ISSN 1809-6158
VOLUME 10 | NÚMERO 01 | JAN./JUN. 2015
VOLUME 10 | NÚMERO 01 | JAN./JUN. 2015 Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Vânia Gomes Zuim – UFSCar Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP José de Alencar Simoni – UNICAMP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Robson Fernandes de Farias – UFRN Sérgio Melo – UFC
Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali zação e otimização do Ensino de Química.
Yassuko Iamamoto – USP Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq Revisão Paola Maria Felipe dos Anjos
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional 1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos.
Capa e Editoração Eletrônica
CDD 540
Fabio Diego da Silva Índice para Catálogo Sistemático
Indexada
1. Química
A division of the American Chemical Society
540
Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.
Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br
Sumário 7
Editorial
Artigos
10
Propriedades Coligativas: aproximações e distanciamentos em relação ao conhecimento de referência presentes em livros didáticos de Química João Thiers Mendonça Santos, Edson José Wartha, Erivanildo Lopes da Silva e Victor Hugo Vitorino Sarmento
21
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha Thiago Henrique Barnabé Corrêa e Pedro Faria dos Santos Filho
Relatos de Experiência
34 46
59 63
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente Liderlanio de Almeida Araújo, Keissy Vanderley de Santana, Claudio P. de Araújo Júnior, Graziela de Almeida Brito e Lucia Fernanda C. da Costa Leite
Na Trilha dos Elementos Químicos: o Ensino de Química através de uma atividade lúdica Denise Leal de Castro, Thais Petizero Dionízio e Ismarcia Gonçalves Silva
Papel Reciclado: prática ambiental no ensino Maria Thereza dos Santos Silva, Aeryslannia Morreira Nobrega, Jadson Borges de Oliveira e Marta Jussara Macedo de Medeiros
Conceitos de Química no Cotidiano dos Discentes do Ensino Fundamental: uma experiência na produção de um livro digital Vanesca Kerly da Silva Delgado, Gina Thamiris Medeiros Rocha e Suzane Cecília da Silva Medeiros
70
Textos de Divulgação Científica: uma possibilidade para superar a fragmentação do conhecimento e as concepções de alunos de ensino médio em aulas de Química Moisés Marques Prsybyciem, Rosemari Monteiro Castilho Foggiatto Silveira, Antonio Carlos Frasson e Elenise Sauer
Química Verde
79
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ Vânia Gomes Zuin, Carlos Alberto Marques, Franciani Becker Roloff e Marisa Sartori Vieira
História da Química
91
Clair Patterson e o Chumbo Tetraetila Robson Fernandes de Farias e Deyse de Souza Dantas
95 Resenha
97
Normas para Publicação
Contents 7
Editorial
Articles
10
Colligative Properties: approximations and differentials relative to the reference knowledge present in Chemistry textbooks João Thiers Mendonça Santos, Edson José Wartha, Erivanildo Lopes da Silva and Victor Hugo Vitorino Sarmento
21
Among Colours and Flavours: the Chemistry Teaching in the kitchen Thiago Henrique Barnabé Corrêa and Pedro Faria dos Santos Filho
Experiences Account
34 46
59 63
Teaching of Chemistry: experimental activities contributing to teaching Liderlanio de Almeida Araújo, Keissy Vanderley de Santana, Claudio P. de Araújo Júnior, Graziela de Almeida Brito and Lucia Fernanda C. da Costa Leite
On the Trail of the Chemical Elements: Teaching Chemistry through a playful activity Denise Leal de Castro, Thais Petizero Dionízio and Ismarcia Gonçalves Silva
Recycled Paper: environmental practice in teaching Maria Thereza dos Santos Silva, Aeryslannia Morreira Nobrega, Jadson Borges de Oliveira and Marta Jussara Macedo de Medeiros
Chemistry Concepts in Daily Life of Elementary School Students: an experience in the production of a digital book Vanesca Kerly da Silva Delgado, Gina Thamiris Medeiros Rocha and Suzane Cecília da Silva Medeiros
70
Scientific Communication Texts: a chance to overcome the knowledge fragmentation and conceptions of high school students in Chemistry classes Moisés Marques Prsybyciem, Rosemari Monteiro Castilho Foggiatto Silveira, Antonio Carlos Frasson and Elenise Sauer
Green Chemistry
79
Sustainable Development, Green Chemistry and Environmental Education in Brazil: what revels the SBQ publications V창nia Gomes Zuin, Carlos Alberto Marques, Franciani Becker Roloff and Marisa Sartori Vieira
Chemistry History
91
Clair Patterson and Tetraethyl Lead Robson Fernandes de Farias and Deyse de Souza Dantas
95 Review
97
Editorial Standards
Editorial Os desafios a serem superados pelos profissionais que atuam no Ensino de Química são muitos e merecem toda a nossa atenção. Isso pode ser evidenciado pela ênfase exacerbada que se tem dado ao termo criatividade; muitas vezes parece até que ela é a solução para toda e qualquer questão. Por outro lado, enfrentamos hoje um problema muito sério, que é a busca das universidades por profissionais qualificados para preencher as vagas na área/linha de pesquisa Ensino de Química. Em muitos casos, apesar do elevado número de candidatos inscritos nos concursos, tais vagas acabam não sendo preenchidas em razão do perfil inadequado dos candidatos às necessidades/ exigências das instituições. Essa situação, que tem se tornado cada vez mais comum, pode caracterizar ou o despreparo dos candidatos, ou mesmo as incertezas das instituições quanto ao perfil do profissional desejado. Independentemente dos motivos específicos que levaram a tal cenário, a verdade é que o conhecimento da situação na qual se encontra o Ensino de Química no país é fundamental para a preparação dos futuros profissionais que tentarão mudar o panorama atual. Isso evidencia a necessidade de veículos de divulgação que enfatizem tanto os problemas quanto as alternativas, propostas e executadas, para as suas soluções. É aqui que a ReBEQ se insere como um dos caminhos para o conhecimento de muito do que tem sido feito para contornar e superar as dificuldades enfrentadas pelo Ensino de Química no Brasil, nas suas mais diferentes regiões e condições. Por isso, convocamos, mais uma vez, professores, alunos, técnicos e todos os profissionais envolvidos nos processos de ensino/aprendizagem de Química a apresentarem suas ideias e propostas para que sejam avaliadas e divulgadas pela ReBEQ.
Coordenação Editorial
Artigos Articles
Propriedades Coligativas: aproximações e distanciamentos em relação ao conhecimento de referência presentes em livros didáticos de Química Colligative Properties: approximations and differentials relative to the reference knowledge present in Chemistry textbooks João Thiers Mendonça Santos, Edson José Wartha, Erivanildo Lopes da Silva e Victor Hugo Vitorino Sarmento
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha Among Colours and Flavours: the Chemistry Teaching in the kitchen Thiago Henrique Barnabé Corrêa e Pedro Faria dos Santos Filho
Artigo 01 | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
p. 10-20
Propriedades Coligativas: aproximações e distanciamentos em relação ao conhecimento de referência presentes em livros didáticos de Química Colligative Properties: approximations and differentials relative to the reference knowledge present in Chemistry textbooks João Thiers Mendonça Santos1, Edson José Wartha2, Erivanildo Lopes da Silva3 e Victor Hugo Vitorino Sarmento4
Resumo Este artigo procura identificar aproximações e distanciamentos para o conceito de Propriedades Coligativas em relação à Ciência de Referência nos livros didáticos de Química aprovados no Plano Nacional do Livro Didático. Verificou-se que há aproximações e distanciamentos em relação ao conhecimento de referência que podem levar a erros conceituais. Palavras-chave: Propriedades coligativas; Conhecimento de referência; Livros didáticos.
1. Licenciado em Química e professor da rede pública do estado de Sergipe. 2. Professor adjunto do Depto. de Química da Universidade Federal de Sergipe e doutor em Ensino de Ciências – USP. E-mail: ejwartha@gmail.com 3. Professor assistente do Depto. de Química da Universidade Federal de Sergipe e mestre em Ensino de Ciências – USP e doutorando em História e Filosofia das Ciências – UFBA. 4. Professor adjunto do Depto. de Química da Universidade Federal de Sergipe e doutor em Química (físico-química) – Unesp.
Propriedades Coligativas
Abstract This study aimed to identifying similarities and differences in the concept of colligative properties in relation to reference knowledge in chemistry textbooks approved in the National Programs of Textbook. It was found that there are similarities and differences in relation to the reference knowledge that can lead to misconceptions. Key-words: Colligative properties; Reference knowledge; Textbooks.
1
Introdução
(2008), a história do livro didático no Brasil tem início por volta de 1929, com a criação do Instituto
A escolha do livro didático para o ensino de
Nacional do Livro (INL) e vai até a criação do
qualquer disciplina é de fundamental importância,
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em
uma vez que esse é o principal instrumento que o
1996 e, com ele, algumas mudanças importantes
estudante de Química possui para buscar informa-
foram propostas: a principal delas, a garantia do
ções a respeito de determinado conceito durante
crédito de escolha do livro pelos professores. No
seu processo de aprendizagem. O livro didático é
que concerne aos livros didáticos de Química, vale
entendido aqui em sua definição clássica: livro ela-
ressaltar o Programa Nacional do Livro Didático
borado com o intuito de ser uma versão didatizada
para o Ensino Médio (PNLEM) criado em 2004
do conhecimento para fins escolares, técnica ou
que, mesmo recente, alcançou resultados notáveis
profissional, com as funções de referencial curricu-
quanto à melhoria de qualidade das obras didáticas
lar, de instrumentalização de métodos de aprendi-
fornecidas para as escolas públicas brasileiras.
zagem, ideológica e cultural e, mais restritamente,
A distribuição de livros didáticos teve um cres-
documental. Segundo Abreu, Gomes e Lopes
cimento vertiginoso, tendo em vista que antes de
(2005), o livro é apresentado como guia curricular,
1929 ela praticamente não existia. Hoje, temos um
orientador da prática docente, por vezes com maior
dos maiores programas de distribuição de livros
influência sobre as ações dos professores que os
didáticos que atende desde as séries iniciais até o
próprios referenciais curriculares. Trata-se de um
Ensino Médio (Yunes; Silva, 2009). Mesmo com o
currículo escrito que visa apresentar uma seleção
crescente aumento do uso de novas tecnologias em
de saberes e uma forma de organização frequen-
sala de aula, o livro didático é, ainda, o instrumento
temente prescritiva. Para Dias e Abreu (2006),
mais utilizado pelos professores na organização de
o livro didático não é apenas um reprodutor das
suas aulas com a função de direcionar a aprendiza-
políticas curriculares, na medida em que o campo
gem escolar e estabelecer elos entre a aprendiza-
editorial se apropria das concepções das propos-
gem, a vida cotidiana e a profissional (Mota, 2011).
tas oficiais e da prática e reinterpreta-as de acordo
Neste trabalho, procura-se analisar as apro-
com as suas próprias concepções e finalidades.
ximações e distanciamentos para o conceito de
Nesse sentido, é importante destacar alguns
Propriedades Coligativas em livros didáticos
dos fatos históricos que contribuíram para o cená-
de Química aprovados no PNLD-2012 (Brasil,
rio educacional no que se refere à politica sobre o
2012). Optou-se por esse conceito em razão das
livro didático no Brasil. Para Rodrigues e Freitas
afinidades e experiências dos autores nessa área do
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
11
Propriedades Coligativas
conhecimento e por tratar-se de um dos conceitos
ser analisada, então, da perspectiva de compreen-
químicos que são difíceis de entender, visto que
der a produção de novos saberes nesse processo.
suas definições operacionais envolvem a capaci-
Nesse caso, pode-se perceber a importância das
dade de compreender e relacionar muitas variá-
transposições didáticas, uma vez que elas são bas-
veis como, por exemplo, a interferência em fenô-
tante comuns nas bibliografias em que os discentes
menos como a evaporação, condensação e fusão.
buscam as informações durante o estudo de qual-
Para tanto, serão realizadas comparações entre os
quer disciplina que faça parte do currículo escolar.
conhecimentos apresentados pelos livros didáticos
Acredita-se ser de fundamental importância que o
aprovados no PNLD-2012 (Brasil, 2012) conside-
docente saiba identificar se as transposições conti-
rando que, ao serem adquiridos por intermédio do
das nos livros didáticos são adequadas ou, ainda,
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
se facilitam a compreensão do conceito ou levam
(FNDE) e, posteriormente, distribuídos nas esco-
a erros conceituais ao se distanciarem ou se apro-
las públicas, serão utilizados durante três anos.
ximarem da Ciência de Referência (o saber sábio).
Uma das maneiras para fazer a análise dos livros didáticos é observar as transposições didáticas realizadas durante o processo de elaboração
2
Aspectos metodológicos
dos conteúdos nesses livros. Para tanto, é necessá-
Para realizar a análise das aproximações
rio que se compreenda o conceito de transposição
e distanciamentos, em relação ao conceito de
didática, que, de acordo com Chevallard (1998),
Propriedades Coligativas nos livros didáticos, uti-
pode ser entendido como a passagem do saber
lizou-se de uma ferramenta de análise chamada de
científico ao saber ensinado. Tal passagem, entre-
Modelo do Cone (Franzolin, 2007). A ferramenta
tanto, não deve ser compreendida como a transpo-
de análise foi construída da seguinte forma: os
sição do saber no sentido restrito do termo: apenas
distanciamentos foram classificados em duas cate-
uma mudança de lugar. Supõe-se essa passagem
gorias, ambas advindas da transposição didática.
como um processo de transformação do saber,
A primeira delas está representada no distancia-
que se torna outro em relação ao saber destinado a
mento vertical o qual se origina da transposição
ensinar. Transposição didática seria o conjunto de
do conhecimento científico para cada nível de
transformações adaptativas que são realizadas no
ensino, e é necessário para facilitar o aprendizado
conhecimento de referência para torná-lo objeto
dos alunos de diversas faixas etárias, respeitando-
de ensino. Portanto, segundo Chevallard (1998),
-se o nível cognitivo deles. Ficarão representados
a transposição didática é um “instrumento” pelo
todos os conhecimentos que estão inseridos dentro
qual se analisa o movimento do saber sábio (aquele
do cone que rodeia um eixo central, provenientes
que os cientistas elaboram) para o saber a ensinar
de um distanciamento dessa categoria, como está
(aquele que está nos livros didáticos) e, por este,
representado na Figura 1. No eixo representado
ao saber ensinado (aquele que realmente acontece
pela reta V, serão colocados os conhecimentos que
em sala de aula).
possuem um maior rigor com relação à referência.
Com base nos elementos mencionados, con-
Os conhecimentos que incidem dentro desse cone
sidera-se que a transformação do conhecimento
(que estão exemplificados por pontos acompanha-
científico com fins de ensino e divulgação não se
dos de letras, na Figura 1) aí se encontram tam-
constitui apenas por meio da simples adaptação
bém por causa do seu rigorismo, ou exatidão, com
ou uma simplificação do conhecimento, podendo
relação à Ciência de Referência, porém seu rigor
12
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Propriedades Coligativas
varia conforme o componente etário acadêmico
dentre muitos outros ensinados. O ponto a diz
(Franzolin, 2007).
respeito a um conhecimento ensinado no Ensino
O outro tipo de distanciamento seria o horizon-
Médio que se distancia verticalmente da referência
tal, que se refere ao distanciamento com relação
e, portanto, localiza-se dentro do cone. O ponto b
ao eixo determinado pela rigidez e, portanto, gera
refere-se a um conhecimento também ensinado no
conhecimentos que se encontram fora do cone que
Ensino Médio, que se encontra distanciado hori-
o rodeia. Pode ser caracterizado por um artifício
zontalmente da referência e, portanto, localiza-se
utilizado pelo autor do livro ou pelo professor,
fora do cone. Já o ponto C1 representa um conhe-
com o objetivo de facilitar a aprendizagem, mas
cimento que, ao ser ensinado no Ensino Médio,
não está ligado ao componente etário acadêmico.
se caracteriza como decorrente do distanciamento
Para um melhor entendimento da ferramenta de
vertical, pois é proveniente de uma transposição
análise, observe, na Figura 1, o Modelo do Cone,
didática necessária ao nível de ensino correspon-
adaptado para este trabalho.
dente. Entretanto, por causa do maior rigorismo no Ensino Superior, esse mesmo conhecimento, representado agora pelo ponto C2, está afastado
Ciência de referência
horizontalmente ao ser ensinado nesse nível de escolaridade, caracterizando-se como um laxismo com relação à referência, conforme Franzolin
C2
(2007).
Ensino Superior
Para o conceito de Propriedades Coligativas,
a C1 Ensino Médio
b
V
considerou-se como Ciência de Referência as informações encontradas em dois artigos publicados no Journal of Chemical Education em razão do fato de serem os artigos mais citados sobre o
Figura 1. Representação de possíveis tipos de distanciamento encontrados entre os conhecimentos ensinados nos diferentes níveis de ensino e aqueles apresentados pela referência. Fonte: Adaptado de Franzolin (2007).
tema Propriedades Coligativas (Chinard, 1955; Rioux, 1973). Esses autores afirmam que, em soluções diluídas, as Propriedades Coligativas dependem, exclusivamente, do número de partículas do soluto presente na solução e não da natureza das
O eixo V refere-se ao componente etário acadê-
partículas. Admite-se que o soluto não seja volátil
mico, em que estão localizados os distanciamentos
e que ele não se dissolva no solvente sólido, ou
verticais que possuem um maior rigorismo com
seja, o solvente sólido puro separa-se quando a
relação à referência. O cone que o rodeia abriga
solução é congelada. Com base nesses princípios,
os demais conhecimentos, que se distanciam ver-
temos que as Propriedades Coligativas (em que,
ticalmente da referência nos diferentes níveis de
coligativas significa “dependem do conjunto e não
ensino. Pode-se verificar que estão representa-
do indivíduo”) derivam da diminuição do poten-
das duas faixas distintas de conhecimentos, uma
cial químico pela presença do soluto.
correspondente aos conhecimentos ensinados no
A redução faz o potencial químico passar de
Ensino Médio e outra correspondente aos conhe-
MA* (MA= (∂)p,t,n’ quando o solvente está puro),
cimentos ensinados no Ensino Superior. Cada
para MA* + RT ln XA, quando o soluto está presente
ponto destacado representa um conhecimento
(ln XA é negativo, pois XA< 1, em que XA + XB = 1).
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
13
Propriedades Coligativas
A dedução matemática procura exemplificar que,
disso, como seria possível que partículas tão dis-
durante a formação das equações das Propriedades
tintas levassem aos mesmos desvios das proprie-
Coligativas, é utilizada somente a fração do soluto
dades físicas do solvente? Quanto às Propriedades
e que, em momento algum, é levado em considera-
Coligativas, é necessário delimitar a concentração
ção o tipo de partícula (Rioux, 1973).
do soluto, pois as partículas devem estar dispersas
Tomando como exemplo a elevação do ponto de ebulição, temos: ln XA = MA*(g) – MA*(l) (1/RT) = ΔVAPG/RT
em outra dentro da solução. (1)
Derivando ambos os lados em relação à temperatura e usando a equação de Gibbs-Helmholtz: d ln XA/dT = (1/R) d (ΔVAPG/T) / dT = ΔVAPH/RT2 (2) Multiplicando ambos os lados por dT e integrando XA = 1, correspondendo a lnXA = 0 (quando T = T*, o ponto de ebulição de A puro), até XA (quando o ponto de ebulição é T) tem-se: ln(1-XB) = ΔVAPH/R(1/T-1/T*)
(3)
Chinard (1955), Rioux (1973) e Atkins e Paula (2008) utilizam-se do conceito de entropia para explicar o surgimento das Propriedades Coligativas, pois relacionam a estabilidade do sistema com a sua desordem. S = K lnW
(6)
em que W é o número de microestados pelos quais as moléculas de um sistema podem ser distribuídas mantendo-se a energia total constante. A energia de Gibbs, que mede a espontaneidade de um sistema a pressão e temperatura constantes, é expressa por:
Considerando-se XB < 1, tem-se: XB = ΔVAPH/R (1/T*-1/T)
de maneira que uma partícula (soluto) não interfira
(4)
G = H – TS (7) Ao adicionar-se qualquer soluto a um determi-
T ≈ T*, tem-se:
nado solvente puro, aumenta-se a entropia total do (5)
sistema e, consequentemente, a desordem. Tendo
De acordo com as deduções matemáticas,
com o aumento da entropia, haverá uma diminui-
é possível verificar que qualquer soluto que se
ção da energia de Gibbs e, por conseguinte, uma
adicione poderá levar às mesmas Propriedades
maior estabilidade do sistema, o qual resultará
Coligativas. Fica evidente que é a quantidade do
nas Propriedades Coligativas, pois será necessária
soluto que leva ao surgimento das Propriedades
maior quantidade de energia para entrar em ebuli-
Coligativas e não as interações entre soluto-sol-
ção e retirar mais energia da solução para fundir,
vente ou soluto-soluto. As propriedades dependem
uma vez que, nessas condições, o sistema possui
apenas da quantidade da espécie e não do tipo de
maior estabilidade.
ΔT = K XB, onde K= RT*2/ΔVAPH
como base a equação 6, pode-se concluir que,
partícula. Por exemplo, 1,0 mol de sacarose inte-
Levando em consideração o detalhamento
rage de maneira diferente que 0,5 mol de cloreto
matemático e conceitual, a fim de apresentá-lo
de sódio, ou seja, 1,0 mol de partículas iônicas.
como a Ciência de Referência, de modo que seja
Considerando soluções com o mesmo volume de
sobreposto ao modelo Cone de Franzolin (2007),
solvente, a sacarose é uma substância molecu-
foram selecionados, para a análise, os livros didá-
lar relativamente grande, se comparada aos íons
ticos do Ensino Médio (LDEM) aprovados no
sódio e cloreto, que são partículas iônicas. Diante
PNLD-2012, ou seja, materiais que estão presen-
14
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Propriedades Coligativas
tes em muitas escolas brasileiras, uma vez que
professores têm, portanto, capacidade de produzir
são adquiridos e distribuídos por, no mínimo, um
os saberes para serem utilizados especificamente
triênio.
em situações de ensino. Para Chevallard (1998),
Pretende-se, então, verificar possíveis aproxi-
essa necessidade de textualização do saber, pois
mações e/ou distanciamentos em relação à Ciência
somente por meio dela é que o saber se transforma
de Referência, no que se refere ao conceito de
em texto científico para tornar-se público, pode
Propriedades Coligativas, por meio da ferramenta
promover rupturas com o contexto histórico da
de análise denominada Modelo do Cone. Os
pesquisa e do pesquisador que produziu o saber.
LDEM que fizeram parte da análise são apresentados no Quadro 1.
As definições para Propriedades Coligativas encontradas nos livros didáticos estão sumarizadas no Quadro 2.
3
A proposta de identificar aproximações e
Resultados e discussões
distanciamentos do conteúdo de Propriedades
Sendo o conhecimento científico um impor-
Coligativas em relação ao Conhecimento de
tante constituinte do saber escolar, sua transposi-
Referência não pretende estabelecer juízos defi-
ção didática torna-se necessária para permitir sua
nitivos sobre conteúdos de livros didáticos, mas
compreensão pelo aluno, levando-se muito em
realizar, em bases comparativas, um escrutínio da
consideração o nível de conhecimento no qual ele
proximidade de partes do livro didático em relação
se encontra. Os autores de livros didáticos e os
à Ciência de Referência.
Quadro 1. Livros didáticos usados na análise. LDEM I
CANTO, E. L. do; PERUZZO, F. M. Química na abordagem do cotidiano. Vol. 2, 4. ed. São Paulo: Moderna, 2010, p. 42-84.
LDEM II
MORTIMER, E. F.; MACHADO, A. H. Química. Vol. 2. São Paulo: Scipione, 2010, p. 224-239.
LDEM III
LISBOA, J. C. F. Ser protagonista química. Vol. 2. São Paulo: SM, 2010, p. 64-83.
LDEM IV
FONSECA, M. R. M. Química: meio ambiente, cidadania, tecnologia. Vol. 2. São Paulo: FTD, 2010, p. 140-162.
LDEM V
SANTOS, W. L. P.; MÓL, G. S. Químicapara a nova geração: química cidadã. Vol. 2. São Paulo: Nova Geração, 2010, p. 56-75.
Quadro 2. Recortes de textos relacionados ao conceito de Propriedades Coligativas em livros didáticos. LD LDEM I
Frases contidas nos livros didáticos “Existem quatro propriedades das soluções que dependem da quantidade de partículas de soluto dissolvidas em certa quantidade de solvente, mas não da natureza dessas partículas dissolvidas” (p. 59). “No caso da solução, a presença de algumas moléculas de solutos na superfície da solução não atrapalha o retorno das moléculas (condensação), mas dificulta a evaporação, pois na solução há menos moléculas de solvente na superfície, ou seja, menos moléculas aptas a passar para a fase vapor. Assim, é como se a presença do soluto “atrapalhasse” a vaporização do líquido, o que acarreta a redução da sua pressão de vapor e o torna menos volátil” (p. 61). “Iguais quantidades (mols) de diferentes solutos não eletrólitos e não voláteis, dissolvidas em uma mesma quantidade de solvente, causam o mesmo aumento na temperatura em que se inicia a ebulição desse solvente na solução” (p. 64).
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
15
Propriedades Coligativas
LDEM II
“Esse fenômeno é observado sempre que se adiciona um soluto não volátil a um solvente. A explicação para esse fenômeno é que a adição de um soluto não volátil à solução diminui a pressão de vapor do solvente puro” (p. 233). “Quando o solvente líquido puro passa para o estado gasoso, há um aumento de entropia, pois a entropia do vapor é maior do que a entropia do líquido. Essa diferença de entropia entre o líquido e o vapor é diminuída quando se adiciona um soluto não volátil, pois a solução formada tem uma entropia maior do que o solvente líquido puro. Essa diminuição na diferença da entropia entre o sistema líquido e o vapor está, portanto, correlacionada à diminuição da pressão de vapor do líquido, responsável pelo aumento da temperatura de ebulição” (p. 233). “Quando o solvente líquido puro passa para o estado sólido, há uma diminuição da entropia do sistema, pois a entropia do líquido é maior do que a entropia do sólido. Essa diferença de entropia entre o líquido e o sólido é aumentada quando se adiciona um soluto não volátil ao solvente, já que a solução formada tem uma entropia maior do que o solvente líquido puro. Como a diminuição de entropia não favorece uma transformação, esse aumento na diferença da entropia entre o sistema líquido e a solução faz com que fique mais difícil congelar a solução, o que implica a diminuição da temperatura de congelamento/fusão” (p. 234).
LDEM III
“Esse aumento na temperatura de ebulição do solvente não depende da substância adicionada, mas apenas da concentração de partículas de soluto presentes na mistura. As propriedades das soluções que dependem apenas da concentração de partículas de soluto e que não dependem da natureza são chamadas propriedades coligativas” (p. 64). “As interações existentes entre as moléculas de água e sacarose dificultam o escape de vapor do solvente” (p. 73). “A pressão de vapor de um solvente em uma solução é menor do que a pressão de vapor do solvente puro, pois as interações intermoleculares existentes entre o solvente e o soluto não volátil dificultam a formação do vapor” (p. 73). “O que determina a diminuição da pressão de vapor é a concentração do soluto presente na solução, e não sua natureza” (p. 73). “Quanto mais concentrada for a solução, maior será o efeito ebulioscópico, isto é, maior será o aumento da temperatura de ebulição da água” (p. 75). “Quanto mais concentrada for a solução, maior será o abaixamento da temperatura de congelamento do solvente” (p. 75).
LDEM IV
“As propriedades coligativas dependem apenas do número de partículas de soluto (não volátil) presentes na solução e não de sua natureza” (p. 141). “Já em uma solução de soluto não volátil também existirão na superfície livre partículas do soluto. Isso faz com que diminua a probabilidade de escape de partículas de solvente para a fase gasosa, diminuindo assim a pressão de vapor do solvente” (p. 144). “Isso ocorre porque as partículas de soluto “bloqueiam, atrapalham” o escape das moléculas de água do sistema, [...]” (p. 144). “A energia necessária para que as moléculas do solvente passem da fase líquida para a fase de vapor é maior numa solução, já que as partículas de soluto diminuem a probabilidade de escape (evaporação) das partículas do solvente” (p. 148). “Considere um sistema contendo um líquido puro durante o ponto de solidificação, que ocorre para esse líquido a uma temperatura de X ºC. A adição de um soluto ao sistema, formando uma solução ideal, baixa a pressão de vapor da fase líquida e interrompe a solidificação. Para que a solução volte a se solidificar, é necessário resfriá-la para baixar a pressão de vapor da fase sólida, tornando-a novamente igual à da fase líquida, o que irá ocorrer a uma temperatura inferior a X ºC” (p. 152).
LDEM V
“No caso de substâncias moleculares, como a água, as interações intermoleculares dificultam a passagem das moléculas para o estado gasoso. Ao adicionarmos um soluto não volátil ao solvente, aumentam as interações entre as espécies químicas presentes na solução, dificultando a evaporação do solvente” (p. 61). “Quanto maior a concentração em quantidade de matéria do soluto, maior será a variação de temperatura” (p. 61). “Se colocarmos iguais quantidades de partículas de diferentes solutos não voláteis dissolvidos em recipientes diferentes com a mesma quantidade de água, obteremos o mesmo aumento de temperatura de ebulição” (p. 61). “Diferentes quantidades de solutos não voláteis, quando dissolvidos em água ou em outro solvente, causam diferentes variações da temperatura de congelamento das soluções. Entretanto, se dissolvermos a mesma quantidade de matéria de diferentes solutos não voláteis, a variação na temperatura de fusão será sempre a mesma” (p. 63).
16
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Propriedades Coligativas
No LDEM I, há uma aproximação em relação à Ciência de Referência, principalmente no que
que dependem do estado de organização das fases (sólida, líquida ou gasosa).
se refere à relação de proporcionalidade existente
Ao se analisar o LDEM III, identificou-se que
entre a quantidade de soluto e a intensidade das
alguns dos textos selecionados podem estar relacio-
Propriedades Coligativas, em que os textos das
nados ao ponto b, ou seja, um afastamento horizon-
páginas 59 e 64 podem se enquadrar no ponto a do
tal em relação à Ciência de Referência descrito no
Modelo do Cone. No entanto, o texto da página 61
Modelo do Cone proposto. Verificou-se a existência
apresenta uma criação didática (julgado com base
de criações didáticas (explicações para determinados
no referencial deste trabalho) para que os alunos
fenômenos puramente didáticos) na página 73, em
possam entender esse conteúdo; assim, esta última
que o autor atribui o surgimento das Propriedades
pode ser enquadrada no ponto C1, uma vez que
Coligativas às interações existentes entre o solvente
não se distancia muito da Ciência de Referência,
e o soluto e não à entropia citada na Ciência de
embora seja uma criação didática. Os autores con-
Referência. Nas páginas 64, 73 e 75 do mesmo livro,
seguem fazer que a criação didática da página 61
o autor apresenta textos que podem ser enquadradas
não entre em contradição com os textos das pági-
no ponto a, tendo em vista que descrevem as rela-
nas 59 e 64 (Figura 2).
ções de proporcionalidade existentes entre a concen-
No LDEM II também há uma aproximação em
tração e a intensidade das Propriedades Coligativas,
relação à Ciência de Referência em todos os textos
aproximando-se bastante da Ciência de Referência
selecionados das páginas 233 e 234. Na classifica-
aqui considerada (Figura 3).
ção dos pontos que fazem parte do cone, o LDEM
Ainda da análise do LDEM III pode-se infe-
II insere-se no ponto a, uma vez que as explicações
rir que, em alguns momentos, o autor se utiliza de
para o surgimento das Propriedades Coligativas
criações didáticas (distancia-se horizontalmente da
estão de acordo com a Ciência de Referência. Os
Ciência de Referência e em outros, aproxima-se).
autores utilizam-se do conceito de entropia para
Dessa perspectiva, é preciso cuidado para que as afir-
justificar como surgem as propriedades e como
mações contidas no texto não sejam contraditórias,
elas se relacionam com a concentração do soluto
pois, ao afirmar que “interações intermoleculares”
e a variação dos pontos de fusão e de ebulição,
(erro conceitual) é que dá origem as Propriedades
“Existem quatro propriedades das soluções que dependem da quantidade de partículas de soluto dissolvidas em certa quantidade de solvente, mas não da natureza dessas partículas dissolvidas” (p. 59).
