Química das Sensações

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Apresentação As sensações e as percepções estão presentes em todos os momentos das nossas vidas e são elas que nos tornam únicos, capazes de interagir com outros seres humanos, formando sociedades, culturas ou grupos. Assim, compreender a visão, a audição, o olfato, o tato, o paladar, a dor, o frio, o calor e as emoções, bem como as substâncias naturais ou sintéticas, que estão presentes em nosso ambiente, como corantes, açúcares, adoçantes, aromatizantes, fragrâncias, analgésicos, anestésicos, drogas de abuso, dentre muitas outras, é algo muito complexo que requer o entrelaçamento de conhecimentos de diversas áreas, de maneira inter/transdisciplinar. Dessa forma, para elaborar este texto, utilizamos conceitos de química, de física, de medicina (em especial de subáreas como neurologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, anestesiologia e psiquiatria), de psicologia e de filosofia. Esta idéia começou a ser desenvolvida num programa de mestrado, realizado no Instituto de Química da Unicamp, quando pretendíamos redigir um texto paradidático que pudesse ser utilizado no ensino superior, tanto por alunos de química, quanto por de áreas afins. Sua finalidade era ampliar conhecimentos e melhorar os processos de formação, além de enfatizar como os conhecimentos das áreas específicas, que parecem estar isolados, interagem de maneira inter/transdisciplinar e contextualizada. No desenvolvimento do trabalho, essa idéia se ampliou, e acabamos elaborando um texto que possui uma abordagem diferenciada, criativa e extensa sobre o tema sensações e percepções. Nos dois primeiros capítulos, você encontrará uma interessante discussão sobre a mente, na qual enfatizamos algumas idéias de teorias filosóficas e biológicas. Além disso, explicamos, segundo o conhecimento atual, como funciona o sistema nervoso central, enfatizando a transmissão dos impulsos nervosos e a comunicação química que ocorre entre os neurônios. No terceiro capítulo, discutimos como percebemos as sensações de frio e de calor. Para isto, também explicamos como a energia eletromagnética da região do infravermelho interage com os gases presentes na atmosfera, resultando no aquecimento do planeta, e como esta energia é sentida pelos receptores localizados em nosso organismo. Você encontrará, no quarto e no quinto capítulos, uma discussão sobre o sentido da visão, bem como explicações a respeito das características estruturais dos corantes e pigmentos e de suas interações com a energia eletromagnética da região do visível. No sexto e sétimo capítulos, explicamos os aspectos químicos relacionados ao sabor, ao odor e ao aroma. Assim, de uma maneira bem interessante e contextualizada, relacionamos determinadas propriedades de algumas moléculas, presentes em alimentos e em fragrâncias, com a forma como elas impressionam os receptores presentes em nossas bocas e narinas.


Nos três capítulos seguintes, discutimos as sensações de tato, de dor e as emoções; além disso, mostramos como determinadas drogas de abuso e medicamentos agem alterando tais sensações. A dependência química também é comentada. Por fim, no último capítulo, abordamos como as ondas senoidais impressionam receptores presentes em nossos ouvidos, os quais enviam mensagens ao cérebro, onde a sensação do som é interpretada. Em todos os capítulos, você perceberá que mais do que estímulos e respostas a eles, as sensações estão envolvidas com nossa cultura. Além disso, também procuramos sempre chamar atenção para alguns assuntos polêmicos como deficiências sensoriais, abuso de drogas, dentre outros. Contudo, é importante destacar que, ao construir um texto com esta abordagem, tivemos que omitir alguns conhecimentos e discussões interessantes e importantes, tanto da área da química, como de todas as outras. O nosso objetivo sempre foi buscar uma integração entre os conteúdos. Portanto, se especificássemos muito, estaríamos criando algo demasiadamente especializado, direcionado a um público específico, fugindo assim da proposta inicial do trabalho. Dessa forma, este texto poderá ser utilizado como uma fonte de consulta sobre os temas que abordamos, tanto por professores de química, quanto por aqueles de outras áreas. Eles poderão transferir para sala de aula muitas das discussões aqui apresentadas, tornando, assim, seu ensino inter/transdisciplinar. Por outro lado, o texto poderá servir, ainda, como uma fonte de consulta para o leitor que estiver interessado em conhecer um pouco sobre como sentimos e percebemos o mundo. Isso é possível porque procuramos utilizar uma linguagem acessível e explicativa. Escrever um livro contemplando tantos assuntos é uma tarefa desafiadora, mas muito prazerosa, já que, ao entendermos vários aspectos relacionados com os sentidos, estamos nos conhecendo melhor, compreendendo como funciona nosso organismo e como os aspectos sociais e culturais interferem nas nossas vivências. Ao compreender as sensações e percepções, aprendemos, também, o quão maravilhoso e perfeito é o nosso corpo, em especial, nossa mente. Por isso, convidamos você a essa envolvente e exclarecedora leitura.


