ReBEQ - v.11 n.1 - Revista Brasileira de Ensino de Química

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ISSN 1809-6158

VOLUME 11 | NÚMERO 01 | JAN./JUN. 2016


VOLUME 11 | NÚMERO 01 | JAN./JUN. 2016 Coordenação Geral Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Vânia Gomes Zuim – UFSCar Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP José de Alencar Simoni – UNICAMP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Robson Fernandes de Farias – UFRN Sérgio Melo – UFC

Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe­ cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali­ zação e otimização do Ensino de Química.

Yassuko Iamamoto – USP Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq Revisão Paola Maria Felipe dos Anjos

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional 1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos.

Capa e Editoração Eletrônica

CDD 540

Fabio Diego da Silva Índice para Catálogo Sistemático

Indexada

1. Química

A division of the American Chemical Society

540

Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.

Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br


Sumário 7

Editorial

Artigos

10 24 32

Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock Augusto C. L. Moreira e José R. da Silva

Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental Marluce Teixeira Andrade Queiroz, Leonardo Ramos Paes de Lima, Millor Godoy Sabará, Mônica Maria Diniz Leão, Camila Costa Amorim e Carolina Andrade Queiroz

Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica Amanda Andressa da Silva, Amanda Caroline Pereira, Antonio César Teixeira de Toledo e Juliano Schimiguel

46

Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos Marcelo Moreira Freire e Sebastião Ferreira Fonseca

52

O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química Aldejaise Cunha de Azevedo, Luiz Fernando Perreira e Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro

60 68

QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos Aline de Araújo Silva, Lilian Mamedes dos Santos, Paulo Ricardo Alves da Silva, Leandro S. de Oliveira, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Jailson Machado Ferreira e Humberto Gomes

Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório Maria Aparecida da Costa e Amanda Laís Nunes Miranda

74

Mãos na Massa: a química na panificação Thiago Henrique Barnabé Corrêa e Pedro Faria dos Santos Filho


Relatos de Experiência

das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na 86 Análise Modalidade a Distância da UFRN Jarley Fagner Silva do Nascimento, Alian Paiva de Arruda e Graziele Tavares Malcher

99

História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe Erivanildo Lopes da Silva e Nelson Ribas Bejarano

Química Verde

111

Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química Marilei Casturina Mendes Sandri e Ourides Santin Filho

História da Química

125

O Modelo Atômico de Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias

129

Resenha

131

Normas para Publicação


Contents 7

Editorial

Articles

10 24 32

Avoiding Special Functions in the Hartree Fock Method Augusto C. L. Moreira and José R. da Silva

Educational Workshops: water quality index and environmental protection Marluce Teixeira Andrade Queiroz, Leonardo Ramos Paes de Lima, Millor Godoy Sabará, Mônica Maria Diniz Leão, Camila Costa Amorim and Carolina Andrade Queiroz

Identification and Treatment of Unknown Chemical Residues in Practical Classes of Analytical Chemistry Amanda Andressa da Silva, Amanda Caroline Pereira, Antonio César Teixeira de Toledo and Juliano Schimiguel

46

Vitamin C Detection in Fruits Through Paper Chromatography Using Alternative Materials Marcelo Moreira Freire and Sebastião Ferreira Fonseca

52 60

68

Teacher Profile in the Perspective of Inclusive Education in Chemistry Degree Aldejaise Cunha de Azevedo, Luiz Fernando Perreira and Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro

QuimKids – creating interest in chemical science and raising citizens Aline de Araújo Silva, Lilian Mamedes dos Santos, Paulo Ricardo Alves da Silva, Leandro S. de Oliveira, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Jailson Machado Ferreira and Humberto Gomes

Proposal for a Play Activity with Application of the Lynx Game for Chemistry Teaching: recognition of the glassware present in the laboratory Maria Aparecida da Costa and Amanda Laís Nunes Miranda

74

Hands-on: the chemistry involved in panification and bread-making Thiago Henrique Barnabé Corrêa and Pedro Faria dos Santos Filho


Experiences Account

86

Jarley Fagner Silva do Nascimento, Alian Paiva de Arruda and Graziele Tavares Malcher

99

History of Science in Recent Graduation of Chemistry Teachers from Universidade Federal de Sergipe

Analysis of Learning Difficulties in Chemistry of Life Classes On-line

Erivanildo Lopes da Silva and Nelson Ribas Bejarano

Green Chemistry

111

Implications of Inserting Green Chemistry in Initial Formation (Graduation) of Chemistry Teachers Marilei Casturina Mendes Sandri and Ourides Santin Filho

Chemistry History

125

The Atomic Model of Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld JosĂŠ Maria F. Bassalo and Robson Fernandes de Farias

129

Review

131

Editorial Standards


Editorial Vivemos tempos conturbados. Alunos do ensino médio ocupam escolas e impedem a entrada de professores, com apoio de parte da sociedade e, em muitos casos, de seus próprios pais; universitários invadem e ocupam reitorias das mais bem-ranqueadas universidades do país e do mundo, todos com o mesmo argumento: tudo pela melhoria das condições e da qualidade do ensino. Professores estão sendo ameaçados por alunos e impedidos de exercer suas atividades ao ponto de se esconderem para atender os estudantes interessados e cerceados em seu direito de participar das aulas. Recentemente, no Chile, os universitários se manifestaram por reformas educacionais mobilizando todo o país; em Berkeley, a universidade parou e, no México, chegou-se ao absurdo de conflitos violentíssimos, em que as consequências foram as piores possíveis. Será que nossos alunos involuíram? Será que os docentes estão perdendo a habilidade de interagir com as novas gerações? No passado, os professores lidavam com os estudantes utilizando-se de argumentos e autoridade que hoje não se aplicam. Os familiares apoiavam os professores e também os tinham como parceiros na educação das crianças e dos jovens. O respeito e os limites eram mais bem-compreendidos e os resultados acadêmicos eram muito bons. Formávamos cidadãos para o mundo e para a sociedade na qual viviam. Mas a realidade, hoje, é diferente; argumentos de autoridade não se aplicam mais e só desencadeariam problemas mais drásticos e muito mais sérios. O que fazer então? Cedo ou tarde, todos teremos de parar e refletir sobre o papel dos professores, do ensino, das escolas e das universidades. É certo que o aluno que já tivemos no passado, as aulas que já ministramos e o convívio que já tivemos com estudantes e familiares não voltam mais. Aquilo faz parte de um passado que, embora prático e eficiente, foi sendo alterado e só existe na imaginação dos mais antigos. Esta reflexão terá de convergir para uma série de explicações que as escolas e universidades terão de dar à sociedade sobre o seu efetivo papel no momento pelo qual passamos. O que estamos


dando de volta para a sociedade como contrapartida de todo o investimento que é feito no ensino fundamental, médio e superior? Pessoas portadoras de certificados de conclusão de curso já existem aos milhares e... sobrando. Entretanto, profissionais qualificados e preparados para nossa realidade são raros; pessoas que saibam respeitar limites e que estejam buscando o aprimoramento pessoal antes do profissional são disputadas pelo mercado de trabalho e estão muito bem-escondidas. Os pró-ativos sumiram! Na Química, conseguimos desvendar problemas de difícil compreensão, que exigem a mais elevada capacidade de abstração, ensinamos nossos alunos a executar complicadas tarefas de laboratório, mas não somos capazes de torná-los cidadãos. Aparentemente, o ensino pelo ensino já não se justifica mais. Temos de ir adiante e repensar nossa atividade. Será que nossos critérios de qualidade e excelência contemplam os anseios da sociedade que nos patrocina? Será que respondemos às necessidades do setor produtivo, que, no futuro, se tornarão benefícios para a população? Será que respondemos pelo investimento e confiança que toda a sociedade deposita sobre nós? Aparentemente, teremos de nos debruçar sobre muitas questões e encontrar as melhores respostas e as alternativas mais coerentes que atendam aos anseios desta nova geração que já nos deu seu cartão de visitas. A universidade, em particular, deve encontrar o melhor caminho para tal adaptação, que já se faz necessária e, se não for realizada, certamente gerará uma lacuna que trará consequências ainda mais sérias em breve. Obviamente, se o encontrarmos, sairemos desta situação muito fortalecidos e respaldados pela confiança que já detivemos no passado. A finalidade maior da ReBEQ é contribuir para uma melhoria efetiva do ensino e ela continua aberta às iniciativas e propostas que contemplem a melhor e mais abrangente formação de profissionais da Química, a qual os prepare para este mundo/ mercado cada vez mais desafiador.

Coordenação Editorial


Artigos Articles Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock Avoiding Special Functions in the Hartree Fock Method Augusto C. L. Moreira e José R. da Silva

Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental Educational Workshops: water quality index and environmental protection Marluce Teixeira Andrade Queiroz, Leonardo Ramos Paes de Lima, Millor Godoy Sabará, Mônica Maria Diniz Leão, Camila Costa Amorim e Carolina Andrade Queiroz

Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica Identification and Treatment of Unknown Chemical Residues in Practical Classes of Analytical Chemistry Amanda Andressa da Silva, Amanda Caroline Pereira, Antonio César Teixeira de Toledo e Juliano Schimiguel

Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos Vitamin C Detection in Fruits Through Paper Chromatography Using Alternative Materials Marcelo Moreira Freire e Sebastião Ferreira Fonseca

O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química Teacher Profile in the Perspective of Inclusive Education in Chemistry Degree Aldejaise Cunha de Azevedo, Luiz Fernando Perreira e Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro

QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos QuimKids – creating interest in chemical science and raising citizens Aline de Araújo Silva, Lilian Mamedes dos Santos, Paulo Ricardo Alves da Silva, Leandro S. de Oliveira, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Jailson Machado Ferreira e Humberto Gomes

Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório Proposal for a Play Activity with Application of the Lynx Game for Chemistry Teaching: recognition of the glassware present in the laboratory Maria Aparecida da Costa e Amanda Laís Nunes Miranda

Mãos na Massa: a química na panificação Hands-on: the chemistry involved in panification and bread-making Thiago Henrique Barnabé Corrêa e Pedro Faria dos Santos Filho


Artigo 01 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

p. 10-23

Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock Avoiding Special Functions in the Hartree Fock Method Augusto C. L. Moreira1 e José R. da Silva1

Resumo Ao se utilizar o método de Hartree-Fock em ‘sistemas reais’, tais como átomos e moléculas, é bastante comum, por parte dos estudantes, que as atenções sejam demasiadamente voltadas para as operações matemáticas envolvendo funções especiais em detrimento de conceitos subjacentes à teoria em si. Este trabalho consiste em uma tentativa de evitar tais funções e, ao mesmo tempo, manter as ideias centrais do método de Hartree-Fock. Para isso, utilizaremos um sistema-modelo composto por dois elétrons interagentes, confinados em um poço de potencial infinito unidimensional. Uma vez que o potencial de interação elétron-elétron é modelado por uma função de delta de Dirac e, como as funções de base são funções trigonométricas (senos), podemos realizar todas as etapas de um ciclo auto-consistente analiticamente. Além disso, já que a implementação computacional envolve uma matriz 2x2, o cálculo numérico de autovalores e autovetores também torna-se fácil. Palavras-chave: Hartree-Fock; Química Quântica; Poços Quânticos. Abstract Frequently, the concepts underlying the Hartree-Fock theory lose its scopes because realistic systems like molecules always requires special mathematical functions. This work is an attempt to avoid such functions and keep the core ideas of the Hartree-Fock method. For this purpose we will use a model system composed by two interactive electrons confined in a one dimensional box. Once the electronelectron potential interaction is described by a Dirac delta function and the base 1. Núcleo de Ciências Exatas e Inovação Tecnológica (NICIT), Universidade Federal de Pernambuco, Caruaru – PE, Brasil.


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

functions are ‘mathematically accessible’ (trigonometric functions) we can carry out all of the steps during a self consistent cycle analytically. Furthermore, because the computational implementation involves a simple 2x2 matrix, the numerical computation of eigenvalues and ​​ eigenvectors becomes easy too. Key-words: Hartree-Fock; Quantum Chemistry; Quantum well.

1

Introdução

ainda não cursaram disciplinas envolvendo métodos avançados de resolução de equações diferen-

Em cursos iniciais de mecânica quântica é

ciais (como o método de solução em série de potên-

comum a resolução da equação de Schrödinger

cia e o método de Frobenius, por exemplo). Tal fato

para elétrons não interagentes confinados em poços

torna-se um obstáculo para a aprendizagem desses

quânticos unidimensionais tais como: o poço de

métodos na medida em que acabam desviando o

potencial infinito (também chamado de partícula

foco dos conceitos subjacentes aos mesmos em

na caixa), o oscilador harmônico, dentre outros.

detrimento de operações matemáticas envolvendo

Todavia, na natureza, átomos e moléculas possuem

funções especiais.

elétrons interagentes. Paradoxalmente, nos cursos de

É inegável a importância que os métodos ab

estrutura da matéria, a sofisticação dos modelos fica

initio como o método HF e DFT, por exemplo,

atrelada à complexidade das equações diferenciais,

possuem no atual estágio de desenvolvimento da

dando pouca ênfase para sistemas contendo elétrons

humanidade. Pode-se dizer, sem receios, que tais

interagentes. Desta forma, sistemas como o átomo

métodos constituem os paradigmas que guiam

de hidrogênio que, impreterivelmente, recai em

diversos projetos de pesquisa envolvendo siste-

funções especiais (Monte; Ventura, 2011; Levine,

mas atômicos e moleculares. Assim, graças aos

2000) como os harmônicos esféricos e os polinô-

diversos softwares de química quântica como o

mios de Laguerre são preteridos em detrimento de

Gaussian (Frisch et al., 2003), por exemplo, arte-

sistemas que, apesar de não requererem a utilização

fatos eletrônicos em nanoescala podem ser teorica-

de funções especiais, contém partículas interagen-

mente projetados e posteriormente testados (Juan,

tes. Portanto, métodos para se tratar do problema de

2010). Além disso, vários trabalhos (Arroio et al.,

muitos corpos interagentes, como a aproximação de

2005; Leal et al., 2010) mostram que, do ponto

Hartree-Fock (HF) (Szabo; Ostlund, 1996), a teoria

de vista educacional, esses softwares contextu-

do funcional da densidade (DFT do inglês Density

alizam o ensino de química quântica auxiliando

Functional Theory) (Robert; Parr, 1989), dentre

na assimilação destes conteúdos e tornando-os

outros, ficam relegados a cursos direcionados para

significativos. Portanto, dada a importância dos

pesquisadores na área como os de química quântica

métodos ab initio, para que as funções especiais

ou física atômica e molecular. Mesmo assim, em

não se tornem obstáculos para a aprendizagem dos

tais cursos, a intenção de se tratar “sistemas reais”

estudantes, desenvolveremos uma proposta que

como átomos multi-eletrônicos e moléculas, traz

evita a utilização de tais funções. Para isso, apli-

consigo a necessidade de lidar com funções espe-

caremos o método de Hartree-Fock (HF) em um

ciais e, consequentemente, operações matemáticas

sistema-modelo contendo dois elétrons interagen-

demasiadamente complexas para estudantes que

tes confinados em um poço de potencial infinito

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

11


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

unidimensional. Existem, na literatura, vários

momento, considerar os núcleos fixos. Essa apro-

trabalhos envolvendo o método de Hartree-Fock

ximação, crucial em química quântica, deve-se a

em poços quânticos (Thompsona; Alavi, 2005;

Born e a Oppenheimer. Como consequência direta

Ryabinkin; Staroverov, 2011). Entretanto, diferen-

dela, podemos negligenciar a energia cinética dos

temente desses trabalhos, o objetivo aqui consiste

núcleos e considerar a repulsão entre eles como

em desenvolver um modelo didático que evite, em

sendo constante. Dessa forma, basta tratar a parte

um primeiro momento, as funções especiais. Vale

eletrônica do Hamiltoniano do sistema que é dada

salientar que esta preocupação, também compar-

por (Szabo; Ostlund, 1996, p. 43):

tilhada por outros autores (Antunes et al., 1999; Messina, 1999), em que defendem que, diferente-

Hel =

mente dos diversos exemplos em livros-textos de

n

N

n

n

n

n

n

n

/ T + / / V + / / V = / h^ i h + / / V i

ai

i=1

ij

i=1 j2i

a=1 i=1

ij

i=1

i=1 j1i

(1)

Na equação 1, Ti corresponde à energia ciné-

química quântica (Levine, 2000; Szabo; Ostlund, 1996), esses sistemas-modelo têm a vantagem de

tica do i-ésimo elétron, Vai a interação do a-ésimo

lidar com funções matemáticas elementares, per-

“núcleo” com o i-ésimo elétron e Vij a interação

mitindo que tanto os processos analíticos quanto

elétron-elétron. Note que, enquanto o termo h(i)

os numéricos do método HF possam ser realiza-

representa a parte do Hamiltoniano eletrônico

dos, sem muitas dificuldades, por estudantes que

envolvendo apenas um elétron (energia cinética

não dispõem de um arcabouço teórico referente às

mais interação elétron-núcleo), o termo Vij repre-

funções especiais.

senta a interação entre dois elétrons. Como os elétrons são indistinguíveis e a função de onda

2

total do sistema deve ser antissimétrica, a função

Breve digressão sobre o método de Hartree-Fock (HF)

de onda total, Ψ (x1, x2, ..., xn), pode ser representada por um determinante de Slater, como mostra

O método de HF é um método iterativo capaz

a equação a seguir.

de resolver a equação de Schrödinger de forma aproximada para um sistema de n elétrons intera-

χ1^ x h χ2^ x h χ1^ x h χ2^ x h Ψ^ x , x , ..., x h = h n! h χ1^ x h χ2^ x h / χ1^ x h χ2^ x h gχn^ x h 1

gentes através de um campo autoconsistente (em

1

inglês, Self Consistence Field – SCF). Existe uma vasta literatura envolvendo o método de HartreeFock sob a forma de livros (Levine, 2000; Szabo;

Loeser, 1999). Por tal motivo, faremos apenas um breve sumário das principais equações, pois o escopo deste trabalho está no desenvolvimento de um sistema-modelo que evita as funções especiais durante algumas etapas do método HF. Considere um sistema com N núcleos e n elé-

1

2

2

n

n

n

1

Ostlund, 1996; Alcácer, 2007) e artigos (Antunes et al., 1999; Messina, 1999; Summerfield; Beltrame;

2

1

2

n

g χn^ x h g χn^ x h / j h g χn^ x h 1

2

n

(2)

Na equação 2, χa(xj) representa o a-ésimo spin-orbital com i-ésimo elétron alocado no mesmo. As equações de HF são determinadas através do método variacional. A energia total E0 do estado fundamental ( E0 = Ψ Hel Ψ ) para um sistema com n elétrons é um funcional dos spins-orbitais ( E0 " E0 6" χa ,@) sujeito ao vínculo

# χ ^ x h χ ^ x h dx − δ

= 6a b @ − δab = 0 ). Pode-se

trons interagentes. Uma vez que o movimento dos

(

núcleos é muito mais lento quando comparado ao

mostrar (Szabo; Ostlund, 1996) que, ao minimi-

movimento dos elétrons, podemos, num primeiro

zarmos o funcional,

12

* a

i

b

i

i

ab

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

I 6" χa ,@ = E0 6" χa ,@ −

n

n

// ε

ba

a=1 b=1

^6a b @ − δabh (3)

em que os coeficientes εba são os multiplicadores de Lagrange – elementos de uma matriz hermiteana que pode ser diagonalizada mediante uma transformação unitária – obtemos uma equação de autovalor dada por:

de Coulomb representa a interação entre o i-ésimo elétron com o campo médio gerado pelo j-ésimo elétron, como se este último estivesse distribuído por todo o espaço. Dito de outra forma, não há mais uma interação propriamente dita entre duas partículas, mas sim uma interação entre uma par-

ft^ i h χa^ x h = εa χa^ x h i

com j-ésimo elétron no spin-orbital χb, ou seja, Vtij jb . Em outras palavras, vemos que o operador

(4)

i

tícula (i-ésimo elétron) e o campo elétrico gerado por uma distribuição de carga gerada pelo j-ésimo

onde ft^ i h é chamado de operador de Fock (do

elétron no spin-orbital χb. Vale ressaltar, ainda,

i-ésimo elétron) dado por:

que, ao substituirmos as interações instantâneas

n

entre os elétrons por valores médios de repulsão

/ Jt

ft^ i h = ht^ i h +

t b^ i h − Kb^ i h

b=1

(5)

culadas pelo método de Hartree-Fock apresentam um erro inerente à própria aproximação, chamado

sendo: Jtb^ i h =

entre cada elétron e os restantes, as energias cal-

* b^ x jh

Vtij χb^ x h dτ j (6) j

e

de energia de correlação (Dias, 1980). Por fim, o operador de troca ( Kt b^ i h ) não possui análogo clássico. Contudo, podemos afirmar que este operador relaciona os movimentos dos elétrons localizados

Kt b^ i h =

* b^ x jh

t ij χb^ x hh dτ j (7) Vtij ^/ j

t ij é chamado operador de perNa equação 7, / muta (Szabo; Ostlund, 1996) que atua, como o próprio nome sugere, permutando os elétrons nos spins-orbitais, ou seja:

nos spin-orbitais χa e χb, com spins paralelos, baixando a energia, uma vez que esses elétrons ‘se evitam’ (Ryabinkin; Staroverov, 2011). Assim, pelo fato do operador de troca depender da quantidade de elétrons do sistema (par ou ímpar), dois casos distintos podem surgir: (i) camadas fechadas (closed shell), para um sistema com número par

(8)

de elétrons; e (ii) camadas abertas (open shell),

Note agora que ht^ i h, Jtb^ i h e Kt b^ i h são operadores

trons. Se o sistema possui camada aberta (open

que atuam apenas no i-ésimo elétron. O operador ht^ i h é comumente chamado de Hamiltoniano de

shell), pode usar-se o método de Hartree-Fock

caroço, pois a energia potencial que aparece nele

tiver camadas completamente preenchidas, deve-

corresponde à interação elétron núcleo (‘caroço’). Já os operadores Jtb^ i h e Kt b^ i h , apesar de atuarem

mos utilizar o método de Hartree Fock Restrito

apenas no i-ésimo (operadores monoeletrônicos),

a ideia consiste em usar orbitais espaciais dupla-

possuem o j-ésimo elétron alocado no spin orbital

mente ocupadas. Assim, podemos “eliminar” os

χb. Tais operadores são chamados de operador de

spins e trabalharmos apenas com orbitais espaciais

Coulomb e operador de Troca, respectivamente. A expressão para o operador de Coulomb ( Jtb^ i h )

de modo que, no caso restrito, o operador de Fock

permite interpretá-lo como a média de Vtij tomada

p. 134):

t ij ^χb^ x h χa^ x hh = χb^ x h χa^ x h / i

j

j

i

quando o sistema tiver um número ímpar de elé-

não restrito (UHF), caso contrário, se o sistema

(RHF). Grosso modo, neste último caso (RHF)

passa a ser escrito como (Szabo; Ostlund, 1996,

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

ft^ i h = ht^ i h +

n/2

/ 2Jt

b^ i h

b=1

− Kt b^ i h

(9)

Neste trabalho, iremos nos ater à versão restrita do método (RHF) de modo que, daqui por diante, todas as equações serão concernentes a esta versão. Sendo χu a^ x h os orbitais espaciais, as soluções das i

equações de HF consistem em resolver um problema de autovalor conforme a equação 4, porém, trocando-se os spins-orbitais por orbitais espaciais ( χa " χu a ).

3

Contribuições de Roothaan e etapas de um ciclo SCF (Self Consistent Field) Como os operadores Jtb^ i h e Kt b^ i h dependem, a priori, dos orbitais espaciais χu a , precisamos

centradas nos “núcleos”, ou seja: χa =

L

/C ϕ . a p

p

p=1

Nesta base, pode-se mostrar (Monte; Ventura, 2011) que o operador de Fock passa a ser escrito em termos de uma matriz Ft ^ Ft = Ht + Gt h cujos elementos (Fpq) são dados por: Fpq = H pq +

/D

rs

rs

;^ pq rsh −

1 ^ pq sqhE = H pq + G pq 2

(10)

O mesmo acontece com a energia total do sistema ( ERHF = Hel ) que fica escrita como (Monte; Ventura, 2011): 1 L L 1 ERHF = Ht el = / / D pq ^ H pq + Fpqh = Tr " Dt ^ Ht + Ft h, 2 p q 2

(11)

Nas equações anteriores, Hpq, Spq e Cq corres-

fazer iterações começando por um conjunto de

pondem, respectivamente, aos elementos da matriz

spins-orbitais a nossa escolha. Este método é cha-

do Hamiltoniano de caroço, da matriz de sobrepo-

mado de método do campo autoconsistente (Self

sição (se a base for não ortogonal) e aos elementos

Consistence Field, em inglês) que, grosso modo,

de um vetor C, contendo os coeficientes da expan-

consiste em propor, inicialmente, uma solução

são das funções de base. Já o termo εa corresponde

aproximada (orbitais espaciais a nossa escolha)

ao elemento de uma matriz (diagonal) contendo os

denominada solução de ordem zero. A partir dela, podemos obter os operadores Jtb^ i h, Kt b^ i h e resolver-

autovalores referentes aos spins-orbitais χ. Além

mos as equações de HF com esta “versão inicial”

integrais de dois elétrons (Coulomb e Troca, res-

de orbitais espaciais. De posse de um novo con-

pectivamente) na base de dimensão L, ou seja:

junto de orbitais espaciais (solução de ordem um) podemos obter novos operadores Jtb^ i h, Kt b^ i h e assim

disso, os termos (pq|rs) e (pr|sq) representam as

^ pq rsh =

sucessivamente até que a solução de ordem O+1 seja igual (ou pelo menos não difira significativa-

## ϕ

* p^ xih

ϕq^ x h Vtij ϕ*r^ x h ϕs^ x h dτi dτ j (12) i

j

j

t t @ ) é chamada de matriz A matriz D ( Dt = 2CC densidade, cujos elementos são definidos pelos

mente) da solução de ordem O. Entretanto, mesmo com as aproximações

coeficientes da combinação linear das funções de

(campo médio) explicitadas no parágrafo ante-

base referentes aos orbitais espaciais (duplamente)

rior, as equações de HF eram bastante comple-

ocupados, ou seja:

xas para serem resolvidas de modo sistemático. Contudo, uma grande contribuição para este problema surgiu com Roothaan (Freitas, 1999;

D pq = 2

n/2

/C C a

a p

a* q

(13)

Schatz; Ratner, 2002), ao propor que os spins-

Como consequência direta da ideia de Roothaan

-orbitais pudessem ser escritos como combina-

– expansão em uma base de dimensão finita –, a

ções lineares de uma dada base de dimensão L

equação de autovalor para o operador de Fock,

– não necessariamente ortogonal –, com funções

também passou a ser escrita na forma matricial

14

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Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

tt t t = εt SC FC

(14)

7. Converter Cu em Ct e calcular uma nova matriz densidade (D);

Na prática, a equação 14 não é muito conve-

8. Calcular a nova energia total do sistema;

niente, uma vez que ela não possui a forma de

9. Retornar ao 5º item, até que a energia total

uma equação de autovalor. Contudo, definindo

do passo anterior não difira significativa-

as matrizes de transformação (Alcácer, 2007) Xt = St−1/2 e Yt = St1/2 , vemos que a equação 14 pode

mente do passo atual.

ser escrita como:

O restante deste trabalho consiste em aplicar a versão restrita do método de Hartree-Fock-

u u = εt Cu FC

Roothaan (RHFR) para um sistema-modelo

(15)

simples que, conforme dito anteriormente, dife@ t t t t . Este fato possibilitou = Onde: Fu Xt= FX e Ct YC o uso de técnicas de álgebra linear para se obter os autovalores (εa) e os coeficientes C qa .

rentemente dos livros usuais de química quântica

Vemos, então, que o conceito de base proposto

interagentes confinadas em um poço de potencial

por Roothaan permitiu que o método de Hartree-

infinito unidimensional. Para tal, definiremos uma

Fock pudesse ser realizado de modo sistemático,

base, um potencial de interação, e detalharemos os

através de códigos computacionais contendo ope-

passos do método de RHFR, citados anteriormente.

(Levine, 2000; Szabo; Ostlund, 1996), não faça de funções especiais: duas partículas (elétrons)

rações matriciais básicas tais como: diagonalização, inversa de uma matriz, autovalores e autovetores. Por tal motivo, a formulação matricial decorrente da inserção de funções de base, recebe o nome de método de Hartree-Fock-Roothaan

4

Desenvolvimento das etapas de um ciclo SCF para duas partículas interagentes confinadas em um poço de potencial unidimensional

(HFR). Este método segue os seguintes passos 4.1

(Levine, 2000): 1. Especificar o sistema (poço de potencial, átomo, molécula, geometria etc.); 2. Calcular as integrais de um e dois elétrons e construir as matrizes Ht , Jt, Kt , St ( St é a

Especificação do sistema

Adotaremos, neste trabalho, um potencial de interação elétron-elétron do tipo delta de Dirac Vt12 = γ δ^ x1 − x2h (Griffiths, 2011). Apesar de alguns autores considerarem este potencial como

matriz de sobreposição com elementos não

uma aproximação unidimensional do potencial de

nulos fora da diagonal principal, em caso

Coulomb, neste trabalho ele tem caráter puramente

de uma base não ortogonal) etc...; 3. Diagonalizar a matriz St (caso a base não

alegórico e facilitador do ponto de vista matemá-

seja ortogonal) e obter as matrizes de transformação Xt e Yt que transformam a

mente resolvidas, já que, para a função delta de

tico. As integrais de dois elétrons podem ser facilDirac, temos que:

equação 14 na equação 15; 4. Escolher a primeira versão da matriz Dt ; 5. Construir a matriz Ft e a matriz Fu ;

xb

#

xa

6. Diagonalizar a matriz Fu , para obter os autovalores e autovetores (novos coeficientes) Cu ;

f^ xh δ^ x − x0h dx = )

f^ x0h se x0 ! 6xa, xb @ 0 c.c.

(16)

Por se tratarem de partículas em uma caixa, utilizaremos uma base com funções do tipo

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15


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

Para facilitar a implementação computa-

nπx 2 j com n = 1, 2; ou seja, sen ` L L 2π x πx 2 2 m1 . Por ser j, B2 = ' sen ` sen c L L L L uma base ortonormal, a matriz de sobreposição (S)

cional, iremos arbitrar os seguintes valores: L = π / 2 = γ . Logo, de acordo com os resultados

possuirá apenas elementos unitários na diagonal principal, ou seja, St = It2 , onde It2 é a matriz identidade de tamanho 2x2. Uma vez que St = It2 , é fácil = Fu Ft= e Cu Ct . Além disso, ao restringir a ver que

apenas dois elementos (n = 1 e n = 2), a matriz Ht 1 0 o . A seguir, segue pode ser escrita como Ht = e 0 4 um quadro com as integrais envolvendo dois elé-

ϕn ^ xh =

base em dois elementos, o cálculo de autovalores e autovetores envolverá uma matriz 2x2. 4.2

Cálculo das matrizes

simples, envolvendo apenas um elétron. Sabemos que (Griffiths, 2011) o Hamiltoniano do poço quadrado infinito é dado por ht^ i h = Tt^ i h + Vt^ i h , onde Vt^ i h e Tt^ i h correspondem ao potencial de interação elétron-núcleo e a energia cinética do i-ésimo elétron, respectivamente. Nesse trabalho, atribuiremos ao “fundo do poço” uma energia nula, ou seja, adotaremos Vt^ i h = 0 de modo que a parte monoeletrônica do Hamiltoniano do nosso sistema fica definida simplesmente como: (17)

Repare que, na segunda igualdade da equação 17, consideramos ' =1 e m = 1 (unidades atômicas). Como estamos trabalhando com duas funções de base, o operador de um elétron gerará uma matriz quadrada 2x2 do tipo: (18)

cujos elementos Hpq são dados pela equação seguinte:

16

4.3

Diagonalização da Matriz Ŝ e construção das matrizes de transformação X e Ŷ

Como a base B contém elementos ortogonais, a matriz Ŝ é diagonal (Ŝ = Î2) de modo que esta etapa do processo torna-se desnecessária. 4.4

A primeira versão da matriz densidade D

A matriz densidade, como vimos, é dada por t D = 2ĈĈ†, sendo Ĉ a matriz cujos elementos são formados pelos valores dos coeficientes C ap . Em nosso caso, como estamos considerando apenas base contendo dois elementos, Ĉ e Ĉ† podem ser C11 = o e Ct @ ^C11 * C 21 *h ; de modo Ct e= escritos como: C 21 que a matriz densidade assume a forma: 1 1* 1 1* t t @ 2 eC11 C11 * C11 C 21 * o = e D11 D12 o (20) = Dt 2= CC C 2 C1 C 2 C 2 D21 D22

Como uma primeira tentativa, arbitraremos a seguinte combinação linear para o nosso orbital

H11 H12 o Ht = e H21 H22

L

n π x1 m π x1 2 1 d2 m;− m dx1 = Esin c sin c L0 L L 2 dx12

^ n πh2 = * 2L2 n = m 0 c.c.

integrais, apenas seis delas podem ter valores

um orbital espacial duplamente ocupado e uma

' d2 1 d2 =− Tt^ i h = − 2 2m dx 2 dx 2

#

trons (Quadro 1). Apesar de termos dezesseis distintos.

Inicialmente, calcularemos as integrais mais

Hnm =

da equação 19, vemos que, para uma base contendo

(19)

espacial duplamente ocupado: χu 1 ^ xh = 1 $

πx 2 j+0$ sen ` L L

πx 2 j (21) sen ` L L

De acordo com a função anterior temos: C11 = 1 e C 21 = 0 ; o que resulta em uma “matriz” dos coefi1 C11 = cientes dada por: o e o . Para se construir Ct e= C 21 0

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Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

Quadro 1.  Integrais de dois elétrons para uma base com três elementos (B = 2 onde: p, q, r, s = 1, 2) e com γ = L. Por simetria, vemos que apenas seis das dezesseis integrais possuem valores diferentes. _ pq | r s i =

4γ L2 0

L

L

# # sin b p πL x l sin b q πL x l δ_ x - x i sin b r πL x l sin b s πL x l dx dx 1

1

1

2

2

1

2

0

_11 | 11i = _22 | 22i =

L

πx 4γ 4γ sin 4 b 1 l dx1 = 2 $ 3 L = 1.5 L 8 L2 0 L

#

L

2 π x1 4γ 4γ n dx1 = 2 $ 3 L = 1.5 sin 4 d L 8 L2 0 L

_11 | 22i = _22 | 11i =

#

L

2 π x1 πx 4γ 4γ n sin 2 b 1 l dx1 = 2 $ L = 1 sin 4 d L L L2 0 L 4

#

L

_12 | 12i = _21 | 21i = _12 | 21i = _ 21 | 12i =

2 π x1 πx 4γ 4γ n sin 2 b 1 l dx1 = 2 $ L = 1 sin 2 d L L L2 0 L 4

_12 | 11i = _21 | 11i = _11 | 12i = _11 | 21i =

πx 2 π x1 4γ 4γ n dx1 = 2 $ 0 = 0 sin 3 b 1 l sin d L L L2 0 L

_21 | 22i = _12 | 22i = _22 | 21i = _ 22 | 12i =

2 π x1 πx 4γ 4γ n sin b 1 l dx1 = 2 $ 0 = 0 sin 3 d L L L2 0 L

#

#

L

#

L

a matriz densidade, devemos nos lembrar de que

G11 = D11 ;^11 | 11h −

ela apenas leva em consideração os orbitais espa-

C11 C11 * C11 C 21 * 2 0 = e 1 1* 1 1*o e o Dt 2= C 2 C1 C 2 C 2 0 0

(22)

nossa primeira tentativa para a matriz densidade.

Construção da Matriz de Fock (F e F)

A matriz de Fock, como vimos, é dada por t F = Ht + Gt . As matrizes St e Ht já foram obtidas. Falta ainda obter os elementos da matriz Gt que, por sua vez, podem ser encontrados a partir da 1 G pq = Drs c pq | rs − pr | sq m . expressão 2 rs De posse dos valores das integrais de Coulomb,

/

troca, sobreposição, e da matriz densidade, podemos construir a matriz Gt , elemento por elementos (Gpq). Assim, para G11, temos que:

1 ^11 | 11hE + 2

1 ^11 | 21hE + 2 1 + D21 ;^11 | 12h − ^12 | 11hE + 2 1 + D22 611 | 22 @ − ^12 | 21h 2 + D12 ;^11 | 21h −

ciais ocupados. Logo, temos que:

4.5

2

(23)

Como D12 = D21 = D22 = 0, então, substituindo os valores das integrais de Coulomb e troca, obtemos 3 1 3 3 E= G11 = 2 ; − 2 22 2

(24a)

Seguindo o mesmo raciocínio para os demais elementos, segue que: G12 = D11 ;^12 | 11h −

1 1 ^11 | 12hE = 2 c0 − 0 m = 0 (24b) 2 2

G21 = D11 ;^21 | 11h −

1 1 ^ 21 | 11hE = 2 c0 − 0 m = 0 (24c) 2 2

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Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

G22 = D11 ;^ 22 | 11h −

1 1 ^ 21 | 12hE = 2 c1 − 1 m = 1 (24d) 2 2

Portanto, a primeira versão (ordem zero – Gt ^0h )

Orbital. A Figura 1 mostra nosso sistema com seus dois orbitais espaciais (HOMO e LUMO) e os dois elétrons ocupando o HOMO.

da matriz de dois elétrons passa a ser escrita como

3/2 0 o. Gt ^0h = e 0 1

Finalmente, de posse da matriz Gt ^0h temos condições de construir a matriz de Fock (também de

ELUMO

ordem zero):

EHOMO

1 0 3/2 0 5/2 0 o+e o=e o (25) Ft ^0h = Ht + Gt ^0h = e 0 4 0 1 0 5 Conforme dito anteriormente, como a base é ortonormal, temos que Fu = Ft . 4.6

Determinar os autovalores e autovetores

O próximo passo consiste em determinar os autovalores e autovetores da matriz Fu e obter novos coeficientes ( Cu ). Como ela já é uma matriz diagonal, é fácil ver que seus autovalores são:

0

L

x

Figura 1.  Níveis de energia do sistema após a convergência da energia. O “último” orbital ocupado HOMO com energia EHOMO = 2,5 u.a. e o primeiro orbital desocupado (virtual) LUMO com energia ELUMO = 5,0 u.a. (u.a. – unidades arbitrárias) 4.7

Converter C em Ĉ e calcular uma nova matriz densidade (D)

Novamente, como a base é ortonormal, temos que Cu = Ct . Além disso, por estarmos utilizando a

λ1 = 5/2 e λ2 = 5/2. Para λ1 = 5/2 obtemos o auto= Cu11 1= e Cu 21 0 . vetor (coeficientes da expansão) = Cu12 0= e Cu 22 1 . Note que, Já para λ2 = 5 obtemos

versão restrita do método (RHFR), alocamos os

por utilizarmos dois elementos na base B, todas as

conta apenas orbitais espaciais (duplamente) ocu-

matrizes são de tamanho 2x2. Consequentemente, têm-se dois autovalores e dois autovetores que, por sua vez, correspondem a dois níveis de energia e dois orbitais espaciais nos quais podem ser alocados até dois elétrons em cada um deles. Como nosso sistema possui apenas dois elétrons, ambos serão colocados no orbital espacial de menor energia. Por este ser o orbital ocupado com a energia

dois elétrons no nível de energia mais baixo. Como a matriz densidade é construída levando-se em pados, só os coeficientes dos orbitais ocupados são levados em consideração para o cálculo da nova matriz densidade (ordem um). Assim, vemos, que após o primeiro ciclo iterativo, a nova matriz den2 0 ^1 h o que, coincidentemente, sidade fica: Dt = e 0 0 corresponde a nossa matriz tentativa (ordem zero).

Calcular a energia total do sistema

mais alta – o único neste caso –, ele é denominado

4.8

HOMO, do inglês Highest Occupied Molecular

Conforme visto anteriormente, a ERHF pode ser

Orbital. Já o orbital espacial de maior energia,

calculada através da equação 11, resultando em:

por não possuir elétrons, é usualmente chamado de orbital virtual. Logo, assim como no caso do HOMO, por ser o orbital virtual de mais baixa

ERHF =

2 0 1 0 5/2 0 7 1 o=e o+e oG3 = Tr ) e (26) 0 0 0 4 0 5 2 2

energia (também o único neste caso), é chamado de

Aqui, vale salientar que a energia total do sis-

LUMO, do inglês Lowest Unoccupied Molecular

tema não corresponde, simplesmente, ao menor

18

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Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

valor da energia do orbital espacial multiplicado

inicial dado para os coeficientes que compõem a

por dois (já que ele é duplamente ocupado). Note

matriz densidade. Em outras palavras, o sistema

que, se assim o fosse, estaríamos considerando a

converge para o valor mínimo de ERHF. Espera-se

interação elétron-elétron duas vezes.

que, quanto mais próximo o chute estiver da ‘solução correta’, menor será o número de itera-

4.9

Retornar ao item cinco, até que a energia total do passo anterior não difira significativamente do passo atual

ções realizadas para se chegar nela. Isso foi o que aconteceu no nosso exemplo: o chute foi certeiro. Contudo, para que não haja dúvidas acerca da

Neste exemplo em particular, vemos que,

afirmação anterior, desenvolvemos um programa

após um ciclo completo, a nova matriz densidade

simples (ver material suplementar) em linguagem

(primeira ordem) é idêntica à nossa primeira ten-

Octave, que realiza todos os passos (de 1 até 9,

tativa (ordem zero). Em outras palavras, vemos

para uma base ortonormal) do método. Essas ite-

que nosso ‘chute’ foi certeiro. Logo, se fossemos

rações vão se repetindo até que se obtenham os

adiante com o método, as demais iterações ‘con-

autovalores e os autovetores para a energia (ERHF)

vergiriam’ para o mesmo resultado. Assim sendo,

mínima. Posteriormente, seguem as Tabelas 1 e 2,

após a etapa 8, podemos encerrar o processo e afir-

cada uma contendo um chute inicial distinto para a

mar que este convergiu.

matriz densidade de ordem zero. Nas linhas “cada

campo autoconsistente é que o resultado final

tabela”, colocamos os resultados das matrizes Dt , εt e Ct , além da energia total (ERHF), para algu-

sempre será o mesmo, não importando o chute

mas iterações.

