N. 2 ABRIL/2020 Entrevista com Max Brix Elisabeth Por Ilda Januário - 18 de Janeiro, 2005
A PROBLEMÁTICA DA RECUPERAÇÃO DO PATRIMÓNIO MARIENSE
O projecto de recuperação de Santa Maria terá que ser feita de uma forma integrada. Tem uma área pequena 97 km2 e uma população de cerca de 6.000 habitantes, contando já com os flutuantes, de maneira que com um pouco de boa vontade seria fácil de criar um projecto de recuperação integrada de toda a ilha. Existiam duas vertentes completamente distintas, uma é do aeroporto porque que é um marco dos últimos 50 a 60 anos. Um bocado devido ao aeroporto, o mundo rural desertou. As pessoas emigraram, abandonaram as suas casas, as suas terras, e os que ficaram não são capazes de dar vazão a tudo. Temos cerca de 200 a 300 casas que estão desabitadas, algumas estão já em ruínas, segundo um apontamento que fizemos há uma década atrás. O património social, nomeadamente os moinhos de água e os moinhos de vento, estão abandonados, estão degradados. Muito antes do aeroporto era essa a verdadeira alma do povo mariense durante séculos, e há que recuperar a alma mariense para pessoas que vivem numa ilha, numa comunidade, e que, ao fim e ao cabo, aquelas duas décadas de aeroporto não foi mais do que isso, uma parcela muito pequena na história da ilha. Há um passado mais importante que importa recuperar na sua vertente espiritual e foi a força e a alma da ilha durante séculos. Criaram-se coisas belíssimas, basta ver as encostas das nossas baías, nomeadamente S. Lourenço e Maia, aqueles vinhedos, feitos antes da tecnologia, feitos à base da imaginação e da força humana. Portanto o marco do aeroporto é importante, eu nasci nessa era, vivi e senti a loucura dos anos 50-60 que se viveram em Santa Maria, mas que desvirtuou também a alma mariense. As pessoas agarraram-se ao mundo do consumismo e do abandono do que era tradicional, mas essas coisas têm os seus altos e baixos e neste momento vivemos uma época de retorno. Estas gerações mais novas sentem o prazer do que foi o antigo e tradicional, dalguma mensagem que ficou de algum avô ainda vivo ou bisavô que morreu e que deixou um legado na freguesia, lá está o arado,
Ilda Januário entrevista Max Brix Elisabeth no átrio do hotel, em 2005. lá está o carro de bois e os utensílios e tudo aquilo que foi a memória viva do povo mariense. Há que recuperar isto a todo o custo e há gente que está sensibilizada e reconhece que é essa a via. Só que por vezes, pôr as coisas em prática não é fácil. É preciso dar tempo ao tempo mas, em simultâneo, tem que se fazer o trabalho de base, trabalho de escrita, documental, que tem que ser feito para se poder avançar para as devidas individualidades que têm a responsabilidade de apoiar esse tipo de proteccionismo. O aeroporto Quanto ao aeroporto, temos duas instituições distintas – a NAV (Navegação Aérea de Portugal) e a ANA (Aeroportos de Portugal). A ANA é que faz a gestão aeroportuária. A NAV faz o controlo da Região de Informação de Vôo. A NAV tem o seu bairro que criou, tem os seus funcionários, a ANA tem um outro património habitacional onde estão instalados os funcionários da ANA. Mas é bom que se entenda que a ANA é uma empresa que gere os aeroportos e de todos que a ANA administra, o único que tem um património habitacional e estradas e esgotos, é o de
Santa Maria. Foi o único transmitido à ANA empresa, pela instituição do estado que era a Direcção Geral da Aeronáutica Civil. Portanto eu tenho a certeza quase absoluta que a empresa ANA está inquieta para deixar aquilo, não é uma empresa vocacionada para fazer reparação de estradas, saneamento de base; a missão da empresa é explorar os aspectos aéreos. Quanto ao aeroporto, é preciso haver um investimento para a conservação porque tudo aquilo era de madeira, o ginásio apodreceu e caiu, são coisas que poderiam, se calhar, durar uma vida, se houvesse um investimento de conservação. Portanto hoje em dia, a conservação é tão cara que a mentalidade é fazer novo: “fazemos em pedra e cal e dura uma eternidade”. São as contas que se fazem hoje em dia. A estrutura por fora já está toda alterada, tem novos equipamentos, tem que se instalar hardware, ares condicionados, a madeira já não aguenta essas estruturas e vai sendo gradualmente substituída por blocos. Estavam a tirar as ombreiras em madeira nos corredores da terminal por outros materiais, as portas não são as mesmas, eram giríssimas aquelas portas antigas,