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Sou um guardador de rebanhos, O rebanho é os meus pensamentos, E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos, E com as mãos e os pés, E com o nariz e a boca, Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la, E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor, Me sinto triste de gozá-lo tanto, E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz. 1 Fernando Pessoa

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o longo de toda nossa existência, o ser humano produziu conhecimentos e técnicas para atender aos seus interesses e necessidades. Assim, nós inventamos o trabalho, bem como as ferramentas necessárias para desenvolvê-lo. Fizemos as armas, inicialmente, para caçarmos, mas depois, para nos defendermos. Inventamos a guerra, domesticamos animais e cultivamos plantas. Dominamos o fogo e desenvolvemos técnicas para produzi-lo de maneira rápida e eficiente. Vivemos em um Construímos as máquinas, na tentativa de diminuir nosso esforço e aumentar nossa produtividade. Criamos também as religiões e a ciência, para entender mundo de violência, aspectos do mundo desconhecido, bem como os fenômenos da natureza. desigualdade, fome, Desenvolvemos as artes, as linguagens, a mídia e outros meios de expressão e crises políticas, comunicação.2 Inventamos o modo de organização social, as leis, a cultura e a educação. Fazemos nossa história, registramos os fatos mais importantes poluição... dos nossos feitos, através da escrita, outra grande invenção humana. Nós dominamos o mundo! Muitos seres humanos, inclusive, dominam outros, devido à estrutura social injusta que criamos. Nem tudo está perfeito, pelo contrário, vivemos em um mundo de violência, desigualdade, fome, crises políticas, poluição e outras coisas que criamos para dificultar nossa vida e destruir o planeta. Mas, fizemos algumas coisas boas também, inventamos medicamentos, maneiras para prolongar a vida, moradia, alimentação, tecnologia, informação; pena que a maior parte delas seja acessível apenas para uma pequena parcela da população. Tudo o que está à nossa disposição no mundo foi modificado por nós, seres humanos. Então, será que ainda existe algo realmente natural em nosso mundo? A biologia diz que estamos em constante evolução. Talvez, não tenhamos evoluído tanto assim em termos sociais e afetivos. Além disso, nosso cérebro é muito parecido com o dos homens que viveram há milênios antes de Cristo. Tanto é que muitas civilizações desse período foram responsáveis por criar alguns desses instrumentos, técnicas e modos de vida que acabamos de citar; mas as gerações que viveram nos séculos posteriores foram capazes de aprimorá-las e de aprofundá-las, tornando-as cada vez mais poderosas. A natureza nos forneceu um equipamento que foi necessário para que pudéssemos extrair as informações do mundo e colocá-las em nossa mente. Esta, por sua vez, é tão complexa, que é capaz de mudar depois de cada experiência pela qual passa. Assim, nos transformamos a cada dia, através da capacidade que temos de captar dados do ambiente, bem como a de guardá-los, relacioná-los, para, então, criarmos pensamentos e sentimentos novos ou manifestá-los através da comunicação verbal e não-verbal. Também somos modificados pelas nossas relações pessoais, crenças e conhecimentos

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que adquirimos; então, a cada dia, vivemos um mundo novo, que construímos e que está habitando nossas mentes. As sensações são extremamente importantes para que tudo isso seja possível, pois é a partir delas que formamos nossas percepções de mundo. Mas, o que é sensação? Uma resposta a essa pergunta poderia ser que a sensação é uma análise que o nosso confere aos estímulos do ambiente. Nós temos a capacidade de A seleção, organismo captar os diferentes tipos de energia que estão nos rodeando, transformá-los e a organização, enviá-los para o sistema nervoso central. Os receptores sensoriais, que estão a integração e a presentes nos órgãos do sentido como olho, nariz, ouvido, pele, boca, enviam informações do ambiente para os neurônios, que são células capazes de interpretação de todas conduzir essas informações, através de impulsos nervosos e de uma