ReBEQ - v.11 n.2 - Revista Brasileira de Ensino de Química

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ISSN 1809-6158

VOLUME 11 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2016


VOLUME 11 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2016 Coordenação Geral Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias – UFRN Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP

Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe­ cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali­ zação e otimização do Ensino de Química.

Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq Revisão

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional

Clarice Villac Capa e Editoração Eletrônica Fabio Diego da Silva

1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos. CDD 540

Indexada

Índice para Catálogo Sistemático 1. Química

540

A division of the American Chemical Society Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.

Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br


Sumário 7

Editorial

ARTIGOS

10

Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa Deisiane Aparecida da Silva, Karen Priscila de Lima, Karla Karine Beltrame, Lídia Damasceno Ribeiro, Maykon Rodrigues Alves, Natalia Neves Macedo Deimling e Patrícia Valderrama

22

“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão Silmar José Spinardi Franchi e Pedro Faria dos Santos Filho

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

34

Katiane Pereira da Silva

41

Ciência Forense e Investigação Criminal: contextualizando a investigação através de uma proposta didática sobre conceitos associados às Ciências Exatas

Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade

Ana Paula Sebastiany, Angélica Schossler e Ana Paula Scheeren

51

Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química Maria Aparecida da Costa, Thais Mateus Vasconcelos, Yuri Alves Oliveira, Karla Amâncio Pinto Field’s e Renato Gomes Santos

63

Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB Francisco Ferreira Dantas Filho, Gilberlândio Nunes da Silva, Luciano Lucena Trajano, Helionalda Costa Silva e Thiago Pereira da Silva

70

Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada Alessandra Alves da Silva Melo e Enderson José Dias de Melo


QUÍMICA VERDE

93

A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico Adélio A. S. C. Machado

HISTÓRIA DA QUÍMICA

109

A Dualidade Onda-Partícula José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias

113 Resenha

115 Curiosidade

119

Normas para Publicação


Contents 7

Editorial

ARTICLES

10

Didactic-pedagogical Proposal to Teaching Chemistry: paper chromatography and quantitative analysis Deisiane Aparecida da Silva, Karen Priscila de Lima, Karla Karine Beltrame, Lídia Damasceno Ribeiro, Maykon Rodrigues Alves, Natalia Neves Macedo Deimling and Patrícia Valderrama

22

“Go Fishing...”: a chronicle about soap discovery Silmar José Spinardi Franchi and Pedro Faria dos Santos Filho

EXPERIENCES ACCOUNT

34

Katiane Pereira da Silva

41

Forensic Science and Criminal Investigation: contextualizing research through a didactic proposal on concepts associated with Exact Sciences

Citizen Chemistry: using knowledge in chemistry to help the community

Ana Paula Sebastiany, Angélica Schossler and Ana Paula Scheeren

and 51 Garbage teaching

Society: contextualization through CTSA approach in Chemistry

Maria Aparecida da Costa, Thais Mateus Vasconcelos, Yuri Alves Oliveira, Karla Amâncio Pinto Field’s and Renato Gomes Santos

63

History of Chemistry Olympiads in Paraíba State and its Contribution to the Training of UEPB Chemistry Teachers Francisco Ferreira Dantas Filho, Gilberlândio Nunes da Silva, Luciano Lucena Trajano, Helionalda Costa Silva and Thiago Pereira da Silva

70

Acceptability of Chemistry in the Secondary Education Among Students of the Public Systems in Comparison With Students of Private Network Alessandra Alves da Silva Melo and Enderson José Dias de Melo


GREEN CHEMISTRY

93

The Complexity of Safety in the Chemical Laboratory Adélio A. S. C. Machado

CHEMISTRY HISTORY

109

The Duality Wave-Particle José Maria F. Bassalo and Robson Fernandes de Farias

113 Review

115 Curiosity

119

Editorial Standards


Editorial Na infância de qualquer indivíduo, as escolhas e decisões são tomadas pelos seus pais e, de certa forma, ditadas pelos hábitos e costumes da região em que ele vive. Isso inclui aparência, vestuário, religiosidade e, obviamente, formação pessoal e escolar. As crianças estudam nas escolas que seus pais escolhem, usam os uniformes que a escola impõe e estudam aquilo que os professores orientam, nos livros que alguém seleciona. Em um estágio posterior, as crianças passam a escolher suas roupas, a adquirir a aparência que mais lhes agrada, a optar pela escola que mais as atrai, mas, ainda, continuam a estudar aquilo que foi previamente estipulado . Na adolescência, os jovens tendem a se tornar mais independentes, reinventam sua aparência, com muitos adereços inusitados, cabelos coloridos e adotam um estilo de vida quase próprio. Tudo é válido e não existe mais um padrão de comportamento, vestuário e aparência. Entretanto, esses adolescentes ainda se submetem às regras estabelecidas para sua formação intelectual, estudando aquilo que os professores orientam, nos livros que alguém seleciona, tendo se livrado somente do uniforme escolar... Apesar de toda a liberdade conseguida, este último aspecto ainda incomoda e traz muita inquietação: por que estudar aquilo que os outros determinam? Por que ler o livro que alguém escolheu? Por que estudar as mesmas coisas que outras pessoas que têm objetivos muito diferentes? Os argumentos utilizados para responder a essas questões sempre giraram em torno do fato de que são assuntos fundamentais cuja importância só será percebida no futuro. O problema é que a maioria das pessoas acaba não entendendo qual a razão de tudo isso. Os tempos mudaram e, atualmente, estamos prestes a experimentar uma situação inusitada em nosso país. Depois de toda a independência adquirida pelos jovens, eles passarão, também, a escolher aquilo que desejarem estudar, sem estarem sujeitos à tal obrigatoriedade que jamais foi entendida. Essa mudança no processo de formação de nossos jovens é hoje nosso grande desafio. Será que os professores estão preparados para essa nova realidade? Eles serão capazes de orientar adequadamente os jovens para a carreira profissional? É claro que, quando se cursa o ensino médio, tende-se a gostar daquilo que se é capaz de compreender ou que se aproxima de vivências e experiências passadas. Cabe, então, expressar algumas dúvidas e incertezas, considerando a maneira pela qual o ensino de Química vem sendo praticado: será que os alunos do ensino médio se sentirão seguros para optar por alguma carreira que os ‘obrigue’ a estudar Química? Será que eles não tenderão a se afastar dela por não a entenderem e não conseguirem inseri-la em suas vidas?


