Soluções de Problemas e a Matemática Escolar

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Apresentação A discussão acerca das relações entre o ensino e a aprendizagem tem tido desdobramentos importantes em psicologia, tanto em termos de debate teórico quanto no que diz respeito à realização de pesquisas empíricas que subsidiam tal debate. O enfrentamento da pesquisa empírica implica necessariamente um esforço de especificação de variáveis representativas dos diversos estudos, acompanhada da proposição de ferramentas metodológicas adequadas. O presente livro, composto em sua quase totalidade por trabalhos desenvolvidos por integrantes do grupo de pesquisa em Psicologia da Educação Matemática da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), propõe-se a confrontar alguns estudos que enveredam nesta direção, tendo como tema central a solução de problemas e a Matemática escolar. Muitos dos resultados de pesquisa aqui apresentados fazem parte dos trabalhos discutidos no X Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da ANPEPP, realizado no Centro de Turismo de Praia Formosa (SESC), em Aracruz, no Estado do Espírito Santo, na semana de 24 a 28 de Maio de 2004. Inicialmente, o grupo de pesquisa em Psicologia da Educação Matemática fazia parte do grupo de Psicologia Educacional da ANPEPP, do qual se desvinculou em 1994. A primeira reunião da qual o grupo participou com a nova configuração foi o VI Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da ANPEPP, realizado em Petrópolis, RJ em 1996. Desde então, tem desenvolvido várias atividades e participado de todas as reuniões, sendo composto por professores de várias IES do Brasil. O grupo de pesquisa em Psicologia da Educação Matemática foi formado a partir do interesse comum em estudar, do ponto de vista das teorias cognitivas, o desenvolvimento do pensamento matemático, a aquisição e retenção do conhecimento matemático, as relações entre a Matemática, as demais disciplinas e a escolha profissional, além de aspectos


relacionados ao ensino dessa disciplina, particularmente em relação à afetividade e à motivação de estudantes e professores. A solução de problemas é um tópico presente na Matemática Escolar e passou a fazer parte do discurso e das pesquisas em Educação Matemática a partir da publicação de estudos que ilustravam as aquisições em Aritmética e Álgebra. Embora alguns pesquisadores da área de Educação Matemática, pouco familiarizados com as áreas de aprendizagem e desenvolvimento, áreas estas que são partes integrantes da Psicologia Educacional, considerem que a solução de problemas é um tópico “fora de moda”, não é isso que tem sido observado por meio da revisão cuidadosa da literatura. Em adição, tomando como exemplo os resultados dos exames nacionais comparativos de desempenho entre diferentes países, vamos constatar que existe um baixo desempenho em Matemática, mesmo quando se avalia o conhecimento e o domínio de conteúdos elementares como medidas, geometria, problemas aritméticos verbais, organização de dados etc. Além disso, a solução de problemas tem sido apontada como o domínio que apresenta dificuldades para os estudantes com diferentes graus de habilidades e de todas as idades e níveis. Assim, os estudos sobre solução de problemas são de grande relevância, principalmente nos dias de hoje, em que a escola faz parte de uma sociedade tecnologicamente avançada que tem, dentre seus objetivos, preparar cidadãos para serem bons pensadores e bons solucionadores de problemas, problemas estes presentes tanto nas situações do cotidiano quanto nas situações de trabalho. Dentro dessa ideia, este livro busca ilustrar diferentes modos de se abordar situações que envolvem a solução de problemas, tentando ilustrar para professores, professores em formação, pesquisadores e estudantes a importância da construção significativa do conhecimento de alguns tópicos da Matemática Escolar. Os textos que compõem o presente volume não se prendem apenas e especificamente à solução de problemas no seu sentido estrito. Abordam também situações planejadas de leitura e escrita de números e de solução de problemas que envolvem tal conceito e os princípios subjacentes, além da adição, divisão, problemas de igualar e desigualar grandezas, resolver problemas usando a estatística e o computador como ferramenta e tendo como sujeitos tanto estudantes das séries iniciais como professores e futuros professores, trabalhando individualmente, em duplas e tríades, com sujeitos com diferentes graus de facilidade/dificuldade para solucionar problemas. O