essas sensações é o comunicação química. Assim, a partir dessa comunicação que ocorre entre 3-9 que chamamos neurônios de diferentes partes do cérebro é que a sensação é interpretada. Esta seria, então, a definição de uma única sensação pontual, ou seja, aquela de percepção. que é derivada de um único estímulo. Mas essa definição biológica não leva em conta muitos aspectos envolvidos com as sensações. Como não captamos nunca um único estímulo do ambiente, já que somos rodeados pelas mais diversas formas de energia e somos capazes de captar várias delas, não temos uma única sensação, mas muitas delas, que estão constantemente sendo integradas no nosso cérebro formando nossas percepções. Por exemplo, ao prestar atenção em uma pessoa, reparamos como é o seu rosto, seu corpo, a roupa que está usando, os gestos que ela faz, a maneira como fala, onde está, a impressão que nos causa. A seleção, a organização, a integração e a interpretação de todas essas sensações é o que chamamos de percepção. A percepção está associada à memória, à emoção, ao pensamento, à imaginação, à linguagem e à aprendizagem. Ela envolve toda nossa personalidade, história pessoal, afetividade, desejos e paixões, é uma maneira fundamental de entrarmos em contato com o mundo.10 Mais que isso, as percepções não são somente construções individuais, já que vivemos em uma sociedade, nascemos em um ambiente que já tem uma determinada cultura, uma linguagem que lhe é própria, um modo de organização de educação, valores éticos e morais, dentre outros aspectos. Assim, nossas percepções de mundo são modeladas, modificadas e constantemente avaliadas, de acordo com as reflexões que fazemos, baseadas nas experiências que vivenciamos ao nos relacionarmos com todos esses aspectos do mundo. Dificilmente separamos a sensação da percepção, porque, automaticamente, organizamos os estímulos que estamos recebendo. As sensações são vinculadas ao tipo de estado mental apropriado, mas são vivenciadas em nosso próprio corpo. Assim, não podemos ter certeza de que outro ser humano tem exatamente a mesma sensação que nós temos ao observar, por exemplo, um mesmo objeto. Pode acontecer de o estado mental de uma outra pessoa ser diferente do nosso, mesmo que ela fale e se comporte perante o objeto de maneira semelhante à nossa. Neste ponto, levantamos o que se chama “problema das outras mentes”, já que nós não temos acesso às outras mentes, somente à nossa.11 Mas, é de se supor, como pertencemos a uma mesma espécie, que o modo de funcionamento, bem como a organização de nosso sistema nervoso sejam muito parecidos.12 Assim, por meio da linguagem, que inventamos para nos comunicar e para expressar os conteúdos que estão em nossa mente, podemos chegar a um acordo social sobre os conteúdos que a habitam quando Sensações: informações do mundo interpretadas pela mente


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conversamos com outra pessoa, por isso, acreditamos que todos temos sensações similares. Por exemplo, ninguém discorda de que o céu é azul, mesmo que muitos seres humanos, como daltônicos ou pessoas com deficiências visuais, nunca venham a vê-lo dessa forma. Se formos pensar no ponto de vista de um daltônico, é muito difícil imaginar como as outras pessoas percebem as sensações de cor; na verdade, ele consegue verificar, por meio de sua convivência social, que percebe cores de maneira diferente, já As sensações estão que as outras pessoas dizem existir mais tonalidades do que aquelas que ele e sempre estarão consegue enxergar. Mas, ele nunca vai saber quais são essas tonalidades. Portanto, não existem sensações parciais que depois seriam juntadas e presentes em organizadas como percepção. Sentimos e percebemos um conjunto e nossas vidas! respondemos a ele, através dos nossos pensamentos e comportamentos, socialmente referenciados, dentro de nossa cultura. As sensações estão e sempre estarão presentes em nossas vidas! Podemos inclusive investigar questões sobre o passado, o presente e o futuro, a partir delas. Nosso passado está em nossa mente e na das pessoas com quem convivemos, são nossas lembranças, nossas percepções das sensações que já tivemos. Mas também são as lembranças e percepções das pessoas que conviveram conosco! Por