ISSN 1809-6158
VOLUME 11 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2016
VOLUME 11 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2016 Coordenação Geral Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias – UFRN Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP
Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali zação e otimização do Ensino de Química.
Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq Revisão
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional
Clarice Villac Capa e Editoração Eletrônica Fabio Diego da Silva
1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos. CDD 540
Indexada
Índice para Catálogo Sistemático 1. Química
540
A division of the American Chemical Society Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.
Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br
Sumário 7
Editorial
ARTIGOS
10
Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa Deisiane Aparecida da Silva, Karen Priscila de Lima, Karla Karine Beltrame, Lídia Damasceno Ribeiro, Maykon Rodrigues Alves, Natalia Neves Macedo Deimling e Patrícia Valderrama
22
“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão Silmar José Spinardi Franchi e Pedro Faria dos Santos Filho
RELATOS DE EXPERIÊNCIA
34
Katiane Pereira da Silva
41
Ciência Forense e Investigação Criminal: contextualizando a investigação através de uma proposta didática sobre conceitos associados às Ciências Exatas
Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade
Ana Paula Sebastiany, Angélica Schossler e Ana Paula Scheeren
51
Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química Maria Aparecida da Costa, Thais Mateus Vasconcelos, Yuri Alves Oliveira, Karla Amâncio Pinto Field’s e Renato Gomes Santos
63
Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB Francisco Ferreira Dantas Filho, Gilberlândio Nunes da Silva, Luciano Lucena Trajano, Helionalda Costa Silva e Thiago Pereira da Silva
70
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada Alessandra Alves da Silva Melo e Enderson José Dias de Melo
QUÍMICA VERDE
93
A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico Adélio A. S. C. Machado
HISTÓRIA DA QUÍMICA
109
A Dualidade Onda-Partícula José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias
113 Resenha
115 Curiosidade
119
Normas para Publicação
Contents 7
Editorial
ARTICLES
10
Didactic-pedagogical Proposal to Teaching Chemistry: paper chromatography and quantitative analysis Deisiane Aparecida da Silva, Karen Priscila de Lima, Karla Karine Beltrame, Lídia Damasceno Ribeiro, Maykon Rodrigues Alves, Natalia Neves Macedo Deimling and Patrícia Valderrama
22
“Go Fishing...”: a chronicle about soap discovery Silmar José Spinardi Franchi and Pedro Faria dos Santos Filho
EXPERIENCES ACCOUNT
34
Katiane Pereira da Silva
41
Forensic Science and Criminal Investigation: contextualizing research through a didactic proposal on concepts associated with Exact Sciences
Citizen Chemistry: using knowledge in chemistry to help the community
Ana Paula Sebastiany, Angélica Schossler and Ana Paula Scheeren
and 51 Garbage teaching
Society: contextualization through CTSA approach in Chemistry
Maria Aparecida da Costa, Thais Mateus Vasconcelos, Yuri Alves Oliveira, Karla Amâncio Pinto Field’s and Renato Gomes Santos
63
History of Chemistry Olympiads in Paraíba State and its Contribution to the Training of UEPB Chemistry Teachers Francisco Ferreira Dantas Filho, Gilberlândio Nunes da Silva, Luciano Lucena Trajano, Helionalda Costa Silva and Thiago Pereira da Silva
70
Acceptability of Chemistry in the Secondary Education Among Students of the Public Systems in Comparison With Students of Private Network Alessandra Alves da Silva Melo and Enderson José Dias de Melo
GREEN CHEMISTRY
93
The Complexity of Safety in the Chemical Laboratory Adélio A. S. C. Machado
CHEMISTRY HISTORY
109
The Duality Wave-Particle José Maria F. Bassalo and Robson Fernandes de Farias
113 Review
115 Curiosity
119
Editorial Standards
Editorial Na infância de qualquer indivíduo, as escolhas e decisões são tomadas pelos seus pais e, de certa forma, ditadas pelos hábitos e costumes da região em que ele vive. Isso inclui aparência, vestuário, religiosidade e, obviamente, formação pessoal e escolar. As crianças estudam nas escolas que seus pais escolhem, usam os uniformes que a escola impõe e estudam aquilo que os professores orientam, nos livros que alguém seleciona. Em um estágio posterior, as crianças passam a escolher suas roupas, a adquirir a aparência que mais lhes agrada, a optar pela escola que mais as atrai, mas, ainda, continuam a estudar aquilo que foi previamente estipulado . Na adolescência, os jovens tendem a se tornar mais independentes, reinventam sua aparência, com muitos adereços inusitados, cabelos coloridos e adotam um estilo de vida quase próprio. Tudo é válido e não existe mais um padrão de comportamento, vestuário e aparência. Entretanto, esses adolescentes ainda se submetem às regras estabelecidas para sua formação intelectual, estudando aquilo que os professores orientam, nos livros que alguém seleciona, tendo se livrado somente do uniforme escolar... Apesar de toda a liberdade conseguida, este último aspecto ainda incomoda e traz muita inquietação: por que estudar aquilo que os outros determinam? Por que ler o livro que alguém escolheu? Por que estudar as mesmas coisas que outras pessoas que têm objetivos muito diferentes? Os argumentos utilizados para responder a essas questões sempre giraram em torno do fato de que são assuntos fundamentais cuja importância só será percebida no futuro. O problema é que a maioria das pessoas acaba não entendendo qual a razão de tudo isso. Os tempos mudaram e, atualmente, estamos prestes a experimentar uma situação inusitada em nosso país. Depois de toda a independência adquirida pelos jovens, eles passarão, também, a escolher aquilo que desejarem estudar, sem estarem sujeitos à tal obrigatoriedade que jamais foi entendida. Essa mudança no processo de formação de nossos jovens é hoje nosso grande desafio. Será que os professores estão preparados para essa nova realidade? Eles serão capazes de orientar adequadamente os jovens para a carreira profissional? É claro que, quando se cursa o ensino médio, tende-se a gostar daquilo que se é capaz de compreender ou que se aproxima de vivências e experiências passadas. Cabe, então, expressar algumas dúvidas e incertezas, considerando a maneira pela qual o ensino de Química vem sendo praticado: será que os alunos do ensino médio se sentirão seguros para optar por alguma carreira que os ‘obrigue’ a estudar Química? Será que eles não tenderão a se afastar dela por não a entenderem e não conseguirem inseri-la em suas vidas?
A ReBEQ vem avaliando/publicando muitos trabalhos estatísticos realizados em várias regiões do país, nos quais é evidente a falta de interesse e motivação dos discentes do ensino médio para estudar Química; nesses mesmos trabalhos, os alunos demonstram sua total insatisfação com essa disciplina, com a postura dos professores e com a dificuldade de assimilar os conteúdos que ela apresenta. Se esse cenário for mantido e os estudantes tiverem a possibilidade de escolher, será que eles optarão por estudá-la? Haverá emprego para os professores de Química que atuam no nível médio? Haverá demanda para os cursos de licenciatura que já existem no país? Não há como deixar de se preocupar com essas questões. A insatisfação dos alunos com o panorama atual do ensino de Química é marcante. É hora de repensarmos nossa postura como docentes e reavaliar o conteúdo e a forma pela qual ensinamos Química. Os professores mais jovens já perceberam todo esse cenário e estão tentando, de todas as formas, trazer uma nova dinâmica às aulas. Isso pode ser observado pela quantidade cada vez maior de trabalhos que são submetidos à ReBEQ que tratam do desenvolvimento de jogos didáticos, atividades lúdicas, resolução de casos, desenvolvimento de sites e animações que tratam de conteúdo químico, além de peças de teatro e até programas veiculados na TV. Essa nova geração de professores herdou a árdua tarefa de seduzir os alunos, despertar neles o interesse pela Química, e a ReBEQ alia-se a eles na divulgação das propostas de ensino que atendam a essa nova realidade que passaremos a experimentar em breve.
Coordenação Editorial
Artigos Articles
Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa Didactic-pedagogical Proposal to Teaching Chemistry: paper chromatography and quantitative analysis Deisiane Aparecida da Silva, Karen Priscila de Lima, Karla Karine Beltrame, Lídia Damasceno Ribeiro, Maykon Rodrigues Alves, Natalia Neves Macedo Deimling e Patrícia Valderrama
“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão “Go Fishing...”: a chronicle about soap discovery Silmar José Spinardi Franchi e Pedro Faria dos Santos Filho
Artigo 01 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
p. 10-21
Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa Didactic-pedagogical Proposal to Teaching Chemistry: paper chromatography and quantitative analysis Deisiane Aparecida da Silva1, Karen Priscila de Lima1, Karla Karine Beltrame1, Lídia Damasceno Ribeiro1, Maykon Rodrigues Alves1, Natalia Neves Macedo Deimling2 e Patrícia Valderrama3
Resumo Com o avanço da instrumentação científica, a cromatografia em papel passou a ser utilizada apenas para análises qualitativas. Todavia, em situações de ensino em que tais equipamentos não estão disponíveis, é possível ensinar sobre a análise quantitativa a partir da cromatografia em papel. Assim, o presente trabalho tem por objetivo discutir uma proposta didático-pedagógica para o ensino de análise quantitativa em cromatografia no ensino superior. Para o desenvolvimento dessa proposta foi realizada uma atividade experimental com estudantes de um curso de Licenciatura em Química de uma Universidade Pública. O desenvolvimento dessa atividade possibilitou tanto a articulação entre teoria e prática quanto o desenvolvimento de um ensino problematizador que permitisse a esses estudantes, sob a orientação do professor responsável pela disciplina, refletir, dialogar, questionar, analisar e avaliar o conteúdo abordado ao longo de todo o processo, tendo em 1. Acadêmicos do curso de Licenciatura em Química na Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Campo Mourão. 2. Docente na Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Campo Mourão. Pedagoga formada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP, campus Araraquara), com Mestrado e Doutorado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). 3. Docente na Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Campo Mourão. Bacharel em química pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), com Mestrado e Doutorado em Química Analítica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa
vista a superação de um ensino puramente técnico e mecânico. Com o desenvolvimento dessa atividade foi possível abordar conteúdos relacionados, entre outros aspectos, à cromatografia em papel, ao mecanismo de separação, às interações intermoleculares, aos tipos de fase móvel e estacionária e à análise qualitativa e quantitativa. Ao longo de todo o processo os estudantes também foram motivados a analisar e avaliar a melhor maneira de se trabalhar tais conteúdos em uma situação de ensino-aprendizagem na disciplina de química da educação básica. Palavras-chave: Cromatografia; Análise quantitativa; Ensino de Química; Experimentação. Abstract Due to the development of technological equipments on last decades, paper chromatography has being done only to qualitative purposes. Nonetheless, to teaching situations in which those equipment are not available it is possible to use paper chromatography as a quantitative technique. Therefore, this study aims to discuss a proposal to the qualitative analysis teaching by using paper chromatography to higher education. In order to develop the project, an experimental problematizing activity involving students from teaching degree from a Public University was carried out. This activity development provided skills on theoretical-practical managing besides the development of a problematizing teaching which allowed for discussions over related contents, among other issues, the paper chromatography, the separation mechanism, intermolecular interactions, mobile and stationary phases and qualitative and quantitative analysis, which transposes a pure mechanical and technical teaching. Throughout the process, the students were also motivated to analyze and evaluate the best way to work on these issues in a teaching-learning situation to chemistry for basic education. Key-words: Chromatography; Quantitative analysis; Chemistry teaching; Experimentation.
1
Introdução
ponentes de uma mistura, realizada por meio da distribuição desses componentes em duas fases
Ao longo da história da humanidade, diferen-
que se encontram em contato. Nessa distribuição,
tes métodos de separação de substâncias foram
uma das fases permanece estacionária, enquanto
elaborados e utilizados pelo homem. Mais con-
a outra se move através dela. Nesse processo, os
temporaneamente, no século XIX, cientistas já uti-
componentes de uma mistura são distribuídos
lizavam diferentes sólidos para auxiliar na remo-
pelas duas fases de tal forma que cada um deles é
ção de alguns componentes ou no fracionamento
seletivamente retido pela fase estacionária, o que
de líquidos e, ainda nesse século, Schönbeim e
resulta em migrações diferenciais (Collins. Braga;
Goppelscröder introduziram métodos de sepa-
Bonato, 2006, p. 17).
ração feitos em tiras de papel com desenvolvi-
São muitas as propostas experimentais publi-
mento ascendente (Collins, 2009). Entretanto, foi
cadas na literatura científica que abordam o tema
somente no século seguinte que a palavra ‘croma-
cromatografia (Fraceto; Lima, 2003; Fonseca;
tografia’ foi introduzida ao mundo da ciência por
Gonçalves,
Michael Semenovich Tswett (Collins, 2009).
Entretanto, considerando que ao longo das últimas
2004;
Ribeiro;
Nunes,
2008).
Cromatografia, por definição, trata-se de um
décadas a análise quantitativa aplicada a méto-
método físico-químico de separação dos com-
dos cromatográficos tem sido realizada quase que
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa
exclusivamente por equipamentos e detectores
situações próprias do ambiente da educação esco-
tecnológicos, os quais, por sua precisão, tornam a
lar. De acordo com Abreu et al. (2006), tais ativi-
cromatografia uma técnica de separação extrema-
dades estão relacionadas à formação profissional,
mente confiável, pouca atenção vem sendo dispen-
inclusive as de natureza acadêmica que se voltam
sada pela literatura a experimentos que envolvam
para a compreensão das práticas educativas, de
a cromatografia em papel aliada também à análise
aspectos variados da cultura das instituições edu-
quantitativa. Todavia, em situações de ensino em
cacionais e de suas relações com a sociedade e
que tais equipamentos e detectores tecnológicos
com as áreas específicas de conhecimento.
não estão disponíveis para a determinação quan-
O plano de ensino da disciplina Métodos
titativa, é possível ensinar como proceder a uma
Cromatográficos deste curso de licenciatura conta
análise quantitativa também a partir da cromato-
com 30 horas/aula de APCC. Para o desenvolvi-
grafia em papel.
mento desta atividade experimental foram utili-
Tendo em vista esses aspectos, e conside-
zadas 10 horas/aula de APCC. O experimento foi
rando a importância do desenvolvimento de
realizado por cinco estudantes, sob orientação da
novas propostas metodológicas para o processo
professora responsável pela disciplina, por meio
de ensino-aprendizagem de conteúdos químicos,
do desenvolvimento de um experimento que
objetivou-se com este trabalho relatar uma ativi-
visava à determinação quantitativa em cromato-
dade de experimentação problematizadora desen-
grafia em papel. Tal experimento foi realizado a
volvida com estudantes da disciplina Métodos
partir de uma perspectiva problematizadora.
Cromatográficos do curso de licenciatura em
É de conhecimento dos profissionais da edu-
Química de uma Universidade pública do interior
cação o fato de a experimentação despertar grande
do Estado do Paraná, tendo como base um método
interesse entre estudantes de diversos níveis de
de análise descrito por Cecchi (2003).
escolarização. Alguns estudos sobre experimenta-
A atividade proposta consistiu numa estratégia
ção para o ensino de ciências (Maldaner; Piedade,
para contextualização do tema cromatografia em
1995; Giordan, 1999; Galiazzi; Gonçalves, 2004)
papel e análise quantitativa do método, o qual foi
afirmam que os professores a consideram relevante
adaptado e modificado para a realidade dos labo-
por contribuir para o aprendizado dos conceitos
ratórios de ensino da Universidade. Tal atividade
científicos por parte dos estudantes e para a refle-
foi desenvolvida no âmbito do que se denomina
xão e análise de diferentes aspectos teóricos arti-
de Atividade Prática como Componente Curricular
culados intrinsecamente à prática. De acordo com
(APCC) da disciplina Métodos Cromatográficos.
Giordan (1999), a experimentação pode ser condu-
Segundo o Conselho Nacional de Educação (Brasil,
zida pelos professores de duas maneiras distintas:
2002), que institui as Diretrizes Curriculares para
a ilustrativa, empregada para demonstrar concei-
Formação de Professores, os cursos de licenciatura
tos discutidos anteriormente sem uma discussão
devem garantir em suas atividades pedagógicas as
aprofundada sobre os resultados experimentais; ou
APCC, as quais concorrem conjuntamente para a
investigativa, empregada anteriormente à discus-
formação da identidade do professor como educa-
são conceitual, visando a obtenção de informações
dor e visam, por meio da articulação entre teoria e
que subsidiem a discussão teórica.
prática, estabelecer um movimento contínuo entre
Tendo em vista apresentar uma nova proposta
o saber e o fazer na busca de significados no pro-
para o desenvolvimento de atividades dessa natu-
cesso de ensino-aprendizagem e na resolução de
reza, surge o conceito de experimentação proble-
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Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa
matizadora, a partir da qual os estudantes têm a
em papel por meio de uma atividade experimental
possibilidade de analisar, argumentar e discutir
problematizadora.
com o professor e com os colegas o conteúdo
Para o desenvolvimento da atividade expe-
durante todos os momentos da atividade experi-
rimental foram utilizados os seguintes reagen-
mental, e não apenas no início ou final da mesma.
tes: álcool etílico absoluto (99,5º GL, Tec-Lab),
Nessa atividade, o estudante passa a assumir os
hidróxido de amônio (Êxodo Científica), cloreto
desafios não apenas como ponto de chegada, mas
de sódio (sal de cozinha comercial), corantes ali-
também como ponto de partida e como elemento
mentícios em pó (MIX Coralim): amarelo cre-
problematizador da prática investigativa (Galiazzi;
púsculo, bordeaux S (INS 123), azul brilhante
Gonçalves, 2004). Nessa perspectiva, elimina-se a
FCF, vermelho 40, tartrazina. Além disso, foram
ênfase apenas em aspectos teóricos ou práticos no
utilizados também materiais como papel de filtro
processo de ensino-aprendizagem, como se fossem
qualitativo (Unifil), capilares de vidro, tesoura,
elementos dissociáveis. Ao contrário, reconhece-
régua, lápis, balão volumétrico de 10 mL e
-se que a formação teórica e a formação prática se
100 mL, béquer de 10 mL e 250 mL, vidro de
configuram como diferentes etapas de um mesmo
relógio e espátula.
processo de aprendizagem e são, portanto, igual-
A partir dos corantes alimentícios foram pre-
mente importantes e necessárias para a formação
paradas soluções contendo em sua composição,
profissional e, neste caso particular, para a forma-
amostra 1: bordeaux S e azul brilhante FCF; amos-
ção docente, objetivo dos cursos de Licenciatura.
tra 2: vermelho 40, azul brilhante FCF e tartrazina;
Com o desenvolvimento dessa atividade expe-
amostra 3: amarelo crepúsculo e bordeaux S. Um
rimental foi possível abordar conteúdos relacio-
total de 6 soluções foram preparadas, para cada
nados, entre outros aspectos, à cromatografia em
uma das 3 amostras, com dissolução dos corantes
papel, ao mecanismo de separação, às interações
em solução de hidróxido de amônio 2,0 % utili-
intermoleculares, aos tipos de fase móvel e esta-
zando balão volumétrico de 10 mL. As concentra-
cionária e à análise qualitativa e quantitativa.
ções utilizadas foram 0,01; 0,02; 0,03; 0,035; 0,04
Considerando o fato de se tratar de um curso de
e 0,05 g/mL. A amostra com concentração 0,035
Licenciatura, os estudantes também foram moti-
g/mL foi preparada com o objetivo de servir como
vados, ao longo de todo o processo, a analisar e
amostra teste na avaliação do desempenho da pro-
avaliar a melhor maneira de se trabalhar tais con-
posta.
teúdos em uma situação de ensino-aprendizagem
Após a preparação das amostras, em um pri-
da educação básica no âmbito da disciplina de
meiro momento, elas foram aplicadas em fita de
Química.
papel de filtro qualitativo, com dimensões aproximadas de 5,0 por 8,0 cm. Uma gota de cada solu-
2
Método de trabalho
ção foi aplicada, com um capilar, cerca de 1 cm acima da base do papel. Nessa etapa foi tomado
Tendo em vista a ausência de alguns recursos
o cuidado para que o diâmetro da mancha não
tecnológicos necessários à análise quantitativa
ultrapassasse 0,5 cm, conforme recomendado em
aplicada a métodos cromatográficos em algumas
outras propostas experimentais sobre o tema cro-
instituições escolares e universitárias, buscamos
matografia em papel (Ribeiro; Nunes, 2008).
neste trabalho discutir uma proposta metodológica
A cuba cromatográfica foi preparada com
para a determinação quantitativa em cromatografia
um béquer de vidro de 250 mL coberto com um
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Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa
vidro de relógio de tamanho apropriado, onde foi colocada a fase móvel composta por uma solu-
3
Resultados e discussões
ção 2% de cloreto de sódio em etanol 50%. A
A partir do desenvolvimento da atividade expe-
cuba cromatográfica foi preparada antes do início
rimental, foi possível observar grande participação
da aplicação das amostras no papel, para que a
dos estudantes que, sob a mediação do professor
atmosfera interna ficasse saturada com vapores
regente da disciplina, puderam de maneira significa-
da fase móvel para facilitar o desenvolvimento
tiva compreender o processo de análise quantitativa
cromatográfico.
em cromatografia em papel, considerando os casos
Após a evaporação do solvente no qual a amos-
em que não há recursos tecnológicos para a reali-
tra estava diluída para aplicação, a fita de papel foi
zação de análise quantitativa na disciplina de méto-
posicionada na cuba cromatográfica de modo que
dos cromatográficos. A problematização, ocorrida
o nível da fase móvel ficasse abaixo do ponto onde
durante todo o processo de trabalho, teve como base
a amostra havia sido aplicada. Ao fim do desen-
as questões que precisariam ser resolvidas e, em
volvimento do cromatograma, este foi removido
consequência, os conhecimentos que seriam neces-
da cuba cromatográfica e, com um lápis, foi mar-
sários dominar para a compreensão dessa prática.
cada a frente do solvente, onde terminou a eluição,
A seguir, são apresentados os resultados do processo experimental, o qual foi amplamente discu-
antes da sua evaporação. Em seguida, após a evaporação da fase móvel,
tido e problematizado pelo professor e pelos estu-
foi medida a distância percorrida pelo corante
dantes da disciplina ao longo de toda a atividade
(dr), desde o ponto de aplicação da amostra até
experimental.
o centro da mancha, e a distância percorrida pela
Os corantes artificiais permitidos em alimen-
fase móvel (dm), desde o ponto de partida até o
tos são derivados ácidos, cuja extração a partir de
ponto extremo atingido por ela. Essas medidas
amostras alimentícias pode ser conduzida através
foram realizadas com a finalidade de calcular
de hidróxido de amônio (Cecchi, 2003), justifi-
o fator de retardamento RF. A área ocupada por
cando assim seu uso para a diluição dos coran-
cada mancha no cromatograma foi recortada com
tes utilizados nessa proposta experimental. Além
uma tesoura e suas massas foram determinadas
disso, o corante artificial amarelo crepúsculo é
em uma balança analítica com precisão de 0,1
mais estável em pH básico, encontrando-se em
mg. Curvas analíticas, ou de calibração foram
sua forma protonada em pH alcalino (Ostroski;
construídas a partir da massa do papel delimitada
Bariccatti; Lindino, 2005). Os corantes amarelo
pela mancha dos corantes eluídos em função da
crepúsculo, bordeaux S, vermelho 40 e tartra-
concentração padrão das amostras utilizando o
zina pertencem à classe dos corantes monoazo
software Matlab. Porém softwares como Origin,
que compreende vários compostos que apresen-
Excel, entre outros, também podem ser utilizados
tam um anel naftaleno ligado a um segundo anel
nesse processo.
benzeno por uma ligação azo (N=N). Esses anéis
Ao longo de todas as etapas da atividade
podem conter um, dois ou três grupos sulfônicos.
experimental, a prática foi sendo continuamente
O corante eritrozina é um corante pertencente à
discutida e problematizada entre professor e estu-
classe dos xantenos, insolúvel em pH abaixo de
dantes e entre os próprios estudantes, tendo em
5,0 enquanto o corante azul brilhante pertence à
vista sua articulação constante com o conteúdo
classe dos trifenilmetanos. A Tabela 1 resume as
teórico-prático trabalhado na disciplina.
principais características dos corantes utilizados
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879,86194
Xanteno
Massa molar
Classe
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016 Bordeaux S
Monoazo
604,46361
C20H11N2Na3O30S3
Sal tri-sódico do ácido 3-hidroxi-4-(4-sulfo-1naftilazo)-naftaleno-2,7-disulfonato
Fonte: Adaptado de <http://www.insumos.com.br/aditivos_e_ingredientes/materias/119.pdf>.
Monoazo
452,36374
C16H10N2Na2O7S2
C20H6I4Na2O5
Fórmula molecular
Amarelo crepúsculo Sal di-sódio 6-hidroxi-5[(4-sulfofenil) azo]naftaleno-2sulfonato
Eritrosina
Sal di-sódico 2,4,5,7-tetraiodo fluoresceina
Nome químico
Nome usual
Tabela 1. Propriedade dos corantes. Vermelho 40
Monoazo
496,41674
C18H14N2Na2O8S2
Sal di-sódico de 1-(2-metoxi-5-metil-4sulfofenilazo)-2-naftol6-sulfonato
Tartrazina
Azul brilhante FCF
Monoazo
534,35781
C16H9N4Na3O9S2
Trifenilmetano
792,84314
C37H34N2Na2O9S2
Sal tri-sódico 5-hidroxi- Sal tri-sódico de 4’,4”-di 1-(4-sulfofenil)-4-[(4(N-etil-3-sulfonatobenzil sulfofenil) azo]amino)-trifenil metil-2pirazole-3-carboxilato sulfonato
Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa
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Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa
nessa proposta experimental e pode auxiliar o pro-
na compreensão do uso da fase móvel utilizada
fessor em discussões acerca de funções orgânicas.
nessa proposta experimental. O álcool comporta-
Na Figura 1 é apresentada a estrutura química dos
-se como um solvente menos polar que a água e
corantes com as funções que os classificam, desta-
é utilizado na proporção 50% de álcool e 50% de
cadas em vermelho.
água, assegurando que a celulose permaneça satu-
A cromatografia em papel é considerada um
rada com água. O cloreto de sódio presente na
tipo de cromatografia líquido-líquido no qual o
concentração 2% modifica a força iônica da fase
papel, através das moléculas de celulose, incor-
móvel garantindo que as moléculas dos corantes se
pora moléculas de água. É esta água absorvida
mantenham em sua forma protonada.
sobre a celulose que funciona como fase estacio-
Nesse sentido, o desenvolvimento cromato-
nária. Para assegurar que a celulose permaneça
gráfico foi conduzido nas amostras 1, 2 e 3. Um
saturada com água, muitas fases móveis usadas em
esquema dos cromatogramas, após eluição, para
cromatografia em papel contêm água como um dos
cada uma das amostras é ilustrado na Figura 2.
seus componentes (Neto; Nunes, 2003). Isso ajuda
No caso da amostra número 1 analisou-se somente
OH
(a) [Na]O3S
N
OH
(b) [Na]O3S
N
N
N
SO3[Na]
(c)
OMe
SO3[Na]
OH
N
[Na]O3S
SO3[Na]
OH
(d)
N
[Na]O3S
N
N
[Na]O3S
N
SO3[Na]
N
COO[Na] CH3
SO3[Na]
(e)
H5C 2
+
N
N H2 O
[Na]O3S
C2H5 CH2 SO3[Na]
SO3[Na]
Figura 1. Estrutura química dos corantes. (a) Amarelo crepúsculo; (b) Bordeaux S; (c) Vermelho 40; (d) Tartrazina; (e) Azul brilhante FCF. Fonte: Adaptado de <http://www.insumos.com.br/aditivos_e_ingredientes/materias/119.pdf>.
16
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa
1
2
3
4
5
6
1
2
3
4
5
a
6
1
2
3
b
4
5
6 c
Figura 2. Esquema de cromatogramas típicos dos corantes nas misturas. (a) Bordeaux S e azul brilhante FCF; (b) Tartrazina, vermelho 40 e azul; (c) Bordeaux S e amarelo crepúsculo.
o corante bordeaux S, enquanto que na amostra
dos constituintes da terceira amostra, Figura 2c,
número 2 somente o corante vermelho 40 foi ana-
verificou-se que o bordeaux S é mais polar que
lisado. Isto porque os outros corantes presentes
o corante amarelo crepúsculo, sendo esse último
nessas amostras estavam em uma concentração
mais facilmente carregado pela fase móvel de
muito baixa, dificultando uma análise quantitativa.
caráter apolar.
Entretanto, visualmente foi possível identificar a
Através dos cromatogramas obtidos foi possí-
presença dos demais corantes em cada uma das
vel comprovar a possibilidade da análise quantita-
amostras. Na amostra número 3, foi possível ava-
tiva a partir de dois métodos: 1. Área da mancha, através das massas dos
liar os dois corantes presentes. No caso da primeira mistura de corantes,
pedaços de papel delimitado pelo pico,
Figura 2a, verificou-se que o corante bordeaux S
contendo o corante eluído nas diferentes
é mais polar que o corante azul brilhante FCF. Na
concentrações (Collins; Braga; Bonato, 2006);
segunda amostra, contendo uma mistura de três
2. Comparação da intensidade das cores
corantes, Figura 2b, verificou-se que a tartrazina
reveladas (Collins; Braga; Bonato, 2006).
foi mais polar que o vermelho 40, enquanto o azul brilhante foi o corante que apresentou caráter mais apolar. Para essa amostra, não foi possível
A construção de curvas analíticas permitiu
a quantificação do corante tartrazina, possivel-
aos estudantes verificar a existência de uma rela-
mente devido à sua baixa concentração na amos-
ção linear entre as massas dos pedaços de papel
tra comercial de corante utilizada. Na separação
delimitado pelo corante eluído nas diferentes con-
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
17
Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa
centrações e as respectivas concentrações iniciais
0,9856. Os resultados do coeficiente de correla-
das soluções padrão. A Figura 3 apresenta as cur-
ção para todas as curvas analíticas construídas são
vas analíticas para a quantificação dos corantes
apresentados na Tabela 2.
bordeaux S na amostra 1 – Figura 3a, vermelho
Os resultados para a previsão da concentração
40 na amostra 2 – Figura 3b, amarelo crepúsculo
de amostras testes foram obtidos utilizando a equa-
– Figura 3c e bordeaux S – Figura 3d na amostra
ção da reta originada a partir das curvas analíti-
número 3. Para essas curvas analíticas, o menor
cas e estão apresentados na Tabela 2, que mostra
coeficiente de correlação foi 0,8915, enquanto
também os valores de erro absoluto oriundos da
o maior coeficiente de correlação alcançado foi
previsão das amostras testes.
0.014
0.022
0.013
y = 0.15*x + 0.0055
0.02
y = 0.27*x + 0.0083
0.018
0.011
Massa (g)
Massa (g)
0.012 0.01 0.009
0.016 0.014 0.012
0.008 0.007
0.01
(a)
0.006 0.01
0.015
0.02
0.025
0.03
0.035
0.04
0.045
0.008 0.01
0.05
(b) 0.015
0.02
Concentração (g/mL)
12
y = 0.14*x + 0.0045
Massa (g)
Massa (g)
10 9 8 7 6 5 0.01
(d) 0.015
0.02
0.025
0.03
0.035
0.03
0.035
0.04
0.045
0.05
Concentração (g/mL)
x 10-3
11
0.025
0.04
0.045
0.05
0.022 0.021 y = 0.22*x + 0.011 0.02 0.019 0.018 0.017 0.016 0.015 0.014 0.013 0.012 0.01 0.015 0.02
(d) 0.025
0.03
0.035
0.04
0.045
0.05
Concentração (g/mL)
Concentração (g/mL)
Figura 3. Curvas analíticas. (a) Bordeaux S proveniente da primeira amostra; (b) Vermelho 40; (c) Amarelo crepúsculo; (d) Bordeaux S proveniente da terceira amostra.
Tabela 2. Coeficiente de correlação para as curvas analíticas e parâmetros da previsão. Curva Analítica
Coeficiente de correlação (R)
Massa do papel delimitado pelo corante eluido na solução teste (g)
Concentração prevista (g/mL)
Erro absoluto (g/mL)
Figura 3a
0,9430
0,0096
0,027
0,008
Figura 3b
0,8915
0,0200
0,043
0,008
Figura 3c
0,9856
0,0095
0,036
0,001
Figura 3d
0,9556
0,0161
0,023
0,012
18
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa
O maior valor de erro absoluto observado na
Bonato, 2006, p. 63), esse tipo de análise é con-
etapa de previsão das amostras testes foi de 0,012 g/
siderada semiquantitativa e apresenta resultados
mL, enquanto o menor valor foi de 0,001 g/mL.
com uma margem de erro de mais ou menos 20%.
Esses resultados podem ser considerados satisfató-
Além dos conceitos quantitativos da análise cro-
rios para os fins aos quais se destina essa proposta
matográfica, conceitos de análise qualitativa tam-
experimental, e permitem introduzir conceitos de
bém podem ser abordados, como a determinação do
análise quantitativa aplicada a dados cromatográfi-
fator de retardamento (RF) através da equação 1:
cos. Menores erros, bem como maiores coeficien-
(1)
tes de correlação, poderiam ter sido alcançados se as amostras tivessem sido aplicadas no papel cro-
A distância percorrida pela substância (dr) foi
matográfico com o auxílio de uma micropipeta. A Figura 4 apresenta uma fotografia digital do
medida desde o ponto de aplicação da amostra até
cromatograma obtido para a amostra número 3.
o centro da mancha. A distância percorrida pela
Analisando esse cromatograma, por comparação
fase móvel (dm) foi medida desde o ponto de par-
da intensidade das cores reveladas e dos tamanhos
tida até o ponto extremo atingido por ela. A Tabela
das manchas padrão, verifica-se que o resultado
3 apresenta os valores de RF para todas as soluções
da amostra teste, (representada pelo número 4)
padrão e amostra teste em todas as cinco amostras
apresenta resultado intermediário entre a amos-
utilizadas. Os valores de RF encontrados na litera-
tra com concentração 0,03 g/mL (representada
tura (Takashima; Takata; Nakamura, 1988), com o
pelo número 3) e 0,04 g/mL (representada pelo
mesmo tipo de fase móvel, foram também dispos-
número 5). Segundo a literatura (Collins; Braga;
tos na última coluna da Tabela 3. Como é possível observar, os valores de RF obtidos no experimento proposto são concordantes com os valores descritos na literatura (Takashima; Takata; Nakamura, 1988). Assim, a proposta experimental apresentada também pode ser utilizada na introdução de conceitos sobre análise qualitativa em cromatografia. Durante o desenvolvimento do experimento, os estudantes foram solicitados a interpretar os resultados observados e apresentar informações que subsidiassem discussões sobre o problema proposto. Nessa perspectiva, eles puderam compreender não apenas os conceitos, mas também sua relação com os fenômenos, elementos e experiências práticas relacionadas ao conteúdo. Isso foi possível a partir da problematização e das reflexões e discussões orais e escritas em relatórios sobre o desafio proposto, bem como pela mediação rea-
Figura 4. Cromatograma obtido para a separação dos corantes na amostra número 3.
lizada pelo professor no decorrer do processo de ensino-aprendizagem.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa
Tabela 3. Valores de RF dos corantes analisados. Corante
Bordeaux S Cromatograma Figura 3a
Vermelho 40 Cromatograma Figura 3b
Amarelo crepúsculo Cromatograma Figura 3c
Bordeaux S Cromatograma Figura 3d
4
Amostra
Concentração (g/mL)
dr (cm)
dm (cm)
RF
1
0,01
1,7
0,32
2
0,02
1,8
0,34
3
0,03
1,9
4 (teste)
0,035
1,7
5,3
0,35
5
0,04
2,0
0,38
0,05
1,9
0,35
1
0,01
3,2
0,68
2
0,02
3,3
0,70
3
0,03
3,3
4 (teste)
0,035
3,4
0,70
5
0,04
3,4
0,72
0,05
3,4
0,72
1
0,01
4,0
0,61
2
0,02
4,2
0,64
3
0,03
4,1
4 (teste)
0,035
4,6
0,62
0,68
0,69
5
0,04
4,7
0,71
6
0,05
5,0
0,76
1
0,01
1,5
0,23
2
0,02
1,6
0,24
3
0,03
1,7
4 (teste)
0,035
1,7
6,6
0,67-0,85
0,72
6
6,6
0,33
0,32
6
4,7
RF (Takashima; Takata; Nakamura, 1988)
0,26
0,33
0,26
5
0,04
1,7
0,26
6
0,05
2,0
0,30
nação semiquantitativa, enquanto que o emprego
Considerações finais
da curva analítica ou de calibração, obtida a partir
A partir do desenvolvimento dessa atividade foi
das massas dos pedaços de papel delimitado pelo
possível, mesmo com a ausência de equipamentos
corante eluído em função dos valores de concen-
tecnológicos, discutir com os estudantes as possibi-
tração padrão, possibilitou a realização de análises
lidades de determinação quantitativa com o uso da
quantitativas com ajuste linear, representado pelo
cromatografia, empregando amostras de corantes
valor dos coeficientes de correlação, superiores
alimentícios artificiais, para análises qualitativas
a 0,89. Vale ressaltar que os resultados obtidos
e quantitativas. Com essa atividade, os estudantes
para a determinação quantitativa em cromatogra-
puderam compreender que a análise qualitativa
fia em papel poderiam apresentar menores erros
pode ser realizada pela visualização da separação
e maiores coeficientes de correlação se a apli-
cromatográfica dos constituintes presentes em cada
cação da amostra sobre o papel tivesse sido rea-
corante e pela comparação dos valores de RF.
lizada com uma micropipeta. Mesmo assim, os
Nas análises quantitativas, através da inten-
resultados alcançados mostraram a potencialidade
sidade de cor, foi possível realizar uma determi-
do experimento como proposta para o ensino de
20
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa
análise quantitativa de dados cromatográficos.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da União, Brasília, 4 mar. 2002, Seção 1, p. 8-9.