livro tenta cobrir tanto aspectos teóricos quanto algumas pesquisas que estão subjacentes a cada um dos temas tratados, sem contudo pretender esgotá-los. O primeiro capítulo do livro de autoria de Márcia Regina Ferreira de Brito, do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), trata de alguns aspectos teóricos e conceituais da solução de problemas matemáticos. Mostra como a Matemática, que está estritamente ligada às representações e abstrações que caracterizam as aquisições e o conhecimento matemático, é uma área que está vinculada com a solução de problemas e o desenvolvimento de procedimentos de solução. O texto trata de alguns aspectos da solução de problemas a partir da abordagem cognitiva de solução de problemas, centrada na teoria do processamento de informações, incluindo principalmente as contribuições de Robert Gagné, Vadim A. Krutetskii, Robert J. Sternberg e Richard E. Mayer. Inicia mostrando, de um ponto de vista da história da Psicologia e da solução de problemas, como as etapas pelas quais passa o pensamento durante a solução de problemas foram sendo ampliadas e melhor explicitadas. Por meio de exemplos extraídos de protocolos de pesquisas realizadas com estudantes de diferentes graus de ensino, ilustra o que os alunos entendem por solução de problemas e como buscam as diferentes possibilidades de solução. Mostra também como um problema é reconhecido como tal e as etapas pelas quais passa o pensamento na busca da solução além das relações entre as habilidades matemáticas e a solução de problemas. O texto de Nadja Maria Acioly-Régnier, do Instituto de Formação de Professores da Universidade de Lyon, França, cujo título é “Quando o pesquisador-psicólogo estuda competências matemáticas: Análise de aspectos conceituais e da dimensão sociocultural dos conceitos”, trata das representações dos conceitos matemáticos e mostra que o uso deles em situações extraescolares acarreta uma série de dificuldades específicas para o psicólogo, pois este, muitas vezes, possui uma representação da Matemática que não é coincidente nem com aquela do matemático, nem com a representação formada pelos sujeitos com os quais trabalha em atividades de pesquisa ou em sala de aula. A autora afirma que o psicólogo-pesquisador precisa considerar a representação que os sujeitos fazem dos conceitos para poder compreender os procedimentos que estes empregam na solução de problemas. Para a autora, a identificação dos conceitos desenvolvidos fora da escola é essencial para a comunicação científica, pois a tradução desses conhecimentos e a explicitação, por parte


do pesquisador, de sua própria compreensão do conceito estudado permitem a ele situar o seu discurso dentro do conjunto de perspectivas possíveis no domínio da pesquisa na formação de conceitos e na solução de problemas que exigem esses conceitos. “O sentido de número e sua importância na Educação Matemática”, escrito por Alina Galvão Spinillo, do curso de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), discute, do ponto de vista teórico, por meio de exemplos, o que significa “ser numeralizado”. Com base nos trabalhos desenvolvidos por Peter Bryant e Terezinha Nunes, a autora define esse conceito, além de apresentar uma breve revisão da literatura relacionada. É apresentado também o conceito de senso numérico, acompanhado de exemplos extraídos de protocolos de sujeitos participantes de uma pesquisa desenvolvida pela autora, cujo objetivo foi contribuir para uma maior compreensão conceitual acerca desse tópico e para a criação de alternativas educacionais que possibilitem o desenvolvimento dos componentes das habilidades matemáticas, particularmente aquelas mais relacionadas com o conceito de número e as maneiras pelas quais as crianças adquirem esses conceitos. Finaliza o texto apresentando algumas sugestões para o ensino de número nas séries iniciais. Leny Rodrigues Martins Teixeira, da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) do Mato Grosso do Sul, trata da aprendizagem de um conceito matemático por meio da análise dos procedimentos utilizados por crianças com dificuldade para interpretação da numeração escrita, por intermédio da comparação do desempenho de alunos com facilidade com os procedimentos e desempenho daqueles que apresentam algum grau de dificuldade em matemática. O estudo foi elaborado com o objetivo de identificar e analisar os procedimentos usados por alunos de 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental, com facilidade e dificuldade em Matemática, ao interpretarem situações de leitura e escrita de números. Foram entrevistados quarenta alunos a respeito de tarefas sobre composição e decomposição de números, relação entre agrupamento de unidades e valor posicional dos números, algoritmo da adição e domínio do código numérico. A autora verificou que os dois grupos utilizaram procedimentos adequados para comparar números, mesmo sem conhecer o princípio multiplicativo que embasa o sistema de numeração escrita. Já os alunos com dificuldades usaram com mais frequência procedimentos convencionais e inconstantes, embora esse tipo de abordagem do problema não fosse exclusivo desse grupo.