exemplo, nosso nascimento faz parte do nosso passado, mas não nos lembramos dele. No entanto, as pessoas que o presenciaram podem nos contar o que aconteceu nesse dia. Mas essas lembranças podem já estar distorcidas pelas outras que a pessoa tem e pelo que representamos para ela! Assim, a memória nos engana! Talvez um modo de ajudá-la seja pelas fotografias e filmagens, mas, mesmo assim, ao olhar para uma fotografia podemos nos recordar do momento em que ela foi tirada, mas a percepção que temos é do momento que a estamos observando e não com a que tínhamos na época em que foi feita. Então, sempre que fizermos uma análise da nossa vida, por mais detalhistas que nós sejamos e por mais fiéis aos fatos que tentemos ser, nunca faremos um relato exato do que aconteceu, já que este sempre será modificado pela reflexão que fazemos dele e pelas outras percepções que tivemos, será sempre algo extremamente subjetivo. Indo ao encontro dessas idéias, Engelmann13 acredita que a consciência é única e momentânea, assim as coisas que percebemos entram na nossa consciência-imediata, que está sempre no presente. Ela capta unicamente nossas próprias lembranças, mas estas não serão necessariamente idênticas às consciências-imediatas correspondentes que ocorreram antes. Assim, para ele, podemos conhecer a percepção dos objetos, mas não conhecer imediatamente os objetos em si mesmos. Existem, portanto, segundo Engelmann, dois tipos de consciência: a individual (consciência imediata) e as consciências-mediatas, que se referem às consciências dos outros; assim toda vez que um cientista estuda a consciência, na realidade, está estudando a consciência-mediata-dos-outros. Há, para ele, diversos tipos de indicadores de consciência. O mais conhecido é o relato introspectivo ou verbal, mas também é possível utilizar o que ele chama de hipótese fenomênica, ou seja, a hipótese de que as consciências-mediatas-de-outros são semelhantes à minha consciência-imediata, mas esta não é uma verdade absoluta.13 Podemos perceber que esses conceitos discutidos por Engelmann causam-nos uma certa confusão. O que é meu? O que é do outro? Existe, de fato, uma maneira eficiente de estudar a consciência? Haase e seus colegas14 acreditam, por outro lado, que é melhor dizermos estados mentais conscientes e não de consciência. O cérebro, segundo eles, parece atuar como uma espécie de analisador estatístico, assim, ele faz com que Sensações: informações do mundo interpretadas pela mente


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determinados eventos ou objetos se destaquem em relação a um pano de fundo ambiental. Então, a melhor maneira de sinalizar essas ocorrências estatísticas de modo eficiente e econômico é por meio da atividade de neurônios isolados, ou da atividade de um grupo muito pequeno de neurônios. Entretanto, devido à natureza social e à ação de toda atividade mental, é muito improvável que possamos construir um modelo da consciência somente a partir dos dados da atividade de neurônios isoladamente estudados. O problema levantado anteriormente por Haase e seus colegas nos mostram que não sabemos exatamente, em nível cerebral, como funciona este processo de consciência, assim como outros processos mentais como a percepção. Mesmo com as intensas pesquisas que vêm sendo feitas nesta área, talvez nunca saberemos. No entanto, percebemos que a consciência é importante para fazermos tudo o que nossa vida exige, além disso, foi por causa deste e de outros processos cerebrais, que fomos capazes de inventar e criar tudo o que existe no mundo. O presente é, então, um momento, assim, agora estamos tendo sensações que estão se organizando em percepções em nossa consciência. Não estamos atentos a todos os estímulos que estão nos rodeando, mas só àqueles que nos chamam mais a atenção, pois estes entram, de verdade, em nossa mente. Talvez sejam estes mesmos estímulos que se transformarão em lembranças em um próximo momento! Desta maneira, no presente momento você está lendo estas palavras, muitas delas podem fazer você parar para pensar, outras farão você se confundir, outras poderão trazer dúvidas, com algumas você pode não concordar, mas muitas farão você lembrar de algo e estabelecer associações com os outros conteúdos que