Talvez, o fato mais intrigante do método do

= = Tabela 1.  Outra tentativa inicial para construção da matriz densidade de ordem zero com C11 1/ 2 e C 21 1/ 2 . Iteração

Matriz D

Matriz F

Matriz ε

ERHF (u.a.)

n=1

11 e o 11

2, 2500 1, 0000 e o 1, 0000 5, 2500

1, 9472 0 e o 0 5, 5528

7,2500

n=2

1, 8320 - 0, 5547 e o - 0, 5547 0, 1679

2, 4580 - 0, 5547 e o - 0, 5547 5, 0419

e

2, 3440 0 o 0 5, 1560

4,2346

n = 11

1, 9989 - 0, 0454 e o - 0, 0454 0, 0010

2, 4996 0, 0569 o 0, 0569 5, 0004

e

2, 4983 0 o 0 5, 0017

3,5073

2, 5 0 o 0 5

3,5000

n = 28

e

2 0 o 0 0

e

e

2, 5 0 o 0 5

e

= = Tabela 2.  Mais uma tentativa inicial para construção da matriz densidade de ordem zero com: C11 3/ 10 e C 21 1/ 10 . Iteração

Matriz D

Matriz F

Matriz ε

ERHF (u.a.)

n=1

1, 8000 0, 6000 e o 0, 6000 0, 2000

2, 4500 0, 6000 e o 0, 6000 5, 0500

2, 3182 0 e o 0 5, 1818

4,3700

n=2

1, 9079 - 0, 4190 e o - 0, 4190 0, 0920

2, 4769 - 0, 4190 e o - 0, 4190 5, 0230

2, 4098 0 o 0 5, 0902

3,9078

n = 16

1, 9999 0, 0012 e o 0, 0012 0

2, 4999 - 0, 0151 e o 5 - 0, 0151

2, 4999 0 o 0 5, 001

3,5008

2, 5 0 o 0 5

3,5000

n = 25

e

2 0 o 0 0

e

2, 5 0 o 0 5

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e

e

e

19


Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

5

o limite-HF, energia de correlação, dentre outros,

Conclusão

podem ser explorados através de um modelo sim-

Através de uma escolha apropriada para o

ples no qual estudantes que dispõem de um curso

potencial de interação elétron-elétron, e das fun-

básico de cálculo podem realizar todas as etapas

ções de base, o método de Hartree-Fock pôde ser

do método sem grandes dificuldades.

implementado utilizando apenas funções matemáticas elementares (senos) que compõem a base a ser utilizada nas combinações lineares dos orbitais espaciais do nosso sistema. A solução da equação de Schrödinger de uma partícula confinada em um poço unidimensional constitui um dos primeiros modelos a serem estudados por alunos em mecânica quântica. Este modelo evita técnicas especiais de solução de equações diferenciais e, consequentemente, as autofunções obtidas em sua solução não são compostas por funções especiais. Ao se evitar a utilização de funções especiais nas etapas do método HF, remove-se um obstáculo à aprendizagem deste importante método para estudantes que ainda não possuem o conhecimento dessas funções. Assim, para este estudante, o foco fica voltado ao método HF como um todo sem que haja lacunas decorrentes do processo de resolução de integrais complicadas. Além disso, nos casos em que o chute inicial exige muitas iterações até a convergência da energia total do sistema, o cálculo de autovalores e autovetores envolve uma matriz 2x2 facilitando o desenvolvimento de um programa computacional para o método HF. Outra vantagem de lidar com funções trigonométricas diz respeito ao número de elementos que a base possui e suas consequências. Com uma base contendo três elementos, por exemplo, apesar de um número bem maior de integrais a serem resolvidas, elas são familiares aos estudantes que possuem um curso básico de cálculo. O mesmo não se pode afirmar de uma base composta por funções especiais onde, neste caso, surgem impreterivelmente integrais envolvendo três harmônicos esféricos, inerentes aos sistemas atômicos e moleculares mais ‘reais’. Assim, conceitos como

20

6

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Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

ANEXO 1.  Material Suplementar Programa escrito em linguagem Octave, utilizado para construir as Tabelas 1 e 2 do texto disponível em http://quimicanova.sbq.org.br, na forma de arquivo PDF, com acesso livre. Os comentários do programa estão em itálico. % IMPLEMENTAÇÃO DO MÉTODO HARTREE FOCK RESTRITO %---------------------------------DEFINIÇÕES----------------------------------------------------% C(1) E C(2) = COEFICIENTES QUE COMPORÃO A MATRIZ DENSIDADE % C = MATRIZ DOS COEFICIENTES % D = MATRIZ DENSIDADE % H = HAMILTONIANO DE CAROÇO (ENVOLVENDO UM ELÉTRON) % Gpq = PARTE DO HAMILTONIANO ENVOLVENDO DOIS ELÉTRONS % F = MATRIZ DE FOCK (F=H+G) % EANT = ENERGIA CALCULADA NO CICLO AUTOCONSISTENTE ANTERIOR % E = ENERGIA CALCULADA NO CICLO AUTOCONSISTENTE ATUAL % Vijkl = INTEGRAIS DE COULOMB E TROCA (TABELA 2 DO TEXTO) % CICLO = NÚMERO DE CICLOS REALIZADOSDURANTE O PROCESSO %---------------------------------PROGRAMA----------------------------------------------------% AQUI REALIZAMOS O PRIMEIRO CHUTE DOS COEFICIENTE DA MATRIZ DENSIDADE (D) C=input(‘dê [C(1),C(2)]\n’) D=2.*(C*C’) % CONSTRUÇÃO DA MATRIZ (D) % VALORES DAS INTEGRAIS DE COULOMB E TROCA (DISPOSTOS NA TABELA 2 DO TEXTO) V1111=V2222=3/2; V1112=V1121=V1211=V2111=0; V1122=V2211=1; V1222=V2122=V2212=V2221=0; V1212=V1221=V2112=V2121=1; H=[1,0;0 4]; % MATRIZ REFERENTE AOS ELEMENTOS DO HAMILTONIANO DE CAROÇO (UM ELÉTRON) CONFORME A TABELA 1 NO TEXTO E=1 % AQUI CONSIDERAMOS A ENERGIA TOTAL DO SISTEMA (E) INICIAL DADO PELA EQUAÇÃO 11 CONSIDERANDO INICIALMNENTE A MATRIZ DE FOCK COMO SENDO NULA (F = 0) CICLO=0 do EANT=E D1=[D(1,1),D(1,2)]; % PRIMEIRA LINHA DA MATRIZ DENSIDADE D2=[D(2,1),D(2,2)]; % SEGUNDA LINHA DA MATRIZ DENSIDADE % DESENVOLVIMENTO DA MATRIZ DE ELEMENTOS Gpq V1=[V1111-0.5*V1111;V1121-0.5*V1121]; % PARA SIMPLIFICAR OS CÁLCULOS E A LEITURA DO PROGRAMA SEPARAMOS A EXPRESSÃO DA MATRIZ (G) EM DUAS PARCELAS V1 E V2 PARA G11, V3 E V4 PARA G12 E ASSIM POR DIANTE. V2=[V1121-0.5*V1211;V1122-0.5*V1221] G11=D1*V1+D2*V2; V3=[V1211-0.5*V1121;V1221-0.5*V1122]; V4=[V1212-0.5*V1212;V1222-0.5*V1222]; G12=D1*V3+D2*V4; V5=[V2111-0.5*V2111;V2121-0.5*V2121];

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Evitando Funções Especiais no Método de Hartree-Fock

V6=[V2112-0.5*V2211;V2122-0.5*V2221]; G21=D1*V5+D2*V6; V7=[V2211-0.5*V2112;V2212-0.5*V2122]; V8=[V2221-0.5*V2212;V2222-0.5*V2222]; G22=D1*V7+D2*V8; Gpq=[G11 G12;G21 G22] % AQUI CONSTRUÍMOS A MATRIZ G PRÓPRIAMENTE DITA F=H+Gpq %CONSTRUÇÃO DA MATRIZ DE FOCK F [R M]=eig(F) % AQUI NÓS DIAGONALIZAMOS A MATRIZ DE FOCK OBTENDO OS AUTOVALORES (M) E AUTOVETORES (R) P=D*(F+H) %AQUI MONTAMOS A MATRIZ P DA QUAL CALCULAREMOS A ENERGIA TOTAL DO SISTEMA, OU SEJA, O TRAÇO DA MATRIZ P DIVIDIDO PELO FATOR 0.5 CONFORME A EQUAÇÃO 11 DO TEXTO. E=0.5*(P(1,1)+P(2,2)) % CALCULO DA ENERGIA E (TRAÇO DA MATRIZ P) K=[R(1,1);R(2,1)] % CÁLCULO DOS NOVOS AUTOVETORES D=2*(K*K’) % AQUI REALIZAMOS A MONTAGEM DA NOVA MATRIZ DENSIDADE OBTIDA A PARTIR DO CÁLCULO DOS NOVOS AUTOVETORES (K) CICLO=CICLO+1 until ((EANT-E)<0.0001) % O CRITÉRIO DE PARADA CONSISTE EM VER SE A DIFERENÇA ENTRE A ENERGIA CALCULADA NESTE CICLO (E) E A ENERGIA CALCULADA NO CICLO ANTERIOR (EANT) É MENOR QUE 0.0001.

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Artigo 02 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

p. 24-31

Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental Educational Workshops: water quality index and environmental protection Marluce Teixeira Andrade Queiroz1, Leonardo Ramos Paes de Lima1, Millor Godoy Sabará2, Mônica Maria Diniz Leão3, Camila Costa Amorim4 e Carolina Andrade Queiroz5

Resumo O trabalho mostra os resultados alcançados em oficinas educativas direcionadas para o entendimento dos parâmetros relativos à qualidade da água. O público-alvo constituiu-se em alunos do ensino profissionalizante de escola pública localizada em Coronel Fabriciano, Minas Gerais, Brasil. Argumentou em favor da educação sedimentada no contexto socioambiental do indivíduo, como estratégia construtiva, favorecendo a proteção do Ribeirão Caladinho. Para analisar o desempenho do trabalho, foram aplicados testes em turmas de tratamento (1A e 1C), com atividades práticas e uma turma controle (1B) que participou apenas das aulas teóricas. A análise dos resultados com Teste “t student” indicou que as diferenças apresentadas entre as turmas 1B/1A e 1B/1C foram significativas (p < 0,05), já as diferenças entre 1A/1C não foram significativas (p > 0,05), comprovando que as turmas com aulas em laboratório alcançaram melhor entendimento. Reconheceu-se a relevância das atividades práticas no estudo da ciência, facilitando a compreensão das alterações existentes no mundo e oportunizando a proatividade em relação aos problemas contemporâneos. Palavras-chave: Educação; Qualidade da água; Proteção ambiental; Cidadania. 1. Centro Universitário do Leste de Minas Gerais (Unileste). 2. Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), Unidade de João Monlevade. 3. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Escola de Engenharia, Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental. 4. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 5. Universidade Federal de Viçosa (UFV).


Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

Abstract The work presents the results achieved in educational workshops directed towards an understanding of the parameters relating to water quality. The audience consisted of students in vocational education public school located in Coronel Fabriciano, Minas Gerais, Brasil. Argued in favor of sedimented education in socio-environmental context of the individual as a constructive strategy, favoring the protection of Ribeirão Caladinho. To analyze the work performance tests were applied to treatment groups (1A and 1C), with practical activities and a control class (1B) that participated only in the lectures. The analysis of the test results with “student t” indicated that the differences observed between these groups and 1B/1A 1B/1C were significant (p < 0.05) differences between 1A/1C were no longer significant (p > 0, 05), proving that students with laboratory classes achieved better understanding. The importance of the practices in the study of science was recognized by facilitating the understanding of the changes in the world, providing proactivity opportunities in relation to contemporary problems. Key-words: Education; Water quality; Environmental protection; Citizenship.

1

Introdução

planeta associa-se, obrigatoriamente, à inclusão da formação ambiental no ensino fundamental, médio

A reflexão sobre as práticas sociais, em um

e superior. No entanto, as dificuldades encontradas

contexto marcado pela degradação dos recursos

se relacionam, dentre outros aspectos, com a estru-

naturais, requer articulação que promova a pro-

turação da prática pedagógica e as discrepâncias

dução de sentidos sobre a relevância da educação

quanto ao nível de percepção do público-alvo, exi-

ambiental continuada (Echeverría et al., 2012).

gindo a busca de metodologias inovadoras e profí-

As demandas atuais exigem que os atores

cuas (Gentili, 2012).

sociais apresentem sólida formação cognitiva e

Observa-se que o ensino tradicional, abstrato

competências diversas, oportunizando conheci-

e compartimentado, não propicia a análise da

mento, formação de habilidades e atitudes que

realidade associada à identificação dos agravos

permitam observar, utilizar e, fundamentalmente,

ambientais. Além disso, no processo educacional

compreender, ainda que de maneira incipiente, o

não se nota a incorporação da temática de uma

acelerado desenvolvimento dessa sociedade tecno-

forma interdisciplinar, e apesar das recomenda-

lógica e os impactos negativos associados (Kassab

ções oficiais, esta responsabilidade fica restrita,

et al., 2012).

geralmente, apenas aos professores de ciências

Assim, o espaço que a educação ocupa na atu-

(Gomes et al., 2013). Sendo assim, fica o questio-

alidade é extremamente importante, pois lança luz

namento: como sensibilizar e motivar as pessoas

às incertezas que a crise mundial impôs aos seres

para o exercício da cidadania em relação ao meio

humanos, propiciando o desenvolvimento de uma

ambiente?

mentalidade baseada em fundamentos socioam-

A ambivalência nesse percurso exige enfreta-

bientais, nutrindo, em cada indivíduo, o respeito

mento árduo e aprimoramentos. Afora esses pro-

pela natureza, e percebendo-se como parte indisso-

blemas de base, é preciso buscar alternativas para

ciável do ecossistema (Ferrer et al., 2012).

dirimir os dificultadores regionais específicos,

Além disso, diversos estudos pontuam que

viabilizando práticas governamentais que possam

qualquer projeção em relação à sustentabilidade do

contribuir para a minoração dos efeitos adversos

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Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

da poluição. Cabe aí, a valorização do papel social

disso, entender o signficado e construção do IQA,

e político do indivíduo em sua comunidade, com

com atividades práticas, promove o envolvimento

destaque para os educadores que não devem se

do aluno, oportunizando que o conhecimento seja

limitar apenas em transmitir informações aos edu-

construído concretamente, promovendo a mudança

candos, mas capacitados para estimular a refle-

conceitual (Possavatz et al., 2014).

xão ética como uma premissa irrefutável (Victor; Gomez, 2013).

Desse modo, o objetivo deste trabalho constituiu-se em apresentar os resultados obtidos

Sendo assim, o ensino deve ser didático, via-

na realização de uma Oficina Educativa (OE) extra-

bilizando discussões pertinentes aos três quesitos

curricular sobre a referida temática, baseada nas

básicos: tecnologia, qualidade de vida e preser-

análises físico-químicas das amostras provenien-

vação ambiental. Nessa premissa são estimula-

tes do Ribeirão Caladinho, Coronel Fabriciano, e

das ações para minimizar a degradação do solo,

Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba (BHRP),

poluição das águas e contaminação do ar. Dessa

Minas Gerais. As atividades foram direcionadas

maneira, desencadeia-se o entendimento da dinâ-

para alunos do ensino médio oriundos de escola

mica ambiental e suas repercussões sobre o bem-

pública, localizada em Coronel Fabriciano, e apli-

-estar público (Luzzi, 2012).

cada por docentes e discentes vinculados aos pro-

Nessa perspectiva, a ação educativa deve

jetos de extensão do Centro Universitário do Leste

incorporar diferentes linguagens, informal e cien-

de Minas Gerais (Unileste – MG). Inicialmente, em

tífica, oportunizando o entendimento de conceitos

sala de aula, foram desenvolvidos os conceitos teó-

científicos fundamentais, tais como a questão do

ricos pertinentes ao IQA. Apresentou-se também a

Índice de Qualidade da Água (IQA). Trata-se de

estruturação do trabalho e forma de avaliação.

um balizador extremamente importante, desenvol-

Segundo Akil et al. (2012), as metodologias

vido para avaliar a água bruta e visando seu uso

aplicadas para o desenvolvimento da educação

para o abastecimento público, após tratamento.

ambiental devem ser encaradas como um labora-

Os parâmetros utilizados no cálculo do IQA são,

tório. Os pesquisadores enfatizam que as práticas

em sua maioria, indicadores de contaminação

vivenciadas devem ser disponibilizadas, contri-

causada pelo lançamento de esgotos domésticos.

buindo para o enfrentamento dos desafios atuais

Ele apresenta limitações, já que não inclui vários

pertinentes à apatia dos discentes, mediante a valo-

parâmetros igualmente significativos, tais como

ração dos ensinamentos, explicitando a sua apli-

substâncias tóxicas – ex: metais pesados, pestici-

cabilidade em seu cotidiano. Sendo assim, estudar

das, compostos orgânicos –, protozoários patogê-

os problemas ambientais regionais favorece abor-

nicos e substâncias que interferem nas proprieda-

dagens concretas de mudanças na comunidade

des organolépticas da água (Meireles et al., 2010).

que as vivencia (Ireland, 2014). Dessa maneira, a

Entretanto, Güntzel et al. (2012) pontuam que ana-

divulgação dos resultados desse estudo oportuniza

lisar os resultados do IQA nos remete ao saber sis-

o delineamento de outras ações educacionais

têmico e contextualizado, na medida que leva aos

similares, buscando, sobretudo, contribuir para a

questionamentos instigantes entre a relação do uso

construção de um saber mais sistêmico e contex-

do corpo aquático com as suas distorções, opor-

tualizado, potencializando, entre os atores sociais,

tunizando a interseção entre uma multiplicidade

a adoção de uma postura proativa em relação aos

de saberes (científicos e socioambientais). Além

problemas ambientais.

26

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Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

2

períodos seco e chuvoso. Os discentes dos subgru-

Materiais e métodos 2.1

pos (A,C), além das aulas teóricas, participaram das coletas e dos procedimentos analíticos; por

Área de estudo e amostragem

outro lado, o grupo de controle (B) ficou limitado

O município de Coronel Fabriciano possui área

às aulas expositivas dialogadas. As amostras de

total de 220 km2 e abriga cerca de 104.000 habi-

água foram coletadas em recipientes de vidro de

tantes, 97,8% na zona urbana. A cidade integra a

cor âmbar esterilizados. Imediatamente antes da

Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA)

coleta os recipientes foram ambientados três vezes

que

predominantemente

com as águas em estudo. Em seguida, os frascos

industrial, com a presença de siderurgias e de cur-

foram mergulhados no rio e virados, lentamente,

tumes, dentre outras fontes poluidoras estacioná-

no sentido contra a corrente, até serem completa-

rias (IBGE, 2012). O Ribeirão Caladinho possui

mente preenchidos. Os procedimentos de coleta

12 km de extensão e está localizado integralmente

envolveram a utilização de luvas para reduzir o

naquela cidade, passando pela região central e

risco de contaminação. As amostras foram acon-

desaguando no Rio Piracicaba, um dos principais

dicionadas em caixas de isopor, contendo blocos

cursos d’água da Bacia Hidrográfica do Rio Doce

de gelo, durante todo o período da campanha. As

– Minas Gerais – BHRD – MG (ANA, 2014).

subamostras para cada análise, ou conjunto destas,

apresenta

economia

Inicialmente, selecionaram-se três pontos de

foram separadas em frascos de polietileno, que,

amostragem no Ribeirão Caladinho: nascente (P1);

por sua vez, foram identificados e mantidos refri-

região central (P2); e foz (P3). Cabe destacar que,

gerados à 4 ºC (APHA, 2005).

no ponto P2, havia um reservatório de acumulação,

Os parâmetros mensurados são mostrados

objetivando garantir o abastecimento público, o

na Tabela 1. As análises realizadas seguiram os

que contribuía para a formação de um ambiente

procedimentos propostos pela American Public

lêntico nesse trecho.

Health Association (APHA, 2005).

2.2

Oficinas

2.3

Índice de Qualidade da Água (IQA)

Foram realizadas quatorze oficinas, com

Os achados desse estudo foram utilizados para

frequência mensal, no período de julho de 2011

avaliação do Índice de Qualidade da Água (IQA).

a julho de 2012, com o intuito de abranger os

Trata-se de um balizador determinado por meio

Tabela 1.  Parâmetros monitorados, métodos de análise, peso atribuído, no IQA. Parâmetro

Método

APHA (2005)

CT

Tubos múltiplos

9221 E

Peso Atribuído 0,15

DBO5

Diluição e incubação por 5 dias

5210 B

0,12

Ptotal

Método Vanadomobilídico

AT100

0,10

Ntotal

Método de Kjeldhall

4500 N-org B

0,10

OD

Eletrométrico

4500 H+B

0,17

pH

Eletrométrico

4500 O-G

STD

Gravimétrico

2540

Temperatura

Termômetro de mercúrio

2550 B

0,08 0,10

Turbidez

Nefelometria

2130 B

0,08

Fonte:  Agência Nacional das Águas (ANA), 2014.

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Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

de resultados de análises das características físi-

3

cas, químicas e biológicas da água, resultantes da

Resultados e discussão

composição de nove parâmetros: coliformes ter-

3.1

motolerantes (CT); pH; demanda bioquímica de

Qualidade da água do Ribeirão Caladinho

oxigênio (DBO5); fósforo total (Ptotal); nitrogênio

Verificou-se, in loco, que o Ribeirão Caladinho

total (Ntotal); oxigênio dissolvido (OD); pH; sóli-

se encontra em uma bacia sanitariamente despro-

dos totais dissolvidos (STD); temperatura e tur-

tegida e sob forte influência das atividades antró-

bidez, sendo atribuídos pesos, respectivamente,

picas. O distrito industrial de Coronel Fabriciano

0,17; 0,15; 0,12; 0,10; 0,10; 0,10; 0,10; 0,08 e 0,08

se localiza na região Oeste e ocupa uma área de

(Tabela 2). Os valores de IQA variam de 0 a 100

183.000 m2, abarcando 38 empresas de diferentes

e o nível de qualidade da água é avaliado como

segmentos econômicos (Minas Gerais, 2012),

excelente (90 < IQA ≤ 100), bom (70 < IQA ≤ 90),

e tornando o curso d’água sujeito à descarga de

médio (50 < IQA ≤ 70), ruim (25 < IQA ≤ 50) e

efluentes bastante distintos.

muito ruim 0 < IQA ≤ 25, para o estado de Minas

Os dados obtidos indicaram a necessidade de

Gerais (MG), Brasil (ANA, 2014). 2.4

ações de proteção do manancial, principalmente em relação à nascente (P1). Nesta região, as ativi-

Tratamento dos dados

dades poluidoras identificadas nos trechos à mon-

A análise das competências e habilidades dos

tante dos pontos de amostragem são consonantes

discentes frente aos conteúdos desenvolvidos nas

com a pior qualidade da água, sendo constatadas

Oficinas Educativas (OE) foi testada através de

evidências de pastio de animais (bovinos, suínos,

teste teórico elaborado por docentes e aplicado

equinos, entre outros), disposição inadequada de

por discentes do Centro Universitário do Leste de

resíduos sólidos e mata ciliar degradada. Na região

Minas Gerais (Unileste-MG), integrantes dos pro-

central P2 e na foz P3 constatamos a disposição

jetos de extensão universitária. Os resultados des-

inadequada de resíduos sólidos domiciliares, cons-

tas avaliações foram aferidos e tabulados, levando

truções precárias, irrigação de culturas arbóreas,

em consideração as turmas de tratamento (1A e

erosão nas margens do ribeirão e crianças em con-

1C), que acompanharam as atividades práticas, e

tato direto com a água.

uma turma controle (1B) que participou apenas das

O IQA (Figura 1) mostrou relação com o cená-

aulas teóricas. Para verificar a confiabilidade dos

rio de degradração no qual se encontra o Ribeirão

resultados, foi aplicado o Teste “t student”.

Caladinho. Foram identificados, em média,

80

IQA

60 40 P1 P2 P3

20 0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10 11 12 13 14 15 16 17

Amostra

Figura 1.  IQA do Ribeirão Caladinho nos pontos de amostragem (P1, P2 e P3).

28

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Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

IQA = 67,42 σ ± 0,367 em P1, IQA = 48,24 σ ±

dialogada, dentre outras. Destaca-se aí a relevân-

0,448 em P2, IQA = 42,18 σ ± 0,561 em P3.

cia da experimentação científica. Silva e Razuck

Verificou-se em P1 que a elevação na concen-

(2012) afirmam que as aulas de campo são requi-

tração de coliformes termolerantes representou o

sitos essenciais, possibilitando a melhor percepção

maior problema relativo ao IQA (Figura 1), nota-

dos discentes sobre o meio ambiente, através de

damente nos períodos com maior índice pluvio-

uma explicação mais didática, levando à aprendi-

métrico, associado à criação de animais em seu

zagem significativa.

entorno e uso irregular do reservatório pela popu-

Avaliação da oficina ambiental

lação. Além disso, verificou-se incremento nos

3.2

valores da DBO e Turbidez, apresentando correla-

A totalidade dos alunos foi submetida à avalia-

ção inversa, siginificativa, com o IQA. O aumento

ção em relação à temática do IQA, distribuída em

daquelas variáveis explicitou relação com o efeito

três turmas (A, B, C). As turmas de tratamento A

da degradação da mata ciliar.

e C participam das atividades práticas, enquanto

Os piores resultados de IQA em P2 e P3 (Figura

para a turma B (grupo de controle) as experimen-

1) mostraram relação com a redução da cobertura

tações laboratoriais não foram incluídas no plano

vegetal e incremento da antropização que acarre-

de aulas, sendo limitadas às exposições dialogadas

tava o lançamento de resídos domésticos no corpo

relativas ao conteúdo.

aquático. O estudo não contemplou a influência

Os testes consistiram em aplicar provas escri-

da poluição por defensivos agrícolas ou agentes

tas com questões fechadas para os grupos (A, B,

químicos específicos, tais como metais pesados;

C) com sequência diferenciada, mesmo grau de

todavia, torna plausível inferir-se essa condição,

dificuldade e conteúdo. A folha de resposta podia

frente ao desmatamento e a atividades agropecu-

ser respondida uma única vez, com uso de caneta,

árias, como precursora de algum grau de poluição

isenta de qualquer rasura. As respostas constituí-

nas águas do Ribeirão Caladinho (Assis; Timbó

ram um banco de dados, sendo a variável de inte-

Elmiro, 2013).

resse o número de acertos, formulando-se duas

O decréscimo do IQA pode ser atribuído às

hipóteses:

altas concentrações médias anuais de sólidos dis-

• H0: a aprendizagem com ou sem aula prá-

solvidos totais. Vale destacar que a BHRP está

tica alcança o mesmo efeito;

inserida, segundo o zoneamento hidrossedimento-

• H1: a aprendizagem com inclusão de aulas

lógico do Brasil, nas duas faixas com maiores con-

práticas aumentou o número de acertos.

centrações médias anuais de sólidos em suspensão do país, sendo acima de 150 mg.L-1 e 250 mg.L-1.

Após a correção para verificar a confiabilidade

Outro aspecto se relacionou com a precipitação

dos resultados, foi aplicado o Teste “t student”,

pluviométrica, cujo ciclo também varia espacial-

mostrando que as diferenças apresentadas entre

mente, podendo afetar os teores pertinentes aos

as turmas 1B/1A e 1B/1C foram significativas

indicadores físico-químicos nos rios (Meireles et

(p < 0,05). Já as diferenças entre 1A/1C não foram

al., 2010).

significativas (p > 0,05), o que comprova que as

A composição do IQA e a análise dos resulta-

turmas que participaram das atividades práticas

dos foram repassadas para os discentes, com uso

alcançaram um melhor nível de entendimento na

de ferramentas didáticas diversas, que incluíram

compreensão do IQA. Os dados utilizados estão

atividades práticas, estudo fotográfico, exposição

apresentados na Tabela 2.

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Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

Tabela 2.  Pontuação dos discentes. Pontuação

Turma B

(%)

Turma A

(%)

Turma C

10 ≤ P ≤ 9

8

10,67

32

42,67

30

(%) 40

8≤P≤7

9

12

24

33,33

28

37,34

6≤P≤5

28

37,33

10

13,33

9

12

4≤P≤3

14

18,67

9

10,67

7

9,33

2≤P≤0

16

21,33

0

0

1

1,33

Total

75

100

75

100

75

100

5 ≤ P ≤ 10

45

60

66

88

67

89,33

4≤P≤0

30

40

9

12

8

10,67

A estatística descritiva dos resultados mostrou

se buscou enfatizar a educação enquanto pro-

que a média de acertos na avaliação dos discentes

cesso permanente, cotidiano e coletivo pelo qual

que tiveram aulas práticas na faixa 10 ≤ P ≤ 9 atin-

agimos e refletimos, transformando a realidade e

giu para as turmas A e C, respectivamente, 42,67%

avançando através da cidania. A atividade se rela-

e 40%, enquanto, para a turma B, apenas 10,67%.

cionou com as profundas dicotomias que afetam o

O maior número de acertos para a turma B referiu-

homem contemporâneo. Atualmente, é raro que o

-se à faixa 6 ≤ P ≤ 5, que atingiu 37,33% dos parti-

indivíduo apresente plena consciência da sua par-

cipantes (Tabela 2).

ticipação como um elemento da natureza, posicio-

A formação alcançada expressa a importância

nando-se, muitas vezes, como um ser à parte, um

de investigar a concepção de professores em dife-

observador, explorador e dominador da mesma,

rentes níveis escolares, com relação ao conceito

buscando fundamentar suas ações equivocadas.

que atribuem à experimentação, bem como a rele-

Verifica-se aí a premência de uma mudança nessa

vância das aulas práticas, visando à construção do

visão de mundo.

conhecimento científico (Lima; Nuñez, 2013).

A alta receptividade dos discentes e docentes

Além disso, retrataram a necessidade quanto

participantes, e o nível de conscientização atingido,

a interação entre o instituto de ensino superior e

explicitado nos resultados, comprovaram que o

escolas do nível fundamental e médio, através do

ensino tradicional não é a melhor opção para a for-

desenvolvimento de projetos de extensão universi-

mação de uma cultura de proteção do meio ambiente.

tária, aproximando o corpo estudantil e desafiando

Isso reforça a necessidade da inclusão de aulas prá-

docentes para repensar suas práticas e concep-

ticas nas grades curriculares em todos os níveis.

ções. Os achados indicaram que o estudo prático

Certamente, não há dúvidas de que a abordagem

favorece a criticidade com base no entendimento

adotada atuou numa frente essencial ao desenvolvi-

técnico-científico (Barrios et al., 2012).

mento de uma gestão responsável dos recursos naturais. Destaca-se que o modelo utilizado na Oficina

4

Ambiental extrapolou os limites da mera transmis-

Conclusões

são de conhecimentos, favorecendo a formação da

A proposta da Oficina Ambiental foi promover

cidadania responsável nessa sociedade científica e

o entendimento quanto ao IQA e motivar a comu-

tecnológica que vivenciamos e aguçou a criticidade

nidade escolar para a gestão proativa em relação

dos participantes, contribuindo para direcioná-los na

à proteção das águas superficiais. Sendo assim,

valoração do ser humano e seu habitat.

30

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Oficinas Educativas: índice de qualidade da água e proteção ambiental

Reforça-se, também, a primordialidade da constância pertinente à integração entre instituição de pesquisa, escolas de ensino fundamental e médio e organizações governamentais, buscando relacionar a educação em ciência com os aspectos econômicos e éticos. Constatou-se que há necessidade de continuidade e aprofundamento das discussões. Ações pontuais perdem em eficácia, já que não contribuem satisfatoriamente para a formação de cidadãos críticos.

5

GENTILI, P. El dret a l’educació i les dinàmiques d’exclusió a Amèrica Llatina. Temps d’Educació, v. 43, p. 31-51, 2012. GOMES, M. M.; SELLES, S. E.; LOPES, A. C. Currículo de Ciências: estabilidade e mudança em livros didáticos. Educação e Pesquisa, USP, v. 39, p. 477-492, 2013. GÜNTZEL, A. M. et al. Cladocerans from gut contents of fishes associated to macrophytes from Taquari River Basin, MS, Brazil. Acta Limnologica Brasiliensia, v. 24, p. 97-102, 2012. IBGE. Censo Demográfico 2010, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http:// www.ibge.gov.br//>. Acesso em: 1 jun. 2014.

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Artigo 03 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

p. 32-45

Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica Identification and Treatment of Unknown Chemical Residues in Practical Classes of Analytical Chemistry Amanda Andressa da Silva1, Amanda Caroline Pereira1, Antonio César Teixeira de Toledo2 e Juliano Schimiguel3

Resumo Resíduos químicos são classificados como sendo soluções e/ou reagentes que já foram utilizados em algum tipo de processo (laboratorial, industrial, análise etc.), e que não podem ser reutilizados ou descartados sem o tratamento correspondente. Este artigo tem como objetivo geral a identificação e o tratamento de um resíduo desconhecido gerado em aulas laboratoriais ministradas em um centro universitário no interior do estado de São Paulo. O trabalho busca demonstrar quais foram os melhores métodos de identificação encontrados e qual o melhor tratamento e/ou descarte do resíduo para que não provoque danos ao meio ambiente e nenhum perigo à saúde pública. Palavras-chave: Tratamento; Resíduos químicos; Meio ambiente; Descarte de resíduo. Abstract Chemical residues are referred to as being solutions and/or reagents which have been used in some kind of process (laboratory, industrial, analysis, and others) 1. Aluna de Engenharia Química, Centro Universitário Anchieta, Jundiaí-SP. 2. Professor Mestre no Centro Universitário Anchieta, Jundiaí-SP. 3. Professor Doutor no Centro Universitário Anchieta, Jundiaí-SP, Universidade Nove de Julho, São Paulo-SP e Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo-SP.


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

and can not be reused or discarded without a corresponding treatment. This paper has as main goal the identification and treatment of an unknown waste generated in laboratory classes in a university in the state of São Paulo. The paper emphasizes the best methods of identification and focus the best treatment and/or disposal of waste that does not cause damage to the environment and no danger to public health. Key-words: Processing; Chemical waste; Environment; Waste discard.

1

A Ficha de Inventário de Resíduo serve de

Introdução

suporte para o correto armazenamento e tratamento,

Resíduos químicos podem ser reconhecidos

e é principalmente utilizada nas IES, como forma

como sendo soluções e/ou reagentes que já foram

de evitar o acúmulo de grandes quantidades de resí-

utilizados em algum tipo de processo, e não podem

duos sem identificação armazenados. Nesta ficha há

ser reutilizados ou descartados sem um tratamento

dados importantes como tipo de aula ou processo

adequado.

utilizado, identificação e quantidades de reagentes

Os

decretos

estaduais

8.468/1976

e

e produtos utilizados, responsável técnico pela aula,

10.755/1997 estabelecem os limites permitidos

resíduos prováveis gerados e tratamento indicado

para o descarte de determinadas substâncias em

para eliminação ou recuperação do resíduo.

rede de esgoto, e determinam especificações para

Quando não há uma Ficha de Inventário de

o descarte correto, tais como, cor, odor, presença

Resíduo, ou nenhum tipo de identificação o pro-

de metais, entre outros.

cesso de tratamento fica mais difícil e esta identifi-

A CETESB (Companhia de Tecnologia de

cação demanda muito tempo, pesquisa e trabalho,

Saneamento Ambiental) apresenta um site com

por isso a importância da Ficha de Inventário de

todas as Fichas de Informação de Segurança de

Resíduo.

4

Produtos Químicos – FISPQ.

Além da Ficha de Inventário de Resíduo, a

A FISPQ é uma ficha com todos os dados sobre

rotulagem é uma forma de evitar o armazenamento

determinado produto químico, ao todo são 16

e/ou descarte inadequado de determinado resí-

seções: identificação de perigos, manuseio e arma-

duo. Esta rotulagem pode ser feita de acordo com

zenamento, estabilidade e reatividade, considera-

uma classificação elaborada pela NFPA (National

ções sobre tratamento e disposição, entre outras. A

Fire Protection Association), que desenvolveu o

FISPQ de determinado produto pode ajudar muito

Diagrama de Hommel, em que há quatro divisões

para saber qual o melhor método de descarte.

com cores e variações diferentes:

Atualmente diversas IES (Instituições de

• Riscos a saúde (azul), com variação de:

Ensino Superior), apresentam um grande problema

4 – letal; 3 – muito perigoso; 2 – perigoso;

com a superlotação de resíduos não identificados.

1 – leve e 0 – material normal.

Este problema poderia ser evitado com uma ade-

• Inflamabilidade (vermelho), com varia-

quada identificação tão logo o resíduo seja gerado,

ção de: 4 – abaixo de 23 ºC; 3 – abaixo de

e esta identificação pode ser feita por meio de uma

38 ºC; 2 – abaixo de 93 ºC; 1 – acima de

Ficha de Inventário de Resíduo.

93 ºC e 0 – não queima. • Reatividade (azul), com variação de: 4 –

4. <sistemasinter.cetesb.sp.gov.br/produtos/produto_consulta_completa.asp>.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

pode explodir; 3 – pode explodir com choque mecânico ou calor; 2 – reação química

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Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

violenta; 1 – instável se aquecido e 0 –

cio significativo de gestão laboratorial, pela não

estável.

necessidade de aquisição de novos produtos, e

• Riscos específicos (branco), com varia-

para destinação adequada dos passivos gerados,

ção de: OX – oxidante; ACID – ácido;

focando o reaproveitamento.

ALK – álcali (base); COR – corrosivo e

No artigo de Tavares e Bendassoli (2005), os

W – não misture com água.

mesmos detalham as principais etapas da implementação do PGRQ-CENA/USP (Programa de

Além do Diagrama de Hommel, um rótulo de

Gerenciamento de Resíduos Químicos e Águas

resíduo ainda conta com dados importantes como:

Servidas nos Laboratórios de Ensino e Pesquisa do

produto/resíduo principal; produtos secundários;

CENA/USP), funcionando como um guia para que

usuário; procedência e data.

outras unidades sigam os mesmos passos, dando

O trabalho a seguir demonstra como o pro-

ênfase a questão financeira, que fomenta as toma-

cesso de identificação de resíduos sem o auxílio

das de decisão. Essa metodologia envolve a gestão

de uma Ficha de Inventário de Resíduo, ou rotu-

de resíduos líquidos, gestão de resíduos sólidos e

lagem adequada, pode se tornar trabalhoso. São

semissólidos, gestão de resíduos gasosos, e gestão

apresentados também as tratativas corretas para o

de águas servidas. Para os autores, além do retorno

tratamento adequado de um resíduo para descarte

ambiental, muitos dos procedimentos desenvolvidos

em rede de esgoto sem danos ao meio ambiente,

propiciam consideráveis retornos financeiros, o que

bem como propostas para recuperação e reutiliza-

em curto prazo compensa o investimento inicial. Santos et al. (2000), objetivam verificar a via-

ção em alguns casos. Este artigo tem como objetivo geral a identi-

bilidade da utilização do resíduo lodo, como maté-

ficação e o tratamento de um resíduo desconhe-

ria-prima na produção de componentes cerâmicos

cido gerado em aulas laboratoriais ministradas em

para a construção civil. O projeto originou-se

um Centro Universitário no interior do estado de

de uma parceria da Universidade com o Serviço

São Paulo (UNIANCHIETA). O trabalho busca

Municipal de Água e Esgoto da cidade. No projeto,

demonstrar quais foram os melhores métodos de

foram realizadas algumas atividades: estimativa da

identificação encontrados e qual o melhor trata-

quantidade de geração de resíduo, caracterização

mento e/ou descarte do resíduo para que não pro-

química do resíduo, caracterização mineralógica,

voque danos ao meio ambiente e nenhum perigo a

caracterização de resíduos sólidos etc.

saúde pública. Nos trabalhos de Afonso et al. (2005), buscou-se relatar os resultados dos estudos de caracteriza-

2

Metodologia

ção e análise de materiais sem identificação encon-

Nas primeiras aulas da disciplina Química

trados em inventários de instituições de ensino e

Analítica Qualitativa os alunos realizaram alguns

também de pesquisa. Nesse trabalho, levou-se em

experimentos para identificação e separação de

consideração que existia uma grande quantidade

grupos de cátions e ânions presentes em soluções

de reagentes, e que após a caracterização, a quan-

conhecidas e desconhecidas. Com esse embasa-

tidade de resíduos efetivamente destinada à inci-

mento teórico e técnico sobre os procedimentos

neração fosse enormemente reduzida. Segundo os

a serem adotados para tais situações, foram apli-

autores, este procedimento representa um exercí-

cados esses conhecimentos em uma situação real

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

e muito presente em instituições de ensino e na

escritos e apresentações orais, facilitando a estru-

indústria, os resíduos químicos em estoque.

turação de outros projetos, como por exemplo o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Um componente de avaliação da disciplina de Química Analítica Qualitativa é a participação dos

Os alunos realizaram pesquisa bibliográfica

grupos de laboratório no projeto de identificação,

em artigos científicos e em livros, que deveriam

tratamento, reciclagem e reúso de resíduos quí-

constar nas referências.

micos de laboratório. Dessa forma os alunos são

O desenvolvimento do trabalho deveria con-

convidados a vivenciar situações e problemas que

ter uma revisão bibliográfica incluindo defini-

exijam o uso do raciocínio lógico nas pesquisas em

ção de resíduos; tipos de resíduos; legislação em

busca de informações, nos registros das atividades

vigor; classificação; periculosidade; ficha; rótulo;

e que ajudem a promover a autonomia e a tomada

armazenamento; inventário. A Fase 1 consistia na

de decisões.

entrega de relatório com a descrição das principais

Com esse projeto foi possível realizar um traba-

características do resíduo pesquisado, que permi-

lho teórico e experimental, utilizando os conceitos

tiam a identificação dos prováveis componentes

previamente estudados para estimular habilidades e

predominantes no frasco. Além da identificação, os

competências do futuro profissional, estabelecidas

grupos deveriam pesquisar e apresentar uma meto-

nas Diretrizes Curriculares para os cursos de enge-

dologia de tratamento para esse resíduo, e para

nharia, como: realizar trabalhos em grupos; projetar

isto deveriam entregar uma ficha de metodologia e

e conduzir experimentos e interpretar resultados;

ficha de programação de aula para a solicitação dos

aplicar conhecimentos matemáticos, científicos,

materiais e reagentes. A Fase 2 consistiu na entrega

tecnológicos e instrumentais a engenharia química.

dos resultados do tratamento químico realizado.