estão a ser substituídas por portas electrónicas, com guarda-ventos, etc., mas isso é uma exigência dos tempos em que vivemos. De vez em quando vem alguém da equipa técnica lá da empresa, chegam cá, tiram umas fotografias, desenham, chegam lá [a Lisboa], mandam os projectos para cá: “executem. Agora há verba para fazer esta fase, façam...”. O tecto do terminal, que vai desde a torre até ao restaurante, uma vez espreitei para lá, aquilo é um emaranhado de fios, precisa de ter um sistema antifogo no caso de aquilo aquecer muito e incendiar. Agora a antiga torre de controlo, poderá muito bem haver uma conservação, e até fica giro as duas, em contraste; agora isso tem que partir da autarquia, o aeroporto faz parte da nossa história, a ANA, como empresa, não vai reduzir quatro postos de trabalho, por exemplo, para poder investir na conservação A zona no aeroporto teve um período recente bastante mau, com as casas desabitadas que foram caindo, os ratos foram tomando conta daquilo. Fizeram uma desratização, eram as pás das máquinas cheias de ratazanas, uma coisa impressionante, e o rapaz que trabalhava nisso disse: “fechei-me aqui dentro!”. Mas era cada bisarma! Fizeram uma desratização, os ratos debandaram e as pessoas das redondezas tiveram que fazer uma campanha desratização de lá para cá. Conseguiram controlar. Mas ainda tem algumas casas dessas que são recuperáveis. Por exemplo, o Asas do Atlântico, que era a antiga messe dos oficiais no período dos jovens controladores, era um clube restrito, também está a cair e não é por falta de cuidado. É que as coisas já não aguentam. Houve uma parte que já substituíram, a parte do salão tem um emissor e o salão de baile está em pedra e cal e agora estão a fazer mais duas faixas também a substituir a madeira. Mantém-se o mesmo aspecto. Aquilo, quando pertencia à Direcção Geral, não havia problema porque tinha os mestres das oficinas, carpinteiros; desde que passou para a ANA é que... porque já só pintavam de seis em seis anos, a coisa acabou por sofrer danos irreparáveis,
NOTA INTRODUTÓRIA Dando seguimento a esta colaboração entre o Jornal O Baluarte e a LPAZ – Associação para a Valorização e Promoção do Aeroporto de Santa Maria, apresentamos a segunda edição do Suplemento LPAZ, onde tentamos olhar em perspetiva o património histórico, cultural e operacional desta ilha-porto. Para tal, apresentamos uma entrevista inédita, realizada em 2005, por Ilda Januário, ao nosso saudoso Max Brix Elisabeth, bem como a atualização do conjunto de gráficos-estatísticas referentes à aviação nos Açores, cuja publicação iniciámos com a Revista LPAZ (disponíveis em https://issuu.com/ associacaolpaz). A entrevista a Max Brix Elisabeth foi realizada aquando da sua deslocação ao Canadá para participar num dos encontros de A Diáspora, em Toronto. Ilda Januário, filha de um dos pioneiros controladores de tráfego aéreos portugueses em Santa Maria, entretanto emigrado no Canadá, tem pugnado, junto com Humberta Araújo, pela recuperação do património e da memória do Aeroporto de Santa Maria junto da diáspora portuguesa. Nesta entrevista, Max faz um ponto de situação à data, dando-nos agora a oportunidade de refletir sobre o sonhado e o entretanto atingido, não só no que toca ao património aeronáutico da ilha, mas também à sua herança ancestral. As Estatísticas LPAZ, que vimos coligindo com base apenas nos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), apresenta a evolução do tráfego aéreo nos aeroportos açorianos, desde 1999 até 2018, tendo em conta a última publicação anual, efetuada em Outubro de 2019. Por forma a mantermos o formato e a distância amiga da análise serena, não apresentamos os dados referentes a 2019 (pois teríamos de recorrer a outras fontes com critérios diversos), nem mesmo os dados já conhecidos em relação a 2020, onde os efeitos da atual pandemia de covid-19 afeta severamente o sector aeronáutico. Da análise das estatísticas e com a ajuda de Max Brix Elisabeth, percebemos que a resiliência mariense ultrapassará as fases que tenhamos de viver, possamos acreditar no valor ancestral que esta ilha-porto carrega no apoio às comunidades em que se insere.