Além disso, a atividade experimental realizada permitiu discussões elucidativas sobre interações intermoleculares, polaridade, funções orgânicas e quantificações empregando curvas analíticas. A simplicidade do experimento torna sua realização viável em laboratórios que não dispõem de muitos recursos materiais. Com este trabalho foi possível também observar grande participação dos estudantes, o que evidencia a importância de atividades experimentais problematizadoras, tanto para o desenvolvimento de trabalhos colaborativos quanto para a articulação entre teoria e prática. Consideramos que tal abordagem didática tenha favorecido o aprendizado desafiador e significativo de conhecimentos necessários à formação dos estudantes e à sua futura atuação profissional. Da mesma forma, a atividade experimental realizada possibilitou, na medida do possível, a superação do paradigma tradicional e tecnicista da educação, a partir do qual a teoria é, de maneira descontextualizada, simplesmente aplicada à prática ou ilustrada por meio desta. Ao contrário, a experimentação problematizadora possibilita a professores e estudantes a constante articulação entre teoria e prática e, como consequência, contribui para a superação da dicotomia entre essas duas dimensões indissociáveis nos cursos de Licenciatura em Química. Um trabalho desenvolvido nessa perspectiva permite tanto a mediação do professor quanto a iniciativa dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem.
5
Referências ABREU, D. G. et al. Uma proposta para o ensino da química analítica qualitativa. Química Nova, v. 29, n. 6, p. 1381-1386, 2006. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui
CECCHI, H. M. Fundamentos teóricos e práticos em análise de alimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. COLLINS, C. H. Michael Tswett e o “nascimento” da cromatografia. Scientia Chromatographica, v. 1, n. 1, p. 7-20, 2009. ______.; BRAGA, G. L.; BONATO, P. S. Fundamentos de cromatografia. Campinas: Editora da Unicamp, 2006. FONSECA, S. F.; GONÇALVES, C. C. S. Extração de pigmentos de espinafre e separação em coluna de açúcar comercial. Química Nova na Escola, n. 20, p. 55-58, 2004. FRACETO, L. F.; LIMA, S. L. T. Aplicação da cromatografia em papel na separação de corantes em pastilhas de chocolate. Química Nova na Escola, n. 18, p. 46-48, 2003. GALIAZZI, M. C.; GONÇALVES, F. P. A natureza pedagógica da experimentação: uma pesquisa na licenciatura em Química. Química Nova, v. 27, n. 2, p. 326-329, 2004. GIORDAN, M. O papel da experimentação no ensino de ciências. Química Nova na Escola, 10, p. 43-49, 1999. MALDANER, G.; PIEDADE, M. C. T. Repensando a Química: a formação de equipes de professores/ pesquisadores como forma eficaz de mudança da sala de aula em química. Química Nova na Escola, v. 1, p. 15-19, 1995. NETO, F. R. de A.; NUNES, D. da S. e S. Cromatografia: princípios básicos e técnicas afins. Rio de Janeiro: Interciência, 2003. OSTROSKI, I.; BARICCATTI, R. A.; LINDINO, C. A. Estabilidade dos corantes tartrazina e amarelo crepúsculo em refrigerantes. Acta Scientiarum Technology, v. 27, n. 2, p. 101-106, 2005. RIBEIRO, N. M.; NUNES, C. R. Análise de pigmentos de pimentões por cromatografia em papel. Química Nova na Escola, n. 29, p. 34-37, 2008. TAKASHIMA, K.; TAKATA, N. H.; NAKAMURA, W. M. Separação e identificação de corantes sintéticos para fins alimentícios solúveis em água. Semina, v. 9, n. 4, p. 171-174, 1988.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
21
Artigo 02 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
p. 22-32
“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão “Go Fishing...”: a chronicle about soap discovery Silmar José Spinardi Franchi1 e Pedro Faria dos Santos Filho2
Resumo Especialistas em ensino apontam que o ensino de Química deva ser centrado na inter-relação entre o conhecimento químico e o contexto social. Nesse trabalho, descrevemos uma crônica inédita, que enfatiza a inter-relação entre o conhecimento químico e o contexto social, buscando reunir subsídios para a discussão do tema “sabão”, com enredo próprio e inovador. Esse material foi exposto a um grupo de alunos e avaliado por meio de um questionário. Sua aceitação foi muito grande, com os alunos salientando as vantagens em termos da forma escolhida para expor determinado conhecimento químico, o cuidado na linguagem, diálogos e situações do cotidiano, que tornam o aprendizado da Química mais prazeroso. Essas indicações nos motivam a continuar a desenvolver outras crônicas para o ensino de Química e divulgá-las à comunidade acadêmica e escolar. Palavras-chave: Crônicas; Ensino de Química; Cotidiano; Material contextualizado. Abstract Teaching specialists point that chemistry teaching must be centered on the inter relations between chemistry knowledge and social context. In this work we describe an unpublished chronicle which enphasizes the relation between chemistry knowledge and the social context, in order to discuss the topic “soap” in a totally new and original approach. The material was applied to the students of medium 1. Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Blumenau. 2. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Química.
“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão
level and valuated through a questionary. The acceptance was very high among the students, which pointed out the language, dialogs and situations as the main advantages of this proposal towards the chemistry teaching. These indications encouraged us to continue the development of chronicles for chemistry teaching in order to share them with the community of teachers. Key-words: Chronicles; Chemistry teaching; Contextualized material.
1
Introdução
Quando se fala de contextualização de conhecimento (Wharta; Silva; Bejarano, 2013), se quer
A Química está presente de maneira muito
salientar o fato de que esse termo pode ser utili-
acentuada na sociedade e no cotidiano das pessoas;
zado de maneira mais abrangente do que a citada
entretanto, o seu ensino, em qualquer nível, ainda
até o presente momento, considerando também a
é um desafio a ser superado. No entanto, uma das
importância do cotidiano dos alunos, sua vivência
formas válidas para aproximar o aluno à reali-
e experiência de vida, assim como toda a experiên-
dade da Química é, justamente, explicá-la de uma
cia didática do professor de Química (ou Ciências,
maneira interdisciplinar. A interdisciplinaridade
de maneira geral). Considera-se também a sabedo-
tem sido pauta na maior parte das discussões sobre
ria popular e eventos/fatos históricos que, além de
educação e sobre o conhecimento científico, sendo
servir de fonte para contextualizar conceitos quí-
quase uma exigência do mercado de trabalho; além
micos, podem apresentar esses conceitos, mesmo
disso, especialistas em Ensino de Química salien-
que de maneira oculta para a maioria das pessoas.
tam que seu ensino deve estar centrado na inter-
Segundo Silveira e Kiouranis (2008), é funda-
-relação entre conhecimento químico e contexto
mental para os alunos do Ensino Médio compreen-
social (Santos; Schnetzler, 1997).
der que a ciência Química está fortemente relacio-
Segundo Silva (2003), contextualização é
nada com a cultura contemporânea e que, por meio
entendida como um dos recursos para realizar
dela, é possível estabelecer um diálogo inteligente
aproximações/inter-relações entre conhecimen-
com o mundo. Também, é imprescindível buscar
tos escolares e fatos/situações presentes no dia a
formas para sensibilizar os professores na escolha
dia dos alunos. Contextualizar seria problemati-
de temas que gerem no estudante necessidade em
zar, investigar e interpretar situações/fatos signi-
transcender a informação e mergulhar na busca
ficativos para os alunos de forma que os conhe-
do conhecimento como forma de interpretar o
cimentos químicos auxiliassem na compreensão
mundo ao seu redor. Isso pode ser feito utilizando
e resolução de problemas. Argumenta-se sobre a
o conhecimento ‘científico’ dentro dos limites da
potencialidade do tratamento contextualizado do
ciência ou expressando sentimentos e sensações
conhecimento, que contempla e extrapola o âmbito
sobre a ciência por meio do imaginário e da arte.
conceitual e que, quando bem trabalhado, permite
Para os alunos de Química, segundo os
que, ao longo da transposição didática, o conteúdo
Parâmetros Curriculares Nacionais, espera-se
do ensino provoque aprendizagens significativas
que eles desenvolvam um autoaperfeiçoamento
que mobilizem o aluno e estabeleçam entre ele e o
contínuo, espírito criativo, capacidade para estu-
objeto do conhecimento uma relação de reciproci-
dos extracurriculares e que tenham uma forma-
dade (Brasil, 1999).
ção humanística que lhes permita exercer sua
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
23
“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão
cidadania. Além disso, o aluno tem que reconhecer
detetive desvenda casos intrigantes lançando
a Química como uma construção humana, compre-
mão do conhecimento científico, em um formato
endendo, assim, os aspectos históricos de sua pro-
inovador.
dução e suas relações com os contextos culturais,
Como formas de divulgação científica alterna-
socioeconômicos e políticos. Também é necessário
tivas, ou seja, que se diferem das citadas anterior-
que ele saiba fazer uma avaliação crítica da apli-
mente, existem aquelas citadas em um capítulo de
cação do conhecimento em Química e identifi-
livro, por Santos Filho (2006): performances cêni-
que e apresente soluções criativas para problemas
cas como O show da química e o Chem fashion,
relacionados com a Química ou áreas correlatas
Aulas Eletrônicas para o Ensino Médio, Filmes
(Brasil, 1999).
Educativos, A química em x(ch)eque e o uso de
Nessa busca por alternativas para o ensino
crônicas para o ensino de química.
contextualizado, existem diversas soluções des-
As crônicas para o ensino de química são tidas
critas, todas com resultados que podem ser consi-
como uma forma inovadora de se responder aos
derados positivos. Por exemplo, o uso da música
anseios do ensino moderno, assim como para
pode ser uma interessante alternativa para estrei-
aproximar o conhecimento químico da vivência do
tar o diálogo entre alunos, professores e conheci-
aluno de Ensino Médio. Dessa maneira, buscam-
mento científico, uma vez que aborda temáticas
-se os mais diversos assuntos que façam parte da
com grande potencial de problematização e está
grade curricular para contextualizar o ensino de
presente de forma significativa na vida do aluno
Química, assim como se sugerem casos fictícios e
(Silveira; Kiouranis, 2008).
situações do dia a dia para que a contextualização e
Em nosso contexto, os textos de Monteiro
a interdisciplinaridade ocorram; tudo isso, é claro,
Lobato (s/d), talvez tenham sido os primeiros
na direção de se contemplar o conteúdo programá-
desse gênero a ensinar conteúdos (sejam quais
tico de Química para o Ensino Médio, lançando
forem) levando-se em consideração o dia a dia das
mão de criatividade e imaginação (Santos Filho,
pessoas, de forma bem rudimentar e simples. Em
2006).
algumas de suas obras – notadamente em História do mundo para as crianças, O poço do Visconde e A reforma da natureza – diversas facetas do conhecimento humano são apresentadas de uma maneira contextualizada. Alguns livros lançados recentemente no Brasil demonstram essa tendência em tratar conteúdos químicos de forma diferente daquela presente normalmente nos livros didáticos. Dois exemplos são o livro intitulado Química geral em quadrinhos (Gonick; Craig Criddle, 2013) e Guia mangá bioquímica (Takemura; Sawa, 2012), ambos com abordagens inovadoras e envolventes. Não podemos deixar de citar The chemical adventures of Sherlock Holmes, de Waddell e Rybolt (19911995; 1998-2004) e Shaw (2008), onde o famoso
24
A definição de crônica, segundo o dicionário Aurélio (Ferreira, 1992) é: Crônica: [Do lat. chronica]. S. f. 1. Narração histórica, ou registro de fatos comuns, feitos por ordem cronológica. 2. Genealogia de família nobre. 3. Pequeno conto de enredo indeterminado. 4. Texto jornalístico redigido de forma livre e pessoal, e que tem como temas fatos ou ideias da atualidade, de teor artístico, político, esportivo, etc., ou simplesmente relativos à vida cotidiana. 5. Seção ou coluna de revista ou de jornal consagrada a um assunto especializado: crônica política, crônica teatral. 6. O conjunto de notícias ou rumores relativos a determinados assuntos: É inacreditável a crônica dos conchavos ocorridos naquele distante município. 7. Biografia, em geral escandalosa, de uma pessoa: Sua crônica é bem conhecida.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão
Encontra-se na literatura um trabalho sobre
berta do sabão. O tema proposto, segundo nossa
Crônicas para o Ensino de Química, desenvolvido
compreensão, faz parte do cotidiano de todas as
por Santos Filho (2006), onde o autor explica o
pessoas, bem como possui um bom potencial
conceito de densidade por meio de uma história,
para discussões químicas, por parte do profes-
diálogos e situações do cotidiano, que nos serviu
sor. Em seu desenvolvimento, pensamos que a
de motivação para desenvolvermos esse trabalho.
crônica poderia ser explorada com sucesso como
Considerando as definições 3, 4 e 6 citadas ante-
apresentação da problemática química e na con-
riormente para o termo ‘crônica’, desenvolvemos
textualização do assunto, antes da abordagem
uma série de textos, não necessariamente interli-
de interações intermoleculares ou na exploração
gados entre si, cujo propósito era utilizar situações
da reação de saponificação, conhecido tema no
do cotidiano onde conceitos químicos pudessem
Ensino Médio e muitas vezes presente nos ves-
ser trabalhados, ou ainda, pensar determinado
tibulares. Sendo assim, essa visão metafórica é
conceito químico e desenvolver uma história que
apresentada por meio de diálogos, situações facil-
o contivesse, explorando o diálogo, imaginando
mente imaginadas por qualquer pessoa, e com um
cenas, criando personagens que interagem ao
fechamento que permite ao professor de Química
longo da história, com o objetivo de evidenciar
explorar conceitos químicos/físico-químicos par-
que determinado conteúdo químico esteja presente
tindo de uma situação fictícia em seu roteiro, mas
da vida do aluno ou cidadão comum, ainda que de
que mantém seu rigor químico se pensada por
maneira não tão evidente (Franchi, 2009).
esse prisma. O texto a seguir trata-se da crônica proposta
No presente artigo, descreveremos uma crônica que relata uma visão metafórica da desco-
2
para se alcançar estes objetivos.
A crônica Lá na pescaria... Jurandir e Eustáquio estavam se preparando para a pescaria naquele feriado. Carro arrumado, varas, iscas, anzóis... tudo pronto. Logo entraram em seu Ford Corcel II azul e rumaram para o rancho do seu Benedito. Assim a pescaria começava. Eles só não contavam que o carro atolasse logo na ida... Chegando ao rancho onde sempre costumavam ir, Jurandir e Eustáquio descarregaram o carro e foram se lavar do barro da estrada. Depois de se lavarem, os dois se preparavam para a pescaria e conversavam sobre sabão: – Sabe, Jurandir, acho o sabão algo muito útil. – Ah, é? E você sabe como o sabão foi descoberto? – Não sei não, compadre! Lançando a isca na água e bebericando da cachaça, Jurandir conta sua versão: – Antigamente, você sabe que o homem precisava caçar para poder se alimentar. – Sei sim. E toda a caça tinha que ser preparada naquele momento, pois não havia geladeira, não é mesmo? – Exato, compadre. Cozinhava-se toda a caça, o que dava para alimentar, geralmente, várias pessoas. – Naquele tempo que o pessoal devia ser feliz! Todos comiam juntos, dividiam tudo... – comenta Eustáquio, com a atenção dividida entre o amigo e a fisgada na vara. – Enquanto assavam a caça no fogo, sempre no mesmo local, a gordura do animal ia derretendo, caindo sobre o fogo e se misturando com as cinzas que ali estavam. – E, com certeza, a carne ficava toda escura, parecendo o churrasco que você prepara... – Hei! Não precisa ofender só porque não sei fazer churrasco, hehe.
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“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão
– Não quis ofender, compadre. Só fiz uma observação. Continue a história. – Certo dia – continua Jurandir – os homens de uma pequena aldeia saíram para caçar e não conseguiram nada. – Nada? E o que comeram? – pergunta Eustáquio. Nesse instante, Jurandir percebe uma fisgada em sua vara e trata de trazer ao barco o primeiro peixe que conseguiu pescar. Sob muita festa, os dois amigos de abraçam e comemoram. Logo em seguida é a vez de Eustáquio pegar um peixe: – É dos grandes, compadre! É dos grandes! Com esforço, Eustáquio consegue trazer o peixe ao barco, comemorando muito. Jurandir pega, rapidamente, sua máquina fotográfica para registrar a cena dos dois amigos com aquele baita peixão! Como já tinham pescado o suficiente para o jantar do primeiro dia que permaneceriam no rancho, decidiram retornar para preparar sua pesca. – Estamos parecendo os homens da antiguidade que você falava – diz Eustáquio a Jurandir. – É verdade! Estamos pescando para comer! Mas só estamos parando de pescar agora porque precisamos preparar o jantar. Não é justo seu Benedito fazer tudo sozinho... – Você tem razão, Jurandir. Amanhã a gente pesca mais. E assim fizeram, retornando ao rancho. Depois de jantarem, e perto da fogueira que havia ali, os pescadores se divertiam com saudáveis conversas e trocas de experiências de vida. Eustáquio, porém, foi lembrar Jurandir da conversa sobre o sabão:
– Jurandir, continue a falar sobre o sabão. – Eu havia comentado que tinha dia que os homens não caçavam. – Foi aí mesmo que você parou a história. – Então, compadre. Um daqueles homens estava com muita fome. Muita fome mesmo! Mas eles não tinham caçado... – Eu sei. – Escute. Esse homem faminto foi ao local em que sempre assavam a caça, na esperança de encontrar alguma coisa que tivesse sobrado dos dias anteriores. E olhando para o chão, viu um negócio escuro. Sem titubear, pensou: “Deve ser carne!”. – Só se fosse a carne que você prepara no churrasco, não é, Jurandir? – Mas de novo você vem com essa piadinha? Que chato! – resmunga Jurandir. – Continua com a história e deixa de ser enjoado! – pede Eustáquio. – Vou continuar, mas presta atenção! O homem pegou aquele negócio preto, e achou que fosse carne. Como estava com muita fome, levou à boca e provou. – E aí?
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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão
– Aí ele fez uma careta e disse: “– Mas que gosto de sabão é esse?” – “Gosto de sabão”? – pergunta Eustáquio, não entendendo direito. – Foi exatamente isso que ele disse! Depois disso, ele foi lavar as mãos com água. Aqui vem uma observação muito importante: ele reparou que suas mãos, muito sujas daquela coisa escura, ficaram limpas quando ele as lavou com água. E ainda, quanto mais suas mãos estavam sujas daquela massa escura, mais elas ficavam limpas depois que ele as lavava na água! – Mas que história é essa? Foi dessa maneira que os homens daquela aldeia descobriram o sabão? – Exatamente! – he he. – Puxa... Nunca imaginei que o sabão tivesse sido descoberto dessa maneira! – diz Eustáquio, espantado. O homem sujou a mão com um negócio que ele pensava que era carne e acabou descobrindo que aquilo era sabão? – Isso mesmo, meu amigo! – Mas como pode ter se formado sabão em um resto de fogueira em que havia gordura e cinza? Que mágica é essa? – Meu amigo, por que você não pergunta para sua avó como ela fazia sabão? – responde Jurandir. – E o que minha avó tem a ver com essa história? – Pergunte a ela e você entenderá. – Quer saber, eu vou é dormir porque amanhã teremos um longo dia de pescaria. Já tarde da noite, os dois se preparam para dormir. Amanhã será um dia de grandes pescarias e excelentes histórias...
3
linguagem e conteúdo químico presente na crô-
Aplicação da crônica
nica. Esse questionário foi elaborado sem seguir
A crônica Lá na pescaria... foi exposta a um
qualquer formalismo ou rigor jornalístico, inves-
grupo de alunos do 1º (27 alunos), 2º (25 alunos)
tigativo ou que levasse em consideração méto-
e 3º anos (21 alunos) do Ensino Médio público
dos estatísticos. Também buscamos avaliar o
da Escola Estadual Miguel Vicente Cury, loca-
alcance da crônica junto àqueles que não estão
lizada em Campinas-SP (total de 73 alunos),
no ambiente escolar (pais e amigos), como o pro-
onde os mesmos tiveram a oportunidade de ler o
fessor poderia utilizar a crônica, e se o conteúdo
material para, em seguida, responder a um ques-
químico é claro e adequado. Essa forma de apli-
tionário proposto. Salienta-se que a participação
cação da crônica foi escolhida justamente para
nessa atividade foi livre, e contou com a presença
se verificar a evolução (ou não) da compreensão
do professor de Química em sala de aula. Antes
do conteúdo de Química e o seu entendimento ao
da leitura, houve uma explanação de como esse
longo dos três anos do Ensino Médio.
material foi desenvolvido e sobre quais pontos os
Apresentamos a seguir o questionário utili-
alunos deveriam se ater durante a leitura. Após a
zado, bem como os percentuais de respostas de
leitura da crônica, os alunos responderam a um
cada questão proposta, de acordo com os anos de
questionário qualitativo sobre o entendimento,
Ensino Médio avaliados.
1) Você conseguiu entender a crônica e associá-la a alguma situação do seu dia a dia? Sim (%)
Não (%)
1º ano
92
8
2º ano
96
4
3º ano
100
0
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“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão
2) Você reconheceu algum conteúdo químico na crônica? Reconheci facilmente
Reconheci com dificuldade
Não reconheci
1º ano
74
22
4
2º ano
60
32
8
3º ano
86
14
0
3) Se você fosse avaliar a crônica quanto ao conteúdo químico, como você a classificaria: Ruim
Boa
Muito boa
1º ano
4
22
37
Excelente 37
2º ano
0
32
52
16
3º ano
0
10
33
57
Compreensível
Pouco compreensível
Não entendi o conteúdo devido à linguagem ruim
4) O que você acha da linguagem utilizada na crônica. Bem compreensível 1º ano
55
41
4
0
2º ano
24
72
4
0
3º ano
76
24
0
0
Atrapalha
5) A história trazida na crônica ajuda no entendimento dos conteúdos químicos? Ajuda bastante
Ajuda pouco
Tanto faz
1º ano
89
11
0
0
2º ano
88
12
0
0
3º ano
90
5
5
0
Ler a crônica e depois assistir a aula do professor
Assistir a aula do professor e depois ler a crônica
Ler a crônica durante uma aula com o auxílio do professor
Não ler a crônica
6) O que acharia mais conveniente?
1º ano
33
15
52
0
2º ano
36
0
64
0
3º ano
43
9
48
0
7) Você acha que esse material contribui para a aula do professor? Sim
Não
1º ano
93
0
Parcialmente 7
2º ano
84
0
16
3º ano
90
0
10
8) Seus pais e amigos entenderiam a crônica e o conteúdo químico nela contido? Entenderiam
Entenderiam com dificuldade
Não entenderiam
1º ano
44
56
0
2º ano
44
56
0
3º ano
81
19
0
9) Você acha esta maneira de se estudar (com a crônica) mais prazerosa que aquela utilizando os livros convencionais que você conhece?
28
Sim
Não
Não percebo diferença
1º ano
82
7
11
2º ano
88
4
8
3º ano
100
0
0
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“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão
4
Comentários sobre as respostas ao questionário
dos alunos a classificam como compreensível ou bem compreensível, corroborando com nossa ideia inicial. A história presente na crônica foi muito
A primeira questão é básica, pois visa clari-
bem avaliada pela grande maioria dos alunos,
ficar se, em um primeiro momento, a crônica é
sendo que, segundo eles, ela ajuda na compreen-
compreendida e associável ao cotidiano do aluno.
são dos conteúdos químicos, já reconhecidos como
Considerando o fato de que a crônica em ques-
presentes na segunda questão.
tão trata de um assunto aparentemente comum e
Considerando a boa avaliação em termos de
conhecido, baseado em um texto curto, era espe-
linguagem, conceitos e roteiro, as questões seis
rado, de antemão, que a maioria dos alunos res-
e sete buscam avaliar a visão dos alunos sobre a
pondesse que conseguiriam associar as situações
melhor forma de ler e compreender a crônica: se
descritas e imaginar as cenas presentes na crônica,
ler a crônica previamente e ter aula sobre o tema da
como, de fato, ocorreu.
crônica em um segundo momento; o seu inverso;
Em um segundo momento, a atenção se volta
ou até mesmo realizar a leitura da crônica acompa-
para além do entendimento e associação da crônica
nhada pelo professor e, ainda, se a crônica contri-
ao dia a dia, buscando informação sobre os con-
bui para a aula do professor, quando lida em sala
teúdos químicos ali presentes. A grande maioria
de aula. Aproximadamente um terço dos alunos
dos alunos reconhece que na crônica existem con-
prefere ler a crônica antes da aula do professor,
teúdos químicos descritos. No esteio da segunda
bem como metade ou mais dos mesmos alunos
questão, a terceira visou avaliar o texto em ter-
prefere fazer a leitura assistida pelo professor. A
mos da qualidade de exposição dos conteúdos
grande maioria dos alunos afirma que a leitura
químicos. Sabemos que tal pergunta requer uma
assistida contribui para a aula do professor. Essas
maturidade por parte dos alunos, para uma boa
respostas merecem ser discutidas com maior apro-
avaliação. Porém, considerando que esses alunos
fundamento, pois surge uma necessidade apontada
tiveram contato com livros didáticos, aulas com
pelos próprios alunos: o preparo e capacitação dos
professores diferentes e possuíam conhecimento
professores em usar esse tipo de material em sala
prévio sobre o tema ‘sabão’, a resposta pode ser
de aula, avaliando o melhor momento de utilizá-lo,
considerada como válida, indicando que a maioria
bem como conhecer novas propostas que vão além
dos alunos (acima de 65%) classifica tal crônica
da aula tradicional e do livro didático. Desenvolver
como muito boa ou excelente, nesse aspecto. Essas
materiais de apoio, para formação e instrução dos
porcentagens variam de ano para ano, sendo que
professores, também faz parte dos objetivos do
o terceiro ano avaliou a crônica de maneira mais
nosso grupo de pesquisa em ensino de Química.
positiva possível.
A fim de se avaliar o alcance da crônica fora
A quarta e quinta questões buscam avaliar o
da sala de aula, e de acordo com a visão dos alu-
roteiro da crônica. Em sua escrita, pensou-se que a
nos que tiveram contato com esse material, e suas
linguagem, sendo usada de forma adequada e jun-
avaliações em termos de linguagem, conteúdo
tamente com as situações apresentadas no enredo,
químico e roteiro, a oitava pergunta fez menção
deveriam auxiliar o aluno a perceber o conteúdo
ao entendimento da crônica pelos pais e amigos.
químico em suas vidas, e por meio de um texto
A resposta foi surpreendente por mostrar que pais
diferente e inovador, tanto na forma como na apre-
e amigos entenderiam a crônica, por vezes com
sentação. Em termos de linguagem, acima de 95%
dificuldade. Isto pode ser um indicativo de que o
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão
material também é acessível às pessoas que não
os que já haviam utilizado até então, também foi
participam do ambiente escolar. A porcentagem de
um fator muito positivo, que acabou contribuindo
alunos do terceiro ano que afirmam que pais, ami-
para a boa aceitação deste material. Muito embora
gos e outras pessoas seriam capazes de compreen-
ainda não tenhamos um dado conclusivo quanto à
der a crônica aplicada é maior se comparada com a
eficiência do material no aprendizado dos alunos,
mesma porcentagem de alunos de anos anteriores.
estes dados preliminares corroboram com aquilo
A última questão possui um caráter subjetivo
que é, normalmente, afirmado pelos especialistas
em sua resposta. Porém, a exposição a um tipo de
em ensino, no que diz respeito à ansiedade dos
material que os alunos não conheciam deve ser
alunos por materiais que integrem o conteúdo com
considerada pelas respostas dadas, onde acima
a sua própria vivência. Alguns indicativos, como
de 80% dos alunos consideram a leitura da crô-
o fato de os alunos afirmarem que se sentiriam à
nica como uma forma mais prazerosa de estudo,
vontade para conversar sobre o conteúdo químico
se comparada à aula tradicional ou ao livro didá-
fora do ambiente escolar, mostram que a crônica
tico. Ressalta-se, aqui, que seria pretensão dizer
pode ter um alcance maior, para além da sala de
que algum conteúdo químico poderia ser ensi-
aula. Ainda, esses indicativos vão ao encontro
nado exclusivamente pela crônica, sem depender
daquilo que os Parâmetros Curriculares Nacionais
do professor e/ou do livro didático. Portanto, a
têm como objetivo, que é o ensino contextualizado
crônica foi pensada como uma ferramenta, um
e interdisciplinar, e nos motivam a continuar a sua
material alternativo, e não um substituto do livro
produção e exposição à comunidade acadêmica e
didático, da tarefa docente ou de ambos. Na visão
escolar.
dos alunos, um material que tenha uma linguagem diferente, que retrate conteúdos químicos de forma contextualizada, que use diálogos e situações comuns do cotidiano desperta a atenção, curiosidade e pode potencializar o aprendizado de uma forma geral. Vale ressaltar que todas as respostas positivas dadas pelos alunos mostram grande aceitação e vão ao encontro do objetivo do trabalho, dos PCN e das diretrizes curriculares. 5
Conclusão O feedback dos alunos que utilizaram o material elaborado neste trabalho indica que ele estimula a leitura e facilita a compreensão dos alunos no tópico abordado. Este é um indicativo de que a redação de materiais alternativos para o ensino de Química deve ser estimulada e apoiada pela comunidade científica. A surpresa demonstrada pelos alunos diante da novidade de estudar através de um material com características bem distintas de todos
30
6
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“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão
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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
31
Relatos de Experiência Experiences Account Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade Citizen Chemistry: using knowledge in chemistry to help the community Katiane Pereira da Silva
Ciência Forense e Investigação Criminal: contextualizando a investigação através de uma proposta didática sobre conceitos associados às Ciências Exatas
Forensic Science and Criminal Investigation: contextualizing research through a didactic proposal on concepts associated with Exact Sciences Ana Paula Sebastiany, Angélica Schossler e Ana Paula Scheeren
Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química Garbage and Society: contextualization through CTSA approach in Chemistry teaching
Maria Aparecida da Costa, Thais Mateus Vasconcelos, Yuri Alves Oliveira, Karla Amâncio Pinto Field’s e Renato Gomes Santos
Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB
History of Chemistry Olympiads in Paraíba State and its Contribution to the Training of UEPB Chemistry Teachers Francisco Ferreira Dantas Filho, Gilberlândio Nunes da Silva, Luciano Lucena Trajano, Helionalda Costa Silva e Thiago Pereira da Silva
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada Acceptability of Chemistry in the Secondary Education Among Students of the Public Systems in Comparison With Students of Private Network Alessandra Alves da Silva Melo e Enderson José Dias de Melo
Relato de Experiência 01 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
p. 34-40
Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade Citizen Chemistry: using knowledge in chemistry to help the community Katiane Pereira da Silva1
Resumo O presente trabalho foi uma experiência de romper com uma prática de ensino que não agrega valor para uma formação cidadã. Nesse sentido esta pesquisa tem como objetivo contribuir para desenvolver nos alunos valores éticos e participação consciente diante de questões da ciência, tecnologia e sociedade. Esta pesquisa busca se fundamentar no enfoque da educação CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade). A proposta foi utilizar o problema do alagamento de casas devido às fortes chuvas para propiciar uso dos conhecimentos químicos em favor da sociedade. Os resultados apresentados com o grupo participante da pesquisa demonstram indícios de que um ensino de Química com enfoque CTS pode favorecer o desenvolvimento de capacidade de reflexão, participação e atuação de maneira responsável quanto ao uso da Química em favor da comunidade. Porém também aponta evidências de que isso não deve ser feito apenas como um projeto isolado, e sim deve fazer parte de um currículo interdisciplinar e contextualizado. Palavras-chave: Ensino de Química, Formação cidadã. Abstract This work was an experience of breaking with a practice of teaching that does not add value for civic education. In this sense, this research aims to contribute to develop in students ethical values and conscious participation face to issues 1. Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR.
Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade
of science, technology and society. This research seeks to support the CTS education approach (Science, Technology and Society) .The proposal was to use a community problem, the neighborhood houses of flooding due to heavy rains to provide use of chemical knowledge for the benefit of society. The results presented by the research participant group showed evidence that a teaching chemistry with CTS approach can favor the development of capacity for reflection, participation and acting responsibly on the use of chemistry for the community. But also points to evidence that this should not be done with just a single project but should be part of an interdisciplinary and contextualized curriculum. Key-words: Chemistry education; Training citizen.
1
uma vez que o objetivo da educação CTS é desen-
Introdução
volver a alfabetização científica e tecnológica dos
Não é difícil verificar junto aos alunos de
cidadãos, auxiliando o aluno a construir conhe-
ensino médio um constante desinteresse pela dis-
cimentos, habilidades e valores necessários para
ciplina de Química. Este desinteresse está relacio-
tomar decisões responsáveis sobre questões de ciên-
nado a uma série de fatores, dentre os quais se des-
cia e tecnologia na sociedade e atuar na solução de
tacam o ensino fragmentado e conteudista, além
tais questões (Aikenhead, 1990).
dos conteúdos que não estão contextualizados com
A ciência e a tecnologia são presença constante
a vida dos estudantes.
na vida da sociedade, portanto também não estão
Um ensino de Química com essas característi-
dissociadas da disciplina de Química, por isso
cas está longe de ser um processo educacional que
buscou-se neste estudo associar os conteúdos quí-
prepare o aluno para ser um cidadão ético e res-
micos com os principais objetivos das propostas
ponsável para atuar na sociedade e contribuir com
CTS:
a mesma.
• Aquisição de conhecimentos;
Desta forma o presente trabalho surgiu na ten-
• Utilização de habilidades;
tativa de romper com essa prática de ensino que
• Desenvolvimento de valores (Bybee, 1987).
não agrega valor para uma formação cidadã. Nesse sentido esta pesquisa tem como objetivo contribuir para desenvolver nos alunos valores relacionados
2
Fundamentação teórica
às questões da Ciência, Tecnologia e Sociedade. Este estudo buscou aproximar os alunos do
É importante pensar no papel que a Química,
Centro Estadual de Educação Profissional da rea-
enquanto ciência, pode oferecer para a formação
lidade vivida naquele momento pela comunidade
da cidadania, pois neste caso a cidadania reflete o
local, para que os mesmos pudessem relacionar e
papel do homem e a sua participação na sociedade.
pôr em prática seus conceitos químicos, a partir de
No desenvolvimento deste trabalho o conheci-
uma necessidade da comunidade de moradores do
mento químico foi um agente transformador tanto
Bairro do Uberaba, em Curitiba, que tiveram suas
na vida da comunidade, beneficiada pelo recebi-
casas alagadas devido às fortes chuvas ocorridas
mento dos produtos de limpeza, quanto para os
na cidade.
alunos que participaram desta experiência e tive-
Esta pesquisa busca se fundamentar no enfoque
ram a oportunidade de desenvolver competências
da educação CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade),
voltadas para uma formação cidadã. A importân-
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
35
Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade
cia de um Ensino de Química, que se preocupa em formar um cidadão é também apresentada nas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+/2002): A Química pode ser um instrumento da formação humana que amplia os horizontes culturais e a autonomia no exercício da cidadania, se o conhecimento químico for promovido como um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade, se for apresentado como ciência, com seus conceitos, métodos e linguagens próprios, e como construção histórica, relacionada ao desenvolvimento tecnológico e aos muitos aspectos da vida em sociedade (Brasil, p. 87).
É muito importante promover o interesse, e com isso aumentar o envolvimento do estudante no processo de ensino/aprendizagem. Uma das
Nesse caso específico, os alunos em questão são formandos do Curso Técnico em Química e se torna muito importante que o conhecimento adquirido por eles não se torne apenas um ‘conhecimento acumulado’, mas deve ser algo que os torne capazes de colaborarem com a sociedade em que vivem. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) descrevem: Esse aprendizado deve possibilitar ao aluno a compreensão tanto dos processos químicos em si quanto da construção de um conhecimento científico em estreita relação com as aplicações tecnológicas e suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas (Brasil, p. 31).