estão em sua mente. Por outro lado, mesmo que você ache interessante a maioria das palavras, elas não serão lembradas depois. Não adianta, por mais inteligente que uma pessoa seja, ela não consegue se lembrar exatamente de tudo que vivenciou, muito menos, de tudo que leu ou estudou, mesmo que tenha se esforçado muito para tal. Nós não registramos tudo o que vivemos, mas lembramos O futuro é imprevisível, sempre, independente de termos gostado ou não, de termos concordado ou nossas vivências são discordado, dos momentos em que estabelecemos uma relação. Então, o que é o futuro? Ele existe? Ele virá? Por que fazemos as coisas diferentes daquelas que hoje? Sabemos que o futuro é algo que ainda não chegou, mas que imaginamos! desejávamos ter. Muitas vezes, vivemos um presente imaginando o futuro, planejamos, medimos as conseqüências, criamos um mundo que ainda não existe em nossa mente. Quantas vezes você não imaginou como seria o dia em que realizasse algo importante? Em muitas ocasiões, nos imaginamos conversando com outras pessas, realizando algo ou tendo determinadas ações. Desta forma, criamos uma expectativa, que poderá nos causar uma frustração, uma surpresa, uma decepção ou uma alegria maior do que aquela que pensávamos que teríamos. Isso porque o futuro é imprevisível, nossas vivências são diferentes daquelas que desejávamos ter. Isso tudo só é possível porque temos no nosso cérebro informações para podermos criar algo que ainda não aconteceu e que não sabemos se vai, ou como vai, acontecer. De onde vieram essas informações? Vieram principalmente dos nossos sistemas sensoriais! É por isso que as sensações são a porta de entrada do mundo exterior em nossa mente. Entender as sensações é se entender! Talvez este seja um caminho para começarmos a entender as outras pessoas! Sabemos que sentir, pensar, imaginar, ser ou aprender envolve muito mais que estímulos e respostas a estes! É necessário um trabalho muito maior do cérebro, que depende de toda uma organização e integração que envolve cada célula, cada molécula de nosso corpo, assim como cada momento que vivemos. Sensações: informações do mundo interpretadas pela mente


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Então, o que é real? O que prova que o mundo exterior existe fora da nossa mente? Nada prova! As percepções das pessoas que vivem no mundo são “ditas” coerentes, mas isso é aprendido. Por exemplo, nós aprendemos a dar nomes para os objetos do ambiente de maneira similar às outras pessoas que falam a mesma língua que nós; dessa maneira, construímos coletivamente em sociedade percepções similares. É por isso que o meio em que vivemos é tão importante quanto a capacidade que nossos Nossos sentidos são a cérebros têm para determinar aquilo que somos. porta de entrada das Será que isso se estende a todos os seres humanos? Não! Muitas pessoas têm outras percepções, têm cérebros funcionando de outra maneira. Por informações presentes exemplo, uma pessoa que nasceu sem a visão, inicialmente, não possui uma no ambiente. memória visual, mas pode construir representações dos objetos que a cercam utilizando outro sentido, tal como o tato, mas suas percepções nunca serão iguais à de um vidente. Pessoas que nasceram surdas também não possuem uma memória auditiva, mas este silêncio não impede que elas pensem, aprendam ou percebam o mundo, mesmo que seja de uma maneira muito única e característica. Além disso, um cego não percebe as coisas que o rodeiam da mesma maneira que outro cego, da mesma forma, que um surdo que, por exemplo, foi educado a partir da língua de sinais, cria representações diferentes daquele que foi educado para se comunicar através da leitura labial. Nossos sentidos são a porta de entrada das informações presentes no ambiente para o nosso cérebro, que as integram, formando nossas percepções e pensamentos. Para conhecermos o mundo em que vivemos, nosso sistema nervoso sofre influências genéticas e ambientais, criando assim nossa personalidade, nossa história, nosso jeito de ser. Ao mesmo tempo em que isso nos diferencia, nos tornando únicos, nos criando uma identidade, também nos torna capazes de viver coletivamente, em uma determinada família, cultura ou grupo social. Mas as percepções enganam. Por exemplo, no