A ReBEQ vem avaliando/publicando muitos trabalhos estatísticos realizados em várias regiões do país, nos quais é evidente a falta de interesse e motivação dos discentes do ensino médio para estudar Química; nesses mesmos trabalhos, os alunos demonstram sua total insatisfação com essa disciplina, com a postura dos professores e com a dificuldade de assimilar os conteúdos que ela apresenta. Se esse cenário for mantido e os estudantes tiverem a possibilidade de escolher, será que eles optarão por estudá-la? Haverá emprego para os professores de Química que atuam no nível médio? Haverá demanda para os cursos de licenciatura que já existem no país? Não há como deixar de se preocupar com essas questões. A insatisfação dos alunos com o panorama atual do ensino de Química é marcante. É hora de repensarmos nossa postura como docentes e reavaliar o conteúdo e a forma pela qual ensinamos Química. Os professores mais jovens já perceberam todo esse cenário e estão tentando, de todas as formas, trazer uma nova dinâmica às aulas. Isso pode ser observado pela quantidade cada vez maior de trabalhos que são submetidos à ReBEQ que tratam do desenvolvimento de jogos didáticos, atividades lúdicas, resolução de casos, desenvolvimento de sites e animações que tratam de conteúdo químico, além de peças de teatro e até programas veiculados na TV. Essa nova geração de professores herdou a árdua tarefa de seduzir os alunos, despertar neles o interesse pela Química, e a ReBEQ alia-se a eles na divulgação das propostas de ensino que atendam a essa nova realidade que passaremos a experimentar em breve.

Coordenação Editorial


Artigos Articles

Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa Didactic-pedagogical Proposal to Teaching Chemistry: paper chromatography and quantitative analysis Deisiane Aparecida da Silva, Karen Priscila de Lima, Karla Karine Beltrame, Lídia Damasceno Ribeiro, Maykon Rodrigues Alves, Natalia Neves Macedo Deimling e Patrícia Valderrama

“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão “Go Fishing...”: a chronicle about soap discovery Silmar José Spinardi Franchi e Pedro Faria dos Santos Filho


Artigo 01 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

p. 10-21

Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa Didactic-pedagogical Proposal to Teaching Chemistry: paper chromatography and quantitative analysis Deisiane Aparecida da Silva1, Karen Priscila de Lima1, Karla Karine Beltrame1, Lídia Damasceno Ribeiro1, Maykon Rodrigues Alves1, Natalia Neves Macedo Deimling2 e Patrícia Valderrama3

Resumo Com o avanço da instrumentação científica, a cromatografia em papel passou a ser utilizada apenas para análises qualitativas. Todavia, em situações de ensino em que tais equipamentos não estão disponíveis, é possível ensinar sobre a análise quantitativa a partir da cromatografia em papel. Assim, o presente trabalho tem por objetivo discutir uma proposta didático-pedagógica para o ensino de análise quantitativa em cromatografia no ensino superior. Para o desenvolvimento dessa proposta foi realizada uma atividade experimental com estudantes de um curso de Licenciatura em Química de uma Universidade Pública. O desenvolvimento dessa atividade possibilitou tanto a articulação entre teoria e prática quanto o desenvolvimento de um ensino problematizador que permitisse a esses estudantes, sob a orientação do professor responsável pela disciplina, refletir, dialogar, questionar, analisar e avaliar o conteúdo abordado ao longo de todo o processo, tendo em 1. Acadêmicos do curso de Licenciatura em Química na Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Campo Mourão. 2. Docente na Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Campo Mourão. Pedagoga formada pela Universidade Estadual Paulista (UNESP, campus Araraquara), com Mestrado e Doutorado em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). 3. Docente na Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Campo Mourão. Bacharel em química pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), com Mestrado e Doutorado em Química Analítica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).


Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa

vista a superação de um ensino puramente técnico e mecânico. Com o desenvolvimento dessa atividade foi possível abordar conteúdos relacionados, entre outros aspectos, à cromatografia em papel, ao mecanismo de separação, às interações intermoleculares, aos tipos de fase móvel e estacionária e à análise qualitativa e quantitativa. Ao longo de todo o processo os estudantes também foram motivados a analisar e avaliar a melhor maneira de se trabalhar tais conteúdos em uma situação de ensino-aprendizagem na disciplina de química da educação básica. Palavras-chave: Cromatografia; Análise quantitativa; Ensino de Química; Experimentação. Abstract Due to the development of technological equipments on last decades, paper chromatography has being done only to qualitative purposes. Nonetheless, to teaching situations in which those equipment are not available it is possible to use paper chromatography as a quantitative technique. Therefore, this study aims to discuss a proposal to the qualitative analysis teaching by using paper chromatography to higher education. In order to develop the project, an experimental problematizing activity involving students from teaching degree from a Public University was carried out. This activity development provided skills on theoretical-practical managing besides the development of a problematizing teaching which allowed for discussions over related contents, among other issues, the paper chromatography, the separation mechanism, intermolecular interactions, mobile and stationary phases and qualitative and quantitative analysis, which transposes a pure mechanical and technical teaching. Throughout the process, the students were also motivated to analyze and evaluate the best way to work on these issues in a teaching-learning situation to chemistry for basic education. Key-words: Chromatography; Quantitative analysis; Chemistry teaching; Experimentation.

1

Introdução

ponentes de uma mistura, realizada por meio da distribuição desses componentes em duas fases

Ao longo da história da humanidade, diferen-

que se encontram em contato. Nessa distribuição,

tes métodos de separação de substâncias foram

uma das fases permanece estacionária, enquanto

elaborados e utilizados pelo homem. Mais con-

a outra se move através dela. Nesse processo, os

temporaneamente, no século XIX, cientistas já uti-

componentes de uma mistura são distribuídos

lizavam diferentes sólidos para auxiliar na remo-

pelas duas fases de tal forma que cada um deles é

ção de alguns componentes ou no fracionamento

seletivamente retido pela fase estacionária, o que

de líquidos e, ainda nesse século, Schönbeim e

resulta em migrações diferenciais (Collins. Braga;

Goppelscröder introduziram métodos de sepa-

Bonato, 2006, p. 17).

ração feitos em tiras de papel com desenvolvi-

São muitas as propostas experimentais publi-

mento ascendente (Collins, 2009). Entretanto, foi

cadas na literatura científica que abordam o tema

somente no século seguinte que a palavra ‘croma-

cromatografia (Fraceto; Lima, 2003; Fonseca;

tografia’ foi introduzida ao mundo da ciência por

Gonçalves,

Michael Semenovich Tswett (Collins, 2009).