O projeto da disciplina também estimula a intro-

No Quadro 1, elencamos uma caracterização

dução do aluno em pesquisa científica e o desen-

preliminar dos resíduos que foram tratados (Jardim,

volvimento de habilidades para organizar trabalhos

1998).

Quadro 1.  Caracterização preliminar dos resíduos que foram tratados no trabalho. Teste a ser realizado

Procedimento a ser seguido

Reatividade com água

Adição de uma gota de água e observação de provável formação de chama, geração de gás, ou qualquer outra reação violenta.

Inflamabilidade

Introdução de um bastão de cerâmica no resíduo deixando escorrer o excesso e aproximando de uma chama.

pH

Usar papel indicador ou peagâmetro

Carater Redox

É determinado através de dois ensaios em paralelo, em placa de toque: um com KI (agente redutor) + H2SO4 diluído e outro com KMnO4 (agente oxidante) + H2SO4 diluído.

Presença de halogênios

Com um fio de testes de chama limpo e previamente aquecido ao rubro no resíduo, leve à chama e observe a coloração: o verde indica a presença de Halogênios.

Solubilidade em água

Após o ensaio de reatividade, a solubilidade pode ser avaliada facilmente em placa de toque com poucas gotas.

Presença de sulfetos

Na amostra acidulada com HCl, o papel embebido em acetato de chumbo fica enegrecido quando na presença de sulfetos.

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Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

3

os procedimentos foram realizados em capela.

Estudo de caso

Com a adição de cada um dos reagentes podemos

Como procedimentos preliminares para iden-

observar os seguintes resultados: resíduo + ácido

tificação do resíduo, a amostra encontrava-se

acético (não houve alterações), resíduo + ácido

inicialmente sem rótulo adequado, dificultando

clorídrico (houve solubilidade em ácido clorídrico,

a identificação imediata. A única informação era

além da formação de gás), resíduo + ácido sulfú-

que se tratava de um resíduo laboratorial utilizado

rico (não houve alterações), resíduo + água régia

em aulas na instituição. O frasco continha cerca de

(houve dissolução quando adicionada quantidade

500 mL de resíduo com as seguintes características:

correspondente ao resíduo. Posteriormente quando

• Coloração

marrom-tijolo

quando

em

repouso, e amarelo amarronzado quando transferido para o tubo de ensaio;

adicionado reagente em excesso, o resíduo diluído retornou a coloração de origem. A amostra do resíduo tinha uma coloração

• Precipitado cinza-esverdeado;

marrom-tijolo, além disso, quando transportada de

• Coloração violeta no fundo da amostra;

um recipiente a outro apresentou uma coloração

• Um odor bem parecido com água de cloro

violeta. Esta coloração violeta presente no resíduo

foi percebido da amostra.

manchou tanto o recipiente de plástico quanto a pipeta o que nos sugeriu uma suspeita de presença

No ensaio de chama e de inflamabilidade, os

de iodo no resíduo analisado.

materiais utilizados foram bastão de cerâmica

No caráter redox, o material utilizado foi placa

e bico de Bunsen. No procedimento realizado, o

de toque. Os reagentes usados foram: KI + H2SO4

bastão de cerâmica foi umedecido no resíduo, em

diluído, e KMnO4 + H2SO4 diluído. No procedi-

seguida colocado sobre a chama do bico de Bunsen

mento realizado, em cada uma das placas de toque

e observamos que não ocorreu alteração.

foi adicionado uma mistura dos reagentes cor-

Na solubilidade e reatividade com a água, os

respondentes e a mesma quantidade do resíduo.

materiais utilizados foram tubo de ensaio, placa de

Como resultados obtidos, em nenhum dos dois tes-

toque e água destilada. No procedimento realizado,

tes houve alteração.

três gotas do resíduo foram adicionadas em um

No caso do pH, o material utilizado foi o peagâ-

tubo de ensaio juntamente com três gotas de água.

metro. No procedimento realizado, o eletrôdo foi

O mesmo procedimento foi realizado na placa de

mergulhado em uma porção de resíduo e o registro

toque e observamos que não houve nenhum tipo

do pH foi de 0,54, caracterizando uma solução em

de alteração, dissolução do precipitado ou indícios

meio ácido.

de reação.

No caso da presença de sulfetos, o material uti-

No teste de solubilidade com outros solventes,

lizado foi papel de filtro. Os reagentes utilizados

os materiais utilizados foram tubos de ensaios e

foram: ácido clorídrico e acetato de chumbo. No

capela. Os reagentes foram: ácido acético, ácido

procedimento realizado, a amostra foi acidulada

clorídrico, ácido sulfúrico e água régia (mistura

com HCl; no caso do resíduo analisado, a amos-

de ácido nítrico e ácido clorídrico). No procedi-

tra já encontrava-se ácida. Um pedaço de papel de

mento realizado em cada um dos tubos de ensaio

filtro foi embebido em acetato de chumbo e mer-

foram adicionadas algumas gotas do resíduo, pos-

gulhado na amostra. Como resultados obtidos, não

teriormente adicionou-se os reagentes citados na

observou-se alterações, descartando a presença de

fração de 1:1 (um reagente em cada tubo). Todos

sulfetos.

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Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

Como possíveis compostos do resíduo, após

Além do Iodeto, Brometo e Cloreto possi-

todos os experimentos realizados com auxilio de

velmente presente na amostra, nos atentamos ao

um roteiro de aula, pudemos prever que o resíduo

detalhe que no fundo do recipiente havia além da

poderia conter os seguintes compostos: (i) espécies

solução violeta um precipitado esverdeado, o que

redutoras e/ou metais nobres (I , Br , S , Fe , Ag e

nos sugeriu uma possível presença de Cromo na

Cu por exemplo) e (ii) metais alcalinos e alcalinos

amostra.

2–

2+

terrosos (NH , Al , Zn , Ni , Cr por exemplo). 4+

3.1

3+

2+

2+

No que diz respeito a separação de fases, um

3+

Confirmação da composição do resíduo

problema encontrado durante o processo de identificação de um resíduo heterogêneo é justamente

Após os testes de identificação da amostra con-

a presença de mais de uma fase. Isso porque

cluímos que tratava de um resíduo em meio ácido,

determinada substância (íons), pode se encontrar

provavelmente com água de cloro devido ao odor

somente em uma das fases e se não for feita a cor-

característico, e com presença de iodo no preci-

reta separação, a identificação pode apresentar

pitado devido a coloração violeta marcadas nos

erros. No caso em questão, havia um precipitado e

materiais de análise.

a fase líquida. O primeiro passo, portanto, antes de

Partindo do principio que havia iodo e água de cloro no resíduo, decidimos procurar aulas labo-

qualquer procedimento, foi a divisão entre a fase sólida e a líquida.

ratoriais, que além de utilizarem estes compostos,

Os materiais utilizados foram: tubos de ensaios,

ainda pudessem obter uma solução ‘resíduo’ com as

micropipeta e centrifuga. No procedimento reali-

mesmas características que a amostra em questão.

zado, o frasco com o resíduo foi agitado, logo em

Durante a pesquisa conseguimos o seguinte experimento realizado e o resultado obtido: [...] Oxidação dos íons brometo e iodeto: Ao adicionar a água de cloro na solução que continha íons brometo e íons iodeto, essa solução adquiriu uma coloração amarela, que é característica do cloreto. Mas com a adição do clorofórmio observou-se a formação de três fases, uma que manteve a cor amarela, outra (de densidade média) que obteve coloração esbranquiçada caracterizando a reação entre os íons brometo e o clorofórmio, e uma terceira fase (de maior densidade) que resultou em uma coloração rósea caracterizando a reação entre o clorofórmio e os íons iodeto. Oxidação do iodo: 1 – Ao adicionar água de cloro na solução de iodeto de potássio, essa adquiriu coloração amarela, característica do cloreto; conforme a reação abaixo: HClO + 2 KI + 2 HCl → 2 KCl + I2 + H2OHCl [...]5 5. Oxidação dos íons brometo e iodeto. Disponível em: <http:// www.trabalhosfeitos.com/ensaios/Oxida%C3%A7%C3% A3o-Dos-%C3%8Dons-Brometo-e-Iodeto/30812915.html>.

seguida foi pipetado cerca de 2,5 mL do resíduo e colocado no tubo de ensaio. O tubo foi acomodado na centrífuga e permaneceu lá por cerca de 5 minutos. Logo em seguida o líquido sobrenadante foi transferido para outro tubo de ensaio e registrado como R1, já o precipitado sólido permaneceu no seu tubo de ensaio de origem e foi denominado C1. Este mesmo processo foi realizado mais de uma vez de acordo com as necessidades de uso. Na identificação do Íon Iodeto6, os materiais utilizados foram: tubo de ensaio contendo o C1 (sólido) e bico de Bunsen. Como reagentes foi usado o ácido sulfúrico concentrado. No procedimento realizado, no tubo de ensaio C1 foram adicionadas algumas gotas de ácido sulfúrico concentrado, logo em seguida o tubo foi colocado em contato com a chama do bico de Bunsen. Como resultados obtidos, durante o aquecimento 6. “Ácido sulfúrico concentrado: com o iodeto sólido, o iodo é liberado; aquecendo, desprendem-se vapores de cor violeta [...]” (Vogel, 1981, p. 360).

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Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

observou-se a mudança de coloração da solução que se tornou marrom intensa, além da liberação de vapores violeta, conforme Figura 1:

A reação que ocorreu pode ser descrita: Cl– + Ag+ → AgCl Confirmando a presença de íons cloretos. Segundo Vogel (1981), o método de identificação do íon Brometo pode ser feito da seguinte maneira:

Figura 1.  Coloração da solução – que se tornou marrom forte.

A reação que ocorreu pode ser descrita por: I–(s) + 2 H2SO4 → I2 + SO2 + H2O + HSO4–(s)

Água de cloro: a adição gota a gota deste reagente a uma solução de um brometo libera bromo livre, que colore a solução de vermelho-laranja; se adicionarmos dissulfeto de carbono, clorofórmio ou tetracloreto de carbono (2 mL) e agitarmos o líquido, o bromo dissolve-se no solvente e, após um período de repouso, forma-se uma solução marrom avermelhada abaixo da camada aquosa incolor. Com excesso de água de cloro, o bromo converte-se em monocloreto de bromo amarelo ou em ácido hipobromoso ou ácido brômico incolores, resultando numa solução amarelo-pálida ou incolor (p. 358).

Os materiais utilizados foram: tubo de ensaio

Confirmando a presença de iodetos.

contendo o R1 (líquido). Os reagentes usados

No que diz respeito à identificação do Íon

foram: clorofórmio e água de cloro. Como proce-

Cloreto , o material utilizado foi o tubo de ensaio

dimento realizado, no tubo de ensaio R1, foram

contendo o R1 (líquido). Como reagentes utiliza-

adicionadas algumas gotas de água de cloro. Em

mos o nitrato de prata. Como procedimento rea-

seguida adicionaram-se algumas gotas de clorofór-

lizado, no tubo de ensaio R1, foram adicionadas

mio. O tubo foi agitado por alguns segundos e pos-

algumas gotas da solução de nitrato de prata. Como

teriormente deixado em repouso. Como resultados

resultados obtidos, assim que o nitrato de prata foi

obtidos, com a adição de água de cloro não houve

adicionado, houve a formação de um precipitado

nenhuma alteração visível, porém assim que adi-

branco, conforme Figura 2:

cionadas as gotas de clorofórmio, pôde-se notar a

7

formação de uma fase orgânica, que após agitação adquiriu coloração alaranjada, conforme Figura 3:

Figura 2.  Precipitado branco, formado a partir da adição de nitrato de prata. 7. “Solução de nitrato de prata: precipitado branco, floculento, de cloreto de prata, AgCl, insolúvel em água e em ácido nítrico diluído [...]” (Vogel, 1981, p. 355).

38

Figura 3.  Tubo com formação de fase orgânica.

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Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

A reação pode ser descrita por:

e logo em seguida entrou em contato com a chama. Nos resultados obtidos, o contato do filamento con-

2 Br– + Cl2↑ → Br2↑ + 2 Cl–

tendo o C1 com a chama do bico de Bunsen resul-

Br2 + Cl2↑ → 2 BrCl

tou em uma chama intensa de coloração vermelho – amarelado, confirmando a presença de Cálcio.

Confirmado a presença de brometos. Com relação a identificação do Íon Cromo III8 Adicione carbonato de sódio a uma solução de íons cromo III e verifique a formação de um precipitado verde-acinzentado de hidróxido de cromo III, com borbulhamento de gás carbônico [...] (Rocha, 1999).

3.2

Tratamento do resíduo

Como havia mais de uma fase no resíduo, o primeiro passo para o tratamento foi a separação do resíduo sólido (contendo Iodo e Cálcio) e o resíduo líquido (contendo íons Cloreto, Brometo e Cromo III). Os materiais utilizados foram: funil

Os materiais utilizados foram: tubo de ensaio

de Buchner, bomba a vácuo, anel de vedação,

contendo o R1 (líquido). O reagente foi o carbo-

Kitassato e papel de vidro. Após agitação, filtra-

nato de sódio. Como procedimento realizado, no

mos o resíduo com o auxilio do funil de Buchner e

tubo de ensaio R1, foram adicionadas algumas

após filtragem observamos um sólido presente no

gotas de carbonato de sódio. Após a reação o tubo

papel filtro e o resíduo líquido.

foi colocado em repouso. Como resultados obti-

De acordo com os testes realizados, no resíduo

dos, assim que adicionado algumas gotas de car-

sólido continha iodo e cálcio, muito provavel-

bonato de sódio, pôde-se notar a formação de gás

mente como iodeto de cálcio. O iodeto de cálcio

carbônico que enegreceu a solução, após a reação a

não apresenta literatura suficiente que nos mostre

solução ficou em repouso e notamos a presença de

o tratamento adequado, por isso acabamos por

precipitado verde-acinzentado bem claro.

transformá-lo em iodeto de potássio, que con-

A reação pode ser descrita por:

forme FISPQ (Ficha de Informação de Segurança

2 Cr3+(aq) + 3 CO32-(aq) + 3H2O → 2 Cr(OH)3(s) + 3CO2(g)

de Produtos Químicos) pode ser descartado em rede de esgoto depois de um tratamento adequado. Antes de realizar qualquer tipo de tratamento fize-

Confirmando a presença de cromo. Com relação a identificação do Íon Cálcio , os 9

materiais utilizados foram: tubo de ensaio contendo

mos a pesagem e verificamos que havia 1,03 gramas de resíduo sólido de iodo.

o C1 (sólido), bico de Bunsen, fósforos e filamento

Como todo o nosso resíduo encontrava-se no

de Platina. O reagente usado foi o ácido clorídrico

papel filtro, o mesmo foi colocado em um béquer,

diluído. No procedimento realizado, o filamento

e posteriormente adicionado 5 mL de hidróxido

de platina foi imerso primeiro no ácido clorídrico,

de potássio. Após esta adição, lavamos o restante

logo em seguida colocado em contato com a chama

do papel filtro com água destilada a fim de retirar

(para a limpeza do filamento). Já limpo, o filamento

qualquer tipo de resíduo do papel. Após a lavagem completa, o resíduo líquido

foi colocado dentro do tubo contendo o C1 (sólido),

apresentou pH ainda um pouco ácido. Para o ajuste 8. “Solução de carbonato de sódio: precipitado de hidróxido de cromo (III) [...]” (Vogel, 1981). 9. Ensaio por via seca – coloração da chama: os compostos voláteis de cálcio conferem uma cor vermelha amarelada à chama do bico de Bunsen [...] (Vogel, 1981).

apenas foram adicionadas algumas gotas de hidróxido de potássio. O pH foi ajustado para 7,07 (pH neutro). Conforme Figura 4:

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Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

respeitando-se os limites estabelecidos nos decretos estaduais 8.468/1976 e 10.755/1997.10

Porém no resíduo havia também a presença de Cromo III, que tem tratamento específico para descarte. O tratamento do Cromo III, consistia basicamente em adicionar NaOH, a fim de precipitar o Cromo, e depois por meio de um processo de aqueFigura 4.  Resíduo líquido. PH ajustado para 7,07 (PH neutro).

Após ajustado o pH o resíduo poderia ser descartado na pia. Porém a solução, embora neutra, encontrava-se com coloração amarelado esbranquiçado, por isso foi realizado o tratamento para retirada dessa coloração. A eliminação de cor pode ser feita por um processo simples com o uso de carvão ativado.

cimento e filtragem separar o cromo e armazená-lo para reutilização. Sais de Crômio (III): ajustar o pH entre 9-10 com NaOH 3,0 mol.L–1. Evaporar a solução quase a secura. Filtrar o precipitado. Verificar se a precipitação foi completa pela adição de uma quantidade adicional de NaOH ao filtrado. Repetir até não haver mais precipitado. O filtrado deve ser neutralizado e logo depois despejado no esgoto comum. O resíduo sólido deve ser guardado em frasco plástico.11

O carvão ativado é utilizado para a purificação de produtos, remoção de cores residuais, odores e contaminantes (Mucciacito, 2009).

contendo Cromo III foi a precipitação do mesmo

Os materiais utilizados foram: funil, papel de

No procedimento realizado, no resíduo líquido foi

filtro, suporte e garra de filtro e béquer. O rea-

adicionado cerca de 70 ml de Hidróxido de Sódio

gente foi carvão ativado em pó. No procedimento

a fim de obter um pH entre 9 e 10. A solução foi

realizado, o papel filtro foi acomodado no funil, e

deixada em repouso por alguns minutos. Como

em seguida adicionamos à solução uma pequena

resultados obtidos, o resíduo líquido estava inicial-

quantidade de carvão ativado em pó. O resíduo

mente com uma coloração marrom, e após a adição

foi filtrado lentamente. Como resultados obtidos,

de 70 ml de Hidróxido de Sódio notou-se que a

após a filtragem com o carvão ativado, o resíduo

solução enegreceu, ficando um verde acinzentado

ficou totalmente incolor, com pH neutro e sem

bem escuro. Após a adição do Hidróxido de Sódio,

odor.

verificou-se um pH de 9,09 (o ideal para o nosso

O primeiro passo para o tratamento do resíduo e o reagente utilizado foi o Hidróxido de Sódio.

Conforme análises realizadas, o resíduo sólido

tratamento).

apresentava íons Brometo, Cloreto e Cromo III,

Após 10 minutos em repouso percebemos que

além do Cálcio. O Brometo e o Cloreto juntamente

ocorreu a precipitação do Cromo. Como ainda

com o Cálcio, podiam ser descartados diretamente

haviam muitas partículas em suspensão, a solução

na pia. Conforme citação a seguir: Soluções aquosas de sais inorgânicos de metais alcalinos e alcalinos terrosos: NaCl, KCl, CaCl2, MgCl2, Na2SO4, MgSO4 e tampões PO43–, não contaminados com outros produtos, podem ser descartados diretamente na rede de esgoto,

40

10. Cartilha de orientação de descarte de resíduo no sistema FMUSP-HC/USP. Disponível em: <www2.fm.usp.br/gdc/ docs/cep_5_grss_2_cartilha.pdf>. 11. Gerenciamento de resíduos químicos – USP. Disponível em: <http://www.pcarp.usp.br/pages/lrq/pdf/normas_ gerenciamento.pdf>.

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Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

foi deixada por mais 30 minutos para a completa

Como resultados obtidos, adicionou-se hidróxido

precipitação do Cromo.

de sódio até que o pH estivesse em 12, porém não

De acordo com o procedimento, além da preci-

houve nenhuma alteração ou indícios de precipita-

pitação, é preciso aquecer o resíduo quase à secura,

ção; descartando assim a presença de mais Cromo

a fim de restar no recipiente apenas o cromo III, que

na solução.

pode ser armazenado para reutilização. Os mate-

Após a confirmação de que não havia mais

riais utilizados foram: recipiente com resíduo de

cromo na solução, o processo de tratamento foi

Cromo III já precipitado, bico de Bunsen, suporte

iniciado. Os materiais utilizados foram: peagâme-

para tela de amianto, tela de amianto e capela. No

tro, Funil, Suporte Universal, Garra para funil e

procedimento realizado, o recipiente que já tinha o

Papel filtro. Os reagentes foram: Ácido Clorídrico

precipitado de Cromo III, foi aquecido sobre a tela

3 mol/L e Carvão ativado em pó. No procedimento

de amianto. O processo foi realizado em capela. O

realizado, como para o processo de confirmação

resíduo foi aquecido por cerca de 4 horas, até que

da presença de excesso de Cromo, houve a neces-

estivesse quase seco.

sidade de ajustar o pH para 12 com a adição de

Após a secura, a solução foi filtrada, a fim que

HCl gota a gota para tornar a solução neutra. Após

separar o cromo do restante da solução. Após a

o ajuste do pH para 7, a solução foi filtrada com

filtragem total, obtivemos os resíduos separados,

carvão ativado para eliminação da coloração ama-

sendo que no papel filtro encontrava-se o cromo

rela. Após a adição de cerca de 5 ml de ácido clo-

já tratado e no Kitassato a solução, conforme a

rídrico a solução tornou-se neutra. Após a neutralização da solução foi feita a fil-

Figura 5.

tragem para a eliminação da cor, porém mesmo filtrando mais de uma vez com carvão ativado a solução permaneceu amarelada, e com excesso de água foi clareando, conforme Figura 6.

Figura 5.  Resíduos separados, após filtragem total

A solução filtrada sem Cromo ainda apresentava coloração amarelo esverdeado claro, por isso

Figura 6.  Solução se mantendo amarelada, mesmo filtrando mais de uma vez com carvão ativado

não se tinha certeza de que todo Cromo havia se depositado no processo de precipitação. Para ter a

Mesmo a solução tratada apresentando colora-

certeza de que não havia mais Cromo na solução, o

ção, não há indícios de presença de outras substân-

processo de precipitação foi realizado novamente.

cias na solução.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

41


Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

3.3

Após todos os procedimentos já descritos foi possível fazer o descarte correto, tanto do resíduo inicial quanto de outros resíduos gerados durante o processo de tratamento. O resíduo sólido como já citado, continha Iodo e Sódio, após o tratamento adequado apresentava-se como solução de iodeto de potássio, incolor, sem odor e com pH neutro. Este resíduo por não ter nenhuma característica que pudesse trazer perigo ao meio ambiente e para saúde pública foi descartado na pia com excesso de água. Além do resíduo tratado e descartado na rede de esgoto, o processo de tratamento do resíduo sólido contendo Iodo gerou dois papéis filtros. Um contendo apenas resíduo de iodeto de potássio, já lavado do processo realizado na adição de KOH, e o outro contendo carvão ativado do processo de retirada da coloração realizado no processo de eliminação da cor. Ambos os papéis filtros, por não apresentarem nenhum resíduo tóxico, oxidante, ácido ou que pudesse causar qualquer dano ao meio ambiente e a manipulação, após totalmente secos, foram descartados em lixo comum. Como conseguimos recuperar o Cromo no papel filtro, este papel não foi descartado. O papel filtro contendo Cromo foi armazenado em um pote de plástico para reutilização em aulas laboratoriais, já que não havia contaminações. O recipiente foi identificado para o devido armazenamento, sendo recuperados cerca de 2,15 gramas de Cromo. As

42

imagens do armazenamento adequado podem ser visualizadas na Figura 7.

Disposição correta dos resíduos

Figura 7.  Armazenamento adequado do Cromo.

Durante o processo de recuperação do Cromo foram gerados resíduos secundários, sendo eles, papéis de filtro contendo carvão ativado e a solução filtrada sem a presença de cromo, provenientes do tratamento já citado. Como os papéis de filtro não apresentavam nenhuma substância contaminante, puderam ser descartados no lixo comum. Já a solução filtrada, mesmo com coloração não apresenta nenhum indicio de outras substâncias, além de estar neutra com pH 7,07. Esta coloração não causa riscos, uma vez que a adição de água em excesso promove o clareamento gradativo na solução. Desta forma a solução pôde ser descartada em rede de esgoto em excesso de água. 4

Resultados obtidos Os experimentos para identificação, tratamento e descarte foram todos bem sucedidos, conforme Quadro 2 e fluxogramas a seguir.

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Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

Quadro 2.  Relação de íons previstos x íons identificados. Íons

Método de identificação

Resultado esperado

Resultados obtidos

Confirmado

Iodeto

Resíduo sólido + Ácido sulfúrico concentrado

Liberação de vapores violeta

Liberação de vapores violeta

SIM

Cloreto

Resíduo líquido + Solução de nitrato de prata

Precipitado branco

Precipitado branco

SIM

Brometo

Resíduo líquido + Clorofórmio e água de cloro

Solução marrom avermelhada abaixo da camada aquosa incolor ou amarela

Solução marrom avermelhada abaixo da camada aquosa amarela

SIM

Cromo III

Resíduo líquido + carbonato de sódio

Precipitado verde-acinzentado com liberação de gás carbônico

Precipitado verde-acinzentado com liberação de gás carbônico

SIM

Cálcio

Teste de Chama

Chama vermelha amarelada

Chama vermelha amarelada

SIM

Fluxograma 1: Separação de Fases

Resíduo sólido no papel filtro

Fluxograma 2: Tratamento Resíduo Sólido

Resíduo

Resíduo sólido no papel filtro

Filtragem no funil de Buchner

Lavagem com KOH

Resíduo líquido

Adição de excesso de água

Descarte do papel filtro em lixo comum

Ajuste de pH para neutro

Amostra com coloração amarela

Filtragem com carvão ativado

Descarte do papel filtro em lixo comum

Resíduo tratado

Descarte na pia em água corrente

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Fluxograma 3: Recuperação Cromo

Fluxograma 4: Tratamento e Descarte Solução Filtrada proveniente da Recuperação do Cromo

Resíduo líquido

Resíduo líquido

Adição de 70 mL de NaOH

Ajuste pH

Precipitação de Cromo III

Enegrecimento da amostra

Filtragem com carvão ativado

Precipitação total de Cromo III

Aquecimento até quase secura

Descarte do papel filtro em lixo comum

Adição de água em excesso

Descarte na pia em água corrente

Aspectos após o aquecimento por 4 horas

Filtragem em funil de Buchner

Solução filtrada para posterior tratamento

2,15 gramas de Cromo recuperado

Cromo armazenado em recipiente identificado

44

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Identificação e Tratamento de Resíduos Químicos Desconhecidos em Aulas Práticas de Química Analítica

5

O experimento realizado proporcionou ao grupo de estudo uma grande experiência de aprendizagem. Vivenciamos que o processo de identificação de um resíduo desconhecido exige muita atenção, tempo de pesquisa, e trabalho, por isso a importância de uma Ficha de Resíduos que identifique todas as substâncias para facilitar os processos de tratamento e disposição final. O tratamento e/ou recuperação também exige muita atenção e às vezes recursos financeiros para viabilização, além disso, o descarte de qualquer tipo de resíduo precisa de informações sobre limites para o descarte em rede de esgoto; Quando não for possível o descarte direto em rede de esgoto são necessárias informações sobre quais os melhores métodos para descarte.

6

sistemasinter.cetesb.sp.gov.br/produtos/ficha_ completa1.asp?consulta=IODETO%20DE%20 POT%C1SSIO>. Acesso em: 29 set. 2014.

Considerações finais

Referências AFONSO, J. C.; SILVEIRA, J. A. da; OLIVEIRA, A. S. Análise sistemática de reagentes e resíduos sem identificação. Química Nova, v. 28, n. 1, p. 157-165, 2005. DECRETO N° 8.468/1976. Disponível em <http:// www.cetesb.sp.gov.br/Institucional/documentos/ Dec8468.pdf>. Acesso em: 9 set. 2014. GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS QUÍMICOS. Normas e procedimentos gerais. Disponível em: <http://www.pcarp.usp.br/pages/lrq/pdf/normas_ gerenciamento.pdf>. Acesso em: 14 set. 2014.

JARDIM, W. F. Gerenciamento de resíduos em laboratório de ensino e pesquisa. Química Nova, v. 21, n. 5, p. 671-673, 1998. MUCCIACITO, J. C. Uso eficiente do carvão ativado como meio filtrante em processos industriais. Revista e Portal Meio Filtrante, ano VIII, n. 39, jul./ago. 2009. Disponível em: <http://www. meiofiltrante.com.br/materias_ver.asp?action=de talhe&id=502&revista=n39>. Acesso em: 5 out. 2014. OXIDAÇÃO DOS ÍONS BROMETO E IODETO. Disponível em: <http://www.trabalhosfeitos. com/ensaios/Oxida%C3%A7%C3%A3o-Dos%C3%8Dons-Brometo-e-Iodeto/30812915.html>. Acesso em: 6 set. 2014. ROCHA, W. X. Teste para Cromo III, 1999. Disponível em: <http://www.reocities.com/Vienna/choir/9201/ praticas2_quimica_analitica.htm>. Acesso em: 8 set. 2014. ______. Identificação dos íons cloreto, brometo e iodeto, 1999. Disponível em: <http://www.reocities. com/Vienna/choir/9201/praticas_quimica_analitica. htm>. Acesso em: 8 set. 2014. SANTOS, I. S. S. et al. Caracterização e identificação do resíduo: lodo da estação de tratamento do município de São Leopoldo. XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental. Porto Alegre-RS, ABES, 2000. TAVARES, G. A.; BENDASSOLI, J. A. Implantação de um programa de gerenciamento de resíduos químicos e águas servidas nos laboratórios de ensino de pesquisa no CENA/USP. Química Nova, v. 28, n. 4, p. 732-738, 2005.

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TOMAZINI, F. M. Cartilha de orientação de descarte de resíduo no sistema FMUSP-HC. Disponível em: <http://www2.fm.usp.br/gdc/docs/cep_5_grss_2_ cartilha.pdf>. Acesso em: 14 set. 2014.

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VOGEL, A. I. Química analítica qualitativa. 5. ed. São Paulo: MESTRE JOU, 1981.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Artigo 04 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

p. 46-51

Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos Vitamin C Detection in Fruits Through Paper Chromatography Using Alternative Materials Marcelo Moreira Freire1 e Sebastião Ferreira Fonseca2,3

Resumo A vitamina C em solução aquosa forma com o íon Fe3+ um complexo de cor azul, denominado ascorbato de Fe (III). Com base nessa propriedade foi possível detectar a vitamina C em polpas de frutas comerciais por cromatografia em papel. No experimento foram empregados materiais alternativos acessíveis e de baixo custo, como tiras de cartolina branca (“placas”) e soluções de etanol combustível/água (fases móveis). Foi usada como revelador uma solução aquosa de FeCl2/FeCl3 obtida pela reação de uma esponja de lã de aço para limpeza com HCl comercial (ácido muriático). Palavras-chave: Cromatografia em papel; Revelador; Vitamina C; Ácido ascórbico. Abstract Vitamin C in aqueous solution with Fe3+ ion provides a blue color complex called Fe(III)-ascorbate. Based on that property it was possible to detect vitamin C in commercial fruit pulps by paper chromatography. In the experiment were used 1. Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais. 2. Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Instituto de Química, Departamento de Química Orgânica. 3. Os autores agradecem ao Instituto de Química da Unicamp, o incentivo dos grupos de ensino de química do IQ-Unicamp e ao Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) e a CAPES pelo apoio financeiro (MMF).


Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos

alternative accessible and low cost materials, like stripes of white light pasteboard (“plates”) and combustible ethanol/water (mobile phases). It was used as developer a FeCl2/FeCl3 aqueous solution obtained by the reaction of a steel wool sponge for cleaning with commercial HCl (muriatic acid). Key-words: Paper chromatography; Developer; Vitamin C; Ascorbic acid.

1

Introdução

são encontradas e comercializadas in natura em

A vitamina C, ou ácido ascórbico, é uma lactona insaturada que possui um sistema eólico peculiar, mostrado na Figura 1. Ela é uma substância hidrossolúvel que desempenha importantes funções no metabolismo humano. Ficou bastante conhecida pela sua capacidade de prevenir o escorbuto e foi isolada, pela primeira vez, em 1928, pelo cientista húngaro Szent-Gyorgyi (Fiorucci et al., 2003).

seus períodos de safra, ou na forma de alimentos processados como polpas congeladas, geleias e sucos engarrafados. O conteúdo de vitamina C nesses produtos diminui com o tempo e as condições de armazenamento, devido a sua baixa estabilidade e fácil degradação em presença de oxigênio, luz ou aumento de temperatura (Oliveira et al., 2012; Evangelista; Vieites, 2006). Diversos métodos analíticos podem ser utilizados para detectar a vitamina C. Um dos mais sim-

HO O

O

HO

ples utiliza o descoramento de uma solução de iodo complexado com amido, onde o iodo é reduzido a

HO

OH

Figura 1.  Fórmula estrutural da vitamina C (ácido ascórbico).

iodeto (Silva et al., 1995). Dentre os métodos cromatográficos, a cromatografia em papel, embora menos usada atualmente devido ao advento de técnicas mais avançadas, é a que apresenta maior

A vitamina C, em solução aquosa, é capaz de

simplicidade operacional e menor custo (Ahuja,

atuar como antioxidante em diversos processos

2003), além de favorecer a abordagem de vários

bioquímicos que ocorrem nos seres humanos e,

conceitos físico-químicos.

devido a essa propriedade, apresenta um impor-

Na cromatografia em papel, a separação dos

tante papel na prevenção de algumas doenças

componentes de uma mistura ocorre através da

(Oliveira et al., 2012). Como o organismo humano

migração diferencial entre duas fases líquidas, uma

é incapaz de sintetizá-la, a vitamina C deve fazer

chamada de fase móvel (líquido que se desloca por

parte da nossa dieta e, normalmente, as frutas e os

efeito de capilaridade sobre o papel) e outra deno-

vegetais são suas principais fontes.

minada de fase estacionária (água retida no papel)

O teor de vitamina C nas frutas é variável e

(Collins et al., 2006). Muitos trabalhos envolvendo

depende de vários fatores: estágio de maturação na

a cromatografia em papel, em particular os que

época da colheita, manuseio, condições de estoca-

são desenvolvidos para o ensino médio, utilizam

gem e processamento (Oliveira et al., 2012; Barcia

a cor das próprias substâncias para visualização

et al., 2010). Diversas frutas (caju, goiaba, acerola,

do cromatograma (manchas das substâncias no

manga etc.) apresentam alto teor de vitamina C e

papel após o desenvolvimento cromatográfico).

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos

Entretanto, inúmeros compostos orgânicos são

mistura e, em seguida, filtrar em algodão. Transferir

incolores, como a vitamina C, e para sua visualiza-

o filtrado para outro frasco de vidro e adicionar

ção é necessário o uso de reveladores.

NaCl (duas pontas de espátula de sal de cozinha)

A cromatografia em papel foi utilizada neste

para a remoção dos resíduos de água. Filtrar nova-

trabalho para detectar a vitamina C em polpas

mente usando pipeta de Pasteur (ou conta-gotas)

comerciais de diferentes frutas, através do uso de

com um pequeno chumaço de algodão.

“placas” (tiras) de cartolina branca, soluções de água/etanol combustível (fases móveis) e solução

2.2.3

Soluções de desenvolvimento

aquosa de FeCl2/FeCl3 – preparada pela reação de

Preparar uma solução (10 mL) de etanol com-

HCl comercial com uma esponja de lã de aço para

bustível/água (5:1, v/v) e transferir parte dessa

limpeza (Fonseca et al., 2011) – utilizada como

solução para um copo de vidro de, aproximada-

revelador, em um experimento desenvolvido com

mente, 200 mL (cuba cromatográfica), permitindo

materiais alternativos acessíveis e de baixo custo.

a solução ficar com cerca de 0,5 cm de altura. Tampar a cuba com uma placa pequena de vidro (ou com um pires transparente). Repetir o mesmo

2

procedimento com uma solução de etanol combus-

Procedimento experimental 2.1

tível/água (3:1, v/v).

Preparação das “placas” de cartolina

2.2.4

Solução reveladora (FeCl2/ FeCl3)

Cortar uma folha de cartolina fina branca em

Colocar uma esponja de aço para limpeza

“placas” de 8 x 4 cm. Marcar na “placa” (papel

(Bombril® ou similar) em um copo de vidro de

cromatográfico), com uma lapiseira, ou lápis de

cerca de 200 mL e adicionar, cuidadosamente,

ponta fina, quatro pontos igualmente espaçados

50 mL de uma solução de HCl comercial (ácido

para a aplicação das amostras, a uma altura de 1,5

muriático)/água (1:1). CUIDADO: o ácido muriá-

cm acima da base (3,2 cm) da tira de papel.

tico é corrosivo! Usar luvas de borracha e óculos

2.2

de segurança. Deixar a mistura reagir durante 30

Preparação das soluções

2.2.1

minutos, agitando ocasionalmente com um bastão de vidro, com bastante cuidado. Filtrar em seguida

Solução de vitamina C

Macerar um comprimido de vitamina C (500 mg) em um frasco de vidro com 5-6 mL de removedor de esmaltes (contendo 50% de acetona). Filtrar a mistura usando pipeta de Pasteur, ou conta-gotas, com um pequeno chumaço de algodão, e transferir o filtrado para outro frasco. 2.2.2

Soluções dos extratos das polpas de frutas

sobre algodão usando funil comum e diluir o filtrado com 50 mL de água destilada. Observações: (1) maiores quantidades de solução poderão ser preparadas com 1 hora de reação; (2) a solução verde clara resultante poderá ficar estocada à temperatura ambiente por cerca de 30 dias sem perder sua atividade reveladora. 2.3

Testes da solução reveladora

Colocar em um frasco de vidro duas porções

Solução de vitamina C

(pontas de espátula ou palito de sorvete) de polpa de

2.3.1

fruta (acerola, goiaba ou caju) e 4-5 mL de remove-

Colocar em um frasco de vidro 1 mL da solução

dor de esmaltes contendo 50% de acetona. Agitar a

de vitamina C, adicionar 5 gotas de uma solução

48

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos

aquosa de NaOH a 10% e, em seguida, 2-4 gotas

FeCl3. Retirar a “placa”, colocar sobre uma toalha

da solução de FeCl3/FeCl2. O aparecimento de uma

de papel e observar o resultado (Figura 3IV). Após

coloração azul escura indicará que o revelador foi

a secagem da “placa”, circular as manchas com um

preparado corretamente.

lápis. A “placa” revelada poderá ser fotografada

2.3.2

para utilização em futuras discussões.

Vitamina C em “placa” de cartolina

Aplicar a solução de vitamina C em alguns pontos de uma tira de cartolina, imergir a “placa”

3

Resultados e discussão

na solução de Fe2+/Fe3+ e observar se ocorre o aparecimento da cor azul nos pontos de aplicação. 2.4

Aplicação das amostras

A vitamina C, em presença de íons Fe3+, forma o complexo ascorbato de Fe(III) responsável por uma coloração azul característica (Fornaro; Coichev, 1998; Zümreoglu-Karan, 2006). A for-

Utilizando um capilar de aço – preparado com

mação do complexo foi fundamental para a detec-

a retirada do encaixe de plástico de uma agulha de

ção da vitamina C nas polpas de frutas comerciais

seringa descartável e posterior limpeza – para cada

neste trabalho. A adição da solução reveladora

amostra, aplicar uma pequena quantidade da solu-

contendo íons Fe2+/Fe3+, preparada pela reação

ção de vitamina C (padrão para comparação) e de

de esponja de lã de aço para limpeza com ácido

cada uma das soluções de polpa em diferentes pon-

muriático, HCl comercial (Fonseca et al., 2011), a

tos marcados na “base” da tira de papel (“placa”),

uma solução de vitamina C/removedor de esmal-

esperando o solvente evaporar a cada aplicação.

tes (contendo 50% de acetona), em meio básico,

É importante que as manchas sejam pequenas e

levou ao surgimento de uma cor azul escura, indi-

que tenham aproximadamente o mesmo diâme-

cando teste positivo e confirmando a preparação

tro. Após a última aplicação, aguardar cerca de 2

adequada do revelador.

minutos para a evaporação do solvente. 2.5

Desenvolvimento cromatográfico

Adicionalmente, a formação do complexo ascorbato de Fe (III) foi também evidenciada pelo aparecimento da cor azul, nos locais de uma tira de car-

Com o auxílio de uma pinça e com cuidado,

tolina em que foram feitas aplicações da solução de

colocar a “placa de papel” na cuba cromatográfica

vitamina C, quando a tira foi imersa em uma solução

contendo o solvente de desenvolvimento e tam-

de FeCl2/FeCl3. Isso indicou que a solução de FeCl2/

par (Figura 3II). Aguardar o desenvolvimento por

FeCl3 poderia ser usada como revelador, e a tira de

20 minutos, retirar a “placa”, traçar uma linha na

cartolina como “placa”, para a detecção da vitamina

altura que o solvente chegar (linha de chegada da

C (ácido ascórbico) em cromatografia em papel.

fase móvel) e deixar secar por cerca de 10 minutos. 2.6

Revelação

Evidências prévias indicaram que o complexo de cor azul (Fornaro; Coichev, 1998; ZümreogluKaran, 2006) é formado por duas moléculas de

Após a evaporação do solvente, com auxílio

ácido ascórbico para cada íon Fe3+. Considerando

de uma pinça, imergir a “placa de papel” durante

o complexo formado em meio básico, uma suges-

alguns segundos na solução reveladora de FeCl2/

tão para sua representação é mostrada na Figura 2.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos

fase móvel (distância percorrida pela fase móvel

+ O

do ponto de aplicação da amostra até a linha de

OH

chegada), DFM. Assim, Rf = DS (cm ou mm)/DFM

O

(cm ou mm).