De uma maneira geral os estudantes têm dificuldade em perceber as interações que a Química faz com a sociedade e a tecnologia, e muito dessa dificuldade está fundamentada em um ensino conteudista, muito preocupado com a memorização de fórmulas, equações e tabelas, o que dá ao aluno o sentimento de que o conhecimento químico é algo abstrato e desconexo. Sobre isto Bernardelli (2004) comenta: Muitos adquirem certa resistência ao aprendizado da Química devido à falta de contextualidade, não conseguindo relacionar os conteúdos
36
com o dia a dia, bem como a excessiva memorização, e ainda alguns professores insistem em métodos nos quais os alunos precisam decorar fórmulas, nomes e tabelas [...] devemos criar condições favoráveis e agradáveis para o ensino e aprendizagem da disciplina, aproveitando, no primeiro momento, a vivência dos alunos, os fatos do dia a dia, a tradição cultural e a mídia, buscando reconstruir os conhecimentos químicos para que o aluno possa refazer a leitura do seu mundo (p. 2).
formas defendidas por diversos pesquisadores em educação é a contextualização, que muitas vezes tem se resumido à citação de exemplos do cotidiano durante a explicação de algum conteúdo. Visando um ensino de Química centrado na interface entre informação científica e contexto social, Wartha (2013) esclarece: [...] a contextualização é visivelmente o princípio norteador para o ensino de ciências, o que significa um entendimento mais complexo do que a simples exemplificação do cotidiano ou mera apresentação superficial de contextos sem uma problematização que de fato provoque a busca de entendimentos sobre os temas de estudo. Portanto, contextualização não deveria ser visto como recurso ou proposta de abordagem metodológica, mas sim como princípio norteador (p. 10).
O movimento CTS tem início na década de 1970, devido ao grande desenvolvimento da tecnologia e da ciência e de como associar esse avanço com a sociedade. O ensino CTS busca, de uma forma alternativa, a aplicação da ciência e da tecnologia, para o bem-estar social relacionando o conteúdo com temas sociais fundamentados na Ciência, Tecnologia e Sociedade. A abordagem CTS promove um ensino voltado para formação de atitudes cidadãs, desenvolve o
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Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade
conhecimento científico, além de ampliar o enten-
Durante as aulas de preparo dos produtos de
dimento para questões de caráter social e tecnoló-
limpeza foram fomentadas discussões sobre a
gico (Marcondes et al., 2009).
questão das enchentes, conceitos químicos aplicados à elaboração dos produtos de limpeza, quali-
3
dade dos produtos elaborados e uso dos conheci-
Metodologia
mentos químicos em favor da sociedade.
Grande parte dos moradores do bairro do
Detergente especial (10 L)
Uberaba, ao voltarem para suas casas após as
3.1
chuvas, precisava repor as perdas causadas pelo
• 420 g de ácido sulfônico;
alagamento; foram muitos os danos materiais que
• 300 g de Amida 60;
estas famílias sofreram, como a perda dos móveis
• Soda 40% para neutralizar (pH 7);
e eletrodomésticos de suas casas, além de roupas,
• 5 gramas de ureia (dissolvido a quente);
alimentos, documentos etc.
• 20 g de tri-polifosfato de sódio (dissolvido
Mas o primeiro passo nessa volta para casa foi a
a quente);
limpeza das residências; nesse momento, o item pro-
• 20 mL de glicerina;
dutos de limpeza e higiene foi mais uma preocupação
• 10 mL de formol;
dentre tantas dificuldades a serem enfrentadas por
• 12 mL de essência;
estes moradores. Eles receberam doações de diver-
• 20 mL de lauril sulfato de sódio;
sos itens como roupas, colchões e alimentos, mas
• Cloreto de sódio para acertar a viscosidade.
os produtos de limpeza para higienização das casas
Desinfetante (10 L)
não foram doados, o que inviabilizava ainda mais o
3.2
retorno dos moradores para suas casas, pois a lim-
• 250 mL de detergente;
peza era fundamental para se evitar a contaminação
• 100 g de essência;
ou transmissão de doenças, tal como a Leptospirose,
• 50 mL de formol;
desencadeadas por causa desses eventos.
• 80 mL de brancol;
Em conversas com os moradores do bairro foi
• 50 mL de renex;
verificado que os itens mais urgentes eram desin-
• Corante.
fetante, detergente e água sanitária. Em uma parce-
Água sanitária (10 L)
ria feita entre professores da escola, funcionários e
3.3
a comunidade, foi arrecadado o dinheiro para com-
• 40 g de barrilha leve (carbonato de sódio) ou 10 g de hidróxido de sódio 40%;
pra da matéria-prima, e com a mesma em mãos os alunos conseguiram preparar mais de 600 litros de
• 1,5 a 1,8 Kg de hipoclorito de sódio;
produtos de limpeza que foram distribuídos aos
• Completar para 10 L com água e deixar em repouso por pelo menos 2h.
moradores das áreas alagadas. Os alunos prepararam os produtos de limpeza no período da tarde, e essa escolha aconteceu devido à cargas horárias das aulas práticas estarem
4
Resultados e discussão
comprometidas com a execução do planejamento
Com a conclusão do preparo dos produtos, os
didático. Para o preparo de detergente, água sani-
alunos se organizaram para realizar a entrega dos
tária e desinfetante, os alunos seguiram as formu-
mesmos à comunidade. Após a entrega, os 20 alunos
lações descritas a seguir.
participantes responderam às seguintes perguntas:
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Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade
1. Quais foram as suas conclusões depois das
mulando o aluno a refletir sobre a realidade na
discussões feitas durante o preparo dos
qual vive, levando-o à compreensão de que é um
produtos de limpeza?
ser ativo no contexto social e histórico, proporcio-
2. De que forma participar deste projeto colaborou para sua formação como cidadão?
nando a construção de um cidadão crítico e consciente de suas ações (Freire, 2002). “É importante ser um cidadão participativo.”
Marconi e Lakatos (2003) definem questioná-
Essa resposta citada pelos alunos demonstra que a participação nas etapas deste projeto, desde o pre-
rio como sendo
paro até a entrega dos produtos de limpeza à comu-
um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador (p. 201).
nidade, favoreceu aos alunos a percepção de que a titulação de profissional da área de Química não os condiciona apenas a atuarem em laboratórios e indústrias como algo desconectado e fechado. Ao
Após a aplicação do questionário e análise das
contrário, os conhecimentos de ciência e tecno-
respostas, apresentadas na Figura 1, observamos
logia devem atuar em favor do desenvolvimento
que boa parte dos alunos apresentou como resposta
e bem-estar da sociedade. Segundo Santos e
“Posso usar meus conhecimentos para colaborar
Schnetzler (2003),
com a sociedade”. Essa resposta aponta indícios de que as discussões feitas durante o preparo dos produtos de limpeza sobre as relações existentes entre ciência, tecnologia, sociedade e as implicações que essas relações têm na formação do Técnico em Química colaboraram para motivar esses alunos a refletir sobre a capacidade dos mesmos em transformar o conhecimento teórico em atitudes concretas em favor da comunidade. É importante ser um cidadão participativo
Isso implica que o conhecimento químico aparece não como um fim em si mesmo, mas com o objetivo maior de desenvolver as habilidades básicas que caracterizam o cidadão: participação e julgamento. Assim o objetivo básico do ensino de química para formar o cidadão compreende a abordagem de informações químicas fundamentais que permitam a ele participar ativamente da sociedade, tomando decisões com consciência de suas consequências (p. 3).
“É importante aprender sobre ciência e tecno-
É importante conhecer e aprender sobre ciência e tecnologia
logia.” É claro que a ciência e a tecnologia apresentam diversos fins em todas as áreas do conhecimento, porém na educação ela pode promover ao estudante a possibilidade de entender o meio em que vive e atuar nele, a fim de mudá-lo em
Posso usar os conhecimentos em Química para colaborar com a sociedade
Figura 1. Respostas observadas para a pergunta: “Quais foram as suas conclusões depois das discussões feitas durante o preparo dos produtos de limpeza?”
prol de um bem comum, apresentando assim mais que uma função tecnológica, ou seja, uma função social e cidadã. Trata-se de formar o cidadão-aluno para sobreviver e atuar de forma responsável e comprometida nesta sociedade científico-tecnológica, na qual a
Nessa orientação, o educador deve conduzir a
Química aparece como relevante instrumento para
investigação e a criticidade em sala de aula, esti-
investigação, produção de bens e desenvolvimento
38
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade
socioeconômico, e interfere diretamente no coti-
além de um bom profissional, um ser humano
diano das pessoas (Aguiar; Maria; Martins, 2003).
capaz de ajudar a sociedade em que vive.
Com relação à segunda pergunta: “De que
Formar um cidadão ético e participativo tam-
forma participar deste projeto colaborou para sua
bém é uma das diretrizes estabelecidas na pró-
formação como cidadão?”, conforme demonstra
pria Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB
o gráfico a seguir, a resposta mais citada pelos
9394/96. Quando se valorizam a construção de
estudantes foi “Pensar/Refletir sobre a Química
conhecimentos químicos pelo aluno e a amplia-
na sociedade.” Os alunos do ensino profissionali-
ção do processo de ensino-aprendizagem ao coti-
zante, em especial, possuem uma formação focada
diano, aliadas às práticas de pesquisa experimental
em tecnologia, alta performance de produção,
e ao exercício da cidadania, como veículo con-
competitividade e outros aspectos; a participação
textualizador e humanizador, na verdade se está
nesse projeto proporcionou a estes alunos uma
praticando a Educação Química (Aguiar; Maria;
visão mais humanizada da ciência e da sua aplica-
Martins, 2003).
ção. Para Santos e Mortimer (2002):
“Não mudou em nada.” Apesar de um número pequeno de alunos, apenas dois, citarem essa frase,
[...] é preciso refletir sobre os diversos fatores que influenciam a atitude dos estudantes frente a um problema social, o que não pode ser reduzido à mera análise da interação do aluno com o material de CTS. É preciso, ainda, discutir a relação problemática entre atitudes desenvolvidas nas escolas e ação social subsequente, pois aparentemente não há uma correspondência direta unilateral entre as atitudes desenvolvidas nos cursos de CTS e a participação dos alunos em questões sociais na vida diária (p. 14).
essa ocorrência aponta indícios de que é preciso mais que um projeto para preparar os estudantes para atuarem como profissionais éticos e cidadãos comprometidos; é preciso investir em um currículo que integre em harmonia o conteúdo químico e as questões relacionadas a ciência, tecnologia e sociedade. O pesquisador Ático Chassot (1995) chama isso de não curiosidade científica (p. 168). Para ele, existe uma falta de curiosidade por parte dos alu-
Não mudou em nada
nos, pois não existe uma educação química que
Pensar/refletir sobre a Química na sociedade
promova o questionamento e a investigação dos fenômenos; existe, simplesmente, um ensino fundamentado na transmissão de fórmulas, equações e símbolos que desmotivam o aluno.
Atuar como cidadão ético e participativo
Figura 2. “De que forma participar deste projeto colaborou para sua formação como cidadão?”
5
Conclusões Preparar o estudante para o exercício da cidadania é uma meta prevista na própria Lei de
“Atuar como cidadão ético e participativo.”
Diretrizes e Bases da Educação LDB 9394/96.
Considerando o cenário atual do trabalho e da
Nesse sentido, a disciplina de Química também
profissionalização, é importante desenvolver no
deve colaborar para isso, uma vez que essa ciência
profissional de qualquer área a capacidade de lidar
se faz presente na sociedade, no uso de combus-
com a ciência e a tecnologia de uma forma que
tíveis, medicamentos, alimentos, meio ambiente,
agregue valores éticos e humanos, que o torne,
e tecnologia. Portanto, formar um cidadão crítico,
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Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade
ético, participativo e responsável requer que o mesmo tenha um mínimo de conhecimento na área de Química. Para Santos e Schnetzler (1997), a escola deve propiciar um ambiente que promova o debate, a discussão de soluções, a busca de informações, sempre valorizando as contribuições dos estudantes. Ter conhecimento químico vai ajudar esse estudante a ser um cidadão que atue responsavelmente na sua comunidade, na busca por soluções para problemas vivenciados no dia a dia. Os resultados alcançados com o grupo participante da pesquisa demonstram indícios de que um ensino de Química com enfoque CTS pode favorecer o desenvolvimento de capacidade de reflexão, participação e atuação de maneira responsável quanto ao uso da Química em favor da comunidade. Porém, eles também apontam evidências de que isso não deve ser feito apenas com um projeto isolado, mas sim deve fazer parte de um currículo interdisciplinar e contextualizado.
6
BRASIL. Ministério da Educação – MEC, Secretaria de Educação Média e Tecnológica – Semtec. PCN + Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC/Semtec, 2002. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. MARCONDES, M. E. R. et al. Materiais instrucionais numa perspectiva CTSA: uma análise de unidades didáticas produzidas por professores de química em formação continuada. Investigações em Ensino de Ciências, v. 14, n. 2, 2009. MARTINS, A. B.; SANTA MARIA, L. C.; AGUIAR, M. R. M. P. As drogas no ensino de Química. Química Nova na Escola, n. 18, p. 18, 2003. SANTOS, W. L. P. dos; SCHNETZLER, R. P. Função social: o que significa o ensino de química para formar o cidadão? Revista Química Nova na Escola, n. 4, nov. 1996. ______.; MORTIMER, E. F. Tomada de decisão para ação social responsável no ensino de Ciências. Revista Ciência e Educação, v. 7, n. 1, 2002.
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40
CHASSOT, A. Alfabetização científica: questões e desafios para educação. Ijuí: Unijuí, 2003.
______.; SCHNETZLER, R. P. Educação em química: compromisso com a cidadania. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2003. WARTHA, E. J.; SILVA, E. L.; BEJARANO, N. R. R. Cotidiano e contextualização no ensino de química. Química Nova na Escola, v. 2, p. 84-91, 2013.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Relato de Experiência 02 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
p. 41-50
Ciência Forense e Investigação Criminal: contextualizando a investigação através de uma proposta didática sobre conceitos associados às Ciências Exatas Forensic Science and Criminal Investigation: contextualizing research through a didactic proposal on concepts associated with Exact Sciences Ana Paula Sebastiany1, Angélica Schossler2 e Ana Paula Scheeren3
Resumo O presente trabalho tem por objetivo apresentar e analisar o desenvolvimento de uma proposta didática que explora a Ciência Forense e a Investigação Criminalística implementada a alunos do Ensino Médio. Esta proposta didática contempla a problematização e a experimentação como estratégia para o desenvolvimento de habilidades investigativas e da divulgação da Ciência e da Tecnologia. Nesse sentido, as atividades foram organizadas em quatro encontros, inspiradas nos jogos de RPG, e planejadas de forma a oferecer aos estudantes situações-problemas e recursos (bibliográficos, experimentais e tecnológicos), de modo que pudessem, ao interagir com tais recursos, expressar suas ideias com o propósito de resolver a problemática proposta – desvendar a causa de um acidente de trânsito. Concretamente, foram propostas atividades para a reconstituição de uma cena de crime fictícia, as quais permitiram aos estudantes coletar provas e realizar testes como impressão digital, sangue, etanol, reflexos e frenagem, utilizando nestes, conhecimentos da Física, Química e Matemática, além de determinar a importância e o significado 1. Licenciada em Ciências Exatas – UNIVATES, Mestre em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde – UFRGS. 2. Licenciada em Ciências Exatas – UNIVATES, Mestranda em Ensino de Ciências Exatas – UNIVATES. 3. Licenciada em Ciências Exatas – UNIVATES.
Ciência Forense e Investigação Criminal
das provas. A proposta apresentada mostra que é possível desenvolver atividades utilizando a prática e a teoria, integrando ainda questões sociais conscientizando os estudantes sobre a importância de suas atitudes. Palavras-chave: Ciência forense; Interdisciplinaridade; Atividades experimentais. Abstract This paper aims to present and analyze the development of a didactic proposal that explores the Forensic Science and Criminal Investigation implemented to high school students. This didactic proposal contemplates the questioning and experimentation as a strategy for the development of investigative skills and dissemination of Science and Technology. Therefore, the activities were organized during four meetings, inspired by some role-playing games, and were planned to offer students problem situations and resources (bibliographic, experimental and technological), so that they could interact with these resources, express their ideas in order to solve the problematic proposal – unravel the cause of a traffic accident. In particular, the activities were proposed for the reconstitution of a fictitious crime scene, which allowed students to collect evidence and conduct tests such as fingerprint, blood, ethanol, reflexes and braking, using in these ones, knowledge of Physics, Chemistry and Mathematics, in addiction to determine the importance and the meaning of the evidence. The proposal presented in this paper shows that it is possible to develop activities using practice and theory, integrating still social issues educating students about the importance of their attitudes. Key-words: Forensic sciences; Interdisciplinarity; Experimental activities.
1
cimentos, ou seja, que os alunos elaborem modelos
Introdução
complexos para entender e atuar sobre o mundo e,
O presente trabalho tem como objetivo apre-
desta forma, a tendência à passividade tende a ser
sentar e analisar uma proposta didática implemen-
superada. Este modelo parte do reconhecimento
tada, sobre a temática da Ciência Forense e da
e da consideração dos interesses e das ideias dos
Investigação Criminalística. Nesse sentido, as ati-
alunos. O professor, dentro desta perspectiva, deve
vidades foram organizadas e orientadas para abor-
trabalhar com a problemática socioambiental e
dar as ciências por meio de sua aproximação com
cultural, integrando o conhecimento disciplinar, o
o cotidiano, utilizando metodologias investigati-
conhecimento cotidiano, promovendo a construção
vas. Esta orientação se baseia no Modelo Didático
livre e significativa de conceitos, procedimentos,
Investigativo (Porlán, 1993), o qual propõe a
atitudes e valores, tendo papel ativo como coor-
investigação como metodologia didática e como
denador e orientador do processo de investigação
alternativa aos métodos passivos de ensino. Este
desenvolvido nas aulas (García Pérez; Porlán,
modelo foi escolhido por possibilitar o desenvol-
2000; García Pérez, 2000; Harres et al., 2005;
vimento de uma perspectiva sistêmica e complexa
Novais et al., 2008; Predebon, 2009). Além disso, o
sobre a ciência e o mundo que nos cerca.
estímulo ao uso de habilidades investigativas para
O modelo didático investigativo adota uma
a resolução de problemas, como proposto por este
perspectiva construtivista, tanto no plano individual
modelo, também pode influenciar na aprendizagem
como social. Tal modelo consiste no tratamento de
dos alunos no ensino formal.
situações-problema abertas, mediante as quais os
Além disso, para que essa proposta didática
alunos podem participar na construção dos conhe-
tivesse um caráter lúdico, buscou-se inspiração nos
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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Ciência Forense e Investigação Criminal
jogos de RPG. Role playing game (RPG) significa
identificar, com relativa precisão, se uma pessoa,
“Jogo de Representação de Papéis”, no qual os
por exemplo, esteve ou não na cena do crime, a
jogadores assumem uma identidade dentro de uma
partir de uma simples impressão digital, ou então
trama e de um cenário, definidos pelo jogo, para
um fio de cabelo encontrado no local do crime. Em
completarem uma busca ou aventura. Diversos
algumas situações, os especialistas forenses utili-
trabalhos têm sido realizados, em diferentes com-
zam a tecnologia dos testes de DNA, as análises
ponentes curriculares e temas transversais, relacio-
da autenticidade de obras de arte e de documentos
nando os jogos com o desenvolvimento de concei-
ou, ainda, o exame de combustíveis adulterados
tos e de atitudes. O RPG Pedagógico incentiva a
(Chemello, 2006).
criatividade, a participação, a leitura e a pesquisa,
O desenvolvimento de temas transversais, como
além de ser de fácil aplicação a quaisquer matérias
o exposto, surge como uma proposta para auxiliar
e conteúdos didáticos, para crianças, adolescentes e
na construção de um saber mais sistêmico e con-
adultos (Riyis, 2003). A atividade lúdica, sob esse
textualizado (Fiedler-Ferrara; Mattos, 2002). Para
olhar, se coloca como uma vivência do momento de
tanto busca-se integrar várias disciplinas, desenvol-
uma forma integradora e prazerosa. As atividades
vendo assim uma ideia não fragmentada do conhe-
lúdicas são uma necessidade do ser humano, inde-
cimento, ampliando o leque de fenômenos da vida
pendentemente de sua faixa etária, e através delas,
social cotidiana, nos quais se espera tomadas de
é possível ter contato mais profundo consigo e com
decisão que sejam fundamentadas nas vivências e
o outro. Tais atividades se caracterizam como ati-
experiências dos sujeitos envolvidos nesse estudo.
vidades não impostas e sim compartilhadas, propi-
Neste sentido, Souza (2004) afirma que:
ciando que seus participantes se ‘entreguem’, inte-
[...] a construção das ações interdisciplinares, que substancia o pensar interdisciplinar, requer fundamentalmente uma postura pesquisadora, a permanência do desejo de vasculhar o desconhecido, de ousar sobre o incógnito. Esta postura, que fundamenta igualmente o ato científico, constitui o eixo sobre o qual a tarefa educativa se revela permanente criação, permanente redescobrir daquele que ensina, daquele que aprende, da relação que se faz constantemente (p. 115).
grando a ação, o pensamento e a emoção. Considerando que essa proposta didática só seria significativa para o estudante se estivesse ligada a seus interesses, curiosidades, necessidades e objetivos pessoais, e por serem temas de rara abordagem no ensino formal e informal, mas de grande interesse pelo público em geral, escolheu-se como temas desencadeadores (eixos temáticos) a Ciência Forense e a Investigação Criminalística. Afinal, as pessoas aprendem melhor em um contexto realista, usando o que já sabem e desen-
Em especial, acredita-se que o envolvimento da
volvendo habilidades a partir disso. A Ciência
Ciência Forense, de rara abordagem no contexto
Forense é uma área interdisciplinar que envolve
escolar, pode vir a ampliar a diversidade de ativida-
física, biologia, química, matemática e várias
des oferecidas no ensino formal. Finalmente, esse
outras ciências de fronteira. Seu objetivo é dar
tema pode proporcionar o estímulo à curiosidade,
suporte às investigações relativas à justiça civil e
à pesquisa, à troca de informações, à criatividade
criminal. Em investigações de crimes, o foco prin-
e à busca por carreiras científicas e tecnológicas.
cipal do profissional forense é confirmar a autoria
Desta maneira, as atividades constitutivas da
ou descartar o envolvimento do(s) suspeito(s). As
proposta didática se concretizaram na tentativa de
técnicas empregadas permitem que seja possível
solução de um crime fictício, onde os estudantes
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Ciência Forense e Investigação Criminal
puderam procurar evidências, coletar pistas, ana-
apontada de forma considerável pelos próprios
lisar e avaliar provas e realizar experimentos, de
alunos como um dos assuntos de seu interesse e
modo a desenvolver habilidades de investigação
curiosidade. No início do ano letivo realizou-se
e vivenciar aplicações científicas. Sendo assim,
um diagnóstico, a fim de levantar possíveis assun-
pretende-se que o estudante seja posto em situa-
tos do interesse dos alunos, onde se solicitou que
ções de pesquisador que lhe permitam reconhecer
eles escrevessem sobre o que gostariam de apren-
a importância do trabalho coletivo e individual da
der, sem que, necessariamente, estivessem explíci-
investigação. Este tipo de atividade estimula uma
tos os conteúdos de Matemática, Física e Química.
variedade de comportamentos: desde a observação
As atividades que compõem a proposta didá-
até a manipulação, da curiosidade à interrogação,
tica foram estruturadas e aplicadas em quatro
do raciocínio à experimentação, o direito à ten-
encontros, conforme será descrito a seguir, totali-
tativa e erro, há ainda capacidades relacionadas
zando 4 horas. Os 34 alunos participantes foram
com a comunicação, trabalho de análise e síntese
organizados em grupos de 4 integrantes, em uma
e criatividade, em cuja conjugação se encontra um
sala para a realização de atividades práticas4.
marco essencial para o desenvolvimento abrangente do indivíduo. 2
3
Contexto
Desenvolvimento e análise da proposta didática 3.1
1º encontro
Este trabalho foi desenvolvido no subprojeto
No primeiro encontro, foi aplicado um ques-
de Ciências Exatas, vinculado ao Programa de
tionário (Quadro 1) – respondido individualmente
Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), o qual
por cada aluno, a fim de identificar as suas curio-
procura inserir os futuros professores com expe-
sidades e interesses sobre o assunto. Além disso,
riências metodológicas, tecnológicas e práticas
realizou-se uma breve apresentação sobre os ramos
docentes de caráter inovador e interdisciplinar,
abordados pela Ciência Forense, e foi explicado
que busquem por meio de momentos de aprendi-
de forma mais específica aos alunos como a pro-
zagem diferenciados a superação de necessidades
posta de trabalho seria desenvolvida e o que fariam
e problemas identificados pelos professores e alu-
durante os encontros – sendo convidados a desven-
nos durante o processo de ensino-aprendizagem
dar um crime fictício, o qual foi elaborado espe-
nas aulas de Matemática, Física e Química. Nesse
cialmente para essa atividade, assumindo o papel
sentido, viabiliza o contato dos licenciandos com
de peritos forenses, cujo objetivo era a procura de
o ambiente escolar e possibilita a elaboração e a
provas na tentativa de solucionar um crime.
aplicação de propostas didáticas de forma conjunta e colaborativa com os professores da escola.
Em seguida, os alunos foram convidados a ouvir o relato da Situação-problema envolvendo
Especificamente, a proposta didática sobre a Ciência Forense e a Investigação Criminal foi
um acidente de trânsito, o qual apresenta, sucintamente, o caso da história fictícia (Quadro 2).
desenvolvida e aplicada com 34 alunos do 1º ano do Ensino Médio de uma escola da Rede Pública Estadual do Rio Grande do Sul, situada na cidade de Estrela, durante o segundo semestre de 2013. Cabe ressaltar que a escolha dessa temática foi
44
4. Sala Prática: organizada de forma a favorecer o trabalho em grupo, dispondo de materiais como vidrarias, reagentes, livros e outros materiais didáticos destinados para a realização de experimentos e estudos relacionados à Matemática, Física, Química e Biologia
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Ciência Forense e Investigação Criminal
Quadro 1. Questionário inicial. Questionário Inicial 1. Você já ouviu falar ou tem algum conhecimento sobre Ciência Forense? Se tiver, fale sobre ele. 2. O que você espera aprender sobre Ciência Forense?
Quadro 2. ‘Situação-problema envolvendo um acidente de trânsito’ criada para a proposta. “Um casal, ao sair de um barzinho, leva consigo um lanche, a fim de saboreá-lo em um jantar romântico. O lanche consiste em duas porções de massa com molho de tomate e uma garrafa de vinho tinto. Ao sair do bar Júlio assume a direção do veículo, sendo que os lanches são levados pela sua companheira Joana. O que eles não sabem, é que pelo caminho, acontecerá um terrível acidente… A polícia foi acionada pela ligação de uma testemunha, que ressaltou que o acidente havia sido grave, e que após um forte estrondo, um caminhão passou por ela em alta velocidade. Ao chegar ao local do crime, a polícia encontrou apenas o carro com duas vítimas fatais. Os peritos foram convocados a fim de esclarecer como o acidente aconteceu, e identificar possíveis culpados. O motorista do caminhão foi identificado a partir de uma câmera de segurança em outro ponto da rodovia, trafegando ainda em alta velocidade e registrado o tempo próximo ao telefonema da testemunha. Deseja-se saber qual o papel de cada um nesse acidente, e aproximar ao máximo a simulação do que realmente aconteceu, vocês são os peritos, cabe a vocês desvendar o caso!”
Cabe destacar que os alunos receberam algumas orientações quanto aos procedimentos, para evitar que contaminassem as evidências na cena do crime, e assim prejudicar o desenvolvimento da investigação. Além disso, foram disponibilizados materiais para que eles pudessem realizar experimentos relacionados à análise de impressões digitais, sangue, etanol, reflexos, frenagem e pesquisar dados relacionados à trama. Para isso, a sala prática possuía diversos materiais, como por exemplo, lupas, luvas, sacos plásticos (para coleta das
Figura 1. Simulação da situação-problema.
amostras), pinças, vidrarias, kits de reagentes para as análises químicas, materiais bibliográficos para
As primeiras observações apontadas pelos alu-
pesquisa referente às evidências e com entrevistas
nos em relação à cena do crime foram: “parece que
e depoimentos a suspeitos e testemunhas. Também
há sangue nos corpos”; “Joana está sem cinto”; “há
foram disponibilizados os roteiros para a realiza-
vidro quebrado”; e “o carro está amassado na late-
ção dos experimentos.
ral esquerda”.
Em seguida, para ilustrar a situação-problema
Em seguida, durante a leitura do depoimento
a ser investigada pelos alunos, foi realizada a
do caminhoneiro, os alunos perceberam indí-
simulação do acidente (Figura 1).
cios do nervosismo do mesmo e, assim sendo,
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Ciência Forense e Investigação Criminal
concluíram que ele era culpado. Diante disso,
do cálculo dos reflexos, proposto pelo fato de os
ressaltou-se que essa informação não seria sufi-
alunos questionarem se algum dos envolvidos
ciente para culpá-lo pelo acidente. Além disso, os
estaria embriagado.
alunos foram questionados quanto à veracidade de
Para cada grupo entregamos um cotonete com
uma parte do depoimento, no qual o caminhoneiro
sangue e molho de tomate, com a identificação H
afirma ter parado para prestar socorro às vítimas
(se referindo ao lado do motorista Júlio) e M (para
e, consequentemente, os alunos disseram que,
o lado da caroneira Joana). O objetivo era que os
para isso, as digitais do caminhoneiro deveriam
alunos descobrissem se havia evidências de san-
estar no carro.
gue nos corpos, ou se eram outras substâncias
Dessa forma, foi disponibilizado um vidro de
como vinho ou molho de tomate que também esta-
relógio com as digitais da lataria do carro, para que
vam no interior do veículo. Pode-se perceber que
cada grupo pudesse coletá-las e, posteriormente
os grupos constataram sangue no corpo de Júlio,
analisar a quem elas pertenciam comparando com
e outra substância no corpo de Joana. Assim, a
as digitais dos envolvidos. Para a coleta das digi-
causa da morte de Júlio teria sido por hemorra-
tais, foi utilizada a técnica do pó de giz. Os grupos
gia e a de Joana ainda não havia sido solucionada.
levantaram a hipótese de que o caminhoneiro ten-
Para prosseguir as investigações, os alunos solici-
tou prestar socorro, pois suas digitais estavam no
taram um exame que apontasse a causa da morte
carro. Ressaltamos a ideia de que as digitais mos-
de Joana.
5
travam apenas que ele tentou abrir o carro, mas
Dando sequência, realizamos a prática de refle-
que isso não confirmava que ele havia entrado no
xos7 com o objetivo de calcular o tempo de reação
veículo para prestar socorro.
dos alunos e comparar com o do caminhoneiro
Neste encontro percebeu-se que os alunos
(0,3 segundos). Para essa prática relembramos as
propunham conclusões apressadas, como se uma
fórmulas de velocidade média e aceleração e pro-
única evidência de fácil percepção fosse solucio-
blematizamos a prática, relembrando também qual
nar o caso. Ao longo desse processo, procurou-
a aceleração de um objeto (régua) ao ser abando-
-se orientá-los a primeiramente levantar algumas
nado em queda livre. Lançamos o desafio de que
hipóteses, e em seguida investigar e testar cada
usassem as duas fórmulas juntas para calcular o
uma delas, para que considerassem um conjunto
tempo de reação.
maior de informações a fim de identificar e com-
Depois de ter uma medida aproximada dos
preender de forma mais precisa o que realmente
reflexos da turma (aproximadamente 0,12 segun-
aconteceu.
dos), questionamos os alunos se a medida do
3.2
motorista poderia ser considerada normal. Nesse
2º encontro
momento muitos relataram que isso significava
O segundo encontro foi destinado à prática
que ele estava embriagado. Perguntamos se ape-
sobre a presunção do sangue, que surgiu do ques-
nas o álcool deixava os reflexos lentos, e os alu-
tionamento dos alunos quanto à identificação da
nos citaram que o sono, as drogas e o nervosismo
substância encontrada no corpo das vítimas, além
também podem influenciar. Os alunos chegaram
6
à conclusão de que precisariam ter feito um teste 5. Disponível em: <http://www.colegiobarbosa.com.br/arquivos/28-9-2011195927.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2016. 6. Disponível em: <http://annq.org/eventos/upload/1330465873. pdf>. Acesso em: 20 dez. 2016.
46
7. Disponível em: <http://www1.univap.br/rspessoa/aulas/ fisicaexp2012/topico06fisicaexp.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2016.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Ciência Forense e Investigação Criminal
do bafômetro, e, portanto, combinamos que farí-
Diante disso, realizou-se o teste do bafômetro.8
amos o teste no próximo encontro, considerando
Para cada grupo foi entregue um balão simulando
que o teste estaria sendo feito no momento em que
os pulmões das pessoas envolvidas no acidente.
o caminhoneiro foi localizado pela polícia, já que
Em um deles colocamos álcool puro e identifica-
não poderíamos realizar um teste de sangue para
mos como sendo do motorista do carro, Júlio, em
esta análise.
outro colocamos água, a fim de que constatassem
De uma forma geral, pode-se perceber que os
que o motorista do caminhão não havia ingerido
alunos tiveram dificuldades em compreender os
bebida alcoólica e para Joana colocamos vinho.
conceitos de velocidade e aceleração, e de reali-
Ao elaborar a prática pensamos que os alunos
zar transformações de unidades de medida dentro
poderiam identificar os conteúdos dos balões pelo
da situação proposta. Além disso, a interação de
cheiro, o que tornaria a prática um pouco óbvia,
ideias entre os alunos possibilitou discussões sobre
porém isso não aconteceu. Socializamos os resul-
o que realmente teria acontecido, ou seja, começa-
tados e foi concluído de forma conjunta que o
ram a inferir sobre as informações de forma con-
motorista do caminhão não estava embriagado, o
junta, diferentemente do encontro anterior.
teste de Júlio apresentou maior contraste, enquanto
3.3
3º encontro
sua companheira (Joana) estava entre os dois teores alcoólicos encontrados, porém não definidos.
Neste encontro realizaram-se os cálculos de
Neste encontro os alunos conseguiram estabe-
frenagem e o teste do bafômetro. Iniciamos dis-
lecer em qual tipo de estrada e de sistema de freios
cutindo a diferença entre os sistemas de freio
levaria mais tempo para parar o veículo comple-
convencional e os freios ABS. Falamos sobre o
tamente. Ao perceber a distância necessária para
tempo que um veículo precisa para frear, compa-
que um veículo pare completamente, percebemos
rando com estradas em que há água, gelo, asfalto e
certo espanto dos alunos. Assim, foram discutidas
terra de chão, relembrando os conceitos de atrito.
questões sociais importantes, como o risco do uso
Conversamos sobre aquaplanagem, e sobre como
de drogas e álcool, a necessidade de estar com a
o motorista deve reagir nessas situações. Os alu-
manutenção dos veículos em dia, e a importância
nos ficaram impressionados com o fato de que
de respeitar os limites de velocidade.
um impacto frontal a 100 km/h é fatal, mesmo
4º encontro
que não haja ferimentos aparentes. Tomando
3.4
como base a velocidade do carro na hora do aci-
No início do quarto encontro fomos surpreen-
dente (95 km/h) e a média do tempo de reação da
didos por uma pergunta inesperada realizada por
turma (0,12 segundos), calculamos quantos metros
um dos alunos: “Se um impacto a 100 km/h é fatal,
seriam percorridos até que os mesmos conseguis-
como um piloto de Fórmula 1 é capaz de sobre-
sem acionar os freios. Nesse momento discutiu-
viver se nas corridas a velocidade é bem maior?”
-se a importância de estar sóbrio ao dirigir, uma
Como resposta explicamos que há uma diferença
vez que os reflexos são fundamentais para evitar
grande entre um impacto frontal com uma barreira
acidentes. Calculamos também, com base nos
(caminhão, poste, entre outros) que faz com que o
tempos de frenagem tabelados, quantos metros
veículo pare bruscamente, e um impacto parcial,
seriam necessários até que o carro parasse completamente a 95 km/h, se tivesse freios ABS ou freios convencionais.
8. Disponível em: <http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc05/ exper2.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2016.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Ciência Forense e Investigação Criminal
no qual o carro vai parando aos poucos, como nor-
dades um pedaço de madeira com digitais e um fio
malmente são os impactos que vemos nas corridas
de cabelo correspondente com o da vítima. Além
na televisão. Geralmente o piloto bate na prote-
disso, como haviam coletado as digitais no pri-
ção, mas continua andando e capotando até parar.
meiro encontro, automaticamente os alunos com-
Neste caso a diminuição da velocidade é mais
pararam e deduziram que o autor da pancada teria
lenta, porém também gera danos aos motoristas.
sido o motorista do caminhão.