Entretanto, considerando que ao longo das últimas

2004;

Ribeiro;

Nunes,

2008).

Cromatografia, por definição, trata-se de um

décadas a análise quantitativa aplicada a méto-

método físico-químico de separação dos com-

dos cromatográficos tem sido realizada quase que

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa

exclusivamente por equipamentos e detectores

situações próprias do ambiente da educação esco-

tecnológicos, os quais, por sua precisão, tornam a

lar. De acordo com Abreu et al. (2006), tais ativi-

cromatografia uma técnica de separação extrema-

dades estão relacionadas à formação profissional,

mente confiável, pouca atenção vem sendo dispen-

inclusive as de natureza acadêmica que se voltam

sada pela literatura a experimentos que envolvam

para a compreensão das práticas educativas, de

a cromatografia em papel aliada também à análise

aspectos variados da cultura das instituições edu-

quantitativa. Todavia, em situações de ensino em

cacionais e de suas relações com a sociedade e

que tais equipamentos e detectores tecnológicos

com as áreas específicas de conhecimento.

não estão disponíveis para a determinação quan-

O plano de ensino da disciplina Métodos

titativa, é possível ensinar como proceder a uma

Cromatográficos deste curso de licenciatura conta

análise quantitativa também a partir da cromato-

com 30 horas/aula de APCC. Para o desenvolvi-

grafia em papel.

mento desta atividade experimental foram utili-

Tendo em vista esses aspectos, e conside-

zadas 10 horas/aula de APCC. O experimento foi

rando a importância do desenvolvimento de

realizado por cinco estudantes, sob orientação da

novas propostas metodológicas para o processo

professora responsável pela disciplina, por meio

de ensino-aprendizagem de conteúdos químicos,

do desenvolvimento de um experimento que

objetivou-se com este trabalho relatar uma ativi-

visava à determinação quantitativa em cromato-

dade de experimentação problematizadora desen-

grafia em papel. Tal experimento foi realizado a

volvida com estudantes da disciplina Métodos

partir de uma perspectiva problematizadora.

Cromatográficos do curso de licenciatura em

É de conhecimento dos profissionais da edu-

Química de uma Universidade pública do interior

cação o fato de a experimentação despertar grande

do Estado do Paraná, tendo como base um método

interesse entre estudantes de diversos níveis de

de análise descrito por Cecchi (2003).

escolarização. Alguns estudos sobre experimenta-

A atividade proposta consistiu numa estratégia

ção para o ensino de ciências (Maldaner; Piedade,

para contextualização do tema cromatografia em

1995; Giordan, 1999; Galiazzi; Gonçalves, 2004)

papel e análise quantitativa do método, o qual foi

afirmam que os professores a consideram relevante

adaptado e modificado para a realidade dos labo-

por contribuir para o aprendizado dos conceitos

ratórios de ensino da Universidade. Tal atividade

científicos por parte dos estudantes e para a refle-

foi desenvolvida no âmbito do que se denomina

xão e análise de diferentes aspectos teóricos arti-

de Atividade Prática como Componente Curricular

culados intrinsecamente à prática. De acordo com

(APCC) da disciplina Métodos Cromatográficos.

Giordan (1999), a experimentação pode ser condu-

Segundo o Conselho Nacional de Educação (Brasil,

zida pelos professores de duas maneiras distintas:

2002), que institui as Diretrizes Curriculares para

a ilustrativa, empregada para demonstrar concei-

Formação de Professores, os cursos de licenciatura

tos discutidos anteriormente sem uma discussão

devem garantir em suas atividades pedagógicas as

aprofundada sobre os resultados experimentais; ou

APCC, as quais concorrem conjuntamente para a

investigativa, empregada anteriormente à discus-

formação da identidade do professor como educa-

são conceitual, visando a obtenção de informações

dor e visam, por meio da articulação entre teoria e

que subsidiem a discussão teórica.

prática, estabelecer um movimento contínuo entre

Tendo em vista apresentar uma nova proposta

o saber e o fazer na busca de significados no pro-

para o desenvolvimento de atividades dessa natu-

cesso de ensino-aprendizagem e na resolução de

reza, surge o conceito de experimentação proble-

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Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa

matizadora, a partir da qual os estudantes têm a

em papel por meio de uma atividade experimental

possibilidade de analisar, argumentar e discutir

problematizadora.

com o professor e com os colegas o conteúdo

Para o desenvolvimento da atividade expe-

durante todos os momentos da atividade experi-

rimental foram utilizados os seguintes reagen-

mental, e não apenas no início ou final da mesma.

tes: álcool etílico absoluto (99,5º GL, Tec-Lab),

Nessa atividade, o estudante passa a assumir os

hidróxido de amônio (Êxodo Científica), cloreto

desafios não apenas como ponto de chegada, mas

de sódio (sal de cozinha comercial), corantes ali-

também como ponto de partida e como elemento

mentícios em pó (MIX Coralim): amarelo cre-

problematizador da prática investigativa (Galiazzi;

púsculo, bordeaux S (INS 123), azul brilhante

Gonçalves, 2004). Nessa perspectiva, elimina-se a

FCF, vermelho 40, tartrazina. Além disso, foram

ênfase apenas em aspectos teóricos ou práticos no

utilizados também materiais como papel de filtro

processo de ensino-aprendizagem, como se fossem

qualitativo (Unifil), capilares de vidro, tesoura,

elementos dissociáveis. Ao contrário, reconhece-

régua, lápis, balão volumétrico de 10 mL e

-se que a formação teórica e a formação prática se

100 mL, béquer de 10 mL e 250 mL, vidro de

configuram como diferentes etapas de um mesmo

relógio e espátula.

processo de aprendizagem e são, portanto, igual-

A partir dos corantes alimentícios foram pre-

mente importantes e necessárias para a formação

paradas soluções contendo em sua composição,

profissional e, neste caso particular, para a forma-

amostra 1: bordeaux S e azul brilhante FCF; amos-

ção docente, objetivo dos cursos de Licenciatura.

tra 2: vermelho 40, azul brilhante FCF e tartrazina;

Com o desenvolvimento dessa atividade expe-

amostra 3: amarelo crepúsculo e bordeaux S. Um

rimental foi possível abordar conteúdos relacio-

total de 6 soluções foram preparadas, para cada

nados, entre outros aspectos, à cromatografia em

uma das 3 amostras, com dissolução dos corantes

papel, ao mecanismo de separação, às interações

em solução de hidróxido de amônio 2,0 % utili-

intermoleculares, aos tipos de fase móvel e esta-

zando balão volumétrico de 10 mL. As concentra-

cionária e à análise qualitativa e quantitativa.