OHO

OH

O surgimento de manchas de cor azul escura no teste inicial com o papel cromatográfico e a reve-

2Fe

lação da “placa” com a solução aquosa de FeCl2/

Figura 2.  Representação do complexo formado em meio básico entre o ácido ascórbico e os íons Fe3+ (adaptada de Zümreoglu-Karam, 2006).

FeCl3, após o desenvolvimento, indicou a presença de vitamina C nos extratos das polpas de frutas analisadas. As manchas de cor azul apresentaram um Rf de cerca de 0,3 (o mesmo Rf encontrado para

Com base nas considerações anteriores, a

o padrão) o que evidenciou uma grande interação

detecção da vitamina C foi realizada por dois

com a fase estacionária durante o desenvolvimento

critérios:

cromatográfico. Isso se deve ao fato da vitamina

a) pela cor do complexo formado na revela-

C apresentar vários grupos hidroxila capazes de realizar ligações hidrogênio mais efetivas com a

ção da placa e; b) pela comparação entre o fator de retarda-

fase estacionária (H2O), Collins et al. (2006), do

mento (Rf) de um padrão de vitamina C

que com a fase móvel utilizada, CH3CH2OH / H2O

e os Rfs apresentados pelas manchas das

(5:1), Figura 3 (IVA). O aumento da concentração

amostras dos extratos analisados.

de água na fase móvel levou a uma mudança de interação e, consequentemente, a um diferente Rf

O fator de retardamento (Rf) foi determinado

da vitamina C, Figura 3 (IVB).

pela razão entre a distância percorrida pela subs-

Assim, a vitamina C foi detectada nos extratos

tância (centro da mancha) desde o ponto de apli-

de polpas de frutas pela cor azul do complexo for-

cação, DS, e a distância percorrida pela frente da

mado com os íons Fe3+ no processo de revelação

Figura 3.  Representação esquemática das quatro etapas cromatográficas: (I) aparência inicial da “placa” de papel; (II) cuba, solvente e “placa”; (III) aparência da “placa” desenvolvida antes da revelação (IV) aparência da “placa” de papel após a revelação: desenvolvimento em (A) etanol/água (5:1, v/v) e (B) etanol/água (3:1, v/v).

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Detecção da Vitamina C em Polpas de Frutas por Cromatografia em Papel Usando Materiais Alternativos

das “placas”. Sua identidade foi evidenciada pela comparação direta das alturas das manchas e correspondentes fatores de retenção (Rfs), com os Rfs de um padrão, em solventes de desenvolvimento com diferentes concentrações de água e etanol.

4

Considerações finais O experimento mostrou que, apesar da vitamina C não apresentar coloração quando desenvolvida em “placa” de papel, foi possível fazer a sua revelação com uma solução reveladora contendo íons Fe2+/Fe3+, preparada com materiais alternativos, acessíveis e de baixo custo. Foi também verificado que a cartolina fina de cor branca apresentou rigidez adequada para que suas tiras pudessem ser usadas como “placas”, sendo uma alternativa viável, embora com limitações, para ser utilizada em experimentos de introdução à cromatografia em papel. Entretanto, é importante salientar que a aplicação do experimento exigirá uma abordagem prévia de tópicos como funções orgânicas, forças intermoleculares e solubilidade de substâncias orgânicas.

5

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Artigo 05 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

p. 52-59

O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química Teacher Profile in the Perspective of Inclusive Education in Chemistry Degree Aldejaise Cunha de Azevedo1, Luiz Fernando Perreira1 e Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro2

Resumo A Educação Inclusiva é compreendida como uma reestruturação educacional que, para ocorrer de forma bem-sucedida, necessita que os professores sejam formados em vertentes de ensino e comunicação diferentes das vertentes tradicionais. Trata-se da prática de inclusão de todos os alunos, independentemente de suas deficiências, em sala de aula comum. Neste sentido, é perceptível a necessidade de se investir na formação (inicial e/ou continuada) de professores, para que estes possam desenvolver os modelos inclusivos em suas práticas educativas. Desta forma, procurou-se saber sobre a formação e vivências do corpo docente do Curso de licenciatura em Química do IFRN/Campus Currais Novos, na perspectiva da Educação Inclusiva. Diante dos dados coletados, foi visto que ainda há um expressivo distanciamento entre a teoria e a prática nesta vertente. Grande parte dos docentes do curso, embora não possua grande experiência com Educação Inclusiva, já que não teve disciplina relacionada à inclusão durante sua graduação ou mesmo no curso de formação continuada, mostra-se disposta a desenvolver-se nessa perspectiva atual e necessária que é a Educação Inclusiva. Palavras-chave: Educação inclusiva; Inclusão; Formação de professores.

1. Licenciada em Química – IFRN – Campus Currais Novos. 2. Doutora em Química – UFC e Professora EBTT – IFRN – Campus Currais Novos.


O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

Abstract Inclusive Education is understood as an educational restructuring that, to occur successfully, requires teachers be trained in different aspects of teaching and communication of traditional strands. It is the practice of inclusion of all students, regardless of their disabilities, in the ordinary classroom. In this sense, it is noticeable the need to invest in training (initial and /or continued) for teachers, so that they can develop inclusive models in their own educational practices. Thus, we sought to know about the training and experience of the professors in view of Inclusive Education of the Chemistry degree course in IFRN /Currais Novos Campus. From the collected data, it was seen that there is still a significant gap between theory and practice in this regard. Although much of the professors lack great experience with inclusive education, especially because most of them had not even a discipline during their undergraduate or continuing education course, these professionals show up willing to develop this current and necessary perspective, which is the Inclusive Education itself. Key-words: Inclusive education; Inclusion; Teacher training.

1

Introdução 1.1

O contexto da Educação Inclusiva

Segundo Mantoan (2006), a síntese da inclusão

especiais e a atitudes de inclusão que se referem a outras situações observadas na sociedade. Já no que se refere à inclusão escolar, Lacerda (2006) disserta que esta: é vista como um processo dinâmico e gradual, que pode tomar formas diversas a depender das necessidades dos alunos, já que se pressupõe que essa integração/inclusão possibilite, por exemplo, a construção de processos linguísticos adequados, de aprendizado de conteúdos acadêmicos e de uso social da leitura e da escrita, sendo o professor responsável por mediar e incentivar a construção do conhecimento através da interação com ele e com os colegas.

escolar é ter, desde o início da vida escolar, todos os alunos inseridos no ensino regular. Tal vertente de Educação Inclusiva implica em mudanças na perspectiva educacional, haja vista que não abrange apenas os alunos portadores de necessidades especiais e os que apresentam dificuldades de aprendizagem, mas todos os demais, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral. Díaz et al (2009) define que a palavra “inclusão” vem do latim, do verbo includere e significa “colocar algo

Percebe-se que o professor é fundamental nesse

ou alguém dentro de outro espaço”, “entrar num

processo e, portanto, convém lembrar um trecho

lugar até então fechado”. É a junção do prefixo in

da declaração de Salamanca (UNESCO, 1994):

(dentro) com o verbo clude (cludere), que significa

A preparação adequada de todo pessoal da educação

“encerrar, fechar, clausurar”. Os autores ressaltam

constitui um fator-chave na promoção do progresso em

ainda que o termo é cada vez mais utilizado não

direção às escolas inclusivas (p. 32-33).

apenas para as questões das necessidades espe-

Nessa perspectiva, a Portaria nº 1793/1994

ciais, mas também para criar discursos de acessi-

(Brasil, 1994) considerou a necessidade de com-

bilidade a quaisquer indivíduos que se encontram

plementar os cursos de formação de professores

excluídos de determinados espações e situações.

para atuar com pessoas com necessidades espe-

Assim, ao utilizar este termo, é possível referir-

ciais. Nesta portaria, inclusive, há a recomendação

-se, especificamente, às pessoas com necessidades

da inclusão da disciplina “Aspectos ético-político-

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O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

-educacionais da normalização e integração da

lhes permita estabelecer relações entre a sua ação

pessoa portadora de necessidades especiais” nos

pedagógica e os pressupostos teóricos subjacentes

currículos dos cursos de Pedagogia, Psicologia

a ela, visando constituir novas posturas a respeito

e licenciaturas, e através do Decreto nº 5626, de

das necessidades individuais dos alunos.

2005, ocorreu a regulamentação da inclusão da

Sant’Ana (2005) também defende a necessidade

disciplina “Libras” no currículo dos cursos de

dessa formação voltada para a Educação Inclusiva,

licenciatura (Brasil, 2005, p. 28), visando preparar

pois os educadores precisam estar habilitados para

os futuros docentes para o ensino de alunos com

atuar de forma competente junto às diferenças e às

necessidades educacionais especiais. As práticas

necessidades individuais dos alunos inseridos nos

pedagógicas, fruto da política da inclusão escolar,

vários níveis de ensino. Nessa perspectiva, Bueno

inclusive aquelas dos professores de classe regular

(1999) defende que, para que o ensino seja de qua-

com alunos com necessidades educacionais espe-

lidade para os portadores de necessidades educati-

ciais, ainda são recentes no Brasil.

vas especiais, no âmbito de uma educação inclu-

É interessante que estas práticas possam ser

siva, dentre muitos aspectos, destacam-se os dois

monitoradas e avaliadas, para que possamos

tipos de docentes: professores “generalistas” do

socializar indicadores de sucesso e, também, os

ensino regular, com o mínimo de conhecimento e

problemas encontrados com vistas a superá-los.

prática sobre os mais variados alunos, e professores

Dentro desta perspectiva, os professores formado-

“especialistas” nas diferentes “necessidades educa-

res dos cursos das licenciaturas devem conhecer

tivas especiais”, seja ele com o intuito de trabalhar

essa realidade e, neste sentido, este trabalho bus-

efetivamente com os alunos ou dar apoio ao traba-

cou analisar os professores formadores do curso

lho realizado por professores de classes regulares

de Licenciatura em Química do IFRN Campus

que realizem a integração destes alunos.

Currais Novos dentro da perspectiva da Educação Inclusiva. 1.2

No processo de implantação da política de educação inclusiva no Brasil são muitos os desafios encontrados, mas a falta de preparo dos docentes

Formação de professores e a educação inclusiva

ganha destaque quando o tema é abordado. Sonza (2013) destaca a necessidade de o professor ter

Segundo defende Benite et al. (2009), no que

conhecimento sobre as possibilidades de aprendi-

se refere à inclusão, a educação precisa se modifi-

zagem que o aluno portador de necessidades espe-

car, ou, talvez, se reestruturar a partir da formação

ciais possui, adequando o currículo à necessidade

de professores, uma vez que os professores são

destes, sem que ninguém seja excluído. Assim, a

agentes de primeira ordem no processo de ensino-

própria escola tem um papel importante neste sen-

-aprendizagem e, assim, podem contribuir para a

tido, uma vez que:

reorganização da escola, viabilizando o acesso e a permanência de todos nas classes regulares. Dessa forma, torna-se imprescindível formar o professor para trabalhar com a diferença. Os autores Pereira, Benite e Benite (2011), afirmam que tal formação deve ser pautada em situações de análise e reflexão sobre suas próprias condições de trabalho e experiências, e que

54

O propósito da escola deveria ser o de desenvolver as inteligências e ajudar as pessoas a atingirem objetivos de ocupação e passatempo adequados ao seu espectro particular de inteligências. As pessoas que são ajudadas a fazer isso, acredito, se sentem mais engajadas e competentes, e, portanto mais inclinadas a servirem à sociedade de uma maneira construtiva (Gardner, 1995).

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Uma escola com essa perspectiva, sem dúvida,

Para Peterson (2006), os programas de inclu-

contribuiria para a prática do princípio fundamen-

são não podem ser bem-sucedidos em escolas

tal das escolas inclusivas:

públicas se ambos, professores da educação geral

O princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos os alunos aprenderem juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentem. Estas escolas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respectivas comunidades. É preciso, portanto, um conjunto de apoios e serviços para satisfazer o conjunto de necessidades especiais dentro da escola. (UNESCO, 1994, Declaração de Salamanca, 11-12).

No que se refere à formação docente, considerando a educação especial, as próprias políticas têm criado mecanismos que buscam inserir o profissional neste contexto. Podemos observar, nos indicadores apresentados em documentos oficiais (Brasil, 2008, p. 13-14), que: [...] em 1998, 3,2% possuíam ensino fundamental; 51% possuíam ensino médio e 45,7% ensino superior. Em 2006, dos 54.625 professores que atuam na educação especial, 0,62% registraram somente ensino fundamental, 24% registraram ensino médio e 75,2% ensino superior. Nesse mesmo ano, 77,8% destes professores declararam ter curso específico nessa área de conhecimento.

e da Educação Especial (os dois “tipos” de professores citados por Bueno, 1999), não forem capacitados para implementar programas de ensino colaborativo. Nesse sentido, é preciso reconstruir/ reformular a formação de professores, pois formá-los é projetar para o futuro, uma vez que esses professores irão continuar formando estudantes que constituirão a sociedade de amanhã, pois, como defende Libâneo (1998), é importante destacar que, geralmente, a formação recebida pelos professores influencia, diretamente, no desenvolvimento dos alunos. 2

Procedimento metodológico No desenvolvimento deste trabalho, aplicamos um questionário aos docentes do Curso de Licenciatura em Química do IFRN Campus Currais Novos, que foi composto por 9 questões, das quais 2 abertas e 7 dicotômicas, tendo como enfoque a Educação Inclusiva. Neste questionário, foram abordadas algumas dimensões, sendo elas: a experiência dos docentes com a Educação Inclusiva, o conhecimento sobre inclusão, em que se avaliava se o docente cursara na graduação alguma disciplina relacionada à Educação Inclusiva ou se cursara algum tipo de formação continuada que tivesse relação nesse aspecto, bem como a sua opinião sobre o comportamento diante de uma sala de aula inclusiva etc. O questionário foi elaborado tomando como base os artigos cien-

A evolução das ações da educação especial

tíficos da área.

nos últimos anos se expressa no crescimento do

O curso de licenciatura em Química da IES

número de municípios que registram ampliação

investigada possui um corpo docente com nove

de matrículas, acessibilidade arquitetônica em

professores, sendo 2 deles da área Pedagógica e os

prédios escolares, formação de professores com o

outros 7 da área de Química. Todos os 9 professo-

objetivo de assegurar a inclusão do aluno e garan-

res participaram da pesquisa proposta por meio da

tir seu acesso e continuidade (Brasil, 2008).

aplicação do questionário.

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O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

3

ocorrido a inclusão de Libras no currículo desses

Resultados e discussão O corpo docente da instituição foi analisado através das respostas ao questionário aplicado, com o intuito de obter informações sobre sua formação, atuação e conhecimento relacionado à Educação Inclusiva. Na primeira questão, que tratava da formação do professor em nível de graduação, observamos que 78% possuem Licenciatura em Química e 22% possuem formação em Pedagogia. Do total de 9 professores, 6 são licenciados em Química, 1 é bacharel em Engenharia Agronômica e também é licenciado em Química, enquanto 2 são pedagogos. Com relação à pergunta sobre o ano de conclusão do curso de graduação, obtiveram-se as seguintes respostas: 11% concluíram o curso em 1992; 11% em 1999; 23% em 2004; 22% em 2005; 11% em 2007; 11% em 2008 e; 11% em 2010. Quando os professores foram questionados se possuíam curso de pós-graduação 100% assinalaram que sim. Nessa mesma pergunta, interrogava-se qual a pós-graduação, por isso, as respostas foram: “mestrado em Ensino de Química”; “mestrado em Físico-química e Doutorando em Fisico­ ‑química”; “mestrado em Ensino de Ciências Naturais”; “mestrado”; “mestrado em ensino de ciências naturais e matemática”; “doutorado em

cursos, o processo de efetivação de tal demanda ainda ocorre de forma lenta e gradual. Quando questionados, “Você participou de algum curso de Formação Continuada?”, 67% dos docentes afirmaram que sim e 33% que não. Dentro dessa mesma pergunta, interrogava-se: “em caso afirmativo, o curso tinha relação com Educação Inclusiva?”. Dos nove professores, 22% responderam que sim e 78% que não. Com relação ao tempo que o professor leciona na sua área de formação, as respostas, em anos, foram: 3 anos e meio (11%); 5 anos (11%); 6 anos (11%); 7 anos (11%); 10 anos (11%); 12 anos (11%); 17 anos (11%); 18 anos (11%) e 36 anos (11%). Quando questionados se possuíam alguma experiência com Educação Inclusiva, 4 professores (44%) afirmaram que possuíam, enquanto outros 5 (55%) afirmaram que não têm. Um dos últimos questionamentos foi através de uma pergunta aberta, na qual se questionava: “as novas políticas públicas incentivam a promoção de aulas inclusivas. Em sua opinião, o que é Educação Inclusiva?” A respostas de 7 dos 9 docentes são bem representadas pelo Docente “B”, cuja resposta foi transcrita a seguir:

Química”; “doutorado em Química”; “mestrado

“É uma perspectiva de educação que tenta

em Educação e doutoranda em Educação” e; “dou-

incluir grupos de pessoas, antes margina-

torado em Educação”.

lizadas do contexto escolar (por exemplo:

Já na questão, “Você cursou alguma disci-

surdos, cegos, down etc.), para conviver

plina, na sua graduação, relacionada à Educação

juntamente com os grupos sociais conside-

Inclusiva?”, 67% responderam que não e 33%

rados ‘normais’. Creio ainda que a pers-

que sim. Quando comparamos as respostas a estas

pectiva da política educacional é conside-

perguntas, observamos que um percentual de

rar que todos os grupos podem conviver e

67% dos professores concluíram o curso de 1992

aprender de forma igualitária” (Resposta

a 2005, e que este mesmo percentual não cur-

do Docente B).

sou nenhuma disciplina relacionada à Educação Inclusiva. Embora, desde 1994, tenha sido lançada

Segundo Bueno (1999), a inclusão escolar

uma portaria visando complementar os cursos

está relacionada a dois aspectos intrinsicamente

de licenciaturas nessa vertente, e em 2005, tenha

relacionados:

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O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

• ao direito de acesso e permanência dos

particularidades e possibilidades de apren-

alunos portadores de NEEs (Necessidade

dizagem. Para isso, é necessário que seja

Educacionais

entendida que a educação escolar é um

Especiais)

nas

escolas

direito de todos e devem ser organizadas

regulares; • à necessidade de modificação da estru-

políticas públicas que deem conta de aten-

tura física e da organização pedagógica

der a esse direito previsto na legislação”

da escola para recepção e inclusão desse

(Docente I).

aluno.

A última questão também foi aberta, “Como

Em outras palavras, a Educação Inclusiva reco-

você se comportaria numa sala de aula inclusiva?,

nhece as inúmeras diferenças existentes – pesso-

ou, melhor, “Dentre outras especificidades, como

ais, linguísticas, culturais, sociais etc. – e propõe a

você se comportaria numa sala de aula contendo,

mudança do sistema educacional em suas diversas

por exemplo, um aluno cego ou um surdo?”. Para

formas (práticas pedagógicas e estrutura física)

essa questão, foram transcritas duas respostas, nas

para incluir a diversidade de forma.

quais uma é de um docente que já vivenciou o

Ao analisar as respostas dos docentes do curso

ocorrido, e a outra é de um docente que não viven-

de Licenciatura em Química do IFRN Campus

ciou, tendo em vista que as outras respostas dos

Currais Novos, percebeu-se que a explicação do

docentes são semelhantes a estas duas transcritas

que é Educação Inclusiva não foi apresentada de

a seguir.

forma completa por todos os docentes. A maioria

“Já vivenciei experiências no ensino supe-

trata a Educação Inclusiva como mera inserção dos

rior com alunos deficientes visuais e procu-

alunos com necessidades especiais em sala de aula

rei adaptar as atividades para possibilitar

comum, com vista a um mesmo tipo de ensino.

a participação do aluno, assim como pro-

Apenas os docentes “D” e “I” demonstraram ter

mover a aprendizagem. Ex.: provas eram

ideia de que é necessário que se busque as modi-

realizadas oralmente, o aluno tinha um

ficações, tanto físicas quanto pedagógicas, neces-

programa de leitura e eram disponibiliza-

sárias para que o direito de todos à educação seja

dos os textos da disciplina para realização

atendido.

da leitura do material” (Docente I).

“A educação inclusiva estabelece novos conceitos e adaptações para o funcionamento

“A princípio não sei, pois não tenho expe-

de uma instituição educacional, porém, a

riência nenhuma com educação inclusiva.

mudança física é apenas um aspecto. A cons-

Acredito que teria dificuldades, mas tenta-

cientização dos professores, funcionários e

ria usar recursos audiovisuais, já disponí-

do corpo da escola também é discutida na

veis e utilizados rotineiramente nas aulas.

educação inclusiva com o intuito de atender

Por exemplo: modelos atômicos e molecu-

da melhor forma possível as necessidades de

lares” (Docente G).

todos os alunos” (Docente D).

Embora os docentes do IFRN Campus Currais

“É uma educação que procura atender

Novos não estejam completamente “aptos” para

às necessidades educacionais do aluno,

trabalharem na perspectiva da Educação Inclusiva

tomando

– pois 56% afirmaram não ter experiência com

como

eixo

orientador

suas

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O Perfil Docente na Perspectiva da Educação Inclusiva do Curso de Licenciatura em Química

Educação Inclusiva, especialmente no que con-

necessitar de mecanismos que potencializem seu

cerne a deficiências físicas –, é possível perceber-

trabalho na perspectiva da Educação Inclusiva.

-se a predisposição deste grupo. Mesmo assim,

Afinal, como opina Weiss (2008), o fracasso esco-

torna-se necessário e urgente a capacitação de tais

lar é causado por uma conjugação de fatores inter-

profissionais na área de Educação Inclusiva, atra-

ligados que impedem o bom desempenho do aluno

vés de cursos de formação continuada, uma vez

em sala de aula, inclusive, a atuação inadequada

que eles não tiveram essa formação em seus cursos

do educador.

de graduação – 67% dos professores pesquisados não cursaram disciplinas relacionadas à Educação Inclusiva –, tanto para lidarem com o contexto que

4

Considerações finais Os docentes que atuam no curso de Química

vier a surgir dentro da sua prática, quanto para

do IFRN ainda são iniciantes em suas experiências

orientarem os licenciandos do curso dentro dela. Na verdade, como a Educação Inclusiva é

em Educação Inclusiva – especialmente no que se

relativamente nova, e apenas a partir de 2005 se

refere a deficiências físicas –, pois sua maioria não

tornaram obrigatórias disciplinas que a envolvam,

vivenciou disciplinas relacionadas em seus cursos

é natural que os docentes dos cursos das licencia-

de graduação, nem cursos de formação continuada,

turas não estejam totalmente preparados para tal

e apresentam poucas vivências com situações rela-

realidade. Villela-Ribeiro e Benite (2010) observa-

cionadas à experiência com Educação Inclusiva.

ram que:

Desta forma, torna-se necessário focar nestes professores, através de cursos de formação continuada,

Percebe-se que o professor relaciona a educação inclusiva apenas com alunos deficientes, e não a educação voltada para todos os grupos de pessoas excluídas da escola. E ainda, relaciona o fato da não preparação para educação inclusiva como consequência de falta de preparo dos próprios professores formadores.

visando ampliar a experiência destes de forma a ser possível o direcionamento de pesquisas e orientações pedagógicas dos discentes por eles formados, melhorando, assim, a formação inicial do professor formado pelo Curso de Licenciatura em Química do IFRN Campus Currais Novos, conforme reforçado por Villela-Ribeiro e Benite (2013).

Em síntese, a inclusão depende do trabalho cotidiano dos professores na sala de aula e do seu sucesso em garantir que todas as crianças possam participar de cada aula e da vida da escola como um todo. Os professores, por sua vez, necessitam trabalhar em escolas que sejam planejadas e administradas de acordo com linhas inclusivas e que sejam apoiadas pelos governantes, pela comunidade local, pelas autoridades educacionais locais e acima de tudo pelos pais (Mittler, 2003).

5

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Não se trata de apenas discutir o tema, é preciso trabalhá-lo com aqueles que diretamente fazem a educação. Este trabalho traça um perfil de profissionais capacitados e que, no entanto, demonstram

58

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Artigo 06 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

p. 60-67

QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos Quimkids – creating interest in chemical science and raising citizens Aline de Araújo Silva1, Lilian Mamedes dos Santos1, Paulo Ricardo Alves da Silva1, Leandro S. de Oliveira1, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão1, Jailson Machado Ferreira1 e Humberto Gomes1

Resumo O QuimKids trata-se de uma proposta com caráter inovador que objetiva levar a Ciência de forma dinâmica e interativa a crianças do ensino fundamental I e II. Realizado anualmente nas escolas de ensino fundamental, busca desenvolver o interesse por esta área do conhecimento aguçando a curiosidade das crianças despertando-as para uma consciência científica do ambiente que as cerca, sendo realizado através de diversas temáticas, dentre elas o meio ambiente, conhecimento imprescindível que deve ser trabalhado desde cedo nos indivíduos, preparando-os para agirem como parte não apenas integrante, mas, principalmente, ativa da sociedade. Palavras-chave: QuimKids; Ensino de Química; Formação de cidadãos. Abstract The QuimKids is an innovative motion that aims to bring science in a dynamic and interactive approach to children in elementary school. This activity is undertaken annually in schools during the month of October, when it is celebrated “the children’s month”. The purpose of QuimKids is to stimulate the interest of students, awakening their curiosity in a playful way through practices that sharpen mainly

1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba.


QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

the visual character. In order to develop a scientific understanding of the environment around them, preparing students to work effectively in society. Key-words: Quimkids; Chemistry teaching; Raising citizens.

1

de um curta-metragem sobre meio ambiente e a

Introdução

sua degradação, com a finalidade de lhes apresen-

De acordo com Morais (2011), a Ciência, de

tar o problema da poluição ambiental; realização

modo geral, é o melhor caminho para se entender

de duas atividades específicas em diferentes salas

as transformações que vêm ocorrendo no mundo,

de aula: numa sala realizou-se jogos educativos e,

desde as mudanças climáticas e seus impactos

na outra, a confecção de brinquedos com material

ambientais até as novas tecnologias eletrônicas

reciclado.

que são desenvolvidas a cada dia. Esse fator torna

Cada etapa apresentada tem como objetivo

o conhecimento científico o capital mais impor-

despertar o interesse da criança pela ciência quí-

tante do mundo civilizado e investir na busca de

mica e ajudar a desenvolver uma consciência

novas explicações acerca dos fenômenos é investir

cidadã frente à problemática da poluição, mos-

na qualidade de vida da sociedade.

trando que existem soluções para tais problemas e

Dessa forma, o Quimkids (Quim: prefixo deri-

que elas podem contribuir significativamente para

vado de química e Kids: derivado de brinquedo,

a melhoria do meio no qual estão inseridos, aju-

em inglês) em sua essência empírica, busca mostrar

dando assim já nos primeiros anos de vida escolar

brincando e abordando temáticas vivenciadas pelo

para a formação do caráter cidadão crítico e atu-

aluno, Química elementar para crianças do Ensino

ante na sociedade em que se encontra.

Fundamental, levando-as a conhecê-la como uma ciência que está constantemente presente no seu cotidiano, a compreender a importância de estudá-

2

Fundamentação teórica

-la e sua relação com o lixo e, impactos ambientais

Somos parte de uma sociedade que convive

e as formas como podemos combatê-lo e reduzi-lo.

com a supervalorização do conhecimento cientí-

O QuimKids foi planejado e executado pelos

fico e com a crescente intervenção da tecnologia

integrantes do Programa de Educação Tutorial

no dia a dia e, dessa maneira, não é possível pensar

(PET) Química do Instituto Federal de Educação,

na formação de um cidadão crítico à margem do

Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB e sur-

saber científico (Brasil, 1997).

giu como uma proposta de transmitir a ciência

De acordo com Morais (2011), a educação

química de forma dinâmica e interativa para as

científica é, na atualidade, apontada como uma

crianças do Ensino Fundamental, proporcionando

área fundamental para o desenvolvimento integral

um primeiro contato na sua formação inicial, que

dos alunos, tanto ao nível de funções cognitivas,

consistiu em quatro etapas básicas: realização de

como da preparação para a cidadania. É apontada

experimentos com efeitos visuais atrativos, com o

também como uma das mais importantes vias de

objetivo de atrair a atenção do público; exibição

progresso tecnológico e econômico das sociedades.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

Dessa forma, pode-se perceber a importância da educação científica para a formação da criança em seus anos iniciais da escola primária e o quanto é importante que a disciplina seja ensinada com eficácia para que o aluno não apresente deficiências educacionais nos anos escolares posteriores. Contudo, o ensino de Ciências para as crianças do Ensino Fundamental ultimamente vem sendo algo fortemente discutido no meio educacional, porque não está acontecendo de modo a proporcionar o encantamento dos alunos acerca dos fenômenos científicos. Dentro desse contexto, estamos diante do desafio de criar um sistema educacional que explore a curiosidade das crianças e mantenha a sua motivação para aprender através da vida (Zancan, 2000, p. 6).

Dessa maneira, Zancan (apud Freire et al., 2011) ainda reforça que o professor tem o desafio de desenvolver uma educação que aguce a curiosidade das crianças e as instigue a buscar explicações científicas para os acontecimentos que cercam sua vivência. Hayashi, Porfirio e Favetta (apud Bizzo, 1998, p. 144) complementam que a educação em Ciências deve proporcionar aos estudantes a oportunidade de desenvolver capacidades que despertem a inquietação diante do desconhecido, buscando explicações lógicas e razoáveis, levando os alunos a desenvolverem posturas críticas, realizar julgamentos e tomar decisões fundamentadas em critérios objetivos, baseados em conhecimentos compartilhados por uma comunidade escolarizada. Com relação aos procedimentos educacionais que facilitam a aprendizagem dos alunos no ensino de Ciências, temos que a observação e a experimentação são pontos fundamentais no ensino da

textos informativos, a organização de informações por meio de desenhos, tabelas, gráficos, esquemas e textos, a proposição de suposições, o confronto entre suposições e entre elas e os dados obtidos por investigação, a proposição e a solução de problemas, são diferentes procedimentos que possibilitam a aprendizagem (Brasil, 1997).

Tendo em vista o importante papel que o ensino de Ciências desempenha na escola, em 1983, a UNESCO elencou algumas justificativas para o estudo dessa disciplina nos currículos escolares (UNESCO apud Harlen, 1994, p. 28-29): • As ciências podem ajudar as crianças a pensar de maneira lógica sobre os fatos cotidianos e a resolver problemas práticos simples. • As ciências, e suas aplicações tecnológicas, podem ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas. As ciências e a tecnologia são atividades socialmente úteis que esperamos sejam familiares às crianças. Dado que o mundo tende a orientar-se cada vez mais num sentido científico e tecnológico, é importante que os futuros cidadãos se preparem para viver nele. • As ciências podem promover o desenvolvimento intelectual das crianças. • As ciências podem ajudar positivamente as crianças em outras áreas, especialmente em linguagem e matemática. • Um número expressivo de crianças de muitos países deixam de estudar ao acabar a escola primária, sendo esta a única oportunidade de que dispõem para explorar seu ambiente de um modo lógico e sistemático. • As ciências nas escolas primárias podem ser, realmente, divertidas.

disciplina, porque através da observação o aluno

Através dos pontos citados, podemos perceber

reflete sobre o fenômeno ocorrido e desenvolve

que o ensino de ciências vai além de simplesmente

teorias a respeito e, através da experimentação, ele

possibilitar que a criança compreenda de forma

contempla a teoria científica.

lógica o mundo ao seu redor. Além disso, ela é de

A observação, a experimentação, a comparação, o estabelecimento de relações entre fatos ou fenômenos e ideias, a leitura e a escrita de

62

fundamental importância para o seu desenvolvimento intelectual, que é essencial para a formação da criança, e quando ensinada com o propósito de

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QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

despertar o encantamento da criança pela ciência,

os Parâmetros Curriculares Nacionais (2012), a

ela pode ser realmente divertida.

criança, em sua totalidade, é um ser com direitos

2.1

que constrói sua realidade através das práticas

Inclusão no ensino de ciências

cotidianas que vivencia e, como qualquer indiví-

Possibilitar a criança que ela perceba a ciên-

duo, experimenta, questiona e constrói sentidos

cia como parte integrante do seu cotidiano é um

sobre a natureza e a sociedade, produzindo, assim,

desafio, porém, um dos maiores desafios do ensino

uma cultura. Portanto, tendo como base as carac-

está pautado em tornar esse ensino inclusivo já

terísticas inerentes a essa fase, foram estabelecidos

que conforme Brasil (1988) é dever da família, da

os princípios da Educação Infantil.

sociedade e do Estado assegurar à criança e ao ado-

A educação infantil tem, como pilares desta

lescente o direito a Educação, tendo em vista que o

modalidade, três princípios básicos conforme o

deficiente é um ser humano como qualquer outro e

PCN (2012), sendo os princípios a serem ensina-

o estado tem como dever garantir a este um ensino

dos: o Ético, relacionado ao convívio visando ao

de qualidade; porém, o que se tem observado é

bem comum e o respeito as diferentes culturas; o

uma forte resistência à inclusão destes no ensino

Político, que engloba o desenvolvimento do exercí-

regular. Segundo Sordi (2006), um aspecto impres-

cio crítico; e o Estético, que tem como característica

cindível deve ser analisado: nós fazemos parte de

o desenvolvimento da criatividade proporcionando

um país capitalista e, portanto, excludente, onde a

aos educandos a liberdade de expressão de diferen-

exclusão de pessoas sem nenhum tipo de deficiên-

tes manifestações artísticas e culturais, incluindo a

cia é marcante. Portanto, em um país onde pessoas

utilização de recursos lúdicos. Portanto, o aspecto

sem nenhuma deficiência são excluídas devido a

lúdico como é percebido precisa estar presente

sua condição marginalizada, poderiam se formular

desde os primeiros anos de ensino da criança.

apenas leis inclusivas que refletiriam essa exclu-

No entanto, como se observa na mesma litera-

são nos demais integrantes da sociedade. O que

tura, o lúdico não deve ser utilizado apenas para

se percebe atualmente é que, apesar das políticas

divertir, mas para desenvolver um comprome-

de inclusão serem formuladas, muitos ainda são

timento com aspectos sociais, como, por exem-

excluídos; assim, se deve repensar o ensino alme-

plo, a sustentabilidade do planeta, sendo este um

jando uma inclusão verdadeira, deixando de ser

fator relacionado ao ensino de ciências. Portanto,

uma utopia. Para que isso aconteça, os educado-

busca-se, através desta ferramenta, proporcionar

res precisam pensar em situações que possibilitem

também momentos de reflexão entre as crianças,

meios igualitários e com qualidade de ensino para

sendo de fundamental importância a sua utilização

todos. Levando em consideração as contribuições

para o ensino de ciências.

do ensino de ciências destacados pela UNESCO, todos devem ter acesso a este ensino de forma a serem beneficiados.

3

Metodologia O QuimKids acontece no mês de outubro, mais

Atividade lúdica como ferramenta para o ensino de ciências na educação infantil

precisamente na semana do dia das crianças, sendo

A atividade lúdica está sendo amplamente

mês de antecedência e, neste período, é feito o

utilizada nos diversos momentos da educa-

planejamento das ações a serem desenvolvidas,

ção, incluindo a educação infantil. Conforme

como: pesquisa de experimentos, organização das

2.2

anteriormente agendado com as escolas com um

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QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

atividades nas salas e a metodologia a ser utilizada

»» Piscina de maizena – em um recipiente

na apresentação. As práticas selecionadas são de

com tamanho e profundidade adequa-

fácil acesso possibilitando, assim, que os profes-

dos foram inseridas água e maizena e

sores destas crianças possam reproduzi-las com

imersas nesta ‘’piscina’’ haviam bolas

segurança e praticidade. Tais práticas possuem

de gude, as equipes, então, foram divi-

efeitos visuais fascinantes e suas explicações são

didas e quem primeiro encontrasse as

realizadas de maneira fácil e coerente, despertando

bolas de gude ganharia a competição.

desde cedo nas crianças o interesse pela Ciência.

»» Foguete – para este experimento utili-

As atividades do QuimKids foram realizadas

zaram-se álcool etílico e uma garrafa

em dois momentos: o primeiro momento, cha-

pet; o álcool é adicionado na garrafa

mado de “Mini-Química em Show”, para crianças

através de um pequeno orifício e, após

do Fundamental I, compreendendo do maternal à

sua agitação, este é derramado e põe-se

alfabetização e, o Fundamental II, que compre-

fogo nele com o auxílio de um bastão;

ende do primeiro ao quinto ano. Essa foi uma ati-

o resultado é uma enorme pressão que

vidade extra, não tendo sido utilizados materiais

impulsiona o foguete para a frente.

de baixo custo e cujo principal objetivo foi des-

• Sala de vídeo: as crianças foram colocadas

pertar o interesse das crianças pela ciência. E, no

frente a temática do QuimKids através da

segundo momento, foram criadas três salas e cada

exibição de um curta metragem, denomi-

uma delas foi designada, respectivamente, por

nado “Rua das Tulipas”, mostrando os pro-

Sala de vídeos, Sala de jogos e Sala de reciclagem,

blemas enfrentados devido a poluição como

onde foram desenvolvidas as seguintes atividades.

também os meios pelos quais decorre. Este

• Mini-Química em Show: Química em

64

momento ganhou o nome de Cinepipoca.

Show é uma atividade realizada pelo grupo

• Sala de jogos: após a exibição do vídeo os

em escolas com nível médio, sendo direcio-

alunos foram direcionados à sala de jogos,

nado para esses alunos; no entanto, foram

elaboradas com materiais alternativos e

realizadas algumas adaptações para a reali-

de baixo-custo, tendo por tema a Química

zação do Mini-Química em Show. Para este

das Sensações, que consistia dos seguintes

momento, foram selecionados alguns expe-

jogos:

rimentos com efeito visual nítido e experi-

»» Trilha ambiental – (ou jogo do meio

mentos que possibilitassem também intera-

ambiente) – este material consiste em

ção com as crianças, visando chamar a sua

um jogo de tabuleiro com enfoque no

atenção e aguçar a sua curiosidade. Nesse

descarte de materiais que possibilita aos

momento, foram realizados os seguintes

estudantes aprenderem sobre o descarte

experimentos:

em lixeiras específicas, de acordo com a

»» A cédula – neste experimento utilizam-

característica de cada material, podendo

-se os reagentes álcool isopropílico P.A

ser orgânicos, papel, vidro e plástico.

e água; quando imergida na mistura

O jogo consiste na utilização de mate-

dos dois e fornecido calor, a cédula

riais como o tabuleiro, dado e pinos; o

não entra em combustão devido ao alto

dado determina o número de casas que

calor específico da água que protege a

o jogador deve andar e se a casa cor-

nota e impede que queime.

responder a um lixo, o jogador deverá

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QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

avançar ou retornar até a casa que equi-

em questão, ou o alimento, sendo estes

vale às características do material a ser

uma maçã e alguns brinquedos. Como

descartado. O jogo acaba quando o pino

ambos não precisam da visão como

de um dos componentes da equipe che-

auxílio, alguns alunos com deficiência

gar à casa com o nome final.

visual presentes puderam participar e

»» Jogo da velha – o jogo da velha é um

algumas observações puderam ser feitas

clássico conhecido por muitos; para a

através da sua participação. O intuito

confecção deste material foram utiliza-

foi, principalmente, mostrar a ligação

dos papelão, cartolina, tinta guache, fita

entre a química e as sensações do nosso

adesiva e tampas. O material foi utili-

organismo.

zado principalmente para descontração

»» Bingo Químico – esse jogo tem como

e também para mostrar como se dá o

objetivo possibilitar a interação das

reaproveitamento de alguns materiais

crianças com os elementos químicos

que poderiam ser descartados.

presentes no cotidiano e identificar em

»» Jogo “a Química das Sensações” – os

quais materiais eles podem ser encon-

alimentos ingeridos ou a percepção de

trados. Trata-se de uma tabela, em que

alguns objetos estão relacionados com

ao invés de números, têm-se elementos

alguns sentidos do nosso corpo, como,

químicos, representados por seus sím-

por exemplo, o olfato. Este sentido está

bolos e uma imagem de algum mate-

relacionado com a percepção do sabor

rial no qual ele pode ser encontrado.

dos alimentos; geralmente, quando este

À medida que os elementos vão sendo

sentido está, de alguma forma compro-

sorteados pelo mediador do jogo, as

metido, o paladar fica também compro-

crianças marcam na tabela e o vencedor

metido. Podemos observar que, quando

é aquele que completá-la primeiro.

ficamos resfriados, praticamente não

• Sala de reutilização: nesta sala, as crian-

sentimos o gosto dos alimentos por

ças foram postas em contato com um con-

não podermos sentir o seu cheiro. O

ceito fundamental para a formação de um

tato também pode ser utilizado para

cidadão consciente: compreender a impor-

identificar alguns objetos; nos deficien-

tância da reutilização de determinados

tes visuais, geralmente, este sentido é

materiais para a preservação ambiental.

mais desenvolvido, portanto, o tato, em

Após uma breve explanação sobre o tema

alguns momentos, torna-se os olhos do

e o despertar do interesse de transformar

deficiente visual. Para este momento,

materiais considerados lixo em diversão,

foram utilizados iogurte com corante

foi o momento de começar sua confecção.

azul, e os alunos foram levados a tapa-

Foram confeccionados três materiais: um

rem o nariz e a sentirem o sabor da

bilboquê, um marca-página e um mosaico.

bebida com a finalidade de identifica-

»» Bilboquê – esse é um brinquedo antigo

rem-na, explorando, assim, os sentidos

constituído por uma esfera de madeira

paladar e olfato. Em outro momento,

(ou de forma semelhante) que possui um

os alunos tiveram os olhos vendados e

orifício central e é presa por uma corda

solicitou-se que identificassem o objeto

numa espécie de suporte. Através do

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QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

movimento das mãos, esta bola deve ser

picados de revistas antigas com variadas

encaixada no suporte. Os materiais uti-

cores. A montagem do mosaico consiste

lizados para sua confecção foram: uma

basicamente em preencher os espaços

garrafa PET descartável com tampa;

do desenho com pequenos pedaços de

jornal antigo; fita adesiva colorida; bar-

papel, dando-lhe uma aparência dife-

bante; tesoura e materiais para enfeitar

rente, criativa e divertida.

o brinquedo. A garrafa PET é cortada na altura do gargalo, lembrando uma taci-

Durante toda a atividade buscou-se a interação

nha; amassa-se o jornal até formar uma

efetiva das crianças, convidando-as a dançarem e

bolinha, com o tamanho aproximado de

a participarem das atividades experimentais e das

uma bola de ping pong. Em seguida, ela

salas. As explicações foram realizadas de forma

é revestida com durex colorido, para a

simples e corrente, propiciando, assim, um melhor

bolinha ficar consistente; corta-se cerca

entendimento, além de perceberem que a Ciência

de 30 cm de barbante, sendo que uma

está presente em tudo, o que despertou seu inte-

de suas pontas é amarrada na bolinha

resse e curiosidade.

e a outra na tampa da garrafa PET; em seguida, enfeita-se o bilboquê com os materiais que estiverem à disposição.