Ciência de referência
“Iguais quantidades (mols) de diferentes solutos não eletrólitos e não voláteis, dissolvidas em uma mesma quantidade de solvente, causam o mesmo aumento na temperatura em que se inicia a ebulição desse solvente na solução” (p. 64).
C2 Ensino Superior a C1 Ensino Médio
V
b
“No caso da solução, a presença de algumas moléculas de solutos na superfície da solução não atrapalha o retorno das moléculas (condensação), mas dificulta a evaporação, pois na solução há menos moléculas de solvente na superfície, ou seja, menos moléculas aptas a passar para a fase vapor. Assim, é como se a presença do soluto “atrapalhasse” a vaporização do líquido, o que acarreta a redução da sua pressão de vapor e o torna menos volátil” (p. 61).
Figura 2.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
17
Propriedades Coligativas
“O que determina a diminuição da pressão de vapor é a concentração do soluto presente na solução, e não sua natureza” (p. 73). “Quanto mais concentrada for a solução, maior será o abaixamento da temperatura de congelamento do solvente” (p. 75).
Ciência de referência
“Esse aumento na temperatura de ebulição do solvente não depende da substância adicionada, mas apenas da concentração de partículas de soluto presentes na mistura. As propriedades das soluções que dependem apenas da concentração de partículas de soluto e que não dependem da natureza são chamadas propriedades coligativas” (p. 64). “As interações existentes entre as moléculas de água e sacarose dificultam o escape de vapor do solvente” (p. 73). “A pressão de vapor de um solvente em uma solução é menor do que a pressão de vapor do solvente puro, pois as interações intermoleculares existentes entre o solvente e o soluto não volátil dificultam a formação do vapor” (p. 73).
C2 Ensino Superior a C1
b
V
Ensino Médio
Figura 3.
Coligativas, o autor entra, possivelmente, em con-
cipalmente no que se refere à relação de propor-
tradição, ao citar: o que determina a diminuição da
cionalidade existente entre a quantidade de soluto
pressão de vapor é a concentração do soluto presente na
e a intensidade das Propriedades Coligativas. Nos
solução, e não sua natureza (p. 73), em que “natureza”
textos das páginas 144 e 148, percebe-se que há
pode significar o tipo de partícula (iônica ou mole-
uma criação didática na explicação do surgimento
cular) que constitui o soluto. Desse modo, partículas
das propriedades, que se enquadra no ponto C1 do
diferentes apresentam interações intermoleculares
Modelo do Cone, uma vez que não se distancia
diferentes e levariam a Propriedades Coligativas
muito da Ciência de Referência, embora seja uma
diferentes, com isso, talvez o aluno crie uma con-
criação didática. O texto da página 152 pode ser
cepção de que toda interação entre as partículas será
inserido no ponto a, pois se apresenta como uma
igual, já que quantidades (mol) de partículas iguais
aproximação em relação à Ciência de Referência.
levam às mesmas intensidades das Propriedades
No LDEM V, há um afastamento em relação à Ciência de Referência, visto que apresenta concei-
Coligativas. Para o LDEM IV, na página 141, há uma aproximação em relação à Ciência de Referência, prin-
tos que podem estar relacionados ao ponto b, como se pode observar no Modelo do Cone (Figura 4).
Ciência de referência
Recorte texto da página 61: [...] em que justificam ser as “interações intermoleculares” (erro conceitual) a origem das Propriedades Coligativas. “Ao adicionarmos um soluto não volátil ao solvente, aumentam as interações entre as espécies químicas presentes na solução, dificultando a evaporação do solvente”.
C2 Ensino Superior a C1 Ensino Médio
b
V
Figura 4.
18
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Propriedades Coligativas
Percebe-se que, ao utilizarem as “interações
Coligativas. Os livros LDEM I e IV apresentaram
intermoleculares” como justificativa, configura-se
uma proposta de criação didática para o conceito
o erro conceitual sobre a origem das Propriedades
de entropia, ao passo que os livros LDEM III e
Coligativas. O erro fica ainda mais evidente no
V, ao tentarem fazer uma criação didática (inte-
recorte “Ao adicionarmos um soluto não volátil ao
rações intermoleculares) para explicarem o sur-
solvente, aumentam as interações entre as espécies
gimento das Propriedades Coligativas, acabaram
químicas presentes na solução, dificultando a eva-
se distanciando muito da Ciência de Referência e
poração do solvente”. No texto das páginas 61 e 63,
terminaram por induzir os leitores a um erro con-
ao tratar da relação de proporcionalidade existente
ceitual. Por outro lado, o LDEM II apresentou uma
entre a concentração do soluto e a intensidade do
aproximação em relação à Ciência de Referência,
surgimento das Propriedades Coligativas, o autor
uma vez que se utilizou do conceito de entro-
realiza uma aproximação em relação à Ciência de
pia para explicar o surgimento das Propriedades
Referência, caracterizando-se como o ponto a do
Coligativas.
Modelo do Cone.
Com base nos resultados deste estudo, entende-
Vale salientar que, assim como o LDEM III, o
-se a importância do profissional de Educação em
LDEM V também apresenta contradições ao tran-
entender e compreender os conceitos que estão
sitar entre o ponto a e o ponto b do Modelo do
relacionados aos processos de ensino e de aprendi-
Cone, quando cita, por exemplo, que “se colocar-
zagem na sua disciplina. Assim, cabe ao professor
mos iguais quantidades de partículas de diferen-
de Química conhecer os livros didáticos, suas limi-
tes solutos não voláteis dissolvidos em recipientes
tações e potencialidades e trabalhar com estes de
diferentes com a mesma quantidade de água, obte-
modo significativo durante suas atividades.
remos o mesmo aumento de temperatura de ebulição”. Observa-se que, primeiro, os autores falam do surgimento das Propriedades Coligativas por intermédio das interações existentes entre soluto e solvente e, logo depois, os mesmos autores afirmam que partículas de solutos diferentes apresentam o mesmo aumento de temperatura de ebulição, mas os alunos podem questionar se as interações entre as partículas (iônica ou molecular) com o solvente são iguais, pois levam ao surgimento de igual intensidade das mesmas Propriedades Coligativas. 4
Conclusão Com base no que foi verificado por meio da análise dos livros didáticos, pode-se inferir que, nos cinco livros aprovados no PNLD-2012 (Brasil, 2012), se identificou a existência de três formas de abordagem de como surgem as Propriedades
5
Referências ABREU, R. G.; GOMES, M. M.; LOPES, A. C. Contextualização e tecnologias em livros didáticos de biologia e química. Investigações em Ensino de Ciências, v. 10, n. 3,2005, 405-417. ATKINS, P.; PAULA, J. Atkins. Físico-Química. Tradução: Edilson Clemente da Silva, Márcio José Estillac de Mello Cardoso e Oswaldo Esteves Barcia. Rio de Janeiro: LTC, 2008. BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD-2012: Química. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011. CHEVALLARD, Y. La transposición didáctica: Del Saber Sabio al Saber Enseñado. Buenos Aires: Aique,1998. CHINARD, F.P. Colligative Properties. Journal Chemical Education, n. 31, v. 66, 377-380, 1954. DIAS, R.E.; ABREU, R.G. Discursos do mundo do trabalho nos livros didáticos do ensino médio. Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 32, 2006, 297-273.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
19
Propriedades Coligativas
FORQUIN, J. C. Saberes escolares, imperativos didáticos e dinâmicas sociais. Teoria e Educação, Porto Alegre, n. 5, p. 28-49, 1992.
em: <http://www.secom.to.gov.br/noticia/2011/5/16/ mec-realiza-webconferencia-para-escolha-de-livros-didaticos >. Acesso em: 10 de outubro de 2011.
FRANZOLIN, F. Conceitos de biologia na educação básica e na academia: Aproximações e distanciamentos. Dissertação de mestrado, faculdade de educação, Universidade de São Paulo, 2007.
RODRIGUES, M. H.; FREITAS, N. K. O livro didático ao longo do tempo: a forma do conteúdo. Pesquisa, v. 3, p. 26-33, 2008.
MAIA, J.O.; SÁ, L.P.; MASSENA, E. P.; WARTHA, E. J. O Livro Didático de Química nas Concepções de Professores do Ensino Médio da Região Sul da Bahia. Química nova na escola. v. 33, n. 2, 2011.
YUNES, J.; SILVA, M. S. P. Livros escolares: Usos e políticas. O jornal letra A. Ano 5 - n° 19 página 3, agosto/setembro de 2009. Disponível em <http:// www.ceale.fae.ufmg.br/nomade/midia/docs/230/ php5aSfuQ.pdf >
MOTA, N. B. MEC realiza webconferência para escolha de livros didáticos. Tocantins, 2011. Disponível
RIOUX, F. Colligative properties, J. Chem. Educ., n. 50, 490-492, 1973.
20
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Artigo 02 | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
p. 21-32
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha Among Colours and Flavours: the Chemistry Teaching in the kitchen Thiago Henrique Barnabé Corrêa1 e Pedro Faria dos Santos Filho2
Resumo Embora reconheçamos que o prazer associado à degustação de um alimento nunca possa ser associado apenas ao seu aspecto visual, neste trabalho fizemos a opção de explorar as cores dos alimentos e seu poder hedônico, como uma possível estratégia para despertar a atenção e melhorar o interesse pelo ensino de Química. A fim de demonstrar que a Química está intimamente relacionada à vida das pessoas, e que a cozinha é um espaço no qual muitas reações ocorrem, este trabalho focalizou a interlocução da Química com outras áreas do conhecimento, de modo que professores e alunos consigam identificar e interpretar os fenômenos do cotidiano sob a ótica desta Ciência. É importante evidenciar que o tema “Química dos Alimentos” foi selecionado por apresentar uma riqueza conceitual muitas vezes desconhecida, ou até mesmo ignorada, o que nos motivou ainda mais a desenvolver este trabalho. Palavras-chave: Química dos alimentos; Interdisciplinaridade; Ensino de química. Abstract Although we recognize that the satisfaction associated with a food tasting can never be associated only with the visual aspect, in this work we made the choice to explore 1. Professor do Departamento de Educação em Ciências, Matemática e Tecnologias da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (DECMT/UFTM). 2. Professor do Departamento de Química Inorgânica da Universidade Estadual de Campinas (IQ/ UNICAMP).
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha
the colours of food, and their hedonic power, as a possible strategy to increase attention and instigate interest for the teaching of chemistry. In order to demonstrate that the chemistry is inwardly related to people’s lives, and that the kitchen is a space where many reactions happens, this work was focus on the dialogue of chemistry with other areas of knowledge, so that teachers and students can identify and interpret the everyday phenomenon from the perspective of this Science. It is important to emphasize that the theme “Food Chemistry” was select by having a conceptual richness, often unknown or even ignored, which led us to develop this work. Key-words: Food chemistry; Interdisciplinary; Chemistry teaching.
1
mentação vitamínica é, na maioria das vezes, dis-
Introdução
pensável, já que os alimentos naturais do dia a dia
Costuma-se dizer que a aparência de um alimento é o início de uma boa degustação, o que
fornecem a quantidade necessária para a regulação e o bom funcionamento do nosso organismo.
de fato não deixa de ser verdade, já que os olhos
Apesar de algumas doenças estarem associa-
são os primeiros a avaliar o que comemos. Assim,
das à falta de vitaminas, como é o caso do beri-
dado que o aspecto do alimento é fundamental
béri (vitamina B1 – tiamina) e da cegueira noturna
para a sua apreciação, se torna indiscutível consi-
(vitamina A), o relato histórico mais conhecido
derar que as cores contribuem no desejar do prato,
sobre os efeitos biológicos da deficiência de vita-
bem como estimulam os nossos sentidos.
minas remonta ao período das grandes navega-
Embora remonte às origens da civilização,
ções, entre os séculos XV e XVII, quando muitos
a relação entre alimentação e saúde nunca foi
tripulantes dos navios europeus desenvolviam uma
tão discutida quanto nos dias de hoje, quando se
doença carencial, o escorbuto, e apresentavam um
acredita que dietas ricas em gordura, sal e açúcar
quadro de hemorragia aguda, levando até à morte.
e pobres em carboidratos complexos, vitaminas e
Relacionado à ingestão pobre de alimentos fres-
minerais, aliadas a um estilo de vida mais seden-
cos, como frutas e vegetais de folhas verdes, o
tário, são responsáveis pelo aumento de deter-
escorbuto é causado pela carência de vitamina C
minadas doenças, tais como obesidade, diabetes,
(ácido ascórbico).
problemas cardiovasculares, hipertensão e câncer (Carvalho et al., 2006).
A vitamina C possui ação antioxidante, além de muitos benefícios que lhe ajudaram a se tornar
Provavelmente, todos já ouviram falar que
um dos suplementos vitamínicos mais consumidos
uma dieta colorida faz bem à saúde e pode preve-
pela população. Contribuindo para esta fama, o
nir diversas doenças. Mas, qual a relação das cores
cientista e ganhador de dois Prêmios Nobel, Linus
dos alimentos com o nosso bem-estar? Montar um
Pauling, foi um dos personagens mais notórios que
prato com variedade na cor é uma forma de garan-
defendeu a ingestão diária de grandes quantidades
tir diferentes nutrientes para o corpo e, assim, evi-
desta vitamina, dividindo a opinião de especialis-
tar a carência de determinados compostos. Tanto a
tas e, inclusive, de leigos. Apesar de o ácido ascór-
deficiência quanto o excesso de nutrientes podem
bico possuir propriedade antioxidante e ser um
se tornar um grande problema para a saúde, pois
componente importante para a dieta humana, há
muitas pessoas acreditam que vitamina nunca é
circunstâncias em que esta vitamina pode ter efeito
demais, o que pode não ser verdade. Embora sejam
pró-oxidante, como é conhecida a mistura ferro/
essenciais para a sobrevivência humana, a suple-
ácido ascórbico, por gerar radicais OH– e induzir
22
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha
a peroxidação lipídica in vitro, contrariando a ação
mencionamos, as cores dos alimentos estão rela-
antioxidante esperada (Halliwell, 1996).
cionadas com a presença de inúmeros compostos
Atualmente, sabe-se que as cores de frutas e
funcionais, que podem se tornar um importante
verduras indicam a presença de uma gama de subs-
indicativo na forma de preparo dos alimentos.
tâncias e, assim, esta característica deixou de ser
Mesmo que muitos se interessem apenas pelo pro-
somente um aspecto organoléptico. Por mais que
duto final, certamente já devem ter percebido que
a diversidade de cor indique uma riqueza nutricio-
alguns alimentos mudam de cor quando cozidos, o
nal, a forma como preparamos os alimentos pode
que pode indicar a ocorrência de transformações
estar intimamente relacionada à perda de seus
químicas. A quantidade de calor durante o preparo,
nutrientes. Sendo assim, poderia a Química nos
o tipo de recipiente, o pH do meio e a presença
auxiliar na compreensão das transformações que
de água podem interferir no visual, no sabor, na
ocorrem nos alimentos e seu melhor aproveita-
textura do alimento e na quantidade de nutrientes
mento pelo organismo?
ativos. Mesmo que cozinhar pareça uma tarefa fácil e, literalmente, prazerosa, basta um deslize na
2
Quem cozinha precisa saber Química?
hora de manipular os alimentos para que muitas substâncias se percam.
Visitar a sessão de hortaliças de um supermer-
Os vegetais verdes, por exemplo, possuem esta
cado é, sem dúvidas, estar próximo de uma infini-
cor devido ao pigmento clorofila. Nas plantas, esta
dade de compostos químicos, ou melhor, de uma
molécula age como um receptor de energia lumi-
farmácia natural. Consideradas como um grupo
nosa, a qual tem um importante papel no processo
de vegetais cultivados em horta, de onde vem o
de fotossíntese. A clorofila é classificada como uma
nome, as hortaliças são todas as raízes, caules,
metalobiomolécula, que apresenta um anel porfirí-
folhas, flores, frutos e sementes consumidas pelo
nico modificado, ligado a um centro metálico, o
homem.
íon Mg2+, e uma cadeia carbônica lateral, o grupo
De modo geral, as hortaliças são chamadas de
fitol (Pereira-Maia; Demicheli, 2005; Linhares;
verduras e legumes, podendo serem classificadas
Gewandsznajder, 1998). Embora a presença de um
pela parte aproveitável para o consumo, e se esta
centro catiônico na molécula de clorofila aumente
está abaixo ou acima do solo, como, também, pelo
a sua polaridade, o grupo fitol garante ao composto
teor de glicídios ou sua pigmentação. Conforme
o caráter hidrofóbico (Moreira et al., 2010).
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
23
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha
H2C
H
H
R
CH 3
H3C N
N Mg
H N
H3C
H N CH3
H H H
O
O O
O
O
CH3
H3C CH3 CH3
CH3
CH 3
fitol Estrutura molecular da clorofila
Outro composto encontrado nos vegetais ver-
HO
O
des, em particular nos de tom intenso como os brócolis, a rúcula, a couve e o espinafre, é o ácido
N H
fólico (folato), uma das vitaminas do famoso complexo B, que carrega a fama de proteger o orga-
O
OH
nismo contra tumores e males cardiovasculares. As hortaliças de cor verde-escura também contém
OH
certo grau de acidez quando consumidas cruas. ria perfeita, já que a vitamina C atua como agente quando este é aquecido. Por este e outros moti-
HO
vos, é aconselhado que as hortaliças verdes sejam
água, pois tanto a vitamina C como o ácido fólico são hidrossolúveis devido à presença dos grupos hidroxila.
24
N
Ácido fólico
redutor, retardando a degradação do ácido fólico
ao calor, ou então, com a mínima quantidade de
N
H3C
A presença destes dois compostos é uma parce-
NH N
N
vitamina C (ácido ascórbico), o que lhes confere
preparadas no vapor, sem a exposição prolongada
O
O
O
HO
HO
OH
Ácido ascórbico (vitamina C)
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha
Outro cuidado no preparo dos alimentos é o tipo
ácido ascórbico, o ácido deidroascórbico também é
de recipiente utilizado, o que é, muitas vezes, igno-
rapidamente convertido a ácido 2,3-dicetogulônico
rado por aqueles que acreditam que qualquer panela é
por um processo catalisado por Cu(II) e outros íons
ideal não interferindo na cocção. Poucos sabem, mas
metálicos de transição. Portanto, a perda de vitamina
na presença de oxigênio e um catalisador, a vitamina
C presente em vegetais e frutas é acelerada quando
C é oxidada ao ácido deidroascórbico. Embora este
estes são cozidos em recipientes de cobre ou de ferro
último apresente 75-80% da atividade vitamínica do
(Fiorucci; Soares; Cavalheiro, 2003).
Ácido 2, 3 diceto-L-gulônico
Ácido ascórbico O H HO
O
-2e-
HO
O
HO
Hidrólise
O
OH
O
O
O
OH
HO H
H+/H2O
+2eO
O
OH
O
OH
OH
Ácido deidroascórbico
Sabe-se que muitos dos pigmentos que dão cor
cozimento de vegetais verdes, o íon magnésio pre-
aos vegetais sofrem alterações durante a cocção,
sente na estrutura da clorofila pode ser substituído
sendo a clorofila um exemplo marcante. Para confir-
por dois íons H+ provenientes de ácidos orgânicos
mar o exposto, basta olhar a diferença de cor de uma
liberados ou adicionados ao sistema, numa reação
couve fresca para uma couve refogada, ou mesmo
de hidrólise ácida denominada desmetalação, ori-
o escurecimento de suas folhas picadas ou depois
ginando a feofitina, de cor verde-oliva ou marrom
de temperadas com vinagre ou limão. Durante o
(Oliveira; Pereira-Maia, 2007; Soares, 2006).
HC
CH2
CH3
H3C
HC CH
N
N
H H2C CH2
CH NH
-Mg2+
H O OCH3
COO
N
N
H3C H H2C
C
CH2
2H+
N CH3
O
CH3
H3C
N Mg
H3C
CH2
CH2
C20H 29
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
CH2
HN CH3
H O
O
C OCH3
COO C20H 29
25
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha
A mudança de cor pode ocorrer, ainda, pela
de prótons é suficiente para desencadear a reação
ação da enzima clorofilase, que gera a perda do
de desmetalação da clorofila. Isso explica também
grupo fitol, produzindo clorofilina (verde bri-
a razão de ser mais conveniente empregarmos um
lhante). Esse fator é o mecanismo responsável
tempo de cozimento relativamente curto para evi-
pela preservação e pelo melhoramento da cor dos
tar que esta reação ocorra em grande extensão.
vegetais verdes submetidos a temperaturas bran-
Na molécula de clorofila, o íon Mg2+ se encon-
das, pois essa enzima não é inativada às temperatu-
tra coordenado aos quatro átomos de nitrogênio
ras inferiores a 77ºC (Oetterer; Regitano-D’Arce;
em um arranjo quadrado planar. Isso é possível
Spoto, 2006). Por outro lado, para evitar a descolo-
para o íon magnésio porque ele apresenta todos os
ração indesejada dos legumes verdes, alguns espe-
orbitais d do terceiro nível vazios e pode utilizar o
cialistas também sugerem não cobrir o recipiente,
orbital dx2-y2 no processo de hibridização com um
permitindo, assim, que os ácidos liberados evapo-
orbital s e dois orbitais p. Isso resulta em quatro
rem e não reajam com a clorofila.
orbitais híbridos do tipo dsp2, que se encontram
Porque ocorre a substituição do íon Mg2+ pelos
no mesmo plano e separados por ângulos de 90º,
dois prótons (H ) quando utilizamos muita água
permitindo que o íon possa se acomodar naquele
ou excedemos no tempo de cozimento? Qual o
arranjo encontrado na molécula de clorofila.
+
papel da água se a clorofila é uma molécula hidro-
Deve-se destacar, ainda, que optamos aqui por
fóbica? Seria a reação de desmetalação da cloro-
utilizar o modelo da Teoria da Ligação de Valencia
fila reversível ou irreversível? Estas questões são
(TLV) nesta explicação por ser mais simples e
inevitáveis e despertam a atenção de qualquer pes-
acessível à maioria das pessoas, em comparação
soa; como são fenômenos muito comuns em qual-
aos argumentos da Teoria do Orbital Molecular
quer região do país e estão presentes em todos os
(TOM), que requer um conhecimento mais apro-
lares, poderiam ser utilizadas para contextualizar
fundado por parte dos professores.
o conteúdo de química nas aulas desta disciplina.
É importante ressaltar ainda que, apesar de exis-
Mesmo que estas questões passem despercebidas
tir deslocalização eletrônica neste sistema conju-
para a maioria das pessoas, para os professores de
gado da clorofila, destes quatro átomos de nitrogê-
Química elas se tornariam grandes aliadas em suas
nio que se encontram ligados ao íon magnésio, dois
aulas para alunos de qualquer nível, desde que eles
já estavam formando três ligações, enquanto que os
saibam utilizá-las adequadamente e no momento
outros dois formavam apenas duas ligações. Daí a
oportuno.
necessidade de um íon divalente para formar o com-
Para compreender melhor esta reação, e suas
plexo eletricamente neutro, bem como da reação
implicações no preparo dos alimentos, devemos
com apenas dois íons H+ na reação de desmetalação.
considerar inicialmente a autoionização da água,
Além disso, é importante notar que, na molécula de
segundo a equação a seguir:
clorofila, os quatro átomos de nitrogênio que se ligam ao íon metálico apresentam um compromisso
H2O + H2O H3O+ + OH–
estrutural que determina não só o arranjo ao redor
Isso explica a razão de ser mais conveniente
do íon que ali se acomoda, como também ele impõe
optarmos pelo cozimento destes vegetais verdes
restrições de tamanho a esta espécie. Isso justifica o
no vapor. A autoionização da água é um processo
fato de que somente o íon magnésio apresenta este
natural no qual as moléculas reagem entre si, ori-
conjunto de características, ou seja, tamanho ade-
ginando íons H e OH , sendo que a concentração
quado e orbitais vazios adequadamente direciona-
+
26
-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha
dos para os orbitais ocupados e não compartilhados dos quatro átomos de nitrogênio.
Nesses casos, a aparência marrom da polpa está atrelada à ação de uma enzima chamada poli-
Agora podemos entender, também, o porquê
fenoloxidase (PPO). Após a retirada da casca, que
das folhas de couve adquirirem uma coloração
protege o interior do alimento, essa enzima entra
escura na região em que são cortadas. Em outras
em contato com o oxigênio do ar e é ativada. A
palavras, no corte, estamos danificando as células
ação deste catalisador biológico é responsável
e provocando a liberação de ácidos orgânicos que,
por transformar os compostos fenólicos, natural-
apesar de serem ácidos fracos, aceleram a reação
mente incolores, em substâncias de cor escura, as
de desmetalação da clorofila. Podemos, assim,
melaninas. Os compostos fenólicos fazem parte de
entender também o fato dos vegetais verdes escu-
uma poderosa classe de antioxidantes, cuja função
recerem após determinado tempo quando tempe-
no nosso organismo é combater radicais livres e
rados com substâncias ácidas como o vinagre ou o
proteger as células de seus possíveis danos. Como
limão, pois estes também são fontes de H e acele-
em pequeno intervalo de tempo estas transforma-
ram a desmetalação.
ções ocorrem apenas na superfície do alimento,
+
Finalmente, como a ligação N-H é mais forte
ainda que o sabor e, principalmente, a aparência
que a ligação N-Mg, quando ocorre a substitui-
se tornem menos agradáveis, não há problema em
ção do íon Mg pelos dois íons H , este processo
consumi-los.
2+
+
acaba sendo irreversível e isso faz com que, uma
Como podemos evitar o escurecimento destes
vez alterada a cor dos vegetais verdes, esta não
alimentos e garantir sua aparência “saudável”?
mais volte a ser como era originalmente.
As enzimas são muito sensíveis à mudança de pH e temperatura. Em particular, a PPO tem sua ação numa faixa de pH entre 4 e 7, e assim existem algumas formas de inativar a sua ação; dentre estas podemos citar a imersão dos alimentos picados em água, evitando o contato enzima-oxigênio, ou mesmo espremer limão em água e, em seguida, passar essa solução na polpa. Poderíamos, também, retardar o escurecimento dos alimentos, colocando-os em uma geladeira, pois a temperatura
Figura 1. Folha de couve após ser cortada.
mais baixa provoca uma diminuição na velocidade das reações que o provocam, lembrando que este procedimento é menos efetivo que os anteriores.
3
Por que as frutas da rede de fastfood não escurecem?
Curiosamente, algumas redes de fastfood têm vendido frutas picadas embaladas, como maçã, sem que estas percam a coloração típica e dese-
Algumas frutas e vegetais como a maçã, a pera
jada antes que a embalagem seja aberta para o
e a batata, escurecem após terem suas cascas retira-
consumo. Se analisarmos o rótulo destas embala-
das, culminando na decisão de rejeitar o alimento
gens notaremos a presença de duas nomenclaturas
ou até mesmo descartá-lo. Assim como ocorre nos
que podem nos confundir, ou até mesmo provocar
vegetais verdes, estaria este fenômeno associado a
o receio de consumi-las: antioxidante INS 300 e
alguma transformação química?
estabilizante INS 509.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
27
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha
escurecimento da polpa e o cloreto de cálcio garante rigidez à superfície da fruta. Segundo Willey (1994), o ácido ascórbico e seus vários sais neutros e outros derivados são os principais antioxidantes usados em frutos, hortaliças e sucos para prevenir a ocorrência de reações oxidativas, enquanto o cálcio contribui para o incremento no teor de pectina solúvel ao longo do armazenamento, além de atuar formando ligações covalentes entre as moléculas de pectina da parede celular e da lamela média, originando pectato de cálcio, o qual é predominante nos tecidos de frutos ima-
Figura 2. Rótulo da embalagem da maçã comercializada por uma rede de fastfood.
turos, limitando a ação de enzimas como a pectinametilesterase e poligalacturonase, responsável pela perda de textura (Brett; Waldron, 1990;
O que seriam estes ingredientes? Estariam
Peroni, 2002).
estes associados à conservação do alimento? Quais os possíveis danos ao organismo? Como é possível evitar o indesejável escurecimento das frutas mesmo quando estas estão picadas há dias? Sem dúvida, estas perguntas levariam a uma boa discussão em aulas de Química! Abreviação
de
International
Numbering
System, o INS foi elaborado pelo Comitê do Codex Alimentarius das Nações Unidas para estabelecer um sistema numérico internacional de identificação dos aditivos alimentares nas listas de ingredientes, como alternativa à declaração do nome específico do aditivo.
4
Por que reaproveitar a água dos alimentos cozidos? Já percebemos que cozinhar envolve muita Química, e que estar à frente de uma cozinha não é uma tarefa simples para aqueles que desejam preparar alimentos aprazíveis ao paladar e ao visual de um público exigente. Até a simples utilização de água pode mudar o rumo na preparação de um prato; todavia, para toda regra existe sua exceção. Ainda sobre a interação dos compostos com a água, muitos livros de receitas sugerem o rea-
INS 300
Ácido ascórbico (Vitamina C)
INS 509
Cloreto de cálcio (CaCl2)
proveitamento desta, agora carregada de nutrientes. Isto pode ser vislumbrado ao cozinharmos a cenoura, rica em β-caroteno (lipossolúvel), e a
A utilização destes dois compostos é a causa
beterraba, rica em betanina (hidrossolúvel), perce-
da conservação das maçãs vendidas nas redes de
bendo, nesta última, uma descoloração acentuada
fastfood, uma vez que o ácido ascórbico evita o
após o cozimento em água.
28
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha
O
O H N
HO
OH
O N+ O-
HO
O
HO
O Betanina
HO
OH OH CH3
CH3
CH3
CH3 CH3
CH3
ß-caroteno
H3C
CH3
CH3
CH3
Figura 3. Água recolhida após o cozimento água recolhida após o cozimento da cenoura beterraba.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
29
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha
Embora não seja possível notar a presença de
Contudo, enquanto alguns alimentos dispensam
pigmentos na água onde foi preparada a cenoura,
preparo, outros são mais saborosos quando cozi-
seria errôneo consideráa-la livre de nutrientes, já
dos, assados ou fritos, como é o caso da batata.
que nem todos os compostos bioativos apresentam
Mas, como um alimento sonso quando cru se torna
cor. Ao contrário da clorofila, os carotenoides não
saboroso e macio após a fritura? Já que consegui-
sofrem tanto durante a cocção, sendo liberados das
mos realçar o sabor da batata fritando-a, porque
estruturas celulares (cromoplastos) pelo processo,
não fazemos o mesmo com a beterraba, rica em
realçando ainda mais a cor do alimento. Isso pode-
nutrientes e ferro?
ria nos levar a pensar que os alimentos que o pos-
A consistência fritável e crocante, a coloração
suem podem ser preparados em água abundante
dourada e o sabor característico das frituras se
sem que sejam afetados.
deve, em parte, à coagulação das proteínas (no caso
Não podemos esquecer que uma única hortaliça
das carnes) e à “caramelização” do amido, o que
apresenta inúmeros compostos bioativos que inte-
explica o porquê da batata ser tão utilizada neste
ragem, ou não, com a água, sendo arrastados por
processo. Para os alimentos que não comportam
esta. Como exemplos, podemos citar a cenoura, a
glicídios na superfície, como a beterraba, a farinha
batata e o milho que, além de possuírem grande
de rosca (ou trigo) é um bom paliativo. Embora a
quantidade de β-caroteno e xantofila (lipossolú-
utilização da beterraba em fritura não seja muito
veis), são ricos em ácido fólico (hidrossolúvel).
comum, evidenciamos essa possibilidade que tem
H3C
CH3
CH3
sido adotada por vários restaurantes.