nosso cotidiano, freqüentemente, descrevemos a cor vermelha como “quente”, ou uma pessoa como doce, ou seja, utilizamos a linguagem para conferir características sensoriais para algo que não estimula aquela sensação. Da mesma forma, relacionamos uma imagem com um som, com um sabor ou com um cheiro, a partir dos elementos que temos na memória.10 No entanto, existem pessoas que têm uma característica rara chamada sinestesia. Para estas um som pode ser sentido como uma cor ou um cheiro; uma letra pode provocar a sensação de um som; uma forma pode provocar um sabor. Parece loucura, algo impossível de existir, mas não é! Para as pessoas que possuem a sinestesia, um estímulo provoca reações em um receptor de outro sistema sensorial, sua percepção diferente é real, pois não se altera com o passar do tempo, ou seja, se um som dá origem a uma imagem, toda vez que a pessoa ouvir aquele som, ela terá a mesma imagem. Existem muitas explicações para a sinestesia; uma delas é que as partes do cérebro estariam desconectadas umas das outras. Mas, ao contrário do que se possa imaginar, os sinestésicos não descrevem suas sensações como desagradáveis, além disso, freqüentemente, falam que elas ajudam a perceber melhor o mundo.15 Existem diversas teorias que nos ajudam a investigar as sensações e percepções, bem como os processos e os estados mentais. Neste texto, iremos discutir brevemente as principais idéias de algumas dessas correntes, com a finalidade de entender as várias dimensões desse problema. Não iremos adotar uma postura teórica rígida, seguindo fielmente um ou outro modelo, já que entendemos que várias delas podem vir a trazer contribuições importantes. Além disso, também não iremos ilustrar as idéias de maneira cronológica, especificando cada autor, corrente e época. Sensações: informações do mundo interpretadas pela mente


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As sensações na teoria Desde a Grécia antiga, o homem vem investigando a mente e já nesse período existiam contradições nessas investigações. Por exemplo, Platão acreditava que o mundo das idéias era de caráter inato e Aristóteles acreditava nas idéias do mundo, que eram adquiridas pela experiência.16 Por incrível que pareça, esses diferentes princípios ainda estão presentes quando verificamos diferentes abordagens na literatura. Passados muitos séculos, no final da década de 1950, Smart propôs a chamada teoria da identidade, em que defendeu a tese de que sensações não passam de processos cerebrais.17 Essa tese influenciou muitos neurologistas e estudiosos desse período. Esse pesquisador é considerado um materialista reducionista, assim como outros, ele propôs que os processos e estados mentais são meramente processos e estados sofisticados de um complexo sistema físico: o cérebro. Na realidade, a sua teoria é a mais simples das diversas teorias materialistas da mente. Mas, existem muitas críticas a ela, já que nossos pensamentos e crenças têm um significado, ou seja, eles têm um conteúdo específico, uma vez que não são somente estados físicos do cérebro. Assim, essa teoria não pode fornecer uma explicação adequada de todos os fenômenos mentais.11 Um dos grandes desafios de qualquer materialista é explicar as qualidades intrínsecas de nossas sensações, ou o conteúdo de significação de nossas crenças e desejos, em termos puramente físicos.11 Mas antes mesmo de Smart aparecer A força do hábito é que com essa teoria, muitos outros filósofos questionaram o funcionamento da mente e enfatizaram que a mente não poderia ser explicada por algo nos faz não notar puramente físico. Os idealistas colocaram outros argumentos para essa discussão. muitas coisas, mesmo Berkeley (1685-1753), acreditava que os objetos materiais não têm que estas afetem nossos George existência, exceto como objetos ou conteúdos dos estados perceptivos das órgãos do sentido. mentes conscientes, ou seja, o mundo material nada mais seria que um sonho coerente, assim a única existência realmente verdadeira é a do espírito ou mente. Hume (1711-1776), outro idealista que viveu na mesma época que Berkeley, aceitou a visão de “mente” apresentada por este, mas argumentava que a “mente” era apenas sua e do presente momento.11, 17 Leibnitz18 (1646-1716) também