Maria Lucia Faria Moro e Maria Tereza Carneiro Soares, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR), trataram da aprendizagem da adição-subtração no texto “Aprendizagem de estruturas aditivas elementares”, que descreve os resultados interligados da aprendizagem construtivista da adição-subtração de alunos de 1ª e de 2ª série do ensino fundamental público, agrupados em tríades. Trata também dos níveis de integração, nas atividades de pesquisa de duas professoras da escola, que atuaram como professoras-pesquisadoras. As proposições de Gerard Vergnaud sobre a conceitualização humana e as de Jean Piaget sobre a tomada de consciência na construção cognitiva são as referências principais. As tarefas, aplicadas em duas sessões, foram problemas de igualar e desigualar grandezas, com momentos alternados de execução prática e de notação interpretada do executado. A análise qualitativa microgenética dos dados videografados resultou em: a) tipos hierarquizáveis de estratégias infantis, práticas e notacionais; b) níveis da tomada de consciência das relações aritméticas elaboradas durante as tarefas; c) natureza e nível de integração das professoras na pesquisa, com sinais de transformação nas formas de tratar diferentes aspectos de sua docência. Além do significado das transformações cognitivas das crianças e das professoras, a discussão privilegia, na formação de professores: a necessidade de análise interligada dos resultados do aprender dos alunos com as formas de ensinar um conteúdo, algo favorecido em situações de participação de pesquisas; o significado da tomada de consciência, pelo professor, dos resultados do seu fazer pedagógico para progressão de seus conhecimentos profissionais. Na continuação, Fernanda de Oliveira Soares Taxa-Amaro, do Departamento de Educação da Universidade Estadual Paulista (UNESP-Bauru), desenvolveu o tema “Estrutura multiplicativa e estratégias de solução de problemas com operações combinatórias”. Inicia o texto afirmando que a solução de problemas aritméticos, no Ensino Fundamental, tem sido considerada uma tarefa escolar importante na prática pedagógica dos professores. As crianças constroem o conhecimento matemático gradualmente, seja valendo-se das atividades escolares que realiza, seja por meio da experiência cotidiana vivida fora do contexto escolar. Aponta que o pensamento proporcional, um eixo importante sobre o desenvolvimento dos conceitos que envolvem a multiplicação, somente é plenamente dominado pela maioria das crianças, por volta dos 10-11 anos, embora crianças mais novas já apresentem algumas das ideias multiplicativas desde muito cedo.


Pesquisas realizadas acerca de problemas de combinatória têm demonstrado que, mesmo crianças muito novas, ao serem submetidas a um processo de aprendizagem, têm avançado em suas concepções ainda que, pela ótica do professor, problemas de produto cartesiano sejam considerados conteúdos matemáticos mais elaborados. Este trabalho teve como objetivo classificar os estágios em que se encontram alunos de 3ª série do Ensino Fundamental quanto à avaliação do desenvolvimento cognitivo nas operações combinatórias, correlacionando-os com o desempenho e estratégias na solução de problemas de lápis e papel de produto cartesiano. Jane Correa, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), redigiu o texto a respeito da compreensão intuitiva do conceito de divisão por cotas na solução de problemas que envolvem esse conceito. Buscou investigar o entendimento intuitivo de crianças entre 5 e 7 anos a respeito da divisão por cotas de quantidades contínuas por meio da habilidade em julgar a relação de covariação inversa entre divisor e quociente em tarefas nas quais deveriam estimar o valor relativo dos quocientes. Apesar das mudanças em relação à habilidade da criança em raciocinar sobre as relações entre as quantidades envolvidas na divisão por cotas de quantidades contínuas nessas idades, o entendimento da relação inversa entre divisores e quocientes no contexto das tarefas apresentadas causa dificuldade mesmo para as crianças de 7 anos. A autora discute os resultados obtidos por meio do estudo com as evidências empíricas disponíveis na literatura e, a partir dessa comparação, buscou delinear um quadro teórico relativo à aquisição inicial do conceito de divisão pela habilidade das crianças em estabelecer comparações e fazer julgamentos relativos de quantidades. Adelmo C. da Silva, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), e Rogéria G. do Rego, do Departamento de Matemática da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), elaboraram o texto referente à Matemática e Literatura Infantil, apresentando um estudo com três sujeitos da 2ª série do Ensino Fundamental, de uma escola da Rede Municipal de João Pessoa na Paraíba. Como citado no texto, o objetivo principal foi analisar a possibilidade de construção significativa do conceito de multiplicação, tendo por base a Literatura Infantil, em uma sala de aula. Os autores apresentam ideias sobre a formação do conceito de multiplicação em estudantes, baseados na teoria sociohistórica de Vygotsky. Descrevem também a relação existente entre o sujeito e o meio social, a importância da linguagem como ferramenta do pensamento, o papel do outro e da cultura no desenvolvimento da criança e o processo de formação de conceitos, que