ções utilizadas foram 0,01; 0,02; 0,03; 0,035; 0,04

Considerando o fato de se tratar de um curso de

e 0,05 g/mL. A amostra com concentração 0,035

Licenciatura, os estudantes também foram moti-

g/mL foi preparada com o objetivo de servir como

vados, ao longo de todo o processo, a analisar e

amostra teste na avaliação do desempenho da pro-

avaliar a melhor maneira de se trabalhar tais con-

posta.

teúdos em uma situação de ensino-aprendizagem

Após a preparação das amostras, em um pri-

da educação básica no âmbito da disciplina de

meiro momento, elas foram aplicadas em fita de

Química.

papel de filtro qualitativo, com dimensões aproximadas de 5,0 por 8,0 cm. Uma gota de cada solu-

2

Método de trabalho

ção foi aplicada, com um capilar, cerca de 1 cm acima da base do papel. Nessa etapa foi tomado

Tendo em vista a ausência de alguns recursos

o cuidado para que o diâmetro da mancha não

tecnológicos necessários à análise quantitativa

ultrapassasse 0,5 cm, conforme recomendado em

aplicada a métodos cromatográficos em algumas

outras propostas experimentais sobre o tema cro-

instituições escolares e universitárias, buscamos

matografia em papel (Ribeiro; Nunes, 2008).

neste trabalho discutir uma proposta metodológica

A cuba cromatográfica foi preparada com

para a determinação quantitativa em cromatografia

um béquer de vidro de 250 mL coberto com um

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Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa

vidro de relógio de tamanho apropriado, onde foi colocada a fase móvel composta por uma solu-

3

Resultados e discussões

ção 2% de cloreto de sódio em etanol 50%. A

A partir do desenvolvimento da atividade expe-

cuba cromatográfica foi preparada antes do início

rimental, foi possível observar grande participação

da aplicação das amostras no papel, para que a

dos estudantes que, sob a mediação do professor

atmosfera interna ficasse saturada com vapores

regente da disciplina, puderam de maneira significa-

da fase móvel para facilitar o desenvolvimento

tiva compreender o processo de análise quantitativa

cromatográfico.

em cromatografia em papel, considerando os casos

Após a evaporação do solvente no qual a amos-

em que não há recursos tecnológicos para a reali-

tra estava diluída para aplicação, a fita de papel foi

zação de análise quantitativa na disciplina de méto-

posicionada na cuba cromatográfica de modo que

dos cromatográficos. A problematização, ocorrida

o nível da fase móvel ficasse abaixo do ponto onde

durante todo o processo de trabalho, teve como base

a amostra havia sido aplicada. Ao fim do desen-

as questões que precisariam ser resolvidas e, em

volvimento do cromatograma, este foi removido

consequência, os conhecimentos que seriam neces-

da cuba cromatográfica e, com um lápis, foi mar-

sários dominar para a compreensão dessa prática.

cada a frente do solvente, onde terminou a eluição,

A seguir, são apresentados os resultados do processo experimental, o qual foi amplamente discu-

antes da sua evaporação. Em seguida, após a evaporação da fase móvel,

tido e problematizado pelo professor e pelos estu-

foi medida a distância percorrida pelo corante

dantes da disciplina ao longo de toda a atividade

(dr), desde o ponto de aplicação da amostra até

experimental.

o centro da mancha, e a distância percorrida pela

Os corantes artificiais permitidos em alimen-

fase móvel (dm), desde o ponto de partida até o

tos são derivados ácidos, cuja extração a partir de

ponto extremo atingido por ela. Essas medidas

amostras alimentícias pode ser conduzida através

foram realizadas com a finalidade de calcular

de hidróxido de amônio (Cecchi, 2003), justifi-

o fator de retardamento RF. A área ocupada por

cando assim seu uso para a diluição dos coran-

cada mancha no cromatograma foi recortada com

tes utilizados nessa proposta experimental. Além

uma tesoura e suas massas foram determinadas

disso, o corante artificial amarelo crepúsculo é

em uma balança analítica com precisão de 0,1

mais estável em pH básico, encontrando-se em

mg. Curvas analíticas, ou de calibração foram

sua forma protonada em pH alcalino (Ostroski;

construídas a partir da massa do papel delimitada

Bariccatti; Lindino, 2005). Os corantes amarelo

pela mancha dos corantes eluídos em função da

crepúsculo, bordeaux S, vermelho 40 e tartra-

concentração padrão das amostras utilizando o

zina pertencem à classe dos corantes monoazo

software Matlab. Porém softwares como Origin,

que compreende vários compostos que apresen-

Excel, entre outros, também podem ser utilizados

tam um anel naftaleno ligado a um segundo anel

nesse processo.

benzeno por uma ligação azo (N=N). Esses anéis

Ao longo de todas as etapas da atividade

podem conter um, dois ou três grupos sulfônicos.

experimental, a prática foi sendo continuamente

O corante eritrozina é um corante pertencente à

discutida e problematizada entre professor e estu-

classe dos xantenos, insolúvel em pH abaixo de

dantes e entre os próprios estudantes, tendo em

5,0 enquanto o corante azul brilhante pertence à

vista sua articulação constante com o conteúdo

classe dos trifenilmetanos. A Tabela 1 resume as

teórico-prático trabalhado na disciplina.

principais características dos corantes utilizados

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879,86194

Xanteno

Massa molar

Classe

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016 Bordeaux S

Monoazo

604,46361

C20H11N2Na3O30S3

Sal tri-sódico do ácido 3-hidroxi-4-(4-sulfo-1naftilazo)-naftaleno-2,7-disulfonato

Fonte:  Adaptado de <http://www.insumos.com.br/aditivos_e_ingredientes/materias/119.pdf>.