era adepto dessa corrente, para ele existia em todo momento uma infinidade de percepções em nós, porém sem reflexão, sem mudanças na nossa “própria alma”. Mas, quando associadas a outras, não deixavam de produzir seu efeito e de se fazer sentir ao menos confusamente. Assim, esse filósofo argumentava que a força do hábito é que nos faz não notar muitas coisas, mesmo que estas afetem nossos órgãos do sentido, elas não despertam nada na “alma”. Dessa maneira, segundo Leibnitz existe uma harmonia reinante entre a alma e o corpo, contudo, as impressões despertadas tanto na alma quanto no corpo, por serem destituídas dos atrativos da novidade, não são suficientemente fortes para atrair nossa atenção e penetrar na nossa memória, que é ocupada com objetos que chamam mais a atenção. Ele completa a discussão argumentando que as percepções são mais eficazes que se pensa, já que são elas que formam um “não sei quê”, como gostos, imagens das qualidades dos sentidos, que seriam claras no conjunto, porém confusas nas partes individuais. Essas impressões, segundo Leibnitz, que os corpos circunstantes produzem

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em nós, envolvem o infinito, criando uma ligação que cada ser possui com o resto do universo. Pode-se até dizer que, em conseqüência, dessas pequenas percepções, afirma ele, o presente é grande e o futuro está carregado do passado, que tudo é convergente, e que, na mais insignificante das substâncias, olhos penetram como os de Deus poderiam ler todo o 18 desenrolar presente e futuro das coisas que compõem o universo.

Emmanuel Kant19 (1724-1804) traz ainda outros dados interessantes para esta polêmica. Ele assume que nossa experiência humana familiar do mundo material é construída pela atividade da mente humana e que, assim, as formas inatas da percepção e as categorias inatas do entendimento impõem uma ordem invariante ao caos inicial da entrada de dados sensoriais não-processados. Para ele todos os Assim, as sensações seres humanos partilham da experiência de um mundo altamente específico, são definidas por seus cujas formas gerais ou categorias de nossa percepção são impostas por uma mente ativa. Assim, o nosso mundo é o da experiência, ou seja, é um mundo papéis causais únicos, construído. Nossas formas inatas da percepção e do entendimento das coisas mediante a entradas que são aprendidas estruturam o mundo perceptivo de nosso senso comum. de dados sensoriais Nosso comportamento é, então, governado tanto por nosso aprendizado quanto por nossos planos para o futuro distante, bem como por nossas e saídas percepções atuais. Para Kant, os objetos materiais da nossa experiência comportamentais. construída podem ser empiricamente reais, mas eles não precisam ser necessariamente. Existe um mundo do sentido interno, o das sensações, pensamentos e emoções e o acesso da mente a esse mundo é mediado por suas próprias contribuições conceituais e estruturais, a partir das representações que faz. Por outro lado, para os funcionalistas, a característica que define todo tipo de estado mental é o conjunto de relações causais que ele mantem com os efeitos do meio ambiente sobre o corpo, com outros estados mentais, com o comportamento corporal. Assim, as sensações são definidas por seus papéis causais únicos, mediante a entradas de dados sensoriais e saídas comportamentais.11 Putnam era adepto dessa corrente, ele criticou a teoria de Smart e propôs a sua através da chamada máquina de Turing. Desta forma, explicava que se o ser humano fosse uma máquina como a de Turing, os processos mentais seriam devidos a uma função computacional do sistema. As sensações seriam, então, estados internos da máquina que estariam relacionadas somente a certas entradas e saídas e a outros estados internos.17 Davidson apresentou uma alternativa para a questão debatida pelos funcionalistas. Sua teoria ficou conhecida como monismo anômalo, em que ele propôs que não há leis estritas e determinísticas a partir das quais possamos prever e explicar eventos mentais, mas é possível conciliarmos o poder das causas de eventos mentais com seu anomalismo. Assim, cada ocorrência de um estado mental é uma ocorrência de um estado físico.17 Ele faz parte de uma corrente chamada