Consideramos ainda que os veículos de Fórmula
Considerando esses fatos, foi concluído que o
1 estão mais bem equipados, e os pilotos bem pro-
responsável pelo acidente foi o motorista do carro,
tegidos. Essa questão inicial nos mostrou que os
cuja morte foi ocasionada pelo impacto; porém,
alunos estavam interessados nas aulas e refletiam
Joana ainda estava viva após o acidente e foi assas-
sobre os fatos abordados durante os encontros.
sinada pelo motorista do caminhão. Entregamos
Como tínhamos previsto o encerramento da
então para os alunos um depoimento onde o moto-
oficina nesse encontro, iniciamos relembrando
rista confessa sua participação na morte da moça.
todas as etapas com os alunos, e retomamos o que
Ao conversar com os alunos, estes concor-
ainda precisávamos descobrir para resolver o caso.
daram que, se o motorista do carro não estivesse
Assim, nossa principal dúvida estava na causa da
embriagado, o acidente não teria acontecido, e os
morte da moça (Joana), que aparentemente não
fatos que se desencadearam também não. Nada
tinha muitos ferimentos, considerando ainda que
justifica o motorista ter assassinado a moça,
o maior impacto foi no lado do motorista. Além
porém, esta teria sobrevivido caso tivesse a cons-
disso, segundo o caminhoneiro, este teria tentado
ciência de não ter entrado em um carro cujo moto-
ajudar, e conforme a coleta de digitais, constata-
rista estava embriagado. Dessa forma, buscamos
mos que ele realmente tentou abrir a porta do carro.
trabalhar desde definições sobre a Ciência Forense
Para esclarecer a morte de Joana, entregamos
e os campos em que ela atua até questões relacio-
aos alunos o laudo do Instituto Médico Legal
nadas ao social, e a importância de tomar decisões
(IML), sobre as causas de sua morte, conforme
de forma consciente.
os alunos haviam solicitado em um encontro anterior. Com base nas evidências da cena do acidente, pode-se concluir que Joana não estava
4
Considerações finais
usando o cinto de segurança, porém no exame
Consideramos ao final do trabalho, que a prá-
pericial, foi constatada a marca do cinto de segu-
tica realizada foi uma experiência gratificante,
rança em seu corpo, causada pelo impacto do aci-
pela seriedade com que os alunos trataram o tema e
dente. Deixamos que os alunos se dessem conta
pelo interesse durante a realização das atividades.
dessa contradição, pois esses dados apareciam em
Além de propiciar a construção de um ambiente
momentos diferentes no laudo, e o nosso objetivo
motivador, agradável e rico em situações novas
era de que eles mesmos pudessem interpretar e
e desafiadoras, que possibilitaram aos alunos o
tirar suas próprias conclusões, o que aconteceu
desenvolvimento de habilidades investigativas.
logo após a leitura do laudo. Neste, constava ainda
Percebe-se que eles querem e gostam de discutir e
que havia um hematoma na cabeça da moça, pro-
testar as suas ideias, ou seja, não querem ser pas-
vavelmente causado por uma pancada. Havia no
sivos ao mundo que os cerca; mostra-nos, como
laudo a descrição do local do crime, onde foram
futuros professores, que devemos estar atentos e
encontrados vestígios de madeira, e nas proximi-
sempre buscar suas opiniões, pois são eles que
48
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Ciência Forense e Investigação Criminal
demonstram como está sendo nosso trabalho, e
passiva do modelo tradicional de ensino (Zembal-
é através deles que saberemos onde precisamos
Saul et al., 2002; Silveira; Ostermann, 2002; Lima,
mudar ou repensar nossa proposta de ensino.
2004). Desta maneira conclui-se que esta estraté-
Cabe ressaltar que ao longo dos encontros, foi
gia de ensino, aliada ao assunto da criminalística,
enfatizada a importância de tomar atitudes cons-
despertou grande fascínio nos alunos, pois foi um
cientes e responsáveis, e foram comprovados os
momento em que eles tiveram a possibilidade de
riscos de situações como a representada nesta pro-
conhecer os procedimentos realizados pelos peri-
posta didática. O levantamento realizado sobre as
tos com as evidências encontradas em uma cena de
ideias dos alunos acerca do assunto, leva o pro-
crime. Para os estudantes da graduação, a proposta
fessor a conhecer a partir de que ponto iniciar
de iniciação à licenciatura proporciona ousar e
os estudos. A interação entre os professores e os
desenvolver atividades diferenciadas em conjunto
alunos contribui para uma reflexão sobre a prática
com os professores já atuantes, contribuindo para a
realizada, e demonstrou que a proposta didática
formação e buscando o diálogo para o desenvolvi-
foi bem acolhida pelos alunos, porém devemos
mento de situações em que o senso crítico, a apli-
sempre refletir sobre nossas práticas e buscar
cação de conteúdos e a tomada de atitudes estão
melhorias.
diretamente ligados à educação.
Pensar na interdisciplinaridade pressupõe uma análise do que será proposto e desenvolvido, e os objetivos pretendidos. Além disso, a proposta deve estar bem estruturada, buscando atingir conteúdos que estão relacionados à série dos alunos, onde é possível verificar a ponte entre estes e o dia a dia, explicações que são possíveis por meio do conhecimento científico. Com as atividades desenvolvidas e a metodologia empregada (Porlán, 1993), destacam-se alguns aspectos pelos quais se acredita na eficiência da estratégia didática implementada. Essa foi capaz de estimular a participação ativa dos estudantes, a curiosidade e o interesse, propiciar a construção de um ambiente motivador, agradável e rico em situações novas e desafiadoras. Ambiente este que pôde facilitar aos alunos o desenvolvimento de autonomia, do espírito crítico e, principalmente, das atitudes e dos procedimentos investigativos, tais como: formulação de perguntas e de hipóteses, coleta de dados, proposição de procedimentos ou de estratégias para resolução do problema, identificação do problema, entre outras (Brasil, 1998). Foi uma forma de levar o aluno a participar de seu processo de aprendizagem, deixando de lado a postura
5
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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Ciência Forense e Investigação Criminal
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50
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Relato de Experiência 03 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
p. 51-62
Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química Garbage and Society: contextualization through CTSA approach in Chemistry teaching Maria Aparecida da Costa1, Thais Mateus Vasconcelos1, Yuri Alves Oliveira1, Karla Amâncio Pinto Field’s2 e Renato Gomes Santos3
Resumo Neste trabalho é apresentado o desenvolvimento de um minicurso relacionado aos problemas ambientais decorrentes do descarte inadequado do lixo e o aumento de sua produção em decorrência do consumo excessivo da população. O mesmo foi aplicado a alunos de 1º ano do Ensino Médio de uma escola pública da rede estadual em Itumbiara-GO. A realização do mesmo pautou-se não apenas em abordagens teóricas, mas também contextualizadas e práticas, as quais objetivaram despertar nos alunos uma reflexão sobre os problemas ambientais relacionados ao lixo e a influência do ser humano nesse processo, bem como relacionar essa temática aos conceitos químicos nela presentes. Diversas atividades foram desenvolvidas, tais como: elaboração de cartazes, utilização de vídeos, confecção de materiais a partir do lixo e uma feira de ciências. Os resultados obtidos por meio da metodologia utilizada com diversos recursos didáticos demonstraram a importância de se desenvolver trabalhos de forma contextualizada e prática a partir de uma abordagem CTSA – Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente – promovendo aos alunos uma aprendizagem mais efetiva e significativa. Palavras-chave: Abordagem temática; Ensino de Química; Lixo; Contextualização; CTSA. 1. Graduandos Licenciatura em Química no Instituto Federal de Goiás (IFG), campus Itumbiara-GO. 2. Professora no Instituto Federal de Goiás (IFG), campus Itumbiara-GO. 3. Professor da Rede Pública de Ensino do Estado de Goiás.
Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química
Abstract This paper presents the development of a short course related to environmental problems arising from the improper disposal of waste and the increase in its production due to the excessive consumption of the population. The same was applied to first-year students at a state public high school in Itumbiara-GO. The development of this work was not only based in theoretical approaches, but also in contextualized and practical ones, which aimed to arouse reflection in students about the environmental problems regarding waste and the human beings influence in this process, as well as to relate this theme to the chemical concepts presented to the students. Several activities were carried out as preparation of posters, use of videos, making of materials from waste and a science fair. The results from the methodology applied with a variety of teaching resources demonstrated the importance of developing contextualized and practical works from CTSA (Science, Technology, Society and Environment) approaches, promoting a more effective and meaningful learning to the students. Key-words: Thematic approach; Chemistry teaching; Waste; Contextualization; CTSA.
1
Introdução
tida a escolha de temas representativos da reali-
A Química Ambiental é uma parte da Química que deve ser utilizada de modo a desenvolver nos alunos uma melhor compreensão do ambiente em que os mesmos vivem, criando condições para a preservação da natureza e saber se posicionar diante dos problemas ambientais, procurando reduzir seus danos ao meio ambiente. A abordagem da Educação Ambiental vem adquirindo, por meio de investigações, o contorno de uma nova
dade local e da vida social dos alunos. A Lei Federal nº 9.795/99 define a Educação Ambiental como: Os processos por meio dos quais os indivíduos e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (Brasil, 1999).
presença entre as áreas de pesquisa dentro do campo da Educação. A área do meio ambiente con-
Ainda de acordo com a Lei Federal nº 9.795/99
quista e assume a possibilidade de se somar como
a Educação Ambiental não deve ser compreen-
mais um enfoque epistemológico, incorporando,
dida como uma nova disciplina do currículo esco-
de forma decisiva, as contribuições da ciência
lar, mas uma aliada do currículo, na busca de um
humana (Ruscheinsky, 2002).
conhecimento integrado que supere a fragmenta-
De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases
ção, tendo em vista o conhecimento. Sendo assim
(Lei 9394/96), é obrigatório o ensino de Educação
faz-se necessário que as escolas busquem trabalhar
Ambiental para todos os níveis de ensino, bem
com os alunos as questões ambientais de forma
como a conscientização pública para a preserva-
contínua, não apenas em sala de aula, mas sempre
ção do meio ambiente. Sendo assim a Química
que possível, por meio de metodologias diversifi-
Ambiental se torna uma grande ferramenta para
cadas como minicursos e feiras científicas. Desta
desenvolver o ensino em Educação Ambiental.
maneira, pode-se incitar nos alunos a reflexão
Segundo Almeida e Amaral (2005) ao se trabalhar
sobre os problemas ambientais relacionando-os ao
nessa abordagem, é preciso ter como ponto de par-
contexto social em que estes estão inseridos.
52
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química
Santos e Schnetzler (2003) apontam sobre a
ou com os conhecimentos adquiridos espontane-
necessidade de discutir as implicações da ciência
amente. Para a efetivação da contextualização,
e da tecnologia sobre o Meio Ambiente. Nesse
faz-se necessário que esta esteja centrada na abor-
sentido, a partir dessas inter-relações têm surgido
dagem de temas sociais e associada a atividades
várias propostas que abordam o ensino numa pers-
práticas, em que o aluno possa compreender a rela-
pectiva CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e
ção dos conceitos científicos e os aspectos sociais.
Ambiente), que inclui o ambiente como uma ins-
Cunha e Gomides (2013) afirmam que a com-
tância produtora de saberes no processo de ensino
preensão de alguns temas abordados em sala de
e aprendizagem. Ademais, a abordagem CTSA
aula, pode ser baseada no estudo do cotidiano do
propicia a alfabetização cientifica, desperta o
aluno, relacionando os conteúdos químicos de
senso crítico e reflexivo do aluno, pois este passa
forma a facilitar a aprendizagem, oportunizando
a compreender que a evolução da ciência e da tec-
a organização de informações e ampliação do
nologia se dá por meio de atividades humanas e
conhecimento acerca dos conteúdos químicos tra-
está diretamente relacionada à qualidade de vida
balhados em sala de aula.
das pessoas e suas decorrências ambientais.
Santos e Schnetzler (2003) ressaltam que um
Nessa perspectiva, Santos (2007) defende a
dos requisitos fundamentais da cidadania é a par-
inserção da abordagem de Ensino CTSA às prá-
ticipação na sociedade, sendo que o aluno só par-
ticas educativas como uma forma de vincular os
ticipará se sentir-se atraído e envolvido pelas rela-
conhecimentos científicos à tecnologia e ao coti-
ções sociais. Isto demonstra que a escola, ao ter a
diano, possibilitando aos alunos uma melhor com-
função de auxiliar na formação cidadã do aluno,
preensão do mundo, da dimensão social da ciên-
deve relacionar os conceitos científicos trabalha-
cia e da tecnologia e que os mesmos construam
dos com a realidade do aluno, para que o mesmo
conhecimentos que os tornarão aptos a propor e
seja impulsionado a exercer sua cidadania.
encaminhar soluções para os diversos problemas
Nessa perspectiva este trabalho teve como foco
cotidianos.
principal os quatro principais tipos de lixo, sendo
A todo o momento, a população é bombarde-
eles: papel, metal, plástico e vidro. Este tema foi
ada pela mídia por meio de anúncios nas redes
escolhido, por fazer parte do nosso cotidiano, per-
sociais, nos outdoors, em revistas, nas ruas, nos
mitindo ao aluno uma reflexão em torno da cons-
rádios e TV, incitando-a ao consumismo exces-
tituição química de cada material bem como seus
sivo. Esta por sua vez, contribui para o aumento de
impactos ambientais. Ainda, objetivou-se fazer
alguns problemas, como o descarte inadequado do
com que os alunos identificassem a relação entre a
lixo e o aumento de resíduos sólidos. No entanto,
Química e outras áreas do conhecimento, a fim de
pensando em como o ensino de Química pode con-
se desenvolver a interdisciplinaridade e a contex-
tribuir para minimizar este problema, o presente
tualização dos conteúdos químicos propostos.
trabalho buscou desenvolver um minicurso de forma contextualizada e prática com uma abordagem CTSA tendo como tema principal o lixo.
2
Aspectos metodológicos
Os PCNEM (Brasil, 1999) propõem que a
Este trabalho foi desenvolvido como projeto
contextualização dos conteúdos é um importante
de intervenção na disciplina de Estágio Curricular
recurso para tornar a aprendizagem significativa,
Supervisionado II ofertada no período de 2014/2
ao associá-la com experiências da vida cotidiana
pelo Instituto Federal de Goiás (IFG) – Campus
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química
Itumbiara – do curso de Licenciatura em Química,
partir do lixo reciclável, foram escolhidos na tenta-
sendo aplicado em uma escola da rede pública
tiva de atrair e estimular os alunos diante do tema
com 25 alunos de turmas do 1º ano de Ensino
exposto. Durante o desenvolvimento do trabalho
Médio. Este projeto de intervenção teve como
na escola, os alunos foram submetidos a questio-
foco o desenvolvimento de um minicurso em que
namentos em torno do tema para levantamento dos
se buscou apresentar aos alunos os problemas
conhecimentos prévios sobre o mesmo.
ambientais enfrentados nos últimos anos, devido
Após a aplicação do minicurso foi desenvol-
à grande produção de lixo relacionada ao consu-
vida com os alunos a confecção de objetos para
mismo desenfreado da população, resultando no
cada tipo de lixo estudado, e em seguida o material
descarte inadequado e na falta de reaproveita-
foi exposto em uma feira científica na escola para a
mento do mesmo.
apresentação e aplicação dos conhecimentos obti-
Nessa perspectiva, para desenvolver o mini-
dos sobre a importância da reutilização do lixo e os
curso, foi realizada a divisão dos conteúdos a
problemas ambientais causados pelo descarte ina-
serem trabalhados em sala em aula. O minicurso foi
dequado do mesmo. A feira científica teve duração
desenvolvido em dois dias com duração de 5 horas
de 3 horas para a exposição e explicações acerca
por dia, totalizando 10 horas. Os temas expostos
dos materiais confeccionados.
no minicurso foram voltados para a importância do reaproveitamento do lixo e os problemas acarretados pelo descarte inadequado do mesmo, onde alguns conceitos químicos foram trabalhados.
3
Resultados e discussões Os temas trabalhados no minicurso, bem como
Os recursos didáticos utilizados, como vídeos,
seus objetivos, as atividades desenvolvidas e os
elaboração de cartazes e confecção de materiais a
recursos utilizados seguem descritos no Quadro 1:
Quadro 1. Descrição do minicurso. Tema
Encontro
Objetivo
Atividades desenvolvidas
Lixo e a Era do Consumismo
Primeiro encontro
Promover aos alunos uma reflexão em torno Questionamentos e discussões sobre o dos problemas ambientais causados pelo tema, aplicação do vídeo “Lixo” seguida de lixo, devidos ao consumismo e ao descarte questionário e a confecção de cartazes. inadequado do mesmo.
A Química do Vidro
Primeiro encontro
Identificar a constituição do vidro e abordar os processos químicos presentes na fabricação do vidro, bem como seu impacto ambiental e a importância de sua reutilização.
Questionamentos e discussões sobre o tema, aplicação do vídeo “Kika – De Onde Vem o Vidro” e confecção de materiais a partir de garrafas de vidro.
A matéria-prima e o Primeiro processo produtivo encontro do papel
Apresentar aos alunos a matéria-prima e o Questionamentos e discussões sobre o processo produtivo do papel, de forma que tema. Confecção de materiais a partir de os alunos possam identificar os compostos papel reciclado. químicos utilizados em cada etapa, bem como a importância da reutilização.
A Química do Plástico
Segundo encontro
Abordar os conceitos químicos presentes na Questionamentos e discussões sobre o composição do plástico, relacionando com tema e a confecção de materiais a partir de os impactos ambientais e a importância da garrafas pet. reutilização.
Metais: material do nosso dia a dia
Segundo encontro
Apresentar os conceitos químicos presentes Questionamentos e discussões sobre o nos metais, bem como relacionar essa tema, aplicação do vídeo “A Química do temática com os impactos ambientais. Saber: Metais e Siderurgia” e confecção de materiais a partir de latinhas de alumínio.
54
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química
3.1
Primeiro encontro
Foram trabalhados com os alunos os seguintes temas: ‘Lixo e a Era do Consumismo’, ‘A Química do Vidro’ e ‘A matéria-prima e o processo produtivo do papel’. Após a apresentação inicial dos temas que seriam abordados naquele encontro e as atividades que seriam desenvolvidas, iniciou-se com a temática ‘Lixo e a Era do Consumismo’ onde foram realizadas perguntas aos alunos para que eles relatassem suas concepções sobre a proposta. O Quadro 2 descreve as perguntas realizadas para as discussões.
cessárias, substituindo um objeto antigo por outro novo. Estes objetos ao serem descartados por não possuírem mais utilidade, acabam gerando um grande acúmulo, contribuindo cada vez mais para o aumento do lixo. Durante as discussões foi possível notar que os alunos não sabiam diferenciar as técnicas para o destino final do lixo, sendo necessário, portanto, trabalhar detalhadamente essa questão. Para tanto, foram utilizadas ilustrações, tais como as Figuras 1, 2 e 3 a seguir, as quais apresentam algumas formas de disposição do lixo, sendo elas: lixão, aterro sanitário e aterro controlado.
Quadro 2. Perguntas sobre o lixo. 1) O que vocês entendem por consumismo? 2) Qual o destino final do lixo?
Lixão
3) Vocês sabem diferenciar lixão, aterro sanitário e aterro controlado?
Urubus e outros animais
4) O que é chorume?
A partir das respostas dos alunos sobre estas
Poluição Chorume
questões, notou-se que os mesmos sabiam a definição de consumismo, como podemos ver nas falas
Lençol freático
dos alunos: A1: Consumismo é quando você compra algo que não precisa.
Figura 1. Uma das técnicas para disposição final do lixo – lixão.
A5: Consumismo é comprar muitas coisas desnecessárias.
Aterro sanitário
Recorrendo à literatura para fixar essa ideia, sobre consumismo, segundo Baudrillard (2005), o autor afirma que consumismo é sedução; o consu-
Não há urubus nem outros animais nem mau cheiro Captação e queima de gás metano
mismo supõe a manipulação de objetos. Ou seja,
Lixo novo
os objetos são independentes de seus significados e vêm ganhando expressão na medida em que con-
ETE Tratamento do chorume Cobertura Celação com diária manta de PVC e argíla
Não há contaminação do lençol freático
fundem a realidade a fim de suprir a fantasia da acumulação, pois algumas vezes as pessoas compram muitas coisas que em sua maioria são desne-
Figura 2. Uma das técnicas para disposição final do lixo – aterro sanitário.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química
decomposição do lixo misturado a restos de ali-
Aterro controlado
mentos, definição similar à proposta por Santos e Captação e queima de gás metano Cobertura com terra e grama
Schnetzler (2003), ao afirmar que este se trata de
Recirculação do chorume
Lixo velho
Chorume
um líquido de coloração escura, malcheiroso e de eleNova célula Cobertura Lixo diária novo Manta de PVC
Lençol freático
vado potencial poluidor, produzido pela decomposição da matéria orgânica contida nos resíduos.
Após as discussões sobre o lixo e suas consequências ao meio ambiente, os alunos assistiram ao vídeo Lixo4, que apresenta questões em torno
Figura 3. Uma das técnicas para disposição final do lixo – aterro controlado.
de como o consumismo tem contribuído para o aumento de resíduos sólidos, abordando a importância da reutilização e do descarte correto do lixo, para que assim as pessoas contribuam com a coleta seletiva.
As explicações realizadas aos alunos pauta-
A partir do vídeo os alunos foram provocados a
ram-se nas definições da disposição final do lixo
refletirem em torno do que tinha sido abordado no
propostas por Lanza et al. (2006), que define lixão
primeiro momento, alertando-os sobre as possíveis
como uma técnica inadequada de disposição final
formas de mudança de hábito em casa, como dimi-
de resíduos sólidos, caracterizada pela sua descarga
nuir o consumo desnecessário e contribuir para
sobre o solo, sem critérios técnicos e medidas de
a redução da produção do lixo, para preservação
proteção ambiental ou à saúde pública e principal-
do meio ambiente. Ao final das discussões sobre
mente, poluição do solo e das águas superficiais e
o vídeo foi pedido que os alunos, a partir do que
subterrâneas pelo chorume.
haviam estudado, confeccionassem quatro tipos de
Aterro Sanitário é definido como uma téc-
cartazes, que versassem sobre os seguintes mate-
nica de disposição de resíduos sólidos urbanos no
riais: papel, vidro, plástico e metal, com a finali-
solo, sem causar danos à saúde pública e ao meio
dade de expô-los na feira científica.
ambiente, minimizando os impactos ambientais,
Dando sequência às atividades, foi apresen-
devendo conter todos os elementos de proteção
tado aos alunos o tema ‘A Química do Vidro’,
para não agredir o meio ambiente. Finalmente, o
em seguida, realizaram-se perguntas a respeito do
Aterro Controlado é definido como uma técnica
mesmo, as quais se encontram no Quadro 3.
de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, assim minimizando os impactos
Quadro 3. Perguntas propostas sobre o vidro.
ambientais. Trata-se de um método em que se uti-
1) Quanto tempo o vidro demora a se decompor no meio ambiente?
lizam princípios de engenharia para confinar os
2) Você sabe em que constitui a composição do vidro?
resíduos sólidos, cobrindo-os com uma camada
3) Em qual estado físico o vidro se encontra, líquido ou sólido?
de material inerte na conclusão de cada jornada de trabalho.
4) Qual a importância da reutilização do vidro para o meio ambiente?
Ao serem indagados sobre o que seria o chorume, de maneira geral, os alunos o definiram como um líquido de coloração escura resultante da
56
4. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v= hQvZxx8IvGs>. Acesso em: 19 dez. 2016.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química
A primeira questão abordada fazia referência ao tempo em que o vidro demora a se decompor no meio ambiente, quando descartado inadequa-
Sódio - 14% Alumina - 0,7%
Magnésio - 4% Cálcio - 9%
Potássio - 0,3%
damente. As respostas obtidas pelos alunos foram que o vidro demorava muitos anos para se decompor. Portanto, para que os alunos pudessem compreender o tempo de decomposição do vidro e de outros tipos de lixo, foi utilizada a Figura 4, que
Sílica - 72%
demonstra que o vidro leva em torno de um milhão de anos para se decompor.
Figura 5. Imagem sobre a composição química do vidro.
Figura 4. Tempo de decomposição de alguns materiais.
Figura 6. Imagem sobre as vantagens da reciclagem do vidro.
Ao serem questionados sobre a composição
Após as discussões os alunos assistiram a um
química do vidro teve-se como resposta que o
vídeo, Kika – de onde vem o vidro?5. O vídeo aborda
mesmo é constituído de areia aquecida a alta tem-
questões relacionadas ao processo de fabricação do
peratura. Ainda, com relação à composição quí-
vidro e os componentes químicos nele presentes, o
mica do vidro, foi apresentada a Figura 5 que des-
que contribuiu para que os alunos pudessem com-
creve em porcentagem os componentes químicos
preender melhor a composição do mesmo.
presentes na composição química do vidro.
Finalizando o primeiro encontro, foi abor-
Relacionado ao aspecto ambiental, os alunos
dado o último tema a ser trabalhado, sendo ele ‘A
responderam que o vidro ao ser descartado corre-
matéria-prima e o processo produtivo do papel’,
tamente pode ser usado na fabricação de um novo
no qual foram realizados alguns questionamentos
vidro. Nesse sentido, para que os mesmos compre-
descritos no Quadro 4.
endessem os benefícios da reciclagem do vidro foi utilizada a Figura 6, que melhor demonstra essa afirmação.
5. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v= L7NJeu2isj0>. Acesso em: 19 dez. 2016.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química
entrelaçadas, como quimicamente, por ligações
Quadro 4. Perguntas propostas sobre o papel.
hidrogênio, ressaltou-se, também, que o material
1) O que vocês sabem sobre o papel? 2) Qual árvore eles utilizam para fabricação do papel?
mais usado é a polpa de madeira de árvores, prin-
3) Qual a importância da reutilização do papel?
cipalmente pinheiros e eucaliptos. Para que os alunos pudessem ter uma melhor compreensão do processo de fabricação do papel, foi apresentada a eles a Figura 7, que demonstra as
Ao perguntar o que eles sabiam sobre o papel,
etapas da fabricação do papel.
os mesmos falaram sobre sua aplicação, que este está presente em cadernos, agendas, livros, entre
Ainda, conforme elucidado na Figura 7, foi
outros objetos. Ao serem questionados sobre qual
explicado aos alunos que o processo de fabricação
árvore era utilizada para a fabricação do papel, os
do papel começa na colheita da árvore em que é
alunos responderam que era utilizado o eucalipto.
retirada a matéria-prima, que depois é transpor-
Em seguida foi discutida e apresentada aos alunos
tada até o local de fabricação, onde passa pelo
a questão das fibras, que são os constituintes prin-
picador (em que são transformados em pequenos
cipais na fabricação do papel.
cavacos), digestor (transformação da madeira em
Explicitou-se aos alunos que as fibras utiliza-
pasta celulósica), polpa (passa por um processo
das para a fabricação do papel requerem algumas
de lavagem, em tanques e centrífugas), branquea-
propriedades especiais, como alto conteúdo de
mento (no processo de branqueamento da celulose,
celulose, baixo custo e fácil obtenção, razões pelas
podem ser utilizados reagentes químicos como
quais as mais usadas são as fibras vegetais. Uma
cloro (Cl2), dióxido de cloro (ClO2), hipoclorito de
vez que o papel é constituído por um amontoado
sódio (NaClO), oxigênio (O2) e ozônio (O3), dentre
de fibras unidas tanto fisicamente, por estarem
outros), prensa (são equipamentos compostos por
2
1
9
8
3
1. Floresta de eucalípto 2. Transporte madeira 3. Picador 4. Digestor 5. Polpa 6. Branqueamento 7. Prensa 8. Corte 9. Embalagens 7
4
5
6
Figura 7. Imagem sobre o processo de fabricação do papel.
58
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química
dois rolos, entre os quais há um ou dois feltros, por
Neste sentido, baseado em Piatti et al. (2005),
onde passa a folha de papel sob pressão), corte (o
foi explicado aos alunos que a palavra polímero
papel passa por bobinas que irão cortá-lo seguindo
tem origem grega: poli (muitas) e mero (partes),
padrões de tamanho e gramatura) e embalagem
sendo estes moléculas muito grandes e formadas
(depois, as máquinas empacotadeiras separam a
pela conexão de muitas moléculas menores, deno-
quantidade de folhas em cada pacote, e colocam
minadas monômeros; e que estas moléculas, for-
cada pacote em caixas).
madas por milhares ou até mesmo milhões de áto-
Em seguida, os alunos foram levados a refletir
mos, são denominadas de macromoléculas.
sobre a importância de se reciclar o papel como
Relativamente às características dos plásticos,
recurso na preservação do meio ambiente, sabendo
ao perguntar se os plásticos eram todos iguais, eles
que na fabricação do papel ocorre o desmatamento
disseram que não, dando exemplos da garrafa pet
das árvores, o que é prejudicial ao meio ambiente.
e do copo descartável. Assim sendo, apoiado em
Ainda, foi discutido com os alunos sobre os bene-
Lucas et al. (2001), foi explicitado aos alunos que
fícios da reciclagem do papel, pois a partir do rea-
os plásticos podem ser divididos em duas catego-
proveitamento do papel reciclado, uma das vanta-
rias, termoplásticos e termorrígidos. Em relação
gens é a redução dos custos das matérias-primas e
aos termoplásticos, explicou-se que estes são capa-
economia dos recursos naturais.
zes de serem moldados várias vezes, devido à sua
3.2
Segundo encontro
característica de tornarem-se fluídos, sob ação da temperatura e depois retornarem às características
Os temas abordados no segundo encontro
anteriores quando há um decréscimo de tempera-
estavam relacionados aos plásticos e metais.
tura. Após, foi exposto aos alunos que diferente-
O primeiro tema trabalhado foi ‘A Química no
mente dos termoplásticos, existem muitos plás-
Plástico’, e os alunos foram incitados a discutirem
ticos que são maleáveis apenas no momento da
as perguntas descritas no Quadro 5.
fabricação do objeto; e que depois de prontos, não há como remodelá-los, já que as cadeias macromo-
Quadro 5. Perguntas propostas sobre os plásticos. 1) Onde o plástico está presente no nosso cotidiano? 2) Qual o principal componente químico presente nos plásticos? 3) O que são polímeros? 4) Todos os plásticos são iguais? 5) O plástico traz somente benefícios ao ser humano?
leculares estão unidas entre si por ligações químicas e que os materiais que apresentam esse tipo de comportamento recebem o nome de termorrígidos. Após essa afirmação sobre as características dos plásticos, os alunos puderam compreender por que os plásticos possuem aspectos diferentes, podendo uns serem duros e outros moles, o que na realidade depende do tipo de aplicação que será
Ao serem indagados sobre onde o plástico está
exigida para o mesmo.
presente no cotidiano, foi obtido como resposta dos
Relativamente ao uso dos plásticos, os alu-
alunos, que o plástico está em brinquedos, garrafas
nos responderam que por mais que estes sejam
de refrigerante e vasilhas. Ao serem questionados
utilizados na composição de inúmeros materiais,
sobre a composição química dos diversos tipos de
seu descarte inadequado acaba contribuindo para
plásticos, os mesmos responderam que estes eram
a poluição do meio ambiente, diminuindo seu
constituídos por polímeros, porém, não souberam
processo de reciclagem para confecção de outros
defini-los.
materiais.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química
Em seguida, para finalizar com as atividades
minérios, foi utilizada a Tabela 1, que contém o
nesse dia, foi abordado o último tema com os alu-
minério com sua fórmula química e o metal que
nos, ‘Metais: material do nosso dia a dia’. Para
dele é extraído.
determinação do conhecimento prévio dos alunos foram realizadas algumas perguntas, as quais estão descritas no Quadro 6.
Tabela 1. Tabela que mostra os minérios dos quais são extraídos alguns metais. Minério Fe2O3 (hematita) Fe3O4 (magnetita) FeS2 (pirita)
Quadro 6. Perguntas propostas sobre os metais. 1) De onde são retirados os metais? 2) No processo de extração e fabricação dos metais há prejuízos ao meio ambiente? 3) Quais são as propriedades químicas dos metais? 4) Como reduzir os danos ao meio ambiente provocados pelos metais?
Ao iniciar a abordagem do tema sobre metais, e questioná-los de onde eram retirados, foi obtido
Metal Fe
SnO2 (cassiterita)
Sn
MnO2 (pirolusita) Al2O3 . 2H2O (bauxita)
Mn Al
Cu (cobra nativo) Cu2O (cuprita) Cu2S (calcocita) CuFeS2 (pirita de cobre) FeO . Cu2S (calcopirita)
Cu
Hg (mercúrio nativo) HgS (cinábrio)
Hg
PbS (galena)
Pb
porém não souberam dar mais detalhes sobre essa
ZnS (blenda) FeO . Cr2O3 (cromita)
Zn
afirmação. Assim sendo, explicou-se aos alunos que
TiO2 (rutilo)
Ti
Au (prata nativa)
Au
Ag (prata nativa) Ag2S (argentina)
Ag
como resposta que os metais eram extraídos do solo,
os minerais são os principais constituintes das rochas e solos, que, basicamente, são os formadores da
Cr
crosta terrestre. E que é a partir deles que os metais são inicialmente extraídos, cujos processos de extração para produção de metais exigem grandes quanti-
Ao questioná-los sobre a possível redução dos
dades de minérios. Esse processo de extração agride
prejuízos ao meio ambiente, provocados pelos
muito o ambiente e, se não tratado adequadamente,
metais, os alunos responderam que é necessário
pode causar enormes problemas ambientais.
que os objetos de metais sejam descartados ade-
Relacionado sobre prejuízos ao meio ambiente,
quadamente para serem reciclados e utilizados na
os alunos responderam que ao extrair metais dos
confecção de novos materiais. Também menciona-
minérios há muito consumo da matéria-prima, o
ram que é necessária a redução do consumo e a
que pode vir a comprometer os recursos naturais.
reutilização desses metais, principalmente porque
Para complementar a resposta dos alunos também
vivemos em um mundo que estimula constante-
foi relatado aos mesmos os processos de produção
mente o consumo, pois muitos objetos e apare-
de metais, a partir de seus minérios, que conso-
lhos que descartamos podem ser utilizados outras
mem enormes quantidades de energia, cuja produ-
vezes.
ção em grande escala acarreta normalmente gran-
Indagados sobre as propriedades dos metais,
des impactos ambientais, por exemplo a queima de
os alunos responderam que os mesmos são bons
combustíveis.
condutores de eletricidade. Para complementar as
A fim de que os alunos pudessem compreen-
propriedades dos metais foi explicado aos alunos,
der a linguagem química dos metais extraídos dos
tendo com referência Santos et al. (2008), que estes
60
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química
apresentam brilho, uma de suas propriedades espe-
alunos produziram cartazes que traziam informa-
cíficas, e que essas propriedades podem ser expli-
ções sobre a reutilização e o descarte inadequado a
cadas de acordo com o modelo da estrutura dos
respeito de cada lixo, e também sobre seus aspec-
sólidos metálicos, chamado de ‘mar de elétrons’ ou
tos químicos. Ressalta-se que participaram alunos
‘nuvens de elétrons’. Esse modelo explica a liga-
e professores, e os mesmos recebiam informações
ção entre átomos de metais e justifica a diferença
acerca da importância da reutilização desses dife-
entre metais e substâncias iônicas com relação à
rentes tipos de lixo e como o descarte inadequado
condutividade elétrica e outras propriedades como
dos mesmos poderia acarretar danos ao meio
a maleabilidade.
ambiente.
Ao término das discussões e explicações sobre os metais, os alunos assistiram a um vídeo intitulado A Química do Fazer: Metais e Siderurgia6;
4
Considerações finais
esse vídeo aborda aspectos relacionados ao pro-
A participação efetiva dos alunos no trabalho
cesso de extração, fabricação e propriedades dos
gerou resultados satisfatórios; na exposição dos
metais. Com o vídeo os alunos puderam compre-
materiais confeccionados, os alunos exercita-
ender melhor o que havia sido estudado sobre as
ram a capacidade de falar em público e explica-
propriedades dos metais, bem como suas utiliza-
ram os conceitos químicos envolvidos no tempo
ções nos mais diferentes tipos de materiais.
de degradação dos materiais quando expostos ao
Para finalizar, os alunos foram submetidos à
meio ambiente. Diante destas explicações foi pos-
confecção de objetos a partir do lixo reciclado,
sível perceber que os mesmos compreenderam a
de acordo com os quatro tipos de lixo trabalhado,
importância e a influência que o lixo tem no meio
papel, metal, vidro e plástico. O objetivo da con-
social, econômico e ambiental, bem como a influ-
fecção desses objetos foi que os alunos pudessem
ência que o ser o humano tem nesse processo de
compreender a importância da reutilização desses
produção do lixo por meio do consumo excessivo,
tipos de lixo, uma vez que a maioria dos objetos
e a importância do reaproveitamento do mesmo.
criados pode ser utilizada em nosso cotidiano.
Houve por parte dos alunos, uma melhor com-
Os alunos confeccionaram, a partir de latinhas
preensão dos conceitos químicos que foram abor-
de alumínio, porta-caneta, porta-treco, panelinhas
dados por meio dessa temática do lixo, o que leva
e canecas de enfeite. Com as garrafas pet confec-
à conclusão de que, quando determinado assunto
cionaram puxa-saco, porta-velas e flores decorati-
abordado em sala faz referência ao contexto em
vas. Com o papel foram utilizados rolos de papel
que os alunos estão inseridos, ocorre uma maior
higiênico, a partir dos quais os mesmos produzi-
interação por parte dos mesmos, o que promove
ram diversos objetos de decoração, enquanto que
uma aprendizagem mais efetiva e significativa.
as garrafas de vidro foram decoradas com recortes de revista e utilizadas como enfeites.