Monoazo

452,36374

C16H10N2Na2O7S2

C20H6I4Na2O5

Fórmula molecular

Amarelo crepúsculo Sal di-sódio 6-hidroxi-5[(4-sulfofenil) azo]naftaleno-2sulfonato

Eritrosina

Sal di-sódico 2,4,5,7-tetraiodo fluoresceina

Nome químico

Nome usual

Tabela 1.  Propriedade dos corantes. Vermelho 40

Monoazo

496,41674

C18H14N2Na2O8S2

Sal di-sódico de 1-(2-metoxi-5-metil-4sulfofenilazo)-2-naftol6-sulfonato

Tartrazina

Azul brilhante FCF

Monoazo

534,35781

C16H9N4Na3O9S2

Trifenilmetano

792,84314

C37H34N2Na2O9S2

Sal tri-sódico 5-hidroxi- Sal tri-sódico de 4’,4”-di 1-(4-sulfofenil)-4-[(4(N-etil-3-sulfonatobenzil sulfofenil) azo]amino)-trifenil metil-2pirazole-3-carboxilato sulfonato

Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa

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Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa

nessa proposta experimental e pode auxiliar o pro-

na compreensão do uso da fase móvel utilizada

fessor em discussões acerca de funções orgânicas.

nessa proposta experimental. O álcool comporta-

Na Figura 1 é apresentada a estrutura química dos

-se como um solvente menos polar que a água e

corantes com as funções que os classificam, desta-

é utilizado na proporção 50% de álcool e 50% de

cadas em vermelho.

água, assegurando que a celulose permaneça satu-

A cromatografia em papel é considerada um

rada com água. O cloreto de sódio presente na

tipo de cromatografia líquido-líquido no qual o

concentração 2% modifica a força iônica da fase

papel, através das moléculas de celulose, incor-

móvel garantindo que as moléculas dos corantes se

pora moléculas de água. É esta água absorvida

mantenham em sua forma protonada.

sobre a celulose que funciona como fase estacio-

Nesse sentido, o desenvolvimento cromato-

nária. Para assegurar que a celulose permaneça

gráfico foi conduzido nas amostras 1, 2 e 3. Um

saturada com água, muitas fases móveis usadas em

esquema dos cromatogramas, após eluição, para

cromatografia em papel contêm água como um dos

cada uma das amostras é ilustrado na Figura 2.

seus componentes (Neto; Nunes, 2003). Isso ajuda

No caso da amostra número 1 analisou-se somente

OH

(a) [Na]O3S

N

OH

(b) [Na]O3S

N

N

N

SO3[Na]

(c)

OMe

SO3[Na]

OH

N

[Na]O3S

SO3[Na]

OH

(d)

N

[Na]O3S

N

N

[Na]O3S

N

SO3[Na]

N

COO[Na] CH3

SO3[Na]

(e)

H5C 2

+

N

N H2 O

[Na]O3S

C2H5 CH2 SO3[Na]

SO3[Na]

Figura 1.  Estrutura química dos corantes. (a) Amarelo crepúsculo; (b) Bordeaux S; (c) Vermelho 40; (d) Tartrazina; (e) Azul brilhante FCF. Fonte:  Adaptado de <http://www.insumos.com.br/aditivos_e_ingredientes/materias/119.pdf>.

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa

1

2

3

4

5

6

1

2

3

4

5

a

6

1

2

3

b

4

5

6 c

Figura 2.  Esquema de cromatogramas típicos dos corantes nas misturas. (a) Bordeaux S e azul brilhante FCF; (b) Tartrazina, vermelho 40 e azul; (c) Bordeaux S e amarelo crepúsculo.

o corante bordeaux S, enquanto que na amostra

dos constituintes da terceira amostra, Figura 2c,

número 2 somente o corante vermelho 40 foi ana-

verificou-se que o bordeaux S é mais polar que

lisado. Isto porque os outros corantes presentes

o corante amarelo crepúsculo, sendo esse último

nessas amostras estavam em uma concentração

mais facilmente carregado pela fase móvel de

muito baixa, dificultando uma análise quantitativa.

caráter apolar.

Entretanto, visualmente foi possível identificar a

Através dos cromatogramas obtidos foi possí-

presença dos demais corantes em cada uma das

vel comprovar a possibilidade da análise quantita-

amostras. Na amostra número 3, foi possível ava-

tiva a partir de dois métodos: 1. Área da mancha, através das massas dos

liar os dois corantes presentes. No caso da primeira mistura de corantes,

pedaços de papel delimitado pelo pico,

Figura 2a, verificou-se que o corante bordeaux S

contendo o corante eluído nas diferentes

é mais polar que o corante azul brilhante FCF. Na

concentrações (Collins; Braga; Bonato, 2006);

segunda amostra, contendo uma mistura de três

2. Comparação da intensidade das cores

corantes, Figura 2b, verificou-se que a tartrazina

reveladas (Collins; Braga; Bonato, 2006).

foi mais polar que o vermelho 40, enquanto o azul brilhante foi o corante que apresentou caráter mais apolar. Para essa amostra, não foi possível

A construção de curvas analíticas permitiu

a quantificação do corante tartrazina, possivel-

aos estudantes verificar a existência de uma rela-

mente devido à sua baixa concentração na amos-

ção linear entre as massas dos pedaços de papel

tra comercial de corante utilizada. Na separação

delimitado pelo corante eluído nas diferentes con-

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

17


Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa

centrações e as respectivas concentrações iniciais

0,9856. Os resultados do coeficiente de correla-

das soluções padrão. A Figura 3 apresenta as cur-

ção para todas as curvas analíticas construídas são

vas analíticas para a quantificação dos corantes

apresentados na Tabela 2.

bordeaux S na amostra 1 – Figura 3a, vermelho

Os resultados para a previsão da concentração

40 na amostra 2 – Figura 3b, amarelo crepúsculo

de amostras testes foram obtidos utilizando a equa-

– Figura 3c e bordeaux S – Figura 3d na amostra

ção da reta originada a partir das curvas analíti-

número 3. Para essas curvas analíticas, o menor

cas e estão apresentados na Tabela 2, que mostra

coeficiente de correlação foi 0,8915, enquanto

também os valores de erro absoluto oriundos da

o maior coeficiente de correlação alcançado foi

previsão das amostras testes.

0.014

0.022

0.013

y = 0.15*x + 0.0055

0.02

y = 0.27*x + 0.0083

0.018

0.011

Massa (g)

Massa (g)

0.012 0.01 0.009

0.016 0.014 0.012

0.008 0.007

0.01

(a)

0.006 0.01

0.015

0.02

0.025

0.03

0.035

0.04

0.045

0.008 0.01

0.05

(b) 0.015

0.02

Concentração (g/mL)

12

y = 0.14*x + 0.0045

Massa (g)

Massa (g)

10 9 8 7 6 5 0.01

(d) 0.015

0.02

0.025

0.03

0.035

0.03

0.035

0.04

0.045

0.05

Concentração (g/mL)

x 10-3

11

0.025

0.04

0.045

0.05

0.022 0.021 y = 0.22*x + 0.011 0.02 0.019 0.018 0.017 0.016 0.015 0.014 0.013 0.012 0.01 0.015 0.02

(d) 0.025

0.03

0.035

0.04

0.045

0.05

Concentração (g/mL)

Concentração (g/mL)

Figura 3.  Curvas analíticas. (a) Bordeaux S proveniente da primeira amostra; (b) Vermelho 40; (c) Amarelo crepúsculo; (d) Bordeaux S proveniente da terceira amostra.