CH3 C H2OH
6
Cozinhar é sinônimo de amaciar? A princípio, cozinhamos os alimentos a fim de
CH3
que estes adquiram uma textura mais mole, como Embora a xantofila possua uma hidroxila, a sua
é o caso dos grãos e dos legumes; entretanto, nem
cadeia carbônica é relativamente longa, garantindo-
sempre isso é observado na prática, o que nos leva
-lhe baixa interação com solventes polares (Fonseca;
a pensar: por que alguns alimentos, como o ovo,
Gonçalves, 2004). Como vimos anteriormente, o
ficam duros diante do mesmo processo?
β-caroteno é um hidrocarboneto, o que também nos
Para responder a esta pergunta, precisaremos
indica que essa substância apresenta pouca afini-
analisar a constituição majoritária de cada ali-
dade com água. É por este motivo que se aconselha
mento. O ovo apresenta uma maior quantidade
que as hortaliças sejam preparadas com casca a fim
de proteínas (1 ovo ≅ 6,3 g), como a leucina na
de proteger e ajudar na retenção de uma quantidade maior de nutrientes, além de conservar a aparência (cor) do alimento, conforme ocorre com a beterraba.
gema, e a lisozima, ovomucina e a albumina na
clara. Quando cozinhamos o ovo, as proteínas, que são polímeros sensíveis à variação de temperatura e pH, têm seu arranjo tridimensional
5
modificado num processo chamado desnaturação.
Beterraba frita: por que não?
Diferentemente do esperado, a energia fornecida
Cotidianamente, buscamos através do pro-
no aquecimento é utilizada na reorganização da
cesso de cozimento realçar o sabor dos alimentos e
estrutura da cadeia e no estabelecimento de liga-
deixá-los ainda mais agradáveis ao nosso paladar.
ções intermoleculares mais intensas. É importante
30
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha
ressaltar que, no processo de desnaturação, não
micos padecem para descobrir algumas das reações que
há rompimento de ligações covalentes da cadeia
acontecem nos alimentos (This, 2013, p. 12).
polipeptídica, o que preserva a sequência de seus
Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais
aminoácidos. Ao contrário do ovo, os grãos e os
(PCN) para o Ensino Médio tragam a possibilidade
legumes são alimentos pobres em proteína, porém,
de se trabalhar o conhecimento Químico a partir
ricos em carboidratos como a pectina, substância
do tópico Alimentos, ainda nota-se uma carência
responsável por manter unida a parede celular das
de trabalhos e de materiais didáticos que deem
plantas. Quando aquecidos, os carboidratos de
subsídio ou aporte ao professor que, por desco-
cadeia longa são facilmente hidrolisados e a liga-
nhecimento ou qualquer outra razão, na maioria
ção glicosídica é desfeita (Junior, 2008).
das situações de ensino/aprendizagem acaba promovendo uma discussão demasiadamente social e
Algumas observações no processo de cocção
descomprometida com o conteúdo químico.
do ovo despertam a atenção dos mais observadores, ou seja, embora o ovo contenha uma maior
Infelizmente, são muito escassos os trabalhos
quantidade de proteína, por que a gema cozinha
descritos na literatura que trazem uma interpretação
depois da clara? Quem cozinha sabe muito bem
química para fenômenos corriqueiros observados no
que a gema do ovo, frito ou cozido, coagula
preparo dos alimentos. Vale ressaltar que esta inter-
depois da clara. Isso se dá pois a gema apresenta
pretação pode ser levada para as aulas de química,
temperatura de coagulação em aproximadamente
uma vez que oferecem subsídios para sustentar uma
oito graus superior à da clara. Além disso, a coa-
boa discussão sobre muitos aspectos químicos que
gulação das proteínas da clara absorve energia e
acabam determinando nossa conduta tanto no pre-
estabiliza temporariamente a temperatura do sis-
paro quanto na degustação dos alimentos.
tema, impedindo o endurecimento da gema. Outro
Como foi apresentado neste trabalho, é possí-
aspecto que contribui para essa ocorrência é que na
vel ir além do trivial escolar do giz, lousa e dis-
interface clara-gema há uma grande quantidade de
curso docente pautado em exemplos restritos ao
ovomucina, uma proteína que coagula mais dificil-
livro didático, e propor estratégias prazerosas e
mente que as demais proteínas da clara. Isso res-
de “bom gosto” para o ensino de Química. Afinal,
ponde, inclusive, o porquê da clara em óleo quente
cozinhar também é ensinar.
ficar branca da periferia para o centro (Manarini, 2013; This, 2007). 8 7
Conclusão Se considerarmos o domínio do fogo como o maior avanço técnico e cultural da humanidade, o ato de cozinhar se torna parte deste evento. Do latim clássico coquinare, ou seja, preparar alimentos ao calor, a cozinha pode ser considerada um dos lugares mais antigos nos quais a ciência é praticada, conscientemente ou não. Ainda que o preparo dos alimentos perpasse a nossa história, a química dos alimentos ainda está engatinhando, e os quí-
Referências BRETT, C.; WALDRON, K. Physiology and biochemistry of plant cell walls. London: Unwin Hyman, 1990. 194p. FIORUCCI, A. R.; SOARES, M. H. F. B.; CAVALHEIRO, E. D. G. A importância da vitamina C na sociedade através dos tempos. Química Nova na Escola, n. 17, maio 2013. HALLIWELL, B. Vitamin C: antioxidante or pro-oxidant in vivo? Free Radic Res., v. 25, n. 5, p. 439454, 1996. LINHARES, S.; GEWANDSZNAJDER, F. Biologia hoje: genética, evolução e ecologia. São Paulo: Ática, 1998, v.1.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
31
Entre Cores e Sabores: o ensino de química na cozinha
MANARINI, T. A química da comida saudável. São Paulo: Abril, 2013.
química inorgânica biológica. Química Nova na Escola, n. 25, maio 2007.
PEREIRA-MAIA, E. C.; DEMICHELI, C. P. Química de coordenação: fundamentos e atualidades. Campinas: Átomo, 2005.
PERONI, K. M. C. Influência do cloreto de cálcio sobre a vida de prateleira de melão ‘Amarelo’ minimamente processado. 2002. 86 p. Dissertação (Mestrado em Ciências dos Alimentos) – Universidade Federal de Lavras, Lavras-MG, 2002.
MOREIRA, L. M. et al. Influências de diferentes sistemas de solvente água-etanol sobre as propriedades físico-químicas e espectroscópicas dos compostos macrocíclicosfeofitina e clorofila a. Quim. Nova., v. 33, n. 2, 2010. OETTERER, M.; REGINATO-D’ARCE, M. A. B.; SPOTO, M. H. F. Fundamentos de ciência e tecnologia de alimentos. Barueri: Manole, 2006. OLIVEIRA, M. F.; PEREIRA-MAIA, E. C. Alterações de cor dos vegetais por cozimento: experimento de
32
SOARES, R. R. S. Estudo de propriedades da clorofila a e da feofitina a visando a terapia fotodinâmica. 2006. 92 p. Dissertação (Mestrado em Química) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá-PR, 2006. THIS, H. Um cientista na cozinha. Trad. Marcos Bagno. 4. ed. São Paulo: Ática, 2013. WILLEY, R. C. Minimally processed refrigerated fruits and vegetables. New York: Chapman & Hall, 1994.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Relatos de Experiência Experiences Account Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente Teaching of Chemistry: experimental activities contributing to teaching Liderlanio de Almeida Araújo, Keissy Vanderley de Santana, Claudio P. de Araújo Júnior, Graziela de Almeida Brito e Lucia Fernanda C. da Costa Leite
Na Trilha dos Elementos Químicos: o Ensino de Química através de uma atividade lúdica On the Trail of the Chemical Elements: Teaching Chemistry through a playful activity Denise Leal de Castro, Thais Petizero Dionízio e Ismarcia Gonçalves Silva
Papel Reciclado: prática ambiental no ensino Recycled Paper: environmental practice in teaching Maria Thereza dos Santos Silva, Aeryslannia Morreira Nobrega, Jadson Borges de Oliveira e Marta Jussara Macedo de Medeiros
Conceitos de Química no Cotidiano dos Discentes do Ensino Fundamental: uma experiência na produção de um livro digital Chemistry Concepts in Daily Life of Elementary School Students: an experience in the production of a digital book Vanesca Kerly da Silva Delgado, Gina Thamiris Medeiros Rocha e Suzane Cecília da Silva Medeiros
Textos de Divulgação Científica: uma possibilidade para superar a fragmentação do conhecimento e as concepções de alunos de ensino médio em aulas de Química Scientific Communication Texts: a chance to overcome the knowledge fragmentation and conceptions of high school students in Chemistry classes Moisés Marques Prsybyciem, Rosemari Monteiro Castilho Foggiatto Silveira, Antonio Carlos Frasson e Elenise Sauer
Relato de Experiência 01 | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
p. 34-35
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente Teaching of Chemistry: experimental activities contributing to teaching Liderlanio de Almeida Araújo1, Keissy Vanderley de Santana2, Claudio P. de Araújo Júnior3, Graziela de Almeida Brito4 e Lucia Fernanda C. da Costa Leite5
Resumo Esse trabalho foi produzido a partir do relato das atividades pedagógicas realizadas no Ensino Médio por professores formadores, focalizando as análises físico-químicas da água do Rio Capibaribe, na cidade de Recife- Pernambuco. O trabalho compreendeu a articulação dos professores formadores na área Química e Pedagógica, apoiada na metodologia de projetos, uma vez que buscamos alcançar não somente a aprendizagem dos conteúdos, mas, sobretudo, a construção do conhecimento e intervenção na realidade por parte tanto do professor em formação quanto dos estudantes da Educação Básica. A proposta partiu da problematização no ensino de química, conectando a aprendizagem à realidade com múltiplas atividades, sejam cognitivas, estéticas e sociais. Os licenciandos se aventuraram em busca dos procedimentos de ensino para que os estudantes pudessem aprender a relevância dos temas abordados e conferirem sentido às informações disciplinares: a partir da contextualização, pesquisa e produção individual; discussão crítica e
1. Bolsita PIBID e Graduando do Curso de Licenciatura em Química da UNICAP. 2. Bolsita PIBID e Graduanda do Curso de Licenciatura em Química da UNICAP. 3. Professor Mestre em Química Orgânica, Colégio Liceu de Artes e Ofícios. 4. Professora Mestre do Curso de Pedagogia e da Coordenação Geral de Extensão da Universidade Católica de Pernambuco. 5. Professora Doutora em Química – professora de Química Orgânica da UNICAP.
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente
produção coletiva; e produção final e avaliação formadora da aprendizagem, alicerçada na integração, cooperação e criatividade. Palavras-chave: Prática docente; Formação de professores; Aprendendo a ensinar química. Abstract In school life is evident the need for contextualization of Chemistry classes with the world in which students live. We understand that working with this discipline through experimental practices is essential to arouse interest in students to study chemistry. In this perspective, this article was conducted with the intention of exposing the work of educators, specifically the training of future teachers in Chemistry, from the report of educational activities held in school, focusing on the physical-chemical analysis of the Capibaribe River´s water in the city of Recife, Pernambuco. The work included the articulation of chemistry and teaching professionals, based on a project methodology, seeking to achieve not only the learning of content but, above all, the construction of knowledge and intervention in reality both by the teacher in training as students of Basic Education. The proposal came from questioning in teaching chemistry, connecting the learning to the reality with multiple activities, whether cognitive, aesthetic and social. Undergraduates ventured in search of teaching procedures so that students can grasp the relevance of topics and impart meaning to disciplinary information from the context, individual research and production; critical discussion and collective production, final production and forming the learning appraisal, based on integration, cooperation and creativity. Key-words: Teaching practice; Teacher training; Learning to teach chemistry.
1
Introdução Na realidade brasileira encontramos um cenário ambíguo nas formas de trabalhar o ensino voltado para perspectiva da educação, mas antes de discutir essa realidade é importante refletir sobre as palavras ensino e educação, pois essa última, segundo Moran (2001, p. 12), tem como foco integrar ensino e vida, conhecimento e ética, reflexão e ação, a ter uma visão de totalidade. Já a primeira con-
siste na organização de uma série de atividades didáticas para ajudar os alunos a compreender áreas especi-
de questionar, já que as palavras do professor eram inquestionáveis. Atualmente, tal afirmação não é mais adequada, uma vez que todos são providos de conhecimento prévio de um determinado assunto. Etimologicamente, a palavra “aluno” vem do latim alumnus, alumni (criança de peito) e alere que significa alimentar, nutrir, fazer crescer. Hoje, podemos afirmar haver uma grande preocupação com a formação e a função do educador como agente transformador da educação e, consequentemente, do processo de aprendizagem do estudante.
ficas do conhecimento (ciências, história e matemática).
No Brasil, desde o surgimento da primeira escola até hoje, vem se propagando a ideia de que o professor é o detentor do conhecimento enquanto o aluno é puro receptor desse tal conhecimento. Nesta perspectiva, o professor atuava como um ser que exerce sua “autoridade” de mentor do conhecimento, ficando o estudante sem o direito
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Segundo Freire (1996), O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente, a sua sintaxe e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda que “ele se ponha em seu lugar” ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima, tanto quanto o professor que se exime do cumprimento do seu dever de
35
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente
Com esse desafio presente, Gadotti (2000,
propor limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar respeitosamente presente à experiência formadora do educando transgride os princípios fundamentais éticos de nossa existência (p. 59-60).
p. 251) atribui à escola a missão de amar o conhecimento como espaço de realização humana, de alegria e de contentamento cultural; cabe-lhe selecionar e rever criticamente a informação; formu-
É preciso pensar mais sobre a prática educa-
lar hipóteses; ser criativa e inventiva (inovar). Por
tiva e como trabalhar de forma a proporcionar ao
conseguinte, devemos buscar na prática docente
futuro educador uma maior bagagem para que
a contextualização do ensino com a realidade dos
esses possam modificar a realidade educacional.
estudantes, uma vez que esta propicia uma inte-
Hoje, observamos haver um número significativo
gração investigativa do conhecimento. Segundo o
de estudantes que não optam pelos cursos de licen-
PCN (1999),
ciatura, justificando que a carreira é desvalorizada e as condições de salários são precárias; assim, é necessário repensar a educação, pois somente outra maneira de agir e de pensar pode levar-nos a viver outra educação que não seja mais o monopólio da instituição escolar e de seus professores (Freire, 1980, p. 117). No decorrer da formação docente, os professores trabalham com os futuros educadores a importância da sua função na educação básica,
contextualizando a realidade da comunidade onde o aluno está inserido faz com que este encare o saber de forma mais prazerosa e útil fazendo os conteúdos trabalhados em sala de aula mais palpáveis aos alunos uma vez que tem a devida importância que merece. Mediatizado e contextualizado de maneira interdisciplinar o saber construído na escola servirá de todas as maneiras para toda a vida do educando, facilitando assim a resolução de todos os problemas que possam vir a ter (p. 242).
para que esses não venham a exercer a docência de maneira a provocar nos estudantes o medo em
Segundo Freire (1996), o educador não pode
perguntar, questionar e contribuir para o desenvol-
negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar
vimento das aulas. Quando todos tiverem ciência
a capacidade crítica do educando, sua curiosidade,
de que ensinar não é só falar, mas se comunicar
sua insubmissão. Uma vez comprometido com a
com credibilidade. É falar de algo que conhecemos
real função social de ser ponte de conhecimento, ele
intelectual e vivencialmente e que, pela interação
deve, na construção de sua prática docente, priori-
autêntica, contribua para que os outros, e nós mes-
zar um ensino dinâmico que provoque no estudante
mos, avancemos no grau de compreensão do que
a curiosidade e a criticidade acerca dos conteúdos
existe (Moran, 2001, p. 32). A educação brasileira
a serem abordados em sala, para que estes não se
avançará mais uma casa no cenário educacional.
tornem submissos na sociedade.
Nesse contexto, a escola e universidade são de
O professor precisa desenvolver atividades
fundamental importância para trabalhar com os
que articulem o conteúdo com o cotidiano de
professores o desenvolvimento dos quatro pila-
cada estudante, podendo utilizar a experimentação
res necessários à educação: aprender a conhecer,
como uma das ferramentas de ensino disponíveis.
aprender a fazer, aprender a conviver, aprender
Entretanto, esta forma de dinamizar o ensino não é
a ser. É imprescindível que os profissionais, do
abordada como deveria ser pelos professores, pois
século XXI, sejam criativos, autônomos, questio-
estes ainda trabalham a teoria sem demonstrar a
nadores, participativos e, principalmente, transfor-
sua aplicabilidade e, consequentemente, desconec-
madores da realidade social.
tam o ensino da pesquisa. Reafirmamos, portanto,
36
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente
que não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem
que o professor deixe de ser apenas um conferencista e que estimule a pesquisa e o esforço, ao invés de se contentar com a transmissão de soluções já prontas [...] Seria absurdo imaginar que, sem uma orientação voltada para a tomada de consciência das questões centrais, possa a criança chegar apenas por si a elaborá-las com clareza (Piaget 1977, p. 18).
ensino (Freire, 1996), que envolva, provoque e encoraje os estudantes nos processos de aprendizagem. Isto é necessário para promover a interação e trocas de experiências, pois o que comumente ocorre no interior das escolas é a formação de pequenos grupos de estudantes e pouca interação com os demais. E como afirma Carvalho e Pérez (1993), o professor deve conhecer os conteúdos a serem ensinados; Conhecer e questionar a realidade; Adquirir conhecimentos teóricos sobre aprendizagem [...]; Estabelecer relações dos conteúdos específicos com a realidade sociocultural dos alunos; Refletir criticamente sua ação pedagógica; Saber preparar atividades capazes de gerar uma aprendizagem efetiva; Saber dirigir o trabalho dos alunos; Saber avaliar e Utilizar a pesquisa e a inovação (p. 19).
Faz-se necessário que os educadores percebam o seu real papel na formação dos discentes, pois, de acordo com Rodrigues (1997), educador não é simplesmente aquele que transmite um tipo de saber para seus alunos, como um simples repassador de conhecimentos. A função do educador é bem mais ampla, ultrapassando a mera transmissão de conhecimentos e adotando a abordagem da interdisciplinaridade a fim de fortalecer o diálogo entre as diversas áreas do conhecimento. Cabe aos professores formadores a aprendiza-
Contudo, ainda existem escolas brasileiras que
gem de novos procedimentos metodológicos que
não trabalham com os seus professores a questão
priorizem a construção de estratégias de verifi-
da interdisciplinaridade, o que leva o educador a
cação e a comprovação de hipóteses para a cons-
perder a perspectiva do vasto campo do conheci-
trução do conhecimento docente, além do desen-
mento e a comprometer o processo de formação
volvimento do espírito crítico e da criatividade;
continuada. Segundo Freire (1996),
que eles se tornem capazes de proporcionar uma
o professor que não leva a sério a sua formação, que não estude, que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. Isto não significa, porem, que a opção e prática democrática do professor ou da professora sejam determinadas por sua competência cientifica. Há professores e professoras cientificamente preparados, mas autoritários a toda prova. O que quero dizer é que a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor (p. 92).
dinâmica de ensino; que incluam o trabalho individual e coletivo; que estimulem a autonomia e o sentimento de segurança, de modo a possibilitar aos educandos uma atuação em níveis de interlocução cada vez mais complexa, diferenciada e ampla (Silva et al., 2006). Que aprendam a aprender e, consequentemente, aprendam a ensinar com uma atitude crítica de compreender e de realizar a leitura da palavra, do mundo e da sociedade do conhecimento, a fim de conceber com maior êxito o objeto e suas relações com os demais objetos
Além disso, há professores que estão presos
de estudo. E, que professores e alunos sejam par-
à metodologia da conferência e das soluções já
ceiros igualmente responsáveis pelo processo de
prontas, que adotam uma postura de só explicar e
busca e construção do conhecimento em sala de
apresentar aos seus estudantes o conhecimento já
aula. Em qualquer grau ou situação de ensino, a
processado. E o que se almeja é
relação ensinar-aprender é, antes de tudo, uma
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
37
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente
relação que está em jogo o processo de comunicar
O professor formador precisa desenvolver uma prática para que o futuro professor aprenda a apren-
pensamentos (Giovanni, 2000, p. 48). Logo, o processo ensino-aprendizagem não se
der; aprenda a pensar, a solucionar problemas, a
constrói com a eficácia desejada se o olhar do pro-
ser crítico, criativo, a ser autônomo, a escolher seu
fessor for fragmentado e se pensar que a cabeça
próprio caminho; aprenda a interagir com o outro,
do aluno é um conjunto de gavetas, uma para cada
a se comunicar de forma efetiva para que, com res-
disciplina (Santos, 2004), uma vez que toda ação
ponsabilidade e consciência de sua função social,
educativa deve ser realizada no intuito de levar
possa compreender que, no contexto escolar e no
o homem a refletir sobre seu papel no mundo e,
interior dos espaços de ensino e aprendizagem,
assim, ser capaz de mudar este mundo e a si pró-
também, estão se processando várias mudanças,
prio. Consequentemente, o atual sistema de forma-
reflexo das transformações sociais (Tardeli, 2003).
ção de professores precisa dar conta dessa nova
Diversas são as ferramentas pedagógicas que
realidade, na medida em que a sociedade demanda
os professores dispõem para o desenvolvimento de
o aprimoramento da pessoa, para que, em seu pro-
uma prática docente moderna, sendo uma delas a
cesso de formação acadêmica, consiga internali-
experimentação que, quando aplicada no sentido
zar os conhecimentos necessários para atuar tanto
de auxiliar os educadores e os educandos na cons-
no mundo do trabalho quanto no social. O ato de
trução da aprendizagem, se torna principal aliada
ensinar, formar profissionais críticos e preparados
nas aulas. Muitas vezes, ao introduzir o conteúdo
ao exercício da cidadania, apresenta-se cada vez
se faz necessário desafiá-los com problemas reais,
mais desafiador para os docentes, pois estes devem
motivá-los e ajudá-los a interagirem com a prática,
adquirir competências para entender e interpretar
para que esses venham a construir com autonomia
informações, o que corresponde ao domínio cul-
o conhecimento.
tural sobre as diferentes áreas do conhecimento e
Promover práticas inovadoras é uma emergên-
das relações existentes entre elas (Camargo, 2006).
cia, uma vez que é notória a insatisfação apresen-
Compreendemos o processo de formação ini-
tada pelos estudantes para compreender os conhecimentos, não apenas na área da Química, como
cial como um
também nas demais disciplinas que compõem o
processo circunscrito – com um início, um meio e um fim – que tem por objetivo formar o futuro professor para que este possa começar a ensinar a partir de uma base de conhecimento que lhe possibilite enfrentar os desafios iniciais da profissão (Mizukami, 2006, p. 152).
quadro das ciências exatas. Dentre os vários motivos destacamos que
E esse processo deve favorecer o encontro inicial com os referenciais teóricos e práticos relacionados ao contexto educacional e proporcionar a apropriação das especificidades da sociedade
a aprendizagem dos alunos vem sendo geralmente marcada pela memorização de uma grande quantidade de informações cobradas para que sejam aprovados em seus cursos, constituindo um ensino de Química distanciado do mundo cultural e tecnológico no qual vivem (Schnetzler, 2004, p. 49).
do conhecimento, a fim de minimizar o enfrenta-
Parte significativa dos educandos não aprecia
mento com a realidade educativa, momento que,
o ensino de Química, justificando ser complicado
ainda, se apresenta permeado de desilusão, desen-
compreender e interpretar as fórmulas e teorias
canto e, em casos mais intensos, de abandono da
proposta pelos livros didáticos, de tal modo que
profissão docente.
uma imagem negativa se constrói provocando o
38
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente
afastamento da compreensão real dessa ciência e
que, estando comprometido com o real desempe-
de sua relação com a realidade. E, com frequên-
nho social de ser ponte de conhecimento, deve,
cia, o estudante se depara com diversos fenômenos
na construção de sua prática docente, priorizar
químicos, desconhecendo a essência desses fenô-
um ensino dinâmico que provoque no estudante
menos que se fazem presentes nas diversas ativida-
a curiosidade e a criticidade acerca dos conteúdos
des do cotidiano.
a serem abordados em sala, para que estes não se
Deste modo, o professor assume um papel
tornem submissos na sociedade.
fundamental no processo de desenvolvimento do
Buscamos, então, a superação da abordagem
ensino da Química, para atuar de forma a promo-
conservadora e positivista na formação docente,
ver a interação dessa área do conhecimento com
adotando a abordagem de metodologia de proje-
a vida do educando a partir das atividades peda-
tos de ensino no processo de orientação do licen-
gógicas propostas. Não obstante, ainda encontra-
ciando em Química, uma vez que possibilita que
mos educadores que se prendem à metodologia da
os professores consigam enfrentar os desafios que
“saliva e do giz”, intensificando a desmotivação
se apresentam no dia a dia da sala de aula, tanto
dos estudantes com relação às várias disciplinas
de forma vertical quanto transversal. Além de que
que compõe o quadro das Ciências. Nanni (2004)
a metodologia de projetos propicia uma maneira
reafirma essa posição a partir do seguinte questio-
diferenciada de ensinar e de aprender, na medida
namento:
em que os processos pedagógicos que
Como aprender ciências apenas com um quadro e giz e ouvindo a voz do professor? Ciência é muito mais que saliva e giz. A importância da inclusão da experimentação está na caracterização de seu papel investigativo e de sua função pedagógica em auxiliar o aluno na compreensão dos fenômenos sobre os quais se referem os conceitos. Muitas vezes parece não haver a preocupação em esclarecer aos alunos a diferença entre o fenômeno propriamente dito e a maneira como ele é representado quimicamente, por exemplo. Mas o que se vê ainda na maioria das escolas são as aulas de Física, Química e Biologia meramente expositivas, presas às memorizações, sem laboratório e sem relação o com a vida prática cotidiana do aluno. Essa maneira simplista, ultrapassada e, até mesma, autoritária de conceber o processo de ensino, certamente não deixa transparecer a complexidade que caracteriza todo o ato de ensinar (p. 2).
envolvem a responsabilidade, o respeito, a igualdade, a autodireção, a autonomia, a proposição de soluções múltiplas, o pensamento independente, enfim, a vivência da democracia em ações, atos e atitudes que levem à aprendizagem. [Incentivando] a habilidade de escolher, de valorizar a si mesmo e ao grupo, de conviver em situações de consenso, de aceitar e analisar com respeito os posicionamentos de outras pessoas, de construir processos de autoconfiança que permitam atuar com competência e independência (Behrens, 2008, p. 38).
O processo de formação deve favorecer o encontro inicial com os referenciais teóricos e práticos relacionados ao contexto social e, também, proporcionar a apropriação das especificidades da sociedade do conhecimento, a fim de minimizar o enfrentamento com a realidade educativa, momento que, ainda, se apresenta permeado de
Vale ressaltar que o educador não pode negar-
desilusão, desencanto e, em casos mais intensos,
-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a
de abandono da profissão docente. O educador for-
capacidade crítica do educando, sua curiosidade,
mador, por sua vez, no decorrer do processo, pro-
sua insubmissão (Freire, 1996, p. 26), uma vez
põe atividades que permitam avaliar esse processo
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
39
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente
que, na análise de Behrens (2007) acerca das qua-
a partir da relação com as experiências vivenciadas
tro fases no aprender a ser professor, apoiada na
no dia a dia, como, por exemplo, a reação entre a
pesquisa de Garcia (1999), evidencia o pré-treino,
aspirina e o vinagre com a liberação de gás carbô-
que acontece enquanto aluno na escolarização
nico (CO2), o mesmo gás que o ser humano expira
básica a partir da prática de seus próprios profes-
durante o processo de respiração. Podemos citar
sores; a formação inicial, relacionada às situações
ainda a reação que ocorre entre o papel alumínio
formais de ensino vivenciadas nas salas de aula
com o hidróxido de sódio, com a liberação do gás
e nos estágios das graduações que envolvem as
hidrogênio, que, ao contrário do CO2, é altamente
licenciaturas; a iniciação, que equivale às experi-
inflamável e quando em contato com uma chama
ências adquiridas nos primeiros anos de exercício
ocasiona uma explosão.
profissional; e a formação permanente, processo
Nesse estudo, encontramos a água como tema
de qualificação profissional que ocorre ao longo de
relevante a ser abordado no ensino de Química,
toda a carreira docente.
devido a sua interdisciplinaridade e importância
Nesta perspectiva, este trabalho foi desen-
para sobrevivência humana, na medida em que
volvido a partir dos estudos de Behrens (2007),
compreende 80% da superfície do planeta Terra.
tomando por base tanto a primeira quanto a
Apesar desse percentual, a distribuição não é uni-
segunda fase, na medida em que reconhecemos
forme; há regiões que tem água em abundância e
que as instituições formadoras devem ofere-
a população é pequena (Amazonas). O risco de
cer uma visão crítica da docência e da realidade
faltar esse recurso natural pode ocasionar guerras
social (Behrens, 2007, p. 448). Tudo isto para que
entre nações considerando que a porcentagem de
o futuro professor possa assumir sua posição de
água doce é pequena (2,4%) comparando com a da
produtor de conhecimento e da prática docente à
água salgada (97,1%). Além do que, parte da água
luz da teoria, para que saiba posicionar-se critica-
doce não é utilizada pelo homem por encontrar-se
mente diante dos processos de ensino, reavaliá-
em geleiras ou poluída (Hirata, 2000).
-los e (re)elaborá-los, considerando a investigação
Ações humanas causam poluição da água; a
como caminho ininterrupto a ser conquistado na
água poluída transmite inúmeras doenças como
busca da competência docente, a fim de descobrir
cólera, hepatite, febre tifoide, verminoses, entre
os procedimentos adequados a cada situação de
outras (Qualidade, 2004). Para Becker (2008), a
aprendizagem.
água é indispensável para o homem como bebida e como alimento, para sua higiene e como fonte
2
de energia, matéria-prima de produção, via para
Aprendendo a ensinar Química
transportes, entre outros. E os parâmetros biológi-
Compreendendo que a Química aguça o desen-
cos, físicos e químicos são necessários para deter-
volvimento de uma visão de mundo crítica por
minar se água pode ser utilizada para o consumo
parte das pessoas, apoiada na análise e compreen-
humano, já que determinam as características de
são das situações que as levam a um nível inferior
portabilidade necessárias para que esse recurso
de qualidade de vida (Cardoso; Colinvaux, 2000),
chegue até a população de uma maneira mais
admitimos o leque de possibilidades de conteú-
segura e confiável.
dos para trabalhar a Química de forma contextu-
O
rio
Capibaribe
nasce
em
Porção,
alizada, em especial, o ensino experimental. As
Pernambuco, e banha 42 municípios pernambu-
experiências simples são facilmente internalizadas
canos, inclusive a cidade de Recife, desaguando
40
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente
no Oceano Atlântico. A sua bacia hidrográfica
oportunidades de aprendizagem a estudantes em qual-
abrange uma área de 7.716 m com 74 afluentes,
quer nível de ensino ou ramo de saber, pela possibili-
tendo importância histórica e social na formação
dade de significação e contextualização (Oliveira, 2011,
e no desenvolvimento do Estado. Nesse contexto,
p. 97). O encaminhamento metodológico foi deli-
destacamos a importância analítica da qualidade
neado considerando as sugestões de fases para
da água, não só a que é consumida, como também,
compor a proposta de trabalhar com a Metodologia
a que é utilizada para outros fins.
de Projetos apresentada por Behrens, já que o edu-
2
cador pode e deve ampliar, complementar, reela3
Metodologia e resultados Os procedimentos metodológicos adotados no
borar ou adaptar a proposta; [...] pode levar à formação para cidadania e à aprendizagem significativa para vida (2007, p. 59).
processo de internalização e construção do conhe-
Com essa visão, a elaboração do projeto de
cimento docente por dois estudantes, pesquisa-
ensino compreendeu o desenvolvimento em duas
dores do curso de licenciatura em Química, da
fases, sendo que a primeira fase contemplou os
Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP),
seguintes momentos: a) seleção de seis estudantes de cada um dos
bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de
quatro primeiros anos da escola;
Iniciação a Docência (PIBID), foram trabalhados a partir do diálogo entre as professoras formadoras
b) apresentação da oficina a ser desenvolvida
dos cursos de Química e Pedagogia da UNICAP e
com a temática relacionada às análises
apoiados na metodologia de projetos, uma vez que
físico-químicas da água; c) realização da coleta de quatro amostras
podem ser pensados como uma forma de se implementar o trabalho com projetos na atividade docente do professor, ou equipe de professores. [...] apresenta grande potencial de concretização e otimização daquilo que o professor realiza ou pretende realizar em suas atividades de ensino. O projeto de ensino constitui uma oportunidade de organização e efetivação do trabalho do professor, com vantagens próprias do desenvolvimento de atividades no modelo de projetos. Muitos professores adotam procedimentos que podem adquirir o status de projeto com a vantagem da produção de algo novo que possa ser divulgado no meio educacional, contribuindo para o enriquecimento desse campo de atividades (Moura; Barbosa, 2007, p. 213).
de água, com os alunos, no trecho do Rio Capibaribe que compreende os bairros do Recife Antigo e São José para serem analisadas; d) discussão, ao longo do trajeto, sobre a importância da água para humanidade e a poluição dos recursos hídricos; e) distribuição de folheto explicativo contendo o procedimento experimental para a análise das amostras de água; f) análise físico-química da água no laboratório da UNICAP, para a determinação do pH, da cor, da turbidez e condutividade, com a anotação dos resultados encontrados.