Sendo assim, conclui-se que trabalhar de forma contextualizada e prática, envolvendo abordagens
Todos os objetos confeccionados pelos alunos
de temas CTSA que estão presentes no cotidiano
foram expostos em uma feira cientifica realizada
dos alunos, gera uma maior participação dos mes-
pela escola. Além dos objetos confeccionados, os
mos e ao mesmo tempo contribui para a formação destes enquanto cidadãos críticos, permitindo que
6. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v= O4rJEyF9Ka8>. Acesso em: 23 dez. 2016.
tomem decisões para solução de problemas que estão presentes em seus contextos sociais.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química
Por meio do trabalho desenvolvido, foi possível inferir que a metodologia adotada na realização deste trabalho e as atividades desenvolvidas contribuíram para a contextualização no ensino de Química de forma prática, onde a mesma propiciou discussões, tomadas de atitudes e participação direta dos estudantes na comunidade escolar. Percebeu-se, ainda, que os conhecimentos químicos apresentados em uma perspectiva de abordagem CTSA contribuíram para que os alunos pudessem construir seus conhecimentos de forma significativa, e puderam reconhecer que é possível aprender/compreender a disciplina de Química por meio de temas simples do cotidiano. Sendo assim, é possível defender que ao se adotar este tipo de prática, a mesma tem muito a contribuir para a qualidade no ensino-aprendizagem de Química e para a formação dos alunos estagiários envolvidos, favorecendo o desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes necessárias para a formação de cidadãos com atitudes críticas e ativas perante as problemáticas enfrentadas
5
BRASIL. Art. 26 da Lei de Diretrizes e Bases - Lei 9394/96. Disponível em: <http://www.jusbrasil. com.br/topicos/11691973/artigo-26-da-lei-n-9394de-20-de-dezembro-de-1996>. Acesso em: 02 nov. 2014. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMTEC, 1999. 4v. BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2005. CUNHA, A. P. M.; GOMIDES, J. N. Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio. Revista Brasileira de Ensino de Química, v. 08, n. 2, jul./ dez. 2013, p. 10-22. LANZA, V. C. V. et al. Orientações básicas para operação de aterro sanitário. Belo Horizonte, 2006. Disponível em: <http://www.feam.br/images/ stories/arquivos/Cartilha%20Aterro2.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014. LUCAS, E. et al. Caracterização de polímeros. Rio de Janeiro: E-papers, 2001, p. 26. PIATTI, T. M. et al. Plásticos: características, usos, produção e impactos ambientais. Maceió/AL, 2005.
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RUSCHEINSKY, A. Educação ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002.
Referências
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ALMEIDA, N. P. G.; AMARAL, E. M. R. Projetos temáticos como alternativa para um ensino contextualizado das ciências. Enseñanza de las ciencias, n. extra, 2005. Disponível em: <http:// ensciencias.uab.es/congres2005/material/comuni_ orales/2_proyectos_curri/2_1/almeida_812.pdf>. Acesso em: 3 nov. 2014.
62
______. et al. Química & sociedade. v. único. São Paulo, 2008. p. 632-633. ______.; SCHNETZLER, R. P. Educação em química: compromisso com a cidadania. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2003.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Relato de Experiência 04 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
p. 63-69
Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB History of Chemistry Olympiads in Paraíba State and its Contribution to the Training of UEPB1 Chemistry Teachers Francisco Ferreira Dantas Filho2, Gilberlândio Nunes da Silva3, Luciano Lucena Trajano4, Helionalda Costa Silva5 e Thiago Pereira da Silva6
Resumo Neste trabalho relatamos o histórico da Olimpíada Paraibana de Química – OPBQ – e sua contribuição no aspecto motivacional dos alunos do Ensino Fundamental e Médio das escolas públicas e particulares do estado da Paraíba, além dos discentes em formação inicial do curso de Licenciatura em Química da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Nos últimos anos observou-se um crescimento no número de alunos inscritos na OPBQ, que pode ser atribuído às intervenções dos graduandos em formação inicial, principalmente nas escolas públicas do estado da Paraíba. Palavras-chave: Formação inicial; Educação básica; Olimpíadas de Química.
1. Universidade Estadual da Paraíba – State Universtiy of Paraíba. 2. Professor adjunto no Departamento de Química da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) Campus I, atuando nas áreas de Ensino de Química e Química, desenvolvendo pesquisa nas linhas de ensino e aprendizagem em Química, Biomassa, biodiesel, bio-óleo e bioálcool. 3. Professor Substituto na Área de Educação Química da UEPB, CCT/DQ. 4. Professor substituto do Curso de Licenciatura em Ciências Exatas da Universidade Estadual da Paraíba – Campus VII. 5. Professora substituta da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) Campus I, atuando nas áreas de Química Geral, Química Orgânica e Ensino de Química. 6. Professor Substituto na Área de Ensino de Química da UEPB, CCT, PB.
Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB
Abstract In this paper we report the history of Paraíba’s Chemistry Olympiads – PCO – and its contribution to the improvement of the motivational factor of primary and secondary students of public and private schools in the state of Paraíba and of UEPB Chemistry undergraduate students in their initial training. In the last years there has been a growth in the number of students enrolled in PCO; this increase is attributed to the involvement of undergraduate students in the process, mainly in Paraíba’s public schools. Key-words: Initial training; Basic education; Chemistry olympiads.
1
O PPP funciona como um norteador de pro-
Introdução
cedimentos para se chegar ao desejo comum da
A Olimpíada Paraibana de Química (OPBQ)
comunidade escolar (professores, alunos, dire-
objetiva tornar a disciplina de Química mais
tor, funcionários, familiares, entre outros inte-
atrativa para os alunos do 8° e 9° ano do Ensino
ressados), principalmente no tocante ao tipo de
Fundamental e os alunos do Ensino Médio e des-
cidadão que se pretende formar. Este é sistema-
pertar nestes a vontade de apreender mais sobre
tizado por três etapas principais: problematiza-
Química, estimular os estudantes pelo interesse do
ção, instrumentalização e conceituação, que são
conhecimento químico, motivando-os junto com
fundamentais no desenvolvimento das atividades
seus professores ao estudo e à aprendizagem de
que se pretende trabalhar no processo de ensino
conceitos químicos. Nesse sentido, as Olimpíadas
e aprendizagem dos alunos nas escolas. Nesta
de Química, por sua relevância, constituem um
perspectiva o Programa Nacional Olimpíadas de
evento que fomenta o ensino de Química, fortalece
Química, através das olimpíadas nacionais e esta-
a Educação e descobre talentos.
duais, constitui-se em uma opção para unificar os
Para as instituições de ensino, representam
conteúdos de Química para as escolas de Ensino
a oportunidade de os estudantes avaliarem seu
Fundamental e Médio, promovendo a aproxima-
desempenho e conquistarem não apenas meda-
ção entre as escolas e as Universidades. Neste con-
lhas, mas também saberes diversos. É notório que
texto, o aluno em formação inicial interage com os
os currículos atuais têm buscado a homogenei-
docentes do Ensino Médio e Ensino Superior para
dade dos educandos através da contextualização e
planejarem as ações desenvolvidas durante o ano
interdisciplinaridade de conteúdos, com o objetivo
letivo nas escolas.
de ser claro, simples e direto, como descritos nos
A aplicação do planejamento deve estimular
documentos legais. Nesse sentido, a escola deter-
o interesse dos estudantes para a área de ciências,
mina sua trajetória no processo de ensino, pois esta
favorecendo o ensino e aprendizagem do conhe-
escolha é baseada nos problemas identificados no
cimento científico. Segundo Freitas et al. (2010),
projeto político pedagógico (PPP). As orientações
as olimpíadas científicas de Química apresentam
curriculares estão inseridas nas escolas como tema
vantagens e podem auxiliar na aproximação da
central nos projetos políticos pedagógicos (PPP),
universidade com a educação básica, consequen-
nas propostas dos sistemas de ensino, bem como
temente com o ensino de Química.
nas pesquisas, na teoria pedagógica e na formação inicial e continuada dos docentes.
64
Historicamente, as Olimpíadas de Química tiveram início no Brasil em 1989, por iniciativa
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB
do Instituto de Química da Universidade de São
da Paraíba, e teve como nome inicial Olimpíada de
Paulo, com a participação de cinco estados, sendo
Química do Sertão Paraibano. Este projeto surgiu
realizada por apenas dois anos consecutivos. Em
como forma de motivar os licenciandos do curso
virtude desta interrupção, foi criada a Olimpíada
de Ciências Exatas, com Habilitação em Química,
Cearense de Química. A ideia foi absorvida por
e descobrir novos talentos na educação básica,
estados vizinhos, os quais propuseram, em 1995,
principalmente os da rede pública de ensino,
realizar a I Olimpíada Norte/Nordeste de Química.
incentivando-os a prestarem exames para ingres-
A Olimpíada Brasileira voltou a ser realizada cinco
sar no Curso de Licenciatura Plena em Química
anos após a interrupção e está ativa até hoje, sendo
da UEPB.
realizada anualmente no mês de agosto para estu-
Anualmente, a OPBQ abre inscrição para estu-
dantes do Ensino Médio e Tecnológico (Silva et
dantes matriculados no Ensino Fundamental II
al., 2012).
(8º e 9º ano) e Médio do estado da Paraíba, sendo
Neste contexto, a Olimpíada Paraibana de
realizada em duas etapas. As escolas, através do
Química foi implantada no ano de 2010 na cidade
seu representante, inscrevem os alunos, e a pri-
de Patos – PB, tendo como objetivo motivar os
meira etapa é realizada nas respectivas escolas. Na
alunos do curso de Licenciatura em Química da
segunda etapa a Coordenação Estadual da OPBQ
Universidade Estadual da Paraíba do Campus
define as cidades polos e os locais para aplicação
VII e descobrir e incentivar jovens talentos para
das provas. São premiados os alunos que obtive-
o estudo da Química nas escolas públicas e parti-
rem maior pontuação na segunda etapa. Estes rece-
culares do sertão paraibano, e atualmente abrange
bem medalha de ouro, prata e bronze, com certifi-
todo o estado da Paraíba.
cado de honra ao mérito e menção honrosa para os
1.1
que atingirem a média estipulada no regulamento
Histórico das Olimpíadas Paraibanas de Química – OPBQ
A Olimpíada
Paraibana
de
Química
específico. Os 40 alunos melhor classificados são automaticamente inscritos nas Olimpíadas Norte/ é
um evento integrante do Programa Nacional
Nordeste e Brasileira de Química – OBQ, a ser realizada no ano subsequente.
Olimpíadas de Química e uma atividade de exten-
Formação inicial de professores de Química
são do Departamento de Química da Universidade
1.2
Estadual da Paraíba – UEPB, Campus I Campina
Segundo Silva e Oliveira (2009), o objetivo
Grande, realizada por professores e alunos do Curso
dos cursos de Licenciatura em Química é formar
de Licenciatura em Química, do Departamento de
professores para atuar na educação básica. Sua
Química do Centro de Ciência e Tecnologia – LQ/
formação deve contemplar inúmeros aspectos ine-
DQ/CCT. Atualmente, a Olimpíada Paraibana de
rentes à formação do bom profissional, tais como
Química recebe o apoio do Programa Nacional
conhecimento do conteúdo a ser ensinado, conhe-
de Olimpíada de Química, CAPES, CNPq e da
cimento curricular, conhecimento pedagógico
Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, atra-
sobre a disciplina escolar Química, conhecimen-
vés do curso de Licenciatura Plena em Química
tos sobre a construção do conhecimento científico,
e da Pró-reitoria de Extensão – PROEAC/UEPB.
especificidades sobre o ensino e a aprendizagem
A OPBQ surgiu no ano de 2010 no Campus
da ciência Química, dentre outros.
VII da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB,
Em relação à necessidade de maior aprofun-
localizado na cidade de Patos na região do sertão
damento da matéria a ser ensinada, Carvalho e
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
65
Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB
Gil-Pérez (2000) destacam que não se trata apenas
numa sala de aula. E nem mesmo esse domínio de
de o professor dominar os conteúdos específicos, os
conteúdo químico para a docência tem sido ofertado
quais já tomam quase a totalidade da carga horária
pela grande maioria dos nossos cursos universitá-
dos cursos da formação inicial, mas atentam para
rios. Portanto, não é estranho vermos tantas ações de
o fato de que também é de suma importância que
formação continuada de professores (Ciríaco, 2009).
os professores de Ciências conheçam também os
De forma abrangente, são perceptíveis as limi-
problemas que deram origem aos conhecimentos
tações dos cursos de formação inicial dos futuros
científicos, as orientações metodológicas (carac-
professores de Química, que recebe aula mera-
terísticas das atividades científicas, critérios de
mente tradicional, descaracterizando o que apon-
validação e aceitação das teorias) utilizadas para
tam os documentos legais, já que os mesmos sina-
sua construção e que compreendam as interações
lizam para um ensino que contemple as questões
entre ciência, tecnologia e sociedade associadas à
científicas, tecnologias vinculadas à sociedade e o
construção dos mesmos (Schnetzler, 2002).
ambiente, bem como a contextualização, a interdis-
Corroborando com esta perspectiva, Almeida et
ciplinaridade e as questões éticas. Neste sentido, a
al. (2012) afirmam que a formação de professores
Olimpíada Paraibana de Química vem sendo uma
tem sido tema de constantes discussões em todos
alternativa no processo de formação dos futuros
os âmbitos da educação, pois é o professor um dos
professores, já que os mesmos têm a oportunidade
sujeitos-chave desse processo. Entre os muitos
de vivenciar várias situações no desenvolvimento
modelos de formação, a proposta de formação em
de suas ações diante da educação básica.
serviço é uma das alternativas apresentadas pela
A coordenação da OPBQ e o projeto de exten-
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
são: ‘Ações Construtivas para o Conhecimento
LDB 9394/96, que rege a educação brasileira
Químico nas Escolas Públicas’, oferecem capaci-
(Brasil, 1996). Nesse sentido, pesquisas sobre for-
tações para os graduandos participantes do projeto.
mação inicial de professores de Química apontam
Nos encontros semanais são feitos os planejamen-
que o cenário encontrado é diferente das exigências
tos das ações a serem desenvolvidas nas escolas,
desta lei. Segundo Bejarano e Carvalho (2003), os
com enfoque nas questões do meio social dos alu-
professores em formação inicial, ao ingressar nas
nos, contemplando a interdisciplinaridade, a con-
salas de aulas, se deparam com fatos que não lhes
textualização dos conteúdos no processo de ensino
foram apresentados ao longo da sua formação, e
e aprendizagem dos conceitos científicos.
que advêm da prática profissional. São situações complexas que ocasionam o surgimento de conflitos, exigindo uma postura firme e reflexiva do
2
Aspectos metodológicos
professor, para que possa agir em seu contexto de
Historicamente, a inserção das olimpíadas de
trabalho de maneira a compreendê-lo e contribuir
Química nas escolas de educação básica no Brasil
com o processo de ensino no espaço escolar.
teve seu marco inicial a partir de 1986; trata-se
Por existirem lacunas na formação inicial do
também de um evento anual para estudantes do
futuro professor de Química, ou seja, por apresen-
Ensino Médio e Tecnológico. Nesse ano, por ini-
tar uma formação limitada, o resultado é o reforço
ciativa do Instituto de Química da Universidade
de concepções simplistas sobre o ato de ensinar
de São Paulo (USP), com o apoio da Fundação
Química: basta saber o conteúdo químico e usar
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
algumas estratégias pedagógicas para se inserir
(FAPESP), da Secretaria da Ciência e Tecnologia
66
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB
do Estado de São Paulo e do Conselho Nacional
dentes aos respectivos anos (8º e 9º ano do Ensino
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Fundamental, 1º ano, 2º ano e 3º ano do Ensino
(CNPq), realizou-se o primeiro evento, com a par-
Médio). Os participantes têm quatro horas para rea-
ticipação de cinco estados brasileiros (Quadros et
lizar a prova no dia previamente agendado pela coor-
al., 2009; Rezende; Ostermann, 2012).
denação; posteriormente, as provas são corrigidas
Neste cenário se insere a Olimpíada Paraibana de
por uma comissão formada por professores e alunos
Química (OPBQ) destinada, exclusivamente, a estu-
do curso de Licenciatura em Química da UEPB.
dantes de Ensino Fundamental e Médio das escolas
Finalizando a Olimpíada ocorre a divulgação dos
públicas e particulares desse Estado. A OPBQ é
classificados por série, e a solenidade de premiação
realizada anualmente em duas etapas. Na primeira
com medalhas de honra ao mérito, Bronze, Prata,
etapa os estudantes participam de uma seleção den-
Ouro e certificados para os alunos que obtiverem as
tro da escola, cuja operacionalidade e critérios de
melhores classificações na segunda etapa.
seleção são de acordo com o edital publicado no site pela coordenação estadual. A segunda etapa é realizada nos Campi da UEPB; nesta etapa, participam os estudantes que obtiverem melhor desempenho na primeira etapa, respeitando o limite máximo de 10%
3
Participação de estudantes do estado da Paraíba na OPBQ nos anos de 2010 a 2014
dos estudantes inscritos por escola.
As figuras a seguir apresentam os números
A prova estadual conta com 20 questões obje-
de alunos inscritos na OPBQ oriundos de escolas
tivas, sendo que cada questão possui cinco alter-
públicas e particulares nos últimos cinco anos. A
nativas, com apenas uma alternativa correta. Os
Figura 1 apresenta os números de alunos da rede
conteúdos programáticos são de acordo com os
pública de ensino do estado da Paraíba, inscritos
especificados nos documentos legais, correspon-
na OPBQ nos anos de 2010 a 2014.
16000 14000 12000 10000
2010 2011 2012 2013 2014
8000 6000 4000 2000 0
9º ano
1º ano
2º ano
3º ano
Figura 1. Números de estudantes das escolas públicas do estado da Paraíba inscritos na OPBQ nos anos de 2010 a 2014.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB
7000 6000 5000 4000
2010 2011 2012 2013 2014
3000 2000 1000 0
9º ano
1º ano
2º ano
3º ano
Figura 2. Número de estudantes de escolas particulares do estado da Paraíba inscritos na OPBQ nos anos de 2010 a 2014.
De acordo com as Figuras 1 e 2, pode-se observar que o número de alunos participantes na OPBQ cresceu consideravelmente. Acredita-se que um dos motivos para tal crescimento seja a
3.1
O projeto ‘Ações Construtivas do Conhecimento Químico nas Escolas Públicas’ no estado da Paraíba e suas contribuições para a OPBQ
divulgação da OPBQ, que tem se intensificado nos
O projeto piloto intitulado ‘Ações Construtivas
últimos anos devido, principalmente, à socializa-
do Conhecimento Químico nas Escolas Públicas
ção dos meios de comunicação, particularmente a
no Estado da Paraíba’ é inovador, fomentado pela
internet. Em todos os certames, o número de alu-
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
nos inscritos de escolas públicas é superior ao de
Nível Superior (CAPES), que tem como objetivo
escolas particulares.
oferecer aulas de Química ministradas por licen-
É importante ressaltar que a coordenação
ciandos do curso de Licenciatura em Química
estadual da OPBQ procura assegurar a participa-
e recebem acompanhamento dos supervisores e
ção de escolas públicas através da parceria exis-
coordenadores do projeto. No planejamento das
tente com alunos em formação inicial do curso de
ações são elaboradas propostas metodológicas que
Licenciatura Plena em Química da UEPB. Estes
priorizam abordagem cotidiana, contextualizada
alunos participam do projeto intitulado ‘Ações
e interdisciplinar. Neste contexto, os discentes do
Construtivas para o Conhecimento Químico
curso de Licenciatura em Química da UEPB que
nas Escolas Públicas’, vinculado ao Programa
participam do projeto adquirem novos conheci-
Nacional Olimpíada de Química – PNO. Outro
mentos e se motivam para permanecer no curso,
fator que incentiva a participação das escolas é a
diminuindo o índice de evasão. Dos alunos com
logística da coordenação na reprodução e envio
bolsa de iniciação à docência para atuarem nas
das provas da primeira etapa, bem como a dispo-
escolas públicas e é exigida a disponibilidade de
nibilização de fiscais de sala no dia da aplicação
oito horas semanais, divididas entre planejamento
das provas.
e atuação em sala de aula.
68
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB
4
Considerações finais Ao longo dos anos se observou um aumento no número de estudantes que participaram da Olimpíada Paraibana de Química. Este fato indica que o projeto conseguiu, apesar das dificuldades, aumentar o interesse desses jovens pelo estudo da Química, podendo isto resultar, futuramente, em um interesse pela área como um todo. A proposta das Olimpíadas de Química é de descobrir jovens com vocação para ciência, capazes de potencializar suas habilidades e competências. É notável o interesse dos alunos das escolas públicas e particulares de todas as regiões do estado, fator que pode ser comprovado pelo gradual aumento de inscrições e participação a cada ano. A Olimpíada Paraibana de Química, portanto, além de identificar jovens talentos com aptidões para o estudo da Química, serve também como indicador, mostrando dados importantes e passíveis de reflexão por parte de todos da comunidade científica, tais como professores de nível médio e superior, coordenadores de cursos, secretaria de educação e alunos.
5
Referências ALMEIDA, S.; SOARES, M. H. F. B.; MESQUITA, N. A. S. Proposta de Formação de Professores de Química por meio de uma Licenciatura Parcelada: Possibilidade de Melhoria da Prática Pedagógica versus Formação Aligeirada. Química Nova na Escola, v. 34, n. 3, p. 136-146, 2012. BEJARANO, N. R. R.; CARVALHO, A. M. P. Tornando-se professor de ciências: crenças e conflitos. Ciência e Educação, v. 9, n. 1, p. 1-15, 2003. BRASIL. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, Brasília, 1996. CIRÍACO, M. G. S. Prática pedagógica de professores de química: interfaces entre a formação inicial e continuada. Teresina, 2009. FREITAS, R. M. et al. A olimpíada mineira de química como espaço/tempo de educação. In: XV Encontro Nacional de Ensino de Química (XV ENEQ), Brasília, 2010. GIL-PÉREZ, D.; CARVALHO, A. M. P. Formação de professores de ciências: tendências e inovações. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000. QUADROS, A. L. et al. As olimpíadas científicas: Motivação para o Estudo da Química? VII ENPEC – Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Florionópolis-SC, 2009. REZENDE, F.; STERMANN, F. Olimpíadas de ciências: uma prática em questão. Ciência & Educação, v. 18, n. 1, p. 245-256, 2012. SCHNETZLER, R. P. Concepções e alertas sobre formação continuada. Química Nova na Escola, 2002.
Agradecimentos: Os autores agradecem os apoios da Pró-reitoria de Extensão da Universidade Estadual da Paraíba (PROEX-UEPB) e do Programa Nacional Olimpíadas de Química (PNOQ), CAPES, CNPq e DQ/CCT/UEPB.
SILVA, C. S.; OLIVEIRA, L. A. A. Formação inicial de professores de química: formação específica e pedagógica. Cultura Acadêmica, Editora UNESP, São Paulo, 2009. SILVA, G. S. et al. Olimpíada sergipana de química: histórico e resultados dos anos de 2009 a 2011. Scientia Plena, v. 8, n. 3, p. 1-7, 2012.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Relato de Experiência 05 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
p. 70-92
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada Acceptability of Chemistry in the Secondary Education Among Students of the Public Systems in Comparison With Students of Private Network Alessandra Alves da Silva Melo1 e Enderson José Dias de Melo1
Resumo Este trabalho tem o objetivo de analisar a aceitação da disciplina de química entre os alunos do Ensino Médio e comparar os resultados obtidos nas duas redes de ensino, a pública e a privada. Além disso, objetivamos também acoplar as opiniões e os anseios dos professores a esta pesquisa. Para a realização deste estudo foram realizados questionários com 107 alunos da rede pública e 83 alunos da rede privada. Estes questionários foram feitos em 4 escolas, sendo 2 públicas e 2 privadas, e os professores de Química de cada instituição também participaram desta pesquisa respondendo a um questionário feito exclusivamente para educadores. O estudo demonstrou que a disciplina de química não é bem aceita pelos alunos do Ensino Médio de ambas as redes e que a maior dificuldade relatada pelos professores para ensinar esta matéria é a falta de dedicação dos alunos em sala de aula. Palavras-chave: Química; Ensino médio; Alunos; Professores. Abstract This work aims to analyze the acceptance of chemistry discipline among high school students and compare the results obtained in the two school systems, public and private. In addition, we aim to also engage the views and wishes of teachers to this research. For this study were conducted questionnaires with 107 public school students and 83 students from the private network. These questionnaires were 1. Especialista em Metodologia no Ensino de Química, Faculdade Internacional Signorelli.
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
done in 4 schools, 2 public and 2 private and each chemistry teacher also participated in this research by answering a questionnaire made exclusively for educators. The study showed that the discipline of chemistry is not well accepted by high school students of both networks and that the main difficulty reported by teachers to teach this matter is the lack of dedication of students in the classroom. Key-words: Chemistry; School; Students; Teachers.
1
Introdução
alunos atestam que a parte teórica não está atrelada a exemplos do cotidiano deles. A Química
A extrema complexidade do mundo atual não
está presente em quase tudo que nos rodeia, seja
mais permite que o Ensino Médio seja apenas pre-
nos alimentos, nos cosméticos, nas bebidas, nos
paratório para um exame de seleção, em que o estu-
medicamentos etc. Por isto, a capacidade de rela-
dante é perito, porque é treinado em resolver ques-
cionar o conceito científico adquirido em sala de
tões que exigem sempre a mesma resposta-padrão.
aula com situações do seu dia a dia, deve ser uma
O mundo atual exige que o estudante se posicione,
competência a ser desenvolvida nos alunos através
julgue e tome decisões, e seja responsabilizado por
do incentivo do professor.
isso. Espera-se no Ensino Médio que a Química
A Química nos dias atuais é uma das disciplinas
seja valorizada, na qualidade de instrumento cul-
que mais o aluno classifica como de difícil compre-
tural essencial na educação humana, como meio
ensão. Esta concepção dá-se pelo fato de que, no
coparticipante da interpretação do mundo e da
cotidiano escolar, a Química é ensinada de modo
ação responsável na realidade (Brasil, 2006).
teórico, desvinculado da realidade do educando.
Atualmente tem-se abordado com muita fre-
Aliadas a essas dificuldades, percebe-se também
quência a aceitação dos alunos com relação à
que as escolas públicas e algumas privadas, estão
Química, além das dificuldades encontradas no
muito aquém dessa realidade. Não restam dúvidas
aprendizado desta disciplina. Muitos são os relatos
que para incorporar a disciplina Química através de
de que o ensino predominantemente teórico tem
práticas cotidianas, tem-se que analisar a relação do
prejudicado a absorção de conceitos, e que aulas
conteúdo com a realidade do aluno, que na maioria
práticas podem melhorar consideravelmente esta
das vezes está tão distante que fica difícil manter
situação. Sendo a Química uma ciência principal-
na sala de aula um ambiente motivador que facilite
mente prática, é de se questionar a falta de aulas
essa aprendizagem (Cavalcante; Silva, 2008).
práticas introduzidas no plano de ensino. Vale res-
A questão da formação e atualização dos pro-
salvar que a infraestrutura da maioria das escolas
fessores é um ponto que deve ser revisto, pois
secundárias, onde se observa a falta de laborató-
ainda encontramos professores com metodologias
rios de Química, influencia significativamente
atrasadas. Isto pode, com certeza, influenciar no
neste déficit.
processo de aprendizagem dos alunos, visto que
Uma forma eficiente no que diz respeito à didá-
vivemos numa era tecnológica muito avançada e
tica é a contextualização de conhecimentos, e com
a demanda por táticas de ensino virtuais, princi-
a Química isto não pode ser diferente. Esta é uma
palmente na Química, deve ser levada em consi-
dificuldade observada em salas de aulas, onde os
deração. A utilização de vídeos demonstrando os
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
71
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
conceitos passados em sala de aula é uma alternativa interessante nos casos em que a escola não
2
Fundamentação teórica A educação no Brasil
disponibiliza laboratórios para a realização de
2.1
aulas práticas.
A garantia do direito à educação de qualidade é
A aula prática é uma maneira eficiente de ensi-
um princípio fundamental para as políticas e ges-
nar e melhorar o entendimento dos conteúdos de
tão da educação, seus processos de organização e
Química, facilitando a aprendizagem. Os experi-
regulação, assim como para o exercício da cida-
mentos facilitam a compreensão da natureza da
dania. A despeito dos avanços nas políticas e ges-
ciência e dos seus conceitos, auxiliam no desen-
tão da educação nacional, o panorama brasileiro
volvimento de atitudes científicas e no diagnós-
é marcado por desigualdades regionais no acesso
tico de concepções não científicas. Além disso,
e permanência de estudantes à educação, reque-
contribuem para despertar o interesse pela ciência
rendo mais organicidade das políticas educacio-
(Almeida et al., 2009).
nais, por meio da construção do Sistema Nacional
Há também a problemática da escassez de professores de Química na rede de ensino, principal-
de Educação (SNE) e do PNE como políticas de Estado (Brasil, 2013).
mente na rede pública. Isto tem ocasionado uma
O acesso e a permanência dos indivíduos na
nova situação de necessária preocupação: profes-
escola contribuem para a democratização dos
sores de outras disciplinas assumindo as aulas de
conhecimentos e criam condições individuais e
Química. Além de não ter a formação necessária
coletivas para o desenvolvimento da consciência
para lecionar Química, o professor ainda enfrenta
sobre a realidade social em que vivem e sobre as
o desafio de, na maioria dos casos, tentar modificar
relações existentes nos contextos dos quais são
a opinião negativa do aluno a respeito da matéria.
sujeitos históricos, econômicos e políticos. No
Estes dois fatores juntos viabilizam o surgimento
entanto, para que isso ocorra de forma efetiva há
de resultados negativos e a geração da má reputa-
necessidade da existência de políticas públicas vol-
ção da Química entre os discentes.
tadas para o setor educacional. Embora a discussão
Este estudo tem o intuito de verificar, entre
sobre a educação, suas contribuições para o avanço
alunos de rede pública e de rede privada, a opi-
de uma sociedade e a sempre necessária imple-
nião a respeito da disciplina de Química, além de
mentação de políticas sérias para o setor não seja
verificar os motivos que incentivaram tal avalia-
recente no contexto mundial, a realidade brasileira
ção. Pretende também constatar a participação
ainda é precária em propostas e ações concretas que
do professor no processo de aprendizagem destes
demonstrem compromisso com as reais necessida-
educandos e averiguar se a falta de laboratórios,
des dos indivíduos. Considerando a história social,
ou até de recursos de multimídia, influencia na
política e educacional brasileira, podemos afirmar
transmissão dos conhecimentos teóricos vistos em
que a existência de uma política de educação vol-
sala de aula. Ademais, o estudo tem, ainda, a inten-
tada para o povo em sua totalidade ainda está em
ção de investigar a probabilidade de estes alunos
processo de efetivação (Flach, 2011).
seguirem na carreira profissional de Química. Para
No Brasil, assim como nos países mais desen-
tanto, foram realizados questionários em escolas
volvidos, a educação é parte integrante das polí-
da rede pública e privada de ensino entre os alunos
ticas sociais e parte do núcleo do sistema de
do Ensino Médio e os professores responsáveis
promoção social por sua capacidade de ampliar
pela disciplina de Química.
as oportunidades e resultados para os indivíduos
72
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
e famílias, além de ser elemento estratégico para
os serviços oferecidos na educação particular. Aos
o desenvolvimento econômico. Por isso, absorve
grupos econômicos ligados ao setor da educação,
grande quantidade de recursos públicos. Mais
uma escola pública desqualificada e precária signi-
recentemente, ocorreram no país avanços impor-
fica aumento do mercado e, portanto, aumento dos
tantes na ampliação do acesso a todos os níveis e
lucros, pois mais alunos poderão atender. Também
modalidades educacionais, chegando à universali-
lucram com a venda de materiais didáticos para
zação do acesso ao Ensino Fundamental. A baixa
órgãos governamentais e com a venda de projetos
escolaridade média da população e a desigualdade
que prometem resolver os problemas de analfabe-
reinante ainda são, no entanto, graves problemas,
tismo (Nasser, 2011).
o que mantém na pauta das discussões políticas e
A democratização da aprendizagem e a uni-
econômicas a necessidade de universalização da
versalização dos direitos educacionais requerem
educação básica e de melhoria da qualidade da
tanto vontade política quanto uma sociedade civil
educação, bem como a eliminação do analfabe-
fortalecida, com espaço e voz para poder partici-
tismo, com inevitáveis impactos de longo prazo
par efetivamente do sistema educacional. É pre-
para a área (IPEA, 2010).
ciso mudar a maneira de se definir e implementar
Embora a discussão sobre a educação, suas
as políticas e práticas educacionais, distribuindo,
contribuições para o avanço de uma sociedade e
de maneira mais equitativa, os recursos para que
a sempre necessária implementação de políticas
a população brasileira possa desfrutar do direito
sérias para o setor não seja recente no contexto
à educação garantido pela Constituição Federal
mundial, a realidade brasileira ainda é precária
(Sacavino, 2006).
em propostas e ações concretas que demonstrem
Redes de ensino
compromisso com as reais necessidades dos indi-
2.2
víduos. Considerando a história social, política
O processo de escolarização no Brasil teve
e educacional brasileira, podemos afirmar que a
início em 1549, quando aportou no país a pri-
existência de uma política de educação voltada
meira expedição colonizadora enviada pela Coroa
para o povo em sua totalidade ainda está em pro-
Portuguesa. Essa expedição trazia, além de colo-
cesso de efetivação. Desde que o país deixou de
nos, artesãos e soldados, seis jesuítas, sendo qua-
ser Império e tornou-se uma República, as ques-
tro padres formados em Teologia na Universidade
tões educacionais têm contribuído para acaloradas
de Coimbra e dois estudantes de Teologia.
discussões, tanto entre especialistas quanto entre
Imediatamente após terem desembarcado no país,
leigos. Considerando como essencial a escolariza-
os jesuítas deram início à sua missão de escolari-
ção da totalidade da população, para que tanto o
zar a Colônia, fundando escolas para os índios (em
direito à educação como a cidadania deixem de ser
especial para lhes ensinar ofícios) e colégios para
discurso e se tornem fato concreto, pode-se afir-
a incipiente elite agrária de origem portuguesa. A
mar que essa discussão ainda é muito recente no
manutenção das escolas e dos colégios dos jesuítas
contexto brasileiro (Flach, 2011).
se dava graças ao dízimo do orçamento da Ordem
A construção de uma rede pública de educa-
dos Templários sediada em Tomar, Portugal.
ção para todos, gratuita e de qualidade, não é um
Tratava-se, portanto, de um subsídio privado
anseio de todos os setores que compõem a socie-
(Mesquida, 2009).
dade. Existem setores que se beneficiam da preca-
Entre 1549 e 1759, os jesuítas foram os respon-
riedade da educação pública, já que lucram com
sáveis pelo ensino na colônia latino-americana de
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
73
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
Portugal, desenvolvendo um ensino dual, prático/
educação pública, gratuita e de qualidade em todos
utilitário, por meio das escolas para índios e filhos
os níveis, etapas e modalidades (Brasil, 2013).
dos peões que trabalhavam para os donos das ter-
Nas duas últimas décadas vimos surgir no
ras (escola básica); e propedêutico, pelos colégios
Brasil um debate público sobre a necessidade
que preparavam a prole da elite agrária para dar
de melhorar a qualidade do ensino na educação
continuidade aos estudos na Europa, retornando
básica, em particular no Ensino Fundamental.
depois de formada para exercer sua função de diri-
Esse debate gira em torno essencialmente de três
gente política na colônia (Azevedo, 1971).
dimensões: (1) as medidas legislativas favoráveis
Os protestantes de origem missionária norte-
à reforma do sistema educacional brasileiro que se
-americana, metodistas, presbiterianos e batistas,
traduzem pela adoção da LDB (Lei de Diretrizes e
fundaram, em especial, colégios para os filhos
Bases); (2) as desigualdades estruturais ligadas aos
da elite republicana e da oligarquia agrária brasi-
financiamentos da educação pública e (3) a falta
leira na região mais desenvolvida do país, a região
de compromisso dos poderes públicos em favor de
sudeste, mas não esqueceram os filhos dos proletá-
uma educação básica (Akkari; Silva, 2009).
rios, pois abriram escolas paroquiais nas periferias
A baixa qualidade de aprendizagem na escola
das cidades em processo de industrialização, onde
pública contribui para o aprofundamento da
eram ministradas as primeiras letras, mediante o
pobreza e da desigualdade no Brasil, uma vez
pagamento de uma mensalidade considerada ‘sim-
que os alunos oriundos das camadas mais pobres
bólica’ (Mesquida, 1994).
recebem uma educação inadequada. A educação
Assim, o Estado brasileiro deixava nas mãos
ofertada nas escolas não contribui o suficiente
da iniciativa privada o ensino da elite, assumindo
para a promoção da cidadania e para o fortale-
o papel de estado educador para os filhos dos tra-
cimento da democracia no país. Um país onde a
balhadores. Portanto, enquanto a elite brasileira,
maioria recebe uma educação de baixa qualidade
em especial na região sudeste, era formada em
e que abandona a escola muito cedo, geralmente,
colégios confessionais/privados protestantes, e
enfraquece a qualidade da sua sociedade civil, que
mesmo católicos, tendo acesso a uma educação
se torna mais alienada e com menos poder de par-
apropriada à formação de dirigentes, os filhos dos
ticipação e intervenção nos processos de decisão
trabalhadores recebiam do Estado uma educação
(Iosif, 2007).
de pouca qualidade ministrada na rede estatal de
É difícil traçar um perfil sobre o ensino público
educação básica, uma educação capaz de formar
no Brasil, até porque o mesmo se apresenta de
trabalhadores dóceis e conformados (Frigotto,
maneiras diferenciadas, de acordo com a cultura.