Tabela 2.  Coeficiente de correlação para as curvas analíticas e parâmetros da previsão. Curva Analítica

Coeficiente de correlação (R)

Massa do papel delimitado pelo corante eluido na solução teste (g)

Concentração prevista (g/mL)

Erro absoluto (g/mL)

Figura 3a

0,9430

0,0096

0,027

0,008

Figura 3b

0,8915

0,0200

0,043

0,008

Figura 3c

0,9856

0,0095

0,036

0,001

Figura 3d

0,9556

0,0161

0,023

0,012

18

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa

O maior valor de erro absoluto observado na

Bonato, 2006, p. 63), esse tipo de análise é con-

etapa de previsão das amostras testes foi de 0,012 g/

siderada semiquantitativa e apresenta resultados

mL, enquanto o menor valor foi de 0,001 g/mL.

com uma margem de erro de mais ou menos 20%.

Esses resultados podem ser considerados satisfató-

Além dos conceitos quantitativos da análise cro-

rios para os fins aos quais se destina essa proposta

matográfica, conceitos de análise qualitativa tam-

experimental, e permitem introduzir conceitos de

bém podem ser abordados, como a determinação do

análise quantitativa aplicada a dados cromatográfi-

fator de retardamento (RF) através da equação 1:

cos. Menores erros, bem como maiores coeficien-

(1)

tes de correlação, poderiam ter sido alcançados se as amostras tivessem sido aplicadas no papel cro-

A distância percorrida pela substância (dr) foi

matográfico com o auxílio de uma micropipeta. A Figura 4 apresenta uma fotografia digital do

medida desde o ponto de aplicação da amostra até

cromatograma obtido para a amostra número 3.

o centro da mancha. A distância percorrida pela

Analisando esse cromatograma, por comparação

fase móvel (dm) foi medida desde o ponto de par-

da intensidade das cores reveladas e dos tamanhos

tida até o ponto extremo atingido por ela. A Tabela

das manchas padrão, verifica-se que o resultado

3 apresenta os valores de RF para todas as soluções

da amostra teste, (representada pelo número 4)

padrão e amostra teste em todas as cinco amostras

apresenta resultado intermediário entre a amos-

utilizadas. Os valores de RF encontrados na litera-

tra com concentração 0,03 g/mL (representada

tura (Takashima; Takata; Nakamura, 1988), com o

pelo número 3) e 0,04 g/mL (representada pelo

mesmo tipo de fase móvel, foram também dispos-

número 5). Segundo a literatura (Collins; Braga;

tos na última coluna da Tabela 3. Como é possível observar, os valores de RF obtidos no experimento proposto são concordantes com os valores descritos na literatura (Takashima; Takata; Nakamura, 1988). Assim, a proposta experimental apresentada também pode ser utilizada na introdução de conceitos sobre análise qualitativa em cromatografia. Durante o desenvolvimento do experimento, os estudantes foram solicitados a interpretar os resultados observados e apresentar informações que subsidiassem discussões sobre o problema proposto. Nessa perspectiva, eles puderam compreender não apenas os conceitos, mas também sua relação com os fenômenos, elementos e experiências práticas relacionadas ao conteúdo. Isso foi possível a partir da problematização e das reflexões e discussões orais e escritas em relatórios sobre o desafio proposto, bem como pela mediação rea-

Figura 4.  Cromatograma obtido para a separação dos corantes na amostra número 3.

lizada pelo professor no decorrer do processo de ensino-aprendizagem.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa

Tabela 3.  Valores de RF dos corantes analisados. Corante

Bordeaux S Cromatograma Figura 3a

Vermelho 40 Cromatograma Figura 3b

Amarelo crepúsculo Cromatograma Figura 3c

Bordeaux S Cromatograma Figura 3d

4

Amostra

Concentração (g/mL)

dr (cm)

dm (cm)

RF

1

0,01

1,7

0,32

2

0,02

1,8

0,34

3

0,03

1,9

4 (teste)

0,035

1,7

5,3

0,35

5

0,04

2,0

0,38

0,05

1,9

0,35

1

0,01

3,2

0,68

2

0,02

3,3

0,70

3

0,03

3,3

4 (teste)

0,035

3,4

0,70

5

0,04

3,4

0,72

0,05

3,4

0,72

1

0,01

4,0

0,61

2

0,02

4,2

0,64

3

0,03

4,1

4 (teste)

0,035

4,6

0,62

0,68

0,69

5

0,04

4,7

0,71

6

0,05

5,0

0,76

1

0,01

1,5

0,23

2

0,02

1,6

0,24

3

0,03

1,7

4 (teste)

0,035

1,7

6,6

0,67-0,85

0,72

6

6,6

0,33

0,32

6

4,7

RF (Takashima; Takata; Nakamura, 1988)

0,26

0,33

0,26

5

0,04

1,7

0,26

6

0,05

2,0

0,30

nação semiquantitativa, enquanto que o emprego

Considerações finais

da curva analítica ou de calibração, obtida a partir

A partir do desenvolvimento dessa atividade foi

das massas dos pedaços de papel delimitado pelo

possível, mesmo com a ausência de equipamentos

corante eluído em função dos valores de concen-

tecnológicos, discutir com os estudantes as possibi-

tração padrão, possibilitou a realização de análises

lidades de determinação quantitativa com o uso da

quantitativas com ajuste linear, representado pelo

cromatografia, empregando amostras de corantes

valor dos coeficientes de correlação, superiores

alimentícios artificiais, para análises qualitativas

a 0,89. Vale ressaltar que os resultados obtidos

e quantitativas. Com essa atividade, os estudantes

para a determinação quantitativa em cromatogra-

puderam compreender que a análise qualitativa

fia em papel poderiam apresentar menores erros

pode ser realizada pela visualização da separação

e maiores coeficientes de correlação se a apli-

cromatográfica dos constituintes presentes em cada

cação da amostra sobre o papel tivesse sido rea-

corante e pela comparação dos valores de RF.

lizada com uma micropipeta. Mesmo assim, os

Nas análises quantitativas, através da inten-

resultados alcançados mostraram a potencialidade

sidade de cor, foi possível realizar uma determi-

do experimento como proposta para o ensino de

20

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Proposta Didático-pedagógica para o Ensino de Química: cromatografia em papel & análise quantitativa

análise quantitativa de dados cromatográficos.