O trabalho foi realizado com quarenta e oito (48) estudantes que cursam o primeiro ano do
O segundo passo consistiu na seleção de outros
Ensino Médio do Colégio Liceu de Artes e Ofício,
seis estudantes, dos quatro primeiros anos, para
situado na cidade de Recife-PE, já que o ensino
que esses realizassem o mesmo procedimento que
com projetos é por excelência um método interdis-
o primeiro grupo, porém, esses realizaram a coleta
ciplinar, é uma metodologia que vem oferecer ótimas
no período de chuva para que pudessem compa-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
41
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente
rar os resultados obtidos nas coletas no período de
temas ligados à região a qual o educando
estiagem com o chuvoso. E a segunda fase con-
pertence. A abordagem interdisciplinar é
templou os seguintes passos:
fundamental para que o estudante consiga
a) reunião dos dois grupos para discutirem os
estabelecer as conexões e nexos na cons-
dados obtidos nas duas coletas e construí-
trução do conhecimento. No caso do estudo
rem gráficos e tabelas representativos dos
dos temas relacionados à Química enfati-
valores encontrados;
zamos sua capacidade de dialogar com as
b) divulgação dos resultados na página do
diversas ciências, fazendo entender o saber
grupo de Química do PIBID-UNICAP
como um e não partes, ou fragmentações
no Facebook (https://www.facebook.com/
(Fazenda, 1994, p. 76);
groups/ 332697783519388/);
• Os educandos, no decorrer do percurso,
c) pesquisa na Internet sobre a importância
encontraram objetos jogados nas margens do
da água para humanidade, a poluição dos
rio, aprendendo a classificá-los como agen-
recursos hídricos e de como preservar essa
tes poluentes do meio ambiente, tais como
fonte, para reunirem os dados relevantes;
pneus, garrafas, copos descartáveis, bolsas,
d) reunião dos estudantes para planejar uma
roupas, dentre outros. Os alunos analisaram,
palestra na unidade escolar, com os dados
também, a forma de conduta segundo a qual
obtidos nas análises e nas pesquisas nos
a sociedade gerencia os seus resíduos e, como
sites da Internet; e realização da palestra
estes, em contato com o ambiente, podem
pelos estudantes na unidade escolar, utili-
proporcionar efeitos indesejáveis e negati-
zando folders explicativos sobre a impor-
vos aos seres vivos. Segundo Braga (2002),
tância da água para a nossa sobrevivência,
o maior ou menor índice de poluição acaba
de reaproveitamento da água e curiosidades.
sendo definido pela quantidade e concentração dos referidos resíduos lançados no meio.
A análise dos resultados indicou que:
• Os estudantes também perceberam que as
• A participação dos estudantes foi signifi-
análises efetivadas no laboratório foram de
cativa na realização do trabalho, uma vez,
suma importância para aquisição de uma
que durante as coletas, evidenciaram a
nova concepção em relação à temática pro-
importância de preservar o Rio Capibaribe,
posta (a importância da água para a sobre-
que se encontra poluído, e aprenderam a
vivência humana). As Tabelas 1 e 2 deta-
localização da nascente desse rio, que fica
lham os valores encontrados nas amostras
na cidade Porção (PE). Esse resultado evi-
analisadas pelo primeiro e segundo grupos,
dencia a necessidade de abordar nas aulas
respectivamente.
Tabela 1. Resultado obtido na primeira análise físico-química. pH
Turbidez
Cor
Condutividade (ms)
De fronte com o teatro de Santa Isabel
Amostra
7,40
20,16
200
26,50
Ao lado do Palácio do Governo
7,43
13,91
180
28,90
Defronte com a corregedoria
7,47
10,07
125
29,50
Ponte de Ferro
7,58
5,1
90
41,00
42
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente
Tabela 2. Resultado obtido na segunda análise físico-química. pH
Turbidez
Cor
Defronte com o teatro de Santa Isabel
Amostra
7,36
9,97
180
Condutividade (ms) 20,50
Ao lado do Palácio do Governo
7,40
13,01
150
28,60
Defronte com a corregedoria
7,41
10,12
100
29,20
Ponte de Ferro
7,63
4,6
30
35,60
• Na análise das amostras os estudantes con-
ção brusca, como ocorreu por exemplo,
seguiram evidenciar que as alterações nos
na cor e na turbidez. Ressaltaram que os
valores encontrados para a cor e a turbidez
resultados obtidos do pH ficaram dentro
apresentam variações relativamente gran-
dos limites permitidos pela portaria do
des e que essas diferenças ocorrem devido
Ministério da Saúde, que define valores
à quantidade de lixo jogado e o esgoto que
normais entre 6,0 a 9,5, destacando que este
desemboca no rio, a partir de dados obtidos
parâmetro indica a acidez ou basicidade das
na literatura:
soluções e, por meio dele, podemos identi-
• Nas quatro análises da ponte de ferro os
ficar o nível de dejetos industriais lançados
estudantes conseguiram destacar valores
na água;
extremos com relação aos outros locais de
• E, por fim, entenderam que sendo o rio
coletas, o que levou a inferir que esse fato
Capibaribe classificado como Classe 2,
pode ser devido à concentração de comer-
suas águas são utilizadas para abasteci-
ciantes ambulantes que jogam diversos
mento da cidade e, consequentemente, para
sólidos no rio. Identificaram, também, um
o consumo humano, após o tratamento con-
número excessivo de esgotos que desem-
vencional, além da agricultura, irrigação de
bocam nessa área com relação aos demais,
hortaliças, plantas frutíferas, dentre outras
o que confirma a necessidade de refletir
(Brasil, 2005), devendo existir uma polí-
e redefinir a forma como o homem usa e
tica de incentivo para a preservação desse
ocupa o solo e o rebatimento na quali-
recurso hídrico.
dade da água disponível à população (Di Os resultados alcançados reafirmam que pode-
Bernardo et al., 2002). • Com os resultados das análises buscamos
mos avançar
refletir com os estudantes os valores obtidos e as causas das alterações e a importância da preservação dos diferentes recursos hídricos, a partir das discussões entre as possíveis formas de abordar as pessoas a não jogarem mais lixo e dejetos que contribuem para a alteração desses valores. Na discussão foi sublinhado que as variações no valor encontrado para o pH na primeira e segunda coleta não apresentou uma varia-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
mais se soubermos adaptar os programas previstos às necessidades dos alunos, criando conexões com o cotidiano, com o inesperado; se transformarmos a sala de aula em uma comunidade de investigação. Avançaremos mais se aprendermos a equilibrar planejamento e criatividade, organização e adaptação a cada situação, a aceitar os imprevistos, a gerenciar o que podemos prever e a incorporar o novo, o inesperado. O planejamento aberto, que prevê que está pronto para mudanças, para sugestões, adaptações. A criati-
43
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente
Cabe enfatizar que o ensino de Química apre-
vidade, que envolve sinergia, diversas habilidades em comunhão, valorização das contribuições de cada um, estimulando o clima de confiança e de apoio (Moran, 2009, p. 32).
senta múltiplas possibilidades para o desenvolvimento de um processo complexo e interconectado com as diversas áreas do conhecimento. A aula,
A proposição do trabalho docente secundado
por conseguinte, torna-se um espaço de desafios
na metodologia de projetos pontua o despertar,
na medida em que, tanto professores quanto os
tanto dos estudantes quanto dos licenciandos, para
estudantes podem realizar um trabalho integrado
a possibilidade de
a partir da interpretação e compreensão dos diversos fenômenos químicos que ocorrem no dia a dia.
escolher, de aceitar, de valorizar a si mesmo e ao grupo, de conviver em situações de consenso, de aceitar e analisar com respeito os posicionamentos de outras pessoas, de construir processos de autoconfiança que permitam atuar com competência e independência (Behrens, 2006, p. 38).
Assim, é possível afirmar que o ensino da Química pode ser potencializado com a ruptura de práticas lineares e com a internalização da trama de aprendizagens que emerge da teia de interações que perpassam a cognição, afetividade, a cultura e a história marcantes para os aprendentes.
Este trabalho abriu espaço para que pudésse-
Enfim, o professor-formador deve levar em
mos transitar nos conteúdos, verificando para que
conta o conhecimento emergente do contexto
eles servem e como se relacionam com outros
social no sentido de trasformar as incertezas e
conhecimentos, orientados pelos seguintes princí-
inquietações em possibilidades para o desenvol-
pios: a complexidade, a visão de totalidade a cone-
vimento de estratégias de aprendizagens que inte-
xão das diversas áreas do conhecimento, o espírito
grem e formem uma consciência capaz de enfren-
crítico reflexivo, a busca da formação para a cida-
tar a complexidade presente na sociedade.
dania e a recuperação do posicionamento ético. (Behrens, 2006, p. 41). 5 4
Considerações finais
BECKER, H. Controle analítico de águas. Fortaleza-CE, Versão 4. 2008.
Consideramos que as transformações no processo de ensino são possíveis de serem realizadas, não sendo apenas utopias, mas dependendo da responsabilidade profissional e do compromisso social dos professores-formadores engajados com o processo de transformação social. Reconhecemos, portanto, que a formação de professores apoiada na metodologia de projetos possibilita integrar as sugestões apresentadas pelos licenciandos no desenvolvimento das atividades pedagógicas, viabilizadas a partir das discussões em equipe interdisciplinar, com o desenvolvimento de estudos voltados a criar situações de aprendizagens dinâmicas e significativas para o estudante.
44
Referencias
BEHRENS, M. A. Paradigma da complexidade: metodologia de projetos, contratos didáticos e portfólios. Petrópolis: Vozes, 2008. BENTLEY, J. H. Traditions & encounters a global perspective on the past. New York: McGraw-Hil, 2006. BRAGA, B. Introdução à engenharia ambiental. São Paulo: Prentice Hall, 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria MS n. 8 de 25 de março de 2004. BRASIL/MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC/Semtec, 1999a. CAMARGO, F. O perfil docente na atualidade educacional. Revista Espaço Pedagógico. Onde ensinar é aprender. Disponível em: <http://www.pedagogico. com.br/edicoes/12/artigo2256-1.asp?o=r>. Acesso em: maio de 2012.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Ensino de Química: atividades práticas contribuindo para a formação docente
CARDOSO, S. P.; COLINVAUX, D. Explorando a motivação para estudar química. Química Nova, v. 23, n. 3, p. 401-404, 2000. CARVALHO, A. M. P.; PEREZ, G., D. Formação de professores de ciências. São Paulo: Cortez, 1993. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz Terra, 1996. ______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo – EDUSP, 2002. GADOTTI, M. et al. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. HIRATA, R. Recursos hídricos. In: TEIXEIRA, W. et al. (Orgs.). Decifrando a Terra. São Paulo: Oficina de Textos, 2000. MIZUKAMI, M. G. N. Analisando a função social da escola: a inserção do pedagogo na vida escolar durante o primeiro ano de curso. In: Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, 13, 2006, Recife – PE. Políticas educacionais, tecnológicas e formação do educador: repercussões sobre a didática e as práticas de ensino. Orgs. Aida Maria Monteiro Silva et al. Recife: ENDIPE, 2006, p. 151-170. MORAN, J. M. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 3. ed. Campinas: Papirus, 2001. ______. A educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. Campinas: Papirus, 2009. MOURA, D. G.; BARBOSA, E. F. Trabalhando com projetos: planejamento e festão de projetos educacionais. Petrópolis: Vozes, 2007.
NANNI, R. A natureza do conhecimento científico e a experimentação no ensino de Ciências. Disponível em: <http://cdcc.sc.usp.br/ciencia/artigos/art_26/ natureza.html>. Acesso em: 11 jul. 2013. OLIVEIRA, M. A. M. Gestão educacional: novos olhares, novas abordagens. Petrópolis: Vozes, 2011. PARÂMETROS Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Ministério da Educação. Brasília, n. 1999. PIAGET, J. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1977. QUALIDADE das águas. Principais doenças relacionadas com a água. Disponível em: <http://www.uniagua.com.br/default.asp?tp=3epag-qualidade.htm>. Acesso em: 11 jul. 2013. RODRIGUES, N. Por uma nova escola: o transitório e o permanente na educação. 11. ed. São Paulo: Cortez, 1997. SANTOS, C. R. Ética, moral e competência dos profissionais da educação. São Paulo: Avercamp, 2004. Porto-Portugal: Porto, 1995. SCHNETZLER, R. P. A pesquisa no ensino da Química e a importância da Química nova na escola, n. 20, p. 49-54, nov. 2004 SILVA, C. B. P. et al. O professor competente. Revista Profissão Docente Online. Disponível em: <http:// www.uniube,br/institucional/proreitoria/propesp/ mestrado/educacao/revista/vol03/07/art01.htm>. Acesso em: ago. 2013. TARDELI, D. D’A. O respeito na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 2003.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
45
Relato de Experiência 02 | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
p. 46-58
Na Trilha dos Elementos Químicos: o Ensino de Química através de uma atividade lúdica On the Trail of the Chemical Elements: Teaching Chemistry through a playful activity Denise Leal de Castro1, Thais Petizero Dionízio2 e Ismarcia Gonçalves Silva3
Resumo A utilização de jogos como recurso didático para o Ensino de Química é a principal temática deste trabalho. A pesquisa também aborda a importância desta alternativa pedagógica como meio facilitador da aprendizagem e a sua relevância na melhoria do ensino. O jogo é um instrumento significativo no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, pois pode dinamizar as aulas de química, tornando-as mais atrativas e favorecendo a construção e a socialização do conhecimento de maneira divertida e funcional. O jogo criado abordou os assuntos iniciais de química geral e foi aplicado no IFRJ em turmas de ensino médio técnico em química e controle ambiental. Sua aplicação, como recurso metodológico, visou suprir algumas dificuldades encontradas na compreensão dos conteúdos já explorados em sala de aula e complementando a formação do conhecimento. Os resultados demonstraram uma boa aceitação em relação ao método proposto, mostrando ser uma eficiente ferramenta para despertar e estimular o interesse dos alunos, melhorando e enriquecendo sua compreensão nos assuntos aplicados. Palavras-chave: Ensino de química; Jogos educativos; Ensino médio.
1. Instituição: Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ. E-mail: denise.castro@ifrj.edu.br 2. Mestranda em Química (IQ/UFRJ). E-mail: thais_dionizio@yahoo.com.br 3. Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ.
Na Trilha dos Elementos Químicos
Abstract The use of games as a pedagogical resource for the teaching of chemistry is the main theme of this paper. The study also addresses the importance of this pedagogical alternative as a means to facilitate the learning as well as its relevance in improving the teaching quality. Games are a significant tool in the development of the teaching-learning process, since they can turn the chemistry lessons more dynamic, making them more appealing to the pupils and encouraging the construction and socialization of the knowledge in a fun and functional way. The game we implemented approached the introductory subjects of general chemistry and was applied at the IFRJ in technical high school groups, namely environmental control and chemistry courses. The game aimed at eliminating some difficulties in the comprehension of the content taught in class, complementing the construction of knowledge. The results demonstrated that the game had a good acceptance among students, which proved to be an efficient tool to raise their interest, improving their understanding of the subject. Key-words: Teaching of chemistry; Educational games; High school.
1
Introdução A química tem uma influência direta na qualidade de vida das pessoas, entretanto, tem se tornado uma disciplina de difícil aprendizagem, pois os conteúdos desenvolvidos nas escolas, muitas vezes, estão centrados em memorização e fórmulas, o que contribui para uma desmotivação
Levando em conta a deficiência no ensino de Química na educação básica, este trabalho visa criar e aplicar um jogo e apresentar uma metodologia que seja útil ao processo de ensino-aprendizagem, facilitando e complementando a aquisição do conhecimento dos estudantes e mostrando-lhes a importância da química para a sua formação.
generalizada dos alunos pelo estudo dessa ciência.
1.1
A possibilidade de articular meios de ensinar química utilizando uma abordagem lúdica pode despertar o interesse dos estudantes. Os jogos mantêm uma relação estreita com a construção do conhecimento. E a forma lúdica como são apresentadas as informações funciona como elemento motivador e catalisador no processo de ensino e aprendizagem. A atividade lúdica proporcionada pelos jogos pode ser o desencadeador de todo o processo de aprendizagem, sendo que o jogo desenvolve a imaginação e exige
Considerações históricas sobre os jogos
De acordo com Castro (2011), à medida que a sociedade se modifica, a relevância dos jogos como recursos didáticos sofre alterações. Com o avanço dos estudos psicológicos e educacionais acerca do desenvolvimento infantil verifica-se que o jogo é crucial para a construção do pensamento da criança e para aquisição da leitura, da escrita e do raciocínio lógico matemático. Nessa concepção, Ortiz (2005 apud Lima, 2012) acrescenta que:
a tomada de iniciativa, desafiando a inteligência para encontrar soluções para determinados problemas ou situações. Nestes momentos de descontração e desinibição proporcionados pelos jogos, as pessoas se desbloqueiam e se aproximam mais, resultando numa maior integração entre os participantes e entre os conteúdos envolvidos.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
O jogo é um fenômeno antropológico que se deve considerar no estudo do ser humano. É uma constante em todas as civilizações, esteve sempre unido à cultura dos povos, à sua história, ao mágico, ao sagrado, ao amor, à arte, à língua, à literatura, aos costumes, à guerra. O jogo serviu de vínculo entre povos, é facilitador da comunicação entre seres humanos.
47
Na Trilha dos Elementos Químicos
Segundo estudos realizados por Lima (2012) as
jogo como uma atividade que permite ao pedagogo
atividades que satisfaziam as necessidades vitais
analisar a personalidade da criança, adaptando-a
nas sociedades primitivas, como a caça, assumiam,
ao ensino (Castro, 2011).
muitas vezes, a forma lúdica. Confirma Wajskop
No século XVIII surgem novas tendên-
(1995 apud Lima, 2012) que, desde os primórdios,
cias e movimentos culturais, e estudiosos como
o jogo era sinônimo de brincadeira de criança, pois
Pestalozzi e Rousseau afirmam que a educação
as mesmas participavam de diversas brincadeiras
decorre como um processo natural, de acordo com
a fim de se divertirem. Jogos como os de demolir
o desenvolvimento mental da criança, respeitando
e construir, rolar aros, cirandas e pular obstáculos
seus interesses e disposições. Nesta perspectiva,
são exemplos de brincadeiras desde a Antiguidade.
inicia-se a construção de métodos próprios para a
Apesar do uso do jogo instruir e divertir, repre-
aprendizagem e o jogo ganha espaço e valorização
sentando-se uma atividade de crescimento pessoal
no âmbito educacional, pois, além de exercitarem
e social, o processo de ensino-aprendizagem sofre
o físico e as habilidades, preparam a criança para a
influências no contexto social, político e econô-
vida em sociedade (Kishimoto, 1996).
mico, ou seja, a escola é caracterizada pelo período histórico no qual está inserida.
Surgiram
pesquisadores
como
Froebel,
Montessori e Decroly, que, influenciados pela
Segundo Kishimoto (1996), na Idade Média,
filosofia e pensamentos de suas épocas propõem
com a importância do cristianismo, a educação
a valorização das crianças, ressaltam a transforma-
era muito disciplinar, com imposição de dogmas,
ção do contexto tradicional de ensino e também
ficando o aluno passivo e o professor autoritário.
enfatizam o uso de jogos e brincadeiras como
Os pais temiam a educação dada aos seus filhos e
recurso didático (Lima, 2012).
a escola pouco sabia a respeito da educação das
Desta época em diante, o uso de jogos como
crianças. Neste âmbito, tornou-se impossível a
recurso didático foi valorizado e pensadores como
aplicação de jogos, que eram considerados uma
Piaget e Vygotsky ganham destaque, no século
infração da lei, semelhantes à embriaguez e à
XX, diante de abordagens acerca de brincadeiras
prostituição.
no desenvolvimento infantil.
No Brasil, com a criação do Instituto dos
O jogo educativo
Jesuítas no século XVI, os jogos educativos vie-
1.2
ram divulgados por Ignácio de Loyola no sistema
Um jogo, quando confeccionado com o intuito
educacional dessa organização, com a finalidade
de atingir conteúdos específicos para serem utili-
de acrescentar as ações didáticas, através de exer-
zados no meio escolar, é denominado “jogo edu-
cícios de caráter lúdico, em que as crianças teriam
cativo”. Porém, se ele não possuir objetivos peda-
contato com um recurso educacional distinto
gógicos claros e possuir uma acentuada vertente
(Kishimoto, 1996).
ao entretenimento, então é considerado “entreteni-
Uma nova proposta de educação desponta
mento” (Soares, 2008).
sinalizada por três pontos de vista. O aristotélico –
De acordo com Kishimoto (1996), o jogo pos-
jogo como recreação –, sendo esta a primeira opi-
sui duas funções: a lúdica e a educativa, que devem
nião acerca dos jogos, destaca Brougere (1998).
estar em equilíbrio. Se a função lúdica predominar,
Em segundo, tem-se o jogo como dispositivo
não passará de um jogo e se a função educativa for
pedagógico, no qual se aproveita o interesse das
prevalecente, será somente um material didático.
crianças pelos jogos para ensiná-las. E, por fim, o
Para ser considerado lúdico, um material tem de
48
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Na Trilha dos Elementos Químicos
apresentar dois elementos característicos: o prazer e
econômicas desfavoráveis. A comunidade escolar
o esforço espontâneo, além de integrarem as várias
de todo o país já sabe que os PCN não são uma
dimensões do aluno, como a afetividade, o trabalho
coleção de regras que almejam impor o que os pro-
em grupo e as relações com regras predefinidas.
fessores devem ou não fazer, mas sim, referência
Cabe ao professor fazer com que o aluno per-
para uma melhor didática do ensino.
ceba os caminhos percorridos na resolução do pro-
No Ensino Médio, os PCN têm por objetivo
blema proposto, pois, ao ser questionado, o aluno
auxiliar os educadores na reflexão sobre a sua prá-
passa também a questionar, adotando uma postura
tica docente diária e servir de suporte ao planeja-
crítica diante de qualquer problema que se apre-
mento de aulas e ao desenvolvimento do currículo
sente. É recomendável que o professor intervenha
da escola. Baseia-se num modelo de aprendiza-
o mínimo possível enquanto os alunos jogam. A
gem construtivista, em que o aluno é parte ativa
competência a ser adquirida não está no jogo em
em seu processo de aquisição do conhecimento, o
si, mas naquilo que circula entre os participantes,
professor como sendo um mediador, interventor
como as hipóteses, estratégias e atitudes. O jogo
e a escola como sendo um espaço de formação e
também não pode perder seu caráter lúdico, senão
informação, favorecendo a inserção do aluno na
ele deixa de ser um recurso de construção do saber
sociedade em que vive (Antunes, 2007).
e passa a ser uma mera tarefa a ser desempenhada (Guimarães, 2010).
O jogo estimula e propicia o ambiente necessário para um desenvolvimento espontâneo e a
Existe uma preocupação com relação à com-
criatividade do estudante, além de oportunizar ao
petição. De acordo com Macedo (1995 apud
professor uma ampliação de seus conhecimentos
Guimarães, 2010), o ato de competir não é bom
sobre técnicas ativas de docência e aumentar suas
nem mau, apenas configura uma situação em
capacidades pessoais e profissionais, estimulando-
que duas pessoas desejam a mesma coisa ou dela
-o a recriar sua prática pedagógica (Brasil, 1999).
necessitam ao mesmo tempo. Isso também acon1.4
tece na nossa vida. O autor não julga a sua exis-
Os jogos no Ensino de Química
tência e sim a forma de reagir frente a ela. Para
Pesquisas têm apresentado que o Ensino de
todos os jogadores as regras são as mesmas e se as
Química, em geral, é tradicional, focando-se em
competências também forem iguais será vencedor
simples memorização de fórmulas e cálculos,
quem tiver mais sorte. Além do mais, o ganhador
longe de vincular a química ao cotidiano do aluno
é, constantemente, a referência para o perdedor,
(Santana, 2006). O grau de abstração desta disci-
em face do que ele precisa melhorar ou o que ele
plina ainda é algo presente em sala de aula, devido
deve levar em conta na próxima partida.
aos conceitos serem abordados de forma desinte-
1.3
Os jogos e os parâmetros curriculares nacionais
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são referências para os níveis de ensino fundamen-
ressante para os alunos, que acabam por rejeitarem a disciplina de química em consequência da dificuldade na aprendizagem, absorção das ideias e também por falta de aulas práticas.
tal e médio de todo o país. Possuem a finalidade de
Atualmente, existem várias propostas pedagó-
assegurar a todas as crianças e jovens brasileiros o
gicas com metodologias alternativas para a obten-
direito de desfrutar do conjunto de conhecimentos
ção de um ensino mais dinâmico que leve o aluno
admitidos como necessários para o exercício da
a ser sujeito do processo educativo, desenvolvendo
cidadania, mesmo em locais com condições socio-
uma aprendizagem mais significativa.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
49
Na Trilha dos Elementos Químicos
Os docentes podem fazer o uso de vários recur-
de atividades lúdicas como recurso didático na sala
sos didáticos, diferentes dos tradicionais “quadro
de aula; criar um jogo que seja útil ao Ensino de
e giz”, na perspectiva de buscar melhor desempe-
Química; tornar o aprendizado de química mais
nho dos alunos. De acordo com estudos feitos por
fácil e prazeroso; instigar o raciocínio do aluno,
Gazola (2010 apud Araújo; Barroso, 2011), cons-
a reflexão, o pensamento e consequentemente a
tata-se a necessidade e a relevância da aplicação de
construção do seu conhecimento; discutir e anali-
atividades lúdicas na disciplina de química.
sar aspectos e fenômenos importantes da química; promover a integração entre alunos e professores.
Para tentar minimizar esta dificuldade no Ensino de Química, pode-se utilizar várias estratégias, dentre elas os jogos, que possuem um papel muito importante no processo de ensino e aprendi-
2
Metodologia
zagem. Através deles, podemos tornar a química
Com o intuito de comprovar a influência da
mais interessante e lúdica aos olhos dos nossos
atividade lúdica no Ensino de Química, foi elabo-
alunos, pois a sua utilização tem trazido boas
rado um jogo de tabuleiro (Figura 1) com o layout
contribuições na relação aluno-professor e aluno-
da tabela periódica. Este jogo aborda assuntos ini-
-aluno por meio de diferentes enfoques e aplica-
ciais de Química Geral, tais como matéria, esta-
ções (Cunha, 2000).
dos físicos, substâncias puras e misturas, estrutura
O jogo pode facilitar a compreensão dos con-
atômica, tabela periódica e a utilidade de alguns
teúdos de química de uma forma diferenciada e
elementos químicos. Tratamos, ainda, de temas
também pode praticar os conceitos já aprendidos
como segurança química e algumas vidrarias de
anteriormente, desenvolvendo habilidades básicas
laboratório. Os participantes desta pesquisa foram
relativas à cidadania, como o posicionamento crí-
os alunos do ensino médio técnico do Instituto
tico e a capacidade de compreensão dos fenôme-
Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio
nos químicos.
de Janeiro (IFRJ) – Campus Nilópolis.
Este trabalho tem como objetivos: apresentar
Para a construção deste jogo foi realizada, ini-
uma metodologia diferenciada e lúdica como uma
cialmente, uma pesquisa de embasamento teórico
forma interativa e alternativa de ensino-aprendiza-
sobre os conteúdos abordados e sobre limitações,
gem em química; fazer uma pesquisa sobre o uso
ideias e regras de jogos de tabuleiro (Quadro 1).
50
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Figura 1. Jogo ‘Na trilha dos elementos químicos’.
Na Trilha dos Elementos Químicos
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
51
Na Trilha dos Elementos Químicos
Quadro 1. Regras do jogo ‘Na trilha dos elementos químicos’. Participantes: 4 ou mais jogadores, divididos em 2, 3 ou 4 equipes. Público: alunos do ensino médio técnico. Componentes: 1 tabuleiro; 160 Cartas; 1 dado; 4 peões; 4 tabelas periódicas; 1 ampulheta ou cronômetro. Objetivo: fazer o peão da própria equipe ser o primeiro a percorrer todo o trajeto do tabuleiro. Os peões são movimentados quando os jogadores acertam ou erram a questão da carta, avançando ou retrocedendo, respectivamente. Tabuleiro: o tabuleiro da tabela periódica está divido em 4 cores, que representam diferentes categorias. São elas: AZUL – Desenhos ou mímicas, AMARELA – Quem sou eu?, VERMELHA – Perguntas & tarefas, VERDE – Segurança no laboratório. Preparação para o jogo: • Devem-se providenciar lápis e papel para as equipes. • Cada equipe escolhe um peão e coloca no início do tabuleiro. • Cada equipe joga o dado uma vez e quem tirar o número mais alto começa o jogo. • Para cada rodada, a equipe deve ser representada por um jogador diferente, fazendo um rodízio. O jogo: PRIMEIRA RODADA: o jogador da primeira equipe lança o dado para saber quantas casas seu peão deve avançar. Em seguida, compra a primeira carta da categoria correspondente à posição do seu peão no tabuleiro. • Desenho ou mímica: o jogador deve tirar uma carta azul, olhar a palavra e escolher entre desenhar ou fazer mímica. Então, a ampulheta é virada e a equipe tenta adivinhar qual a palavra em questão. Os jogadores vão propondo palavras até que alguém acerte ou até que se esgote o tempo da ampulheta. • Quem sou eu?: Um jogador da equipe adversária ou um mediador tira uma carta amarela, onde constará dicas ou um versinho de algum elemento químico, no qual a equipe terá de adivinhar. Perante as dicas ou verso a equipe terá de discutir entre si e em uma única chance dizer qual é o elemento referido. • Pergunta & tarefa: Um jogador da equipe adversária ou um mediador tira uma carta vermelha, na qual terá uma pergunta ou tarefa a ser realizada pela equipe da vez. Após lida a carta, a equipe terá o tempo da ampulheta para responder à questão. No caso das dicas, o aluno terá uma chance por dica. • Segurança no laboratório: O jogador deve tirar uma carta verde (informativa) que poderá ser um bônus ou penalidade, de acordo com a situação citada. O assunto é sobre segurança no laboratório de química, tratando-se de dicas e normas. Em seguida, o dado e a jogada passam para a próxima equipe a esquerda, que procederá da mesma maneira, jogando o dado para fazer seu peão avançar no tabuleiro e comprando uma carta. Vencedor: Para ganhar o jogo, uma equipe precisa levar seu peão até a última casa e responder a questão da categoria amarela. Não é necessário obter o número exato no dado para entrar na última casa.
Em seguida, foi feita a arte do tabuleiro de
foram impressas e seladas com adesivo plástico.
maneira a utilizar uma tabela periódica como
Elas ficam posicionadas no tabuleiro, abaixo da
caminho a ser percorrido. A tabela utilizada, da
tabela periódica.