66

4

Resultados e discussões

»» Marca-página – esse objeto é muito útil

O conhecimento das ciências é um fator

para as crianças que estão iniciando as

imprescindível para que possamos compreender

primeiras leituras, sendo um incentivo

os acontecimentos que ocorrem a nossa volta e,

para continuarem a ler as histórias, um

atualmente, tem ganhado destaque principal-

marca-página diferente e criativo. Os

mente devido à nova formulação dos Parâmetros

materiais utilizados foram: palitos de

Curriculares Nacionais que atribuiu, às Ciências

picolé lavados e secos; caneta hidrocor;

Naturais, o papel de colaborar para que o homem

pedaços de papel em variados formatos

possa entender transformações, tornando-se um

geométricos; cola e tesoura. Cobriu-se

indivíduo participativo e parte integrante do uni-

o palito de picolé com um pedaço de

verso, capaz de questionar os diferentes modos de

papel colorido retangular; em seguida,

intervir na natureza como também compreender as

com um pequeno pedaço de papel com

diferentes formas de utilizar os recursos naturais

formato triangular, quadrado ou cir-

(Brasil, 1997).

cular, faz-se uma carinha feliz com o

A execução do QuimKids consistiu em quatro

auxílio da caneta hidrocor e, logo após,

atividades que proporcionaram aos alunos uma

cola-se o mesmo na parte superior do

visão da ciência de maneira atraente, divertida,

objeto.

integrante e essencial para a sociedade. A reali-

»» Mosaico – essa é uma atividade inte-

zação do Mini-Química em Show, com o auxílio

ressante porque se trata de uma técnica

de trilhas sonoras, propiciou uma melhor intera-

milenar, utilizada para decoração ou

ção e envolvimento dos alunos com a atividade,

registro de fatos e lendas. Os materiais

trabalhando as informações químicas passadas de

utilizados foram: desenho impresso

maneira prazerosa por estar tratando de percepção

numa folha de papel ofício e papéis

e da memória visual e auditiva. Tais características

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QuimKids – despertando o interesse pela ciência química e formando cidadãos

audiovisuais fornecem estratégias para trabalhar

-se um resultado eficiente e eficaz, uma vez que

em sala de aula, começando pelo sensorial, pelo

se tem o envolvimento e a participação total das

afetivo, antes de falar de conceitos, de teoria.

crianças.

A apresentação do curta-metragem possibilitou

O foco ambiental do QuimKids foi de grande

o entendimento das contribuições, tanto positivas

importância para a formação cidadã dos indiví-

quanto negativas, ao abordar o tema poluição e

duos, pois através do Mini-Química em Show, da

degradação do meio ambiente. Após essa conscien-

exibição do curta-metragem, dos jogos educacio-

tização, os alunos foram direcionados para a sala de

nais e da oficina de reciclagem, buscou-se possi-

jogos e química das sensações onde puderam obser-

bilitar que estes se identificassem como parte inte-

var e entender como a química está presente em seu

grante da natureza, levando-os a perceberem que

corpo, influenciando cada uma das suas sensações,

suas ações eram capazes de modificar o meio no

e se mostrando, inclusive, bastante eficaz para o

qual estavam inseridos.

ensino de ciências com alunos deficientes, já que, em sala, havia um deficiente visual que também pôde participar das dinâmicas e de alguns jogos. Na sala reciclagem, as crianças puderam compreender porque alguns materiais são mais poluentes através da explanação do tempo de degradação de alguns objetos e como poderiam contribuir para diminuir os impactos derivados da utilização destes materiais através da reciclagem para confecção de brinquedos com materiais alternativos. 5

Conclusão Os educadores devem se preocupar em desenvolver novas metodologias que despertem, desde cedo, o interesse dos alunos pelos estudos, estimulando-os, desde pequenos, na busca de um futuro promissor. Sendo assim, as atividades exibidas no QuimKids, de forma descontraída e dinâmica, são uma maneira informal de comunicação, privilegiando a imaginação e a criatividade em seus aspectos sensoriais e emocionais. Partir do concreto para o abstrato, do imediato para o mediato, da ação para a reflexão, da produção para a teorização, chamando a atenção pela sensibilidade, tem se mostrado uma boa prática. Desta maneira, tem-

6

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Artigo 07 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

p. 68-73

Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório Proposal for a Play Activity with Application of the Lynx Game for Chemistry Teaching: recognition of the glassware present in the laboratory Maria Aparecida da Costa1 e Amanda Laís Nunes Miranda1

Resumo Atividades envolvendo jogos lúdicos têm sido cada vez mais utilizadas pelos professores buscando promover um melhor aprendizado em sala de aula. Este trabalho teve como objetivo desenvolver um jogo para ajudar no reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório de química. O jogo possui uma apostila com os nomes e as figuras das vidrarias, incluindo suas utilizações, um tabuleiro com a figura das vidrarias e um total de 32 cartas contendo os nomes de cada uma. O jogo, que pode ser aplicado para alunos do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio, foi confeccionado com materiais de baixo custo por duas alunas do IFG Campus Itumbiara-GO, do curso de licenciatura em Química, e que participam do PIBID. Para comprovar a eficácia da aplicação da atividade, foi aplicado um questionário para que os alunos pudessem expor suas opiniões sobre o jogo e como o mesmo contribuiu para o processo de ensino e aprendizagem. Palavras-chave: Jogos; Ensino; Química.

1. Graduanda em Licenciatura em Química, Instituto Federal de Goiás, Campus Itumbiara-GO.


Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório

Abstract Activities involving educational games have been increasingly used by teachers, looking for a better learning in the classroom. This study aimed to develop a game for recognition the glass works present in the laboratory. The game has a booklet with names and figures of the glassworks and its uses, a board with figures of glasswares and a total of 32 cards containing the name of the glassworks. The game can be applied to students of the 1st, 2nd and 3rd year of high school. The game was made with inexpensive materials by two chemistry students of the IFG Campus Itumbiara-GO participating in the PIBID program. To prove the effectiveness of the implementation of this activity, a questionnaire directed to students was applied so that they could express their opinions about the game and how it contributed to the process of teaching and learning. Key-words: Games; Education; Chemical.

1

Introdução

Ensino Médio. Ele foi elaborado com a temática “vidrarias presentes no laboratório”, com o intuito

Os jogos e atividades lúdicas têm sido uma

de que os alunos se familiarizem com as vidrarias

forma alternativa utilizada pelos professores em

que se encontram no laboratório e tenham uma

sala de aula, buscando um maior aproveitamento

maior facilidade de fixação desses materiais. Foi

do aprendizado, e gerando nos alunos uma motiva-

utilizado como material de apoio o jogo lince, que

ção para o desempenho de suas atividades. O uso

é um jogo que usa figuras diversificadas, cada inte-

de jogos está descrito nos Parâmetros Curriculares

grante deve encontrar uma figura, e também pos-

Nacionais (PCN), pois desenvolve a capacidade

sui tabuleiros e cartas.

afetiva e as relações interpessoais, permitindo aos

O material confeccionado para a realização do

alunos colocarem-se no ponto de vista do outro,

jogo foi elaborado com 32 cartas e 1 tabuleiro; as

refletindo, assim, sobre os seus próprios pensa-

cartas possuem o nome das vidrarias e, no tabu-

mentos (Brasil, 1997).

leiro, encontram-se suas respectivas figuras. Como

O desenvolvimento de estratégias modernas e

parte integrante do jogo, existe uma apostila com

simples, utilizando experimentos, jogos e outros

figuras, nomes e utilidades das vidrarias, além de

recursos didáticos, é recomendado para dinamizar

algumas normas básicas de segurança que devem

o processo de aprendizagem em Química (Soares

ser seguidas no laboratório. Foram elaboradas as

et al., 2003). No momento em que o aluno encara

regras e como se deve proceder para a realização

o jogo como uma brincadeira, aprende o conteúdo

do jogo, fazendo com que sua aplicação alcance o

sem perceber (Kishimoto, 1994). Segundo Luckesi

resultado esperado. Ao final do jogo é aplicado um

(2002), há uma necessidade de se abordar a ques-

questionário aos alunos, que busca extrair como

tão das atividades lúdicas de um ponto de vista

aquele contribuiu para a aprendizagem, relatando,

interno, ou seja, compreender a experiência lúdica

assim, seus pontos positivos e suas limitações.

como uma experiência interna de quem a vivencia.

No percurso da criação e da elaboração desse

O presente trabalho teve como proposta o

jogo, foi possível perceber e compreender como

desenvolvimento de um jogo, lince química, e

é importante o trabalho docente, sua dimensão e

pode ser trabalhado com alunos do 1º ao 3º ano do

a necessidade de buscarem-se formas alternativas

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

69


Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório

para suas aulas, fazendo com que os alunos criem,

O ensino da Química, quando trabalhado somente

em si, uma motivação pelas aulas de Química. Isso

de forma teórica, pode dificultar muito a compre-

nos leva a uma busca incessante por alternativas

ensão dos alunos. É de fundamental importância

que possam reverter ou modificar nossa realidade;

que o professor trabalhe metodologias diferencia-

para tanto, muitos estudos têm sido realizados,

das, tornando, assim, a disciplina mais atrativa, e

com o objetivo de encontrar essas alternativas que

promovendo um melhor entendimento do determi-

possam melhorar o ensino de Química (Wanderley

nado conteúdo que está sendo estudado.

et al., 2005).

Sendo assim, segundo Santos (1997), além dos conhecimentos teóricos, é necessário que o edu-

2

cador tenha a oportunidade de vivenciar situações

Fundamentação teórica

lúdicas associadas à aprendizagem escolar, pois

Atividade lúdica é todo e qualquer movimento que tem como objetivo produzir prazer quando de sua execução, ou seja, divertir o praticante. Se há regras, essa atividade lúdica pode ser considerada um jogo (Soares, 2008).

essas experiências poderão facilitar a utilização do lúdico na prática docente, tornando esse processo mais natural e significativo. Portanto, existe uma maior facilidade ao avaliar os alunos com a utilização de jogos, pois estes terão uma maior tranquilidade em solucionar os problemas e uma aprendizagem mais satisfatória.

O adulto que volta a brincar não se torna criança novamente, apenas ele convive, revive e resgata com prazer a alegria do brincar, por isso é importante o resgate desta ludicidade, afim de que se possa transpor essa experiência para o campo da educação, isto é, a presença do jogo (Friedmann, 1996, p. 14).

É necessário que todos estejam empenhados em alcançar resultados positivos e significativos para a educação. Professores, alunos e a comunidade escolar como um todo, são sujeitos que devem participar ativamente do processo de ensino-aprendizagem, pois se sabe que existem dificuldades, des-

Segundo Kishimoto (1994), o jogo, conside-

motivação e pouco incentivo, mas isso não pode

rado um tipo de atividade lúdica, possui duas fun-

ser um empecilho na busca para melhorar o ensino

ções: a lúdica e a educativa. Elas devem estar em

(Souza; Falconieri, 2006).

equilíbrio, pois se a função lúdica prevalecer, não

Os jogos proporcionam ao aluno uma forma

passará de um jogo, e se a função educativa for

prazerosa e divertida de estudar, além de ofere-

predominante, será apenas um material didático.

cer ao professor uma maneira diferente de avaliar

Os jogos são indicados como um tipo de recurso

a assimilação do alunado em relação aos conteú-

didático educativo que pode ser utilizado em

dos estudados, de revisar conteúdos ou como um

momentos distintos, como na apresentação de um

meio mais dinâmico de fixar o conhecimento, per-

conteúdo, na ilustração de aspectos relevantes ao

mitindo a identificação de erros de aprendizagem

conteúdo, como revisão, ou síntese de conceitos

(Zanon et al., 2008). Quando as situações lúdicas

importantes, e na avaliação de conteúdos já desen-

são criadas pelo professor visando estimular a

volvidos (Cunha, 2004).

aprendizagem, revela-se então a dimensão educa-

Segundo os PCNs (Brasil, 1999), a Química não

tiva (Szundy, 2005); Soares (2008) defende o uso

deve ser entendida como um conjunto de conhecimen-

de atividades lúdicas, dentre elas os jogos didáti-

tos isolados, prontos e acabados, mas sim como uma

cos, como ferramentas para auxiliar a construção

construção da mente humana, em contínua mudança.

do aprendizado.

70

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório

3

Procedimentos metodológicos O trabalho foi desenvolvido com alunos do 1º, 2º e 3º anos do Ensino Médio, variando-se o nível de conhecimento dos materiais e vidrarias encontradas no laboratório. O objetivo é que, com essa técnica, haja uma contribuição para que os alunos se familiarizem com as vidrarias presentes no laboratório. O jogo é constituído por cartas, contendo o nome das vidrarias consideradas mais utilizadas no laboratório de Química, um tabuleiro e uma apostila de estudo; em cada uma dessas cartas existe

jogador encontrar a figura que foi sorteada. O jogo de Lince é um jogo de competição e tem como objetivo desenvolver a atenção e a agilidade dos participantes. O jogo lince química pretende, além desses objetivos, proporcionar aos alunos uma maneira criativa e alternativa de memorizarem as vidrarias presentes no laboratório. A Figura 1 representa um momento de uma aplicação do jogo, no qual se tem uma carta com o nome de um dos materiais presentes no laboratório e uma tampinha em cima dele no tabuleiro.

o nome de uma vidraria e, no seu verso, a utilização da mesma. No tabuleiro existem as figuras das vidrarias que têm os nomes escritos nas cartas. Uma das regras a ser considerada é o tempo, e a sala é dividida em grupos, dependendo da quantidade de alunos presentes. Como o jogo foi confeccionado com materiais de baixo custo, cada grupo pode ter um exemplar do mesmo. Para dar início ao jogo, cada aluno pegará uma carta que estará dentro de um envelope; após todos pegarem a carta, eles procuram no tabuleiro a figura de sua respectiva carta. Assim que todos

Figura 1.  Momento de procurar a figura no tabuleiro.

encontrarem a figura, tornarão a pegar outra carta e a repetir o processo. Os alunos podem usar um papel para marcar sua pontuação, e assim, quando acabarem todas as cartas, decidirem quem é o vencedor. Como prêmio, o professor pode usar bombons e pedir para que eles os distribuam entre si. No momento da aplicação do jogo é necessário que o professor esteja atendendo a todos os grupos nas dúvidas que forem surgindo. No final, haverá a aplicação de um questionário aos alunos para que expressem suas opiniões sobre o jogo.

Antes da aplicação do jogo é necessário que o professor responsável pela atividade utilize a apostila, que é parte integrante das peças do jogo, pois a mesma não poderá ser utilizada durante o jogo. Nessa apostila se encontram as figuras de todas as vidrarias que estão no tabuleiro e suas utilidades; no final da apostila tem algumas normas básicas de segurança de laboratório. Após a aplicação do jogo lince química, pode-se aplicar um questionário aos alunos para verificar se a atividade foi bem-sucedida. O questioná-

4

Resultados e discussões

rio a ser aplicado está descrito no Quadro 1. Espera-se, com a aplicação desse questioná-

O jogo lince química, teve como material de

rio, extrair dos alunos as contribuições e limita-

apoio o jogo lince, que é um jogo que possui figu-

ções que o jogo proporcionou, procurando, assim,

ras diversificadas e tem como objetivo para cada

melhorar sua aplicação. O questionário possui

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório

Quadro 1.  Questionário a ser aplicado ao se finalizar o jogo. Perguntas

Respostas

1. O jogo auxiliou na fixação do conteúdo, após o mesmo ter sido exposto? 2. Aprende-se melhor o conteúdo introduzindo-o com jogo? 3. Contribuiu para melhorar os relacionamentos, uma vez que foi uma atividade desenvolvida em grupo? 4. Auxilia no sentido de tornar a aula mais atrativa? 5. Despertou seu interesse em estudar mais o conteúdo? 6. O jogo aplicado é de fácil compreensão? 7. Trabalhando o conteúdo em grupo foi possível sanar algumas dificuldades? 8. Atividades com jogos podem ser trabalhadas em outras disciplinas? 9. Você encontrou alguma dificuldade na realização do jogo? 10. Você possui alguma critica e sugestão sobre a atividade desenvolvida?

questões somente abertas, pois, assim, podem-se

ensino, mas apenas colaboram para que as aulas

extrair outras concepções que podem não estar

se tornem mais produtivas e facilitem a aprendiza-

relatadas nas perguntas.

gem. Os jogos lúdicos utilizados em sala de aula devem ser vistos pelo professor como suporte para

5

suas aulas e motivação aos alunos.

Comentários finais O jogo pode ser uma oportunidade de entrosamento entre aluno-professor como forma de enriquecimento e motivação para a aprendizagem. É uma atividade em que se reconstroem as relações sociais e, embora possa ser aplicado com uma grande variedade de temas, todo ele contribui, por princípio, ao mesmo conteúdo: a atividade do homem e as relações sociais entre as pessoas (Elkonim, 1998). Os jogos lúdicos, além de propiciarem aos educadores uma forma alternativa de ministrar seus conteúdos, contribuem para uma melhor interação entre professor e aluno, e uma melhor convivência dos alunos com seus colegas de classe. É importante esclarecer que as atividades lúdicas não substituem os métodos tradicionais de

72

6

Referências BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC; SEMTEC, 1997. CUNHA, M. B. Jogos no ensino de química: considerações teóricas para sua utilização em sala de aula. Química Nova Na Escola, v. 34, n. 2, p. 92-98, maio 2012. Disponível em: <http://www.qnesc.sbq.org. br/online/qnesc34_2/07-PE-53-11.pdf>. Acesso em: 12 maio 2014. ELKONIN, D. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. FRIEDMAN, A. Brincar, crescer e aprender – o resgate do jogo infantil. São Paulo: Moderna, 1996. KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. São Paulo: Pioneira, 1994. LUCKESI, C. Ludicidade e atividades lúdicas: uma abordagem a partir da experiência interna.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Uma Atividade Lúdica com Aplicação do Jogo Lince para o Ensino de Química: reconhecimento das vidrarias presentes no laboratório

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www.abq.org.br/cbq/2006/trabalhos2006/13/68-IC647-835-13-T1.htm>. Acesso em: 05 dez. 2014. SZUNDY, P. T. C. A construção do conhecimento do jogo e sobre o jogo: ensino e aprendizagem de LE e formação reflexiva. Tese (doutorado em linguística aplicada e estudos da linguagem) PUC – São Paulo, 2005. WANDERLEY, K. A. et al. Pra gostar de química: um estudo das motivações e interesses dos alunos da 8ª série do ensino fundamental sobre química. Resultados preliminares. Resumo do I CNNQ, 2005. ZANON, D. A. V. et al. Jogo didático Ludo Químico para o ensino de nomenclatura dos compostos orgânicos: projeto, produção, aplicação e avaliação. Ciências & Cognição, v. 13, n. 1, p. 72-81, 2008.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Artigo 08 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

p. 74-84

Mãos na Massa: a química na panificação Hands-on: the chemistry involved in panification and bread-making Thiago Henrique Barnabé Corrêa1 e Pedro Faria dos Santos Filho2

Resumo Do amassamento ao cozimento, muitos fenômenos químicos podem ser observados no preparo de pães, o que demonstra uma riqueza conceitual do tema alimentos quando empregado no ensino de Ciências. Ao explorar a cozinha e os alimentos, como o pão, a química torna-se uma abordagem global que permeia outras áreas do saber e ganha sentido no dia a dia do aluno. A fim de apresentar os alimentos como uma abordagem promissora para o ensino de conceitos de Química, em particular, explorando a química por trás da panificação, sob os mais diferentes aspectos, desde a constituição de seus componentes até a sua preparação caseira, este artigo traz interpretações para alguns fenômenos que ocorrem na cozinha, sob a ótica da Química. Palavras-chave: Química dos alimentos; Fermentação; Ensino de química. Abstract From kneading to baking, many chemical phenomena can be observed in the preparation of bread, which shows a conceptual richness of theme foods when used in the teaching of science. To explore the cuisine and the food, such as bread, chemistry becomes a global approach that permeates other areas of knowledge and makes sense in everyday life of the student. In order to present the food as a 1. Professor do Departamento de Educação em Ciências, Matemática e Tecnologias da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (DECMT/UFTM), Univerdecidade, Uberaba/MG – Brasil. 2. Professor do Departamento de Química Inorgânica da Universidade Estadual de Campinas (IQ/ Unicamp) – Instituto de Química CP 6154.


Mãos na Massa: a química na panificação

promising approach to the teaching of chemistry concepts, in particular exploring the chemistry behind the bakery, under many different aspects, from the formation of its components to your home preparation, this article aims to interpret some phenomena in the kitchen from the chemistry perspective. Key-words: Food chemistry; Fermentation; Chemistry teaching.

1

Introdução

cereais de que o homem dispunha, ele percebeu que a farinha proveniente do trigo era uma das

Quando estamos cozinhando, dificilmente

poucas que, quando misturada à água, fornecia

pensamos na relação da Química com os alimen-

uma massa pegajosa e glutinosa, diferentemente

tos, mesmo que estes estejam sofrendo inúmeras

do mingau formado a partir de outras farinhas. De

transformações. Ainda que cozinhar não exija um

qualquer forma, nem sempre existiu tanta varie-

conhecimento químico avançado, não podemos

dade de pão como é encontrada atualmente e esse

negar que esta Ciência pode ser uma grande aliada

desenvolvimento só foi possível graças à contri-

no preparo de alimentos e, da mesma forma, nos

buição da Química, em especial, aos avanços no

ajudar a interpretar fenômenos e resolver proble-

processo de fermentação. Em outras palavras, o

mas do nosso dia a dia.

pão é, no sentido técnico da palavra, uma desco-

Segundo Bolaffi (2000), o pão foi um dos

berta química.

primeiros alimentos elaborados e relativamente

Ainda que a temática pareça trivial, o preparo

transformados pela humanidade, na transição

de pães carrega muitos conceitos químicos que

da Pré-história para a História. Popular na nossa

podem ser inseridos no ensino desta Ciência, tais

mesa e uma das receitas mais antigas, existente há

como ligações químicas, forças intermoleculares,

cerca de seis mil anos, o pão é um dos alimentos

reações redox, reações orgânicas e fermentação.

mais consumidos no mundo (Jacob, 2003). De

Além disso, ela também contribui para gerar per-

acordo com a Associação Brasileira da Indústria

guntas que tornem o processo de ensino e aprendi-

de Panificação e Confeitaria (ABIP), em 2011, o

zagem mais interessante, prazeroso e significativo.

consumo brasileiro de pães foi de 33,5 quilos por

Normalmente, a maioria das pessoas não se

habitante ao ano, quantia considerada abaixo da

questiona por que o pão cresce ou por que sova-

recomendada pela Organização Mundial da Saúde

mos a massa durante a sua preparação; ou então,

(OMS), que é de 60 quilos (hab/ano), e pequena se

por que será que, com o passar do tempo, o pão

comparada a países vizinhos como o Chile (98 Kg)

endurece e a bolacha, feita praticamente dos mes-

e a Argentina (82,5 Kg).

mos ingredientes, amolece.

O pão, da maneira que o conhecemos hoje, se

A fim de apresentar a cozinha como um labo-

deve ao resultado do desenvolvimento humano no

ratório alternativo, que pode ser visto como o local

campo alimentício ao longo do tempo. É muito

onde “pôr as mãos na massa” encontra a sua aplica-

provável que, inicialmente, o homem tenha inge-

ção mais literal, objetivamos explorar o potencial

rido um mingau constituído de farinha e água,

educativo da Química dos Alimentos, promovendo

sendo que esta farinha poderia ser obtida a partir

assim a aproximação dos conceitos químicos tra-

dos mais diferentes cereais, que eram moídos para

tados no ensino médio ou superior aos fenômenos

produzi-las. Entretanto, dentre toda a variedade de

cotidianos, em especial, no preparo de pães.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Mãos na Massa: a química na panificação

2

lares que podem se estabelecer entre as cadeias são

A Química do pão nosso de cada dia Mais do que uma mera mistura, a composição dos ingredientes do pão é a chave para entendermos as transformações que ocorrem durante a sua preparação. Basicamente, o processo de preparo do pão se dá em três etapas, que são o amassamento, a fermentação ou levedação, e o cozimento; seus principais ingredientes são farinha de trigo, água, fermento e sal. Embora a farinha seja o ingrediente majoritário,

ligações hidrogênio, forças de van der Waals, interações eletrostáticas e pontes dissulfeto. Algumas destas interações são exemplificadas na Figura 1. Cadeia proteica

Cadeia proteica

Ligação hidrogênio CH2

NH2

O

OH

C

CH2

+

NH3

CH2

o fermento e o sal são indispensáveis para a formação de uma massa mais forte e menos pegajosa, que

A mistura de farinha de trigo e água e o amassamento

CH2

O C

CH

CH

CH2

CH2

O

CH2

se expande antes mesmo do cozimento.

3

CH2

Interação eletrostática

CH3

CH3

CH3

CH3

CH

CH3 H3C

CH3

CH2 CH CH3

Forças de van der Waals

A farinha de trigo apresenta cerca de 10-12% de proteínas; estas proteínas, de maneira simplificada, podem ser divididas em dois grupos predominantes: albumina e globulina (15%) e gliadina

Figura 1. Tipos de interações existentes entre cadeias proteicas.

e glutemina (85%). Estes dois grupos de proteínas é que formarão o glúten na massa do pão. Além

As pontes dissulfeto intramoleculares pre-

disso, a farinha apresenta também o amido, consti-

sentes na gliadina, ligando fragmentos de uma

tuído de amilose e amilopectina.

mesma cadeia, justificam a sua conformação ou

Como a gliadina e a glutemina são as proteínas

arranjo “enrolado” e o seu baixo peso molecular

majoritárias presentes na farinha de trigo, é impor-

(Figura 2). Por outro lado, na glutenina, as pontes

tante conhecê-las um pouco melhor. Enquanto a

dissulfeto ocorrem entre fragmentos de cadeias

gliadina tem massa molar na faixa 25000-100000,

diferentes, unindo-as e resultando em um alto

a glutemina apresenta massa molar que pode variar

peso molecular e um arranjo mais linear.

de 40000 até milhões. A diferença entre essas proteínas é atribuída às forças intra/intermoleculares de suas cadeias carbônicas; enquanto na gliadina

S S

predominam as ligações intramoleculares, na

S S

glutemina predominam as interações intermoleculares. Em função desta diferença, a gliadina apresenta menor massa molar e baixa elasticidade, enquanto a glutemina apresenta maior massa molar e alta elasticidade. Devido à natureza dos átomos presentes nas cadeias proteicas, as interações intra/intermolecu-

76

S S

S S Figura 2. Representação pictórica das pontes dissulfeto intramoleculares na gliadina.

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Mãos na Massa: a química na panificação

Este conjunto de interações intra e intermoleculares é responsável pela formação de agregados

unidades ou aglomerados menores de gliadina e glutenina se misturem.

distintos e estáveis de gliadina e glutenina na fari-

Isso significa que, quando misturamos farinha

nha de trigo. Contudo, vale à pena lembrar que,

de trigo e água, forma-se uma massa pegajosa que,

em termos de força de interação, as ligações hidro-

com o passar do tempo, durante o amassamento,

gênio, bem como as forças de van der Waals, são

permanece com o mesmo aspecto pegajoso, mas

mais fracas que ligações covalentes convencionais

que, do ponto de vista de interações intermolecu-

nas quais vários núcleos atraem simultaneamente

lares entre cadeias proteicas, sofre uma profunda

os mesmos elétrons. Porém, como as cadeias

alteração. Durante o amassamento, fornecemos

proteicas são muito grandes, o número de intera-

energia mecânica à massa e acabamos por provo-

ções, seja ligação hidrogênio ou forças de van der

car a ruptura ou troca das forças intermoleculares

Waals, é muito grande, e isso justifica a estabili-

por novas interações entre cadeias de moléculas

dade da estrutura enrolada da gliadina. Da mesma

de proteínas diferentes, uma vez que as interações

forma, as longas cadeias da glutenina são unidas

continuam sendo do mesmo tipo.

por grande número de interações do tipo ligação

Em outras palavras, o amassamento da mistura

hidrogênio e forças de van der Waals, além das

de farinha de trigo e água permite que moléculas

pontes dissulfeto entre cadeias vizinhas.

de glutemina e gliadina se misturem. Entretanto,

Diferentemente das ligações hidrogênio e das

esta mistura não é apenas mecânica, como poderí-

forças de van der Waals, as pontes dissulfeto são

amos imaginar inicialmente. Na verdade, quando

formadas a partir da ligação covalente entre dois

adicionamos água à farinha, trocamos as ligações

átomos de enxofre de cadeias vizinhas, que as

hidrogênio intra ou intermoleculares por ligações

mantém unidas e mais lineares, embora esta não

hidrogênio com a água. Ao mesmo tempo, forne-

seja uma ligação covalente tão forte quanto as

cemos energia mecânica para romper as intera-

outras presentes na cadeia proteica. Este conjunto

ções intermoleculares fracas e separar as cadeias

de interações justifica a estabilidade da farinha de

proteicas. Após a separação das cadeias, tanto de

trigo, onde estão presentes os agregados de glia-

gliadina quanto de glutemina, o amassamento

dina e glutenina que se formaram quando os grãos

permite que elas se misturem e estabeleçam novas

de trigo foram triturados.

interações, tanto ligações hidrogênio e forças de

Entretanto, ao se misturar água e farinha de

van der Waals, quanto de novas pontes dissul-

trigo, as interações intra/intermoleculares pre-

feto em cadeias mais lineares e organizadas de

sentes nos agregados de gliadina e glutenina são

glutemina.

alteradas irreversivelmente. As ligações hidro-

Esta massa ou mistura, com nova organização

gênio, sejam elas intra ou intermoleculares, são

estrutural, recebe o nome de glúten, e esta alte-

substituídas por ligações hidrogênio com as molé-

ração organizacional ocorrida na massa é agora

culas de água. Isso faz com que os agregados de

irreversível, mesmo eliminando-se a água. As alte-

gliadina e glutenina se separem em fragmentos

rações ocorridas ao longo do amassamento podem

menores ou discretos, todos eles interagindo ainda

ser representadas, tentativamente, conforme mos-

com a água, ao mesmo tempo em que permite que

trado na Figura 3.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Mãos na Massa: a química na panificação

as cadeias de proteínas, contribuindo, assim, para a

Glutenina Glutenina

formação de uma massa mais forte e menos pegajosa. Nas situações em que consideramos as interações entre cadeias muito longas, os conceitos

+ energia

de forças intermoleculares devem ser reavaliados

+ H 2O

quanto à sua importância. No caso específico do Gliadina

Gliadina

pão, temos as cadeias de gliadina e glutemina, que

Gluten

são muito longas; as interações entre estas cadeias entre si acabam sendo mais fortes que aquelas

Figura 3.  Formação de glúten a partir de gliadina e glutenina.

entre estas cadeias e as moléculas de água, de maneira que a farinha de trigo não se dissolve na

De acordo com Mizukami, Takeda e Hizukuri

água, mas acaba formando uma massa aglutinada

(1999), os grânulos de amido presentes na farinha

e pegajosa.

são misturas heterogêneas de duas macromolé-

A pequena quantidade de sal de cozinha adi-

culas, amilose (24%) e amilopectina (76%), que

cionada à mistura de farinha de trigo e água acaba

diferem no tamanho molecular e no grau de rami-

interferindo na elasticidade da massa. Os íons Na+

ficação. A amilose é uma molécula linear formada

e Cl– interferem na organização e na maior ou

por unidades de glicose ligadas em a-1,4, apresen-

menor aproximação entre as cadeias, principal-

tando pequeno número de ramificações (Buléon et

mente as de glutemina.3 De acordo com a intera-

al., 1998); enquanto a amilopectina é uma molé-

ção entre os íons e as cadeias, a massa formada a

cula altamente ramificada, também composta de

partir da mistura de farinha de trigo e água pode

unidades de glicose ligadas em a-1,4, mas com 5

ser mais ou menos coesa ou pegajosa. Isso quer

a 6% de ligações a-1,6 nos pontos de ramificação

dizer que as interações eletrostáticas íon-dipolo

(French, 1984; Lineback, 1984).

entre os íons individuais e as cadeias interferem no empacotamento destas últimas, induzindo o seu empacotamento e formando o glúten. Isso indica que o sal adicionado à mistura não serve apenas para provocar uma sensação de sabor salgado na mesma, mas sim para ajustar a coesão e a firmeza da massa. 5

Fermentação Agora que sabemos a importância de se amassar o pão, estamos prontos para compreender a segunda etapa do processo: a fermentação, também chamada de levedação (do latim levere =

4

elevar/tornar leve). O sucesso deste fenômeno

O sal na mistura de farinha de trigo e água A presença dos íons sódio e cloreto é indispensável para maior organização e aproximação entre

78

3. É mais ou menos o mesmo efeito provocado pela presença de íons entre as camadas no grafite, que influenciam na dureza do mesmo.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Mãos na Massa: a química na panificação

químico se deve a dois personagens, o amido, pre-

Sabe-se que o desenvolvimento dos levedos é

sente na farinha de trigo, e principal fonte de açú-

mais rápido a 35 ºC; entretanto, nesta temperatura,

car, e o fermento biológico, um fungo pertencente

metabólitos amargos são gerados, o que tornaria

à família das leveduras chamado Saccharomyces

o pão menos atrativo. Dessa maneira, indica-se a

cerevisae. Mesmo em pequena quantidade, e

temperatura entre 27 e 35 ºC. É importante dizer

sendo um ser vivo muito simples (unicelular), a

que, acima de 45 ºC, a atividade enzimática das

levedura desempenha um grande papel no preparo

leveduras começa a baixar devido à desnaturação

de pães. Para se ter uma ideia, 1 grama de fermento

das moléculas, além de levar à morte celular. Por

biológico possui aproximadamente 25 bilhões de

isso, costuma-se envolver a massa com um pano

Saccharomyces cerevisae.

para a manutenção da faixa adequada de tempe-

A mistura de açúcar e alguns microorganismos

ratura (This, 2007; Manarini, 2013). Um período

como a levedura é uma combinação perfeita, já

entre 40 e 120 minutos é necessário para se atingir

que essa última se alimenta da glicose presente no

o limiar da reação de fermentação.

amido que, através da ação de catalisadores bioló-

Apesar de não ser comum o emprego do fer-

gicos – enzimas (zimase e invertase) – decompõem

mento químico no preparo de pães, qual a diferença

a glicose em álcool etílico e dióxido de carbono em

entre o fermento biológico, também chamado de

um processo denominado de fermentação anaeró-

fermento de padaria, e o fermento químico (em

bica (na ausência de oxigênio).

pó)? Por que devemos armazenar o fermento biológico na geladeira enquanto o fermento químico

C6H12O6(aq) glicose

zimase / invertase

2C2H6O(aq) etanol

+

2CO2(g) dióxido de carbono

Fermentação anaeróbica

deve ser conservado em local seco e fresco? De acordo com a Resolução nº 38 de 1977 da Comissão Nacional de Normas e Padrões para Alimentos (CNNPA), o fermento químico é definido como o produto formado de substância ou

Como já afirmamos, o amido é uma mistura de

mistura de substâncias químicas que, pela influên-

duas macromoléculas – a amilose e a amilopec-

cia do calor e/ou umidade, produz desprendimento

tina – formadas por unidades menores (glicose)

gasoso capaz de expandir massas elaboradas com

ligadas entre si. Ao misturarmos a farinha com a

farinhas, amidos ou féculas, aumentando-lhes o

água estamos promovendo a quebra das ligações

volume e a porosidade. Ainda segundo a referida

entre essas moléculas (hidrólise) e, assim, dispo-

resolução, para que um produto seja definido como

nibilizando a glicose no meio para o consumo das

fermento químico este deverá atender à seguinte

leveduras.

especificação (característica físico-química): 18 g

Descrita na primeira etapa, a sova se torna

de fermento químico, deverão libertar (média de 3

muito importante para o processo de fermentação

amostras) no mínimo 1450 mL (mil quatrocentos e

uma vez que tem por finalidade misturar os ingre-

cinquenta mL) de dióxido de carbono, calculados a

dientes e formar as redes (cadeias) de glúten. São

25°C e 700 mm de Hg (ANVISA, 1977).

essas redes que aprisionam o CO2 liberado pelas

De acordo com a ANVISA, na composição dos

leveduras (Manarini, 2013), o qual exerce uma

fermentos químicos poderão entrar como compo-

força multidirecional e proporciona a expansão da

nentes essenciais as seguintes substâncias ou com-

massa e, consequentemente, o seu crescimento.

binação entre elas:

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Mãos na Massa: a química na panificação

Ácido Cítrico

Carbonato de Potássio

Gluconato de Cálcio

Ácido Fosfórico

Citrato de Potássio

Glucono delta lactona

Ácido Fumárico

Citrato de Sódio

Hidrogeno Fosfato de Amônio

Ácido Málico

Dihidrogeno Fosfato de Amônio

Hidrogeno Fosfato de Cálcio

Ácido Lático

Dihidrogeno Fosfato de Cálcio

Hidrogeno Fosfato de Potássio

Ácido Tartárico

Dihidrogeno Fosfato de Potássio

Hidrogeno Fosfato de Sódio

Bicarbonato de Amônio

Dihidrogeno Fosfato de Sódio

Hidrogeno Tartarato de Potássio

Bicarbonato de Potássio

Dihidrogeno Pirofosfato de Cálcio

Hidrogeno Tartarato de Sódio

Bicarbonato de Sódio

Dihidrogeno Pirofosfato de Potássio

Lactato de Cálcio

Carbonato de Amônio

Dihidrogeno Pirofosfato de Sódio

Sulfato de Cálcio

Carbonato de Cálcio

Fosfato duplo de Alumínio e Sódio

Os fermentos químicos são compostos ou

2 H3PO4 + 2 H2O → 2 H3O+ + 2 H2PO4–

misturas de compostos que se apresentam no

CO32– + 2 H3O+ → H2CO3 + 2 H2O

estado sólido. Quando são compostos individu-

H2CO3 → CO2 + H2O

ais, eles se apresentam no estado sólido à temperatura ambiente, e devem obedecer a condição de apresentar tanto caráter ácido, quanto básico de Bronsted. Um exemplo disso é o bicarbonato de sódio (NaHCO3) que, na presença de água, se dissocia e sofre as seguintes transformações:

Novamente, este conjunto de transformações poderia ser, simplificadamente, representado pela equação: 2 H3PO4 + CO32– → CO2 + H2O + 2 H2PO4– Tomando-se esta última reação como exem-

HCO3– + H2O → CO32– + H3O+

plo, e aplicando-se a definição utilizada pela

HCO3– + H3O+ → H2CO3 + H2O

ANVISA, de que 18 g do fermento devem liberar

H2CO3 → CO2 + H2O

1450 mL de CO2, a 25 ºC e 700 mmHg, temos

Nestas transformações, observamos que o íon

que a mistura de ácido fosfórico e carbonato de

HCO3– manifesta tanto o seu caráter ácido quanto o

cálcio deve ser constituída de cerca de 70%, em

básico de Bronsted, e este caráter só é manifestado

massa, de ácido fosfórico e 30%, em massa, de

em presença de água. Muitas vezes, apenas para faci-

carbonato de cálcio. Em outras palavras, para

litar, estas transformações são, simplificadamente,

que 18 gramas deste fermento liberem 1450 mL

representadas pela equação a seguir. Entretanto, não

(2,40 g) de CO2, a mistura deve ser constituída

podemos perder de vista o conceito de acidez e basi-

de 12,54 g (69,66%) de ácido fosfórico e 5,46 g

cidade de Bronsted envolvido na transformação.

(30,33%) de carbonato de cálcio. Na verdade, a definição da ANVISA para o fermento estabelece

2 HCO3– → H2O + CO2 + CO32–

a relação que deve haver entre as quantidades dos

Por outro lado, existem muitas combinações

constituintes presentes na mistura utilizada para

entre os compostos citados pela ANVISA, que

expandir a massa do pão.

podem ser utilizadas como fermento químico. Por

Independentemente

da

combinação

utili-

exemplo, um fermento químico formulado a partir

zada, ela deve apresentar um ácido e uma base de

da mistura de ácido fosfórico (H3PO4) e carbonato

Bronsted, em que o caráter ácido/base só se mani-

de cálcio (CaCO3), na presença de água, sofre as

festa quando se adiciona água ao meio. Isso impõe

seguintes transformações:

a condição de que ambos os compostos devem

80

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Mãos na Massa: a química na panificação

ser sólidos à temperatura ambiente e devem ser

mico ou biológico, se separe uma pequena amostra

armazenados na ausência de umidade. Isso acon-

da massa e a amolde na forma e tamanho de uma

tece porque o caráter ácido/base de Bronsted só

bolinha de gude; em seguida, deve-se introduzir

se manifesta na presença de água, ou seja, o ácido

essa bolinha de massa em um copo com água.

fosfórico, na ausência de água, não é ácido ou não

Observa-se que, ao introduzir a bolinha no copo

tem o seu caráter ácido manifestado porque não

com água, ela afunda. Isso indica que ela é mais

existe ali um aceptor de próton. O mesmo pode-

densa que a água, ou seja, que ela ocupa o espaço

mos dizer da base de Bronsted. Desta maneira,

mais eficientemente que a água.

enquanto a mistura do ácido com base estiver na

Continuando, o conhecimento popular orienta

ausência de umidade, ela permanece inalterada e

que é ideal esperar que a bolinha de massa flutue

pode ser armazenada por longos períodos.

na superfície da água antes de esticá-la e assá-la.