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial da União, Brasília, 4 mar. 2002, Seção 1, p. 8-9.

Além disso, a atividade experimental realizada permitiu discussões elucidativas sobre interações intermoleculares, polaridade, funções orgânicas e quantificações empregando curvas analíticas. A simplicidade do experimento torna sua realização viável em laboratórios que não dispõem de muitos recursos materiais. Com este trabalho foi possível também observar grande participação dos estudantes, o que evidencia a importância de atividades experimentais problematizadoras, tanto para o desenvolvimento de trabalhos colaborativos quanto para a articulação entre teoria e prática. Consideramos que tal abordagem didática tenha favorecido o aprendizado desafiador e significativo de conhecimentos necessários à formação dos estudantes e à sua futura atuação profissional. Da mesma forma, a atividade experimental realizada possibilitou, na medida do possível, a superação do paradigma tradicional e tecnicista da educação, a partir do qual a teoria é, de maneira descontextualizada, simplesmente aplicada à prática ou ilustrada por meio desta. Ao contrário, a experimentação problematizadora possibilita a professores e estudantes a constante articulação entre teoria e prática e, como consequência, contribui para a superação da dicotomia entre essas duas dimensões indissociáveis nos cursos de Licenciatura em Química. Um trabalho desenvolvido nessa perspectiva permite tanto a mediação do professor quanto a iniciativa dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem.

5

Referências ABREU, D. G. et al. Uma proposta para o ensino da química analítica qualitativa. Química Nova, v. 29, n. 6, p. 1381-1386, 2006. BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui

CECCHI, H. M. Fundamentos teóricos e práticos em análise de alimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2003. COLLINS, C. H. Michael Tswett e o “nascimento” da cromatografia. Scientia Chromatographica, v. 1, n. 1, p. 7-20, 2009. ______.; BRAGA, G. L.; BONATO, P. S. Fundamentos de cromatografia. Campinas: Editora da Unicamp, 2006. FONSECA, S. F.; GONÇALVES, C. C. S. Extração de pigmentos de espinafre e separação em coluna de açúcar comercial. Química Nova na Escola, n. 20, p. 55-58, 2004. FRACETO, L. F.; LIMA, S. L. T. Aplicação da cromatografia em papel na separação de corantes em pastilhas de chocolate. Química Nova na Escola, n. 18, p. 46-48, 2003. GALIAZZI, M. C.; GONÇALVES, F. P. A natureza pedagógica da experimentação: uma pesquisa na licenciatura em Química. Química Nova, v. 27, n. 2, p. 326-329, 2004. GIORDAN, M. O papel da experimentação no ensino de ciências. Química Nova na Escola, 10, p. 43-49, 1999. MALDANER, G.; PIEDADE, M. C. T. Repensando a Química: a formação de equipes de professores/ pesquisadores como forma eficaz de mudança da sala de aula em química. Química Nova na Escola, v. 1, p. 15-19, 1995. NETO, F. R. de A.; NUNES, D. da S. e S. Cromatografia: princípios básicos e técnicas afins. Rio de Janeiro: Interciência, 2003. OSTROSKI, I.; BARICCATTI, R. A.; LINDINO, C. A. Estabilidade dos corantes tartrazina e amarelo crepúsculo em refrigerantes. Acta Scientiarum Technology, v. 27, n. 2, p. 101-106, 2005. RIBEIRO, N. M.; NUNES, C. R. Análise de pigmentos de pimentões por cromatografia em papel. Química Nova na Escola, n. 29, p. 34-37, 2008. TAKASHIMA, K.; TAKATA, N. H.; NAKAMURA, W. M. Separação e identificação de corantes sintéticos para fins alimentícios solúveis em água. Semina, v. 9, n. 4, p. 171-174, 1988.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Artigo 02 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

p. 22-32

“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão “Go Fishing...”: a chronicle about soap discovery Silmar José Spinardi Franchi1 e Pedro Faria dos Santos Filho2

Resumo Especialistas em ensino apontam que o ensino de Química deva ser centrado na inter-relação entre o conhecimento químico e o contexto social. Nesse trabalho, descrevemos uma crônica inédita, que enfatiza a inter-relação entre o conhecimento químico e o contexto social, buscando reunir subsídios para a discussão do tema “sabão”, com enredo próprio e inovador. Esse material foi exposto a um grupo de alunos e avaliado por meio de um questionário. Sua aceitação foi muito grande, com os alunos salientando as vantagens em termos da forma escolhida para expor determinado conhecimento químico, o cuidado na linguagem, diálogos e situações do cotidiano, que tornam o aprendizado da Química mais prazeroso. Essas indicações nos motivam a continuar a desenvolver outras crônicas para o ensino de Química e divulgá-las à comunidade acadêmica e escolar. Palavras-chave: Crônicas; Ensino de Química; Cotidiano; Material contextualizado. Abstract Teaching specialists point that chemistry teaching must be centered on the inter relations between chemistry knowledge and social context. In this work we describe an unpublished chronicle which enphasizes the relation between chemistry knowledge and the social context, in order to discuss the topic “soap” in a totally new and original approach. The material was applied to the students of medium 1. Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Blumenau. 2. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Química.


“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão

level and valuated through a questionary. The acceptance was very high among the students, which pointed out the language, dialogs and situations as the main advantages of this proposal towards the chemistry teaching. These indications encouraged us to continue the development of chronicles for chemistry teaching in order to share them with the community of teachers. Key-words: Chronicles; Chemistry teaching; Contextualized material.