Sociedade Brasileira de Química (SBQ), estava
O tabuleiro foi impresso em lona, com dimen-
dividida em quatro cores que indicavam os blo-
sões de 80 cm de largura por 60 cm de altura. Este
cos s, p, d e f. Estas cores passaram a representar
material fica mais fácil para o transporte. No tabu-
tarefas diferenciadas no jogo, são elas: cartas azuis
leiro também constam piadas e charadas químicas
(34) – Desenhos ou mímicas (Figura 2), cartas
para a diversão e aprendizagem dos estudantes,
amarelas (44) – Quem sou eu? (Figura 3), cartas
com a intenção de aproximar a turma e estimular
vermelhas (50) – Perguntas & tarefas (Figura 4)
maior interação entre os alunos. Foi confeccionado
e cartas verdes (32) – Segurança no laboratório
apenas um tabuleiro para toda a turma. Os arqui-
(Figura 5).
vos com os modelos do tabuleiro e das cartas do
As cartas foram feitas utilizando-se um programa computacional (Microsoft Word), depois
52
jogo, para reprodução, podem ser obtidos através de contato via e-mail com os autores.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Na Trilha dos Elementos Químicos
O jogo ‘Na trilha dos elementos químicos’ foi aplicado em 2 turmas de 1º período do Ensino Médio técnico em química e controle ambiental do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – Campus Nilópolis. Para a aplicação do jogo foram utilizados 2 tempos de aula, totalizando 1h30min de jogo. Ao final da partida, foi aplicado um questionário para saber a opinião dos alunos e a concepção
Figura 2. Cartas azuis – Desenhos ou mímicas.
deles sobre esta metodologia de ensino na disciplina de Química. 3
Resultados e discussão O jogo aplicado abrangeu um total de 53 estudantes nas duas turmas pesquisadas. Desde o início da atividade os alunos manifestaram um grande entusiasmo, pois se tratava de uma nova abordagem de ensino, diferente da aula tradicio-
Figura 3. Cartas amarelas – Quem sou eu?
nal. Este interesse permitiu que fosse despertada nos alunos uma predisposição para o aprendizado. As regras (Quadro 1) devem ser bem explicadas e respeitadas, pois é fundamental ao bom andamento do jogo. As turmas já tinham conhecimento dos conceitos utilizados, pois se tratavam de assuntos já explanados pelos professores da disciplina. Durante a aplicação do jogo os alunos foram capazes de relacionar os conceitos e proposições contidas nas cartinhas, com o conhecimento que
Figura 4. Cartas vermelhas – Perguntas & tarefas.
já apresentavam, e desta maneira puderam reestruturar seu conhecimento. Isso pode ser observado nos discursos dos alunos durante o jogo e também através dos questionários respondidos. Reconhecer os conhecimentos prévios dos alunos é de extrema importância, uma vez que é através destes que as novas informações apresentadas pelo jogo irão se ancorar, assumindo, assim, um significado para o aluno. De acordo com Castro e Costa (2011), a aprendizagem significativa ocorre quando novas ideias
Figura 5. Cartas verdes – Segurança no laboratório.
ou conceitos firmam-se a conceitos importantes já
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
53
Na Trilha dos Elementos Químicos
existentes na estrutura cognitiva do indivíduo. Os
(1996), o jogo didático tem de ter sua função
conhecimentos prévios dos alunos também facili-
lúdica e educativa, ou seja, o ensino e a diversão
taram a compreensão das regras do jogo, bem como
devem caminhar juntos, o que demonstra o cum-
ajudaram a dinamizar o jogo, pois foram poucas
primento da proposta. Não houve classificação do
as dúvidas durante a realização da atividade. Uma
jogo como cansativo ou maçante, o que mostra
variável que deve ser levada em consideração é o
como os alunos gostaram da atividade realizada.
tempo gasto para finalizar o jogo. Os alunos nem 3.2
perceberam o tempo passar durante a diversão/ aprendizagem. Em uma das turmas, quando uma equipe cruzou a linha de chegada as demais não queriam parar de jogar, queriam estipular 2º e 3º lugares. Entretanto, isso não foi possível, pois o tempo da disciplina de química já havia terminado e o docente da próxima disciplina já se fazia presente para a troca de professores. Na outra turma, quando o jogo foi finalizado, as equipes também lamentaram o término da partida e perguntaram se mais atividades como essa poderiam ser aplicadas, utilizando o mesmo ou outros jogos para o Ensino de Química. Nos questionários entregues aos estudantes,
Questão 2. O que você achou da aplicação de um jogo para aprender/relembrar/fixar conceitos de química? Contribuiu para a sua aprendizagem?
Por se tratar de um questionamento aberto, os alunos puderam expressar suas opiniões livremente. Todos os alunos (100%) afirmaram que o jogo contribuiu para o aprendizado, comprovando sua eficácia no processo de ensino, seja por relembrar algum assunto, fixar alguns conceitos e até mesmo aprender novos conteúdos de química. Algumas das respostas estão expostas a seguir, a fim de validar a competência do jogo na aprendizagem.
interessou-nos saber sobre as aprendizagens adqui-
“Sim, nós fixamos aquilo que sabiamos, foi
ridas e opiniões acerca deste recurso didático. No
como uma prova divertida”.
decorrer desta discussão, encontram-se algumas
“Bom, pois deu para aprender e relembrar
das respostas dos alunos, retiradas na íntegra do
brincando”.
questionário e, portanto, mantidas sem qualquer correção quanto à gramática ou concordância com
“Uma ótima ideia para nos ajudar.
a língua portuguesa.
Contribuiu, pois desta forma há mais interação entre os alunos e até mesmo com o
que os alunos poderiam marcar mais de uma res-
30
posta. Tratou-se de uma questão fechada e pode-
20
ram ser didático e o mesmo número de alunos disseram ser interessante. De acordo com Kishimoto
aç
an te
0
M
sa tiv o Ca n
(90%) acharam o jogo divertido, 40 (75%) disse-
0
0 do
Notamos que de um total de 53 alunos, 48 deles
10
rti
relação ao jogo.
Di ve
mos ver na Figura 6 a positividade dos alunos em
40
sa nt e
resposta para a classificação do jogo aplicado, em
40
40
In te re s
Nessa questão, foram dadas cinco opções de
54
48
50
ca tiv o
Questão 1. Classifique o jogo
Ed u
3.1
Figura 6. Classificação do jogo na opinião dos alunos.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Na Trilha dos Elementos Químicos
professor, havendo, por uma forma melhor,
talvez por este motivo tenha sido o assunto mais
mais aprendizado”.
votado. Em segundo lugar ficou a radioatividade,
“Ótimo, pois quanto mais divertida é a aprendizagem, maior é a capacidade de se lembrar”.
em virtude da enorme quantidade de reportagens na mídia sobre os acidentes ocorridos, por exemplo, o de Goiânia. Apenas 1 aluno marcou a opção
“Sim. Gostei muito e se pudesse compraria um”.
3.3
assunto temido entre os alunos, provavelmente
“outros”, que permitia citar assuntos diferenciados dos que estavam apresentados. Este aluno, além de ter marcado todas as alternativas, escreveu:“todos os possíveis”.
Questão 3. Você gostaria de aprender algum outro conceito através do jogo? Qual(is)?
Ou seja, ele gostaria de aprender todos os conteúdos de química através dos jogos. O interesse
A questão possuía 13 opções de respostas, nas quais 11 delas eram diferentes assuntos de química, uma era a citação de outros conceitos e uma era para quem não gostasse de aprender outros
despertado por essa alternativa metodológica norteia o aluno na busca pelo conhecimento, desenvolvendo seu raciocínio e permitindo um maior aprendizado.
conteúdos de química através dos jogos. Os alunos
3.4
poderiam marcar quantas opções quisessem e suas respostas foram expressas na Figura 7.
Questão 4. Você tem alguma sugestão para melhoria deste jogo?
O resultado foi bem satisfatório, nenhum
Neste momento, os alunos poderiam fazer suas
aluno respondeu que não gostaria de aprender
avaliações e críticas sobre o jogo, a fim de sugerir
através dos jogos, comprovando a boa influência
algum acréscimo ou mudança em geral. Suas res-
desta atividade lúdica e a receptividade dos alu-
postas estão contidas na Figura 8.
nos mediante esta metodologia. No hanking dos
Na opinião da maioria dos alunos não há
assuntos de química, os mais pedidos foram jogos
necessidade de melhorar o jogo, mas 3 deles pen-
que abordassem ligação química e radioatividade,
saram diferente. Uma das sugestões foi a respeito
com 34 e 30 votos, respectivamente. As turmas
do tempo para as atividades. A categoria desenho
já haviam iniciado o assunto de ligação química,
ou mímica tem um tempo para execução, que é 1
40 30 20 10
30 20
17
14 14 13 13
2% Tempo para todas as atividades
10 10 1
0
Lig .q di uí oa . tiv id Co ad m e So po lu st çõ os Fu e or s nç gâ õe ni si no cos rg ân El ica et ro s qu Ci né ím tic ica a Eq q ui líb uím ica rio qu Te í rm mic o Fu oq nç uí õe m i so c rg a ân ica s O Nã utro o s go st ar ia
0
4% Conter menos cartas de azar
34
Ra
94% Não precisa melhorar nada
Figura 7. Conceitos que os alunos gostariam de aprender através dos jogos.
Figura 8. Sugestão para melhoria do jogo.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
55
Na Trilha dos Elementos Químicos
minuto para a equipe advinhar a palavra, e um dos
Os jogos mais votados foram os de tabuleiro e
alunos sugeriu que fosse colocado tempo para as
de cartas, em que citaram-se, várias vezes, o Banco
demais atividades, pois achavam mais justo que
Imobiliário e o Uno. O Banco Imobiliário combina
todos os grupos tivessem o mesmo tempo de res-
tabuleiro, cartas e dados e cada jogador compra,
posta, para qualquer categoria. Outro fator foi as
constrói, aluga e vende suas propriedades, com o
cartas de ações más, na categoria de segurança quí-
objetivo de tornar-se mais rico dentre os jogadores.
mica, que sempre indicavam uma penalidade. As
Não é um jogo de sorte ou azar, e sim de estratégia
penalidades eram bem variadas e como era uma
e atenção. O Uno é um jogo de cartas muito popu-
categoria que dependia unicamente de sorte, pois
lar e consiste, basicamente, em descartar uma carta
tratavam-se de cartas informativas, os alunos fica-
da mesma cor ou mesmo número daquela que está
vam pouco satisfeitos. Apesar da pouca satisfação
na mesa, e o objetivo final é ser o primeiro a se
quando retiravam alguma carta que continha uma
livrar de todas as cartas da mão. O jogo necessita
penalidade os alunos entendiam que estas cartas
de estratégia e também um pouco de sorte.
faziam parte do jogo e o tornava ainda mais emocionante. 3.5
comprovam o quão válidos são estes jogos quando utilizados no Ensino de Química, mostrando-nos
Questão 5. Sugira outros jogos que possam ser usados nas aulas de química
a eficácia dos mesmos no processo de ensino-aprendizagem. Oliveira et al. (2010) e Soares et
Pediu-se aos alunos que sugerissem outros tipos de jogos que pudessem ser usados nas aulas de química. Ao todo foram citados 15 jogos diferentes. Estes jogos foram classificados por categorias, de acordo com a Figura 9. Nessa questão, interessou-nos saber por quais jogos os alunos possuem maior afinidade e interesse. Esses jogos, passando por adaptações, podem representar boas opções para o ensino, já que os alunos já se sentem atraídos por suas dinâmicas, aumentado a disposição e o interesse pela atividade.
7% Forca 7% Caça-palavras 6% Jogo da memória
Artigos e trabalhos publicados em eventos
7% Computacional 40% Carta/baralho
al. (2009) são autores que desenvolveram os jogos Banco Químico e Uno Químico, respectivamente, numa abordagem química em sala de aula e obtiveram êxito com relação à atividade, havendo aprovação pela maioria dos alunos. Segundo Fialho (2008), o ensino pode tornar-se mais dinâmico e prazeroso, quando o aluno é aguçado pela prática do jogo, buscando a resolução de questões nele contidas, como meio de conquistar êxito na dinâmica proposta. Ainda enfatiza que, o jogo exerce uma fascinação sobre as pessoas, que lutam pela vitória procurando entender os mecanismos dos mesmos, o que constitui de uma técnica onde os alunos aprendem brincando; no entanto, queremos deixar claro que os jogos devem ser vistos como apoio, auxiliando no processo educativo.
A aplicação de uma atividade lúdica incentiva o aluno na busca pelo conhecimento, no desenvolvimento do seu raciocínio e no estreitamento de rela-
33% Tabuleiro
Figura 9. Categorias dos jogos citados.
56
ções entre os participantes, aperfeiçoando o ensino. Portanto, é inprescindível que os docentes, com o apoio das instituições, desenvolvam mecanismos
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Na Trilha dos Elementos Químicos
de ensino que propiciem ao aluno o prazer em
das vidrarias utilizadas em laboratório de química.
aprender, de maneira que a construção do conheci-
As questões de segurança no laboratório são apenas
mento seja eficiente e dinâmica. A Figura 10 mos-
de caráter informativo, não exigindo conhecimento
tra a aplicação desta atividade em sala de aula.
prévio, muito pelo contrário, pois apresentam algumas regras e normas de laboratório de química através de ações boas ou más. Para os alunos de ensino regular, ter contato com outros meios de ensino de química pode deixá-los mais interligados com a parte prática/técnica desta ciência. 4
Conclusão A aplicação do jogo ‘Na trilha dos elementos químicos’ mostrou ser um excelente recurso didático, pois atua como instrumento facilitador no processo ensino-aprendizagem. Possui grande
Figura 10. Aplicação do jogo em sala de aula.
potencial motivador e atrativo, permitindo uma atmosfera produtiva, com grande envolvimento e participação dos discentes, algo não alcançado nos
A construção de conhecimento no ambiente
métodos tradicionais. As funções lúdicas e educa-
escolar depende de um processo no qual os signi-
tivas foram cumpridas, uma vez que foram propor-
ficados e a linguagem do docente vão sendo admi-
cionadas diversão e prazer em conjunto com um
tidos pelos alunos na construção de um conheci-
ensino que completou o indivíduo em seu saber,
mento compartilhado. A superação de obstáculos
seus conhecimentos e sua compreensão do mundo.
passa por um processo de interações discursivas, no
Os próprios alunos reconheceram que essa
qual o professor tem um papel fundamental, como
metodologia dinâmica de ensino pode lhes propi-
representante da cultura científica (Mortimer;
ciar uma melhor aprendizagem, como visto na aná-
Machado, 1997). O jogo favorece o aprendizado
lise dos resultados. A atividade foi uma maneira
pelo erro e estimula a resolução de questões, pois
de interação e teve um papel muito importante na
é livre de pressões e avaliações, criando um bom
socialização dos alunos da turma, pois a promoveu
clima para investigar e buscar soluções para os
e contribuiu para o desenvolvimento do raciocínio,
problemas.
envolvendo-os com o conteúdo em estudo. É uma
Embora o jogo tenha sido planejado para ser
alternativa criativa e divertida capaz de transfor-
aplicado em turmas de ensino médio técnico pode
mar socialmente estes alunos, tornando-os indiví-
ser utilizado também no ensino regular, com algu-
duos críticos e participativos. Essa consciência de
mas ressalvas. Nas cartas de desenhos ou mímicas,
que está se formando cidadãos é essencial para o
nas quais se exigem conhecimentos das vidrarias
processo de ensino-aprendizagem e é a meta fun-
de laboratório, pode-se utilizar um catálogo com
damental da educação em qualquer que seja o seu
as imagens das vidrarias constantes no jogo. Este
nível de ensino. O jogo auxiliou na construção de
catálogo ficaria exposto tanto para o desenhista
soluções sociais e individuais, estimulando o tra-
quanto para as equipes, a fim de apresentar algumas
balho em equipe, o compartilhamento de conhe-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
57
Na Trilha dos Elementos Químicos
cimentos, as tomadas de decisões e o respeito às regras. As atividades lúdicas permitem que discente e docente tenham uma relação mais igualitária e um laço de afetividade e intimidade maior, pois o professor deixa de ser aquele que tem o maior conhecimento e passa a ser um aprendiz, juntamente com seus alunos. Isso faz despertar um maior interesse pela disciplina e inibe o medo deles em se expor, mostrar suas dúvidas e anseios. Vale ressaltar que os jogos servem como suporte pedagógico e que o professor pode confeccionar seu próprio jogo, intervindo de forma eficiente. Com base nesta visão, os jogos didáticos merecem um espaço maior na prática pedagógica, pois são excelentes formas de apoiar os novos desafios encontrados no campo de ensino. Sendo assim, é de grande importância que professores possam oferecer estratégias de ensino que auxiliem na construção do conhecimento dos seus alunos. 5
Referências ARAÚJO, G. X.; BARROSO, R. R. A importância da aplicação do jogo pedagógico Passa e Repassa na aprendizagem de cálculo estequiométrico na disciplina de química no ensino médio. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Química), Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Pato Branco, 2011. ANTUNES, C. Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2007. BRASIL. MEC. Semtec. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnologia, 1999. BROUGERE, G. O jogo e a educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
58
CASTRO, B. J.; COSTA, P. C. F. Contribuições de um jogo didático para o processo de ensino e aprendizagem de Química no Ensino Fundamental segundo o contexto da Aprendizagem Significativa. Revista Electrónica de Investigación en Educación en Ciencias, v. 6, n. 2, 2011. CUNHA, M. B. Jogos didáticos de química. Santa Maria: Grafos, 2000. FIALHO, N. N. Os jogos pedagógicos como ferramenta de ensino. EDUCERE, 2008. Disponível em: <http:// www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/ pdf/293_114.pdf>. Acesso em: 15 jan. 2013. GUIMARÃES, O. M. Novos materiais e novas práticas pedagógicas em química: experimentação e atividades lúdicas. Curitiba: Departamento de Química da UFPR, 2010. 168 p. KISHIMOTO, T. M. O jogo e a Educação Infantil. In: Jogo, brinquedo, brincadeira e educação. 4. ed. São Paulo, Cortez, 1996. LIMA, A. G. Jogo: recurso a favor da aprendizagem. Universidade Cândido Mendes. Trabalho de Pósgraduação, 2012. MORTIMER, E. F.; MACHADO, A. H. Anais do Encontro sobre Teoria e Pesquisa em Ensino de Ciências: linguagem, cultura e cognição. Belo Horizonte, 1997. OLIVEIRA, J. S.; VAZ, W. F. Combinando tabuleiro, cartas, dados, compras e vendas no ensino de soluções químicas – o jogo Banco Químico. In: XV Encontro Nacional de Ensino de Química (XV ENEQ), Brasília, 2010. SANTANA, E.M.; WARTHA, E. J. O Ensino de Química através de jogos e atividades lúdicas baseados na teoria motivacional de Maslow. In: Encontro Nacional de Ensino de Química, 13, Campinas (Unicamp), 2006. Anais, Campinas – São Paulo. SOARES, M. H. F. B. Jogos para o Ensino de Química: teoria, métodos e aplicações. Guarapari: Libris, 2008. SOARES, M. H. F. B.; AIRES, P. K. M.; CAVALCANTE, T. M. Uno Químico: desenvolvimento de um jogo didático para ensinar tabela periódica. In: 32a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, Fortaleza, 2009.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Relato de Experiência 03 | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
p. 59-62
Papel Reciclado: prática ambiental no ensino Recycled Paper: environmental practice in teaching Maria Thereza dos Santos Silva1, Aeryslannia Morreira Nobrega2, Jadson Borges de Oliveira3 e Marta Jussara Macedo de Medeiros4
Resumo Com a necessidade de preservar o meio ambiente e formar cidadãos conscientes, desenvolveu-se um trabalho visando ajudar os alunos a reaproveitar o papel que era lixo, associando a teoria com a prática durante o ensino. Foi realizada uma oficina de reciclagem, reutilizando o papel e incentivando uma prática ambiental, tendo a presença de dezenove estudantes do 9° ano do ensino fundamental da Escola Estadual Capitão Mor Galvão, na cidade de Currais Novos-RN. Os resultados mostraram que a prática ambiental é necessária principalmente quando é relacionada com os conteúdos abordados em sala de aula. Os envolvidos ganharam uma consciência ambiental além de produzir papel reciclado. Portanto, atitudes e hábitos como estes trazem resultados efetivos para melhorar a qualidade de vida e o aprendizado dos conteúdos. Palavras-chave: Prática ambiental; Reciclagem; Formação do cidadão.
1. Graduada em Licenciatura em Química – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. 2. Graduada em Licenciatura em Química – IFRN. 3. Graduando de Licenciatura em Química – IFRN. 4. Graduanda de Licenciatura em Química.
Papel Reciclado: prática ambiental no ensino
Abstract With the need to preserve the environment and form conscious citizens, has developed a work that aims to help students reclaim the role that was garbage, linking theory with practice during teaching. Refresher workshop was conducted by reusing paper encouraging environmental practice, and the presence of nineteen students from the 9thelementary school of the State School Capitão Mor Galvão in the city of Currais Novos-RN. The results showed that environmental practices are necessary especially when related to the content covered in class. Involved wonan environmental awareness as well as producing recycled paper. So attitudes and habits like these bring effective results to improve the quality of life and learning content. Key-words: Environmental practice; Recycling; Training the citizen.
1
hipóteses para problemas relevantes de seu contexto
Introdução
(Albuquerque, 1993). Uma das alternativas encon-
Ao longo da história, o homem criou maneiras
tradas foi a reciclagem do papel usado; isso ajuda na
de melhorar sua qualidade de vida, podendo des-
redução do desmatamento haja vista que, para a sua
frutar de tudo que existe. Contudo, o uso exces-
fabricação, deve haver o corte de árvores.
sivo das suas criações trouxe consequências, sendo
Diante da necessidade de incentivar a educa-
uma delas a produção elevada de lixo que, hoje,
ção ambiental, surgiu a proposta de trabalhar com
é um grave problema para a sociedade. Os lixões
o uso da reciclagem do papel na Escola Estadual
atingem diretamente o homem através da poluição
Capitão Mor Galvão, junto aos alunos do 9º ano do
do solo, da água e da poluição visual. Neles está
ensino fundamental, desenvolvendo a consciência
presente a efetiva ou potencial periculosidade dos
do cidadão através de uma oficina. A fabricação do
resíduos sólidos (Borges, 2001).
papel reciclado ajudará o estudante a compreender
Para controlar a produção do lixo em massa,
melhor os conteúdos de química ao mesmo tempo
apareceu o sistema de reciclagem. Para conscien-
em que melhorará a prática ambiental.
tizar a sociedade com relação à importância da mesma, deve-se iniciá-la por meio da formação do cidadão, ou seja, através da educação ambiental intermediada pelo ensino das ciências exatas,
2
Metodologia Devido à importância de se incentivar o estudante a tornar-se um cidadão preocupado com o
como a Química. A Química pode ser um instrumento da for-
meio ambiente, desenvolveram-se alguns métodos
mação humana que amplia os horizontes culturais
visando a criação e a aplicação de uma oficina
e a autonomia no exercício da cidadania (Brasil,
sobre a fabricação do papel reciclado.
2002, p. 87). Abordar os conteúdos de química,
Inicialmente, para a execução deste trabalho, foi
relacionando-os à qualidade de vida e ao cotidiano
necessária a autorização da direção da escola; feito
é uma forma de fazer o estudante despertar para a
isso, esclareceu-se os estudantes, ao longo de ape-
melhoria do meio ambiente.
nas um dia, sobre o uso da reciclagem como uma
O aproveitamento da conscientização feita na
prática ambiental no ensino de química. Durante
educação ambiental pode resultar no uso da recicla-
esta formação utilizou-se um vídeo explicativo: “de
gem. Assim, o estudante aprende a propor e checar
onde vem o papel?”, em que o mesmo explica todo
60
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Papel Reciclado: prática ambiental no ensino
o processo histórico do papel, onde ele foi criado,
Contou-se com a presença de dezenove estu-
como evoluiu até hoje e sobre sua fabricação indus-
dantes do 9° ano do ensino fundamental. A avalia-
trial. Com isso, houve a conscientização sobre o
ção nos revelou que 21% já participaram de aulas
meio ambiente e, em seguida, ocorreu a explicação
experimentais e 79% nunca participaram; isso,
de como se dá a fabricação do papel.
certamente, será novidade para aqueles que nunca
Ao término da formação, aplicou-se um ques-
participaram de uma aula experimental. Dos que já
tionário para avaliar se a oficina, com o uso da prá-
haviam participado de aulas experimentais 100%
tica, ajuda na aprendizagem.
responderam que esta prática foi boa.
Análise e resultados
para entender a reciclagem; 16% responderam que
Foi perguntado se só a teoria seria necessário 3
a teoria seria suficiente e 84% necessitam da prá-
A fabricação do papel reciclado foi abordada
tica. Isso vem nos confirmar que somente a teoria
na forma de uma oficina, onde foi explicada a sua
não é suficiente para a aprendizagem dos estu-
origem e os procedimentos de sua fabricação; em
dantes. A avaliação nos revelou que os estudantes
seguida, os alunos realizaram a prática experimen-
acham indispensável que a teoria dos conteúdos de
tal da reciclagem/fabricação do papel reciclado.
química ambiental seja relacionada com a prática.
Finalmente, foi feita uma pequena avaliação atra-
Pode-se conferir os resultados dos questionamen-
vés do questionário contido no Quadro 1.
tos na Figura 1.
Quadro 1. Questionário aplicado na pesquisa. Questionário sobre o uso do papel reciclado no ensino de química. Você já participou de aulas experimentais? ( ) Sim ( ) Não Se sim, o que você achou da fabricação do papel reciclado? ( ) Sim ( ) Não ( ) Regular Se apenas ensinássemos a fazer o papel, teoricamente, seria suficiente para você por em prática? ( ) Sim ( ) Não Você acha necessário que se faça uma relação da teoria do conteúdo de química ambiental com a prática? ( ) Sim ( ) Não
Sim Não
19 16
15
4
4
3 0
Já participou de aulas experimentais?
Se sim, o que você achou da fabricação do papel reciclado?
0
Se apenas ensinássemos a fazer o papel, teoricamente, seria suficiente para você por em prática?
Você acha necessário que se faça uma relação da teoria do conteúdo de química ambiental com a prática?
Figura 1. Tratamento do questionário aplicado na escola.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
61
Papel Reciclado: prática ambiental no ensino
A experimentação pode ser utilizada para
O processo da reciclagem feita em aula des-
demonstrar os conteúdos trabalhados, mas utilizar
perta o estudante para uma melhor maneira de
a experimentação na resolução de problemas pode
tratar o lixo. O estudante pode produzir novos pro-
tornar a ação do educando mais ativa. No entanto,
dutos com o lixo que pode ser recolhido da pró-
para isso, é necessário desafiá-los com problemas
pria casa, da vizinhança e/ou até mesmo da escola.
reais; motivá-los e ajudá-los a superar os proble-
Atitudes e hábitos como estes trazem resultados
mas que parecem intransponíveis (Guimarães,
efetivos para melhorar a qualidade de vida e con-
2009, p. 199).
tribuir com o aprendizado dos conteúdos.
A aplicação deste questionário ajudou a avaliar a oficina, em que se abordaram os conteúdos relacionando-os com a prática; isso angaria benefícios tanto aos professores como aos alunos, que por meio da oficina compreenderam a matéria com maior facilidade e aprenderam a utilizá-la em seu dia a dia.
4
A reciclagem do papel pode amenizar o problema de excesso de lixo existente, evitando a fabricação de novos papéis, ou seja, ajudando na preservação do meio ambiente, Na criação de consciência dos estudantes e na formação de cida-
62
Referências ALBUQUERQUE, E. A importância da reciclagem do lixo. Revista VEJA, 18 ago. 1999, p. 20-24. BORGES, M. E. Resíduos sólidos no ambiente urbano. In: Revista Marco Social: Educação para o Meio Ambiente. Instituto Souza Cruz. RJ, 2001. BRASIL. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio: ciência da natureza, matemáticas e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEF, 2002.
Considerações finais
dãos atuantes.
5
DE ONDE VEM O PAPEL? TV Escola. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=jqty_zMgQRM>. Acesso em: 01 nov. 2012. GUIMARÃES, C. C. Experimentação no ensino de química: caminhos e descaminhos rumo à aprendizagem significativa. Química Nova na Escola, n. 3, p. 198-202, 2009.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Relato de Experiência 04 | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
p. 63-69
Conceitos de Química no Cotidiano dos Discentes do Ensino Fundamental: uma experiência na produção de um livro digital Chemistry Concepts in Daily Life of Elementary School Students: an experience in the production of a digital book Vanesca Kerly da Silva Delgado1, Gina Thamiris Medeiros Rocha2 e Suzane Cecília da Silva Medeiros3
Resumo Neste trabalho, foram abordadas curiosidades de Química por meio da discussão de textos didáticos, em aulas expositivas com os discentes do 9º ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal em Acari – RN. Com o intuito de motivar os alunos ao estudo da disciplina de Química, realizamos um trabalho que apresentava curiosidades sobre alguns conceitos químicos. Para a realização deste trabalho, utilizamos textos e elaboramos oficinas para a construção de um livro digital feito pelos próprios discentes. Além disso, unimos a opinião dos discentes em relação à Química e suas curiosidades, a interdisciplinaridade entre as disciplinas de Ciências, Química e Português e pesquisas realizadas pelos discentes. O desenvolvimento dessa produção conseguiu mostrar a visão crítica e autônoma dos discentes em relação a essa ciência. Palavras-chave: Curiosidades de química; Ensino; Visão autônoma.
1. Aluna de graduação em Química e bolsista Pibid, da Capes – Brasil: IFRN – Campus Currais Novos. E-mail: vanescakerly@hotmail.com 2. Aluna de graduação em Química e bolsista Pibid, da Capes – Brasil: IFRN – Campus Currais Novos. E-mail: thamyresmedeiros@hotmail.com 3. Orientadora e supervisora do PIBID, da Capes – Brasil: IFRN – Campus Currais Novos. E-mail: ssuzany@yahoo.com.br
Conceitos de Química no Cotidiano dos Discentes do Ensino Fundamental
Abstract In this work we examine some chemistry curiosities through discussions on didactic textbooks in classes dealing with fundamental level students of a public school in Acari-RN. To motivate the students relative to chemistry contents we discussed some curiosities about chemistry concepts. We utilized some texts and experimental activities directed to the construction of a digital book by the students. Besides these activities we tried to connect the students opinions about the curiosities and the interdisciplinarity among disciplines. The development of this work showed the independent and critical vision of the students relative to the chemistry science. Key-words: Chemistry curiosities; Teaching; Independent vision.
1
Segundo Davis (2010) um dos principais obje-
Introdução Existe uma infinidade de saberes a serem explorados e compreendidos, e a Química possibilita-nos trabalhar com diversos temas e conhecimentos do mundo. O estudo dessa disciplina pelos discentes inicia-se no 9° ano do Ensino Fundamental, na matéria Ciências (que engloba Química, Física e Biologia). Em muitos casos, os discentes não possuem o contato efetivo com as curiosidades dos conteúdos de Química, o que os desmotiva e dificulta o seu senso crítico e autônomo para compreendê-la. Desse modo, é preciso trabalhar, discutir e fazer que os estudantes desenvolvam sua própria visão em relação a essa matéria tão importante, a fim de que despertem para um mundo onde a Química tem um dos papéis principais para o desenvolvimento da sociedade. Assim, foram analisados livros, artigos e revistas que abordavam as curiosidades de Química e identificados os conteúdos e trabalhos essenciais para aprendizagem e motivação dos discentes do 9º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Major Hortêncio de Brito – Acari – RN. Em seguida, houve a execução desta pesquisa em forma de aulas expositivas e oficinas, e a produção de um livro digital feito pelos próprios discentes, para uma melhor compreensão dessa ciência e, ao mesmo tempo, para levar o aluno a gostar da Química.