Por outro lado, se a mistura for armazenada

Na verdade, durante o tempo que a bolinha se

inadequadamente, ou em local impróprio, que

encontra no fundo do copo com água, o ácido e

favoreça a manifestação dos caráteres ácido e

a base que constituem o fermento químico estão

básico, os dois componentes da mistura reagirão e

reagindo e liberando um gás, normalmente o CO2.

liberarão um gás, tornando a mistura inativa para a

À medida que o gás vai sendo liberado, a massa

finalidade para a qual se destinava.

vai se expandindo, mas mantendo o mesmo peso,

O conceito ou definição ácido/base de Bronsted

ou seja, a mesma massa passa a ocupar um volume

explica ou justifica a aplicação das misturas defini-

maior. Desta maneira, com o passar do tempo, o

das pela ANVISA como fermentos químicos. Em

gás vai sendo liberado, mas permanece aprisio-

qualquer caso, a base é potencialmente capaz de

nado na massa que se expande e vai se tornando

eliminar um gás (CO2 ou NH3), razão pela qual os

menos densa. Em outras palavras, a mesma massa

seus íons essenciais nas misturas são carbonato,

passa a ocupar um volume maior do que quando

bicarbonato ou amônio. Por outro lado, a grande

ela foi colocada para descansar.

maioria dos ácidos empregados nas misturas são

Esse aumento de volume da massa vai acon-

orgânicos e/ou fracos, desde que se apresentem

tecendo gradativamente, até que a relação entre a

no estado sólido e sejam inertes à temperatura

massa de farinha, expressa em gramas, e o volume

ambiente e na ausência de umidade.

ocupado pela mesma, expresso em cm3, se torne

O fato de estes ácidos serem fracos justifica a

menor do que um, fazendo com que a bolinha boie

prática de que a massa formada a partir da farinha

na superfície da água. Isso indica que uma quanti-

de trigo deva ‘descansar’ durante algum tempo,

dade suficiente de gás foi liberada e a massa já se

antes de ser esticada. O descanso garante que

expandiu o suficiente e está pronta para ser esti-

toda a base seja consumida, eliminando o gás que

cada e assada.

expande a massa. Mas, qual o tempo necessário para que a fermentação esteja concluída? 6

O teste da bolinha

7

Cozimento A amilose e a amilopectina, constituintes dos grãos de amido presentes na farinha de trigo, resis-

Para aqueles que estão habituados a fazer pão

tem a todas as transformações e procedimentos

caseiro, o conhecimento popular recomenda que,

efetuados na massa de farinha de trigo. A amilose

após o amassamento na presença de fermento quí-

ainda se encontra dissolvida em água e misturada

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Mãos na Massa: a química na panificação

à massa; como a água evapora durante a cocção,

cialmente em meio alcalino com 3 etapas distintas

ela arrasta parte da amilose para a superfície, onde

conforme pode ser observado na Figura 4.

ela se recristaliza, tornando-se dura e cristalina.

A reação de Maillard se desenvolve numa série

Como a amilose recristalizada se encontra agora

de etapas em que ocorre, inicialmente, a formação

na superfície da massa que está sendo cozida, esta

da base de Schiff a partir da glicose e um ami-

se torna dura e consistente.

noácido. Em seguida, ocorrem rearranjos e algu-

Como já sabemos, é durante a etapa de cozi-

mas reações intermediárias, a partir das quais se

mento que o pão adquire duas de suas característi-

formam o furfural e o hidroximetilfurfural que,

cas mais apreciadas: a crocância e o aspecto dou-

quando polimerizados, originam as melanoidi-

rado. Estes fenômenos são decorrentes da reação

nas, compostos químicos responsáveis pelo odor

de Maillard, assim chamada em homenagem ao

característico do pão e pela cor dourada da casca

químico francês Louis-Camille Maillard (1878-

(Oetterer; Reginato-D’Arce; Spoto, 2006).

1936), o qual descobriu que o calor do forno provoca reação entre proteínas e os açúcares. Caracterizada pela junção do grupo carbonila dos açúcares redutores com o grupo amínico das proteínas, a reação de Maillard ocorre preferen-

Figura 4.  Etapas da reação de Maillard. Fonte:  Oetterer, Reginato-D’Arce e Spoto (2006).

82

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Mãos na Massa: a química na panificação

8

das bolachas. Em geral, bolachas são feitas com

Pães e bolachas: semelhanças e divergências químicas

farinha de trigo, açúcar, ovo e manteiga. Devido à pequena quantidade de água e à existência da gor-

Desejado por sua crocância (casca) e maciez

dura, proveniente da manteiga, não ocorre a extra-

(miolo), poucas pessoas resistem a um pão francês

ção e/ou dissolução da amilose a partir do amido

quentinho. Contudo, você já deve ter vivenciado

durante o amassamento; assim, ela permanece na

a experiência de consumir o mesmo pão no dia

sua forma original insolúvel e o biscoito apresenta-

seguinte e encontrá-lo duro. A explicação para esta

-se duro. Desta forma, quando o biscoito é exposto

ocorrência tão comum em nossa casa é chamada

a um ambiente úmido, a amilose tende a interagir

de retrogradação do amido.

com moléculas de água do ambiente, resultando

Durante a etapa de cocção, parte da amilose

em um alimento amolecido. Em outras palavras,

presente na farinha de trigo escapa dos grãos de

pães e bolachas não são bem “farinhas do mesmo

amido e se dissolve em água, formando um gel

saco”.

bastante firme entre os grãos inchados do pão recém-cozido. Com o passar do tempo, a amilose que não migrou para a superfície durante a cocção

9

A Química da cola de farinha de trigo

se recristaliza à sua forma original insolúvel, e se

Embora não seja comum nos dias de hoje, pro-

torna dura e quebradiça, influenciando na consis-

duzir cola caseira à base de farinha de trigo, água e

tência da massa (Tejero, 2004). O mesmo ocorre

vinagre é uma tarefa fácil que, provavelmente, pais

quando aquecemos o pão na chapa, pois estamos

e avós já fizeram. Mas, como é possível colar com

rompendo as interações da água com a amilose

farinha de trigo?

(ligações hidrogênio) e, consequentemente, acelerando sua recristalização.

Como mencionamos, um dos constituintes da farinha de trigo é uma grande molécula, o amido

Mas, por que alguns tipos de pães demoram

(C6H10O5)n, e é graças à propriedade adesiva deste

mais tempo para endurecer, como é o caso do

polímero natural que podemos usá-lo na produção

pão de forma? A resposta para tal está na adição

de cola caseira.

de substâncias capazes de retardar a retrogradação do amido, como o Estearoil-2-lactil lactato de sódio, que é capaz de reter a água por semanas (Nabeshima; Hashimoto; El-Dash, 2003). Isso explica, inclusive, o porquê do pão de forma embolorar com mais facilidade se comparado ao pão francês, lembrando que a alta taxa de umidade é uma condição ideal para a cultura de fungos. Inversamente ao que ocorre no pão amanhe-

O processo de colar consiste, basicamente, em

cido, bolachas perdem a sua firmeza com o tempo,

dois princípios, o de adesão e o de coesão. Coesão,

o que as tornam menos apreciadas pelo paladar.

quimicamente falando, é quando as moléculas

Contudo, se bolachas e biscoitos são feitos com

que constituem a cola estão bem ligadas umas às

farinha de trigo, não seria esperado o mesmo fenô-

outras. A adesão, por outro lado, é a interação entre

meno nos pães? Diferentemente destes, a água

as moléculas da cola e a superfície do material, que

não está entre os ingredientes básicos do preparo

ocorre através de forças de van der Waals.

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Mãos na Massa: a química na panificação

Na presença de água, o amido interage pouco

mados nesta Ciência ganham sentido no nosso dia

entre si; entretanto, quando aplicada sobre uma

a dia.

superfície porosa, a cola, além de permanecer entre as duas partes que deve colar, também penetra nos poros existentes na superfície do material. Com o tempo, a água evapora lentamente, e o polímero, neste caso o amido, forma um filme polimérico, o qual começa a interagir entre si e com o material sobre o qual foi aplicado, unindo as duas partes

10

11

Referências AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução - CNNPA n. 38, de 1977. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/anvisalegis/resol/38_77.htm>. Acesso em: 15 dez. 2015.

através de ligações hidrogênio.

BOLAFFI, G. A saga da comida. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.

Conclusão

BULÉON, A. et al. Starch granules: structure and biosynthesis – Mini review. International Journal of Biological Macromolecules, v. 23, n. 2, p. 85-112, 1998.

Como é possível perceber, desde os ingredientes do pão, até o seu preparo, muita química está envolvida neste processo. Ainda que cozinhar seja uma prática ordinária, muitos fenômenos químicos relacionados ao preparo dos alimentos passam despercebidos, mas podem se tornar objeto de estudo, inclusive para o ensino de conceitos da Química. Ressaltamos que, para cozinhar, não é preciso ter domínio do conhecimento sistematizado da Química, porém, esta atividade nos aproxima de um dos dois aspectos do ofício de um químico: o aspecto prático de modificar a matéria. Contudo, ao cozinharmos, dificilmente, ou nunca, pensamos sobre os alimentos enquanto matéria e suas modificações em termos de átomos e moléculas (aspecto teórico) (Chagas, 1997), o que de fato difere o cozinheiro de um químico. Enquanto professores de química, temos em mãos ferramentas para explicar, à luz desta Ciência, os fenômenos cotidianos que nos cercam, sobretudo, os que se passam na cozinha. A riqueza conceitual do tema alimentos e seu potencial educativo é um dos caminhos para aproximarmos o aluno do conhecimento químico. Ao explorarmos a cozinha e os alimentos, como o pão, a Química torna-se, assim, uma abordagem universal que permeia outras áreas do saber, em que a corporeificação do conhecimento e dos conceitos amalga-

84

CHAGAS, A. P. As ferramentas do químico. Química Nova na Escola, n. 5, maio 1997. FRENCH, D. Organization of starch granules. In: WHISTLER, R. L.; BEMILLER, J. N.; PASCHAL, E. F. Starch: chemistry and technology. 2. ed. London: Academic Press, 1984, p. 183-247. JACOB, H. E. Seis mil anos de pão: a civilização humana através de seu principal alimento. São Paulo: Nova Alexandria, 2003. LINEBACK, D. R. The starch granule: organization and properties. Bakers Digest, v. 58, n. 2, p. 16-21, 1984. MANARINI, T. A química da comida saudável. São Paulo: Abril, 2013. MIZUKAMI, H.; TAKEDA, Y.; HIZUKIRI, S. The structure of the hot-water soluble components in the starch granules of new Japanese rice cultivars. Carbohydrate Polymers, v. 38, n. 4, p. 329-335, 1999. NABESHIMA, E. H.; HASHIMOTO, J. M.; EL-DASH, A. A. Efeito da adição de emulsificantes em massas alimentícias sem glúten produzidas com extrusora termoplástica. Boletim do Centro de Pesquisa e Processamento de Alimentos, Curitiba-PR, v. 21, n. 2, p. 223-228, 2003. OETTERER, M.; REGINATO-D’ARCE, M. A. B.; SPOTO, M. H. F. Fundamentos de ciência e tecnologia de alimentos. Barueri: Manole, 2006. TEJERO, F. Conservación Del pan e la confeitaria. Revista FEVIPAN, n. 15, jun, p. 24-26, 2004. THIS, H. Um cientista na cozinha. Tradução de Marcos Bagno. 4. ed. São Paulo: Ática, 2013. WOLKE, R. L. O que Einstein disse a seu cozinheiro 1: a ciência na cozinha. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

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Relatos de Experiência Experiences Account

Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN Analysis of Learning Difficulties in Chemistry of Life Classes On-line Jarley Fagner Silva do Nascimento, Alian Paiva de Arruda e Graziele Tavares Malcher

História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe History of Science in Recent Graduation of Chemistry Teachers from Universidade Federal de Sergipe Erivanildo Lopes da Silva e Nelson Ribas Bejarano


Relato de Experiência 01 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

p. 86-98

Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN Analysis of Learning Difficulties in Chemistry of Life Classes On-line Jarley Fagner Silva do Nascimento1, Alian Paiva de Arruda1 e Graziele Tavares Malcher2

Resumo Na sociedade atual, o uso das chamadas tecnologias da informação e comunicação (TICs) está promovendo uma revolução nas formas de ensinar e aprender através das modalidades de cursos à distância, especialmente no ensino superior. Estudos mostram que alunos nesta modalidade apresentam grandes dificuldades no processo de aprendizagem, principalmente quando tratamos de disciplinas experimentais e com alto grau de abstração como a Química. O objetivo do presente trabalho é promover melhorias no processo de ensino e aprendizagem na disciplina ‘Química da Vida’ ofertada para o curso de licenciatura em Química na modalidade à distância da UFRN. Para isto foram analisadas provas do semestre 2011.2, com o intuito de identificar quais são as principais dificuldades dos alunos nos aspectos conceituais abordados na disciplina. Com base dessas dificuldades foram desenvolvidas vídeoaulas, referentes aos assuntos que geram maiores dificuldades aos alunos e a sua eficiência foi avaliada mediante o conhecimento adquirido pelos alunos. Palavras-chave: Educação à distância; Vídeoaulas; Química; Dificuldades de aprendizagem.

1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). 2. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

Abstract In today’s society the use of so-called information technology and communication (ICT), is promoting a revolution in the forms of teaching and learning through the methods of distance learning courses, especially in higher education. Studies show that students in this way have great difficulties in the learning process, especially when dealing with experimental subjects that require high power of abstraction as chemistry. The goal of this work is to promote improvement in the teaching and learning in the discipline Chemistry of Life offered for the Bachelor’s Degree in Chemistry in distance UFRN. For this we analyzed evidence of the semester 2011.2, in order to identify what are the main difficulties of the students on the assessments. That’s why video lessons related to matters that create the majority of difficulties for students were developed and evaluated. Key-words: Distance of education; Video lessons; Chemistry; Learning of difficulties.

1

Introdução

promovendo uma revolução nas formas de acesso ao ensino e à aprendizagem por meio da Educação

A motivação inicial para realizar este trabalho

à distância, expandindo-se cada vez mais, espe-

foi a afinidade pela área de Química Orgânica. Em

cialmente no Ensino Superior, possibilitando a for-

segundo lugar foi o baixo número de publicações

mação a um número crescente de pessoas (Barbosa

relacionadas à educação à distância em Química,

et al., 2007).

o que pode ser explicado devido à EaD ser mul-

A EaD oferece uma flexibilidade de adequação

tidisciplinar e não ter pesquisadores que se dedi-

das necessidades individuais de estudo e qualifica-

quem exclusivamente às pesquisas relacionadas à

ção, o que leva as Instituições de Ensino Superior

Educação à distância. O baixo número de publica-

(IES) a agregarem em seus currículos cursos à

ções não condiz com a importância atual dos cur-

distância, apoiados em ambientes integrados de

sos de educação à distância, que consiste em uma

suporte, que reúnem uma infinidade de recursos

modalidade de ensino que está democratizando o

tecnológicos a fim de propiciar a interatividade

acesso ao conhecimento e expandindo as oportuni-

entre aluno e professor (Peters, 2001).

dades de trabalho e aprendizagem.

O elemento identificador neste trabalho, utili-

Desenvolveu-se este trabalho com base em pes-

zado para entender as dificuldades de aprendiza-

quisas realizadas nos polos do ensino à distância,

gem apresentadas pelos alunos, foram provas apli-

onde ao conversar com tutores e alunos tentamos

cadas no semestre 2011.2 na disciplina Química

entender quais seriam seus principais anseios e

da Vida caracterizando-se assim por ser uma disci-

dificuldades. Para compreender melhor como ocor-

plina arraigada de conceitos prévios necessários a

ria a interação entre os alunos e o ambiente virtual

outros componentes curriculares dessa área.

de aprendizagem, nos vinculamos à Secretaria de Educação à Distância (SEDIS) como voluntários. Na sociedade da era da informação, o uso das chamadas tecnologias de informação e comunica-

Para poder auxiliar os estudantes da EaD, foram gravadas 7 vídeoaulas, sobre os temas que geram mais dificuldades, identificados de acordo com provas de semestres anteriores.

ção (TICs) vem gerando uma quebra de paradigma

Diante do exposto, este trabalho teve como

em relação ao modelo educacional tradicionalista,

objetivo identificar uma estratégia com base nas

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

dificuldades dos alunos, que favoreça a aprendi-

No ensino à distância existe esse problema de

zagem na disciplina Química da Vida, na moda-

forma mais agravada ainda, já que os alunos são

lidade à distância, utilizando a vídeoaula como

os principais responsáveis pelo processo de apren-

ferramenta para seu alcance.

dizagem, o que torna a vídeoaula uma ferramenta importante.

2

Moran (2000), afirma que

Fundamentação teórica 2.1

Utilização de vídeoaulas no processo de ensino-aprendizagem

Temos atualmente uma variedade de filmes de caráter educativo que podem ser utilizados para fins didáticos; se levarmos em conta o objetivo, tipo de produção e o conteúdo, há diferentes classificações para os filmes, como: industrial, técnico, cientifico, ocupacional e documentário. No caso dos filmes citados neste trabalho podemos classificá-los como vídeos didáticos, já que estão diretamente ligados ao currículo da EaD de Química. Nestes filmes didáticos apresentamos aulas que compõem a disciplina Química da Vida, em que são utilizadas animações, projeções de mídia, lousa e modelos moleculares. A forma pela qual os alunos da EaD se comunicam com os professores é através de ambientes virtuais, que são sistemas de softwares desenvolvidos sobre metodologia pedagógica para auxiliar o professor na promoção do ensino-aprendizagem virtual ou semipresencial. Diversos estudos mostram que os alunos da EaD consideram cada vez mais que apenas o material impresso, muitas vezes não é suficiente para sanar todas as suas necessidades; em virtude disso, a utilização das vídeoaulas se torna uma ferramenta importante para esta modalidade de ensino (ABRAEAD, 2008). Nélio Parra e Ivone Parra (1985) observam que os recursos audiovisuais bem planejados e utilizados podem despertar de modo superior à mera exposição, a atenção dos alunos e manter seu interesse por mais tempo.

88

A televisão e o vídeo partem do concreto, do visível, do imediato, do próximo – daquilo que toca todos os sentidos. Mexem com o corpo, com a pele – nos tocam e “tocamos” os outros, estão ao nosso alcance através dos recortes visuais, do close, do som estéreo envolvente. Pela TV e pelo vídeo sentimos, experimentamos sensorialmente o outro, o mundo, nós mesmos... (p. 37).

Um importante papel na utilização dos vídeos é minimizar as dificuldades no processo de aprendizagem, que são manifestadas a partir de respostas que não condizem com o comando das questões na avaliação ou pelo estudante, por não conseguir se expressar de forma convincente devido ao fato de não ter compreendido bem no material impresso; dessa forma se torna importante conhecer algumas das principais dificuldades de aprendizagem apresentadas. 2.2

Dificuldades de aprendizagem e erros

Ao refletir sobre o termo dificuldade, o mesmo remete a obstáculos, barreiras ou impedimentos que alguém se depara quando tenta realizar algo que deseja executar (Rebelo, 1993).

Segundo Fonseca (1976) a dificuldade de aprendizagem é uma desarmonia do desenvolvimento normalmente caracterizada por uma imaturidade psicomotora que inclui perturbações nos processos receptivos, integrativos e expressivos da atividade simbólica (p. 58).

Rebelo (1993), indica-nos que as dificuldades de aprendizagem podem impedir que o aluno atinja os objetivos propostos, por não aprender os conteúdos, e levando a reprovações sucessivas que

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podem acarretar o abandono do ambiente escolar.

conhecimentos relativos às condições de produção/

Ainda neste sentido, as dificuldades de aprendi-

recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens.

zagem podem, também, trazer consequências nos

Bardin (2004) enfatiza que a análise de

resultados diretos das avaliações escolares, sendo

conteúdo é dividida em três fases: pré-análise,

inferiores àquilo que o aluno desejaria.

exploração do material e tratamento dos resul-

Torna-se importante entender que o erro é

tados. Na pré-análise deve ser organizado um

decorrente das dificuldades mencionadas nas dife-

esquema de trabalho flexível. Na descrição analí-

rentes definições. De acordo com Núñez (2004),

tica o material coletado será analisado por meio de

o erro é uma manifestação externa da dificuldade de aprendizagem. Ele é sempre relativo: é erro em relação a uma referência considerada correta pela área de conhecimento. O erro não acontece por “azar”, por acaso; ele é resultado de uma dificuldade (p. 65).

O erro surge a partir das dificuldades apresen-

uma leitura “flutuante”, objetivando a elaboração de categorias. Na última fase, chamada de interpretação referencial, as respostas são categorizadas para tornar os dados brutos significativos. Após a identificação dos assuntos que geraram maiores dificuldades nos alunos, foi feita a seleção das vídeoaulas que seriam gravadas.

tadas pelo aluno, pois, na perspectiva da teoria

Os vídeos foram gravados no estúdio da

histórico-cultural, de Vigotsky (1989), os erros

Secretaria de Educação à Distância (SEDIS), e

são parte do processo de apropriação do conte-

foram postados no ambiente virtual de aprendi-

údo escolar, sendo uma expressão da relação entre

zagem (AVA) no decorrer do semestre de 2012.2,

aquilo que se sabe e aquilo que se procura saber, ou

com a disciplina em andamento, sendo liberados

que está definido como referência numa disciplina.

para acesso dos alunos de forma gradual, de acordo com o conteúdo postado na página.

3

Percurso metodológico

Para entender como esses vídeos poderiam diminuir as dificuldades relacionadas ao processo

Com o intuito de identificar quais são os temas

de aprendizagem dos alunos, foram elaboradas lis-

abordados na disciplina Química da Vida que

tas de exercícios, a serem aplicadas antes e após o

geram as maiores dificuldades de aprendizagem e

acesso dos alunos aos vídeos, com questões que se

o maior número de erros pelos alunos, foram ana-

repetiam com o intuito de avaliar a melhor com-

lisadas 100 provas realizadas no semestre 2011.2,

preensão dos conceitos por parte dos alunos.

pelos alunos dos polos de Nova Cruz, Macau,

Por fim, para avaliar a opinião dos alunos com

Extremoz, Currais Novos (Rio Grande do Norte),

relação à qualidade e importância das vídeoaulas

Maceió (Alagoas), Campina Grande (Paraíba) e

no processo de aprendizagem, foi elaborado um

Garanhuns (Pernambuco).

questionário (Apêndice 1) seguindo as orientações

A análise das provas foi feita com base na meto-

de Goode e Hatt (1979, p. 171-236) a ser aplicado

dologia da análise de conteúdo de Bardin (2004,

no AVA. Imaginamos que qualquer questionário

p. 41). Segundo esse autor a análise de conteúdo

deve ser limitado em sua extensão ou finalidade,

pode ser definida como: Um conjunto de técnicas

não devendo exigir mais de 30 minutos para ser

de análise das comunicações visando obter, por

completado, além de possuir um agrupamento de

procedimentos sistemáticos e objetivos de des-

itens em progressão lógica.

crição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de

A Figura 1 mostra o fluxograma representativo da metodologia.

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Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

Identificação das dificuldades dos alunos

Aplicação de ferramentas para análise da aprendizagem

Preparação e apresentação das vídeoaulas

Seleção das vídeoaulas

Figura 1.  Fluxograma representativo da metodologia.

4

As Figuras 2 e 3 são referentes ao desempenho dos

Resultados e discussão 4.1

alunos na primeira avaliação, e o número de alunos

Identificações das dificuldades dos alunos

referente a esses percentuais, respectivamente.

Inicialmente, foi feito um levantamento acerca

Para um estudo mais detalhado, foram analisa-

das notas dos alunos nas avaliações do semestre

das as respostas fornecidas pelos alunos na ques-

2011.2. Iremos focar nossa discussão na primeira

tão 1 da primeira avaliação, relacionando a mesma

avaliação, que teve o pior índice entre as demais.

com as dificuldades apresentadas pelos alunos.

22

11 8

Alunos com nota 0,0

Alunos com nota entre 0,1 e 2,0

Alunos com nota entre 2,1 e 4,0

0

0

0

Alunos com nota entre 4,1 e 6,0

Alunos com nota entre 6,1 e 8,0

Alunos com nota entre 8,1 e 10,0

Figura 2.  Relação entre o número de alunos e seu desempenho na primeira avaliação de Química da Vida no semestre de 2011.2

19% Alunos com nota entre 2,1 e 4,0

0% - Alunos com nota entre 4,1 e 6,0 0% - Alunos com nota entre 6,1 e 8,0 0% - Alunos com nota entre 8,1 e 10,0 27% Alunos com nota 0,0

54% Alunos com nota entre 0,1 e 2,0

Figura 3.  Desempenho dos alunos na primeira avaliação de Química da Vida no semestre de 2011.2

90

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Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

4.1.1

d) Visualizar o modelo molecular a partir da

Análises da primeira avaliação – Questão 1

projeção de Newman, e escrever a estru-

A questão que apresentou os maiores índices

tura na projeção (fórmula) de cavalete.

de erros na 1ª avaliação do componente curricular Química da Vida, está transcrita a seguir.

4.1.3

Conteúdos exigidos

Essa questão envolve conteúdos relacionados às aulas de nomenclatura de Alcanos e Análise Conformacional de Alcanos Acíclicos. 4.1.4

Desempenhos dos alunos

O desempenho dos 26 alunos na questão 1 da primeira avaliação do componente curricular Química da Vida pode ser observado na Tabela 1. 4.1.2

Habilidades exigidas

a) Visualizar na projeção de Newman quan-

Tabela 1.  Desempenho dos alunos na 1ª avaliação do componente curricular Química da Vida – Questão 1.

tos carbonos fazem parte da cadeia principal, e compreender a nomenclatura sistemática dos Alcanos. b) Entender que os confôrmeros de menor energia são aqueles em que os grupos mais volumosos (neste caso os grupos metila) estão o mais afastado possível.

4.1.5

c) Entender que os confôrmeros de maior

Alunos (%) 29,27

0,00

51,50

0,01-0,40

11,50

0,41-0,80

3,86

0,81-1,20

0,00

1,21-1,60

3,86

Expectativas de resposta

A expectativa de resposta da questão 1 da pri-

energia, são aqueles em que os grupos maiores estão o mais próximo possível.

Notas Em branco

meira avaliação encontra-se na Figura 4.

Figura 4.  Expectativa de resposta à questão 1 da primeira avaliação.

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91


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

4.1.6

Nos itens ‘b’ e ‘c’, apesar de não exigir uma

Erros e dificuldades mais frequentes

Os alunos apresentaram grandes dificuldades para visualizar modelos moleculares em três dimensões, isso faz com que eles não consigam nomear, muito menos representá-los em diferentes projeções. Isso foi evidenciado a partir das respostas dos alunos a esta questão. Para exemplificar, foi selecionada uma resposta dada por um aluno que faz parte dos 51,5% que não conseguiram pontuar nessa questão (Figura 5). No item ‘a’, o aluno não respondeu corretamente a nomenclatura, o que sinaliza dificuldade em visualizar a estrutura da molécula através da projeção de Newman para fornecer a nomenclatura sistemática correta. Uma possível explicação seria que o aluno tem acesso apenas aos conteúdos em material impresso, não dispondo de modelos moleculares em três dimensões para discutir esse

justificativa para escolha, o aluno tem que compreender que quanto mais distantes estivessem os grupos maiores, menores seriam as repulsões geradas pelas nuvens eletrônicas, acarretando em uma menor energia para a molécula, levando ao aumento da estabilidade da estrutura. De forma contrária, se esses grupos volumosos estivessem próximos teríamos muitas repulsões acarretando um aumento da energia potencial da molécula, consequentemente diminuindo sua estabilidade (Bruice, 2009). No item ‘d’ o aluno escreveu a fórmula de cavalete para a estrutura do 2-metilbutano na forma eclipsada, o que não corresponde à estrutura do confôrmero 4, que se encontra na conformação alternada, mais uma vez mostrando dificuldades em visualizar estruturas moleculares representadas por projeções.

Acessos às vídeoaulas durante o semestre

conteúdo. Apesar de o aluno perceber que havia

4.2

uma ramificação na cadeia (grupo metila), o

Após a postagem das vídeoaulas, foi verificado

mesmo nomeou a cadeia principal de forma equi-

que houve um número considerável de acesso às

vocada como “Hexagonal”, levando a entender

mesmas pelos alunos (Tabela 2), sendo, portanto,

que ele encontrou seis carbonos e na verdade só

relevantes para utilização como material comple-

temos quatro carbonos na cadeia principal.

mentar ao material já utilizado.

Figura 5.  Resposta que faz parte do grupo que não pontuou na questão.

92

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Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

confôrmeros em projeção de Newman em

Tabela 2.  Número de acesso às vídeoaulas postadas no AVA. Vídeoaula

diferentes ângulos diedrais.

Número de acessos

b) Compreender que os grupos metilas por

1. Alcanos acíclicos.

25

serem mais volumosos que os hidrogênios

2. Análise conformacional de alcanos acíclicos.

60

3. Nomenclatura de cicloalacanos.

36

devem estar em planos opostos para que

4. Análise conformacional de cicloalcanos.

33

5. Alquenos e alquinos.

19

6. Estereoquímica I.

29

estão na forma eclipsada, ocorre uma ele-

7. Estereoquímica II.

25

vada interação repulsiva, aumentando a

haja uma menor repulsão estérica entre eles. c) Entender que quando os grupos metilas

energia da molécula, acarretando a dimi-

Esses valores significam que os alunos aces-

nuição da sua estabilidade.

saram mais de uma vez o mesmo vídeo, sendo o mais acessado o vídeo referente ao tema Análise

As Tabelas 3 e 4 são referentes às notas atribu-

conformacional de alcanos acíclicos, mostrando

ídas à questão 1 da lista de exercícios antes e após

que os vídeos despertaram o interesse dos alunos.

o acesso às vídeoaulas, respectivamente.

4.3

Análise da aprendizagem dos alunos que assistiram às vídeoaulas

A melhor compreensão dos conceitos por parte

Tabela 3.  Desempenho dos alunos na questão 1 da lista de exercícios (valor 0,5 ponto), antes de assistir às vídeoaulas.

dos alunos foi observada após análise das respos-

Notas

Aluno

0,2

A

tas fornecidas pelos mesmos às questões da lista de

0,15

B

exercícios aplicada antes e após o acesso às vídeo-

0,1

C

aulas, conforme transcrita e discutida a seguir: Questão 01: As formas moleculares temporárias são chamadas de conformações da molécula e são originadas a partir da rotação de uma ligação sigma; existem diferentes conformações para uma mesma molécula e a análise conformacional é responsável por analisar a variação de energia que ocorre quando uma mesma molécula possui diferentes conformações. Sabendo disso responda as questões abaixo:

0,15

E

0,2

G

0,1

H

0,1

I

Tabela 4.  Desempenho dos alunos na questão 1 da lista de exercícios (valor 0,5 ponto), após assistir às vídeoaulas.

a) Forneça as possíveis conformações em projeção de Newman para a molécula de Butano?

Notas

Aluno

0,35

A

b) Qual das conformações é a mais estável? Justifique.

0,15

B

c) Qual das conformações é a menos estável? Justifique.

0,1

C

4.3.1

Conteúdos abordados na questão

• Nomenclatura de alcanos acíclicos; • Análise conformacional de alcanos acíclicos; • Projeção de Newman. 4.3.2

Habilidades exigidas em cada item

0,3

E

0,35

G

0,2

H

0,2

I

Observa-se que antes de assistirem às vídeoaulas (Tabela 3), nenhum aluno atingiu um nível de acerto igual ou superior a 50%, isso pode ser

a) Conseguir visualizar a molécula do butano

relacionado à dificuldade de compreensão do

em três dimensões, conhecer os diferentes

material impresso. No entanto, após assistirem às

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93


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

vídeoaulas (Tabela 4), a maior parte dos alunos

as respostas dos mesmos ao questionário de pes-

teve melhoria nas notas obtidas nessa questão,

quisa de avaliação destas.

tais como os alunos A e G, que tiveram um acerto

Num universo de 35 alunos matriculados na dis-

de 70%. Apesar disso, dois alunos permaneceram

ciplina, 10 responderam ao questionário mostrado

com a mesma nota (B e C) por terem enviado o

no Apêndice 1. Os resultados indicaram que 10%

mesmo arquivo nas duas ocasiões.

dos alunos que responderam ao questionário não

O enunciado da questão apresenta clareza, e o

assistiram às vídeoaulas. Contudo, os 90% que as

seu grau de dificuldade é pertinente para alunos

assistiram manifestaram um elevado grau de satisfa-

que cursam uma graduação em Química. Mesmo

ção, ao mesmo tempo em que as consideraram uma

assim, alguns alunos apresentaram dificuldades

ferramenta muito importante para o curso na moda-

acertando até 40% da questão. Entretanto, os alu-

lidade EAD. Além disso, os resultados também indi-

nos que assistiram às vídeoaulas apresentaram uma

caram que todos os alunos que assistiram às vídeo-

evolução com relação ao desempenho na mesma,

aulas o fizeram em suas casas, mostrando que esta

como é mostrado nas Tabelas 3 e 4.

ferramenta é bastante viável para essa modalidade

4.4

de ensino devido à sua flexibilidade no acesso.

Avaliações das vídeoaulas

As respostas às questões subjetivas estão trans-

Após o diagnóstico da aprendizagem dos alu-

critas no quadro abaixo, em que os 10 alunos partici-

nos que assistiram as vídeoaulas, foram analisadas

pantes desta atividade foram identificados de A até J.

Aluno

94

Pontos positivos sobre as vídeoaulas

Melhorias para as vídeoaulas

A

Muito boa e bem explicada.

B

As vídeoaulas se constituem um complemento indispensável do Em branco. material didático impresso e, portanto, deveriam fazer parte de todas as aulas do curso.

C

Como o curso é à distância as vídeoaulas são muito importantes, Existem alguns links que não abrem completapois esclarecem muitas dúvidas, é como se o professor estivesse mente na página. dando aulas presenciais.

D

Os vídeos são importantes porque nós temos várias explicações Gostaria que tivesse em todos os módulos, já pelo professor, e naquele momento podemos tirar nossas dúvidas. que não temos professores a todo o momento. Os vídeos serão sempre de grande valor para aprendizagem.

Poderia ser feita a cada aula já que o material impresso é ruim.

E

A abordagem no cotidiano.

Em branco.

F

Ajuda a esclarecer dúvidas que o material impresso nos deixa.

Precisam ser postados mais vezes.

G

Material de excelente qualidade que atendeu em todos os aspectos Melhor estabilidade e desempenho dos vídeos. as nossas expectativas, foi bastante proveitoso e ajudou bastante em nossos estudos.

H

O assunto transmitido pelo professor fica mais claro de entender.

Um pouco mais de exemplos nos assuntos abordados.

I

Claros e objetivos.

Queria melhorias não em relação aos vídeos e sim ao suporte na página com relação aos fóruns de discussão.

J

Em branco.

Em branco.

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Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

Podemos observar que 9 dos 10 alunos que

16 14 12 10 8 6 4 2 0

responderam as questões subjetivas, demonstraram satisfação em relação às vídeoaulas. Uma das qualidades mais citadas por eles na questão 6 está relacionada ao esclarecimento de dúvidas por partes dos vídeos, e a clareza dos mesmos. Com relação à sugestão de melhoria das vídeoaulas, nem todos os alunos responderam à questão; porém, a sugestão de que “todas as aulas poderiam

15

8 6 2 Alunos que assistiram às vídeoaulas

Alunos aprovados

Alunos não evadidos

Figura 8.  Resultado do índice de aprovação dos 15 alunos não evadidos.

ter um vídeo como suporte” foi a mais citada, confirmando ser uma ferramenta bastante proveitosa no processo de aprendizagem. 4.5

Alunos não aprovados

25% Alunos reprovados

Taxa de sucesso dos alunos que assistiram às vídeoaulas

75% Alunos aprovados

Foi feita uma análise do índice de aprovação dos alunos da disciplina em questão no semestre avaliado. Inicialmente foi plotado um gráfico revelando

Figura 9.  Resultado do índice de aprovação dos 8 alunos que assistiram as vídeoaulas.

a relação entre o número de alunos matriculados e a situação na disciplina (Figura 6). Posteriormente foram feitas análises comparativas entre todos os alunos não evadidos (Figura 7), e, somente entre os

Considerando apenas os alunos que assisti-

que assistiram às vídeoaulas (Figuras 8 e 9).

ram às vídeoaulas, já que o foco do nosso trabalho é analisar o quanto esses vídeos vão promo-

40 35 30 25 20 15 10 5 0

ver melhorias no processo de aprendizagem dos

35

alunos, é possível observar que a taxa de sucesso foi significativa, e, como apresentado na Figura 9,

20

atingiu um valor de 75%. 9

Alunos matriculados

Alunos evadidos

Alunos não aprovados

6

5

Considerações finais

Alunos aprovados

Figura 6.  Relação entre número de alunos matriculados e a situação na disciplina.

A análise das dificuldades de aprendizagem da Química pode ser mais simples se levarmos em consideração que longe de estarem isoladas, existe uma estreita relação entre a maioria delas (Pozo;

60% Alunos não aprovados

40% Alunos aprovados

Crespo, 1998). É o que podemos constatar ao fazer uma análise sobre as respostas dos alunos e perceber que grande parte destes apresentam grandes dificuldades para visualizar estruturas molecula-

Figura 7.  Resultado do índice de aprovação dos 15 alunos não evadidos.

res em três dimensões, isso faz com que eles não consigam nomear, muito menos representá-las

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95


Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

em diferentes projeções. Esta análise se torna

Dentre os 15 alunos não evadidos, 40% conse-

relevante, já que visualizar e escrever estruturas

guiram alcançar a aprovação ao final da disciplina,

tridimensionais no papel é um conhecimento fun-

sendo que destes, apenas oito acessaram todas as

damental para cursar uma disciplina da Química

vídeoaulas. Estes obtiveram uma taxa de sucesso

Orgânica.

ao final da disciplina que resultou em torno de

Foi possível avaliar que o recurso da vídeo-

75% de aprovação. Isso demonstra que os vídeos

aula é válido na modalidade à distância já que,

atuaram como facilitadores no entendimento das

apesar de apenas 8 dos 35 alunos matriculados

diferentes projeções e conformações, o que acar-

terem acessado todos os vídeos, estes foram bas-

reta na compreensão das estruturas das molécu-

tante visualizados, o que pôde ser evidenciado

las. Segundo Vigotsky, toda linguagem evolui na

pela Tabela 2. A confirmação sobre o papel da

mesma medida que as estruturas do pensamento

vídeoaula no que diz respeito à complementação

evoluem do concreto para o abstrato e vice-versa.

do material impresso pôde ser visualizada no ques-

Os vídeos servem de auxílio para os alunos, dimi-

tionário, em que 90% dos alunos consideraram a

nuindo em parte as dificuldades em escrever estru-

vídeoaula um importante complemento para o

turas tridimensionais no papel. Dessa forma, eles

material impresso. Analisando as respostas dadas

são considerados boas ferramentas para o processo

pelos alunos às questões subjetivas do questioná-

de aprendizagem dos alunos na modalidade à dis-

rio avaliativo, foi possível perceber que todos que

tância, já que, além do que já foi explicitado, os

assistiram às vídeoaulas demonstraram satisfação

vídeos criam uma identidade entre o aluno e pro-

em relação a este recurso como material comple-

fessor, criando um vínculo afetivo.

mentar, considerando que as mesmas apresenta-

Os vídeos mostraram ser uma boa alternativa

vam clareza e objetividade quanto às informações

nos dias atuais para dar suporte ao aluno; contudo,

contidas e que as aulas gravadas foram de boa qua-

não devemos considerar que os recursos utiliza-

lidade, sendo consideradas um suporte importante,

dos nas décadas de 1960 a 1990 são ultrapassados

diante das dificuldades apresentadas pelos alunos

ou que não eram viáveis, pois devemos entender

no processo de aprendizagem.

que, como afirmam (Dias; Leite, 2010), uma nova

Com relação à análise da aprendizagem dos

tecnologia nunca desconsidera ou rejeita as mais

alunos, foi mais evidente a melhoria de rendimento

antigas. Diante disso, elas afirmam que a EaD do

entre eles na questão 1 da lista de exercícios, uma

passado foi uma espécie de projeto ou experiência

vez que 71,43% dos alunos reelaboraram suas

para o atual formato de Educação à Distância.

respostas após assistirem aos vídeos. A questão 1 abordou o tema “análise conformacional de alcanos acíclicos” e todos aqueles que reelaboraram suas respostas obtiveram uma melhoria do rendimento. Isso pode ser explicado em parte devido ao vídeo sobre análise conformacional de alcanos acíclicos ter sido aquele que teve o maior número de visualizações por parte dos alunos (60 acessos). Contudo, todos aqueles que reelaboraram sua resposta tiveram uma melhoria no rendimento, a qual foi evidenciada na prova escrita.

