a uma média, do grau de

doméstica [Associação Portuguesa de Apoio à

leiturabilidade, de 18,3 anos de escolaridade.

procedemos

à

base

estes

avaliação

do

Vítima, s.d.; Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, s.d.].

Gráfico 1 - Valores Obtidos para o Doc 1

O segundo visa informar a população em geral sobre o que fazer em caso de vítima e/ou

43


Violência Doméstica » Miguel Ângelo F. M. Valério

25 20 15

21

21

Gráfico 3 - Valores Médios dos Documentos e Média Total

17 14

10 5

18,5 0 SMOG

FLESH-KINCAID

FORCAST

18,3

18

FOG

17,5 17,4

17 16,5 16,5 16

Através do gráfico 2 constatamos que, para o

15,5 Docume nto 1

Docume nto 2

M édia Total

documento 2 [Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, s.d.], e através da fórmula

6. DISCUSSÃO DOS DADOS

SMOG, o grau de leiturabilidade é de 15 anos.

Analisando os dados obtidos através da

Através da fórmula Flesch-Kincaid é de 19

aplicação das fórmulas de leiturabilidade,

anos, através do índice FOG de 14 e pela

verificamos que os mesmos surgem em

fórmula Forcast de 18, o que resulta numa

consonância com os estudos apresentados e

média de 17,4.

realizados quer em Portugal quer a nível internacional (embora realizados num âmbito que não a violência doméstica) sugerindo a

Gráfico 2 - Valores Obtidos para o Doc 2 20 18 16 14 12

19 15

necessidade de uma formação que a maior

18 14

10 8 6 4

parte dos destinatários não possui.

2 0 SMOG

FLESH-KINCAID

FORCAST

FOG

Quer o documento 1 [Comissão para a Como referimos e como podemos verificar através do gráfico 3, o documento 1 apresenta um grau de leiturabilidade de 18,3, enquanto que o documento 2 apresenta um valor de 16,5.

Conjugando

todos

estes

dados

verificamos que o valor médio total de leiturabilidade

dos

analisados, é de 17,4.

dois

documentos

Igualdade e para os Direitos das Mulheres, s.d.] que apresenta um grau de leiturabilidade superior

a

18,

quer

o

documento

2

[Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, s.d.], que apresenta um grau de 16,5 (apresentando

conjuntamente

um

valor

médio superior a 17) são incompreensíveis para a maioria da população portuguesa.

44


Investigação e Debate (18) Verificamos que o grau de escolaridade das

uma linguagem acessível a maior parte

vítimas de violência doméstica é, de certa

possível da população, não devendo os

forma, transversal. Neste sentido, e mesmo

mesmos estarem repletos de linguagem

que os valores apresentados para a categoria

técnica, muitas vezes apenas acessível a

de

100%)

profissionais da área concreta em que estes

completa,

documentos são realizados. É necessário que

concluímos que as informações fornecidas

quem elabora os documentos compreenda

com estes documentos não chegam (na sua

que os destinatários dos mesmos, não são os

plenitude) a uma maior parte do grupo alvo.

técnicos, mas pessoas que não conhecem a

Fazendo um exercício de extrapolação destes

terminologia específica da área.

resultados, encarando a população-alvo dos

Verificamos ainda que, e enquanto esta

documentos como a população total residente

situação se mantiver, existe a necessidade de

em Portugal (e não apenas as vítimas de

um acompanhamento directo e personalizado

violência

dos indivíduos, para que esta informação

Ensino

Superior

(7,4%

uma

formação

significassem

doméstica),

em

verificamos

que,

também aqui, a necessidade informativa da

chegue onde pretende chegar.

maior parte da população não é atingida, visto

Para que isso possa acontecer, sugerimos

que

(como

uma

grande

parte

da

população

também

fizemos

anteriormente

portuguesa não possui uma escolaridade que

[Valério, 2001]) que exista a este nível uma

lhes permita compreender os documentos

descentralização

apresentados.

documentos de forma a torná-los compatíveis

na

elaboração

destes

com as especificidades regionais e locais das 7. CONCLUSÕES

populações que pretendem atingir. Aliás, e

Estes dados sugerem-nos, no âmbito de uma

tendo em conta os dados e estudos

aplicabilidade

apresentados,

necessidade

prática de

deste

refazer

os

estudo,

a

consideramos

que

este

materiais

problema não surge apenas nesta temática,

existentes, para que os mesmos apresentem

sendo possível de o transpor para muitas

45


Violência Doméstica » Miguel Ângelo F. M. Valério

outras

situações,

escolaridade

da

tendo

em

população

conta

a

outras área, embora acreditemos que os

portuguesa.

resultados não sejam muito diferentes dos

Sugerimos assim que outros estudos sejam

que aqui foram apresentados.

realizados, e que apliquem esta técnica a

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RECENSÕES Livro: Em Nome do Sujeito- Serviço Social: uma Profissão de ajuda na Encruzilhada de uma Nova Era Autor: Joaquim Paulo Silva Editor: Edições Macalfa (Porto-Portugal) Ano: 2008 “…O Serviço Social não pode resignar-se a ser simples espectador e aguardar pelo final do jogo. É este o projecto deste livro: colocar o Serviço Social no centro do jogo; colocá-lo no centro do debate sobre um novo paradigma em torno das teorias e práticas, tendo por trama as mudanças sociais e do conhecimento, em particular do conhecimento científico.” in Em Nome do Sujeito de Joaquim Paulo Silva

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