64
tivos da escola enquanto instituição de ensino formadora de cidadãos críticos e autônomos é: [...] A de propiciar aos alunos a possibilidade de realizar, com os materiais e os meios disponíveis, algo que ainda não tenha sido feito, ou de fornecer condições para que aquilo que já foi feito seja visto ou refeito a partir de uma nova perspectiva. Não se quer, assim, que a escola atue apenas como reprodutora de conhecimentos ou de técnicas já desenvolvidas. Ao contrário, é preciso que a criação – seja ela científica, seja ela artística – tenha lugar no espaço escolar.
Tendo em vista o papel importantíssimo da escola enquanto formadora de cidadãos, é necessário darmos maior ênfase ao desenvolvimento autônomo do aluno. Neste trabalho, abordaremos alguns textos didáticos como instrumento de aprendizagem e discussão para futuras produções, porque o discente necessita do contato com o conhecimento para o seu desenvolvimento autônomo. Entendendo que o trabalho isolado não é proveitoso para o aprimoramento das habilidades dos discentes, decidimos situar o nosso trabalho em um âmbito interdisciplinar. Conforme Libâneo (2002): O trabalho isolado de cada disciplina não possibilita a intercomunicação de saberes, não favorece a ampliação da capacidade de argu-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Conceitos de Química no Cotidiano dos Discentes do Ensino Fundamental
para esse desenvolvimento, formando-o de uma
mentação, limita a abordagem de problemas concretos, dificulta a transversalidade de outros saberes que não o disciplinar. A interdisciplinaridade propicia o diálogo entre os saberes, a analise mais globalizada dos objetos de conhecimento, a cooperação de várias disciplinas para estudo de problemas sociais práticos, a introdução no estudo dos temas dos aspectos ético-culturais (p. 38).
perspectiva integral (formação para a vida). Santos e Schnetzler (2003) afirmam que: Em Ciências do Ensino Fundamental, o papel do estudo da Química é o de criar suporte e ajudar a responder questões necessárias na complementação dos conhecimentos ensinados,
por intermédio do estudo de algumas curiosidades dessa ciência, os discentes motivam-se para buscar respostas para algumas questões nas quais eles
Portanto, é essencial que a produção de novos
enxergam a Química.
conhecimentos ou novas perspectivas ocorra por meio da interação entre disciplinas. Este trabalho pretende unir a Química ao Português e, por
2
Material e métodos
último, à Informática, como fonte de organização. Segundo Freire (2001) Não é ético nem rigoroso criticar o que não conhecemos (p. 31). Como
podemos opinar, discutir, questionar algo que não conhecemos? É preciso expor ao aluno as curiosidades de Química e fazer que os discentes questionem, critiquem construtivamente para uma aprendizagem significativa. Martins et al. (2003) aborda o papel de se trabalhar a Química com os discentes da seguinte forma: Trata-se de formar o cidadão-aluno para sobreviver e atuar de forma responsável e comprometida nesta sociedade científico-tecnológica, na qual a Química aparece como relevante instrumento para investigação, produção de bens e desenvolvimento socioeconômico e interfere diretamente no cotidiano das pessoas.
Por meio de uma pesquisa bibliográfica, foram constatados alguns dos trabalhos viáveis para a compreensão de algumas curiosidades de Química para os discentes do Ensino Fundamental. Alguns textos foram trabalhados de forma expositiva, mas compreensiva, a fim de despertar nos alunos a curiosidade e a consciência da importância de se estudarem conteúdos tais como: introdução à Química e onde a encontramos; elementos químicos; Química e a indústria da beleza. Em seguida, formamos quatro grandes grupos entre os discentes, sorteamos os textos a serem trabalhados por cada grupo e, por fim, confeccionamos um livro digital com as curiosidades de Química, um trabalho realizado pelos próprios discentes, o qual fez que eles pensassem e desenvolvessem sua própria percepção em relação a essa disciplina. Foram utilizados na produção desses livros: computadores
É preciso trabalhar a Química de forma sim-
com scanner, textos extraídos de outros autores
ples e clara, entretanto se deve ter um cuidado
para dar embasamento ao trabalho dos discentes e
maior na questão da linguagem a ser transmi-
muita criatividade. Contamos com a ajuda da pro-
tida ao discente, para que não exista um baratea-
fessora de Ciências e da professora de Português
mento dos conteúdos de Química (Davis, 2010).
na busca de uma nova visão autônoma da Química
Estudar essa ciência é mais que decorar fórmulas
pelos próprios discentes. Para o desenvolvimento
ou experiências, é construir um mundo de novas
deste trabalho, foram necessárias dez aulas, distri-
possibilidades e de melhor qualidade, em que a
buídas em 2h35 min. na sala de aula e 2h25 min.
reflexão do discente e sua autonomia são a base
na sala de informática.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
65
Conceitos de Química no Cotidiano dos Discentes do Ensino Fundamental
3
grande valor dessa ciência; então citaram diver-
Resultados e discussão
sos exemplos como: sem a Química voltaríamos
Inicialmente, foram escolhidos os seguintes
a viver como os homens primitivos, sem tomar
textos de Química para serem trabalhados com os
banho; teríamos de buscar plantas para substituir
discentes; cada um dos textos tinha um objetivo
certos produtos (lavar os cabelos com raspa de
específico, como é mostrado no Quadro 1.
Juá, escovar os dentes com cinzas de carvão etc.);
No quadro, apresentamos os textos trabalhados
quando adoecêssemos, ficaríamos sem remédios;
e os seus respectivos objetivos, para que os discen-
jogar bola teria de ser com uma pedra, um coco ou
tes se autoquestionem em cada um desses textos.
algo parecido. Resumindo, seria muito difícil.
Ao abordá-los com os discentes, estes discutiram
No terceiro texto, de início, os discentes fica-
e afirmaram que, no primeiro texto, ficaram sur-
ram abismados em saber que o sal comum de cozi-
presos ao saberem que o chulé era uma bactéria
nha já serviu como moeda de pagamento. Eles já
e que ela libera aquele mau cheiro (substância)
sabiam a fórmula química desse composto (NaCl),
que caracteriza chulé, mas, mais surpresos fica-
mas sentiam dificuldades em compreender que
ram quando descobriram que essa substância era
o Sódio e o Cloro formam Cloreto de Sódio. Foi
um ácido (ácido valérico). Os alunos fizeram a
preciso mostrar e exemplificar a interação química
seguinte afirmativa: “Eu tenho ácido valérico nos
nesse composto e, em seguida, explicar que o pro-
pés”, em vez de dizerem: “tenho chulé”.
cesso de extração do sal se dá por meio da evapo-
No segundo texto, tiveram dúvidas em rela-
ração. Alguns discentes já entendiam isso porque já
ção à importância da Química, porém, no decorrer
haviam estado em salinas, mas outros questionaram
da leitura e na discussão do texto, perceberam o
esse processo. Para melhor compreensão, expuse-
Quadro 1. Textos utilizados e seus objetivos. Texto
Autores e referências:
Objetivo:
Como evitar o chulé: a ação do antisséptico para os pés
SILVA, V. A.; BENITE, A. M. C.; SOARES, M. H. F. B. Algo aqui não cheira bem... A química do mau cheiro. Química Nova na Escola, v. 33, n. 1, fev. 2011.
Trabalhar com o aluno algo comum do seu dia a dia, com a finalidade de fazê-lo interligar a Química à sua própria vida e possibilitar, assim, uma melhor aprendizagem.
Um dia sem química USBERCO; SALVADOR. Química. Vol. 1, 14. ed. São “Onde está a química?” Essa é uma pergunta que Paulo: Saraiva, 2009, p. 22. muitos discentes não conseguem responder. Por isso, com fundamento nesse texto, pretendemos mostrar ao aluno onde e como encontrar a Química no nosso cotidiano. O composto iônico mais comum: NaCl. Cloreto de sódio NaCl
Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, n. 57, v. 15, 1987 (texto adaptado) apud USBERCO; SALVADOR, Química. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 99 e 164.
Explorar a química de forma simples mas significativa, fazendo que o aluno compreenda a sua importância, buscando a própria história do homem, que está altamente ligada a esse composto.
Tatuagem de hena e USBERCO; SALVADOR. Química. Vol. 1, 14. ed. São A Química está envolvida até mesmo nas coisas mais tatuagem definitiva Paulo: Saraiva, 2009, p. 185. simples deste mundo, como nas cores. Nesse texto, o autor aborda a tatuagem, que é uma prática química que envolve diversas substâncias para se atingir uma bela tatuagem. Química e aparência: USBERCO; SALVADOR. Química. Vol. 2: físico- Reconhecer um composto como um material de descolorindo os química – 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 242. nosso dia a dia é um dos primeiros passos para que os cabelos discentes busquem outros compostos cuja importância não é percebida por serem tão comuns em nosso cotidiano.
66
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Conceitos de Química no Cotidiano dos Discentes do Ensino Fundamental
mos algumas comparações: se colocarmos água
que medidas de segurança sempre devem ser toma-
com sal em um copo e deixarmos essa mistura,
das; discutimos as cores e os elementos utilizados
por um longo tempo, em um ambiente aberto, por
para cada cor e quais cores eram mais utilizadas nas
exemplo, ao ar livre e exposta ao sol, o que ocor-
tatuagens. Eles disseram ser preto, vermelho e verde
rerá? A água irá evaporar lentamente, o sal irá se
e as substâncias seriam carbono e sulfeto de mer-
depositar no fundo do copo, pois o sal comum não
cúrio, dentre outros. Um dos discentes questionou:
mudará de estado físico em temperatura ambiente,
“E se quisermos ter outras cores, como um arco-íris
ou seja, ele não passará para o estado gasoso nesse
tatuado, existem outras cores?”. A resposta ao dis-
momento. Dessa forma, os discentes assimilaram
cente foi que sim, e que estas são apenas algumas
os conhecimentos com exemplos do seu dia a dia.
das cores estudadas, mas diversas outras cores já
Ao verem a imagem da mulher com bócio, não
descobertas e continuam sendo aprimoradas.
sabiam que doença era aquela nem quais eram os
No quinto e último texto, é abordado o desco-
seus sintomas. A partir daí, informamos sobre a
lorimento de cabelos. Não apenas as meninas, mas
importância do consumo do sal (com limite) para
também os meninos acharam muito interessante
evitar tal doença. Explicamos, ainda, que algumas
esse tema, pois cuidar da aparência é algo muito
outras substâncias também estão presentes no sal
privilegiado entre os adolescentes. Por essa razão,
comum de cozinha. Quando questionados como
o assunto os atraiu tanto; algumas garotas da turma
poderíamos detectar essas outras substâncias pre-
já haviam descolorido o cabelo (método conhe-
sentes, eles afirmaram que só em um laboratório
cido como luzes, processo de oxidação dos fios de
químico poderíamos vê-las e estudá-las.
cabelos com a utilização do peróxido de hidrogê-
No quarto texto, abordamos, inicialmente, a
nio), e notavam que o cabelo, após esse processo,
tabela periódica e a localização dos elementos de
ficava mais fraco, mais fácil de embaraçar, mas não
transição, algumas de suas propriedades e questio-
sabiam o porquê disso acontecer. Dentro da própria
namos se eles conheciam esses elementos; ferro (Fe)
pontuação dos discentes, conseguimos explicar
e prata (Ag) foram os mais citados. Em seguida, par-
e discutir essas consequências nos cabelos, assim
timos para o tema seguinte, que despertou a curio-
como a explicitar que o peróxido de hidrogênio é
sidade dos discentes, pois a tatuagem atualmente é
conhecido popularmente como água oxigenada e
vista como algo natural e muitas pessoas a utilizam.
tem diversas aplicações no mercado consumidor.
Os próprios discentes já haviam visto pessoas com
Sugerimos aos discentes que eles relatassem
tatuagem de hena e definitivas, prestaram muita
por escrito sua opinião em relação à Química e
atenção na origem da hena (Índia) e na adição de
às curiosidades dessa ciência para a construção
alguns compostos para mudar a cor (marrom para
do livro. Solicitamos que eles fizessem uma pes-
preto) que são nocivos à saúde por conter carbono,
quisa sobre as curiosidades a respeito da Química
ou chumbo e mercúrio. Os próprios discentes perce-
que eles possuíam e quais as possíveis dúvidas em
beram o quanto o estudo de Química pode nos aju-
relação aos textos abordados, para que pudessem
dar fisicamente e economicamente. Sobre a tatua-
ser aprofundados nesta pesquisa.
gem definitiva, afirmaram ser algo doloroso e quase
O Quadro 2 apresenta um dos textos produzi-
sem volta, pois tentar apagar, na maioria dos casos,
dos pelos discentes e mostra a visão crítica e autô-
não é viável ou deixa cicatrizes, uma vez que os
noma deles, dando referência ao quinto texto do
pigmentos são introduzidos na derme com agulhas
trabalhado Química e aparência: descolorindo os
nas cores da tatuagem. Os alunos também disseram
cabelos:
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
67
Conceitos de Química no Cotidiano dos Discentes do Ensino Fundamental
Quadro 2. A importância da química para o cabelo Imagine só: Uma mulher, ou mesmo um homem, andando na rua toda (o) descabelada (o) e com o cabelo totalmente sujo e fedido. Seria bem desconfortável, não acha? Ou um casamento, a noiva chega à igreja com o cabelo mais duro que uma pedra. E o noivo achando ela é a mulher mais linda do mundo. Seria romântico, mesmo assim... Seria um pouco (na verdade muito) nojento. Pensa só: Na hora da lua de mel, os noivos parecendo dois cachorros pulguentos, com seborreia, e outras inúmeras doenças no couro cabeludo. Não seria constrangedor? Além dessas citações, já passou pela sua mente, como seria, para mulheres vaidosas, não ter como tingir, ou mesmo amenizar o volume de seus cabelos? E depois desta análise toda, você ainda teria coragem de dizer que a química não tem importância? Acho que você mudou de opinião, né? A química é a base para nossa sobrevivência na Terra. Antes de dizer que a ciência não tem importância na nossa vida, faça uma análise mais aprofundada.
Percebe-se que os discentes exploraram bem a
manter os cabelos saudáveis e bonitos, o estudo da
importância da Química neste texto, em que desta-
Química é importantíssimo, assim como entende-
caram exemplos do dia a dia, comparando as opi-
ram que vários mitos sobre os cabelos que são tidos
niões das pessoas em relação à Química e se auto
como verdades podem ser desvendados por meio do
questionando: “A Química é importante?”. Eles
estudo da Química. Como exemplo, podemos citar a
desenvolveram pesquisas com o auxílio das media-
afirmação: cabelos oleosos são cabelos sujos e essa
doras na internet, buscando as contribuições da
oleosidade é ruim para o próprio cabelo. Ao pesqui-
química para o cabelo; compreenderam que, para
sarem sobre esse tema descobriram que (Quadro 3):
Quadro 3. [...] O cabelo, desde a raiz até as pontas, é formado por estruturas orgânicas, o que há de surpreendente é que até a oleosidade presente nos fios conta com substâncias químicas para ser formada. Há quem diga que odeia o aspecto oleoso de seus cabelos e é comum ouvir a seguinte reclamação: acabei de lavar o cabelo e já está com aspecto de sujo, harg! Pois saiba que o óleo (sebo) expelido pelas glândulas capilares contribui para a proteção do fio de cabelo, mas como? As glândulas sebáceas produzem no couro cabeludo uma camada de gordura que reveste a cutícula dos cabelos (camada externa do fio) e age no sentido de evitar a perda de água contida no interior do fio. A umidade capilar contribui para tornar o cabelo macio e brilhante. [...] Fonte: Disponível em: <http://educador.brasilescola.com/estrategias-ensino/estrutura-quimica-cabelo>; <http://wmnett.com.br/quimica/a-quimica-nas-nossas-vidas/>.
A oleosidade dos cabelos pode ser algo positivo e,
tudo que compreende a nossa sobrevivência. Tentar
por intermédio da Química, conseguimos comprovar
compreendê-la é buscar um mundo cada vez melhor.
essa afirmação. Desse modo, “A Química é a base
Assim, fazer que os discentes descubram, critiquem
da nossa vida”, como os próprios discentes afirma-
e construam sua própria visão em relação a essa ciên-
ram. Ela não é importante só para o cabelo, mas para
cia é aperfeiçoar, cada vez mais, sua aprendizagem.
68
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Conceitos de Química no Cotidiano dos Discentes do Ensino Fundamental
4
Química, uma vez que ela permite ao discente criar
Conclusão
a sua própria visão e compreender essa ciência.
A busca do conhecimento é essencial para
Mais que isso, é preciso também construir, com os
a vida humana; nós nos autoconstruímos nessa
próprios discentes, essa visão e, por tal motivo, a
aprendizagem e os discentes precisam conhecer e
produção do livro digital foi tão importante, pois
explorar esse mundo da Química. Trabalhar com
ela os motivou ainda mais para buscar o conheci-
os discentes algo comum do seu cotidiano, inter-
mento, porque este trabalho mostrou que eles são
ligando a Química à sua própria vida, possibili-
capazes de expor as suas ideias.
tou uma aprendizagem significativa. Questionar o papel da Química e a própria Química fez que os discentes repensassem os seus conceitos individualmente e coletivamente, até se chegar a uma conclusão: “A Química realmente é importante, ela está presente no meu cotidiano”. A produção literária dos alunos foi de grande contribuição para sua formação intelectual-social e autônoma, elevou suas competências e possibilitou descobrir novas, bem como despertou-os para uma responsabilidade ética-cidadã e crítica perante toda a sociedade. A Química é extraordinária, mas quando empregada positivamente e criar no aluno essa visão de mundo é formá-lo para a vida. Portanto, é essencial que exista esta discussão, o questionamento em relação às curiosidades de
5
Referências DAVIS, C. O. Psicologia da educação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. LIBÂNEO, J. C. Didática velhos e novos temas. Edição do Autor, maio 2002, p. 38. FREIRE, P. Política e educação: ensaios. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 31. MARTINS, A. B.; SANTA MARIA, L. C.; AGUIAR, M. R. M. P. As drogas no ensino de Química. Química Nova na Escola, n. 18, nov. 2003. DAVIS, C. O. Psicologia da educação. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2010. SANTOS, W. L. P.; SCHNETZLER, R. P. Educação em química: compromisso com a cidadania. 3. ed. Ijuí: Ijuí, 2003.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
69
Relato de Experiência 05 | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
p. 70-78
Textos de Divulgação Científica: uma possibilidade para superar a fragmentação do conhecimento e as concepções de alunos de ensino médio em aulas de Química Scientific Communication Texts: a chance to overcome the knowledge fragmentation and conceptions of high school students in Chemistry classes Moisés Marques Prsybyciem1, Rosemari Monteiro Castilho Foggiatto Silveira2, Antonio Carlos Frasson3 e Elenise Sauer4
Resumo Este artigo tem como objetivo entender as concepções de alunos de 3º ano do Ensino Médio, do município de São João do Triunfo, do estado do Paraná, sobre a utilização de textos de divulgação científica (TDC) em aulas de Química. Essa estratégia possibilita trabalhar a capacidade de leitura, interpretação e escrita dos educandos. Assim, os TDC podem fazer a conexão entre o conhecimento científico e o meio social, contribuindo assim, para não fragmentação do conhecimento. A abordagem metodológica foi a quantitativa, a coleta de dados deu-se por meio de 1. Licenciado em Química, Mestrando em Ensino de Ciência e Tecnologia, Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia/ PPGECT. 2. Farmacêutica/Bioquímica e graduada em Educação Física, doutora em Educação Científica e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Catarina, professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia/ PPGECT. 3. Graduado em Educação Física, doutor em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba, professor adjunto da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Programa de Pósgraduação em Ensino de Ciência e Tecnologia/PPGECT. 4. Licenciada em Ciências Química, doutora em Química pela Universidade Federal do Paraná, professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciência e Tecnologia/PPGECT
Textos de Divulgação Científica
um questionário com questões abertas. Verificou-se, segundo os educandos que participaram da pesquisa, que os textos de divulgação científica são uma importante ferramenta em sala de aula, uma vez que fogem da metodologia tradicional, deixando o processo de ensino e aprendizagem mais dinâmico, interessante e envolvente. Palavras-chave: TDC; Ensino de Química; Fragmentação do conhecimento. Abstract This article aims to understand the conceptions of students of the 3rd year of high school, in São João de Triomphe, the state of Paraná, on the use of texts in science communication (TDC) in Chemistry classes. This strategy allows working readability, interpretation and writing of learners. Thus, the TDC can make the connection between scientific knowledge and social environment, thus contributing to non-fragmentation of knowledge. The methodological approach was quantitative, data collection was performed by means of a questionnaire with open questions. Therefore, it was found, according to the students who participated in the survey, that the texts of science communication are an important tool in the classroom, because they are beyond the traditional methodology, leaving the process of teaching and learning more dynamic, interesting and engaging. Key-words: TDC; Chemistry Teaching; Fragmentation of knowledge.
1
Introdução
Dessa forma, as pesquisas realizadas geralmente são divulgadas por meio de TDC. Essa difu-
A utilização de textos de divulgação científica
são de conhecimento ocorre por meio da mídia,
(TDC) em sala de aula vem se configurando como
textos escritos, Internet, livros, filmes e congres-
um recurso didático que está despertando o inte-
sos. Com isso, pretende-se que a ciência esteja
resse de educadores e pesquisadores como Salém
presente em todos os setores da sociedade, bem
e Kawamura (1996), Silva e Kawamura (2001),
como, esteja disponível na escola para professores
Martins et al. (2004) e Ferreira e Queiroz (2011),
e alunos.
entre outros. Esse interesse surge da necessidade
Por isso, a utilização desses TDC em aulas
de se buscarem alternativas para melhorar o pro-
de Química apresenta diversas potencialidades e
cesso de ensino e aprendizagem.
possibilidades, pois permite fazer a relação entre
Os TDC são ferramentas que podem ser utili-
o conteúdo científico com o dia a dia do aluno. As
zadas como recurso didático no ambiente escolar.
vantagens da inserção dessa abordagem no ensino
Esse material oferece subsídios para professores e
de ciências são significativas, pois elas permitem
alunos. Salém e Kawamura (1996), ao abordarem
a formação para cidadania, a leitura, interpretação,
sobre esta questão, apontam que:
escrita, o desenvolvimento científico, tecnológico e suas relações sociais (Ferreira; Queiroz, 2011).
não é necessário um levantamento muito minucioso para notarmos uma crescente preocupação com a difusão de conhecimentos científicos para um público cada vez mais amplo e diversificado: o chamado ‘público leigo’ – crianças, jovens ou adultos (p. 588).
Embora a utilização de TDC como estratégia em sala de aula pareça ser comum entre professores do ensino médio e fundamental (Martins et al., 2004), são poucas as pesquisas que investigam as concepções de alunos sobre a utilização desses tex-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
71
Textos de Divulgação Científica
tos como recurso didático. Por isso, neste artigo, tem-se por objetivo expor um estudo realizado com alunos do 3º ano do ensino médio, em que se buscaram suas concepções sobre a utilização de TDC como estratégia para o ensino de Química.
tados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacionais, globais, planetários (p. 13).
Essa fragmentação impede de ver o global, fato 2
Uma proposta para superar a fragmentação O ensino das ciências, em específico a Química, traz em sua composição uma série de nuances que a tornam uma vilã no ensino formal. Os motivos pelos quais os alunos assim a consideram são atribuídos à fragmentação do conhecimento, à falta de contextualização dos conteúdos, à forma atual do ensino de Química com ênfase nos cálculos matemáticos e à memorização, fazendo assim, que essa disciplina seja entendida como uma matéria maçante, cheia de conceitos e fórmulas. Morin (2003) aponta que uma das grandes dificuldades da educação é a fragmentação do conhecimento científico. Isso fica evidente na separação das disciplinas (Química, Física, Matemática e Biologia). Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 2006), a prática curricular corrente continua com uma visão linear e fragmentada em relação às disciplinas do currículo. No entanto, é possível identificar esse problema, também, dentro de uma própria área de conhecimento, ou seja, os conteúdos são ensinados fragmentados sem uma conexão dentro de uma única disciplina. Um exemplo disso, na disciplina de Química, é a divisão Química inorgânica, Físico-química e Química orgânica, que, muitas vezes, é ensinada sem relação, de forma fragmentada. Nesse sentido, a complexidade do mundo em que vivemos nos obriga a ter uma visão mais global, sem espaço para divisão ou fragmentação dos saberes. Conforme Morin (2003), há inadequação cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmen-
72
extremamente preocupante, uma vez que estamos enfrentando problemas cada vez mais planetários. Estudos de Morin (2003) analisam como o conhecimento científico é tratado na escola, visando entender e superar a divisão do conhecimento. Um dos caminhos apresentados é a interdisciplinaridade, a qual permite uma interação entre as diferentes áreas do saber. Por isso, é importante buscar alternativas diferenciadas em sala de aula para minimizar essa fragmentação do conhecimento. Uma possibilidade é o uso de TDC, pois esses textos apresentam conceitos de diversas disciplinas, dentro de uma mesma temática. Dessa forma, podemos citar como exemplo o artigo da revista Química Nova na Escola, intitulado: Química forense: a utilização da Química na pesquisa de vestígios de crime (Oliveira, 2006). Dentro dessa temática, pode-se trabalhar a interação entre diversas disciplinas, tais como: Língua Portuguesa (leitura, escrita e interpretação); Física (termodinâmica, balística, atrito e movimento de projétil); Química (reações químicas, soluções, tabela periódica, substâncias químicas e cinética química); Matemática (estatística, porcentagem e regra de três) e Biologia (citologia e análise de laboratório). Nesse sentido, é possível utilizar os textos de divulgação como estratégia didática, pois, permite a interdisciplinaridade, combatendo, assim, a fragmentação do saber. De acordo com Salém e Kawamura (1996, p. 588), ao analisarem os processos educacionais que possam despertar atenção dos alunos, os meios de divulgação despertam interesse e atraem o público em geral, incluindo-se aí o professor e o estudante; por outro lado, a Física tratada na escola
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Textos de Divulgação Científica
é, via de regra, vista como algo frio, desinteressante
pode contribuir, entre outros aspectos, para que os alunos: formem uma imagem adequada e crítica da ciência enquanto produção humana; discutam as suas aplicações tecnológicas presentes no cotidiano e as implicações sociais decorrentes do seu uso; tenham acesso a uma maior diversidade de informações; desenvolvam habilidades de leitura e de formas de argumentação; dominem conceitos e compreendam melhor elementos de terminologia científica (p. 1).
e distante e, as vezes, assustador. Pode-se dizer que isso não é exclusivo da física, mas acredita-se ser de todo ensino de ciências, inclusive da Química. Conforme Bernardelli (2004), muitos alunos resistem ao estudo da Química devido à falta de contextualização de seus conteúdos com o cotidiano. Nessa perspectiva, percebe-se a dificuldade de muitos professores em relacionar o conteúdo com a realidade do aluno, sendo que essa relação é
A utilização de TDC em sala de aula pode,
elementar no processo de ensino e aprendizagem.
então, contribuir de forma elementar, permitindo
Com isso, apesar de a Química estar presente em
que o educando discuta sobre ciência e tecnologia
todos os processos da natureza, para que as pes-
e as suas implicações para a sociedade, desenvol-
soas percebam isso se faz necessário que sejam
vendo, assim, um pensamento crítico sobre elas.
alfabetizadas cientificamente e tecnologicamente.
Existe uma enorme quantidade de TDC, den-
Hazen e Tefil (2005, p. 12) argumentam que
tre os quais se podem citar aqueles publicados nas
a alfabetização científica é tão elementar como
revistas Química e Sociedade e Química Nova na
saber ler e escrever. Para os autores, alfabetização
Escola. Os textos apresentados nessas revistas
científica é ter o conhecimento necessário para
relatam temas relacionados à ciência, tecnologia e
entender os debates públicos sobre as questões de
sociedade. Além disso, os assuntos são chamati-
ciência e tecnologia. Dessa forma, ela nos permite
vos, interessantes e ligados ao cotidiano do aluno.
compreender as transformações ao nosso redor.
Nesse sentido, as vantagens do uso desses tex-
Segundo Chassot (2003, p. 91), a ciência é uma
tos nas aulas de Química são bastante abrangentes,
linguagem; assim, ser alfabetizado cientificamente
uma vez que permitem combater a fragmentação
é saber ler a linguagem em que está escrita na natu-
do saber, trabalhar a leitura, escrita, cidadania,
reza. É um analfabeto científico aquele incapaz de
interpretação e o conteúdo científico. Conforme
uma leitura do universo. Dessa forma, pode-se
Guedes e Souza (2011, p. 17), ler e escrever são
entender que a linguagem científica é fundamental
tarefas da escola, questões para todas as áreas, uma
para a compreensão e leitura de mundo. O autor
vez que são habilidades indispensáveis para a for-
declara também que, para sermos alfabetizados
mação de um estudante, que é responsabilidade da
cientificamente, não basta apenas ter facilitada a
escola. Assim, os TDC podem aproximar a lingua-
leitura do mundo em que vivemos, mas é preciso
gem científica do cotidiano escolar.
entender as necessidades de transformá-lo, preferencialmente, em algo melhor. De acordo com Mortimer e Machado (2011),
3
Procedimentos metodológicos
a função do professor é de buscar estratégias que
O estudo foi desenvolvido em uma escola
estabeleçam uma ligação entre a linguagem do
pública do Estado do Paraná, na cidade de São
cotidiano e a linguagem científica; assim, essa
João do Triunfo, com uma turma de 3º ano do
ponte pode ser feita por meio da utilização de TDC
ensino médio, com 20 alunos, em que se traba-
em aulas de Química. Ferreira e Queiroz (2011)
lhou o conteúdo de funções orgânicas por meio
afirmam que a introdução de textos dessa natureza,
de TDC. O objetivo desse estudo é identificar as
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
73
Textos de Divulgação Científica
concepções dos alunos sobre a utilização de TDC
a) Em sua opinião, o tema do TDC que você
como estratégia para o ensino de Química.
apresentou é importante para sociedade?
A abordagem metodológica, a quantitativa e a
Explique.
coleta de dados se deram por meio de questioná-
b) O que você achou de utilizar textos de
rios com questões abertas. Para esse estudo, foram
divulgação científica nas aulas de Química?
necessários três momentos:
c) Para você, a utilização de textos de divulga-
• Primeiro momento: abordou-se o tema funções
orgânicas
ção científica nas aulas de Química, torna
(Hidrocarbonetos,
as aulas mais interessantes? Explique.
Álcool, Fenol, Aldeídos, Cetonas, Ácidos Carboxílicos, Éteres, Ésteres, Aminas, Amidas e Haletos Orgânicos).