2001).
Dessa forma, só é possível identificar elemen-
2.2.1
tos importantes da sua constituição, com vistas a
Rede pública
contribuir para o reconhecimento da realidade de
A Constituição Federal de 1988 definiu que a educação é direito de todos. Para que esse direito
parte importante da política educacional: a política escolar (Souza, 2010).
seja alcançado, a sociedade brasileira vem se orga-
Em contraste com grande parte dos países do
nizando a fim de que cada brasileiro, independen-
mundo, que se responsabilizou amplamente pela
temente do sexo, orientação sexual, identidade,
educação pública de seu povo, o poder público no
gênero, raça, cor, credo religioso, idade, classe
Brasil não garantiu esse direito para todos, optando
social e localização geográfica, tenha acesso à
por não institucionalizar o sistema nacional de edu-
74
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
cação como instrumento para concretização de seus
Ensino, complementando o Ato Adicional de 1834,
deveres. Tal opção contribuiu para que nossa his-
que por sua vez regulamentava a Constituição de
tória educacional fosse tributária de políticas públi-
1824. Consolida-se a livre iniciativa na educação por
cas, cuja marca tem sido a da exclusão, revelada
meio de uma escola privada autônoma em relação
pelo, ainda, alto índice de analfabetismo, pela pouca
ao Estado, acentuando a sua expansão, mormente a
escolaridade dos brasileiros, pelo frágil desempe-
da escola confessional naquele momento. O ensino
nho dos estudantes, pela não universalização da
privado prossegue a sua expansão não somente pela
educação básica e a não democratização de acesso
má qualidade da escola pública, mas, sobretudo,
à educação superior. Tudo isso resultando de uma
por um amplo entendimento da sociedade de que
lógica organizativa fragmentada e desarticulada do
a escola particular lhes oferecia perspectiva educa-
projeto educacional do país (Gracindo, 2010).
cional culturalmente enriquecida, universalizada e
Os fatores de maior incidência que prejudicam
prenhe de valores liberais (Alves, 2009).
a qualidade da escola pública seriam, de acordo
No período 1964-1973 o setor educacional pri-
com o Relatório Nacional sobre Direito Humano
vado prosperou. O crescimento da classe média nos
à Educação de 2003, o elevado número de alunos/
anos do ‘milagre econômico’ criou clientes para a
as nas salas de aula, a diminuição no tempo das
escola privada, os quais procuravam nessa rede
aulas, a precária qualificação dos professores/as,
prestígio social e alternativas ao ensino público que
com profissionalização frágil e baixos salários,
se deteriorava, devido aos interesses privados que
instalações materiais inadequadas e falta de apoio
prevaleciam nas políticas oriundas do Ministério
de material pedagógico. A estes fatores se somam
da Educação, secretarias de educação e conselhos
os de ordem cultural, que também têm um peso
de educação. No entanto, a prosperidade da rede
significativo quanto ao aproveitamento por parte
privada de educação foi ameaçada com a crise do
dos alunos/as (Sacavino, 2006).
‘milagre econômico brasileiro’. Nesse período,
2.2.2
Rede privada
A educação escolar no Brasil nasceu da ini-
setores da classe média migraram das escolas privadas para as escolas públicas, quando seus salários foram defasados pela crise (Nasser, 2011).
ciativa privada, quando, em 1533, os franciscanos
A cada ano, os dados do Censo Escolar feito
fundaram, na Bahia o primeiro estabelecimento de
pelo Ministério da Educação mostram uma queda
ensino em terras de Santa Cruz. A atuação da ini-
no número de estudantes brasileiros. Esse fenô-
ciativa privada na educação brasileira, em que pese
meno, no entanto, não tem sido percebido na rede
a variedade de formatos que assumiu ao longo dos
privada de ensino. Ao contrário das escolas públi-
últimos cinco séculos, deu-se de forma ininterrupta
cas, as instituições particulares ganham cada vez
na história do nosso país, consolidando uma con-
mais alunos. Entre 2012 e 2013, a rede cresceu
tribuição ímpar à formação e ao desenvolvimento
3,5%. A rede pública – que inclui os colégios fede-
da nacionalidade brasileira. Considerando o con-
rais, estaduais e municipais –, por sua vez, teve
texto colonial brasileiro, não é de se estranhar que
queda de 1,9% nas matrículas (Borges, 2014). Nas escolas privadas o aluno é o centro do pro-
a primazia do ensino privado tenha recaído sobre a escola confessional (Alves, 2009).
cesso e satisfazê-lo é a origem e o resultado de toda
Por uma diligência das elites brasileiras, em
ação. As escolas particulares também estão sinto-
consórcio com o clero católico e os intelectuais, o
nizadas com as demandas do mercado. Nesse tipo
Imperador aprova em 1854 a Lei de Liberdade de
de escola, o campo de forças tende sempre a favor
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
75
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
da clientela. A legislação brasileira, começando
poderia ser uma experiência intelectual estimu-
pela Constituição de 1988, passando pelo Estatuto
lante passa a ser um processo doloroso que chega
da Criança e do Adolescente e chegando às Leis de
a causar aversão (Oliveira; Martins, 2009).
Diretrizes e Bases prega o princípio educacional
Nos últimos 25 anos, uma efervescente comu-
da gestão democrática. Essa possibilidade poderia
nidade científica de educadores químicos – atuante
garantir uma maior participação proporcionando,
em estreita relação com a Sociedade Brasileira de
entre outras coisas, uma vivência interpessoal mais
Química (SBQ) e nela inserida por meio da Divisão
satisfatória (Naiff et al., 2010).
de Ensino – foi formada no país, com núcleos ati-
A legislação brasileira distingue dois tipos de
vos em praticamente todas as regiões. Entende-se,
instituições de ensino privado: instituições priva-
no âmbito da área, que, de forma geral, o ensino
das sem fins lucrativos (escolas religiosas confes-
praticado nas escolas não está propiciando ao
sionais, filantrópicas ou comunitárias) e institui-
aluno um aprendizado que possibilite a compreen-
ções privadas stricto sensu. As primeiras gozam de
são dos processos químicos em si e a construção
uma série de privilégios, tais como isenção fiscal e
de um conhecimento químico em estreita ligação
empréstimos com baixas taxas de juros pelo Banco
com o meio cultural e natural, em todas as suas
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
dimensões, com implicações ambientais, sociais,
(BNDES). As instituições confessionais ou filan-
econômicas, ético-políticas, científicas e tecnoló-
trópicas buscam se aproximar do status das institui-
gicas (Brasil, 2006).
ções públicas para poderem ter acesso aos fundos
A Química é uma disciplina que faz parte do
públicos. Elas se declaram ‘de utilidade pública’
programa curricular do Ensino Fundamental e
não estatais, graças ao seu caráter não lucrativo.
Médio. A aprendizagem de Química deve possibi-
A flexibilidade proporcionada pela LDB/1996
litar aos alunos a compreensão das transformações
favoreceu o setor privado, que busca apenas o
químicas que ocorrem no mundo físico de forma
lucro por meio da educação. As grandes empresas
abrangente e integrada, para que estes possam jul-
têm investido no setor com o único propósito de
gar, com fundamentos, as informações adquiridas
ganhar e aumentar seu capital financeiro. Os alunos
na mídia, na escola, com pessoas etc. A partir daí,
tornaram-se clientes/produtos e são negociados, em
o aluno tomará sua decisão e dessa forma, intera-
operações de compra e venda, pelas instituições
girá com o mundo enquanto indivíduo e cidadão
privadas de ensino (Akkari et al., 2011).
(PCN’s. MEC/SEMTEC, 1999).
2.3
O aluno deve ser capaz de compreender e não
A disciplina de Química no Ensino Médio
decorar os aspectos químicos de seu cotidiano, e
O ensino de Química é tratado de maneira tradi-
ao mesmo tempo raciocinar em termos científicos
cional e compartimentalizada, seguindo tendências
para solucionar problemas habituais. No momento
pedagógicas conservadoras. Tradicionalmente, as
em que ele não vê, de forma clara, a importância
ciências têm sido ensinadas como uma coleção de
de conhecer a Química, não é surpreendente que
fatos, descrição de fenômenos, enunciados de teo-
comece a repudiar a matéria, demonstrando um
rias a decorar. Assim, para muitos alunos, aprender
desinteresse com relação ao conteúdo desta disci-
Química é decorar um conjunto de nomes, fórmu-
plina (Borges; Silva, 2011).
las, descrições de instrumentos ou substâncias,
O atual ensino de Química, na maioria das
bem como enunciados de leis desconectadas da
vezes, prioriza a transmissão de informações,
realidade mais próxima. Como resultado, o que
definições e leis isoladas, memorização de fór-
76
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
mulas matemáticas e aplicação de ‘regrinhas’ sem
2.4
O professor de Química
qualquer relação com a vida do aluno, impossibilitando o entendimento de uma situação-problema.
Em levantamentos realizados pelo Ministério
Como consequência, os alunos passam a ter aver-
da Educação e Cultura (MEC), existem atualmente
são à Química e a frequência às aulas se torna um
cerca de 9 milhões de alunos matriculados no
fardo que eles têm que carregar até a conclusão do
Ensino Médio. No entanto, apenas para as discipli-
Ensino Médio (Ribeiro et al., 2003).
nas de Química, por exemplo, faltam, aproxima-
São muitas as variáveis que vão resultar nas
damente, 56 mil professores para as turmas de 5ª a
dificuldades de aprendizagem por parte dos estu-
8ª séries do Ensino Fundamental. O panorama não
dantes. E, para se chegar a uma solução do pro-
muda muito em relação aos professores com for-
blema, é preciso dar ênfase às pesquisas nesse
mação em Química para atuar no Ensino Médio.
campo e entender os diversos fatores que rodeiam
Contudo, existe ainda um cenário um pouco mais
essa complexa problemática. A disciplina de
complexo, quando nos referíamos a professores
Química vista no Ensino Médio é tida como um
com formação adequada para ministrar discipli-
assunto desinteressante pelos estudantes, ape-
nas ligadas às ciências exatas no Ensino Médio
sar de possuir um conteúdo totalmente presente
(Oliveira; Martins, 2009).
em nosso cotidiano. Pode-se relacionar o citado
Ensinar Química tem sido, nas últimas déca-
desinteresse a diversos fatores. Dentre eles vale
das, motivo de preocupação devido aos resultados
ressaltar: a) escolas, em geral, não possuírem, ou
negativos dos instrumentos de avaliação oficiais
não utilizarem laboratórios; b) não fazerem das
– Vestibular, ENEM, ENADE e outros – e à per-
bibliotecas um ambiente frequentado; c) não pos-
cepção que os estudantes e a sociedade têm do que
suírem recursos multimídia e métodos interativos
seja Química e produtos químicos. Os professores,
de aprendizagem; d) falta de contextualização do
‘maestros’ deste processo, vivenciam momentos
assunto (Sousa et al., 2010).
de frustração, por não terem em mãos as ferra-
Um dos objetivos da Química é que o jovem reconheça o valor da ciência na busca do conhe-
mentas que lhes permitiriam reverter essa situação (Quadros et al., 2011).
cimento da realidade objetiva e a insiram no coti-
O desinteresse de futuros profissionais pela
diano. Diante do exposto, se faz necessária a prá-
carreira docente, muitas vezes evidenciado na
tica de um ensino mais contextualizado, onde se
sala de aula, em cursos de licenciatura, e a falta
pretende relacionar os conteúdos de Química com
de entusiasmo de alguns estudantes pela profissão,
o cotidiano dos alunos, respeitando as diversida-
motivaram a realização de pesquisas, que buscam
des de cada um, visando à formação do cidadão,
discutir a respeito das possíveis causas para essa
e o exercício de seu senso crítico. A aula prática
realidade. Sabe-se que os desafios da profissão
é uma maneira eficiente de ensinar e melhorar o
docente no Brasil são muitos, dentre eles estão as
entendimento dos conteúdos de Química, facili-
más condições de trabalho, a baixa expectativa de
tando a aprendizagem. Os experimentos facilitam
renda, inexistência de planos de carreira, jornadas
a compreensão da natureza da ciência e dos seus
de trabalho excessivas, além de outras questões de
conceitos, auxiliam no desenvolvimento de atitu-
natureza formativa (Sá, 2009).
des científicas e no diagnóstico de concepções não
O educador é um dos principais responsáveis
científicas. Além disso, contribuem para despertar
pelo processo ensino/aprendizagem e o seu conhe-
o interesse pela ciência (Almeida et al., 2009).
cimento deve ir além do conteúdo da sua disciplina,
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
77
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
pois é necessário que ele tenha sensibilidade sufi-
pedagogia em geral. Neste particular, deve-se res-
ciente para reconhecer as dificuldades dos alunos
peitar a individualidade dos seus alunos e, princi-
e, desta forma, empregar uma linguagem de fácil
palmente, as diferenças que norteiam suas condu-
compreensão, sem, no entanto, deixar de ser uma
tas, pois para um ensino de qualidade, o que é um
linguagem científica. Adicionalmente, o profissio-
direito de todos, é fundamental oferecer aos jovens
nal da educação deve estar atento para o conhe-
a possibilidade de um futuro interessante e produ-
cimento sobre os desenvolvimentos científicos
tivo e, em particular, de serem agentes ativos do
recentes da sua área (Carvalho; Gil-Pérez, 2001).
desenvolvimento científico e tecnológico do nosso
A formação de professores é um tema há muito
país (Borges; Silva, 2011).
debatido e que perpassa aspectos variados como as necessidades formativas, a análise crítica da formação atual e as propostas de reestruturação curri-
2.5
Segmentos da carreira profissional na área da Química
culares. Assumindo que o professor de Química é
A profissão de químico, como entendida hoje,
um profissional cujo conhecimento químico deve
começou a se estabelecer no início do século
integrar-se ao conhecimento pedagógico, a for-
XIX, na Europa. A Química, anteriormente, era
mação desse profissional não deve desvencilhar
um denominador comum, uma auxiliar de várias
uma base de conhecimento da outra (Yamashita,
outras atividades: medicina, farmácia, mineração,
et al., 2009). O educador de Química deve utilizar
metalúrgica, tinturaria etc. Seus praticantes, ou
diferentes metodologias, marcando positivamente
seja, os químicos da época eram, sobretudo, pes-
a vida escolar do aluno, organizando o ensino de
soas que exerciam essas atividades, muitas vezes
modo que o estudante se sinta um ser ativo na
de forma artesanal (Rosa; Rossi, 2008).
sala de aula e não apenas um ouvinte, pois ensi-
Ao decorrer da formação acadêmica, o estu-
nar Química em si é muito mais que quadro e giz
dante de Química tem a oportunidade de escolher
(Nanni, 2004).
a modalidade que melhor lhe satisfaz, se licencia-
A Química tem sido apresentada aos alunos
tura ou bacharelado. O licenciado é um profissio-
como uma disciplina maçante, e a escola pode ser
nal que deve ter formação generalista, mas sólida
um dos ambientes propícios para começar a rever-
e abrangente nos conteúdos dos diversos campos
ter essa imagem ruim que ainda perpassa. O profes-
da Química, preparação adequada à aplicação
sor bem formado, crítico e consciente pode ajudar
pedagógica do conhecimento e experiências de
e muito a mudar essa imagem, colaborando com
Química e de áreas afins na atuação profissional
discussões de questões atuais em sala de aula, base-
como educador nos ensinos fundamental, médio
ando em conceitos químicos, discutidos com pro-
e superior. Complementarmente, o bacharelado
priedade e correção científica adequada para sub-
deverá ainda exercitar atividades em áreas especí-
sidiar a formação de opiniões (Rosa; Rossi, 2008).
ficas e de pesquisa acadêmica, de modo a prepará-
O professor é um agente social importante no
-lo para um mercado em crescimento e cada vez
processo de desenvolvimento do aluno, por forne-
mais exigente (Alves, 1998).
cer orientação sobre o comportamento social e o
Como os profissionais formados em Química
convívio com os outros. É fundamental que o pro-
podem atuar em diversos setores, é desejável que
fessor tenha conhecimento sobre os efeitos de sua
seja oferecida aos estudantes, ao lado de uma for-
conduta nas práticas escolares, implicando uma
mação sólida em conteúdos básicos e conteúdos
determinada concepção da sociologia, psicologia e
profissionais essenciais, formação complementar
78
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
específica e humanística diferenciadas, que contemplem as opções individuais, as necessidades
3
Metodologia
regionais e, em alguns casos, até mesmo as carac-
Este estudo é o resultado de uma pesquisa que
terísticas das instituições onde se formam. Esta
analisou a aceitabilidade da disciplina da Química
diferenciação deverá propiciar a formação de pro-
pelos alunos do Ensino Médio das redes pública e
fissionais mais habilitados à inserção no mundo do
privada de ensino. Para isso foram aplicados ques-
trabalho (Zucco; Pessine; Andrade, 1999).
tionários a esses alunos, bem como aos professo-
A área química caracteriza-se por processos
res que lecionam a matéria na escola. A pesquisa
físico-químicos nos quais as substâncias puras ou
foi realizada com 107 estudantes de duas escolas
compostas são transformadas em produtos. Esta
públicas e 83 estudantes de duas escolas privadas.
área tem uma grande abrangência, que vai das
Ambas as escolas estão situadas na região metro-
indústrias de grande porte que trabalham com a tec-
politana do Recife, em Pernambuco. Além disto,
nologia de ponta, até as de pequeno porte que uti-
foram praticados os questionários com 4 professo-
lizam processos rudimentares. A Química engloba
res de Química, sendo 2 de cada rede de ensino e 1
também um campo de atividades mais amplo, a
de cada instituição. A pesquisa feita com os alunos
exemplo do ligado aos laboratórios farmacêuticos
está descrita na Figura 1, e na Figura 2 o questio-
e de centros de pesquisa, e à comercialização de
nário realizado com os professores. O questionário
produtos químicos. Dentro deste setor observa-se
possui perguntas objetivas e subjetivas, com isso
uma grande diversidade de processos de produ-
os alunos foram instruídos a responder de acordo
ção, o que torna esta área muito abrangente. Entre
com suas convicções e com a maior veracidade
esses processos destacam-se: petroquímica; refino
possível. Diante disso, alguns estudantes só res-
do petróleo; alimentos e bebidas; papel e celulose;
ponderam as perguntas objetivas, deixando em
cerâmica; fármacos; cosmética; têxtil; pigmentos
branco as subjetivas, ou então apresentaram mais
e tintas; vernizes; plásticos e borrachas; fibras;
de uma resposta e, portanto, algumas questões não
álcool; fertilizantes; PVC (Brasil, 2000).
fecharam no 100%.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
79
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
1. Você gosta da disciplina de Química? ( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei 2. Você acha difícil aprender Química? ( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei 3. Por quê? 4. Você já teve alguma aula prática de Química? ( ) Sim ( ) Não 5. Seu professor utiliza ou já utilizou de recursos de multimídia, por exemplo, vídeos, pra ensinar Química? ( ) Sim ( ) Não 6. Você acha que as aulas práticas de Química ajudariam no seu aprendizado? ( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei 7. Você gosta do modo de ensino do seu professor de Química? ( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei 8. Você acha que se na hora de explicar a teoria, o professor fornecesse exemplos do seu cotidiano seria mais fácil aprender Química? ( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei 9. Qual a sua sugestão para melhorar o ensino desta disciplina? 10. Você alguma vez pesquisou as profissões na área da Química? ( ) Sim ( ) Não 11. Você gostaria de seguir carreira profissional no ramo da Química? ( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei 12. Por quê? 13. Qual a matéria que você mais gosta? 14. Você acha que a Química que você estuda está presente no seu dia a dia? ( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei 15. O que você utiliza para estudar Química fora do horário da aula?
Figura 1. Questionário aplicado aos alunos do Ensino Médio
1. Você é graduado na área de Química? ( ) Sim ( ) Não 2. Você é responsável por quantas turmas, com respeito a aulas de Química? 3. Você utiliza recursos de multimídia pra lhe auxiliar nas aulas? ( ) Sim ( ) Não 4. Se usa, informe quais são eles. 5. Se não usa, informe o motivo. 6. Quais as dificuldades que você encontra pra lecionar Química? 7. Qual o motivo que lhe fez optar por esta área profissional? 8. Quais as sugestões que você daria para melhorar o ensino da Química? 9. O que você faz pra ajudar na aprendizagem do aluno? 10. Nas turmas em que leciona você verifica que os alunos sentem dificuldade em aprender Química? ( ) Sim ( ) Não ( ) Não sei 11. Se observa dificuldades, informe o que você acha que acarreta este bloqueio. 12. Você alguma vez ministrou aulas práticas de Química? ( ) Sim ( ) Não
Figura 2. Questionário aplicado aos professores de Química
80
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
Vale lembrar que esse tipo de pesquisa não per-
Nesta primeira etapa do questionário já fica
mite uma generalização de resultados, porém pos-
evidente a pouca aceitação que a disciplina de
sibilita a formulação de hipóteses para o direcio-
Química tem perante os alunos do Ensino Médio
namento de futuras pesquisas (Sousa et al., 2010).
da rede pública de ensino de Pernambuco, o que não aconteceu na rede privada, visto que a maioria
4
disse que gostava da disciplina. Já no caso da per-
Resultados e discussões 4.1
gunta 2, se acham difícil a disciplina de Química,
Resultados dos questionários dos alunos
em ambas as redes a esmagadora maioria respondeu que tem dificuldade com a matéria. Se
A pesquisa para os alunos do Ensino Médio foi
somarmos os resultados das duas redes a situação
iniciada com a pergunta: Você gosta da disciplina
se torna ainda mais alarmante, pois em 190 alu-
de Química? Para a rede pública (RPB) de ensino
nos do Ensino Médio, 131 acham difícil aprender
foram obtidos os seguintes resultados: 35,5% res-
Química, o que corresponde a 68,9% do total dos
ponderam que sim e 64,5% disseram que não. Já no
entrevistados. Se levarmos em consideração que
caso da rede privada (RPV) os resultados obtidos
deste quantitativo de 190 estudantes, 52,6% res-
foram: 49,4% disseram que gostam da disciplina,
ponderam que não gostam da disciplina, podemos
37,4% responderam que não gostam e 13,3% não
pressupor que não gostam porque acham difícil
souberam responder. Em seguida a próxima per-
aprender a matéria. A partir disto foi questionado
gunta foi: Você acha difícil aprender Química? Na
aos alunos o motivo pelo qual eles responderam a
rede pública as respostas obtidas foram: 77,6%
questão 2. Foram obtidos os resultados demonstra-
acham difícil aprender Química, 14,9% responde-
dos no gráfico da Figura 3.
ram que não acham difícil e 6,5% não souberam
O resultado marcante no gráfico apresentado
responder. Para a rede privada os resultados foram:
na Figura 3 foi mesmo para a resposta de simples-
57,8% acham difícil, 28,9% não acham e 13,3%
mente achar difícil aprender Química, pois ambas
responderam que não sabem.
as redes ficaram próximo dos 50% do quantitativo
60% RPB
50%
RPV 40% 30% 20% 10% 0%
Não sabe
Método de ensino
Acha difícil
Não gosta
Acha que não usa no cotidiano
Estudar
Gosta da disciplina
Figura 3. Respostas dos alunos à questão 3.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
81
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
dos entrevistados em cada rede, em separado.
seus conhecimentos, o aluno deve reforçar o que
Além disso, observamos no gráfico apresentado
aprendeu em sala, estudando em casa também.
que um pouco mais de 20% dos estudantes da rede
Verificando o gráfico demonstrado na Figura 4,
pública informaram que seu desempenho na dis-
podemos perceber que uma parcela considerável
ciplina de Química depende do método de ensino
dos entrevistados de ambas as redes não estudam
empregado pelo professor. Já no caso da rede pri-
Química fora da sala de aula. Neste gráfico abaixo
vada este valor ultrapassou levemente os 10%.
estão descritos os números obtidos nas respostas
Este é um ponto em que muitas vezes o professor
da questão 15: O que você utiliza para estudar
desta matéria é criticado, pois ainda encontramos
Química fora do horário da aula?
muitos docentes que não se preocupam se os alu-
Neste gráfico observamos um quantitativo alar-
nos estão ou não absorvendo o que está sendo dito,
mante de discentes que não estudam Química fora
ou ainda de tentar tornar a matéria mais atraente e
do horário de aula. Para a RPB este número ultra-
fácil aos estudantes, utilizando, por exemplo, a fer-
passa os 50% e para a RPV fica acima dos 30%.
ramenta da contextualização. Isto pode ser obser-
Esta situação é preocupante, pois os alunos além
vado na Figura 3 na resposta: acha que não usa
de acharem a disciplina difícil ainda não estudam
no cotidiano. Mesmo obtendo percentuais baixos
em casa, o que acarreta notas baixas e um mau
estes números são preocupantes, pois os discentes
desempenho de um modo geral. Se considerarmos
deveriam ser capazes de observar a Química no
o percentual dos estudantes da RPB que responde-
seu dia a dia.
ram não saber, temos um catastrófico número que
Outro resultado importante neste gráfico é o
ultrapassa a barreira dos 70% de alunos que não
percentual de discentes da rede privada que infor-
estudam Química em casa. Neste âmbito a dispa-
maram que o ato de estudar pode ajudar no seu
ridade entre a rede de ensino pública e privada é
desempenho na disciplina. Podemos concluir, após
gritante, pois somando os que não estudam com
verificar o gráfico, que aproximadamente 15% dos
aqueles que não souberam responder na RPV não
alunos da RPV informaram no questionário que se
alcançamos nem os 40%, e desta forma deixando
estudarem podem obter sucesso na disciplina. Esta
bem claro que os alunos da RPV estudam mais em
informação é valiosa, pois mesmo que o profes-
casa do que os da RPB. Isto fica evidente na desi-
sor se esforce para transmitir de forma eficiente
gualdade dos números obtidos na forma de estudo
60% RPB
50%
RPV 40% 30% 20% 10% 0%
Livros
Internet
Não estuda
Caderno
Não sabe
Figura 4. Respostas dos alunos à questão 15.
82
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
de cada rede. Mais de 50% dos estudantes da rede
Na questão 7 foi perguntado aos entrevista-
privada informaram que utilizam a internet para
dos se eles gostavam do método de ensino do seu
estudar e 31,3% os livros. Já para a rede pública
professor de Química. Na RPV, 65,1% dos estu-
estes números somados não alcançam nem os 30%.
dantes afirmaram que gostam do modo de ensinar
Na pergunta 4 foi questionado aos entrevistados
do professor. Entretanto na RPB a situação é mais
se eles alguma vez já participaram de alguma aula
complicada, 39,2% disseram não gostar, 33,6%
prática. Neste momento do trabalho encontramos
gostam e 27,1% não sabem dizer. Mesmo a maio-
a maior disparidade entre as duas redes, pois os
ria dos entrevistados da rede pública dizendo que
resultados foram praticamente contrários. Na RPB
não gostam do método de ensino, os outros resul-
26,2% afirmaram ter participado de aulas práticas
tados, muito próximos, demonstram certa instabi-
e 72,9% negaram. Já para a RPV o resultado foi
lidade na situação. Na rede privada fica evidente
o oposto disto, 79,5% disseram já ter tido aulas
que os professores das duas instituições que passa-
práticas e 20,5% disseram que não tiveram. A aula
ram pelo questionário atingem seus objetivos em
prática no ensino da Química é uma ferramenta
sala de aula, mesmo a maioria dos alunos tendo
importantíssima para a demonstração de conceitos
afirmado que acham difícil aprender Química. No
transmitidos em sala de aula. Esta necessidade fica
caso da rede pública a situação é bem diferente;
evidente com os resultados obtidos na questão 6,
fica claro que os professores não atingem a maio-
que perguntou aos estudantes se eles achavam que
ria dos alunos e quando se olha o resultado obtido
as aulas práticas ajudariam no seu aprendizado. Na
na questão 2 para esta rede (77,6%), o cenário fica
rede pública 73,8% dos entrevistados afirmaram
óbvio.
que o uso de aulas práticas ajudaria no seu processo
Toda ciência demanda esforço e dedicação
de aprendizagem. Não foi diferente na rede privada,
para ser aprendida, e com a Química isto não é
pois 78,3% dos alunos também disseram que dese-
diferente. Por ser uma matéria que envolve muitos
jam aulas práticas para auxiliar o aprendizado. Se
cálculos e assuntos que requerem memorização,
olharmos de um ponto de vista geral, veremos que
a tendência natural é a repulsa. Contudo é neste
mais de 75% dos alunos, sejam eles da rede privada
momento que entra o professor. Ele é o veículo
ou pública de ensino, afirmaram que aulas práticas
das informações, e a forma como ele transmite
ajudariam no seu processo de aprendizagem.
o conhecimento é primordial em qualquer dis-
Na questão 5 foi perguntado se o professor uti-
ciplina. Para obter sucesso o docente deve estar
liza ou já utilizou alguma vez recursos de multi-
devidamente preparado e utilizar técnicas que tor-
mídia na sala para auxiliar no ensino da matéria. A
nem o processo de aprendizagem eficiente. O pro-
maioria dos estudantes de ambas as redes respon-
cesso de aprendizagem deve ser cativante ao dis-
deram que o professor nunca utilizou tais recursos.
cente, visto que ele demanda esforço e dedicação.
Os números obtidos foram: 53,3% para a RPB e
Por isso o educador precisa transmitir o assunto de
51,8% para a RPV. Este resultado poderia ser justi-
forma clara e objetiva, estimulando a participação
ficado com falta de material fornecido pela escola,
dos estudantes para que desta forma eles possam
mas se olharmos do ponto de vista que este ques-
se sentir motivados a agir por vontade própria,
tionário foi realizado com as três séries do Ensino
demonstrando interesse no estudo e se esforçando
Médio, esta justificativa não se aplicaria, pois
para aprender.
mesmo nas escolas públicas onde foram realizados
A pergunta 8 foi: Você acha que se na hora de
os questionários, havia pelo menos uma televisão.
explicar a teoria, o professor fornecesse exemplos
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
do seu cotidiano seria mais fácil aprender Química?
consideráveis, mais de 20% para a RPB e mais de
E as respostas obtidas foram: para os alunos da
10% para a RPV. Isto se torna um sinal de alerta
rede pública 71,9% concordam que seria mais fácil
para os docentes desta matéria, pois fica evidente
aprender Química contextualizando, 14% disse-
que eles não estão conseguindo atingir a todos
ram que não e 14% não souberam responder. Para
os alunos. E se formos olhar de um modo geral,
os estudantes da rede privada não foi diferente,
dos 190 entrevistados 18,9% informaram que sua
75,9% afirmaram que a contextualização ajudaria,
sugestão de melhoria para a disciplina seria trocar
4,8% disseram que não e 20,5% não souberam res-
o professor.
ponder. No ensino da Química o aluno deve ser
A questão 10 trata do interesse pela profissão de
capaz de relacionar os temas abordados durante a
químico. Foi perguntado o seguinte: Você alguma
aula com a realidade na qual está inserido. Para o
vez pesquisou as profissões na área da Química?
ensino de qualquer disciplina é necessário que o
Nesta questão a disparidade entre as duas redes
professor esteja disposto a alcançar todos os alu-
também é observada, pois mais uma vez obtive-
nos. Se ele for criativo e proativo, a contextuali-
mos resultados opostos. Na rede pública 15%
zação pode ser um bom caminho para obter êxito.
informaram ter pesquisado a respeito da profissão
Na questão 9 foi solicitado aos entrevistados
e 85% disseram que não. Já para a rede privada
que eles fornecessem sugestões de melhorias para
o resultado foi o contrário disso: 79,5% afirma-
o ensino da matéria de Química. Os resultados
ram terem pesquisado e 20,5% negaram. Mesmo
estão descritos no gráfico da Figura 5.
obtendo resultados opostos na questão 10, ambas
A maioria dos discentes respondeu que as aulas
as redes sincronizaram o resultado na pergunta
práticas seriam uma sugestão de melhoria para o
11: Você gostaria de seguir carreira profissional
ensino da disciplina. Em ambas as redes os núme-
no ramo da Química? Em cada rede aproximada-
ros ultrapassaram os 70% para as aulas práticas.
mente 70% dos entrevistados informaram não ter
E aqui mais uma vez percebemos a necessidade
interesse em seguir carreira profissional na área de
das aulas práticas, assim como foi informado na
Química. Dos 190 entrevistados apenas 15 afirma-
questão 6. Em seguida podemos observar que a
ram ter interesse em se tornarem um profissional
mudança do professor também alcançou números
da área da Química. Este é um dado alarmante,
60% 50% RPB
40%
RPV
30% 20% 10% 0%
Aulas práticas
Mudança de professor
Não sabe
Dinamismo
Contextualização
Não ter aula
Mais aulas
Nenhuma
Figura 5. Respostas dos alunos à questão 9.
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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
pois a área já se encontra defasada e a falta de inte-
apenas 5,6% gostam da área e 1,9% acham o setor
resse de futuros profissionais pela área é mais um
promissor. Na rede privada não foi diferente, 6%
fator complicador para a situação.
gostam da área e 1,2% acham o setor promissor.
A pergunta 12 foi justamente para que os
Em ambas as redes aproximadamente 25% dos
entrevistados explicassem o motivo pelo qual
entrevistados informaram que não sabem explicar
responderam a questão 11. Os resultados obtidos
o motivo de sua resposta. Este é um dado inte-
estão descritos no gráfico da Figura 6. Na RPB
ressante, pois demonstra a falta de convicção dos
34,6% dos alunos informou que não desejam
estudantes a respeito da área de Química, indi-
seguir carreira profissional na área de Química
cando assim que se forem instruídos corretamente
porque simplesmente não gostam da disciplina.
podem mudar de ideia.
Já para a RPV 34,9% dos estudantes afirmaram
A questão 13 foi a seguinte: Qual a matéria que
que não desejam seguir esta área porque querem
você mais gosta? O resultado obtido está descrito
ser profissionais de outras áreas. Na rede pública
no gráfico da Figura 7.
40% 35%
RPB
30%
RPV
25% 20% 15% 10% 5% 0%
Não sabe
Não deseja esta área
Acha difícil
Não gosta
Gosta da área
Acha a área promissora
Figura 6. Respostas dos alunos à questão 12.
25% RPB
20%
RPV
15% 10% 5%
a um nh Ne
o
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0%
Figura 7. Respostas dos alunos à questão 13.