são essenciais para a solução de problemas. A partir da leitura de alguns autores que enfocaram temas semelhantes, os autores procuraram ampliar a compreensão acerca do processo ensino-aprendizagem de multiplicação, do ensino de matemática nas séries iniciais, do papel da leitura literária na formação do sujeito e da importância da literatura infantil para o ensino de matemática. O texto “Contribuições da Educação Estatística para a Educação Matemática”, de Claudette Maria Medeiros Vendramini, da Universidade São Francisco (USF), discute as diferenças entre Educação Estatística e Educação Matemática e as contribuições da Psicologia Educacional para essas duas áreas de conhecimento. Trata, também, das contribuições da Educação Estatística para a Educação Matemática, ressaltando a importância da compreensão e desenvolvimento dos raciocínios matemático e estatístico dos estudantes ao desenvolver problemas estatísticos, do desenvolvimento de atitudes positivas em relação à Estatística e à Matemática e de outras ações que possam contribuir para a aprendizagem e a utilização da Estatística no ensino e na aprendizagem da Matemática. Sandra da Silva Santos e Sandra Maria Pinto Magina, do Mestrado em Educação Matemática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), apresentam um texto relativo a um estudo de caso que envolve a manipulação e interpretação gráfica, a partir da visão de uma professora de série inicial do Ensino Fundamental. Com base em atividades desenvolvidas em encontros individuais e durante uma série de oficinas de formação, realizadas em uma escola pública, foi desenvolvido o tema relativo à manipulação e representação de dados em ambiente computacional. Os dados trabalhados no texto referem-se ao uso de conceitos elementares de Estatística, necessários à solução de um problema específico, apresentado como uma questão pontual. Apresentam ainda a análise das estratégias de manipulação dos dados, por parte da professora. Os resultados da análise indicam que a professora em questão apresentava uma preferência para ler os gráficos como se fossem tabelas simplificadas (tabelas de frequência), evitando assim a representação icônica. Embora tabelas de frequência, muitas vezes, proporcionem um meio eficaz para análise dos dados, há momentos em que só as tabelas não são suficientes, fazendo-se necessário o uso da representação gráfica. Essa rejeição pelo modo gráfico revela também a pouca familiaridade da professora com a tecnologia disponível, indicando a necessidade de maior contato dos professores em exercício com os recursos didáticos disponíveis.


Assim, apresentando temas pertinentes à Matemática Escolar, centrados na solução de problemas e nos conceitos, princípios e procedimentos necessários à solução, este volume tenta mostrar as relações e aproximações entre as pesquisas desenvolvidas por um grupo de professores interessados em aprofundar o conhecimento sobre a Psicologia da Educação Matemática e os professores e estudantes de pós-graduação. Ao decidirmos sobre a constituição deste livro, no X Simpósio da ANPEPP, estabelecemos que não deveríamos tentar cobrir toda a área, mas sim fornecer uma visão das inúmeras possibilidades de trabalho que se descortinam para o pesquisador interessado em conhecer efetivamente a escola e um pouco das ideias matemáticas dos estudantes que nela transitam. Com os nossos agradecimentos pela colaboração, é a esses estudantes e professores, de diferentes instituições escolares, de diversos níveis e de lugares tão distantes uns dos outros, que este livro é dedicado.

A organizadora


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