96

6

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Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

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Análise das Dificuldades de Aprendizagem na Disciplina Química da Vida na Modalidade a Distância da UFRN

APÊNDICE 1.  Questionário avaliativo sobre as vídeoaulas

1) Você considera que as vídeoaulas foram ferramentas importantes no processo de ensino e aprendizagem desta disciplina? a) Muito importante. b) Importante. c) Não interfere nem positivamente nem negativamente. d) Me atrapalhou no processo de ensino-aprendizagem. e) Não assisti a nenhuma vídeoaula. 2) Se tivesse que atribuir um conceito com relação às vídeoaulas gravadas para a disciplina de Química da Vida, você as julgaria: a) Excelente. b) Ótima. c) Boa. d) Regular. e) Não assisti a nenhuma vídeoaula. 3) Onde você assistiu as vídeoaulas sobre a disciplina Química da Vida? a) Em casa. b) No trabalho. c) No polo. d) Não assisti a nenhuma vídeoaula. 4) Você achou a linguagem utilizada nas vídeoaulas clara e condizente com o material do ensino à distância? a) Sim, em todos os aspectos. b) Apenas em alguns aspectos. c) Não, em nenhum aspecto. d) Não assisti a nenhuma vídeoaula. 5) Você considera que as vídeoaulas tiveram papel importante como complemento do material didático? a) Sim. b) Não. c) Complementou apenas em parte. d) O material e as vídeoaulas não têm nenhuma relação. 6) Cite alguns pontos positivos sobre as vídeoaulas. 7) Cite algumas melhorias para as vídeoaulas.

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


Relato de Experiência 02 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

p. 99-110

História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe History of Science in Recent Graduation of Chemistry Teachers from Universidade Federal de Sergipe Erivanildo Lopes da Silva1 e Nelson Ribas Bejarano2

Resumo Este estudo buscou investigar as contribuições da elaboração e validação de Sequências de Ensino Aprendizagem (SEA) com base na História da Ciência em meio a uma intervenção no âmbito da formação inicial de professores. O estudo foi realizado por meio de um grupo focal de seis estudantes que aceitaram, voluntariamente, participar de um ciclo de discussões paralelas às atividades da graduação sobre os processos de elaboração e aplicação de SEA. Os resultados, relativos a este grupo, apontam que a maioria deles apresenta compreensão contextual de aspectos da História das Ciências durante a elaboração e, em partes, na validação das SEA. Palavras-chave: Formação de professores; Sequências de ensino-aprendizagem; História da ciência. Abstract This study tried to investigate the contributions of creation and validation of Teaching Learning Sequences (TLS) with bases on History of Sciences in an application in the field of teacher’s graduation. The study was achieved by a focus group of six students who accepted voluntarily to participate in a discussions cycle 1. Professor do Campus Prof. Alberto Carvalho da Universidade Federal de Sergipe. 2. Professor do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia.


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

(parallel their activities of graduation) about elaboration and application of TLS process. The results related to this group showed that most of their components demonstrated contextual comprehension of History Sciences aspects during the elaboration and, in part, in validation of TLS. Key-words: Teachers graduation; Learning teaching skills; History of Science.

1

uma teoria da prática do professor, pois esta não

Introdução

deve ser inventada pela teoria. O que deve ocorrer

Entre vários debates travados sobre a formação

é problematizar a prática à luz da teoria, procu-

de professores, um deles destaca a necessidade da

rando perceber que esta pode trazer novos elemen-

mudança no paradigma da formação inicial des-

tos para aquela; em outras palavras, uma espécie

ses profissionais, sobretudo um modelo que seja

de (re)invenção da prática (Sacristán, 2008).

contrário à supremacia técnica. Espera-se que os

Nessa perspectiva, os licenciandos podem

formadores de professores tenham criticidade ao

refletir sobre suas concepções acerca dos sabe-

adotar premissas dos documentos oficiais (Dias;

res docentes, como, por exemplo, sobre os currí-

Lopes, 2003).

culos preestabelecidos permeados de ideologias.

Uma alternativa bastante concreta na forma-

Maldaner (2000) argumenta que os professores

ção inicial de professores seria a elaboração de

refletindo coletivamente poderiam tomar deci-

projetos de intervenção pedagógica, contribuindo

sões próprias sobre o tipo e a forma de conteúdos

para a construção da identidade docente no pró-

a ensinar, ou seja, encarar as orientações oficiais

prio Estágio Supervisionado, etapa em que esses

como referência e não como alicerce.

projetos podem ser implementados (Passerini,

Essa atividade reflexiva alimentada, necessa-

2007). Os cursos nas universidades devem pro-

riamente, por um aporte teórico estruturante, não

blematizar a elaboração e a aplicação de materiais

presume que a teoria venha antes ou que a prá-

instrucionais produzidos pelos próprios licencian-

tica deva ser assim, afinal, com essas bases, teo-

dos, futuros professores, fazendo com que o uso de

ria e prática devem estar entrelaçadas. Segundo

materiais dessa natureza seja um importante meio

Longhini e Nardi (2007), essa forma de conceber

de reflexão da prática docente (Campos, 2001).

a atividade reflexiva dá conta de problematizar a

Portanto, são necessárias atividades coletivas na

complexidade dos acontecimentos das práticas

produção de materiais didáticos, envolvendo pro-

cotidianas em bases teóricas, descartando a pers-

fessores de contextos e lócus diferentes, a fim de

pectiva de supremacia da técnica instrumentalista,

possibilitar discussões e reflexões sobre ensino de

na qual o professor em formação apenas recebe

Química (Eichler; Del-Pino, 2010).

conhecimentos prontos e os aplica no contexto da

É importante salientar que a adoção de mate-

sala de aula.

riais didáticos como alternativa de problematizar a

Assim, na formação inicial de professores, há

formação de professores não implica em apresentar

de se considerar um modelo que contemple um

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

processo de reflexão. Nessa perspectiva, é possível

em formação durante suas experiências práticas de

alinhar uma abordagem que considere a promoção

ensino, representa uma ocasião para investigar o

das Comunidades de Aprendizagens (Mizukami,

processo de aprender e ensinar usando elementos

2006; Eraut, 2002). Para Abreu (2013), as

de História das Ciências na construção de SEA,

Comunidades de Aprendizagens referentes ao pro-

que são elaboradas e validadas durante o estágio

cesso de formação de professores, podem ser opor-

supervisionado.

tunidades sistemáticas de aprendizagem de conteú-

Nos cursos de formação inicial de professores

dos científicos e pedagógicos a serem trabalhados.

para a Educação Básica, verifica-se que as recen-

Dessa forma, as Comunidades de Aprendizagens

tes reformas educacionais no Brasil apontam para

podem, então, se configurar em oportunidades

a História e Filosofia da Ciência (HFC) como uma

de aprender sobre os conteúdos específicos e os

das perspectivas a serem levadas em consideração

conteúdos pedagógicos em um processo que con-

nas Diretrizes para a Formação de Professores

sidera as habilidades e conhecimentos individuais,

(Brasil, 2010). Uma forma de se apropriar dos

buscando a discussão reflexiva e o crescimento do

pressupostos da HFC no âmbito da formação

grupo (Abreu, 2013).

docente pode ser abordagem Contextualista de

Neste sentido, pode-se pensar em uma

Matthews (1995). Essa orientação está apoiada na

Comunidade de Aprendizagem de Professores

ideia de que o Ensino de Ciências informado pela

(CAP) que problematize os múltiplos contextos,

História e Filosofia da Ciência propicia um ensino

possibilitando, aos participantes, formas de inter-

contextualizado, além de apresentar uma visão

pretar, formular questionamentos e estabelecer

mais adequada da natureza da ciência.

argumentos e relações sobre os elementos ineren-

Desde o final do século passado, na década de

tes à vivência do ser professor (Mizukami, 2006).

1990, vem se acentuando um discurso no âmbito

A exploração das Sequências de Ensino

do Ensino de Ciências do quanto é importante o

Aprendizagem nas Comunidades de Aprendizagem

papel da História da Ciência (HC) na construção

permitirá ao grupo o compartilhamento das histó-

do conhecimento científico. Em outras palavras,

rias de cada um, fomentar o encorajamento e par-

ensinar ciência com base no desenvolvimento da

tilhar identidades sem perder a autonomia de seus

própria ciência, buscando estabelecer relações

membros, fazendo com que o grupo possa consi-

entre o que existe hoje e o passado (Oki, 2000).

derar, nas reflexões, valores de outros campos e outros grupos periféricos (Schwier, 2002).

Matthews (1995), um dos mais contundentes debatedores da relação Ensino de Ciências,

Deste modo, justifica-se, como caminho viá-

História e Filosofia da Ciência, afirma que tanto

vel, o desenvolvimento de um projeto orientado de

a teoria quanto a prática do ensino de Ciências

materiais didáticos próprios junto aos futuros pro-

podem ser enriquecidas pelos aportes advindos

fessores, onde seja problematizado o “ser” profes-

da História e Filosofia da Ciência. O autor argu-

sor no contexto da sala de aula e se discuta sobre

menta que, tanto a História e a Filosofia, além

questões acerca da Ciência e de fazer Ciência, o

da Sociologia da Ciência, ajudam a humanizar a

que implica em um argumento favorável à presença

Ciência ao colocar em discussão questões de inte-

da História e Filosofia da Ciência no currículo dos

resses pessoais, éticos, culturais e políticos, por

cursos de licenciatura (Pereira; Martins, 2009).

exemplo.

Por outro lado, verificar e identificar como

A História da Ciência no Ensino de Ciências

essas questões são incorporadas pelos professores

possibilita uma alternativa mais elaborada de

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

conceber Ciência, evitando, assim, aquilo que

desenvolvimento cognitivo do aluno por meio de

é considerado uma deficiência no ensino atual,

conflitos cognitivos. Essa perspectiva é lembrada

como conceber a Ciência como verdadeira, pronta

como sendo a aprendizagem por descoberta (Freire

e acabada, feita por super-humanos acima do bem

Jr., 2002).

e do mal (Oki, 2000). Para mudar esse contexto

Matthews (1995) destaca que essa é uma alter-

de visões não históricas é necessário modificar

nativa temerária, pois, além dos alunos optarem

projetos buscando novas orientações para a prática

por suas concepções intuitivas, aspectos de natu-

do professor, assim como novos materiais didá-

reza política, econômica e social para ensinar

ticos. Assim, é necessário rever o currículo das

Ciência dificilmente são considerados nessa abor-

instituições formadoras de professores, incorpo-

dagem. Batista (2007) argumenta que é importante

rando a eles, criticamente, essas questões de HFC

que os professores possam analisar seus próprios

(Matthews, 1995).

materiais didáticos e que pensem neles como um

No que tange aos livros e manuais didáticos

instrumento de superação de ideias não históricas

brasileiros, em geral, até o início dessa década, não

no Ensino de Ciências. Matthews (1995), citando

oferecem a devida atenção ao uso da História da

Whitaker (1979), afirma que essas ideias configu-

Ciência. Normalmente, apresentam informações

ram uma espécie de falsificação da história, ainda

de modo não histórico, linear, que enfatiza os cien-

que sejam advindas de uma história genuína.

tistas como heróis (Peduzzi, 2001). O que se tem

De encontro a esses enfoques, Matthews

a rigor, nos manuais didáticos, é a apresentação

(1995) apresenta a visão contextualista da História

dos cientistas que “deram certo”, deixando de lado

da Ciência como favorecedora de uma perspectiva

qualquer debate ou controvérsia histórica que tenha

mais crítica de como se faz Ciência e de como ela

ocorrido. Alguns materiais até fazem uma abor-

influencia e é influenciada pela sociedade. Dessa

dagem mais detida sobre aspectos históricos do

forma, os feitos históricos são tratados como obras

desenvolvimento de Teorias, Princípios e Leis, mas

da mente humana, considerando diversos contex-

ainda enfatizam os cientistas que “deram certo”,

tos como ético, social, histórico, filosófico e tec-

apresentando, no máximo, alguns poucos nomes

nológico, numa clara evidência da existência de

daqueles que não obtiveram êxito (Batista, 2002).

debates, controvérsias e rupturas na Ciência.

Há também materiais que tratam a HFC como

A elaboração de materiais didáticos por parte

paralelismo ao desenvolvimento dos processos psi-

dos professores pode ajudar a explorar elementos

cológicos do estudante, ou seja, a aprendizagem

da HC. Contudo, tais materiais pouco problema-

do aluno pode ocorrer de modo similar ao que se

tizam como podem se dar as bases de elaboração

desenvolveu a Ciência (Freire Jr., 2002). Matthews

desses materiais. Alguns autores apresentam, no

(1995) argumenta que as concepções intuitivas e

ensino de Ciências, a utilização de Sequências de

concretas dos estudantes podem sim refletir deter-

Ensino Aprendizagem (SEA), do inglês Teaching-

minados estágios históricos do desenvolvimento

Learning-Sequences (TLS), como uma possibili-

do conhecimento científico. Todavia, esta forma de

dade de aprendizagem mais expressiva de conte-

atrelar HFC no ensino pode trazer muitas compli-

údos por parte dos alunos (Méheut; Psillos, 2004;

cações, o que coloca em cheque possíveis avanços.

Kabapinar; Leach; Scott, 2004; Méheut, 2005). Há

A discussão dessa abordagem no ensino de

um consenso entre os pesquisadores de que as SEA

Ciências está associada ao movimento cogniti-

propiciam duas frentes, a da pesquisa e a melhoria

vista da Mudança Conceitual, a qual prevalece do

no processo ensino-aprendizagem, usadas como

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

ferramentas de pesquisas e/ou inovações (Leach;

mente. As análises prévias devem considerar a

Scott, 2002; Méheut; Psillos, 2004; Méheut, 2005).

epistemologia dos conceitos científicos envolvi-

Sobre a eficácia das SEA, há argumentos de

dos, o trato com as concepções prévias dos alunos,

que esses materiais ajudam a promover um desem-

a busca da superação das dificuldades e possíveis

penho melhor dos alunos com relação a outros sub-

obstáculos à aprendizagem.

metidos a abordagens mais tradicionais de ensino.

A questão psicocognitiva está relacionada à

A tese dos pesquisadores é a de que sequências

investigação dos conhecimentos espontâneos dos

curtas ajudam a promover a compreensão concei-

alunos, das possíveis concepções alternativas dos

tual dos conhecimentos científicos, pois os alunos

estudantes, da análise das situações de ensino e pos-

conseguem estruturar modelos mentais nas expli-

síveis aprendizagens. Na didática, devem-se con-

cações sobre o que é abordado (Leach et al., 2005).

siderar questões relacionadas ao funcionamento

Méheut e Psillos (2004) e Méheut (2005), apre-

da instituição de ensino e ainda se enquadram as

sentam um esquema representativo que considera

condições de funcionamento, calendário escolar e

questões de cunhos epistêmicos e pedagógicos. Na

projeto político pedagógico, por exemplo. Depois

dimensão epistêmica, leva-se em consideração a

dessas etapas, realiza-se a construção do projeto

relação existente entre o mundo material (contex-

de intervenção e pesquisa da Engenharia Didática.

tual) e o conhecimento científico (Conceitual). Já

Por fim, a fase de experimentação e análise a

a dimensão pedagógica se relaciona mais com a

posteriori é o momento de colocar todo o aparato

forma que o professor estabelece o diálogo com

didático (SEA) em funcionamento. Nessa etapa de

os alunos, ou seja, leva em consideração a relação

análises, visando possíveis correções e reformula-

professor/aluno e aluno/aluno.

ções, é importante construir um conjunto de infor-

O modelo de SEA de Méheut ancora-se na

mações que venham a ser analisadas e comparadas

metodologia da Engenharia Didática de Artigue

com as realizadas a priori, a fim de verificar a efi-

(1996). Essa abordagem caracteriza-se por ser uma

cácia da SEA. Ainda que se enfatize a comparação

atividade visando o sucesso escolar na sala de aula.

entre grupos com e sem intervenção das sequên-

O que simboliza a Engenharia Didática é a analo-

cias, esse modelo de Artigue (1996) valoriza, em

gia ao trabalho de engenheiro, principalmente os

sua abordagem, situações-problemas como forma

níveis de macro e microengenharia, sendo o pri-

de investigar o desenvolvimento cognitivo dos

meiro nível as variáveis macrodidáticas relativas

alunos.

à organização global do projeto de pesquisa, e o

A ideia de Reconstrução Educacional também

segundo, as variáveis microdidáticas relaciona-

é bastante marcante no trabalho de Méheut (Duit

das às etapas do projeto, o que chama de análise

et al., 2012). Essa abordagem caracteriza-se pela

a priori.

importância dada ao conteúdo da Ciência, pois

Na Engenharia Didática consideram-se três

tem este como início dos estudos e o propósito de

facetas: a epistemológica, a psicocognitiva e a

relacioná-los às ideias cotidianas dos alunos com

didática. A epistemológica é caracterizada pelo

forte tendência à mudança conceitual, pois o nome

estudo da gênese do conteúdo, problemas rela-

se fundamenta na ideia de reconstrução conceitual

cionados ao ensino e aprendizagem dos conceitos

por parte do aluno, ou seja, as concepções dos alu-

a serem estudados, e o levantamento do grau de

nos são utilizadas no processo de reconstrução do

complexidade dos conceitos a serem abordados

conhecimento. Neste modelo, percebe-se visivel-

como, por exemplo, como foi gerado historica-

mente a relação mundo material e conhecimento

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

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História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

científico, embora evidencie um pouco mais os

Paralelo às disciplinas de Estágio Supervi­

conteúdos da Ciência, pois, a mudança conceitual

sionado, seis estudantes aceitaram participar

é a base do modelo.

voluntariamente de um ciclo de discussões sobre os

O método parte da busca, na literatura, de con-

processos de elaboração e aplicação de SEA con-

teúdos a serem abordados, analisados e, posterior-

siderando as tendências do Ensino de Ciências. O

mente, apresentados aos alunos. Após esse levanta-

intuito desse grupo era, na forma de Comunidades

mento, investigam-se as concepções dos alunos e

de Aprendizagem de Professores, ampliar as dis-

como as experiências servirão de campo de estudo

cussões sobre as tendências do ensino de ciências

para contribuir para a reconstrução educacional. Na

na elaboração e aplicação das SEA considerando

abordagem dos conteúdos atribui-se importância à

os aportes teóricos e o contexto da sala de aula.

História da Ciência, pois se acredita que conhecer a

Dessa forma, instituiu-se um GCP visando realizar

epistemologia dos conceitos contribui para encon-

discussões mais sistematizadas ao longo de todo o

trar elementos mais eficazes de como ensiná-los.

processo de elaboração e aplicação das SEA.

Assim posto, neste artigo, são apresentados

Os licenciandos participantes desse grupo

resultados de um projeto de pesquisa que buscou

menor, identificados como L1, L2, L3, L4, L5

investigar as contribuições para formação inicial

e L6, elaboraram três Sequências de Ensino

de professores do processo de elaboração e vali-

Aprendizagem. Os universitários L5 e L6 versa-

dação de Sequências de Ensino Aprendizagem

ram sobre a Radioatividade, L1 e L2 trataram a

(SEA), visando contemplar a abordagem contextu-

Eletroquímica e L3 e L4 abordaram a parte con-

alista da História da Ciência. Será discutido como

ceitual de Termoquímica.

a História da Ciência foi explorada na elaboração

As reuniões ocorreram durante os processos de

das SEA assim como os entendimentos que os

elaboração e aplicação dos materiais, sendo algu-

graduandos estabeleceram sobre tal tendência ao

mas destas escolhidas para a coleta de dados de

passo que debatiam sobre questões relacionadas ao

modo mais sistêmico. A metodologia da coleta e a

processo de elaboração e aplicação dos materiais.

realização de entrevistas semiestruturadas foram a forma de grupo focal (Trad, 2009).

2

Metodologia No segundo semestre de 2011, em quatro dis-

3

Discussão dos resultados

ciplinas de Estágio Supervisionado em Ensino

Do processo de elaboração resultaram 25

de Química, realizaram-se estudos teóricos sobre

SEA dos 43 acadêmicos, considerando as três dos

Sequências de Ensino Aprendizagem. Foi pedido a

licenciandos participantes desse estudo. Antes de

um grupo de licenciandos, 43 estudantes do curso

realizar a análise, verificou-se que as SEA pro-

de Licenciatura em Química da Universidade

duzidas e aplicadas nas Disciplinas de Estágio

Federal de Sergipe – SE, que confeccionassem

Supervisionado apresentavam a estrutura suge-

e aplicassem SEA de acordo com as orientações

rida nas orientações pedidas pelos professores

dadas pelos professores formadores com base no

formadores, ou seja, todas elas estavam compre-

Projeto Político Pedagógico do curso. Nesse pro-

endendo 10 horas/aulas com as atividades des-

cesso, foram consideradas as tendências do Ensino

critas detalhadamente (textos, aula expositiva,

de Ciências: cotidiano, interdisciplinaridade e his-

questões problematizadoras, vídeo didático, aula

tória da ciência.

experimental etc.).

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

A discussão com base na análise da tendên-

“[...] a gente vai trabalhar a máquina

cia História da Ciência das três SEA produzidas

vapor, como ela foi usada no passado, o

é apresentada de acordo com os encontros reali-

carvão vai transformar energia térmica

zados. Na primeira reunião do grupo, os futuros

em energia mecânica [...] depois a gente

professores, com base em um instrumento, realiza-

vai falando dos outros vários tipos de

ram a análise das tendências de ensino Cotidiano,

energia [...] Eu creio que mais História da

Interdisciplinaridade e História da Ciência de suas

Ciência” (L3).

respectivas SEA. Após isso, o grupo passou às questões relacionadas com as disposições exploradas nos materiais didáticos, objetivando discutir detidamente as variáveis da dimensão epistemológica, com base nas duplas que as construíram, debatendo cada uma das tendências das SEA.

Quanto à análise da SEA Radioatividade, os licenciandos L5 e L6 concluem que a SEA caracteriza-se na abordagem histórica como feito dos cientistas, enfatizando, mais detidamente, a obra de um grande cientista (Peduzzi, 2001).

Nessa reunião, L1 e L2 com base na análise

“O que acontece, a questão [...] um vem na

da SEA Eletroquímica, concluíram que o material

sequência do outro. Um fala uma coisa aí

didático apresentou uma abordagem histórica com

vai lá outro que está de acordo, é meio que

vistas a vangloriar grandes feitos de cientistas. Os

uma sequência [...] Por isso que eu estou

estudantes deixaram transparecer que essa visão

dizendo, pelo que eu li, eu acho também

não é a mais interessante em um material didático.

que eles apresentaram em sequência, mas

L1 é categórico ao afirmar que a SEA apresenta

dai a chegar e concordar eu acho que não.

muito pouco de HC, necessitando reelaborações

Acho que o que acontecia, um pensava,

para alcançar níveis mais elaborados:

um tinha uma ideia, descobria uma coisa o outro [...] lá em outro projeto, ou até

“No caso que é um texto que tem na sequ-

mesmo, entrando em consenso [...]” (L6).

ência didática, que é sobre pilhas, fala um pouco sobre Daniel, sobre a pilha de Alessandro Volta. Só isso, mais nada. Muito simples, é muito pouco. Não é dizer que tem história [...] a gente precisa muito

Uma vez perguntados sobre a possibilidade de se alcançar esse nível mais elaborado de HC na SEA, L6 responde prontamente que isso é possível.

melhorar essa parte aí sobre pilha, que está

“Para fazer isso deveria ter um artigo

muito devagar”.

mais, assim [...] com esses debates” (L5).

Os licenciandos L3 e L4 argumentam que, na

E, ainda, L5 aponta para a necessidade de bus-

SEA elaborada por eles, não há uma abordagem

car uma abordagem histórica do desenvolvimento

histórica e, ao serem perguntados sobre como pre-

da Radioatividade. Após discussões nesse pri-

tendem abordar a História da Ciência, L3 responde

meiro encontro, ficou evidente que os acadêmicos

que irá acrescentar na reformulação da SEA como

conceberam ideias mais elaboradas de HC. A ine-

o desenvolvimento da Máquina a Vapor contribui

xistência dessa abordagem no conjunto de discipli-

para o entendimento do conceito de energia calo-

nas da graduação dificulta, e muito, a elaboração

rífica, enfatizando isso ao afirmar que é necessário

de materiais com visões menos triviais de História

mais História da Ciência que Interdisciplinaridade.

da Ciência.

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História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

Após a primeira aplicação do material no con-

da teoria do calórico [...] as primeiras

texto da sala de aula e das consequentes discus-

ideias de calor, que o corpo tem um fluído

sões sobre possíveis reformulações, realizou-se

chamado calórico, que não tinha massa,

o segundo encontro para coleta de dados. Neste

não tinha cor [...] discute isso com eles e

momento, ficou evidente que os licenciandos L1 e

depois tem a questão perguntando se ele

L2 buscaram a exploração das controvérsias histó-

concorda com aquela teoria ou não” (L3).

ricas na reelaboração da SEA Eletroquímica.

“[...] pelo que percebi do questionário se

“[...] inserimos um texto que relata quem foi o primeiro cientista a desenvolver a teoria da salinidade dos oceanos e mares [...] tem alguns aspectos da teoria [...] que não traz tudo correto [...] Outro ponto, ao introduzir História, não sei se seria só mera citação, mas a questão do desenvolvimento da pilha de Volta e da pilha de Daniel [...] mas nesse momento, como pilhas, a gente tinha a experimentação para eletrólise” (L2).

eles concordam ou não (com a Teoria do Calórico). Eles concordam em partes, com a fórmula eles aceitam, [...] essa fórmula Qmct [...], mas quando parte pra questão do fluído, que esse fluído era o responsável [...] com o aumento da sua temperatura, temperatura do seu corpo, aí eles já não concordavam com essa questão” (L4). Os acadêmicos falam da importância de trazer os estudos do calórico a fim de provocar choque

“[...] nós estamos pretendendo reproduzir a pilha de Volta em sala de aula. [...] Se pudéssemos obter as pernas de rãs como fez Volta, demonstrar o que ele fez [...]” (L1). Como se percebe, L2 afirma haver necessidade de inserir, na Sequência de Ensino Aprendizagem,

de ideias com o conceito atual de entalpia nas aulas com alunos do Ensino Médio. Cabe ressaltar que as controvérsias históricas são defendidas em abordagens na sala de aula e contribuem para desmistificar a ideias de cientistas heróis detentores do conhecimento (Matthews, 1995; Peduzzi, 2001; Freire Jr., 2002).

os estudos históricos sobre a pilha de Alessandro

Tratando dos licenciandos L5 e L6 no segundo

Volta, e L1 deixa a intenção mais latente, quando

encontro, percebe-se que L6 argumenta sobre

argumenta sobre a experiência da pilha de Volta e de

a importância da existência de um texto na SEA

parte dos estudos de Luigi Galvani, com seus expe-

Radioatividade reformulada que traz informações

rimentos com pernas de rã. O uso das controvérsias

sobre as contribuições dos cientistas Marie Curie

históricas presume um pouco mais de complexidade

e Antoine Henri Becquerel para os estudos sobre

na elaboração de uma SEA e requer uma abordagem

radioatividade, ou seja, se percebe, ao menos, a

contextualista (Matthews, 1995; Oki, 2000).

tentativa de melhorar sensivelmente a abordagem

Os licenciandos L3 e L4 buscaram acrescentar

dos episódios históricos para além da simples cita-

mais elementos históricos na segunda versão da

ção de obra de cientistas que lograram êxito histo-

SEA Termoquímica e fazem isso trazendo, para o

ricamente (Peduzzi, 2001).

material, a ideia do calórico para abordar o conceito de calor:

106

“[...] vale ressaltar que esse texto, a abordagem dele tem um contexto histórico [...]

“[...] a gente optou por tirar entalpia da

enfatizando cada um, a importância da

sequência didática e trabalhar a questão

cada um, que foi Marie Curie, Becquerel,

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História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

qual foi a contribuição realmente que cada

“A questão foi que a gente tinha dividido Roentgen, Becquerel e Marie Curie e tinha colocado Ernest Rutheford antes de tudo [...] é a ideia agora, falar de Roentgen [...] aproveita e fala de Marie Curie e Becquerel ao mesmo tempo, nessas duas aulas, porque esse vídeo fala de Becquerel também, aí depois fala de [...] Marie Curie aí fala de Ernest Rutherford [...] o modelo atômico dele, aí então a ideia, por que mudou, aí é melhor, e quando trabalhar o modelo atômico dá para trabalhar partícula alfa, beta e gama, porque é melhor que trabalhar com Becquerel, elas se encaixam melhor” (L5).

um deu pra questão da radioatividade [...]” (L6). A fim de buscar mais elementos nessa direção foi perguntado aos licenciandos L5 e L6 sobre os avanços da SEA atual em relação à primeira versão e L5 argumenta que a sequência atual traz avanços em relação à anterior, justificando a abordagem do texto que apresenta os episódios históricos de modo não fragmentado. “[...] a anterior ficou assim um tanto confuso, que justamente isso, que História da Ciência, estava utilizando um texto e esse texto estava sendo fragmentado no decor-

A tendência História da Ciência parece ter

rer das aulas. Com relação à História,

alcançado níveis mais complexos nos materiais

ficou melhor na questão de que, porque

didáticos dos licenciandos, pois ficou evidente

como eu já havia dito esse texto faz uma

que as SEA trazem elementos que apresentam a

síntese de toda a História, para posterior-

evolução científica dos conceitos da época consi-

mente abordarmos cada detalhe individu-

derando-se as mudanças de paradigmas. A desta-

almente, de acordo com cada aula, pra

car ainda a SEA Radioatividade, reelaborada pelos

enfatizar melhor essa questão” (L5).

licenciandos L5 e L6 que, segundo eles, o material

Então, L6 é categórico ao afirmar que o material traz as contribuições dos cientistas que apresentaram os primeiros trabalhos sobre a radioatividade já citados em falas anteriores. Reforçando a questão das contribuições de cada um dos cientistas, apresentam-se as explicações seguintes de ambos: “[...] na sequência didática anterior todo esse conteúdo, só que não foi dada a devida atenção a cada um como deveria ter sido e agora não, nessa reelaboração a gente tentou sintetizar as aulas, o texto e tentar abordar a contribuição que cada um

apresentou elementos da exploração da evolução científica dos conceitos considerando as mudanças de paradigmas do desenvolvimento histórico científico em meio a debates e controvérsias em seus contextos extracientíficos (Matthews, 1995; Oki, 2000; Peduzzi, 2001; Freire Jr., 2002). O terceiro encontro de discussões para coleta de dados buscou investigar nos relatos dos licenciandos, as impressões, os entendimentos e posicionamentos acerca da HC. Iniciando a análise pelos licenciandos L1 e L2, verifica-se que a SEA Eletroquímica sofreu uma sensível reformulação em aspectos de HC. Neste sentido, L1 e L2 argumentam essa tendência na primeira SEA elaborada:

realmente a contribuição de cada um (cien-

“[...] a questão da História da Ciência, na primeira fase de elaboração era apenas um recorte, seria meramente uma citação, só a

tista) [...]” (L6).

teoria sobre a salinidade da água do mar.

deu [...] é o ponto principal, Marie Curie, Becquerel [...] que o aluno entenda qual foi

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História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

Já nessa segunda fase de reelaboração, [...] desde a eletricidade até as primeiras ideias sobre Eletroquímica, vamos citando quais cientistas contribuíram para a formação do conceito de eletricidade e, posteriormente, as contribuições de Galvani, Volta e Daniel quando a gente trata de eletroquímica” (L2). “[...] eu acho que da primeira fase da sequência para a segunda fase da sequência, creio que avançamos muito, porque a questão da História está mais nítida nessa segunda, a segunda reelaboração, já na primeira era algo meramente pra citar e o que poderíamos, tipo diferente seria mais claro se nós trabalhássemos” (L1).

“Sim, e também o impacto do desenvolvimento na sociedade e na época também. O que causou na época” (L4). Percebe-se que, possivelmente, a intenção dos licenciandos L3 e L4 foi suscitar algum debate explorando os episódios históricos em sala de aula além de questões científicas. Essa forma de abordagem tem como ideia central apresentar a evolução científica dos conceitos considerando-

O acadêmico L1 argumenta que a primeira versão estava apenas no campo da citação, nível mais trivial de História da Ciência, sendo que, na SEA reformulada, foram abordadas citações históricas sobre eletricidade para, então, apresentar as ideias sobre Eletroquímica de Alessandro Volta e Luigi Galvani. Historicamente, é sabido que esses dois cientistas travaram um intenso debate acerca da origem da eletricidade, no qual Galvani falava da origem animal e Volta defendia que esse fenômeno ocorria oriundo de reações com metais (Oki, 2000). Quando perguntados sobre a busca de mais elementos de História da Química para nova aplicação da SEA, L3 relata que o material traz os estudos sobre a Teoria do Calórico do século XVIII. Inqueridos sobre a questão das possíveis contradições sobre essa teoria, ele fala da comparação possível entre as ideias atuais da quantidade de calor dos materiais e a Teoria do Calórico: “Então, ela busca na questão da Teoria do Calórico, não é a base da sequência, mas a

108

baseado nessa teoria comparando com o atual. [...] a História da Química ela de fato não é o principal da sequência [...] a gente busca falar da História da Química nesse sentido da Teoria do Calórico [...] na questão da revolução industrial, as primeiras máquinas a vapores [...]” (L3).

-se as mudanças de paradigmas (Matthews, 1995; Freire-Jr., 2002). Tratando da análise da História da Ciência dos licenciandos L5 e L6, foi perguntado a eles sobre o nível de apropriação que a SEA fez da tendência e, em reposta, L5 relata que foram alcançados dois níveis, um mais trivial, que remete a simples citação de cientistas, e outro mais complexo, com a ideia de controvérsias históricas na abordagem no ensino de Ciências (Matthews, 1995). Então, foi perguntado sobre as contribuições dos cientistas Marie Curie e Antoine Henri Becquerel, L6 expõe ter ficado surpresa de saber que Mari e Curie realizava discussões com seu esposo na época, Pierre Curie, sobre os experimentos de Becquerel: “Eu fiquei mesmo [...] E lá na questão, por exemplo, da radiatividade do experimento que Becquerel fez. Pierre Curie foi do lado do laboratório e chamou Marie Curie para ver o fenômeno que tinha lá acontecido” (L6).

gente discute isso também [...] a gente fazia

L5 também argumenta sobre as contribuições

um experimento e discutia esse experimento

que os trabalhos de William Crookes, sobre os

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História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

raios catódicos no final do século XIX, forneceram

patamar da abordagem contextual de História da

para as pesquisas de Joseph John Thomson.

Ciência (Matthews, 1995). O que pode justificar de forma mais evidente a forte intenção de contemplar

“[...] lembrando a intenção de William

a abordagem contextual na SEA Radioatividade é a

Crookes, que ele tinha que estudar a natu-

fala de L6, pois o licenciando argumenta que exis-

reza elétrica da matéria, ao mesmo tempo

tiu também a preocupação com questões sociais na

Thompson também tinha essa intenção.

abordagem do material didático.

Que na verdade Thompson fez uso da ampola de Crookes, justamente para isso.

“[...] nas sequências que a gente está

Como era que a gente conseguia relacio-

fazendo meio que diferencia [...] a gente

nar, por exemplo, de que forma Thompson

está tratando mais de questões sociais,

descobriu a natureza elétrica da matéria,

claro que a questão da usina nuclear [...]

que na verdade, quando você aborda mode-

apresentei valores na semana passada, da

los atômicos você diz como ele descobriu a

questão da usina nuclear, a gente apresen-

natureza elétrica da matéria [...] ele disse

tou valores [...]” (L6).

que o átomo era uma esfera maciça com

A partir dessas discussões, com base nas falas,

cargas positivas e negativas, simples assim

reforça-se a ideia de que a tendência História da

[...]” (L5).

Ciência parece apresentar resultados bastante

É possível inferir aqui a importância que os

satisfatórios, pois foram manifestados patamares

licenciandos L5 e L6 atribuíram à História da

mais elaborados nos materiais produzidos pelos

Ciência na SEA, ao abordar contribuições históricas

licenciandos. Infere-se sobre essa constatação que

que um grupo de cientistas pode oferecer a outros, o

materiais mais elaborados do ponto de vista da HC

que é novamente percebido nos comentários:

indicam que os licenciandos alcançaram o entendimento dos níveis mais complexos da tendência do

“A questão é que na primeira fase que a gente

ensino de Ciências.

aplicou [...] eu acho que não deixou claro exatamente quais foram as contribuições de cada um [...] na segunda reformulação, eu

4

Conclusão

acho que isso está ficando claro” (L6). “Porque ficou muito solto, [...] Eu não conseguia é ligar um cientista à descoberta de outro cientista [...] nessa segunda etapa [...] a gente criou uma linha, que um fato seria de partida para outro fato [...] um cientista fazia uso das ideias de outros cientistas [...] por isso que a História, nesse sentido, pra mim, é muito importante” (L5).

O caminho escolhido, a elaboração de Sequências de Ensino Aprendizagem, foi importante para o entendimento de diferentes enfoques de abordagem da História da Ciência no Ensino de Ciências. Os licenciandos do curso de Licenciatura em Química da Universidade de Sergipe puderam discutir e refletir sobre a produção de material didático explorando a História da Ciência em diferentes momentos de produção e aplicação das SEA. Nesse

Essa forma de conceber a HC é fundamen-

sentido, pode-se argumentar que a formação das

tal para que o material didático possa chegar ao

Comunidades de Aprendizagens pode contribuir

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109


História das Ciências na Formação Inicial de Professores de Química da Universidade Federal de Sergipe

para a formação docente. Os acadêmicos puderam compreender e explorar, nos materiais didáticos, próprios entendimentos dos níveis mais complexos da tendência do ensino de Ciências como a ideia de controvérsias históricas na abordagem no ensino de Ciências, ou seja, a abordagem em questão possibilitou aos futuros professores poderem discutir elementos da elaboração e validação de SEA considerando a visão contextualista de Mattews. Em contrapartida, os licenciandos, aparentemente por se identificarem com a própria aprendizagem proporcionada pelos aspectos históricos, não discutiram mais detidamente as questões relacionadas ao processo de aplicação das SEA no contexto escolar, não permitindo, assim, debater efetivamente as limitações do uso de Sequências de Ensino Aprendizagem no processo de ensino, o que ocorreu com as duas outras tendências discutidas, Cotidiano e Interdisciplinaridade. 5

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Química Verde 01 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

p. 111-124

Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química Implications of Inserting Green Chemistry in Initial Formation (Graduation) of Chemistry Teachers Marilei Casturina Mendes Sandri1 e Ourides Santin Filho2

RESumo Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa-ação que buscou promover a inserção da Química Verde na formação inicial de professores de Química de uma Instituição de Ensino Superior paranaense e avaliar as implicações conceituais dela resultantes. Tal inserção ocorreu por meio da realização de sequências didáticas (SD) elaboradas conforme as orientações de Zabala (1998) e desenvolvidas em duas etapas, nas disciplinas de Instrumentação para o Ensino de Química I e II. Os dados da primeira etapa permitiram avaliar as contribuições conceituais das ações desenvolvidas na SD. A construção dos dados se deu por meio da aplicação de questionários e elaboração de sínteses pelos acadêmicos. A análise textual discursiva empregada sobre o corpus permitiu identificar as concepções iniciais e finais dos acadêmicos, sobre os temas tratados. Seus conhecimentos prévios demonstraram associações da QV com o ambiente, a sustentabilidade e a prevenção à geração de resíduos. Essas ideias mostraram-se pertinentes, porém, restritivas ao demonstrar visões simplistas de ambiente e sustentabilidade, ambas atreladas apenas aos aspectos ecológicos/preservacionistas. Sendo assim, as respostas iniciais foram vinculadas à vertente técnica/instrumental da QV (Zuin, 2011). As reflexões promovidas pelas atividades da SD problematizaram o conceito de sustentabilidade e ambiente e sua relação com a QV, agregando elementos conceituais que permitiram 1. Instituto Federal do Paraná, Colegiado de Química. 2. Universidade Estadual de Maringá, Centro de Ciências Exatas, Departamento de Química.


a superação do pragmatismo técnico inicialmente associado à QV, e assim permitindo aos acadêmicos vislumbrar compreensões mais abrangentes sobre esse tema. Palavras-chave: Formação de professores; Química Verde; Educação para a sustentabilidade. Abstract This paper presents the results of an action research which aimed to promote the inclusion of Green Chemistry in the initial training of Chemistry teachers of a Higher Education Institute from Paraná and evaluate the conceptual implications resulting from it. Such insertion occurred through the realization of didactic sequences (DS) prepared in accordance with guidelines of Zabala (1998) and developed in two stages, in Instrumentation disciplines for the Teaching of Chemistry I and II. The data from the first stage allowed evaluating the conceptual contributions of the actions developed in DS. The construction of the data was accomplished through the use of questionnaires and preparation of summaries by academics. The textual discursive analysis of the corpus identified the initial and final views of the academics on the issues discussed. Their previous knowledge demonstrated GC associations with the environment, sustainability and preventing the generation of waste. These ideas proved to be relevant, however, restrictive for demonstrating simplistic visions of environment and sustainability, both linked only to ecological / preservationist aspects. Thus, the initial answers were related to technical / instrumental aspects of GC (Zuin, 2011). The reflections promoted by the DS activities discuss the concept of sustainability and the environment and its relationship with GC, adding conceptual elements which enabled them to overcome the technical pragmatism initially associated with GC, and thus allowing students envision a more comprehensive understanding on this issue. Key-words: Teacher training; Green Chemistry; Education for sustainability.

1

Introdução

históricas que fazem parte do processo de forma-

No contexto nacional atual, o prenúncio de gran-

ção docente.

des reformas educacionais, tais como a implantação

O saber docente, conforme Tardiff (2002), é

da Base Nacional Comum para a Educação Básica

social, e isso implica dizer que esses saberes são

e as novas Diretrizes Curriculares para os cursos de

moldados pelas transformações sociais, que aca-

licenciatura, reacende os debates e reflexões sobre a

bam por imprimir novas demandas para o ensino e

formação inicial e continuada de professores, con-

por consequência à formação dos professores.

siderando seu papel fundamental e estratégico na

O desenvolvimento científico e tecnológico

concretização de propostas que buscam a elevação

assistido, principalmente a partir da metade do

da qualidade da educação em nosso país.

século XX, e suas implicações sociais e ambien-

Os desafios que se infligem sobre a formação

tais nem sempre benéficas, trouxeram para a edu-

de professores são quantitativos e qualitativos e

cação científica a tarefa de tornar o conhecimento

requerem, portanto, suprir a carência de profissio-

científico instrumento para a prática social funda-

nais oportunizando-lhes as reflexões acerca das

mentada, responsável, crítica e transformadora e

dimensões epistemológicas, sociais, políticas e

promover a educação para a sustentabilidade.