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
Na rede pública as duas que praticamente
a ânsia de relacionar o que aprendem em sala de
empataram na preferência da maioria foram
aula com o seu dia a dia. Esta é uma competência
Português e História, ambas alcançando aproxi-
que deve ser incentivada pelo professor, visto que
madamente 25% dos alunos. Em seguida temos
a Química está presente em quase tudo que nos
Matemática com 20,6% e Biologia com 14,9%.
rodeia. Na questão 9, onde foi solicitado aos dis-
Para a rede privada a maioria (21,7%) informou
centes propostas de melhorias, em ambas as redes
que Matemática é sua matéria preferida, seguida
aproximadamente 10% dos entrevistados afirma-
de Biologia com 18,1% e História com 10,8%. A
ram que contextualizar conceitos ajudaria no seu
disciplina de Química em nenhuma das duas redes
aprendizado.
ultrapassou a margem dos 5% dos entrevistados,
Resultados dos questionários dos professores
chegando a perder na preferência dos estudantes
4.2
para a matéria de Física, que em ambas as redes
Foi solicitado aos professores de Química das
ultrapassou os 5%. Este é um dado interessante,
quatro instituições participantes nos questionários
pois assim como a Química, a Física também é
dos alunos que respondessem a uma série de per-
uma disciplina rejeitada pela maioria dos alunos e
guntas. Neste caso cada escola teve seu represen-
mesmo ainda obteve mais aceitação.
tante docente e, portanto, participaram do processo
Na questão 14 mais uma vez foi levantado o
4 professores, sendo 2 da RPB e 2 da RPV. Este
assunto da contextualização em sala de aula. Foi
trabalho objetivou não apenas saber as opiniões
perguntado aos alunos: Você acha que a Química
e necessidades dos alunos, mas também observar
que você estuda está presente no seu dia a dia?
e relatar as dificuldades diárias dos professores
Na RPB 53,3% confirmaram que a Química está
durante o exercício de sua função. É importante
presente em seu cotidiano, 29% responderam que
também olhar a situação do ponto de vista do
não e 17,8% disseram não saber. Já na rede pri-
docente que muitas vezes não encontra apoio na
vada 72,3% afirmaram a presença da Química no
escola, é sobrecarregado com muitas turmas, é mal
seu dia a dia, 15,6% disseram que não está e 12%
remunerado, enfim uma série de obstáculos que
não sabem. Mesmo a maioria afirmando o óbvio,
impedem o seu desempenho em sala.
o percentual de entrevistados que responderam
Começamos o questionário indagando ao pro-
diferente disto é preocupante. Se focarmos na rede
fessor se ele era graduado na área de Química.
pública estes valores são ainda mais alarmantes,
Todos afirmaram serem formados em Química,
pois aproximadamente a metade dos alunos que
com exceção de um professor da RPB. Este é um
passaram pelo questionário não reconhecem a
dado importante, pois encontrarmos professores
Química ao seu redor.
lecionando sobre uma área na qual não são gra-
Se relacionarmos os dados obtidos nas ques-
duados, não é incomum na rede pública. Como foi
tões 8 e 14, poderemos perceber a necessidade
verificado nos resultados obtidos nos questioná-
latente pela contextualização de conceitos quími-
rios dos alunos, a Química não é bem aceita e se
cos. Como já foi observado anteriormente, na rede
ainda somarmos a falta de preparação do educador
pública quase a metade dos alunos desconhece
a esta equação o resultado sempre vai ser ruim.
a Química no seu cotidiano, mas ainda sim afir-
É imprescindível a formação profissional na área
mam que precisam começar a notá-la. Na questão
para que o educador transmita com confiança e
8 percebemos que em ambas as redes a esmaga-
propriedade seus conhecimentos. E se levarmos
dora maioria (acima dos 70%) dos alunos sentem
em consideração que para a melhoria no ensino
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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
da Química, a mais votada foi a aula prática, é
os estudantes se interessem mais pelos assuntos
de suma importância que o docente seja graduado
abordados em sala de aula.
em Química. Este resultado também demonstra a
Sobre as dificuldades que encontram para
defasagem na qual se encontra a área docente no
lecionar Química, os educadores concordam que a
ramo da Química, pois as instituições estão preci-
falta de motivação e interesse dos alunos é o maior
sando recorrer a outros profissionais de áreas cor-
empecilho no processo de ensino-aprendizagem.
relatas para substituir o vazio deixado pela falta de
Um dos professores da rede privada relatou que
professores formados e preparados para lecionar
a inexistência de aulas práticas e o quantitativo
Química.
de alunos em sala, se tornaram um problema para
Em seguida foi questionada aos professores a
lecionar a disciplina. Já na RPB, um dos profes-
quantidade de turmas pelas quais eles eram res-
sores confessou que a falta de preparo na base da
ponsáveis pelas aulas de Química. Neste âmbito
disciplina de Matemática atrapalha no andamento
houve uma disparidade entre os profissionais da
das aulas de Química. A Química é uma ciência
RPV para os da RPB, pois os da rede privada afir-
exata, e portanto demanda cálculos na maioria dos
maram serem responsáveis por mais turmas do que
conceitos, com isso a colocação do educador se
os da rede pública. Os resultados para os profes-
torna válida. Um dos motivos pelo qual o aluno só
sores da esfera privada ficou aproximadamente
começa a ter contato com a disciplina de Química
em 20 turmas cada um, já no caso dos da rede
no último ano do Ensino Fundamental é para que
pública estes números não ultrapassaram 5 turmas
ele tenha uma base necessária para iniciar e acom-
cada um. Era de se esperar que os educadores da
panhar os conceitos da matéria.
RPB fossem responsáveis por mais turmas que os
Posteriormente foi questionado aos entrevis-
da RPV, entretanto podemos pressupor que com
tados o motivo pelo qual ele escolheu ser profes-
a defasagem de profissionais na área de Química
sor de Química. A maioria respondeu afinidade
é mais provável que os alunos da rede pública
com a área, o que com certeza é um dos parâme-
fiquem sem aula nesta disciplina do que os da rede
tros necessários para obter sucesso com qualquer
privada e por isso os docentes da RPV estariam
setor profissional que o indivíduo queira seguir.
com mais turmas que os da RPB.
Contudo, um dos docentes da RPV respondeu o
Ao serem indagados a respeito da utiliza-
seguinte: “Ser um professor melhor do que os que
ção de recursos de multimídia para auxiliar nas
tive na rede pública.” Esta afirmação só fortalece
aulas, todos afirmaram que usam estas ferramen-
o que até agora foi dito neste trabalho sobre a falta
tas. Dentre os citados foi unânime a informação
de preparação e dedicação de uma boa parcela dos
de utilização de data show. Com o advento da era
professores no Brasil. A questão da má formação
tecnológica, a capacidade de interligar os conheci-
dos licenciados já é uma questão bastante discutida
mentos teóricos obtidos em sala de aula com uma
e esta resposta fornecida por um dos profissionais
experiência virtual deve ser uma competência esti-
formados na área de licenciatura só fortalece esta
mulada pelos professores aos seus alunos. O dis-
situação.
cente deve ser capaz de utilizar técnicas ciberné-
Na questão 8 solicitamos que os educadores
ticas para facilitar seu processo de aprendizagem,
fornecessem sugestões de melhorias para o ensino
visto que os recursos de multimídia, de um modo
da Química. Dos 4 professores que passaram pelo
geral, são uma arma muito valiosa em sua prepa-
questionário, 3 responderam que mais horas de
ração acadêmica. O uso da tecnologia faz com que
aulas seria um fator importante para o andamento
Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
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Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
da disciplina. Eles informaram que o quantitativo
seguida foi questionada sua opinião para a geração
de horas/aulas atual torna o conteúdo bastante
deste bloqueio, e aqui sim os educadores foram
resumido. Um dos professores da RPV também
coerentes com suas respostas anteriores. Mais uma
informou que a inserção de aulas práticas seria
vez a falta de dedicação dos alunos e sua abstração
importante para a consolidação dos conceitos teó-
em sala foram mencionadas como fatores primor-
ricos abordados em sala. Além disso, foi levantada
diais para a resistência com a disciplina.
a questão da pouca infraestrutura das escolas, o
Por último foi perguntado aos docentes se
que com certeza é um fator crucial, principalmente
eles já haviam ministrado aulas práticas, e apenas
se objetivarmos a construção de um laboratório na
1 professor negou ter dado aulas experimentais.
instituição.
Como já dito anteriormente, a aula prática é uma
Quando questionados a respeito das técni-
ferramenta importantíssima para a consolidação
cas utilizadas para ajudar no processo de apren-
de conceitos químicos. Contudo ser formado na
dizagem de seus alunos, os professores em sua
área e estar devidamente preparado para lecionar
maioria responderam que utilizam de exercícios
experiências deve ser um fator a ser observado
constantes, revisões e seminários. Estas ferramen-
antes de qualquer intuito neste sentido. O esforço
tas são importantes, contudo ao decorrer do ano
para a construção de laboratório em escolas
letivo estas técnicas se tornam insuficientes para
secundaristas também deve ser emergente, pois a
cativar o aluno e fazer com que seu desempenho
situação atual está desfavorável para a disciplina
na matéria seja pelo menos bom. Neste ponto é
de Química.
importante sugerir a utilização dos recursos informatizados e de outros como, por exemplo, a televisão para a transmissão de vídeos de experiên-
5
Considerações finais
cias químicas. Vale salientar também que para o
Diante dos resultados obtidos nos questionários
uso correto dos recursos de multimídia o docente
foi possível constatar que a Química não é bem
deve estar capacitado, pois a falta de conheci-
aceita pelos alunos do Ensino Médio de ambas as
mento nesta área não deve ser uma barreira para o
redes, pública e privada. Ficou claro que os estu-
uso destas tecnologias. E para isso ele deve estar
dantes possuem uma verdadeira relação de repulsa
sempre em processo de atualização, se mantendo
com a matéria e com isso se dedicam menos a
assim interligado com seus alunos e apto à utiliza-
estudá-la. Esta situação implica diretamente na
ção destas possibilidades.
dificuldade de aprendizagem relatada pela grande
Na questão 10 indagamos aos educadores se nas turmas em que lecionam Química eles verifi-
maioria dos discentes, tanto da rede pública quanto da privada.
cam que os alunos sentem dificuldade em apren-
É preciso atentar a esta realidade o mais rápido
der a matéria. Dos 4 professores participantes, 3
possível, pois estamos com cada vez mais alunos
afirmaram notar esta complexidade em relação à
repudiando a Química e assim gerando um errôneo
Química. E aqui notamos a confirmação dos resul-
conceito para as gerações futuras. A situação é tão
tados obtidos na pergunta 2 do questionário dos
alarmante que o discente que ainda não estudou
alunos. O que fazer para mudar esta situação deve
a disciplina já tem a opinião de que a matéria é
ser uma prioridade dos educadores, e a partir daí
ruim. Desfazer este mito deve ser o pontapé inicial
traçar metas para atingir de forma positiva estes
para modificar as circunstâncias desfavoráveis nas
alunos e modificar esta situação preocupante. Em
quais a matéria se encontra.
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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada
Constatamos ainda que o método de ensino
de profissionais graduados na área de Química e
utilizado pelo professor influencia diretamente no
isto pode ser explicado devido à pouca aceitação
desempenho dos alunos e sua dedicação às aulas.
que a disciplina tem com os alunos secundaristas.
Esta observação é na verdade uma realidade óbvia,
Afinal são os estudantes concluintes que ao tér-
pois é ofício do educador tornar a aula atrativa aos
mino do Ensino Médio passam por um vestibular
discentes, e cativar a todos deve ser uma meta a
para concorrer a vagas em universidades para se
ser alcançada sempre. A forma empregada para
prepararem para o seu futuro profissional. E pelo o
atingir este objetivo, segundo a maior parte dos
que foi visto nesta pesquisa, pouquíssimos querem
estudantes, deve ser a inserção de aulas práticas. A
se preparar para serem profissionais da Química.
utilização de laboratórios foi a melhoria no ensino
É preciso reformular o método de ensino para
da Química mais votada pelos alunos do Ensino
torná-lo mais cativante aos alunos. Para isso é
Médio, em ambas as redes, e isto não é uma novi-
necessário que o professor tenha força de vontade
dade. Sabe-se que a Química é uma ciência predo-
para reverter a situação e com isso fazer sua aula
minantemente prática, e por isso esta proposta é
mais dinâmica e atual. Dar aulas apenas apresen-
bastante válida e deve ser levada em consideração
tando conceitos e resolvendo exercícios não pode
urgentemente.
ser uma metodologia constante durante o ano esco-
A respeito dos professores, concluímos que as
lar. O educador deve contextualizar as definições,
dificuldades relatadas para o ensino da Química
afinal a Química é uma ciência que está presente
foram as mesmas, abstração dos alunos e falta de
em quase tudo que nos rodeia, e o aluno deve ser
dedicação. É contra isso realmente que todos os
capaz de pelo menos perceber isto.
professores de todas as disciplinas lutam, pois a tendência natural dos adolescentes é se abstrair com o colega ao lado ou até mesmo com o celular. É por isso que o uso de tecnologias que possam atrair a atenção dos estudantes deve ser mais comum em sala de aula. A ferramenta de data show foi a que os professores informaram que mais usam, mas há outras que também podem ser utilizadas para lecionar Química. A utilização de televisões para a transmissão de vídeos que contenham experiências Químicas é uma boa alternativa. Depois de tudo que foi comentado neste trabalho, foi possível concluir que precisamos agir o mais rápido possível, pois a disciplina de Química está altamente rejeitada, e isto está espelhando na escolha profissional destes alunos. Como verificamos, pouquíssimos entrevistados afirmaram ter intenção de seguir na carreira de Química e muitos disseram que nem pesquisaram a respeito por causa da sua opinião em relação à matéria. Estamos presenciando uma falta cada vez maior
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Química Verde 01 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
p. 93-108
A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico1 The Complexity of Safety in the Chemical Laboratory Adélio A. S. C. Machado2
RESumo Este artigo tem como objetivo alertar os docentes e investigadores de Química para a necessidade de se prestar mais atenção ao ensino da segurança laboratorial na Química e de se mudar o modo como este é realizado. São discutidos dois temas básicos de alcance global: a relação da segurança laboratorial com a segurança química em geral e a segurança ocupacional; e a natureza complexa dos perigos químicos. A discussão permite evidenciar a enorme complexidade da segurança química, cujo tratamento requer postura sistémica. O reconhecimento desta barreira é importante para se poder concretizar a mudança presentemente requerida no ensino da segurança laboratorial. Palavras-chave: Segurança química; Segurança laboratorial; Acidentes químicos; Química Verde; Complexidade. AbstrAct This report aims at alerting the Chemistry community to the need of giving more attention to laboratory safety teaching and changing the way this is implemented. Two basic topics of large scope are discussed: the relationships of laboratory safety with the broader chemical safety and with occupational health and safety; and the complex nature of chemical hazards. The discussion shows the huge complexity of chemical safety, which requires a systemic mindset to be dealt with.
1. Nota da Editora – este artigo mantém a ortografia original em que foi elaborado por seu autor, residente em Portugal. 2. Departamento de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Portugal.
A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
The acknowledgement of this barrier is important due to the strong pressure felt nowadays to reformulate the present way of laboratory safety teaching. Key-words: Chemical safety; Laboratory safety; Chemical accidents; Green Chemistry; Complexity.
1
(UCLA), em 2008, com uma investigadora júnior,
Introdução Este artigo é dirigido aos professores de Química, referindo-se à segurança no laboratório, um tema que foi adquirindo importância crescente ao longo do século XX (Nelson, 1999; Hill, 2007), devido à ocorrência frequente de desastres, nalguns casos com danos sérios, incluindo mortes de químicos, investigadores, estudantes etc., que foram homenageados recentemente num ‘e-mural’ recordativo (LSI, 2015).
3,4
No entanto, o ensino
da segurança laboratorial (SL) nas licenciaturas em Química é ainda considerado secundário e frequentemente marginal (Hill; Nelson, 2005; Sarquis, 2003), embora tenha vindo a merecer atenção acrescida nos últimos anos, na esteira de um desastre ocorrido num laboratório da Universidade da Califórnia, polo de Los Angeles 3. O e-mural inclui mortes em laboratórios de todos os tipos e ramos, não apenas laboratórios químicos, registrando mortes decorrentes de acidentes no laboratório ou de doenças profissionais contraídas no laboratório (p. ex., Madame Curie, em 1934, com leucemia contraída por exposição a radiação nuclear), desde os princípios do século XX. Embora a qualidade dos dados não seja homogénea, o e-mural pode servir como base de atividades com alunos para mostrar de forma incisiva a importância da segurança no laboratório (embora se tenha de ter cuidado para não afastar os alunos do laboratório na aprendizagem da Química!). 4. Note-se que o e-mural está já desatualizado, havendo notícia de outros acidentes mortais ocorridos recentemente. Em 18 de dezembro de 2015 ocorreu uma explosão na Universidade de Tsinghua, Beijing, China, que provocou a morte de um investigador pós-doutorado (Cyranoski, 2015). Um comentário sobre este acidente (Jia, 2016) refere outro acidente mortal ocorrido em 5 de abril de 2015 noutra universidade chinesa. Estas e outras notícias e comentários na literatura científica ocidental sobre o acidente de Beijing (Kemsley, 2016; Benderly, 2016) são aqui referidas porque exemplificam a celeuma societal presentemente causada por acidentes nos laboratórios químicos (excluíram-se notícias publicadas na imprensa não científica).
94
Sheharbano (“Sheri”) Sangji, que faleceu em consequência de queimaduras graves resultantes de um derrame de um composto pirofórico que lhe incendiou as roupas (Kemsley, 2009a, 2009b). Este acidente, já conhecido pelo nome “Sangji/ UCLA”, tem vindo a tornar-se icónico, no sentido em que grandes acidentes industriais o foram, p. ex., os de Flixborough (Mannan, 2014b) e de Bophal (Mannan, 2014c; Machado, 2010), porque foi muito divulgado na comunicação social, em consequência de quer a universidade, quer o professor responsável pelo trabalho da investigadora, terem sido objeto de processos judiciais (um cínico diria que a morte da investigadora parece ter sido um aspeto secundário!). Tal como os referidos acidentes industriais despoletaram enormes avanços no campo da segurança da Indústria Química, este acidente tem vindo a pressionar o desenvolvimento de uma nova atitude perante a SL. Por exemplo, vários relatórios recentes publicados nos EUA têm chamado a atenção para a necessidade de a segurança nos laboratórios académicos de química merecer muito mais atenção por parte dos docentes e investigadores: um relatório da Sociedade Americana de Química (ACS) sobre o futuro do ensino da Química (ACS, 2012), que prescreve mudanças compreensivas e sistémicas para o melhorar, dá grande atenção ao ensino da SL numa secção intitulada “Segurança como uma Cultura” (“Safety as a Culture”, p. 36-39); relatórios de dois workshops sobre o ensino universitário da Química organizados pela Academia Nacional de Ciências dos EUA (NRC, 2012, 2014) prescrevem uma inclusão mais eficaz da aprendizagem da
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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
SL nas licenciaturas em Química; a Comissão de
que lhes seja útil ao longo da vida profissional,
Segurança da ACS publicou dois relatórios sobre
o que requer uma mudança de postura no ensino
SL, um sobre o estabelecimento de “Culturas de
que vem sendo defendida por vários autores desde
Segurança” nas instituições académicas (ACS
o princípio do século XXI (Fivizzani, 2000; Hill,
CCS, 2012), outro sobre a identificação dos peri-
2004; Alaimo, 2005; Fivizzani, 2015; Fivizzani,
gos nos laboratórios de investigação (ACS CCS,
2016), sem conseguimento eficaz; a necessidade
2014), ambos de leitura proveitosa para os inte-
de um aumento de nível do estatuto do campo de
ressados em SL. Também na Europa o problema
investigação da SL (Gibson; Wayne, 2013; Gibson
da SL tem despertado interesse acrescido, embora
et al., 2014).
menos incisivamente que nos EUA (Evans, 2014;
O objetivo fundamental deste artigo é alertar
Wrightson, 2014; Fishwick, 2014).
os docentes químicos de língua portuguesa para
Este contexto impõe que se passe a dar mais
a importância crescente da SL e a necessidade
atenção ao ensino da segurança nos laboratórios
do incremento do seu ensino como componente
académicos, quer de ensino quer de investiga-
básica das atividades nos laboratórios académi-
ção. O ensino desenvolvido ao longo do século
cos, incluindo os de investigação, mediante uma
XX, realizado vulgarmente nos laboratórios de
análise de barreiras que dificultam a adoção da
ensino da Química Geral e de Síntese Orgânica ou
desejada nova postura. Mais precisamente, serão
Inorgânica, proporciona treino direto sobre como
tratados dois temas de índole geral, relevantes para
lidar com os perigos potenciais das técnicas ensi-
mostrar que as dificuldades do ensino da SL resul-
nadas e trabalhos realizados; quanto aos laborató-
tam da sua extrema complexidade, o que dificulta
rios de investigação, os supervisores e colegas já
que as pressões presentemente vigentes produzam
com experiência transmitem informalmente a sua
uma evolução eficaz do respetivo ensino nos cur-
experiência aos recém-chegados. Assim, o ensino
sos de Química, continuando a acontecer acidentes
praticado é redutor, de alcance restrito, o que cons-
graves (ver a nota 4). Assim, na seção 2, discute-se
titui uma severa limitação, embora a abordagem
o enquadramento da SL nos campos mais vastos
seja útil para conseguir efeitos imediatos: obter
da Segurança Química (SQ) e da segurança ocupa-
segurança nas tarefas a realizar. Este tipo de ensino
cional (melhor, Saúde e Segurança Ocupacional,
tem de evoluir para uma modalidade com base
SeSO) e na seção 3 analisa-se a natureza complexa
teórica mais fundamentada, que proporcione aos
dos perigos químicos. Finalmente, nas conclusões
alunos de Química uma educação formal e mais
(seção 4), referem-se brevemente as implicações
estruturada no campo, permitindo-lhes lidar com
da complexidade quanto às desejáveis alterações
os variados problemas de segurança que encon-
na incorporação do ensino da SL no cursos de
trarão no seu futuro profissional; este objetivo
Química.
implica um ensino de alcance mais amplo e que permita uma visão sistémica sobre as novas situações encontradas. A mudança requerida envolve variados aspetos, p. ex., o modo como o ensino
2
Segurança Química, segurança ocupacional e segurança laboratorial
é implementado, não só nas licenciaturas com
Nesta secção apresenta-se uma visão do modo
também nas atividades de pesquisa académica no
como a SL da Química se insere na SQ global e
domínio da Química; a importância da aquisição
na SeSO, em ambos os casos campos muito mais
pelos licenciandos de uma cultura de segurança
amplos e diversificados (ver Figura 1). Uma breve
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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
história da emersão destas ‘três seguranças’ e a aná-
(Geiser, 2001). Por outro lado, quando se consi-
lise do seu inter-relacionamento faz sentir a comple-
dera em globo o respetivo ciclo de vida (produção,
xidade deste campo da Química, em particular da
manuseamento, transporte e utilização), muitos
área em foco neste artigo, a SL, apesar do alcance
dos produtos químicos envolvem perigos poten-
desta ser mais restrito que os das outras duas.
ciais variados para a saúde humana e o ambiente (em sentido lato, incluindo a biosfera e todas as outras esferas que constituem a Terra). Tais perigos implicam inúmeras possibilidades de ocorrên-
Segurança Química SQ
cia de impactos nocivos sobre a saúde humana e os
Segurança Ocupacional SeSO
ecossistemas (deterioração dos balanços inerentes
Segurança Laboratorial SL
ao seu funcionamento, perda da capacidade para cumprirem funções etc., até disrupção profunda), resultantes das variadas utilizações dos nume-
Figura 1. Diferentes ‘seguranças’ em jogo na Química.
rosos produtos químicos presentemente em uso. Com a emersão do moderno ambientalismo, nos anos 1960, a sociedade tomou progressivamente
2.1
consciência do amplo leque de danos ambientais
Segurança química
com origem na Química, o que obrigou a uma
Os produtos químicos são omnipresentes na
mudança de postura da Indústria Química (Spitz,
vida diária dos cidadãos dos países desenvolvi-
2003; Esteghamat, 1998): esta passou a dar aten-
dos e essenciais para suportar a sua qualidade,
ção, crescentemente mais alargada e profunda, aos
prevendo-se que o Desenvolvimento Sustentável
perigos potenciais das substâncias químicas, com
implique um aumento acentuado da sua produção
o objetivo último de obter segurança – impedir que
para satisfazer as necessidades das populações
se manifestem como perigos reais em desastres
dos países em desenvolvimento (Machado, 2009).
com impactos imediatos, ou provoquem impactos
Presentemente, a produção mundial de produtos
diferidos na saúde humana e da biosfera, e outros
químicos está a crescer a taxa de ca. 3% ao ano,
danos ambientais.
muito superior à da população (0,8 % ao ano), o
Este esforço começou por envolver varia-
que corresponde a duplicar a produção num quarto
das linhas de acção para impedir ou controlar as
de século (Wilson; Schwarzman, 2009). A proe-
emissões de substâncias químicas perigosas para a
minência societal da Química Industrial resulta
atmosfera, o seu lançamento para as águas super-
de a produção de uma vasta gama de produtos e
ficiais em efluentes, a exposição a substâncias
serviços fulcrais para a economia envolver uma
nocivas para a saúde humana de trabalhadores e da
grande variedade de produtos químicos, usados
população em geral etc., p. ex.: legislação e regu-
em praticamente todos os processos industriais
lamentação; construção de barreiras de retenção e
e produtos comerciais e que constituem presen-
outras proteções físicas; tratamentos de resíduos
temente a principal base material da sociedade
tóxicos antes de deposição final no ambiente etc.
5
Esta estratégia reativa minorou alguns dos efeitos 5. Embora em muitos dos produtos comerciais a ‘presença’ seja apenas virtual: parte dos produtos químicos foram usados no fabrico, mas não foram integrados fisicamente no produto.
96
ambientais da Indústria Química, mas mostrou-se ineficaz em muitos casos, embora fosse quase sempre dispendiosa, porque no ciclo de vida de mui-
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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
tas das substâncias artificiais há frequentemente
globais, porém, esta postura precaucionária implí-
vários pontos de fuga para os compartimentos
cita na segurança inerente e na QV, não foi ainda
ambientais, onde elas persistem e se acumulam,
incorporada na legislação em nível global, p. ex.,
ou se transformam e produzem efeitos em cascata.
o Quadro 1, respigado de (Schwarzman; Wilson,
Em face do êxito apenas relativo destas medi-
2009), mostra o contraste entre a postura reativa
das a posteriori, isto é, aplicadas após o fabrico
tradicional ainda vigente nos EUA (usada na lei
de substâncias perigosas, a procura da segurança
US Toxic Substances Control Act, TSCA, pro-
evoluiu posteriormente para a introdução de postu-
mulgada em 1976) e a postura proativa da legis-
ras proativas de eliminação dos perigos realizada
lação da UE (adotada na legislação “Registration,
a priori, p. ex., o desenvolvimento de processo
Evaluation and Authorization of Chemicals”,
inerentemente seguro pela Engenharia Química
REACH, promulgada em 2006, cuja aplicação está
(Kletz, 1996) com vista a reduzir os acidentes
presentemente em desenvolvimento). A manuten-
industriais e, posteriormente, a Química Verde
ção da postura reativa implica um mercado de pro-
(QV), um esforço sistémico de reformatação
dutos químicos em que a segurança para a saúde
intencional da Química com o objetivo de eliminar
humana é subvalorizada com respeito à função,
ou atenuar a sua perigosidade, num quadro mais
performance e preço dos produtos, o que suporta
amplo de obter benignidade ambiental em sentido
a competitividade económica e sustentação no
lato (Anastas; Warner, 1998). O relacionamento
mercado de produtos químicos perigosos e des-
entre a segurança inerente e a QV ao longo desta
motiva investimentos e investigação nos campos
evolução foi discutido num artigo em que se abor-
da QV e das tecnologias mais limpas (Wilson;
dou a génese da QV (Machado, 2011). Em termos
Schwarzman, 2009). No entanto, é ainda cedo
Quadro 1. Pontos de contraste entre as legislações sobre produtos químicos dos EUA e UE.* UEEUA REACHTSCA
EUA TSCA
Ónus da prova
Fabricantes – devem: • Não são exigidos dados sobre perigos aos fabri• Fornecer dados sobre os perigos cantes • Demonstrar a segurança ou controlo ade- • Compete ao estado a obtenção de dados que quado no uso de produtos problemáticos provem os perigos
Produtos novos
Produtos introduzidos após 1981: dados requeridos que variam com o volume de produção anual
Requerida notificação antes do fabrico mas não qualquer conjunto mínimo de dados sobre perigos
Produtos já no mercado
Produtos introduzidos antes de 1981: sujeitos aos mesmos requisitos de dados sobre perigos que os anteriores
Produtos em uso antes de 1976 considerados seguros: não são sujeitos a regulação
Ordenação dos produtos para ação legislativa
Produtos ordenados por perigos e potencial de exposição: os produtos problemáticos são autorizados uso a uso
Como não há requisitos de dados, a sua falta impede a ordenação eficaz
Transparência da cadeia de fornecimento
Requerida transferência bidirecional de dados sobre perigos e potencial de exposição entre fabricantes e utilizadores comerciais
Sem requisitos
Acesso à informação pelo Acesso público a uma base de dados de público produtos registrados e informação, embora limitada por reclamações de secretismo comercial (condecido seguindo critérios claros)
Permitidas reclamações extensas de secretismo comercial, incluindo nomes e usos dos produtos
* REACH, Registration, Evaluation and Authorization of Chemicals; TSCA, US Toxic Substances Control Act.
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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
para se avaliar até que ponto a adoção do REACH
tamente conhecidos (p. ex., quanto à toxicidade
suportará a evolução para um mercado de produtos
e ecotoxicidade); as exposições às substâncias
mais seguros sem pôr em causa a viabilidade eco-
podem ser muito variáveis, porque estas são utili-
nómica da Indústria Química europeia no contexto
zadas em condições diversificadas, atingindo alvos
atual da economia globalizada.
diversos, sendo por isso (e não só) muito difíceis
A lentidão dos progressos na resolução do
de avaliar etc. Por outro lado, encontrar substitu-
problema da eliminação dos perigos dos produ-
tos benignos, eficazes e a custos razoáveis para as
tos químicos para obter segurança resulta da sua
substâncias mais problemáticas em uso é também
complexidade, que se manifesta em vários aspe-
uma tarefa ciclópica que exigirá tempo (à escala de
tos, conforme sugerido na Figura 2 (construída a
décadas). Assim, o problema de obter produtos quí-
partir de Machado, 2015). Por um lado, a Química
micos seguros (melhor, mais seguros) envolve uma
Industrial, o sistema de fabrico de produtos quími-
miríade de problemas de diversos tipos: químico,
cos e seu mercado, envolvendo números muito ele-
tecnológico e industrial; social e político; ambien-
vados de produtos, de processos de fabrico etc., é
tal e de saúde humana etc. Por isso, a substituição
muito complexa. Por outro, os impactos negativos
dos produtos químicos perigosos por outros mais
da Química Industrial podem ter origem em varia-
benignos implica uma mudança global da eco-
dos perigos quer dos produtos, quer do fabrico,
nomia vigente para uma outra mais segura e sus-
quer da utilização etc., cujos efeitos dependem das
tentável, requerendo um enorme esforço societal
exposições a eles, também muito variadas; assim,
(Geiser, 2015). Em consequência, a segurança dos
quer o campo dos perigos quer o campo das expo-
produtos químicos continuará a ser um assunto que
sições são também muito complexos. As comple-
manterá atualidade durante muito tempo – e, previ-
xidades destes três aspetos compõem-se sinergica-
sivelmente, com complexidade crescente.
mente quando eles são considerados em conjunto.
Em suma, a SQ é um campo de atividade inter-
Em consequência desta tremenda complexidade,
disciplinar muito vasto, conforme se pode sentir
o conhecimento sobre os impactos negativos do
facilmente se se consultar os índices de livros e
enorme conjunto de produtos químicos existentes
tratados que têm sido dedicados aos seus aspetos
no mercado envolve variadas lacunas ao longo de
técnicos, quer a nível industrial (p. ex., Mannan,
numerosas dimensões de vários tipos: os perigos
2012, 2014a), quer mesmo a nível laboratorial (p.
potenciais para muitas substâncias são incomple-
ex., Hill; Finster, 2010; NRC, 2011).
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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
1. QUÍMICA INDUSTRIAL
2. ORIGEM DOS PERIGOS
1. Produtos fabricados/em uso 70.000-100.000 compostos 2.000.000-6.000.000 misturas (produtos formulados)
1. Produtos químicos Grande número e variedade Propriedades variadas Incompletude de conhecimento
2. Utilizadores Indústria Agricultura Serviços Público em geral (vida diária)
2. Reações/Processos Grande número e variedade Realização em condições variadas: Temperatura Pressão Requisitos de energia elevados Matérias primas variadas Grandes quantidades de resíduos Resíduos perigosos
3. Indústria química 2.000-3.000 processos industriais Escalas de produção variadas Instalações complexas Equipamentos diversificados Variedade de matérias primas
Fatores de complexidade da segurança química
3. Tecnologia química Instalações complexas e variadas Equipamento diversificado: Reatores Equipamento auxiliar (operações unitarias)
4. Cadeia de fornecimentos Energia Matérias primas variadas Recuros naturais: Ar/água/subsolo
4. Uso Grande número de modos Finalidade/Funções diversas Quantidades diversas (gama ampla)
5. ...
5. ... 3. EXPOSIÇÃO 1. Vias diversas Oral (ingestão) Pulmonar Cutânea 2. Regime de exposição Única/repetitiva/contínua Tempo Nível de concentração 3. ...
Figura 2. A complexidade da segurança na Química.
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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
2.2
crescimento e diversificação de atividades indus-
Saúde e segurança ocupacional
triais e de serviços impulsionaram um enorme e Na sociedade atual dos países desenvolvidos,
mais especializado esforço de desenvolvimento da
muito industrializada, a prevenção de acidentes e
cada vez mais complexa área da SeSO, suportando
a proteção da saúde dos trabalhadores são assun-
o estabelecimento de uma cultura de segurança
tos de elevada prioridade, sob os pontos de vista
ocupacional nos países desenvolvidos. Por efeito
ético e socioeconómico. No entanto, a SeSO
do ambientalismo, essa cultura passou posterior-
emergiu incipientemente logo nos primórdios da
mente a visar a integração do controlo do ambiente
civilização: os efeitos dos metais manejados no
e da saúde, para obter proteção amplificada não só
bem-estar de mineiros e operários que os manipu-
da saúde laboral e da população em geral, como
lavam são conhecidos desde a antiguidade (p. ex.,
de outros componentes da ecosfera e da tecnosfera
Hipócrates, na Grécia, ca. 400 a.C., registou o caso
de diversa natureza (propriedade, tecnologia etc.).
de mineiros envenenados por chumbo) e o uso de
Neste contexto, foi ocorrendo uma melhoria pro-
equipamento de proteção também (p. ex., Plínio, o
gressiva das condições dos ambientes de trabalho,
Velho, em Roma, século I, referiu o uso de bexi-
refletida na diminuição dos incidentes e doenças
gas de animais como máscaras pelos refinadores de
profissionais, embora subsistam problemas (e sur-
metais, para evitar a inalação de poeiras perigosas).
jam outros novos).
Posteriormente, foram surgindo outras abordagens
Ao longo do século XX a complexidade do
ao tema, até que em 1713 foi publicado o primeiro
campo implicou um grau crescente de especiali-
livro sobre doenças dos trabalhadores (De Morbis
zação de tarefas e, além de médicos, outros pro-
Artificiumm Diatriba), por Ramazzini, considerado
fissionais surgiram, p. ex.: técnicos de segurança,
o pai da Medicina Ocupacional (Walters, 2003).
que asseguram os aspetos tecnológicos de provi-
Com a emersão da Revolução Industrial, a
são e controlo de segurança (condições de traba-
manufatura industrial concentrada em fábricas
lho, maquinaria etc.) e da prevenção de aciden-
trouxe consigo uma maior variedade de activida-
tes; higienistas industriais, que supervisionam as
des danosas e um maior número de acidentes. A
condições higiénicas dos postos de trabalho para
saúde dos trabalhadores das empresas industriais,
identificar os perigos que envolvem e minorar as
mineiras etc., começou a ser seguida mais aten-
exposições a eles etc. Com o desenvolvimento da
tamente por médicos nos inícios do século XIX
Indústria Química quanto ao número e variedade
e, a partir de meados deste, foram surgindo leis
de compostos fabricados e aumento da escala de
impondo medidas de proteção dos trabalhadores
produção, este ramo industrial acabou por ter de
e seguros para compensações de acidentes, quer
lidar com um número crescente de problemas no
em países europeus quer nos EUA; mas só no
campo da SeSO, pelo que contribui muito para o
século XX começaram a ser estabelecidos orga-
seu progresso. Este acabou por se focar cada vez
nismos estatais para regulamentar e supervisionar
mais nos efeitos tóxicos das substâncias quími-
o campo da SeSO e associações de profissionais
cas – decorrentes não só da toxicidade aguda de
interessados nele. Estes esforços tiverem efeitos
muitas destas, mas também de outras toxicidades
limitados, já que as estatísticas de incidência de
específicas com efeitos mais subtis, p. ex., carcino-
desastres e doenças no trabalho se mantiveram
génicos, mutagénicos, teratogénicos etc.
elevadas até meados daquele século (Miksche et
Em suma, a Química sempre teve e continua
al., 2012). Desde então, o progresso técnico e o
a ter um papel muito importante na SeSO. Com o
100
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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
impulso proporcionado pelo ambientalismo, está-
equipamento de proteção usado (Hill, 2007). Em
-se progressivamente a evoluir para uma maior
consequência da elevada frequência daqueles
integração da SeSO e da saúde ambiental (Sellers,
tipos de desastres, o equipamento de proteção
1997), um campo mais amplo em que são estu-
ocular e as hotes foram os primeiros dispositivos
dados os efeitos nocivos das substâncias quími-
de segurança introduzidos no laboratório químico,
cas dispersas no ambiente sobre a saúde humana
p. ex., as primeiras hotes foram construídas nos
(Sterner, 2010). Na Figura 1, seguindo esta visão,
laboratórios universitários nos anos 1920 (exem-
a SeSO, que inclui componentes não químicas,
plo datado: Universidade de Leeds, 1923) e come-
interpenetra o campo da SQ apenas parcialmente,
çaram a ser comercializadas na década seguinte,
não se representando as fronteiras com nitidez por-
embora só durante a Segunda Grande Guerra
que estas são difusas.