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madeiras que apodrecem e que fazem parte da estrutura principal. É preciso conciliar e ter o bom senso de preservar e deixar uma imagem viva ainda daquilo que foram os anos 40-50-60 e dar continuidade de uma forma moderna mas racional. A zona museu do aeroporto incluiria alguns modelos de casa de lata que ainda existem com uma parte de recuperação de equipamentos que faziam parte dos telétipos, da meteorologia, de equipamentos de rádio, tudo isso havia quase em duplicado; sei que uma parte dela já está em Lisboa, no Museu da ANA, outra parte ainda está em Santa Maria. O actual director do aeroporto, o José Manuel Anjeja, recuperou uma certa maquinaria que havia de cilindros, máquina de asfaltagem, arranjou-as, embelezou-as e estão colocadas numa zona do aeroporto onde as pessoas estão a passar e podem ver. Está junto à piscina do aeroporto. Tem a zona habitacional, depois tem a zona clube ANA, o pavilhão gimno-desportivo, a central eléctrica, a igreja, tudo naquela zona, está lá inserida essa exposição de equipamentos antigos. É uma pequena amostra daquilo de poderá vir a ser feito. O processo Tem sentido que se faça uma parceria entre a ANA, a NAV (também neste caso, porque não) o governo da república, o governo da região e a autarquia, de forma a que tudo aquilo transite para a autarquia. Existem programas comunitários que vêm de encontro àquilo que são as nossas ideias a implementar, nomeadamente a área ambiental na protecção do património paisagístico, existem uma série de programas, apoios comunitários, que vão de 2007 a 2013, estamos na hora certa de avançar com as propostas de candidatura. Quem deverá dar seguimento a este trabalho tem que ser a autarquia, são os parceiros sociais que estão mais sensibilizados para esse tipo de trabalho. A dois anos do início, é a altura de começar a preparar as candidaturas. Há uma série de coisas que podem começar a ser feitas durante os próximos quatro ou cinco meses.
Max dirige-se à audiência do encontro da “Adiaspora.com” de 2005. O faialense José Ferreira, criador e organizador destes encontros (2001-2011), à esquerda. Não será um processo tão moroso assim. Em Outubro vamos ter eleições para as câmaras municipais e, se o trabalho se começar a fazer já, quando viesse a nova presidência de câmara, se avançar com um projecto dessa natureza. Estamos em muito boa altura para trabalhar e pôr as coisas no terreno. Compete depois ao governo da república, (nomeadamente o ministério das finanças que tem a tutela de toda aquela área) passar aquilo para o governo regional e este ceder à autarquia. A autarquia deveria já estar a trabalhar nisso para, no início da nova candidatura, avançar com o processo de urbanização de toda aquela área, ceder o projecto a um gabinete de arquitectos e de urbanistas, fazer um estudo e planeamento da recuperação daquela zona e, naturalmente, incluir lá a zona museu do
aeroporto. Eu acho que o que temos
que começar por evidenciar é a necessidade do desen-
volvimento do património integrado da ilha. Nós temos jovens quadros, por exemplo, na área do ambiente, temos engenheiros, e que querem pôr as coisas no terreno, deixar o blá-blá. Está-se a criar, nos últimos três ou quatro meses, um núcleo [de cinco pessoas] que envolve várias sensibilidades: a área económica, a área social, a área ambiental; temos que organizar um trabalho que nos permita, quando houver eleições autárquicas: “Olhem, há aqui um grupo de cidadãos que têm uma proposta concreta que estamos a compilar”. Naturalmente isso envolve o projecto de urbanização da área do aeroporto e o turismo: pode ir à igreja, à piscina, aos jornais, ao cartório, fazer exercício; pode ir dar uns tiros aos pratos no Asas, quem quiser, ali na área, tudo ali naquela zona; pode ir até aos emissores. Quer vir para a vila, são três ou quatro quilómetros, é uma zona óptima para se investir no turismo. Mas, para fazer o desenvolvimento económico, é preciso fazer as coisas de uma forma integrada. Fizeram-se hotéis, sim senhor, mas a maior parte do tempo os hotéis estão vazios, estão sempre com a corda ao pescoço para aguentar os funcionários. Não é que sejam hotéis a mais, são 354 camas, quando há avaria de avião, temos alojamento para toda aquela gente. Já não é preciso dormir na terminal
como antigamente. Temos agora um voo directo todas as semanas para Lisboa, todas as quintas feiras, Lisboa-Santa Maria e vice-versa. Nunca seremos uma ilha de turismo de massas, é muito pequena, mas se circularem 300 a 400 pessoas de cada vez, estaríamos bem. E agora vem o projecto da marina, vão fazer uma pequena marina no porto, vai estar pronta agora em março. O turismo é uma indústria de pessoas. É preciso ter formação na restauração, nos hotéis, que se saiba fazer o serviço como deve de ser... Mas acho que a ajuda vinda daqui, do Canadá, é muito importante. Para ajudar a chamar a atenção porque há muita gente de lá que está desatenta quando nós falamos. Mas se vier uma vozinha de fora... A petição haveria que a mandar para a Assembleia também. Em meados de Fevereiro vamos fazer o ponto da situação e depois já te posso dizer mais alguma coisa. Depois posso-te mandar o relatório daquilo. Planos pessoais Talvez concorra ao nível autárquico. Quando o meu filho acabar o curso de fotografia toma conta do estabelecimento, e eu já posso fazer outra coisa, para quem, como eu, gosta de estar activo. A minha mulher diz: “só te metes em coisas que não dão dinheiro (riso)”.
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