APRESENTAÇÃO Corria o ano de 1992 e eu tinha em mãos uma coletânea de textos sobre qualidade de vida na velhice, recém-produzida pelo grupo de pesquisa sobre Psicologia do Envelhecimento que eu havia fundado na Unicamp no ano anterior1. Fui fazer uma visita ao saudoso Milton Cornacchia, então proprietário da editora Papirus, de Campinas, para saber se ele se interessava em publicá-lo. Fui preocupada, pois dois anos antes ele não aceitara editar minha tese de Livre Docência, uma investigação sobre atitudes em relação à velhice em brasileiros não idosos, com a justificativa de que o público potencial para o tema velhice era muito restrito. Para minha grata surpresa, Milton simpatizou com a ideia e começamos a delinear a publicação que viria a público em 1993. Antes disso, um impasse: como colocar o nome velhice na capa, sendo o nome um tabu? Perguntava o editor. E argumentava: ninguém vai comprar. A hipótese me assustou. Discutimos um pouco e eu apresentei uma alternativa: em vez de velhice, que tal idade madura? O nome foi aprovado na hora e eu intimamente sorri pelo que julguei ser uma espécie de esperteza da minha parte. Assim nasceu o título Qualidade de vida e idade madura, hoje em sua 6ª edição. Naquele dia nasceu também a Coleção Viva Idade, planejada para veicular publicações no campo do envelhecimento e que hoje conta com dez títulos publicados. Hoje eu avalio que a decisão de fundar a coleção foi precursora dos progressos que ocorreriam com a área de estudos sobre o envelhecimento nos anos que se seguiram. Um dos reflexos disso foi a fundação, no ano 2000, da Coleção Velhice e Sociedade, uma publicação da Editora Alinea e da UNICAMP, com conselho editorial formado por pesquisadores dos cursos brasileiros de pós-graduação em Gerontologia, a qual também conta com dez títulos publicados. 1. Eu qualifico como precursor esse grupo composto por Vera Lucia Deps, Lucila Lucchino Goldstein, Helenice Jane Cote Gil Coury, Edinete Beleza do Nascimento e Silva, Mônica Rodrigues Perracini, Barbara Iwanovicz e por mim. Nesse livro colaborou também o professor Rainier Rozenstraten, com um texto sobre o idoso no trânsito.
Hoje eu avalio que, nos idos de 1992, para aumentar a chance de publicar a primeira coletânea brasileira sobre qualidade de vida na velhice, eu escolhi usar um eufemismo para designar essa fase da vida. Não o faria hoje, não apenas por motivos ideológicos e científicos, mas porque os tempos são outros. São outros graças ao enorme esforço de divulgação de conhecimentos científicos e do compromisso com uma posição crítica e não preconceituosa assumidos por uma nova geração de estudiosos da Gerontologia, da qual meus colegas, meus alunos e eu fazemos parte. Ao longo de uma década e meia, essa nova geração logrou estabelecer esse campo como um domínio científico nas principais universidades brasileiras. Embora a Gerontologia ainda não esteja tão estabelecida como os campos científicos e profissionais mais antigos, e embora haja uma clara tensão entre as novas e as velhas áreas, o cenário que hoje se descortina para alguns setores dos estudos gerontológicos é bem mais promissor do que há dez anos. Como todos os volumes da Coleção Velhice e Sociedade, este livro tem um compromisso com a educação. Ao resenhar e avaliar o conhecimento teórico e empírico produzido em sua área e oferecer o produto para a comunidade acadêmico-científica, os pesquisadores e especialistas cumprem vários e importantes papéis. Funcionam como divulgadores de conhecimento teórico e empírico recentes, como balizadores da produção em pesquisa, como modelos de atuação consequente e como incentivadores do perguntar e do interpretar mais informado e crítico em um determinado campo. A ciência não avança apenas a partir da comunicação entre especialistas de alto nível, realizada em congressos e em periódicos exigentes e de grande impacto científico, impacto esse medido pela quantidade de vezes que cada cientista é citado pelos pares num dado período. Ela se alimenta também da formação de mentalidades e para isso ainda não se inventou nada mais eficiente do que a leitura crítica. Os países de ciência bem subsidiada e bem desenvolvida, onde mais se publica em periódicos, são também os que mais publicam livros e coletâneas de textos bem fundamentados. Eles funcionam como faróis para verdadeiros exércitos de estudantes, pesquisadores principiantes e praticantes das profissões. Este livro apresenta informações científicas novas, no contexto brasileiro, a respeito de qualidade de vida na velhice. Profissionais de diversas áreas, nos campos da saúde, das ciências sociais e das humanidades fazem uma leitura crítica dessa realidade à luz de várias disciplinas e campos profissionais. Emerge um retrato multifacetado da velhice e da qualidade de vida na velhice, em domínios tão variados como a Economia, a Demografia, a Sociologia, a Biologia, a Medicina, a Psicologia, a Odontologia, a Arquitetura, a Ergonomia, a Psicologia e a Filosofia.
Os dois capítulos iniciais, um de autoria de Anita Liberalesso Neri e o outro de Eduardo Chachamovich, Clarissa Trentini e Marcelo Pio de Almeida Fleck, são de natureza conceitual e apresentam a qualidade de vida na velhice como um fenômeno multidimensional, cuja avaliação é mediada por fatores subjetivos. Os Capítulos 3 e 4, respectivamente escritos por Tomas Engler e por Ana Amélia Camarano, Maria Teresa Pasinato e Vanessa Regina Lemos, apresentam a qualidade de vida como um fenômeno contextualizado por fatores socioeconômicos e se detêm na análise do impacto da desigualdade social sobre a qualidade de vida dos idosos brasileiros e latino-americanos. Os Capítulos 5 (Ilka Nicéia D´Aquino Teixeira), 6 (Cássio Machado de Campos Bottino e Marco Antonio Moscoso Aparício), 7 (Pricila Cristina Correa Ribeiro e Mônica Sanches Yassuda), 8 (Maria da Luz Souza, Fernando Neves Hugo e Débora Dias da Silva) e 9 (Adriana Romeiro de Almeida Prado e Monica Rodrigues Perracini) tratam de aspectos específicos da qualidade de vida relacionada à saúde (fragilidade, saúde mental, cognição e estilos de vida, saúde bucal e planejamento ambiental). Nos Capítulos 10 e 11, Marineia Crosara de Resende e Maria Eliane Catunda de Siqueira, ambas em associação com Anita Liberalesso Neri, veiculam temas nunca dantes considerados em publicações brasileiras, quais sejam o envelhecimento com deficiência física e com deficiência mental. No capítulo final, Johannes Doll e Ligia Py oferecem uma análise das relações do idoso e da sociedade com a morte, sob o ponto de vista da ética, que considera a qualidade da experiência humana na cena final do teatro da vida. Espero que os leitores desfrutem do mesmo prazer intelectual obtido pelos autores e pela organizadora, ao planejar, desenvolver e oferecer esta coletânea à comunidade brasileira de estudiosos de Gerontologia.
A organizadora