(1939-45) se registrasse um progresso acentuado
2.3
Segurança laboratorial
Em contraste com a SeSO, a SL só emergiu
no seu design, ventilação, etc., pressionado pela exposição a cada vez mais substâncias tóxicas e a materiais radioativos (Buie, 2011).
recentemente, já no século XX. No século XIX,
Uma análise da literatura química (Hill, 2007;
quando surgiu a Química moderna, os desastres
Nelson, 1999) confirmou que a SL emergiu nos
eram considerados uma componente inevitável e
princípios do século XX: a partir da segunda
aceitável da respetiva prática académica no labo-
década começaram a surgir em revistas de Química
ratório, p. ex. Kekulé, numa aula em 1890, afir-
e Engenharia Química artigos sobre temas daquele
mou que, quando tinha estudado no laboratório de
campo (necessidade de ventilação, importância da
Liebig (ca. 1850), este lhe tinha dito que se ele
disponibilidade de antídotos em caso de acidentes
queria ser um químico, tinha de estar preparado para
com substâncias tóxicas usadas nos laboratórios,
arruinar a sua saúde – caso contrário, nunca consegui-
precauções na armazenagem de substâncias etc.),
ria atingir um bom nível profissional (NCR, 2011, p. 2,
escritos predominantemente por autores que exer-
tradução livre). Esta atitude académica de privile-
ciam a sua atividade em laboratórios industriais.
giar a obtenção de resultados de pesquisa, igno-
Esta origem dos artigos resultava da maior expe-
rando a existência de perigos, contrastava com a
riência sobre SQ adquirida nos laboratórios das
preocupação com a segurança dos trabalhadores
fábricas da Indústria Química, já que nestas a pres-
que já então tinha emergido na atividade indus-
são legislativa sobre a segurança e saúde profis-
trial. Na realidade, há registros históricos de ocor-
sional se fazia sentir mais do que nos laboratórios
rência de desastres em laboratórios desde o iní-
escolares; além disto, na indústria, o conhecimento
cio do século XIX, nomeadamente a ocorrência
sobre os custos elevados dos acidentes, p. ex. de
de explosões e de intoxicações por substâncias
incêndios provocados por explosões, evidenciava
gasosas, p. ex. Gay-Lussac sofreu de cegueira
o valor económico da segurança. A experiência
temporária, de que só parcialmente se recuperou,
industrial no campo já era variada, indo desde o
em resultado de uma explosão na manipulação de
design e construção dos laboratórios, ao modo de
potássio, ocorrida em 1808 (Michalovic, 2008).
minorar os tipos de acidentes mais frequentes, aos
Em fotografias de aulas laboratoriais num insti-
efeitos da exposição dos trabalhadores a agentes
tuto universitário dos EUA, tiradas em 1899, os
tóxicos etc. Assim, nos inícios do século XX, a
alunos apresentam-se com batas mas sem óculos
importância dada à SL pela Indústria Química era
de segurança – até então as batas eram o único
maior que na Academia.
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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
Em suma, a SL teve uma génese mais ligada
ses de cada tipo (UNECE, 2015). Os três tipos são:
à segurança ocupacional praticada na Indústria
perigos físicos (ou de segurança física, Safety),
Química, o que se procura traduzir na Figura 1 pelo
para a saúde humana (Health) e para o ambiente
deslocamento do seu campo para o desta última.
(Environment). Presentemente os perigos químicos são vulgarmente designados por perigos SHE,
3
sendo este acrónimo formado pelas iniciais das
A complexidade dos perigos químicos
palavras inglesas indicadas. A figura mostra que as
Um determinado perigo de uma substância quí-
classes de cada tipo são em diferente número: S,
mica resulta de uma ou de um conjunto de várias
15 classes > H, 12 >> E, 3. Estas diferenças, em
propriedades intrínsecas da substância embutidas
particular o número muito menor para os ambien-
na respetiva molécula, ou de uma situação (p. ex.
tais, não têm significado fundamental, sendo uma
uma reação) envolvendo a substância, e eventual-
mera consequência da diferença de profundidade
mente outras, em circunstâncias tais que possam
de conhecimento que se tem para os três tipos: os
causar danos a bens, à saúde de seres humanos e/
perigos ambientais só foram reconhecidos a partir
ou ao ambiente. Geralmente, cada substância quí-
de meados do século XX no quadro do ambienta-
mica apresenta um leque variado de perigos. A
lismo, sendo ainda imperfeitamente caraterizados.
definição anterior, sendo muito geral, implica que
No entanto, basta observar globalmente a figura
os perigos potenciais da Química sejam numero-
para sentir a complexidade dos perigos químicos
sos e variados, como se mostra na Figura 3, onde
e, consequentemente, a dificuldade da tarefa de
se apresentam os três tipos em que eles são classi-
eliminá-los ou, pelo menos, minimizar, para obter
ficados, conforme a natureza dos danos, e as clas-
segurança química.
S Físicos
H Saúde Humana CLASSES Toxicidade aguda Corrosão/irritação cutânea Corrosão/irritação cutânea Lesões oculares graves/irritação ocular Sensibilização respiratória Sensibilização cutânea Mutagenicidade em células germinais Carcinogenidade Toxicidade reprodutiva Toxicidade para órgãos-alvo específicos por exposição única Toxicidade para órgãos-alvo específicos por exposição repetida Perigo de aspiração
Perigos SHE
E Ambiente
CLASSES Explosivos Gases inflamáveis Aerossóis Gases comburentes Gases sob pressão Líquidos inflamáveis Sólidos inflamáveis Substâncias e misturas auto-reativas Líquidos pirofóricos Sólidos pirofóricos Substâncias e misturas suscetíveis de auto-aquecimento Substâncias e misturas que libertam gases inflamáveis em contacto com água Líquidos comburentes Sólidos comburentes Peróxidos orgânicos Substâncias e misturas corrosivas para os metais
CLASSES Perigo agudo para o ambiente aquático Perigo crónico para o ambiente aquático Perigo para a camada de ozono
Figura 3. Tipos e classes dos perigos da Química (“perigos SHE”).
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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
Para além da variedade, a caraterização dos
caso, a diferença da natureza dos perigos impede
perigos químicos envolve ambiguidades, sendo
qualquer comparação direta – pode-se tentar fazer
algumas exemplificadas na Figura 4. Em primeiro
uma comparação de presumíveis impactos, mas
lugar, há perigos cuja caraterização é equívoca,
é uma tarefa extremamente difusa, também por-
pois podem ser descritos corretamente de formas
que envolve uma outra grandeza, a exposição
diversas, dependendo do contexto. Por exemplo,
(ver adiante). Outro fator de ambiguidade resulta
a água é vulgarmente considerada uma substância
das diferentes quantidades em que a substância é
inócua quanto a toxicidade, mas até meados do
manipulada: segundo experiência do autor, quando
século XX ocorreram vários casos de militares em
se tritura num almofariz alguns miligramas de um
treino porque morreram porque beberam água:
complexo metálico contendo um ligando orgânico
quando, depois de sujeitos a exercícios violen-
e anião perclorato com as precauções triviais (ócu-
tos, nomeadamente marchas prolongadas sob sol
los etc.), por vezes ocorre uma explosão, possível
forte, se dessedentaram com um grande volume do
por se ter o oxidante perclorato em presença de
líquido, este extraiu através da parede do intestino
matéria orgânica, mas os danos são geralmente
delgado uma grande quantidade de catião sódio do
praticamente nulos (além da perda do composto!);
organismo, o que desequilibrou o equilíbrio elec-
mas quando se armazena num armazém toneladas
trolítico deste com consequências fatais – a água
de uma substância reconhecidamente explosiva, p.
provocou toxicidade sistémica. Por outro lado, o
ex. nitrato de amónio, tem de se tomar precauções
acidente de Bhopal foi causado por água, quando
de segurança adequadas de diversos tipos, porque
numa lavagem de equipamento o líquido foi intro-
se ocorre uma explosão, pode ter impactos brutais
duzido por engano num depósito que continha iso-
– neste caso o perigo é maior. Este exemplo mostra
cianato de metilo, muito reativo, despoletando um
como a escala pode influenciar o perigo.
6
conjunto de reacções exotérmicas; o aquecimento do conteúdo do depósito provocou sobrepressão e libertação de uma núvem tóxica de gás que, sendo mais densa que o ar, se abateu sobre os bairros
Podem ser descritos corretamente de diferentes modos
Não podem ser definidos em termos absolutos
populacionais dos arredores da fábrica (Machado, Ambiguidades dos perigos SHE
2010). Estes casos mostram que, afinal, há contextos em que a água não é benigna, exemplificando como pode ocorrer ambiguidade de descrição e evidenciando que os perigos químicos de uma substância não podem ser cacterizados em termos
Dependem da escala
absolutos. Um outro exemplo mostrará como pode
Não se podem comparar perigos diferentes
ser impossível a comparação de perigos diferentes: na produção de eletricidade pode-se usar a energia nuclear (perigo: radioatividade do combustível e
Figura 4. Ambiguidades dos perigos SHE.
dos produtos de desintegração) ou os combustíEstas e outras caraterísticas introduzem incer-
veis fósseis (perigo: aquecimento global). Neste
tezas que contribuem para que a avaliação de 6. O problema afetou também atletas, mais precisamente corredores de longa distância (maratonistas etc.).
perigos potenciais das substâncias químicas possa ser algo subjetiva, quer a nível individual (por
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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
exemplo, os fumadores subavaliam os perigos do
a exposição ou a perigosidade, ou, mais eficaz-
tabaco) quer a nível institucional (por exemplo, as
mente, ambas.
agências governamentais que regulam as substâncias químicas consideram fatores como o uso das substâncias ou os impostos que rendem, ou seja, em certos casos anuem a incluir pressões económicas e/ou políticas na avaliação). Assim, na prática, uma substância tóxica pode ser considerada menos
Risco = F (perigosidade, exposição) F muito complexa, variável de caso para caso
Risco
=
Perigosidade
perigosa do que outra menos tóxica, dependendo Para tentar eliminar ou reduzir estas ambiguieventuais efeitos danosos dos perigos potenciais quando estes se manifestem como perigos reais, provocando incidentes danosos, mediante o con-
Reconhecimento e caraterização dos perigos
ocorrência eventual de acontecimentos nefastos que resultem de um perigo potencial quando este
Ex. toxicidade
se concretiza: é uma grandeza que pretende quantificar a probabilidade de ocorrência (frequência) de um acontecimento nocivo que pode resultar da
Avaliação da exposição
Informação requerida sobre: Propriedades intrínsecas responsáveis pelos perigos
ceito de risco. O risco refere-se à probabilidade de
Exposição
Efeitos cruzados
das diferentes condições em que são usadas. dades (e outras), procura-se avaliar a priori os
x
Substâncias químicas: produção uso libertação dispersão Indivíduos: estilo de vida
Figura 5. Risco, perigosidade e exposição.
existência de um perigo potencial, bem como a respetiva severidade (grandeza provável dos danos
Os riscos globais das substâncias químicas são
resultantes). Em Química, quando se considera, p.
geralmente de quantificação problemática porque
ex., o risco de uma substância, deve ter-se em aten-
esta requer uma enorme quantidade de informação
ção os dois fatores que determinam o risco: (i) a
de vários tipos, indisponível ou incompleta em
perigosidade ou intensidade do perigo (neste caso,
muitos casos (Figura 5). Quanto à perigosidade,
um ou vários dos perigos intrínsecos da substân-
acresce que não se tem informação completa sobre
cia); e (ii) a exposição à substância (Domènech,
os perigos para muitas das substâncias fabricadas
2005). A relação do risco com os dois fatores é
pela indústria química (nomeadamente quanto às
traduzida por uma função muito complexa e variá-
caraterísticas de toxicidade e propriedades mole-
vel de caso para caso, que é vulgarmente simpli-
culares que as determinam). Quanto à exposição,
ficada para Risco = Perigosidade X Exposição
as lacunas de dados são ainda maiores, porque
(ver Figura 5), sendo importante não esquecer que
estes requerem outros tipos de informação, muita
esta expressão omite interações de segunda ordem
dela difusa, porque envolve componentes não físi-
entre a perigosidade e a exposição. Na figura,
cas, nomeadamente económicas (Geiser, 2015).
ilustra-se este facto sobrepondo parcialmente as
Por exemplo, para se saber como e onde uma
elipses que representam estas variáveis – a área de
substância química ocorre no ambiente é necessá-
sobreposição representa estes ‘efeitos cruzados’. A
ria informação sobre o fabrico, importação, distri-
expressão mostra que, para se diminuir o risco, isto
buição, uso e eventual deposição no ambiente ao
é, para se aumentar a segurança, se deve diminuir
longo do ciclo de vida; também, para identificar
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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
eventuais ameaças de impactos nocivos da subs-
Este objetivo é muito ambicioso e, na maioria das
tância, informação sobre a sua libertação para o
situações práticas, consegue-se apenas uma maior
ambiente como poluente ou em resíduos, e seu
ou menor redução dos riscos, não a sua elimina-
destino e dispersão neste. Por outro lado, a expo-
ção total. Esta limitação decorre outra vez da com-
sição propriamente dita envolve inevitavelmente
plexidade dos perigos químicos, que se manifesta
o comportamento dos organismos biológicos no
a par das complexidades intrínsecas da própria
ambiente, que pode ser muito variável. Por exem-
Química (Figura 2).
plo, os humanos, nomeadamente muitos dos cita-
Em conclusão, esta discussão evidencia as
dinos, mudam de invólucro ambiental várias vezes
variadas dificuldades que existem quando se visa
num mesmo dia, entre ambientes de vários tipos,
aumentar a segurança química, que decorrem da
fechados (casa, trabalho, carro ou outro meio de
enorme complexidade da maioria das situações
transporte, cinema, centro comercial etc.) ou aber-
encontradas, envolvendo numerosas interações
tos (ao passear numa rua da baixa com tráfico
entre diversos componentes de conhecimento
intenso, avenida de zona residencial quase sem
químico (e não só), eles próprios complexos.
tráfico, parque arborizado etc.). Além disso, com a
Como se ilustra na Figura 6, a complexidade da
precarização do trabalho, os trabalhadores mudam
segurança química é uma cumulação sinérgica
frequentemente de emprego ao longo da vida, o
de complexidades, que gera ela própria comple-
que dificulta a avaliação da exposição cumulativa.
xidade sistémica adicional. Por isso, o estudo e a
Em suma, a avaliação de riscos procura resolver o
gestão dos perigos das substâncias e a segurança
problema das ambiguidades da caraterização dos
química requerem abordagens sistémicas, já que
perigos, mas introduz frequentemente fatores de
estão em jogo sistemas complexos, que em certos
incerteza, pelo que riscos calculados podem envol-
casos envolvem mesmo processos caóticos (p. ex.,
ver erros elevados e difíceis de quantificar.
incêndios e explosões). A sua compreensão não
A QV procura lidar com os riscos de forma
pode usar exclusivamente a postura reducionista
inovadora, mais drástica, já que tem como obje-
do racionalismo cartesiano que tem dominado a
tivo intencional reduzi-los a zero por meio da eli-
ciência Química, como sucede aliás com outros
minação dos perigos potenciais das substâncias.
aspetos desta (Machado, 2015).
Química: várias complexidades! Sistema industrial Sistemas de fabrico Sistema comercial Sistemas de utilização ...
Riscos Perigosidade: complexidade!
Exposição: complexidade!
Sinergia
Segurança química: complexidade aumentada!
Figura 6. A complexidade sinérgica da segurança na Química.
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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico
4
bem como de outras áreas de saber (Simmons et
Conclusões
al., 2009); e também que, neste contexto, sejam
A presente discussão é útil para que os pro-
introduzidos nos cursos de Química disciplinas
fessores de Química tomem consciência das difi-
específicas sobre segurança, que permitam glo-
culdades que têm pela frente para fazerem evoluir
balizar o que os alunos vão aprendendo ao longo
o ensino da segurança química nos laboratórios
do curso para conseguirem a educação desejável
universitários do modelo atual, dirigido ao treino,
(Fivizzani, 2016) etc. Estas propostas, avançadas
para outro mais evoluído, que granjeie educa-
na tradicional postura reducionista dos químicos,
ção, que é muito mais do que treino (Hendershot,
merecem discussão, até porque a sua operacionali-
2007). O objetivo do treino é proporcionar o domí-
zação levanta problemas, pelo que o autor tenciona
nio de operações previamente bem caraterizadas,
abordar estes aspetos do ensino da SL num outro
com vista a obter um comportamento predizível,
artigo.
uniforme e seguro do operador, sem necessidade de este adquirir a compreensão das razões que exigem que se actue da maneira prescrita; o treino visa ensinar o aluno a responder de um modo específico a uma situação bem definida, sem dar importância ao entendimento dos motivos que levam à resposta e relação desta com eles. Em contraste, a educação tem por objetivo não apenas a aquisição de perícia prática de realizar operações, mas também a compreensão do que leva a estas serem realizadas de certa maneira, e não de outras, tendo em vista o desenvolvimento de capacidades de observação e análise das situações, de formulação e avaliação de alternativas de resposta etc., ou seja, a aquisição de conhecimento extrapolável para novas situações e que permita ao profissional orientar o seu comportamento quando se depara com elas. Em suma, quanto a executar operações no laboratório (e não só), treino é saber o ‘quê’, educação o ‘porquê’; e a evolução requerida no ensino da SL inclui o salto sobre as barreiras de passagem do ‘quê’ para o ‘porquê’, que são em grande parte uma consequência da complexidade. Para vencer estas barreiras têm sido propostas várias medidas, p. ex.: que a segurança química seja reconhecida como uma disciplina separada dentro da Química, embora requerendo conceitos diversificados das disciplinas mais tradicionais, só cobertos por estudo destas em nível avançado,
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História da Química 01 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016 | p. 109-112
A Dualidade Onda-Partícula José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias
Nos primeiros vinte e cinco anos do Século 20, um dos problemas mais intrigantes da Física, era o caráter dual da luz, uma vez que em certos fenômenos ela se apresentava como onda, caráter esse observado nas experiências de difração e interferência, e em outros fenômenos se apresentava como corpúsculo, caráter esse observado no espalhamento da luz pela matéria, constatado pelo físico norte-americano Arthur Holly Compton (1892-1962; PNF, 1927), em 1923, o famoso espalhamento (efeito) Compton. Aliás, é oportuno notar que a primeira evidência sobre o momento linear (p) (característica corpuscular) da luz havia sido observada pelo físico russo Pyotr Nikolayevich Lebedev (1866-1912), em 1899,1 ao realizar experiências sobre a pressão exercida pela luz sobre os corpos, pressão essa prevista pela Teoria Eletromagnética Maxwelliana (1873). Por outro lado, uma primeira conjectura do caráter dual da luz foi apresentada, em 1909, em trabalhos independentes, dos físicos, o germano-norte-americano Albert Einstein (1879-1955; PNF, 1921), ao estudar o equilíbrio termodinâmico da radiação eletromagnética, e o alemão Johannes Stark (1874-1957; PNF, 1919), ao explicar o Bremsstrahlung (‘Radiação de frenagem’). Contudo, a primeira relação formal entre p e o comprimento de onda (λ) da luz, foi apresentada por Einstein, em 1916, em dois artigos nos quais estudou a radiação eletromagnética (luz) Planckiana do corpo negro. Com efeito, ele demonstrou que: h ν = hc/λ = mc2 = pc → p = h/λ. Aí está, portanto, o caráter dual da luz, já que as características ondulatória (λ) e corpuscular (p) não são independentes. Aliás, foi nesses artigos que Einstein apresentou 1. Archives des Sciences Physique et Naturelles, v. 8, p. 184.
A Dualidade Onda-Partícula
a ideia de emissão estimulada da luz, base para o desenvolvimento do MASER (Microwave Amplification by Stimulated Emission Radiation) e do LASER (Light Amplification by Stimulated Emission Radiation), na década de 1950. O problema do caráter dual da luz referido anteriormente fascinou o físico francês, o Príncipe Louis Victor Pierre Raymond de Broglie (1892-1987; PNF, 1929), que passou a estudá-lo com mais detalhes, conforme ele descreve em seu livro intitulado La Física Nueva y los Cuantos (Editorial Losada, 1952). Usando a Analogia Mecânico-Óptica, da qual falaremos mais adiante, ele estendeu o caráter dual da luz para o elétron e toda a matéria. Vejamos como. Ao observar as órbitas dos elétrons no átomo de Bohr, de Broglie verificou que a estabilidade das mesmas envolvia números inteiros, fato esse que é característico, apenas, de fenômenos de interferência e de modos normais de vibração de uma corda fixa. Portanto, considerando esse caráter dual da luz, de Broglie formulou a hipótese de que o movimento do elétron, de massa m e velocidade v, em uma órbita circular atômica é guiado por uma ‘onda-piloto’, cujo comprimento de onda λ se relaciona com o seu momento linear (p = mv) da mesma maneira como acontece com o quantum de luz, ou seja: p = mv = h/λ. Ao considerar que esta ‘onda-piloto’ é uma onda estacionária, ou seja, que cada órbita circular do elétron, de raio a e momento angular M, deve conter um número inteiro (n) de ‘ondas-piloto’, de Broglie demonstrou a misteriosa regra de quantização de Bohr, isto é: 2 π a = n λ = nh/p → pa = M = nh/2 π. Agora, vejamos a Analogia Mecânico-Óptica. Em agosto de 1657, o matemático francês Pierre Fermat (1601-1665) escreveu uma carta (Epistolae 42) a Monsieur Cureau de la Chambre, na qual enunciou o seu famoso Princípio do Tempo Mínimo: A Natureza sempre escolhe os menores caminhos. De acordo com esse princípio, observou Fermat, a luz sempre leva o menor tempo para seguir a sua trajetória. Na notação atual, esse Princípio significa dizer que a integral
# t1
t2
dt =
# ds/v , assume P2
P1
um valor mínimo quando a luz viaja com a velocidade v, entre os pontos P1 e P2. Embora tal princípio já fosse do conhecimento do filósofo grego Aristóteles de Estagira (384-322), de haver sido utilizado pelo matemático e inventor grego Heron de Alexandria e, mais tarde, pelo físico e matemático iraquiano Abu-’Ali Al-Hasan Ibn Al-Haytham (Al-Hazen) (c. 965-1038) na explicação da Lei da Reflexão da Luz, foi Fermat quem, em 1661, a utilizou para demonstrar a Lei da Refração da Luz.2 Por outro lado, em 1744,3 o matemático francês Pierre Louis Moureau de Maupertuis (1698-1759) formulou o Princípio da Mínima Ação: quando há 2. KLINE, M. Mathematical thought from ancient to modern times. Oxford University Press, 1972; WHITTAKER, S. E. A history of the theories of aether and electricity. Thomas Nelson and Sons, 1952. 3. Mémoires de l´Academie des Sciences de Paris, p. 417.
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qualquer mudança na Natureza, a quantidade de ação necessária para essa mudança, é a menor possível. Ele postulou que a ação dependia da massa (m), da velocidade (v) e da distância (s) percorrida por um corpo, ou seja: ação = m v s. Note-se que Maupertuis chegou a esse princípio, tentando encontrar uma base racional e metafísica entre a Óptica Geométrica e a Mecânica Newtoniana.4 Ainda em 1744, o matemático suíço Leonard Euler (1707-1783) publicou o livro intitulado Methodus inveniendi lineas curvas maximi minimae proprietate gaudentes sive solutio problematis isoperimetrici latissimo sensu accepti (‘Um método de descobrir linhas curvas que apresentam a propriedade de máximo ou mínimo ou a solução do problema isoperimétrico tomado em seu sentido mais amplo’), escreveu o Princípio de Maupertuis da seguinte forma (em notação
#
#
atual): δ= v ds δ= v 2 dt 0 . É interessante destacar que, além de razões físicas, Maupertuis e Euler alegavam razões teológicas para justificar esse Princípio, pois, diziam eles, as leis do comportamento da Natureza possuem a perfeição digna da criação de Deus. Observando os dois Princípios, de Fermat e de Maupertuis-Euler, vê-se que, no primeiro, a velocidade aparece inversamente, enquanto no segundo, diretamente relacionada ao deslocamento (ds). Em virtude disso, durante muito tempo não se conseguiu encontrar uma analogia entre tais Princípios. Contudo, com os trabalhos desenvolvidos pelos matemáticos, o irlandês Sir William Rowan Hamilton (18051865), em 18355 e o alemão Carl Gustav Jacob Jacobi (1804-1851), em 18376, foi possível encontrar a analogia referida anteriormente. Em seu trabalho, Hamilton havia obtido um par de equações diferenciais – as famosas Equações de Hamilton (EH) – envolvendo o hoje conhecido operador Hamiltoniano, H = E = T + V, isto é, a Energia Total (E) é igual a soma da Energia Cinética (T) e da Energia Potencial (V), partindo de um princípio variacional que havia deduzido no ano anterior, qual seja: δ S = δ L ^q, qo , t h dt , onde S é a conhecida ação Hamiltoniana e L representa
#
o operador Lagrangeano, definido por L = T – V e que havia sido introduzido
pelo matemático francês Siméon Denis Poisson (1781-1840), em 18097. Foi ainda nesse trabalho que Poisson apresentou a definição do momento canonicamente conjugado p ( p = 2L/2qo , onde q é a coordenada generalizada Lagrangeana e qo é a velocidade generalizada Lagrangeana). Por seu lado, Jacobi partiu das EH e encontrou uma nova equação – a conhecida Equação de Hamilton-Jacobi (EH-J) –, dada por: H + ∂S/∂t = 0.
4. YOURGRAU, W.; MANDELSTAM, S. Variational principles in dynamics and quantum theory. Dover, 1979. 5. Philosophical Transactions of the Royal Society of London, Part II, p. 247. 6. Journal für Reine und Angewandte Mathematik, v. 17, p. 97. 7. Journal de l´Ecole Polytechnique, v. 8, p. 266.
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De Broglie
De posse dessa equação, Jacobi encontrou a função S para muitos problemas mecânicos. Por exemplo, considerando sistemas físicos para os quais H (p, q) não depende explicitamente do tempo t, ele mostrou que: S(p, q, t) = W(p, q) – E t, onde E é a energia do sistema físico e W é a função característica de Hamilton. Ainda usando essa solução, Jacobi demonstrou que: (∆W)2 = 2 m (E – V) = 2mT = p2 → ∆ W = p. Este último resultado significa que o momento p é perpendicular à superfície de W [= S0 (t = 0)] constante. Por outro lado, essa equação é semelhante à Equação Eikonal da Óptica Geométrica, ou seja: (∆ Γ)2 = n2 → ∆ Γ = n, onde Γ é chamada de eikonal (do grego eikon, que significa imagem) e n é o Índice de Refração, que varia de posição, isto é: n ^ rvh . Registre-se que as superfícies em que Γ é constante são superfícies
de fase óptica constante e, portanto, define frentes de ondas luminosas, cujos raios
luminosos correspondentes a essas frentes de ondas lhe são perpendiculares. Essa semelhança ficou conhecida como a Analogia Mecânico-Óptica. Registre-se que quando de Broglie formalizou suas ideias sobre a onda de matéria8 e apresentou-as, ainda em 1924, como Tese de Doutoramento, intitulada Recherche sur la Théorie des Quanta, à Faculdade de Ciências da Universidade de Paris (Sorbonne), houve um certo embaraço por parte dos professores que iriam julgá-la, uma vez que essa Tese fugia as cânones tradicionais da Física. Assim, ela foi encaminhada ao físico francês Paul Langevin (1872-1946) para julgamento. De imediato, ele enviou uma cópia ao seu amigo Einstein que, por sua vez, pediu ao físico alemão Max Born (1882-1970; PNF, 1954) uma opinião séria sobre a mesma, escrevendo-lhe: “Leia isto! Embora pareça ter sido escrito por um louco, está escrito corretamente”. Quando Einstein devolveu a Tese de de Broglie a Langevin, disse-lhe que podia aprová-la, já que a mesma continha muitas descobertas importantes. É oportuno destacar que a ideia da “onda de matéria de Broglieana” foi formalizada pelo físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961; PNF, 1933), em 1926, por intermédio da célebre Equação de Schrödinger. 8. Publicadas nas Comptes Rendus de l´Academie des Sciences de Paris, v. 177, p. 507; 548; 630, 1923; v. 179, p. 39, 1924.
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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016
Laboratory Quality Management Igor Renato Bertoni Olivares 1ª edição | Editora Átomo | 2016 | 140 páginas
It is presently unthinkable to not take into account the need (sometimes mandatory) to implement Quality Management in Laboratories, either routinely or for research (basic and applied). Given that many countries have their own requirements regarding their mandatory implementation of Laboratory Quality Management Systems, this reality currently has a global reach to ensure the reliability of analytical results, especially since the effects of an analytical result can have major impacts on the environmental, pharmaceutical, forensic, clinical analysis, food areas, and so forth. In light of the latest findings for Laboratory Quality Management, in this English edition of the book I intend to present this data in an informative manner, within the operating framework of a Management System, and in line with the proposal of being a book that provides assistance to the new professionals in this area (highlighting, for example, the evolution of concepts, needs and basic structure of a Quality Management System), as well as assist experts seeking new tools for Laboratory Quality Management (highlighting, for example, the Analytical Quality Assurance Cycle and Quality indicators concepts, in addition to the numerous tools applied to auditing, training, corrective action and others).
Curiosidade | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016 | p. 115-118
A Ciência em Perdido em Marte Patrícia Silveira1
A ciência tem sido, em muitos casos, fonte de inspiração para várias obras literárias e cinematográficas. Um exemplo de ciência na literatura é a obra A máquina do tempo (1991), de H. G. Wells, publicada no final do século XIX. Considerada um romance científico, essa obra trata da construção de uma máquina de viajar no tempo na qual o protagonista percorre as diversas etapas da civilização humana. Outro modo de abordagem da ciência, neste caso, no cinema, é o filme Perdido em Marte (2015), de Hidley Scott, baseado na obra literária de mesmo nome. Antes de iniciar uma análise do livro, é necessário definirmos ciência. Neste, cenário Japiassú e Marcondes (2001), em seu dicionário de filosofia, trata a ciência como o saber que se adquire passível de ser transmitido: saber metódico e rigoroso, isto é, um conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos, mais ou menos sistematicamente organizados, e suscetíveis de serem transmitidos por um processo pedagógico de ensino (p. 35).
Apesar dessa definição de ciência como saber que pode ser transmitido, observa-se nos dias de hoje, que a imagem do cientista, principalmente no senso comum, é a daquele que se dedica a experimentos fantásticos e mágicos, uma vez que grande parte da ciência é feita de experimentos e observações que facultam essa imagem. No entanto, Japiassú e Marcondes (2001) salientam que a ciência tem como função propor uma explicação racional e objetiva de realidade e eles complementam: [a ciência] é a forma de conhecimento que não somente pretende apropriar-se do real para explicá-lo de modo racional e objetivo, mas procura estabelecer entre os fenômenos observados relações universais e necessárias, o que autoriza a previsão de resultados (efeitos) cujas causas podem ser detectadas mediante procedimentos de controle experimental (p. 35).
É com essa ótica que algumas obras são criadas para povoar a imaginação e incentivar a criatividade do leitor ou dos apaixonados pelo cinema. Um bom exemplo de uma obra ficcional cujo teor se encaixa perfeitamente como uma típica produção literária que traz traços de elementos de ciência é justamente o livro Perdido em Marte, lançado em 2015, cujo autor é Andy Weir. 1. Licenciatura/Bacharelado em Química pela Universidade Federal de Uberlândia.
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Essa obra de ficção relata a história do astronauta Mark Watney, que, junto com sua equipe, vai a Marte explorar e estudar os recursos naturais daquele planeta. Ocorre, porém, que Mark, durante uma tempestade de areia, é tido como morto pelos demais tripulantes e, que por isso, é deixado para trás. Uma vez sozinho em solos marcianos, o protagonista usa de vários recursos e artimanhas para conseguir, com muito bom humor, disposição, conhecimento e com o uso da tecnologia disponível no lugar, sobreviver naquele planeta inóspito, também conhecido como planeta vermelho, já que é constituído principalmente de óxido de ferro, substância presente na ferrugem e que dá a coloração avermelhada à superfície do planeta. Segundo Baxter (2013, p. 36-37), em seu livro A ciência de Avatar, o planeta Marte inspirou algumas das maiores obras dos primórdios da ficção científica, o que inclui A guerra dos mundos (2007), de H. G. Wells, em que os marcianos invadem o planeta para conseguir sangue humano e os romances da série Barsoom, de Edgar Rice Burroughs, como Uma princesa de Marte (2010) e Jonh Carter: entre dois mundos (2012). Em várias partes do livro Perdido em Marte, é muito claro o uso e a importância da ciência como um facilitador no dia a dia do personagem. Ao longo do livro, são inúmeras as vezes em que o autor faz citações usando nomes, fórmulas químicas, descrevendo os tipos de reações químicas, citando elementos da Tabela Periódica, cinética química, cálculo estequiométrico – por meio da utilização das unidades de medida – e, por fim, as reações de combustão. Sinaliza, assim, uma tendência de tratar de ciência no cinema na qual se percebe o emprego, principalmente da Química, nas situações mais inusitadas. É conveniente ressaltar que há outras passagens em que o escritor descreve, também, pormenorizadamente, aspectos relativos à Física e à Biologia. A Química, a Física e a Biologia são áreas do conhecimento bastante exploradas no decorrer da trama. Um excelente exemplo é o cultivo de batatas que o personagem cria para sobreviver ao longo dos dias. Nesse caso, em especial, por ser um botânico, ele se sai muito bem, o que facilita seu sustento por boa parte do tempo. A figura de um botânico fazendo parte da expedição científica enviada a Marte, na obra, é um indício de que a exploração do espaço guarda uma proximidade com as expedições científicas que se processaram no século XIX ao redor do mundo, período no qual a ciência também teve um papel importante, na explicação da origem das espécies, com o também botânico Charles Darwin. Ante esse fato, uma questão pode ser levantada: qual o interesse das expedições em outros planetas? Quais são os motivos dessas empreitadas? Baxter (2013, p. 35) faz uma observação ao mencionar a viagem da Apollo II em direção à Lua, que, de certa forma, ajuda a compreender as intenções da equipe de Perdido em Marte: os astronautas da Apollo II não foram lá “em paz por toda a humanidade”, como afirma a placa em seu módulo lunar, ou somente pela ciência, ou mesmo por prestígio nacional: “eles foram até lá em busca de recursos”.2 2. O mesmo ocorre no filme Avatar, de James Cameron, em que a RDA (Administração de Desenvolvimento de Recursos) organiza missões interestelares para a coleta de um mineral não identificado chamado unobtanium, de valor incalculável, por ser um supercondutor à temperatura ambiente (Baxter, 2013, p. 108).
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Curiosidade
O personagem Mark, contudo, além das habilidades como botânico, tem formação em Engenharia Mecânica e mostra, em algumas situações toda a sua destreza no conserto, na criação e na manutenção de todos os equipamentos considerados essenciais para conseguir se manter em Marte pelo tempo que fosse necessário. Um aspecto interessante de se ressaltar é a descrição do lugar e das condições climáticas, os quais o autor consegue deixar explícitos em todo o decorrer do livro. É até difícil distinguir o que é real do que é fictício. Diante dessa dúvida, porém, o que se pode reconhecer sem vacilar é que Mark Watney foi o único ser humano a ficar tanto tempo sozinho naquele planeta, que foi o primeiro a cultivar em solo marciano e que foi o único a dormir e acordar por meses a fio em um mundo totalmente inexplorado. Passados alguns meses desde que Mark começara a habitar o planeta desconhecido, uma cientista da NASA, na Terra, ao observar a superfície de Marte onde a expedição deu início às suas pesquisas, percebe alterações no solo do planeta. A estudiosa, então, tem uma enorme surpresa: Mark está vivo! A partir daí, toda a equipe da NASA se depara com seu maior desafio: trazê-lo de volta. Várias tentativas são feitas e muitos estudiosos se envolvem na tarefa com o objetivo de salvar o astronauta perdido em Marte. Depois de vários esforços frustrados, a NASA percebe que pode haver uma saída. Mas, como fazê-lo? Essa pergunta fica para ser respondida pelos possíveis leitores do livro, pois a obra por conjugar ciência e literatura, permite várias soluções. Fica, então, uma ressalva: apesar de as obras serem de ficção, podemos dizer que a realidade da ciência incide nelas? Sobre esse aspecto, Silva (2015) esclarece que a obra de ficção científica, seja ela uma obra literária ou um filme, pode trazer erros conceituais aos quais o leitor e o expectador precisam estar atentos: O filme, por se tratar de uma obra de ficção científica, não tem responsabilidade com a verdade e pode trazer erros conceituais, ainda que os autores tenham utilizado recursos humanos qualificados para tornar a obra o mais próximo possível da realidade (Silva et al., 2015, p. 162).
Referências BAXTER, S. A ciência de Avatar: a verdade e a ficção por trás das tecnologias do filme de maior bilheteria de todos os tempos. Trad. Humberto Moura Neto e Martha Argel. São Paulo: Cultrix, 2013. BURROUGHS, E. R. Uma princesa de Marte. Trad. Ricardo Giassetti. São Paulo: Aleph, 2010. ______. Jonh Carter: entre dois mundos. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012. JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. PERDIDO em Marte. Direção: Ridley Scott. Estados Unidos: Twentieth Century Fox, 2015. 122 min., color. SILVA, S. D. et al. O cinema e os quadrinhos: ferramentas alternativas para o ensino de química. Revista de Educação, Ciência e Cultura, Canoas, v. 20, n. 1, jan./jul. 2015, p. 155-164. WEIR, A. Perdido em Marte. 2. ed. Trad. Marcello Lino. São Paulo: Arqueiro, 2015. WELLS, H. G. A guerra dos mundos. Rio de Janeiro: Alfaguara/Objetiva, 2007. ______. A máquina do tempo. Trad. Fausto Cunha. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1991.
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