4
Resultados e discussões
• Segundo momento: ocorreu a seleção dos
A análise dos dados foi baseada nas concep-
TDC que seriam distribuídos entre os alu-
ções dos alunos sobre a importância dos textos de
nos, em que se buscaram textos com temas
divulgação científica para a sociedade e nas con-
instigadores ou atrativos, relacionados ao
cepções dos alunos sobre a utilização dos textos de
dia a dia do aluno e com as funções orgâni-
divulgação científica em aulas de Química.
cas. Os textos selecionados foram: Química Forense: a utilização da Química na pesquisa de vestígios de crime (Oliveira, 2006) e A Química do refrigerante (Silva Lima, 2009). • Terceiro momento: apresentação dos seminários pelos alunos sobre os TDC selecionados, com objetivo de relacionar o conteúdo funções orgânicas, pois, para compreender os conceitos presentes nos TDC, os alunos deveriam ter uma base sobre esse conteúdo, que foi trabalhado no início do estudo.
o texto Química Forense (Oliveira, 2006) e os outros dez (10) o texto A Química do refrigerante (Silva Lima, 2009), ambos disponibilizados pelo professor; além disso, os alunos realizaram pesquisas para se aprofundar nos temas dos TDC. Os seminários foram apresentados em quatro aulas. Após os seminários, para coleta de dados, foi aplicado um questionário elaborado pelo docente, com
74
As concepções dos alunos sobre a importância dos textos de divulgação científica para a sociedade
Nesse tópico, as concepções dos alunos foram analisadas, separadamente, relacionando-as com as apresentações dos textos Química Forense (Oliveira, 2006) e A Química do refrigerante (Silva Lima, 2009), em que cada equipe estudou, detalhadamente, o tema de seu TDC. Assim, as concepções foram verificadas para o texto que cada equipe apresentou e possuía um conhecimento mais aprofundado. Quando questionados sobre a importância para
Nos seminários, dez (10) alunos apresentaram
as seguintes indagações:
4.1
a sociedade do tema do TDC, os alunos que apresentaram sobre Química Forense: a utilização da Química na pesquisa de vestígios de crime acreditam que o tema é importante para sociedade. Dessa forma, sete (7) respostas ressaltam a importância do tema para o desfecho de crimes, conforme se observa na resposta do aluno A17: “eu acho importante, pois ajuda no desfecho de crimes e a descobrir os culpados”. Esse aluno relata que a Química forense pode contribuir para ajudar a resolver cri-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Textos de Divulgação Científica
mes que, muitas vezes, sem ela, seriam difíceis de
muitas pessoas viciadas em refrigerantes, sendo
serem elucidados.
que alguns podem prejudicar a nossa saúde devido
Já três (3) respostas mostram relação com a
às substâncias que contém”. Assim, esse aluno se
segurança da sociedade, como o relato do aluno
remete às pessoas que são viciadas em refrigeran-
A20: “sim, porque a medicina e a química forense
tes, mostrando uma preocupação social em relação
podem ajudar não apenas a solucionar crimes, mas
ao vício em refrigerantes.
manter a segurança da sociedade”. Esse aluno
Além dessa relação, o aluno ressalta que os
reforça e faz relação da Química e da Medicina
refrigerantes prejudicam a saúde com substâncias
como auxiliares para investigações criminais.
como o ácido fosfórico. De acordo com Silva Lima
Nesse contexto, foi possível entender que os
e Afonso (2009, p. 211), o ácido fosfórico (INS
TDC apresentados são relevantes para a socie-
338) apresenta a maior acidez dentre todos aqueles
dade, segundo as respostas dos alunos, uma vez
utilizados em bebidas. É utilizado, principalmente,
que faz um link entre o conhecimento científico e
nos refrigerantes do tipo cola. Isso mostra que o
o dia a dia do aluno. Conforme Salém e Kawamura
aluno associa corretamente a utilização do ácido
(1996, p. 590), é necessário divulgar a ciência a
fosfórico em refrigerantes do tipo cola e que ele
um público amplo e tornar os conhecimentos cien-
pode prejudicar a saúde das pessoas.
tíficos acessíveis ao cidadão comum, ampliando
Todos os estudantes que trabalharam com o
sua visão de mundo e integrando-o a uma cultura
TDC A Química do refrigerante o consideraram
científica.
importante para a sociedade, provavelmente, por-
Em relação ao TDC A Química do refrigerante,
que esta bebida faz parte do cotidiano da maioria
os 10 alunos que trabalharam com o texto respon-
desses jovens. O Brasil é destaque no cenário mun-
deram que ele foi importante. Todos afirmam que
dial pela sua produção de refrigerantes; segundo
o tema é importante para a sociedade, uma vez
Abir (2013), há relatos da fabricação de refrigeran-
que apresenta informações relacionadas à saúde e
tes no Brasil desde 1906, mas apenas na década de
sobre o consumo de refrigerante, como mostra a
1920 é que o refrigerante começou a fazer parte do
resposta do aluno A1: “sim, pois é algo que preci-
dia a dia dos brasileiros.
samos saber sobre seus compostos e se eles afetam
Apesar de perceber nas respostas dos alunos
nossa saúde”. E o aluno A20 complementa: “sim,
a presença de uma linguagem de senso comum,
pois o refrigerante pode prejudicar o organismo
os relatos dos mesmos apresentam uma análise
das pessoas; com o estudo desse artigo podemos
de grande valia, uma vez que utilizam discursos
ter mais informações sobre o que ingerimos de
com importantes reflexões para construção do
substâncias quando tomamos refrigerante”.
conhecimento significativo, o que contribui para
Dessa forma, foi possível constatar que os alu-
sua formação como indivíduo crítico e reflexivo.
nos observaram que o consumo de refrigerante
Por isso, é inegável a importância da inserção de
prejudica a saúde e que, com a utilização desses
TDC em aulas de Química, pois eles permitem
artigos, eles podem ter mais informações sobre as
aproximar o aluno das terminologias utilizadas na
diferentes substâncias presentes no refrigerante.
ciência, o que vai de encontro a Ferreira e Queiroz
Outra questão importante levantada por dois
(2011), que afirmam que esses textos permitem
(2) alunos foi em relação ao vício em refrigeran-
compreender melhor os elementos de terminolo-
tes, como no relato do aluno A3: “sim, porque têm
gia científica.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
75
Textos de Divulgação Científica
As concepções dos alunos sobre a utilização dos textos de divulgação científica em aulas de Química
pouco da rotina da sala de aula”. Assim, foi possí-
As concepções dos alunos sobre a utilização dos TDC em aulas de Química são pouco exploradas no meio acadêmico. No entanto, essa análise se faz necessária, uma vez que é importante levar em consideração as impressões dos estudantes, pois eles fazem parte desse processo e devem participar, de forma ativa, em todas as decisões. Todos os alunos que participaram da pesquisa gostaram da utilização de textos de divulgação científica nas aulas de Química. Observou-se que, para a maioria dos alunos, utilizar TDC nas aulas de Química possibilita que o aluno perceba a utilização dos conhecimentos científicos no seu cotidiano, o que consideram interessante, como se observa na resposta dos alunos A17 e A19, respectivamente: “eu achei interessante, adorei aprender sobre Química forense, é um tema superimportante para nossa vida [...]” e “interessante pois é uma experiência diferente”. Dessa forma, o aluno percebe que entender os conceitos de Química é importante para sua vida; acreditamos que isso tenha ocorrido devido à forma diferenciada como foi abordado o conteúdo, fazendo com que o aprendizado dos conceitos científicos tenha, realmente, algum significado. Outros cinco (5) alunos consideraram que utilizar TDC nas aulas de Química é muito bom, como na reposta do aluno A16: “muito bom, isto foi um assunto que nunca havia sido tratado na sala de aula e que gerou muitas curiosidades sobre o tema”. Talvez isso ocorra devido à forma dinâmica, chamativa e diferenciada como foi abordado o conteúdo, diferente do ensino de Química que se relaciona apenas com cálculos e fórmulas, sem contextualizar com o cotidiano do educando. Para três (3) alunos trabalhar dessa forma diferenciada sai da rotina da sala de aula, como mostra
posição passiva e participe de forma ativa no pro-
o relato do aluno A18: “muito bom, pois sai um
A15: “sim, porque observamos que em nossa vida
4.2
76
vel perceber que, com essa estratégia, a aula torna-se diferenciada, fazendo com que o aluno saia da cesso de ensino e aprendizagem. Portanto, o papel do professor é buscar TDC e inserir em sua prática docente, pois, segundo os participantes do estudo, esses textos agregam conhecimento e despertam a curiosidade, a vontade de aprender e, dessa forma, acredita-se que o estudante possa debater sobre vários aspectos da sociedade de forma crítica e consciente. Para obter a opinião de todos os vinte (20) alunos sobre a utilização dos TDC propostos questionou-se: “para você, a utilização de textos de divulgação científica, nas aulas de Química, torna as aulas mais interessantes? Explique”. Todas as respostas foram sim e observou-se que, em dezesseis (16) respostas dos alunos, as utilizações dos TDC nas aulas de Química despertam o interesse em aprender, bem como tornam as aulas mais interessantes, como no relato do aluno A20: “sim, porque desperta o interesse em aprender” e o aluno A1: “[...] aprendi e me diverti”, o que vai ao encontro da aluna A17: “sim, interessante, pois muda a aula de um jeito que todos fiquem ligados no estudo”. Dessa forma, utilizar os TDC no ensino de Química torna as aulas mais divertidas e chamativas em relação às aulas tradicionais, monótonas e chatas, segundo os alunos. Com isso, o professor tem a responsabilidade de buscar melhorar sua prática, e uma das maneiras pode ser a utilização de TDC, pois estes são ricos em informação e conhecimento. Essa estratégia torna o processo de ensino e aprendizagem mais prazeroso, dinâmico e significativo para o estudante. Outras quatro (4) respostas afirmam que a utilização de TDC em aulas de Química é interessante, uma vez que faz relação da Química com o dia a dia do aluno, conforme o relato do aluno
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Textos de Divulgação Científica
encontramos Química, e é legal associar a Química
toda a escola. Assim, os TDC podem auxiliar nesse
com o que acontece em nosso dia a dia [...]”.
processo em cada uma das disciplinas do currí-
Por isso, a utilização de textos de divulgação
culo, não só na disciplina de Química. Entretanto,
científica em sala de aula é interessante e constru-
esse trabalho deve ser bem planejado e organi-
tiva, pois é uma estratégia diferenciada, que per-
zado, visando à construção de conhecimento pelo
mite aprender assuntos que fazem parte da reali-
estudante.
dade do educando. Assim, ensinar é dar condições ao aluno para que ele se aproprie do conhecimento historicamente construído e se insira nessa construção como produtor de conhecimento (Guedes; Souza, 2011, p. 17). No entanto, é importante ressaltar que trabalhar com esses TDC não deixa de lado as estruturas e fórmulas químicas; pelo contrário, o que ocorre
Referências ABIR – Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas. Histórico do setor. Disponível em: <http://www. abir.org.br/rubrique php3?id_rubrique=178>. Acesso em: 25 ago. 2013.
tendo uma visão global.
BERNARDELLI, M. S. Encantar para ensinar – um procedimento alternativo para o ensino de química. In: Convenção Brasil Latino América, Congresso Brasileiro e Encontro Paranaense de Psicoterapias Corporais. 1.,4.,9., Foz do Iguaçu. Anais Centro Reichiano, 2004. CD-ROM.
Considerações finais
BRASIL. Ministério da Educação Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o ensino médio (PCN): bases legais. Brasília: MEC/SEMT, 2006.
é que o conteúdo é trabalhado de forma diferenciada, fazendo com que o aluno tenha prazer em aprender, pensando sempre de forma holística e
5
6
A produção do conhecimento se expressa por escrito em revistas, Internet, artigos e livros que estão disponíveis para utilização pelo docente. A utilização de TDC em sala de aula permite o acesso ao saber científico, produzido historicamente pela humanidade e, de alguma forma, conectado com a sociedade. Nesse sentido, os resultados alcançados neste trabalho demonstraram que os TDC podem ser utilizados como estratégia para o ensino de Química, uma vez que essa estratégia é interessante e diferenciada, fugindo da aula tradicional e contribuindo para a não fragmentação do saber, pois o aluno compreende os conceitos de forma contextualizada holística. Observamos ter sido possível trabalhar significados de Química com a utilização de textos de divulgação científica; o professor pode incorporar em sua prática docente esses textos, uma vez que ensinar a ler, a escrever e a interpretar é dever de
CHASSOT, A. Alfabetização cientifica: uma possibilidade para a inclusão social. Revista Brasileira de Educação, v. 22, p. 89-100, 2003. FERREIRA, L. N. A.; QUEIROZ, S. L. Artigos da Revista Ciência Hoje como recurso didático no Ensino de Química. Revista Química Nova, v. 34, n. 2, p. 354-360, 2011. _______. Características discursivas de artigos de divulgação científica relacionados à química. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, v. 11, n. 1, p. 21-42, 2013. Disponível em: <http://www. saum.uvigo.es/reec>. Acesso em: 10 mar. 2013. GUEDES, P. C.; SOUZA, J. M. Leitura e escrita são tarefas da escola e não só do professor de português. In: Ler e escrever: compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2011. HAZEN, R. M.; TEFIL, J. Saber Ciência: do big bang à engenharia genética as bases para entender o mundo atual e o que virá depois. São Paulo: Editora de Cultura, 2005. MARTINS, I.; NASCIMENTO, T. G.; ABREU, T. B. Clonagem na sala de aula: um exemplo do uso didático de um texto de divulgação científica. Revista Investigação em Ensino de Ciências, v. 9, n. 1, p. 95-111, 2004.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
77
Textos de Divulgação Científica
MORIN, E. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
Atas do V Encontro de Pesquisadores em Ensino de Física. Sociedade Brasileira de Física. Belo Horizonte, 2-6 de set. 1996.
MORTIMER, E. F.; MACHADO, A. H. Química: ensino médio. São Paulo: Scipione, 2011.
SILVA, J. A.; KAWAMURA, M. R. D. A natureza da luz: uma atividade com textos de divulgação cientifica em sala de aula. Caderno Brasileiro de ensino de física, v. 18, n. 3, p. 316-339, 2001.
OLIVEIRA, M. F. Química Forense: a utilização da Química na pesquisa de vestígios de crime. Química nova na escola, v. 24, p. 17-19, 2006. SALÉM, S.; KAWAMURA, M. R. D. O texto de divulgação e o texto didático: conhecimentos diferentes?
78
SILVA LIMA, A. C.; AFONSO, J. C. A Química do refrigerante. Química nova na escola, v. 31, n. 3, p. 210-215, 2009.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Química Verde 01 | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
p. 79-90
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ Sustainable Development, Green Chemistry and Environmental Education in Brazil: what revels the SBQ publications Vânia Gomes Zuin1, Carlos Alberto Marques, Franciani Becker Roloff e Marisa Sartori Vieira
RESumo Em 2014, foi concluída a década de Educação para o Desenvolvimento Sustentável, criada pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Será aqui apresentada uma reflexão considerando o núcleo do Desenvolvimento Sustentável e da Filosofia Química Verde e sua relação com o campo da Educação Ambiental no Brasil nos últimos 12 anos. Será dada especial atenção aos mais recentes trabalhos de pesquisa, iniciativas e abordagens relacionadas com a Química Verde no sentido de uma Sustentabilidade Ambiental, tendo em conta as publicações brasileiras divulgadas nos periódicos da Sociedade Brasileira de Química. Palavras-chave: Química verde; Educação ambiental; Sustentabilidade ambiental. AbstrAct In 2014 the decade of Education for Sustainable Development established by the United Nations General Assembly will be concluded. In this context, a reflection considering the core of sustainable development and Green Chemistry philosophy and their relation to the field of Environmental Education in Brazil over the 12 last years will be discussed. Special attention will be given to the most recent pieces 1. Departamento de Química. Universidade Federal de São Carlos. E-mail: vaniaz@ufscar.br
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ
of research, initiatives and approaches related to Green Chemistry towards an environmental sustainability, taking into account the Brazilian publications divulged in the Brazilian Chemical Society vehicles. Key-words: Green chemistry; Environmental education; Environmental sustainability.
1
a saúde humana e animal, seja na agricultura, na
Introdução Uma cultura ecológica pode ser forte propulsora da sensibilidade em relação aos estudos e cuidados com o ambiente, que, se associada a uma epistemologia crítica, passa a exigir um tratamento interdisciplinar, voltado a uma ciência contextualizada, abrangente, que considera as várias dimensões (social, política, econômica, ética, estética) na compreensão das problemáticas (Lacey, 2006; Leff, 2009). Em outras palavras, trata-se de incorporar uma leitura de mundo baseada na racionalidade ambiental questionadora da realidade, em que a visão de ambiente supera a categoria biológica e passa a ser uma racionalidade social, configurada por comportamentos, valores e saberes, como também por novos potenciais produtivos (Leff, 2001).
Nesse âmbito, as correntes mais recentes no campo da Educação Ambiental (EA) têm sido consideradas relevantes (Sauvé, 2005; Oliveira et al., 2009; Zuin; Pacca, 2013), tanto em espaços formais de ensino, quanto nos movimentos sociais, especialmente porque estes se preocupam em discutir e atuar nos conflitos com base no contexto em que as pessoas vivem. São justamente as situações de contexto que vêm crescentemente se constituindo em fator indutor dos interesses das ciências e suas questões de investigação, isto é, sua temporalidade e o lugar em que os conhecimentos científicos se originam (Delizoicov; Auler, 2011, p. 247).
O cenário atual mostra-se preocupante no que se refere ao desenfreado modo de produção e consumo a qualquer custo, o qual, por exemplo, naturaliza a utilização de substâncias prejudiciais
80
manufatura de outros produtos ou na emissão de poluentes na atmosfera, o que provoca impactos imensuráveis ou desconhecidos. Uma resposta articulada e promissora para reduzir o uso dessas substâncias nocivas e até mesmo prevenir os problemas socioambientais é o investimento em estudos no campo da Química Verde (QV) (Zuin, 2013). A emersão dessa linha de trabalho, em seus princípios2, busca contribuir para a construção de um novo modelo de desenvolvimento, de maior equilíbrio com ambiente, um modelo menos impactante e mais sustentável. Os principais precursores da QV já afirmavam seus compromissos com o Desenvolvimento Sustentável (DS) – definido como aquele capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações (WCED, 1987) ainda que não tenham aprofundado o conceito dos limites ao alcance da sustentabilidade, considerando as leis da termodinâmica (Marques; Machado, 2013). Dessa forma, tendo em vista o agravamento dos conflitos ambientais e o potencial da QV para o ensino e formação de sujeitos mais críticos, apre2. De acordo com Anastas e Warner (1998), a Química Verde pode ser definida como “a criação, o desenvolvimento e a aplicação de produtos e processos químicos para reduzir ou eliminar o uso e a geração de substâncias nocivas à saúde humana e ao ambiente”. Esta pode estar baseada em 12 princípios: Prevenção, Economia de Átomos, Síntese Segura, Desenvolvimento de Produtos Seguros, Uso de Solventes e Auxiliares Seguros, Busca pela Eficiência de Energia, Uso de Fontes de Matéria-Prima Renováveis, Evitar a Formação de Derivados, Catálise, Produtos Degradáveis, Análise em Tempo Real para a Prevenção da Poluição e Química Intrinsecamente Segura para a Prevenção de Acidentes.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ
ciadores de tecnologias mais sustentáveis, cabe
ticas de sensibilização à natureza e no próprio meio
conhecer como os pesquisadores do campo cientí-
natural. A visão do ambiente como “recurso” pode
fico da Química têm se apropriado dessa temática.
demandar ações em prol da conservação e melhor
Este trabalho visa destacar as concepções sobre os
gestão ambiental. Outros autores (Carvalho, 2011;
termos QV, DS e EA que circundam as publicações
Lima, 2009; Loureiro, 2011) identificam a existên-
da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), bem
cia de apenas dois tipos de EA, a chamada “com-
como as principais abordagens utilizadas pelos
portamental/conservadora”, com o foco no com-
autores. Os veículos analisados foram os estudos
portamento individual, tecnicismo e resolução dos
apresentados nas Reuniões Anuais da Sociedade
problemas e a “crítica/transformadora”, que entende
Brasileira de Química (RASBQ) e em seus peri-
a educação como ato político, com o propósito de
ódicos: Química Nova (QN), Química Nova na
ampliar a visão de ambiente e questionar a realidade
Escola (QNEsc), Revista Virtual da Química
insustentável, concepção esta advinda de movimen-
(RVq) e o Journal of the Brasilian Chemical
tos sociais e ambientalistas desde a década de 1960,
Society (JBCS).
principalmente no contexto latinoamericano. Dentro desta última vertente mais crítica, os
2
A Química Verde e a sustentabilidade ambiental
conceitos de sustentabilidade e DS, difundidos após o Relatório Brundtland (WCED, 1987) também são discutidos com cautela com a contribui-
A busca pela Sustentabilidade Ambiental (SA),
ção do campo das Ciências Humanas e Sociais, em
que se depreende da aplicação direta dos princípios
especial da Sociologia e da Política, as quais têm
da QV, não porta, necessariamente, consigo, como
contestado o modelo econômico capitalista atre-
elemento central, a dimensão social, a qual acaba
lado ao equilíbrio ambiental ou preservação/con-
sendo por vezes entendida como uma consequên-
servação dos bens naturais. Apesar de a Biologia
cia aparentemente natural associada ao desenvolvi-
e a Ecologia serem historicamente os campos de
mento e uso de métodos e produtos verdes. De fato,
estudos frequentemente mais envolvidos com as
as compreensões sobre o meio ambiente, recursos
questões ambientais e EA, outras áreas apresen-
renováveis, materiais verdes e DS têm implicações
tam propostas relevantes para conciliar economia
fundamentais no estabelecimento de processos
e ambiente, considerando tanto aspectos energéti-
educativos para o Ensino de Ciências, Educação
cos (degradação entrópica), quanto da renovabili-
Científica e outras práticas em EA. Tais termos,
dade dos recursos materiais (Nascimento, 2012), é
QV, DS e EA, carregam em si um caráter polissê-
o caso a QV.
mico, permeado de incertezas, valores e ideologias,
A QV surgiu em meados da década de 1990,
ainda que se verifiquem esforços para a definição e
nos Estados Unidos, em um espaço geográfico
constituição de referenciais reconhecidos nos cam-
caracterizado por problemas relacionados ao uso
pos da Química e da Educação (Zuin, 2013).
de produtos químicos na agricultura. Para ameni-
Uma pesquisadora canadense (Sauvé, 2005)
zar os impactos dessa prática, o governo americano
conseguiu identificar, ao menos, 15 correntes de EA
criou um programa especial denominado Pollution
com enfoques pedagógicos diferentes, as quais se
Prevention Act (Anastas; Warner, 1998), de modo
fundamentam em visões sobre o “meio ambiente”.
que fosse promovida a redução de poluentes e resí-
A percepção de meio ambiente como “natureza”
duos. Desde então, a QV tem conquistado cada vez
traz uma abordagem naturalista a qual prioriza prá-
mais espaço na busca da sustentabilidade, na ideia
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
81
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ
de uma química mais limpa, preventiva e, muitas
Nesse sentido, algo que pode dar impulso
vezes, remediadora. Com o aumento de pesquisas
a uma educação química voltada aos aspectos
nessa área, temos, atualmente, aquilo que Epicoco
ambientais, seria investigar quais são as motiva-
(Epicoco; Oltra; Saint-Jean, 2014) denominou
ções ou justificativas associadas aos trabalhos dos
uma “comunidade epistemológica” de químicos
químicos verdes, se, por exemplo, esperam condu-
verdes, os quais compartilham princípios, méto-
zir a um novo tipo de desenvolvimento ou apre-
dos, objetivos e utilizam instrumentos próprios
sentam uma visão crítica em relação ao ambiente e
de divulgação, a exemplo do Green Chemistry
sua sustentabilidade. Logo, no momento em que se
Journal , de maneira que estes já começam a edifi-
encerra a Década das Nações Unidas de Educação
car seus padrões normativos desde o início da for-
para o Desenvolvimento Sustentável4, em que se
mação universitária dos químicos.
dá ênfase ao papel central da educação na busca
3
A EA desempenha um papel fundamental na evo-
comum pelo DS, cabe questionar: de que maneira
lução da química para a QV, pois abrange mais estrei-
o acesso ao conhecimento técnico-científico verde
tamente a educação contra uma racionalidade instru-
tem influenciado o processo formativo no campo
mental, técnica, de origem positivista (Zuin, 2011) e
da Química? Que tipos de relações entre os con-
a favor do entendimento da complexa relação entre
ceitos QV, DS e EA podem ser identificados nos
Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA)
trabalhos voltados à QV e ao ensino da QV publi-
(Auler; Delizoicov, 2001). O ensino de Química
cados no Brasil nos últimos 12 anos, divulgados
escolar pautado nesses referenciais pode oportuni-
no âmbito da Sociedade Brasileira de Química
zar a construção de conhecimentos científicos com
(SBQ)? Identificar as produções sobre e em QV e
potencial transformador de valores e atitudes.
analisar seus objetivos/enfoques ajudará a delinear
Em suas pesquisas no contexto brasileiro, Zuin
tendências de estudo e a vislumbrar possibilidades
(2011) e Marques et al. (2013) levantaram e discu-
de avanços investigativos nessa área.
tiram compreensões de estudantes, professores e pesquisadores químicos sobre a relação entre QV e SA, buscando valorizar a importância desta no
3
Metodologia
ensino da Química e na formação dos professo-
Realizou-se uma sistematização crítica da
res. Uma relação de aproximação entre a QV e a
literatura de forma que fosse atendido o objetivo
SA também é defendida por Hill e colaboradores
principal desta pesquisa, a saber, caracterizar os
(Hill; Kumar; Verma, 2013), que salientam que a
entendimentos de autores que divulgaram seus tra-
Química, particularmente a industrial, necessita
balhos no âmbito da SBQ, nos últimos 12 anos,
envolver-se com a filosofia mais ampla da SA, a fim de enfrentar a degradação que avança rapidamente sobre o ambiente natural, juntamente com o consumo excessivo de recursos naturais, ameaçando a sustentabilidade da humanidade (p. 24).
3. O Green Chemistry Journal, publicado pela Royal Society of Chemistry (RSC), tem mostrado a emergência da temática na comunidade de químicos de todo o mundo, haja vista o fator de impacto crescente do periódico (6.828) obtido no relativamente curto período desde sua criação, em 1999.
82
4. A Década das Nações Unidas de Educação para o Desenvolvimento Sustentável tem como propósito “mobilizar os recursos educativos do mundo para criar um futuro mais sustentável. Há muitas formas de alcançar a sustentabilidade [...] que são mencionadas nos capítulos da Agenda 21, documento oficial da Carta da Terra (1992) [...]. A Seção de EDS atua como Secretaria de DEDS. Esta é responsável pela supervisão, recomendações e apoio à coordenação por parte dos Estados Membros, Comissões Nacionais, programas e campos temáticos da UNESCO” (Disponível em: <http://www.unesco.org/new/en/education/themes/leading-the-international-agenda/education-for-sustainable-development/about-us/>. Acesso em: 10 maio de 2014).
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ
relativos aos significados, inter-relações e alcan-
dãos (Disponível em: <http://www.sbq.org.br>. Acesso em 10 mai. 2014).
ces dos termos QV, DS e EA. Para o levantamento das publicações, foram utilizadas as plataformas
No Brasil, as produções voltadas à QV e suas
on-line da RASBQ e dos periódicos, QN, QNEsc,
implicações para a sustentabilidade têm crescido de
RVq e JBCS. Nesses veículos de divulgação, foi
maneira significativa e um dos principais espaços de
realizada uma busca dos trabalhos que continham
divulgação tem sido a SBQ. Suas publicações são
os seguintes descritores (de forma isolada ou com-
indexadas (por exemplo, no Science Citation Index®,
posta) em todo texto manuscrito: QV, SA, DS, EA
Science Citation Index expanded (SciSearch®),
e Sustentabilidade (SUS). A análise de conteúdo
Index Copernicus, ISI Alerting Services, Chemical
foi utilizada para a interpretação das mensagens
Abstracts – CA Plus, Chemistry Citation Index®,
identificadas nas produções de interesse, por meio
CurrentContents®/ Physical, Chemicaland Earth
do estudo qualitativo do conteúdo manifesto nas
Sciences, and SciELO) e o JBCS é um dos perió-
comunicações (Bardin, 2012). Para identificar as
dicos mais expressivos da América Latina, com um
produções analisadas, todas foram numeradas e
impacto da ordem de 1,24.
associadas às respectivas siglas correspondentes aos diferentes canais, por exemplo, RASBQ1: resumo 1 apresentado em RASBQ. A SBQ, como se sabe, foi fundada em julho
4
de 1977 e, atualmente, conta com mais de 4 mil membros. Constitui-se a principal sociedade de Química do país e tem como objetivos
Desenvolvimento sustentável e educação ambiental no Brasil: quais possibilidades emergem das produções em QV na SBQ? O Quadro 1, a seguir, apresenta uma síntese
o desenvolvimento e consolidação da comunidade química brasileira, a divulgação da Química e de suas importantes relações, aplicações e consequências para o desenvolvimento do país e para a melhoria da qualidade de vida dos cida-
das produções no período de 2002 a maio de 2014 (RVq, JBCS, QN, QNEsc e RASBQ), cujos autores caracterizaram suas publicações como em e sobre Química Verde.
Quadro 1. Síntese da distribuição das produções QV na SBQ, segundo o veículo de divulgação e foco. Foco Currículo (Formação e ensino)
ORG
INO
CAT
ANA
AMB
Integradora
Introdutória
Disc .Exp
FIS
QMT
Professor
Químico
RVq
25
17
-
4
-
-
-
-
-
1
-
1
2
JBCS
22
10
-
7
4
-
-
-
-
1
-
-
-
QN
34
10
1
4
6
1
-
-
-
-
-
2
10
QNEsc
04
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
3
1
RASBQ
84
41
-
11
14
2
3
2
1
1
1
1
7
78
1
26
24
3
3
2
1
3
1
7
20
Veículo de divulgação
Nº de produções
Conteúdos disciplinares
Total 169
Nota: Coluna “Meios”: Journal of the Brazilian Chemical Society (JBCS), Química Nova (QN) e Química Nova na Escola (QNEsc), Revista Virtual da Química (RVq) e, a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (RASBQ). A siglas: AMB (Química Ambiental); ANA (Química Analítica); CAT (Catálise); FIS (Físico-Química); QMT (Química dos Materiais); INO (Química Inorgânica); ORG (Química Orgânica).
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
83
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ
De acordo com esse quadro, observa-se que o
56 (pouco mais de 30%) dialogam ou citam expli-
número de publicações dirigidas à formação dos quí-
citamente outros conceitos relacionados às ques-
micos (bacharéis e licenciados) e ao ensino da QV é
tões ambientais anteriormente apontados. As
relativamente pequeno, corresponde a 16% do total
várias combinações sinalizam que, nem sempre,
de produções. Também merece destaque a quantidade
os autores correlacionaram a QV com os outros
bastante significativa de trabalhos (cerca de 50%)
conceitos (termos ou domínios).
nas RASBQ, um espaço destinado à participação de
Nas produções selecionadas, os termos SUS
jovens iniciantes na investigação científica, bem como
e SA, muitas vezes, são tratados como sinônimos,
a apresentação de trabalhos convidados de pesquisa-
principalmente quando o tema em estudo envolve
dores consolidados no campo da Química. Já as pro-
o tripé indivíduo-sociedade-natureza, como se, de
duções em QV estão localizadas nas áreas da Química
algum modo, isso já fosse evidenciado na literatura
Orgânica e Catálise (aproximadamente 62%), algo
(Marques et al., 2013). Da mesma maneira, o termo
que não se diferencia do que tem sido evidenciado na
Química Sustentável (QS) foi apresentado como
literatura internacional (Correa et al., 2013). Diante
sinônimo de QV e é entendido como uma ferramenta
dessa amostragem, interessou-nos desenvolver uma
para se obter a sustentabilidade. Nota-se também
análise mais profunda sobre os conteúdos em defesa
que, apesar de a filosofia da QV ter sido formulada
da Sustentabilidade, SA, DS e EA, de modo que se
há cerca de vinte anos, os entendimentos e uso dos
possa refletir sobre a existência de convergências da
termos a ela associados, em alguns dos trabalhos,
QV no campo social e da Educação.
ainda parecem distantes de suas principais referên-
O Quadro 2 reporta esse levantamento, o qual
cias fundantes, largamente aceitas pela comunidade
demonstra que das 169 produções em QV, apenas
do campo da Química (Anastas; Warner, 1998).
19
6
-
4
-
-
-
-
DS + SUS
QN
DS + QS
-
-
SUS + SA + DS
-
-
SA + SUS ++DS + QS
EA + SUS + QS
1
SUS + QS
EA + DS
-
SUS + SA
EA + SUS
1 1
-
-
1
1
1
3
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
1
1
1
-
-
1
1
4
EA + SUS +SA
EA
1 1
DS
1 1
SA
11 03
SUS
RVq JBCS
EA + SA + DS + QS
Produções QV em relação com... Nº de produções
Veículo de divulgação
Quadro 2. Quadro geral das produções QV na SBQ e as relações desta com DS, SUS, SA e EA.