112

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Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

Assim, vemos surgir também, como demanda formativa dos cursos de formação de professores, a necessidade de formar profissionais que estejam preparados para questionar as relações entre a Ciência e a Tecnologia e a esfera social e promover a alfabetização científica (AC) necessária para o alcance das mudanças anteriormente apontadas. Para tanto, Acevedo Díaz e colaboradores (2003), enfatizam a importância do enfoque CTSA na formação de professores de ciências, como meio de promover a reflexão e oportunizar práticas didá-

2

A Química Verde O nascimento da QV em 1991, é atribuído ao lançamento do programa intitulado “Rotas Sintéticas

Alternativas

para

Prevenção

de

Poluição” pela agência ambiental estadunidense EPA (Environmental Protection Agency), e que ao ser expandido em 1993, ganhou a denominação Química Verde (Anastas; Kirchhoff, 2002). O conceito de Química Verde foi apresentado por Anastas e Werner em 1998, e pode ser definido

ticas inovadoras na Educação Básica. Mesquita et

como o desenho, o desenvolvimento e a aplicação de

al. (2013) reitera essa asserção, ao tratar especifi-

produtos e processos químicos para reduzir ou elimi-

camente das licenciaturas em Química, tendo em

nar o uso e a geração de substâncias nocivas à saúde e

vista as implicações desta ciência no contexto do desenvolvimento científico-tecnológico atual. A necessidade de uma revolução na formação de profissionais no campo da Química também é apontada por Pinto e colaboradores (2009), os quais indicam como possíveis caminhos para esse processo, como uma maior proximidade entre as Ciências Naturais e a Educação, a construção de novos currículos e estruturas de ensino e aprendizagem bem como a introdução, de forma transversal, dos princípios da Química Verde, da sustenta-

ao ambiente. Esta proposta se apoia sobre 12 prin-

cípios, também apresentados por esses autores (Anastas; Werner, 1998). De acordo com Machado (2011), a emersão da QV foi impulsionada pelo desenvolvimento de certo número de atividades no âmbito da Indústria Química que condu­ziram a novas atitudes e conceitos na década de 1980, no contexto da consolidação do ambientalismo moderno. Essas ações são elencadas por Machado (2011) numa ordem cronológica, sendo elas: 1. Prevenção da Poluição (P2);

bilidade e da atuação responsável.

2. Minimização de resíduos;

No contexto específico da formação de profes-

3. Processos com mais segurança inerente;

sores, a Química Verde (QV) surge como possibi-

4. Cuidado Responsável;

lidade de difundir uma nova racionalidade para as

5. Design para o Ambiente;

atividades químicas, pensada sob uma perspectiva

6. Ecologia industrial.

abrangente e crítica, que engloba a compreensão das relações sistêmicas da Química com a sociedade, o ambiente, a tecnologia, a economia e a

Ao longo dos seus 25 anos de existência, a difu-

política, tendo por base uma postura ética, e assim

são dos princípios da Química Verde, no âmbito

fundamentar práticas docentes coerentes com a

acadêmico e industrial mundial, tem se mostrado

perspectiva da AC.

ascendente e promissora, conforme aponta o

Dessa forma, o presente artigo trata sobre a

número crescente de trabalhos que anualmente são

inserção da QV na formação inicial de professo-

publicados sob essa nova vertente (Farias; Fávaro,

res de Química de uma instituição de ensino supe-

2011). Tratando do contexto brasileiro, Sanseverino

rior paranaense e as implicações conceituais dela resultantes.

(2003) informa que os princípios da QV só

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113


Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

começaram a ser difundidos no meio acadê-

(QUIVES), a qual defende que esta nova aborda-

mico, governamental e industrial no início deste

gem da Química deverá embutir, nos jovens cien-

século. Quanto à difusão dessa proposta no país,

tistas, as competências éticas e práticas requeridas

Leal e Marques (2008) apontam alguns projetos

para reorientar a tecnologia química no sentido da

de pesquisa e a divisão de Química Ambiental da

Sustentabilidade. Para isso o autor propõe inserir

Sociedade Brasileira de Química, como importan-

os princípios da QV em todos os níveis educacio-

tes contribuintes diretos ou indiretos para o desen-

nais, exemplificando sua necessidade, possibilida-

volvimento da QV em instituições de ensino, pes-

des e vantagens de aplicação.

quisa e extensão.

Também Vilches e Perez (2002) defendem que

Percebe-se, por meio do exposto, que a QV tar-

a QV passe a fazer parte dos cursos de formação

dou a chegar ao Brasil, comparado com a data de

profissional, visando difundir essa nova proposta

seu nascimento nos EUA. Nota-se, porém, que as

e levar a cabo essa nova racionalidade tanto no

tentativas de difusão e incorporação de seus pres-

âmbito da indústria, quanto na Educação Básica,

supostos são crescentes, a notar pelo surgimento

colaborando em várias frentes para o desafio de

de grupos de pesquisa destinados a investigações

um futuro sustentável.

nesse campo, e pelos ensejos governamentais de

Apesar dos reiterados apelos para que a QV

incluí-los nos planejamentos de desenvolvimento

componha os currículos de formação profissional, e

sustentável do país.

os reconhecidos esforços para que esta proposta se

Contudo, ao avaliarmos o âmbito educacional,

viabilize nos cursos de graduação e pós-graduação

percebemos a incipiência de grupos de pesquisa e

em nível mundial, encontramos na literatura nacio-

trabalhos acadêmicos dedicados a avaliar, propor

nal indícios de que essas propostas ainda não atin-

e inserir a QV nos currículos e na prática da sala

giram sua plenitude, embora sejam promissoras.

de aula, nos diferentes níveis educacionais, con-

Antonin et al. (2011) consideram que a difu-

trariando o que defende Anastas e Kirchoff (2002)

são dos princípios da QV nos cursos superiores de

– pioneiros da QV no contexto estadunidense – ao

Química no Brasil, mesmo que em sua dimensão

afirmarem que estudantes de todos os níveis devem

instrumental, ainda é incipiente. O quadro não é

ser introduzidos na filosofia e prática da Química Verde

diferente na formação de professores de Química,

(p. 691) para assim caminharmos em direção aos

onde os princípios da QV ainda são pouco

desafios da sustentabilidade.

difundidos (Rollof, 2011).

A QV e a formação profissional

ples “esverdeamento” do currículo não garante,

Todavia, Zuin (2011) faz o alerta de que o sim3

por si só, uma formação capaz de modificar por

Tanto no cenário internacional quanto nacional

meio de conhecimentos e ferramentas tecnocien-

muitas vozes se somam para reivindicar a inser-

tíficas o modelo atual de profissionalização para o

ção dos princípios da QV nos cursos de formação

enfrentamento da crise ambiental contemporânea.

profissional em Química, em nível de graduação e

Isso, certamente, remete à necessidade de inserir

pós-graduação (Vilches; Perez, 2010; Prado, 2003;

de forma transversal os princípios da QV, ou seja,

Machado, 2004, 2011; Marques et al., 2007, 2013;

permeá-los em diferentes disciplinas e práticas

Zuin, 2011).

metodológicas, oportunizando-lhes um caráter

Machado (2004) cita a Declaração de Tóquio (2003), sobre Química Verde e Sustentável

114

teórico, prático e vivencial de forma problematizada, contextualizada e crítica.

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Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

Assim, consideramos justas as solicitações de

em Química, com vistas a atingir transformações

inserção da QV na formação profissional de todos

conceituais (saber), procedimentais (saber fazer) e

os segmentos da Química: engenheiros quími-

atitudinais (saber ser), referentes aos temas.

cos, químicos bacharéis e licenciados, e defende-

Conforme Thiollent (2002) a PA é um método

mos que a inserção desse tema é especialmente

de pesquisa que congrega objetivos de ação e de

importante na formação de futuros professores,

conhecimento, ou seja, mediante a PA objetiva-

porque estes podem ser não apenas praticantes

-se obter conhecimentos que possam alimentar os

de tais princípios, mas também agentes dissemi-

debates e reflexões na área de estudo em questão,

nadores dos mesmos e de discussões capazes de

e ainda promover a transformação dos sujeitos

fomentar na Educação Básica a formação cidadã,

envolvidos na pesquisa em relação ao problema

crítica, responsável e comprometida com um

diagnosticado.

mundo no qual emerge e urge a necessidade de sustentabilidade.

A PA prevê que sejam desenvolvidas ações que permitam encaminhar os sujeitos à transformação

Nesse sentido, compreendemos que os pro-

pretendida. Sendo assim, optou-se por elaborar e

fessores de Química precisam de suporte teó-

aplicar sequências didáticas apoiadas na proposta

rico-metodológico, pois conforme Anastas e

de Zabala (1998). Esse autor ancora-se no cons-

KIrchhooff (2002, p. 689)

trutivismo de Vygotsky e Ausubel e propõe a ela-

Educadores precisam de ferramentas apropriadas, treinamento e materiais para integrar efetivamente a Química Verde em seu ensino e na pesquisa (p. 689).

Sendo assim, este trabalho se propôs a inserir a QV na formação didático-pedagógica de professores de Química, mais especificamente, nas disciplinas de Instrumentação para o ensino de Química e avaliar as implicações formativas decorrentes dessa ação.

boração de SD que favoreçam interações entre os sujeitos, e promovam o aprendizado conceitual, procedimental e atitudinal. Compreendendo que as transformações pretendidas almejavam que os sujeitos aprendessem não somente os conceitos referentes ao enfoque CTSA e à QV, mas pudessem aplicá-los em outros contextos e fazer juízos de valor tomando por base tais conhecimentos, a proposta se mostrou adequada para esta pesquisa. Neste artigo trataremos da SD sobre QV, a qual foi elaborada e aplicada em duas etapas,

4

Metodologia

envolvendo duas disciplinas da grade curricular do curso, a saber: Instrumentação do Ensino de

O trabalho aqui apresentado faz parte de uma

Química I e II, ofertadas no 4º e no 6º período, res-

pesquisa-ação (PA) mais ampla, realizada junto aos

pectivamente. Cada etapa necessitou de 12 aulas

acadêmicos do curso de Licenciatura em Química

para ser realizada. Neste trabalho serão apresen-

do Instituto Federal do Paraná – campus Palmas,

tados e analisados os dados referentes à primeira

que buscou inserir o enfoque CTSA e a QV na

etapa da SD, Quadro 1, e o foco de análise se

formação didático-pedagógica dos licenciandos

deterá ao aspecto conceitual.

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Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

Quadro 1.  Ações desenvolvidas na primeira etapa da SD sobre QV. Dia 1º dia – 2 aulas

2º dia – 2 aulas

3º dia – 2 aulas

4º dia – 2 aulas

5º e 6º dias – 4 aulas

Ações desenvolvidas a) Levantamento de ideias prévias dos acadêmicos acerca da concepção de QV mediante questionário individual;* b) Levantamento de concepções prévias sobre Sustentabilidade; c) Aula expositiva dialogada, trazendo como provocação inicial o debate sobre “Onda verde” (propagandas, produtos, empresas, selos intitulados verdes) veiculada pela mídia e a sua intencionalidade de vender a ideia de sustentabilidade; d) Revisão das concepções iniciais; e) Tratamento de forma dialogada acerca do tema sustentabilidade: origem; definições; princípios-chave; desenvolvimento sustentável; “economicização do mundo” (Leff, 2010); Lei-limite da Natureza – Entropia (Cechin, 2010) e Paradigma Cartesiano e Complexo (Morin, 2011); f ) Finalização com o vídeo “Um novo paradigma”; g) Atividade em grupo de revisão das respostas iniciais sobre QV e sustentabilidade; h) Entrega de material de apoio: “As bases morais da química verde” (Gaie, 2002); i) Aula expositiva dialogada sobre os Princípios da QV j) Retomada das relações CTSA; k) Discussão acerca da relação da Química para o DS; l) QV no ensino de Química: formação docente e Educação Básica; m) Trabalho em grupo para reanálise das respostas iniciais sobre QV e sustentabilidade; elaboração de sínteses pessoais sobre os conteúdos trabalhados e socialização; n) Formulação de planos de aula experimentais com vistas à inserção dos enfoques explorados na SD.

* Ação realizada na aula anterior ao início da SD.

Participaram dessa etapa 19 acadêmicos regu-

vos ou finalidades que se tem em relação ao apren-

larmente matriculados, que foram identificados

dizado dos alunos. No caso de uma perspectiva

de A1 a A19, a fim de preservar suas identidades.

construtivista de ensino, Zabala (1998) chama a

Porém, apenas 14 alunos foram assíduos a todas as

atenção para que os conteúdos abordados não sejam

aulas desta SD e, portanto, a análise de deu sobre

apenas de caráter conceitual ou fatual e, valendo-se

os dados produzidos por esses sujeitos. Os dados

de Coll (1986), solicita que também os conteúdos

foram obtidos por meio de questionários para

procedimentais e atitudinais sejam explorados.

levantamento de ideias prévias e das sínteses finais elaboradas individualmente pelos acadêmicos.

Embora congreguemos dos ensinamentos de Zabala (1998), que afirma que as tipologias do

A análise dos dados se deu mediante a aplica-

conhecimento constituem faces diferentes de um

ção da Análise Textual Discursiva (ATD), proposta

mesmo poliedro e que as linhas que as separam são

por Moraes e Galiazzi (2011). Esse método de

muito sutis e confusas, dificultando sua separa-

análise prevê as etapas de unitarização, categori-

ção no momento do ensino, entendemos também,

zação e elaboração dos metatextos, que permitem

segundo esse autor, que a estratégia de diferencia-

captar a nova compreensão que emerge do contato

ção ganha sentido a partir da análise da aprendizagem

intenso com o corpus de análise.

(p. 40). Por isso, neste trabalho a análise se deterá

aos conhecimentos conceituais. 5

Ao tratar da aprendizagem conceitual, Zabala

Resultados e discussão 5.1

(1998) situa o conceito de forma bastante ampla, podendo ser entendido desde sua forma estrita,

O panorama inicial

como por exemplo, o conceito de mamífero, den-

Zabala (1998) afirma que as atividades de uma

sidade, romantismo etc., ou ainda, de maneira

SD devem ser elaboradas de acordo com os objeti-

mais abrangente, à compreensão e construção

116

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Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

pessoal que se origina quando novos conteúdos

“A química que defende o meio ambiente.

de aprendizagem se relacionam substantivamente

[...]” (A19).

com os conhecimentos prévios e que permitem assim a utilização desse conceito para a interpretação, conhecimento de situações ou construção de outras ideias. É sob essa última definição que realizamos a análise do corpus, buscando identificar as concepções iniciais e finais dos licenciandos acerca do tema QV.

Essa relação é também encontrada na literatura. Machado (2004) situa a QV como sendo a Química para o ambiente, em distinção da Química do ambiente associada à Geoquímica e da Química no ambiente, associada à Química Ambiental. Para esse autor a QV suscita a

A primeira atividade da SD, descrita no

[...] proteção do ambiente por parte de quem pratica a química – procura que esta seja realizada de modo a conservar o ambiente, por exemplo, com limitação ou, preferivelmente, impedimento da dispersão de poluentes e contaminantes tóxicos por parte da Química Industrial e atividades a jusante (Machado, 2004, p. 59).

Quadro 1, consistiu, portanto, na aplicação de um questionário que permitiu levantar as concepções iniciais desses sujeitos acerca dessa temática. A identificação dessas concepções é essencial quando se considera que os indivíduos não são desprovidos de conhecimento, mas que trazem consigo concepções arraigadas em seu processo formativo e vivencial, as quais podem se constituir em obstáculo ao aprendizado, quando não devidamente consideradas.

Porém, há que se notar que ao falar de “ambiente” os acadêmicos o associam apenas ao meio físico natural (seres vivos, mares, rios, lagos, atmosfera), como denota a fala de A3:

Mediante a aplicação da ATD sobre as respos-

“A QV é a preocupação com o ambiente e a sociedade, pois busca por menos resíduos colocados ao alcance dos seres vivos, menos contaminação nos mares, rios e lagos”.

tas obtidas, foi possível identificar três categorias, como demonstrado no Quadro 2. É importante salientar que algumas falas enquadraram-se em mais de uma categoria. Da análise sobre o corpus, depreendeu-se que os acadêmicos estabelecem relações da QV com três aspectos marcantes: meio ambiente, sustentabilidade e resíduos. Como apontado no Quadro 2, 10 (dez) acadêmicos estabelecem a relação da QV com o meio ambiente, como demonstram as falas:

Posicionamentos como estes indicam visões naturalistas/preservacionistas de meio ambiente, nas quais considera-se apenas uma de suas muitas dimensões, tornando reduzida também a perspectiva de compreensão da QV, pois ao tomar o ambiente somente em sua dimensão natural, a QV passa a corresponder tão somente a uma ferra-

“Uma química preocupada com o ambiente

menta de ordem instrumental, que pode evitar ou

[...]” (A16).

amenizar danos.

Quadro 2.  Categorias das respostas iniciais dos acadêmicos sobre QV. Unidades de Significado

Número de Alunos

Categoria 1 – Protetora do ambiente

Natureza/Ambiente

Categoria 2 – Promotora de sustentabilidade

Sustentabilidade

7

Categoria 3 – Redutora de resíduos

Prevenção/Resíduos

8

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Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

Ao manter-se sobre essa compreensão, os acadêmicos podem incorrer em uma tendência que Tozzoni-Reis (2008) chamou de cognoscente. O sujeito cognoscente percebe a relação homem-natureza mediada pelos conhecimentos científi-

Assim, com o passar do tempo, alguns termos ainda pouco compreendidos são incorporados e usados sem que as pessoas sintam a necessidade de se perguntarem o que eles significam. Viram chavões, portanto (p. 4).

cos, em que a intervenção predatória do homem

O termo sustentabilidade parece se encaixar

pode ser modificada pelo avanço científico e

nessa situação, pois é um termo relativamente novo

tecnológico, ou seja, sob essa visão se crê que o

que ganhou rápida projeção, veiculação e adesão,

avanço científico e tecnológico trará as soluções

sem haver, contudo, aprofundamento sobre seus

para os danos já causados ao ambiente e permitirá

propósitos e princípios, por parte da população. Assim, julgou-se importante e necessário apro-

avançar em desenvolvimento, sem danificá-lo. Concepções como estas fundamentam posicio-

fundar as investigações sobre tais concepções, o

namentos salvacionistas em relação à ciência e à

que foi realizado por meio da atividade b, descrita

tecnologia, e reducionistas em relação ao ambiente

no Quadro 1. A análise permitiu identificar o meio

e sua complexidade. Ignora-se, sob essa concepção,

ambiente como principal elemento associado à

os aspectos éticos, morais, políticos e econômicos

sustentabilidade, seguido da ideia de durabilidade

que podem interferir na relação sociedade-natureza e

e autonomia.

também no desenvolvimento científico-tecnológico. Da análise depreende-se, portanto, que apesar da relação apontada pelos acadêmicos, entre QV e meio ambiente ser pertinente, suas compreensões reducionistas sobre “ambiente”, acabam por restringir também a compreensão de QV, a qual mantém-se presa ao aspecto técnico.

Quadro 3.  Categorias presentes nas concepções prévias dos acadêmicos sobre sustentabilidade. Categorias

Nº de Alunos

a) Sustentabilidade relacionada ao meio ambiente.

12

b) Sustentabilidade relacionada a algo durável, que se automantém, perene, independente.

8

Na segunda categoria, identificaram-se 8 (oito) acadêmicos que indicaram a relação entre QV e

De acordo com o Quadro 3, a visão predominante de sustentabilidade entre os acadêmicos

Sustentabilidade, como demonstram as falas: “A QV mostra mais caminhos para um mundo sustentável” (A5). “Uma química sustentável. A QV vem como aliada e pondo em prática a sustentabilidade, [...]” (A10). Porém, por meio das falas dos acadêmicos não foi possível identificar que compreensões esses indivíduos tinham sobre sustentabilidade. Para esses sujeitos, o termo se autodefine, não sendo necessário detalhá-lo, descrevê-lo ou defini-lo. Conforme Paula e Lima (2007), novas expres-

(12 sujeitos) corresponde somente ao seu aspecto ambiental, reforçando, inclusive, o entendimento ecológico/preservacionista deste. Sob essa compreensão a sustentabilidade está associada a um melhor tratamento das questões ambientais, porém, corresponde somente à busca pela remediação ambiental, reciclagem, reaproveitamento etc., como denota a fala: “Tudo o que deixa o mundo mais ecologicamente correto, desde prevenção, reaproveitamento e conscientização” (A13).

sões podem suscitar o sentimento de apego ao que

Essas concepções revelam um pensamento

é novo, seja por curiosidade ou simples modismo.

associado às campanhas midiáticas que comu-

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Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

mente relacionam a sustentabilidade a compor-

des químicas, embora ainda se reporte ao seu trata-

tamentos e produtos “ambientalmente corretos

mento, como nos indica a fala de A9:

ou amigáveis”. Além disso, Fonseca e Bursztyn

“A QV vem para dar uma nova consciência

(2007) se valem da teoria de Bordieu (1983) para

para uma redução de resíduos e uma pre-

explicar que a sustentabilidade tornou-se um capi-

ocupação de como eles são descartados”.

tal simbólico que expressa certo comprometimento ambiental e que, pelo poder econômico ou

A ideia de evitar ou diminuir a geração de resí-

cultural que tal capital representa, é usado como

duos recobra pressupostos como a Prevenção à

apoio discursivo a ações “pró-ambiente” (Fonseca;

Poluição e a Minimização de Resíduos, que cons-

Bursztyn, 2007).

taram como princípios fundantes da QV (Machado,

Assim, o termo sustentabilidade torna-se um

2011). Para esse autor, a relação da QV com a pre-

marketing ou um slogan que autoanuncia compro-

venção à geração de resíduos e com o ambiente

metimento ambiental. Essa concepção de sustenta-

é intrínseca, pois a QV surgiu como resposta aos

bilidade, associada à QV, pode conduzir a posturas

problemas ambientais decorrentes da crescente

nas quais também esta se torna um slogan propa-

produção de resíduos pela indústria química. Entendemos, porém, que restringir a QV à

gandístico, como chama atenção Zuin (2011):

minimização de resíduos lhe imputa muitas outras O slogan propagandístico que pode vir associado à Química Verde, e é espetacularmente difundido pelos canais de divulgação, não estimula mais discussão, reflexão e posicionamentos críticos do conceito e seus usos, pois ele se realiza como imagem autossustentável (p. 33).

facetas, ao mesmo tempo que reduz à perspectiva técnica. Assim, a partir da análise das concepções iniciais dos acadêmicos, é possível inferir que estes sujeitos possuíam concepções pertinentes sobre a QV, relacionando a esta o cuidado com o ambiente, a busca pela sustentabilidade ou ainda a

Na categoria 3, identificou-se a relação da QV

redução de resíduos nas práticas químicas.

com a prevenção à geração de resíduos, como ilustra a fala: “Diminuir a emissão de poluidores ou diminuir a quantidade de resíduos em nosso ambiente” (A11).

Porém, ao averiguar mais profundamente suas concepções sobre ambiente e sustentabilidade, ambas reduzidas ao meio ambiente natural/ecológico, assevera-se que as concepções iniciais podem ser consideradas reducionistas, retroalimentando a ideia de sustentabilidade como solu-

Como chamam atenção Machado (2011) e

ção tecnicamente intermediária entre exploração

Zuin e colaboradores (2015), o foco da QV não

e conservação (Tozzoni-Reis, 2008) e a QV como

está no gerenciamento e tratamento de resíduos, ou

“meio” para viabilizá-la, ao menos no campo da

ainda na remediação ambiental. Seu foco principal

Química. Zuin (2011) ressalta que há duas vertentes na

está na ação preventiva, que pode ter como uma das suas consequências benéficas a diminuição da

Química Verde. Segundo a autora

geração de resíduos. Portanto, a ideia de prevenção, suscitada pelos acadêmicos que compuseram essa categoria, nos parece pertinente, pois demonstra uma nova forma de pensar nos problemas decorrentes das ativida-

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016

Em relação ao desenvolvimento sustentável e à Educação, há na Química Verde, uma concepção que defende, quase exclusivamente por meio de “praticas e técnicas ambientalmente corretas” injetar comportamentos nos estudantes. Já outra

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Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

A primeira categoria foi denominada ‘incre-

concepção apregoa que por meio da produção ressignificada – baseada em novas racionalidades que levem em conta a sustentabilidade socioambiental e suas implicações éticas –, de aparatos científicos e tecnológicos menos impactantes aos seres vivos e ao meio, há a possibilidades de se engendrar processos formativos críticos e emancipatórios, que solicitam a participação efetiva do indivíduo, que pensa e sente, para a construção do bem coletivo (p. 78).

mento às concepções iniciais’ porque segundo nosso julgamento, os discursos que nela se enquadram não demonstram abandono das concepções iniciais, notadamente relevantes, mas referem-se a visões mais complexas destas e, ao nosso ver, mais adequadas para estabelecer o diálogo entre as vertentes técnica e abrangente da QV. Como apontado, 12 (doze) acadêmicos passaram a con-

Sendo assim, as concepções prévias dos acadêmicos, embora pertinentes, foram entendidas como estando presas à vertente técnica/instrumental. Todavia, como apontado por essa mesma autora as vertentes conceituais da QV não são estanques em si e podem dialogar e rever-se continuamente. Dessa forma, o desenvolvimento da SD procurou problematizar as concepções iniciais dos acadêmicos, focando principalmente na discussão acerca do ambiente e da sustentabilidade, a fim de propiciar concepções que coloquem em diálogo as vertentes conceituais descritas.

siderar outras dimensões, além da ambiental, tornando suas compreensões mais abrangentes sobre os temas tratados, como demonstra a fala: “Sustentabilidade assim como QV não está relacionada apenas ao meio ambiente, mas sim a todos os parâmetros: sociedade, política, ambiente e economia” (A7). Igualmente, as concepções de ambiente e sustentabilidade tornaram-se mais abrangentes, como demonstram as falas de A2 e A6: “No início a visão de preservação da natureza era não jogar lixo, plantar árvo-

6

res etc., [...] mas a natureza também está

As transformações alcançadas

interligada ao social, tecnologia, ciência,

Considerando a síntese individual redigida pelos acadêmicos ao final da SD, foi possível averiguar em que medida as concepções iniciais sobre QV e Sustentabilidade foram modificadas.

ambiente. É uma cadeia [...]” (A2). “Sustentabilidade é muito maior que somen-te reciclagem e menos poluição [...]” (A6).

A análise desses dados possibilitou a identificação

Nesse sentido, tendo havido uma ampliação

de apenas duas categorias, uma que demonstra a

da compreensão de ambiente e sustentabilidade,

ampliação das concepções iniciais e a outra que

compreende-se que também a concepção de QV

indica sua permanência, como mostra o Quadro 4.

encaminhou-se para a vertente mais abrangente.

Quadro 4.  Categorias para as concepções finais sobre QV e sustentabilidade. Unidades de Significado

Nº de Alunos

Categoria 1 – Incremento às • Rompimento com visões restritas de ambiente; concepções iniciais • Consideração de outras dimensões além da ambiental e noção de inter­ ‑relação entre as dimensões consideradas; • Crítica ao modelo desenvolvimentista; • Noção de responsabilidade intergerações e justiça social.

12

Categoria 2 – Permanência • Relações com: ambiente/resíduo concepções iniciais

2

120

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Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

As falas dos acadêmicos também indicam crí-

novos elementos ofertados pela professora e pelos

ticas ao modelo econômico, e apontam o consu-

interlocutores teóricos, num movimento que per-

mismo e a busca pelo desenvolvimento a qualquer

mite atualizar seus esquemas, compará-los com o

custo como os principais problemas para alcançar

que é novo, identificar semelhanças e diferenças

a sustentabilidade. Nesse sentido, compreendem

e integrá-las aos seus esquemas iniciais (Zabala,

também as limitações da QV, pois compreendem

1998). Assim, ao reler suas respostas iniciais e

que esta pode contribuir com a sustentabilidade,

tecer a síntese pessoal, a maioria dos acadêmicos

mas não dar conta de toda sua problemática, como

(12) se autoavaliou percebendo concepções restri-

aponta A9:

tas ou incompletas sobre QV e Sustentabilidade,

“A QV é uma auxiliadora no processo de

como indicam as falas:

um mundo sustentável. Portanto, existe a

“A minha visão inicial de QV estava

Química Verde dentro da sustentabilidade,

somente relacionada com o ambiente até

que por sua vez se encontra dentro de um

porque na mídia e nas escolas onde estudei

novo paradigma. [...] não se trata da grande

o foco era preservação apenas para o meio

solução como muitos pensam”.

ambiente e o não poluir [...]” (A7).

Reconhecer as limitações da QV e da própria

Inicialmente, o pensamento sobre QV e

proposta de sustentabilidade é algo importante,

sustentabilidade era um tanto restrito, [...]

conforme nos aponta Marques et al. (2013). Assim,

Pensava-se mais em reutilização, recicla-

aprofundar o entendimento sobre essa nova filoso-

gem para que diminuísse o impacto sobre

fia dentro da Química pode favorecer posiciona-

o meio ambiente” (A9).

mentos mais fundamentados, que não se polarizam

Nesse sentido, destaca-se a importância das

em uma visão salvacionista da Ciência – na qual a QV pode ser vista como tábua de salvação às

atividades de revisão propostas na SD, pois

degradações ambientais – nem sob a visão fatalista

[...] a estrutura cognitiva dos indivíduos está configurada em uma rede de esquemas de conhecimento e [...] a situação de aprendizagem pode ser concebida como um processo de comparação, de revisão e construção de esquemas de conhecimento (Zabala, 1998, p. 37).

que atribui à conta das atividades químicas, principalmente as industriais, a culpa por danos ambientais e sociais. Os acadêmicos ainda manifestaram a responsabilidade intergerações e necessidade de bem-estar e justiça social, como elementos da susten-

Além disso, destaca-se a importância dos tra-

tabilidade e compromissos dos químicos verdes.

balhos e discussões em grupo, que são caracterís-

Corroborando, Brasil (2012) considera que esses

ticas das propostas construtivistas de ensino, e que

elementos são alguns dos princípios-chave para a

permitem o confronto, o debate e a reestruturação

sustentabilidade, a qual comporta muitas dimen-

conceitual mediada pela interação com o outro.

sões e deve assegurar no mínimo a inter-relação ecológica, econômica e social (p. 12).

Por fim, através da análise dos novos discursos é possível inferir que as atividades desenvolvidas

É importante ressaltar que no decorrer da SD

na SD possibilitaram a ampliação da concepção

os acadêmicos tiveram a oportunidade de rever e

técnica/instrumental – inicialmente imperante –

reestruturar suas respostas seguidas vezes, con-

para uma concepção abrangente e crítica, na qual a

frontando seus conhecimentos iniciais com os

QV é compreendida em sua relação sinérgica com

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Implicações da Inserção da Química Verde na Formação Inicial de Professores de Química

a sustentabilidade socioambiental, para tornar-se,

de alguns princípios da QV, sem haver, contudo,

de fato, uma nova racionalidade para as atividades

transformações mais profundas, que envolvem

químicas.

necessariamente uma nova forma de conceber as

Há que se destacar, porém, que as questões éti-

relações sociedade-natureza.

cas referentes a sustentabilidade e a QV não foram

Destaca-se nesse ínterim, a possibilidade de

mencionados por nenhum acadêmico. Sendo

a QV ser trabalhada nas disciplinas de Prática

assim, identifica-se uma possível lacuna a ser

como Componente Curricular (PCC) – tal como a

sanada nas próximas intervenções, para que cada

Instrumentação para o Ensino de Química – que

vez mais os acadêmicos possam atualizar seus

por seu caráter de buscar aliar os conhecimen-

esquemas mentais, burilando suas compreensões.

tos pedagógicos e específicos podem ajudar a fundamentar práticas docentes mais adequadas,

7

nas quais a QV respaldada em sua vertente mais

Considerações finais

abrangente pode colaborar para que o educadores

A incipiência da QV nos cursos de formação

assumam e impulsionem o compromisso com a

inicial e seu pouco alcance na Educação Básica ser-

educação para a sustentabilidade (Vilches; Perez,

viram de motivação para a realização da pesquisa-

2011; Burmeiser; Rusch; Eilks, 2012).

-ação aqui apresentada. A inserção desta corrente

Defende-se por fim, que os cursos de formação

na formação de professores de Química é por nós

de professores de Química incorporem a QV em

compreendida como uma forma de viabilizá-la

seus currículos tendo por base:

também no ensino de Química, auxiliando proces-

• as relações CTSA;

sos de AC e educação para a sustentabilidade.

• as bases morais da QV; • sua relação com a sustentabilidade socio-

Os resultados mostraram que apesar de já

ambiental;

conhecerem os princípios da QV, as concepções

• seus pressupostos como uma nova raciona-

iniciais dos acadêmicos, embora pertinentes,

lidade para a atuação química; e

foram encerradas somente em sua dimensão técnica. Assim, é possível depreender dos estudos

• suas potencialidades para uma educação

realizados, a importância de a inserção dos prin-

ambiental crítica, para assim fomentar prá-

cípios da QV não ser pontual ou restrita apenas às

ticas docentes sensíveis às demandas atuais

disciplinas específicas do curso, que pouco susci-

da educação.

tam momentos de reflexão e aprofundamentos teóricos mais abrangentes sobre essa nova racionalidade no campo da Química. Considera-se, portanto, que a QV deve fazer parte do currículo formativo dos cursos de Química numa perspectiva que ultrapasse sua dimensão técnica instrumental e proporcione as reflexões necessárias para esta se tornar uma nova racionalidade dentro da prática química e da ação docente. Não basta apenas “inocular” comportamentos verdes nos acadêmicos, como sugerem Pinto et al. (2008), pois nesse caso poderá haver a prática

122

8

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História da Química 01 | Volume 11 | Número 01 | Jan./Jun. 2016 | p. 125-128

O Modelo Atômico de Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld The Atomic Model of Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias

Os grandes êxitos do modelo quântico do átomo formulado pelo físico dinamarquês Niels Hendrik Bohr (1885-1962; PNF, 1922), em 19131, foram: a estabilização da eletrosfera do modelo “planetário” atômico proposto pelo físico neozelandês Barão Ernest Rutherford (1871-1937; PNQ, 1908), de 19112; a dedução da fórmula empírica de Balmer-Rydberg (1885/1890) [ν = c R (1/n2 – 1/m2), com m = n + 1, n + 2, ...], com a constante de Rydberg R, usada pelos espectroscopistas, escrita em termos da massa de repouso m e da carga elétrica e do elétron, da constante de Planckh e da carga Z do núcleo (número atômico) Rutherfordiano (R = 2 π2 m e4 Z2 / c h3); e a obtenção da expressão para a energia E [em elétronvolts (eV): E = -13,6/n2, com n = 1, 2, ...] dos elétrons em suas órbitas circulares. Apesar dos êxitos descritos, o modelo Bohriano não foi capaz de explicar alguns resultados experimentais então conhecidos. Dentre eles, encontravam-se: as séries de Pickering, registradas no trabalho escrito, em 18963, pelo físico e astrônomo norte-americano Edward Charles Pickering (1846-1919), no qual descreveu as experiências que realizou com o espectro de raias de algumas estrelas, entre elas a ς – Puppis, raias essas que apresentavam um aspecto curioso: elas praticamente coincidiam com as séries de Balmer, apenas de maneira alternada, isto é, a primeira série de Balmer (Hα) praticamente coincidia com a primeira 1. Philosophical Magazine (v. 26, p. 1, 476 e 857). 2. Proceedings of the Manchester Literary and Philosophical Society (v. 55, p. 18); Philosophical Magazine (v. 5, p. 576; v. 21, p. 669). 3. Astrophysical Journal (v. 4, p. 369).


O Modelo Atômico de Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld

série de Pickering; no entanto, a segunda de Balmer (Hβ) só correspondia à terceira de Pickering, e assim sucessivamente [registre-se que essas séries foram redescobertas pelo físico inglês Alfred Fowler (1868-1940), em 19124, usando uma mistura de hidrogênio (H) com hélio (He)]. A separação (“split”) das linhas espectrais ópticas do hidrogênio (H), quer pelo uso de espectroscópios de alta resolução – a chamada estrutura fina –, como observado pelo físico germano-norte-americano Albert Abraham Michelson (1852-1931; PNF, 1907) e pelo químico e físico norte-americano Edward Williams Morley (1838-1923), em 18875; quer pela ação de um campo magnético, como foi percebido pelo físico holandês Pieter Zeeman (1865-1943; PNF, 1902), em 18966, – o conhecido efeito Zeeman –, ou então pela ação de um campo elétrico, observação essa realizada pelo físico alemão Johannes Stark (1874-1957; PNF, 1919), em 19137, – o denominado efeito Stark. Acrescido a isso tudo, existia a limitação das órbitas circulares do modelo Bohriano. Em vista das dificuldades do modelo Bohriano, algumas modificações foram então consideradas para contorná-las. Assim, em 19158, o próprio Bohr introduziu correções relativísticas à massa do elétron para poder explicar a ‘estrutura fina’ do H. Nesse mesmo ano, 1915, os físicos, o alemão Arnold Johannes Wilhelm Sommerfeld (1868-1951)9, o japonês Jun Ishiwara (1881-1947)10, e o inglês William Wilson (1875-1965)11, apresentaram uma extensão do modelo Bohriano a mais um grau de liberdade dos elétrons em suas órbitas. Essa extensão, conhecida como o modelo de Bohr-Ishiwara-WilsonSommerfeld é traduzida pela regra de quantização:

#

pi dqi = ni h , onde qi e pi são,

respectivamente, as coordenadas e os momentos canonicamente conjugados dos elétrons, ni são números inteiros positivos, i são os graus de liberdade dos movimentos elípticos eletrônicos, e a integral se estende aos períodos correspondentes às coordenadas. Ainda em 191512, Sommerfeld formulou uma teoria relativista de átomos de um-elétron, obtendo a seguinte expressão para a energia (W) do elétron em sua órbita: W =−

α2 Z 2 1 nφ Z 2 Rh c + m + ... E ;1 + 2 n 4 nr n

4. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society (v. 73, p. 62). 5. Philosophical Magazine (v. 24, p. 463). 6. Verhandlungen der Physikalische Gesellschaft zu Berlin (v. 7, p. 128). 7. Sitzungsberichte Königlich Preussische Akademie der Wissenchaften zu Berlin (v. 40, p. 932). 8. Philosophical Magazine (v. 29, p. 332; v. 30, p. 394). 9. Sitzungsberichte Bayerischen Akademie Wissenschaften zu München (p. 425). 10. Tokyo Sugaku Buturi-gakkakiwi Kizi (v. 8, p. 106). 11. Philosophical Magazine (v. 29, p. 795). 12. Sitzungsberichte der Bayerischen Akademie der Wissenschaften zu München (p. 459).

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O Modelo Atômico de Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld

onde n = nr + nφ, sendo nr e nφ, respectivamente, os números quânticos radial e azimutal, nr / n = b / a, sendo a e b, respectivamente, os eixos maior e menor da órbita elíptica do elétron. Aliás, foi a partir desse artigo que α recebeu a denominação de constante de estrutura fina porque a expressão permitia explicar alguns resultados experimentais relacionados com a estrutura fina das linhas espectrais do hidrogênio, observada por Michelson e Morley, e do hélio (série de Pickering-Fowler), conforme já registramos. Note-se que Bohr já havia demonstrado, em seu famoso trabalho de 1913, que essa série era devida ao hélio ionizado, pois bastaria fazer Z = 2 na expressão que deduziu para R, para explicar a alternância dessa série com a de Balmer.

Bohr

Em 1916, o físico russo-norte-americano Paul Sophus Epstein (1883-1966)13 e o astrônomo alemão Karl Schwarzchild (1873-1916)14, em trabalhos independentes, apresentaram uma explicação do efeito Stark usando os resultados do modelo de Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld. Ainda em 1916, e usando esses mesmos resultados, o físico e químico holandês Petrus Joseph Wilhelm Debye (1884-1966; PNQ, 1936)15 e Sommerfeld16, em trabalhos independentes, explicaram o efeito Zeeman.

Sommerfeld 13. Physikalische Zeitschrift (v. 17, p. 148 e 313); Annalen der Physik (v. 50, p. 489). 14. Sitzungsberichte der Bayerischen Akademie der Wissenschaften zu Berlin (p. 548). 15. Physikalische Zeitschrift (v. 17, p. 507); Nachrichten Königlich Gesellschaft der Wissenchaften zu Göttingen (p. 142). 16. Physikalische Zeitschrift (v. 17, p. 491); Annales de Physique Leipzig (v. 51, p. 1 e 125).

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O Modelo Atômico de Bohr-Ishiwara-Wilson-Sommerfeld

É interessante registrar que, nesses trabalhos, Sommerfeld propôs um terceiro número quântico m, posteriormente conhecido como número quântico espacial, ao lado dos números quânticos nr e nφ, que havia proposto em 1915. Esse novo número quântico determinava a posição das órbitas do elétron em relação à direção do campo magnético Hv e, de tal modo, que o co-seno do ângulo θ entre a direção desse campo e a normal do plano da órbita era dado por: cos θ = m / nφ. Ora, como m e nφ são números inteiros, os valores discretos assumidos por θ indicavam que os planos das órbitas eram quantizados, fato esse que ficou conhecido como princípio da quantização do espaço.

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A cromatografia é uma técnica de separação de substâncias que está presente em praticamente todas as áreas do conhecimento científico e tecnológico modernos: da petroquímica ao controle de qualidade de fármacos; do estudo da composição química da atmosfera de outros planetas à avaliação de resíduos indesejáveis em alimentos; do doping em esportes à contaminação ambiental; da proteômica ao “teste do pezinho” em recém-nascidos, além de em muitos outros âmbitos.



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