interacionista, na qual os seguidores afirmam que as propriedades mentais têm efeitos causais sobre o cérebro e sobre o comportamento; desta maneira, as propriedades mentais do cérebro estão em interação sistemática com as suas propriedades físicas, por isso nossas ações são consideradas como causadas por nossos desejos.11 Por outro lado, os chamados epifenomenalistas assumem que os fenômenos mentais (epifenômenos) não constituem uma parte dos fenômenos físicos no cérebro, mas se manifestam a partir do momento em que o cérebro em desenvolvimento ultrapassa um certo nível de complexidade, não tendo quaisquer efeitos causais.11 Sensações: informações do mundo interpretadas pela mente


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Existe uma denominação, que vem sendo utilizada nos últimos anos, que se refere ao percepto, ou seja, ao conteúdo perceptivo da consciência, já que a percepção pode ser tanto consciente quanto inconsciente. Para explicá-lo foi feito um modelo chamado A ciência não é neutra, de teoria dos escalões do perceptos, que lida com acontecimentos dentro da consciência-mediata-de-outros, tal como se refere Engelmann. Eles admitem imparcial, objetiva e que há processos neurais que apresentam uma influência nos processos produtora de verdades, conscientes, pois existe uma parte do cérebro mais relacionada com processos se conectam com os órgãos sensoriais externos ou internos ao corpo e mas, como toda que outra mais relacionada com a atividade emocional.20 invenção humana, Por fim, recentemente, surgiu também a chamada Teoria da Mente. As pesquisas dessa nova área investigam o modo como as crianças desenvolvem a é recheada de habilidade de compreender seus estados mentais e os de outras pessoas com as percepçõesde mundo dos quais interagem, bem como o modo de utilizarem essa informação para explicar seus autores e atores. e predizer o comportamento.21 A Teoria da Mente se atreve a entender os estados mentais dos outros, desenvolvendo técnicas para medir o que as pessoas pensam, sentem, desejam, ou em que acreditam e do que duvidam.22 Piaget, segundo os teóricos da mente, foi um dos primeiros a investigar e se interessar pelos conteúdos mentais infantis e pelos processos responsáveis por esses conteúdos. Mas, foi somente a partir das décadas de 1980 e 1990 que as pesquisas nessa área se intensificaram. Hoje existem muitas abordagens diferentes para esse mesmo problema, por exemplo, há aqueles que acreditam que a criança já nasce com uma certa capacidade (inatistas como Platão); outros enfatizam que ela as desenvolve (acreditam nas idéias de Aristóteles?); outros dizem que elas as adquirem culturalmente e ainda existem outras abordagens que analisam os mais diversos aspectos a respeito da vida da criança e de seu modo de interagir com o mundo.23-24 Podemos perceber que o mais complicado quando se tenta investigar a mente, independentemente, se for de crianças, de adultos, de deficientes, ou se for uma pura abstração filosófica que não se utiliza de experimentos, é, sempre o problema de como o pesquisador concebe o mundo, de como ele acredita que funciona o sistema, de quais são os pressupostos teóricos dos quais ele parte. Isso acontece em várias atividades científicas, não somente nesta que estamos discutindo, porque a ciência não é neutra, imparcial, objetiva e produtora de verdades, como se acreditava há menos de um século, mas como toda invenção humana, é recheada de percepções de mundo dos seus autores e atores.

Considerações finais Neste texto, apenas iniciamos uma interessante discussão que será mais bem explorada nos capítulos que se seguem. Neles você poderá entender as diversas dimensões das sensações humanas, para ao final, talvez, compreendê-las. No próximo capítulo, você entenderá melhor alguns aspectos relacionados com o funcionamento do cérebro humano, mas é importante lembrá-lo de que esse campo de estudo é relativamente recente e que muitas de suas discussões são controversas. No entanto, são fundamentais para que haja um entendimento das sensações e das percepções, bem como de outros aspectos relacionados com as outras atividades mentais. Sensações: informações do mundo interpretadas pela mente


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