QNEsc
01
-
-
-
-
-
1
-
-
-
-
-
-
-
-
-
RASBQ
22
4
-
7
2
1
-
1
-
-
-
4
-
-
1
2
Total
56
12
2
13
2
2
1
1
1
1
2
5
1
4
2
7
Nota: Coluna “Meios”: Journal of the Brazilian Chemical Society (JBCS), Química Nova (QN) e Química Nova na Escola (QNEsc), Revista Virtual da Química (RVq); e a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química (RASBQ). A siglas: SUS (Sustentabilidade); SA (Sustentabilidade Ambiental); DS (Desenvolvimento Sustentável); EA (Educação Ambiental); QS (Química Sustentável).
84
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ
Quadro 3. Foco principal dos trabalhos por categorias emergentes e as quantidades por periódico. Categorias
Nº de trabalhos
Periódicos/ quantidade de trabalhos
Ensino (abrange o foco em conteúdos, metodologias e concepções dos docentes e discentes)
06
QN – 01 RASBQ – 03 RVq – 02
Currículo
01
QNEsc – 01
Levantamento Bibliográfico
01
RASBQ – 01
Dentre todos esses oito trabalhos, quatro
[...] Além de tratar e gerenciar a produção de resíduos, a Química Verde traz a proposta de evitar a formação de efluentes tóxicos e nocivos ao meio ambiente [...] (RASBQ1)5
enfatizam a formação inicial de professores e,
Esse resumo, apresentado na RASBQ, aponta
Química) e o da EA, fato recorrente não apenas no
o tratamento de resíduos como um dos propósitos da QV, sabidamente fora de seu escopo central (Correa; Zuin, 2009). Já com relação à associação da QV com a EA e destas com outros domínios, evidenciaram-se oito produções (Quadro 2). Das produções divulgadas, quatro eram da RASBQ, uma da revista Química Nova na Escola, duas da Química Nova e outra na Revista Virtual da Química. O foco principal de estudo desses pesquisadores pode ser classificado em três categorias emergentes descritas no Quadro 3. É observado um número maior de produções (seis) preocupadas com o ensino, em que o objeto de investigação são os conteúdos, as metodologias, as práticas docentes e as concepções de estudantes e professores. Tais temas articulam-se de modo que influenciam diretamente o ensino. Apesar de o currículo ser mencionado em alguns desses casos, este não se mostrou ser o eixo principal, com exceção de um trabalho publicado na QNEsc. No Brasil, pesquisas sobre o ensino são consideradas a chave de uma educação de qualidade e têm cres-
de maneira geral, observa-se uma dissociação dos campos das Ciências da Natureza (caso da Brasil. De acordo com Wals et al. (2014), o Ensino ou Educação Química têm enfocado principalmente o ensino de conteúdos conceituais e a EA tem privilegiado essencialmente a incorporação de conteúdos procedimentais e atitudinais. De fato, o que se depreende da análise das oito publicações que trazem a discussão sobre QV, SUS, DS e EA é que os diálogos entre os campos da Química e EA ainda se mostram incipientes, sobretudo quando se observam as correntes em EA expressas pelos diversos autores dessas publicações. Cerca de 37% desses trabalhos tinham pouca ou nenhuma afinidade com referenciais de uma EA crítica ou emancipatória. De acordo com Sauvé (2005), as correntes de EA refletem concepções de ambiente e, nesse caso, também os entendimentos que se relacionam a SUS, SA, DA e QV. Nesse sentido, observa-se uma predominância da corrente naturalista, conservacionista e resolutiva, em que a compreensão de ambiente significa natureza, recurso ou problema a ser resolvido, por meio de técnicas de conservação e gestão ambiental. O
cido bastante nos últimos dez anos (André, 2010).
papel da QV seria o de ser apenas uma ferramenta
5. Os números empregados junto às siglas dos veículos de divulgação foram utilizados como modo de diferenciar as produções estudadas (por exemplo; RASBQ1 – Resumo 1 apresentado na RASBQ; QN1 – Artigo 1 publicado na revista QN etc.).
‘boas práticas’:
para a ação, essencialmente para o ensino das
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
[...] O projeto foi aplicado no Colégio [...] e recebeu o nome de “Primeira Feira do Meio Ambiente”.
85
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ
sabidamente complexos, associados à formação de
[...] A estratégia utilizada envolveu a formação de grupos de alunos, onde cada qual ficou responsável pela confecção de cartazes e maquetes tratando dos seguintes temas: 1) Incidente em Fukushima; 2) Poluição causada por petróleo em ambientes marinhos; 3) Lixo tecnológico e resíduos perigosos; 4) Saúde da água [...] (RASBQ2).
professores para a Educação Básica (Zuin, 2011):
Nesse resumo, observa-se o estudo de situações-problema, em que a experiência de resolução ocorreu associada a um projeto de curta duração (um mês) e os resultados obtidos relacionaram-se principalmente ao “descarte do lixo tecnológico e o tratamento de água”. Mais uma vez, elementos não relacionados à QV e seus princípios. [...] A associação da estequiometria com química verde, ainda tão pouco conhecida no Brasil, pode motivar o pensamento da autossustentabilidade, contribuindo para a conscientização e mudanças na sociedade, em termos de redução e prevenção de danos ambientais. Esta associação, no ensino da estequiometria, contribui para o exercício da lógica, imprescindível para resolução dos exercícios [...] (RASBQ3).
Os autores do resumo RASBQ3 afirmam ter como objetivo discutir os conteúdos de uma apos-
[...] Hoje, ao se publicizar a Química Verde como um absoluto da dimensão ambiental, sinônimo da química ambientalmente correta, que não é compreendida de forma complexificada, contribui-se para engendrar a exclusão, a marginalização, pois neste “correto” que exige uma integração e comprometimento dos membros do campo há uma tendência totalitária, marcada mais por ações mecânicas que refletidas e emancipatórias [...] (RASBQ4). [...] a educação química tem uma importância singular, principalmente nos processos de educação científica voltados à cidadania, com dimensão contextual e crítica. Infelizmente, tais processos têm chegado pouco às salas de aulas. [Vários autores têm destacado]o papel da educação, particularmente da educação científica e tecnológica, frente às mudanças ambientais e comportamentais da população em consequência da evolução e da utilização de novas tecnologias, destacam que as compreensões de educação vinculada ao meio ambiente (sobre, no, e para o meio ambiente), quando abordadas isoladamente em uma perspectiva naturalista, são insuficientes para enfrentar a problemática ambiental[...] (QN1).
tila referente à estequiometria e à QV, promovendo a EA. Contudo, do que se depreende do texto, essa
Esses recortes permitem observar uma maior
associação é usada mais como uma visão utilita-
aproximação à corrente crítica da EA, e que o
rista, com a intenção de contribuir com os vestibu-
ambiente é objeto de transformação e lugar de eman-
lares e provas, que propriamente como uma refle-
cipação, com o propósito de reverter conflitos e pro-
xão socioambiental mais ampla e crítica do papel
blemas socioambientais (Schnetzler, 2002; Angotti;
da QV.
Auth, 2001). O segundo excerto (QN1) enfatiza não
Considerando contextos que oportunizam a
só a importância da QV na utilização de tecnologias
aquisição de conhecimentos para a mudança de
preventivas de poluição ambiental, como também a
valores, majoritariamente em trabalhos voltados à
necessidade de se compreender o contexto em que
Educação Química, verificou-se que a maior parte
esses conceitos estão inseridos, ter um olhar para o
das produções (63%) contribui com o processo
ambiente como lugar de interações de ordem cultu-
formativo dos discentes. Esses trabalhos compre-
ral, política e econômica, portanto, para além de uma
endem saberes necessários (incluindo os conteú-
perspectiva naturalista/conservacionista.
dos conceituais) para uma visão mais abrangente
Ainda são poucos os trabalhos com esse tipo
sobre a QV, SUS e DS, problematizando contextos
de abordagem, o que sinaliza a necessidade de
86
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ
um rompimento com uma tendência tecnicista,
na introdução de tecnologias verdes, limpas ou
ligada ao conservacionismo, a qual separa os seres
sustentáveis. Estas, todavia, devem ser utilizadas
humanos (cultura) da natureza, o sujeito do objeto,
não como slogan político/econômico, mas como
a razão da emoção, o desenvolvimento do meio
expressão de um real comprometimento e critici-
ambiente, a técnica da ética, dentre outras (Lima,
dade, a fim de ampliar a visão de socioambiente e
2009). Uma estratégia fundamental no campo da
sustentabilidade (Zuin, 2013).
educação em Ciências que pode favorecer esse
Com relação à sustentabilidade, dois trabalhos
rompimento e atuar a favor da complexidade,
assumem explicitamente uma postura crítica con-
ampliação da visão ambiental e interdisciplinari-
tra a adjetivação economicista do termo “susten-
dade é a abordagem CTS ou CTSA. Esta foi men-
tável”, o qual parece buscar essencialmente res-
cionada em, ao menos, três produções:
ponder à necessidade de tornar sustentável o atual modelo de desenvolvimento econômico, industrial
[...] Os princípios da QV, somados às discussões do enfoque CTS e às contribuições freireanas para o ensino de Ciências, entre outras, podem trazer à formação dos educadores, para serem tratados em sala de aula, elementos tecnocientíficos, éticos, culturais e pedagógicos significativos sobre a relação entre os problemas ambientais e as atividades químicas [...] (QN1). [...] o estudo consistiu na introdução de EA por meio do tema Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS) “Indústria, Ambiente e Sociedade”, que foi desenvolvido em dez aulas. O tema foi explorado juntamente com o conteúdo de Química, procurando-se chamar a atenção para a visão socioambiental da EA, por meio da abordagem de temas como capitalismo, globalização e exclusão social [...] (RVq1). [...] De fato, a realização de atividades experimentais com enfoque CTSA tem sido apontada na literatura como um caminho para, além da apropriação de conteúdos conceituais, evitar a visão neutra e linear de que o desenvolvimento científico implica obrigatoriamente em mais riquezas e bem-estar social [...] (RVq2).
e não o bem-estar da sociedade em geral (Sachs, 2012). Estudos que articulam os conceitos/princípios da QV associados a uma perspectiva crítica de EA, sócio e historicamente situada, ainda podem favorecer a reflexão e autonomia, contribuindo para o processo de emancipação e exercício político, rumo a um novo processo civilizatório, mais justo, ético e humano. 5
Considerações finais Na medida em que se encerrou a Década das Nações Unidas de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2004-2014), a qual objetivou valorizar o papel fundamental da educação e da aprendizagem na persecução do DS, a análise desses trabalhos publicados em veículos da SBQ de 2002 a maio 2014, que trazem como elementos centrais as questões ambientais associadas à QV, revelou dados importantes acerca dos entendimentos e ações da comunidade de Químicos no Brasil. Do total de produções, em e sobre QV
As discussões sobre os impactos socioambien-
(169), cerca de 37% trazem algum diálogo com
tais do desenvolvimento científico têm se mos-
outros termos ambientais (EA, SUS, SA e DS), e
trado oportunas no ensino da QV, pois, embora
a EA, em específico, fez parte da temática de oito
seja usado para dominação voraz, acelerada e
trabalhos, a maioria divulgada na RASBQ, o que
indiscriminada dos bens naturais, o avanço tecno-
mostra a emergência de tais preocupações. Dentre
científico também pode contribuir para a manu-
estes, notou-se a presença significativa (63%) de
tenção da vida e diminuição dos problemas, como
uma corrente crítica de EA, a qual busca o enten-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
87
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ
dimento das causas dos problemas socioambien-
temática da QV, quanto a necessidade de que suas
tais, promovendo o pensamento sistêmico sobre
práticas sejam cada vez mais difundidas dentro e
a relação ser-indivíduo-natureza e sociedade, em
fora das instituições de educação e pesquisa.
especial na formação inicial de professores. Publicações recentes, por exemplo, de um
Agradecimentos: Ao CNPq, Fapesp e Capes pelos apoios recebidos.
número especial da RVq sobre QV (Rezende; Zuin, 2014), reiteram os dados encontrados neste trabalho, em que se verifica o crescente interesse sobre a temática e seus termos. Contudo, nem sempre os conceitos são apropriados de maneira adequada, caso da definição e aplicação da QV, de acordo com os referenciais aceitos pela comunidade de químicos e educadores no Brasil e no exterior. Cabe mencionar, ainda, as demais ações da SBQ sobre as questões ambientais, como instância legitimada e legitimadora, que têm deixado legados importantes para a discussão dos sentidos da sustentabilidade que se pretende alcançar. Destacam-se as atividades voltadas ao Ano Internacional da Química (AIQ-2011), a exemplo do projeto do pH do planeta, concebido pela Iupac/ Unesco, em que o Brasil se sobressaiu mundialmente pelo números de kits distribuídos e pelos alunos envolvidos nos experimentos. Dentre outras ações, em agosto de 2012, sob os auspícios da SBQ e Iupac, foi organizada a 4th International Iupac Conference on Green Chemistry (4th ICGC), em Foz do Iguaçu, que contou com um número superior a seiscentos participantes de mais de 45 países, bem como representantes dos setores acadêmico, governamental e industrial. Mais recentemente, em maio de 2014, foram inauguradas as atividades relativas à Seção de Química Verde (QVE) na 37ª RASBQ, com número expressivo de trabalhos apresentados na sessão coordenada e sessão de painéis (mais de cinquenta), bem como as palestras proferidas em workshops organizados em parceria com outras divisões da SBQ, como Eletroquímica e Eletroanalítica. Ações como essas comprovam, portanto, tanto a relevância da
88
6
Referências ANASTAS, P. T.; WARNER, J. C. Green Chemistry: theory and practice. New York: Oxford University Press, 1998. ANDRÉ, M. E. D. A. Formação de professores: a constituição de um campo de estudos. Educação, v. 33, n. 3, p. 174-181, 2010. ANGOTTI, J. A. P.; AUTH, M. Ciência e tecnologia: implicações sociais e o papel da educação. Ciência & Educação, v. 7, n. 1, p. 15-27, 2001. AULER, D.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científico-tecnológica para quê? Pesquisa em Educação em Ciências, v. 3, n. 1, p. 105-116, 2001. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2012. CARVALHO, I. C. M. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011. CORREA, A. G.; ZUIN, V. G. Química verde: fundamentos e aplicações. São Carlos: EDUFSCar, 2009. ______. et al. Green chemistry in Brazil. Pure and Applied Chemistry, v. 85, n. 8, p. 1643-1653, 2013. DELIZOICOV, D.; AULER, D. Ciência, tecnologia e formação social do espaço: questões sobre a não-neutralidade. ALEXANDRIA: Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, v. 4, n. 2, p. 247-273, 2011. EPICOCO, M.; OLTRA, V.; SAINT-JEAN, M. Knowledge dynamics and sources of eco-innovation: Mapping the Green Chemistry community. Technological Forecasting & Social Change, v. 81, p. 338-402, 2014. HILL, J.; KUMAR, D. D.; VERMA, R. K. Designing core concepts for a tertiary basic chemistry course. The Chemist, v. 86, n. 1, p. 14-22, 2013. LACEY, H. O princípio de precaução e a autonomia da ciência. Scientiæ Studia, São Paulo, v. 4, n. 3, p. 373-392, 2006.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Desenvolvimento Sustentável, Química Verde e Educação Ambiental: o que revelam as publicações da SBQ
LEFF, E. Epistemologia ambiental. São Paulo: Editora Cortez, 2001. ______. Ecologia, capital e cultura, a territorialização da racionalidade ambiental. Petrópolis: Editora Vozes: 2009. LIMA, G. F. C. Educação ambiental crítica: do socioambientalismo às sociedades sustentáveis. Educação e Pesquisa, v. 35, n. 1, p. 145-163, 2009. LOUREIRO, C. F. B. Educação ambiental e movimentos sociais na construção da cidadania ecológica e planetária. In: LOUREIRO, C. F. B. et al. Educação ambiental: repensando o espaço da cidadania. 5. eds. São Paulo: Cortez, 2011. MARQUES, C. A. et al. Sustentabilidade ambiental: um estudo com pesquisadores químicos no Brasil. Química Nova, v. 36, n. 6, p. 914-920, 2013. MARQUES, C. A.; MACHADO, A. A. S. C. Environmental sustainability: implications and limitations to Green Chemistry. Foundations of Chemistry, v. 16, n. 2, p. 125-147, 2013. NASCIMENTO, E. P. Sustentabilidade: o campo de disputa de nosso futuro civilizacional. In: LÉNA, P.; NASCIMENTO, E. P. Enfrentando os limites do crescimento: sustentabilidade, decrescimento e prosperidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2012, p. 415-434. OLIVEIRA, H. T. et al. Trajetória de constituição e ação do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Ambiental (GEPEA/UFSCAR): construindo pesquisas não alienadas para uma educação não alienante. Ambiente & Educação, v. 14, n. 2, p. 71-77, 2009.
REZENDE, C.; ZUIN, V. G. Química verde: convergências e potencialidades no cenário Brasileiro. Revista Virtual de Química, v. 6, n. 1, p. 1, 2014. SACHS, I. De volta à mão visível: os desafios da Segunda Cúpula da Terra no Rio de Janeiro. Estudos Avançados, v. 26, n. 74, p. 5-20, 2012. SAUVÉ, L. Educação ambiental: possibilidades e limitações. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 317-322, 2005. SCHNETZLER, R. P. A pesquisa em ensino de Química no Brasil: conquistas e perspectivas. Química Nova, v. 25, n. 14, p. 14-24, 2002. WALS, A. E. J. et al. Convergence between science and environmental education. Science, v. 344, n. 6184, p. 583-584, 2014. WCED – World Commission on Environment and Development. Our common future. Oxford: Oxford University Press, 1987. ZUIN, V. G. A inserção da dimensão ambiental na formação de professores de Química. Campinas: Alínea, 2011. ZUIN, V. G. A inserção da Química Verde nos programas de pós-graduação em Química do Brasil: tendências e perspectivas. RBPG (CAPES), v. 10, n. 21, p. 557-57, 2013. ZUIN, V. G.; PACCA, J. L. Formación docente en química y ambientación curricular: estudio de caso en una institución de enseñanza superior brasileña. Enseñanza de las Ciencias, v. 31, n. 1, p. 79-93, 2013.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
89
História da Química 01 | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015 | p. 91-94
Clair Patterson e o Chumbo Tetraetila Clair Patterson and Tetraethyl Lead Robson Fernandes de Farias e Deyse de Souza Dantas
Este ano completam-se vinte anos da morte de Clair Patterson, o homem que “derrotou” o chumbo tetraetila. Quando Clair Cameron Patterson (1922-1995) recebeu a tarefa de determinar, em cristais de zircônia, qual o teor de chumbo, essa pareceu uma tarefa fácil, de rotina. As amostras de zircônia remontavam à formação da Terra e, sabendo-se qual o teor de chumbo contido nelas, bem como o teor de urânio, e tendo-se em vista que o tempo de decaimento do urânio (formando o chumbo) era conhecido, seria possível, assim, determinar qual a idade da Terra (calculada, em 1953, pelo próprio Clair, como algo em torno de 4,6 bilhões de anos). α
α 238 U
234 Th
234 Pa
234 U
230 Th
226 Ra
222 Rn
218 Po
214 Pb
214 Bi
α
α 214 Po
α 210 Pb
α 210 Bi
α 210 Po
206 Pb
Clair Patterson e o Chumbo Tetraetila
1
Decaimento do Urânio 238 ao Chumbo 206, com a liberação de oito partículas α Tendo-se destacado no ramo da Geoquímica, muitos acreditam que Clair era geólogo de formação, mas ele era químico: bacharel em Química pelo Grinnell College de Iowa (1943), e PhD em Química pela Universidade de Chicago (1951). Contudo, durante anos, Clair teve uma dificuldade experimental a atormentá-lo: suas medidas eram, inexplicavelmente, inconsistentes, não reprodutíveis. Os teores de chumbo variavam a cada medida experimental. Demorou anos para que Claire percebesse que o problema era o teor de chumbo contido no meio ambiente (no ar, nesse caso). Ele só conseguiu medidas que permitiriam obter a desejada idade da Terra, ao efetuar suas medidas numa sala ultralimpa (a primeira do mundo, no gênero). Conforme Clair inferiu, e posteriormente provou com robustos e inquestionáveis dados experimentais, o chumbo contido no ar vinha do chumbo tetraetila, um composto organometálico adicionado à gasolina, como antidetonante.
Clair Patterson num laboratório do Caltech (c. 1952)
As medidas de Clair envolveriam amostras de ar e amostras de água do oceano, bem como amostras de gelo dos polos, retiradas a diferentes profundidades. Os resultados (sobretudo os das amostras da água do mar e do gelo dos polos) deixavam claro que a concentração corrente de chumbo no ar, embora tida como “normal”, visto ser relativamente constante, estava longe de ser algo normal do ponto de vista das concentrações naturais. Por exemplo, a concentração de chumbo nas camadas mais rasas dos oceanos ou nos níveis mais superficiais das camadas de gelo, era tremendamente mais elevada que nas camadas mais profundas, deixando claro que o aumento da concentração de chumbo era um advento recente na história da humanidade.
92
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Clair Patterson e o Chumbo Tetraetila
A metodologia desenvolvida por Patterson, de estudar camadas de gelo em busca da composição de atmosferas passadas, tornar-se-ia comum em estudos climatológicos. Por suas descobertas, Clair recebeu, num primeiro momento, uma tentativa velada de suborno por parte da indústria petrolífera, a qual se dispôs a financiar (sem limites) suas pesquisas, desde que elas focassem outro metal que não o chumbo (ironicamente, suas expedições para coletas de amostras de água do mar foram financiadas pela indústria do petróleo) e, num segundo momento, foi vítima de tentativa de descrédito na comunidade científica, além de ter havido pressões para que fosse demitido. Contudo, Clair iniciaria o que classificaria como uma verdadeira cruzada contra o uso do chumbo tetraetila, tendo-se em vista os já sabidos efeitos altamente tóxicos do chumbo sobre o organismo humano. Nas fábricas onde era produzido, foram frequentes os casos de trabalhadores que enlouqueciam, tinham alucinações e jogavam-se dos prédios. De tão tóxico, o chumbo tetraetila, para fins de transporte e estocagem, era tratado com o status de arma química. De maneira emblemática, a indústria do petróleo iniciaria, então, uma campanha em duas frentes: publicitária e científica, a fim de desacreditar as conclusões dos estudos de Clair. Contudo, os resultados experimentais de Patterson, acuradamente obtidos, deixavam evidente que os níveis de chumbo na atmosfera haviam aumentado assustadoramente a partir de 1923, quando o chumbo tetraetila, foi colocado no mercado.1 A correlação era, assim, clara e inevitável.
Fórmula estrutural do chumbo tetraetila
Após a entrada em vigor do Clean Air Act, de 1970 (para o qual os trabalhos de Patterson muito contribuíram), o nível de chumbo no sangue dos americanos caiu em cerca de 80%.
1. O produto era fabricado e comercializado pela Ethyl Gasoline Corporation, formada pela General Motors, pela Du Pont e pela Standard Oil de New Jersey.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
93
Clair Patterson e o Chumbo Tetraetila
Imagem da parte frontal de uma lata de gasolina com chumbo tetraetila
Robert Kehoe (1893-1992), toxicologista e especialista em saúde ocupacional seria o cientista eleito, pela indústria petrolífera, para afirmar que o chumbo não causava danos à saúde e travaria, com Clair, um “duelo” científico que duraria muitos anos. Embora trabalhasse para a indústria do petróleo, como membro da comunidade científica, Kehoe era um oponente de peso, visto que podia também apresentar contra-argumentos, em termos científicos, criando mesmo um novo paradigma (Nriagu, 1988). Pesquisador profícuo, Patterson continuaria suas pesquisa até seu falecimento, em 1995, tendo publicado diversos artigos dedicados à poluição causada pelo chumbo em diversos ecossistemas mundo afora. Um de seus últimos artigos publicados tratava da poluição por chumbo causada por civilizações antigas (Hong et al., 1994). Pesquisador no prestigiado Instituto de Tecnologia da Califórnia (California Institute of Technology, Caltech) por quarenta anos, Clair Patterson morreria, segundo consta, de um ataque de asma. Sempre muito combatido pela comunidade científica, Patterson esteve sempre além do seu tempo e, talvez por isso mesmo, vivenciou uma atmosfera de isolamento e frieza por parte da comunidade que constituía a torre de marfim da Ciência, como ele afirmava. Sua campanha contra o chumbo tetraetila (o que equivale a dizer, contra a indústria americana do petróleo) contrariou os desejos de pessoas influentes e fez que mesmo entidades científicas o ignorassem na concessão de financiamentos ou de títulos e premiações. Em razão de sua tenaz campanha contra o uso do chumbo tetraetila, mais que um pesquisador, Patterson foi um herói, no sentido mais puro e romântico da palavra. Sua personalidade serviria de inspiração para a composição do personagem Sam Beech, no romance The Dean’s December, de Saul Bellow. 2
Referências HONG, S. et al. Greenland ice evidence of hemispheric lead pollution two millennia ago by greek and roman civilizations. Science, v. 265, p. 1841-1843, 1994. NRIAGU, J. O. Clair Patterson and Robert Kehoe’s paradigm of “show me the data” on environmental lead poisoning. Environ Res, v. 78, p. 71-78, 1998.
94
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 10 | Número 01 | Jan./Jun. 2015
Resenha Química Orgânica: um curso experimental Hugo Tubal Schmitz Braibante Editora Átomo | 2015 | 224 páginas
Os cursos de Química (química, farmácia, engenharia química, ambiental entre outros), tanto de graduação como pós-graduação, no Brasil, têm acentuada influência dos grupos de pesquisa institucionais. A sedimentação da formação em química orgânica depende da utilização das metodologias, procedimentos e técnicas característicos da área. A partir dessas considerações, resolvemos apresentar para à comunidade científica o livro Química Orgânica: um curso experimental. Envolve desde aspectos gerais, ambientais e de segurança no laboratório, procedimentos para tratamento e purificação de reagentes e solventes, extração e identificação de compostos orgânicos, até procedimentos de síntese orgânica.
Normas para Publicação Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo que aceita colaborações em forma de artigos, resenhas, relatos de experiência, notícias e memória fotográfica da Química no Brasil. Os textos poderão ser publicados em português e espanhol. Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião ou pensamento da coordenação e conselho editoriais. Os originais submetidos a análise do Comitê Científico serão encaminhados a, no mínimo, dois conselheiros do seu corpo editorial, os quais avaliarão de forma específica e decidirão sobre a pertinência dos textos à linha editorial da revista. Em caso de necessidade de revisões de conteúdo ou adequações às normas editoriais, o autor receberá os pareceres dos conselheiros, ficando, assim, responsável pela reapresentação do trabalho reformulado no prazo de 45 dias, contados a partir da data de recebimento da comunicação. O anonimato entre autores e conselheiros, durante o processo de arbitragem dos textos, é garantido pelo Comitê. O prazo médio estipulado para a apresentação do resultado final é de até 60 dias, a contar da data de recebimento do texto. Os trabalhos não aprovados pelos conselheiros, ou não devolvidos no prazo estipulado para reformulação, serão arquivados e os autores informados.
Sobre a apresentação de originais para avaliação Ao encaminhar os trabalhos para análise do Comitê Científico, os autores deverão observar as seguintes orientações: 1. Originalidade e ineditismo dos textos: o autor deve enviar, junto com o trabalho, uma declaração na qual se compromete a não apresentá-lo, simultaneamente, em outro periódico, durante o prazo estipulado para avaliação, e autoriza a sua publicação nesta revista. 2. As colaborações devem ser redigidas em português ou espanhol. Em casos excepcionais, cuja pertinência será analisada pelo Comitê, serão aceitos textos em inglês e francês, que deverão ser traduzidos para a língua portuguesa. 3. Em folha à parte, devem ser informados os dados de autoria: título do trabalho, nome completo, vinculação institucional, formação acadêmica e endereço residencial ou institucional do autor (incluindo telefone e e-mail) para o encaminhamento de correspondência pela Secretaria de Redação. 4. No caso de artigos, os originais não poderão exceder o limite máximo de 40.000 caracteres (com espaço), incluindo todos os elementos gráficos disponíveis no arquivo. Para resenhas, notas críticas e outros, observar o limite de 10.000 caracteres (com espaço).
5. Quanto à estrutura do texto, devem ser observadas as seguintes orientações: na primeira página, apresentar o título e subtítulo do trabalho, o resumo e as palavras ‑chave (até 05, evitando-se combinações extensas que não correspondam ao conteú do do texto). Todos esses elementos devem ser apresentados em português ou espanhol e inglês. 6. Os textos devem ser digitados no programa Word for Windows, em fonte Times New
Roman, tamanho 12, com espaço duplo, e enviados por correio eletrônico para o seguinte endereço: rebeq@atomoealinea.com.br
Sobre referências bibliográficas e notas O autor do trabalho é responsável pela exatidão, organização e utilização correta das referências e citações constantes no texto, bem como na listagem bibliográfica a ser apresentada no final dos artigos. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT – www. abnt.org.br) fornece, por meio da NBR 6023 (agosto/2002), as orientações necessárias para a organização das referências bibliográficas. No caso de notas, esse recurso tem seu uso limitado ao caráter explicativo-informativo, neste periódico, evitando-se a utilização de notas bibliográficas. As notas, quando utilizadas, devem aparecer em sequência representada por asterisco (*,**,***) no rodapé da página a que se refere. As citações autorais deverão ser feitas em sequência numérica e apresentadas ao final do artigo.
Sobre a utilização de imagens As tabelas, quadros e figuras (ilustrações, fotografias, gráficos, entre outros) devem ser apresentados com o máximo de resolução (300dpis em diante), em preto e branco, em arquivo à parte e, de preferência, finalizados para sua inserção direta no texto. Para a produção das tabelas, recomenda-se seguir as orientações do IBGE (www.ibge.gov.br) publicadas em suas normas de apresentação tabular. Todos esses elementos gráficos devem estar indicados e numerados, consecutivamente, ao longo do texto, de acordo com a ordem em que aparecem.
Sobre a natureza da colaboração e recebimento de exemplares Fica aqui expresso que a participação dos autores neste periódico é de caráter espontâneo, portanto, não remunerado. O autor principal receberá, gratuitamente, um (01) exemplar da edição em que seu artigo foi publicado, mais separata eletrônica deste; os co-autores receberão um (01) exemplar e separata eletrônica do texto. No caso de resenhas, cada autor terá direito a um (01) exemplar e separata eletrônica.
Solicitação de Assinatura: Primeira assinatura / First subscription
Renovação de assinatura / Subscription renovation
Nome / Name: ____________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ Sexo / Gender: M
F
Data de Nascimento / Date of birth: ______ /______ /___________
Endereço / Address:________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ CEP / Post Code: |__|__|__|__|__| - |__|__|__|
Bairro / District: ____________________________________
_________________________________________________________________________________________________ Cidade / City: ________________________ DDD / DDI: _____
UF / ST: ______
País / Country: ____________________________
Telefone / Phone #: ________________________
Fax: _______________________________
E-mail:___________________________________________________________________________________________ CPF: |__|__|__|__|__|__|__|__|__| - |__|__|
RG: |__|__|__|__|__|__|__|__|__|__|
/ SSP: |___|___|
CNPJ: |__|__|__|__|__|__|__|__|/|__|__|__|__|-|__|__| Inscr. Estadual: |__|__|__|__|__|__|__|__|__|__|__|__| Obs.: Para alteração de dados cadastrais enviar apenas o formulário preenchido.
Como tomou conhecimento da ReBEQ / How did you know about ReBEQ: Anúncios / Ads
Amigos / Friends
Faculdade / University
Outros / Others: _______________
Preço para Anuidade: R$ 50,00 Assinatura para 2 edições semestrais Opção de Pagamento
Depósito bancário Caixa Econ. Federal / Agência: 3914-4 / Conta Corrente: 180-7 Os valores acima são válidos para venda nacional US$ 30,00 – Venda para o exterior – cheque nominal à Editora Átomo Ltda.
PABX: (19) 3232-9340 ou 3232-0047 Website: www.grupoatomoealinea.com.br/rebeq E-mail: rebeq@atomoealinea.com.br Se precisar de outro impresso, basta fazer cópia (If you need additional forms, simply photocopy the blank form)