1

Introdução

Quando se fala de contextualização de conhecimento (Wharta; Silva; Bejarano, 2013), se quer

A Química está presente de maneira muito

salientar o fato de que esse termo pode ser utili-

acentuada na sociedade e no cotidiano das pessoas;

zado de maneira mais abrangente do que a citada

entretanto, o seu ensino, em qualquer nível, ainda

até o presente momento, considerando também a

é um desafio a ser superado. No entanto, uma das

importância do cotidiano dos alunos, sua vivência

formas válidas para aproximar o aluno à reali-

e experiência de vida, assim como toda a experiên-

dade da Química é, justamente, explicá-la de uma

cia didática do professor de Química (ou Ciências,

maneira interdisciplinar. A interdisciplinaridade

de maneira geral). Considera-se também a sabedo-

tem sido pauta na maior parte das discussões sobre

ria popular e eventos/fatos históricos que, além de

educação e sobre o conhecimento científico, sendo

servir de fonte para contextualizar conceitos quí-

quase uma exigência do mercado de trabalho; além

micos, podem apresentar esses conceitos, mesmo

disso, especialistas em Ensino de Química salien-

que de maneira oculta para a maioria das pessoas.

tam que seu ensino deve estar centrado na inter-

Segundo Silveira e Kiouranis (2008), é funda-

-relação entre conhecimento químico e contexto

mental para os alunos do Ensino Médio compreen-

social (Santos; Schnetzler, 1997).

der que a ciência Química está fortemente relacio-

Segundo Silva (2003), contextualização é

nada com a cultura contemporânea e que, por meio

entendida como um dos recursos para realizar

dela, é possível estabelecer um diálogo inteligente

aproximações/inter-relações entre conhecimen-

com o mundo. Também, é imprescindível buscar

tos escolares e fatos/situações presentes no dia a

formas para sensibilizar os professores na escolha

dia dos alunos. Contextualizar seria problemati-

de temas que gerem no estudante necessidade em

zar, investigar e interpretar situações/fatos signi-

transcender a informação e mergulhar na busca

ficativos para os alunos de forma que os conhe-

do conhecimento como forma de interpretar o

cimentos químicos auxiliassem na compreensão

mundo ao seu redor. Isso pode ser feito utilizando

e resolução de problemas. Argumenta-se sobre a

o conhecimento ‘científico’ dentro dos limites da

potencialidade do tratamento contextualizado do

ciência ou expressando sentimentos e sensações

conhecimento, que contempla e extrapola o âmbito

sobre a ciência por meio do imaginário e da arte.

conceitual e que, quando bem trabalhado, permite

Para os alunos de Química, segundo os

que, ao longo da transposição didática, o conteúdo

Parâmetros Curriculares Nacionais, espera-se

do ensino provoque aprendizagens significativas

que eles desenvolvam um autoaperfeiçoamento

que mobilizem o aluno e estabeleçam entre ele e o

contínuo, espírito criativo, capacidade para estu-

objeto do conhecimento uma relação de reciproci-

dos extracurriculares e que tenham uma forma-

dade (Brasil, 1999).

ção humanística que lhes permita exercer sua

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

23


“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão

cidadania. Além disso, o aluno tem que reconhecer

detetive desvenda casos intrigantes lançando

a Química como uma construção humana, compre-

mão do conhecimento científico, em um formato

endendo, assim, os aspectos históricos de sua pro-

inovador.

dução e suas relações com os contextos culturais,

Como formas de divulgação científica alterna-

socioeconômicos e políticos. Também é necessário

tivas, ou seja, que se diferem das citadas anterior-

que ele saiba fazer uma avaliação crítica da apli-

mente, existem aquelas citadas em um capítulo de

cação do conhecimento em Química e identifi-

livro, por Santos Filho (2006): performances cêni-

que e apresente soluções criativas para problemas

cas como O show da química e o Chem fashion,

relacionados com a Química ou áreas correlatas

Aulas Eletrônicas para o Ensino Médio, Filmes

(Brasil, 1999).

Educativos, A química em x(ch)eque e o uso de

Nessa busca por alternativas para o ensino

crônicas para o ensino de química.

contextualizado, existem diversas soluções des-

As crônicas para o ensino de química são tidas

critas, todas com resultados que podem ser consi-

como uma forma inovadora de se responder aos

derados positivos. Por exemplo, o uso da música

anseios do ensino moderno, assim como para

pode ser uma interessante alternativa para estrei-

aproximar o conhecimento químico da vivência do

tar o diálogo entre alunos, professores e conheci-

aluno de Ensino Médio. Dessa maneira, buscam-

mento científico, uma vez que aborda temáticas

-se os mais diversos assuntos que façam parte da

com grande potencial de problematização e está

grade curricular para contextualizar o ensino de

presente de forma significativa na vida do aluno

Química, assim como se sugerem casos fictícios e

(Silveira; Kiouranis, 2008).

situações do dia a dia para que a contextualização e

Em nosso contexto, os textos de Monteiro

a interdisciplinaridade ocorram; tudo isso, é claro,

Lobato (s/d), talvez tenham sido os primeiros

na direção de se contemplar o conteúdo programá-

desse gênero a ensinar conteúdos (sejam quais

tico de Química para o Ensino Médio, lançando

forem) levando-se em consideração o dia a dia das

mão de criatividade e imaginação (Santos Filho,

pessoas, de forma bem rudimentar e simples. Em

2006).

algumas de suas obras – notadamente em História do mundo para as crianças, O poço do Visconde e A reforma da natureza – diversas facetas do conhecimento humano são apresentadas de uma maneira contextualizada. Alguns livros lançados recentemente no Brasil demonstram essa tendência em tratar conteúdos químicos de forma diferente daquela presente normalmente nos livros didáticos. Dois exemplos são o livro intitulado Química geral em quadrinhos (Gonick; Craig Criddle, 2013) e Guia mangá bioquímica (Takemura; Sawa, 2012), ambos com abordagens inovadoras e envolventes. Não podemos deixar de citar The chemical adventures of Sherlock Holmes, de Waddell e Rybolt (19911995; 1998-2004) e Shaw (2008), onde o famoso

24

A definição de crônica, segundo o dicionário Aurélio (Ferreira, 1992) é: Crônica: [Do lat. chronica]. S. f. 1. Narração histórica, ou registro de fatos comuns, feitos por ordem cronológica. 2. Genealogia de família nobre. 3. Pequeno conto de enredo indeterminado. 4. Texto jornalístico redigido de forma livre e pessoal, e que tem como temas fatos ou ideias da atualidade, de teor artístico, político, esportivo, etc., ou simplesmente relativos à vida cotidiana. 5. Seção ou coluna de revista ou de jornal consagrada a um assunto especializado: crônica política, crônica teatral. 6. O conjunto de notícias ou rumores relativos a determinados assuntos: É inacreditável a crônica dos conchavos ocorridos naquele distante município. 7. Biografia, em geral escandalosa, de uma pessoa: Sua crônica é bem conhecida.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão

Encontra-se na literatura um trabalho sobre

berta do sabão. O tema proposto, segundo nossa

Crônicas para o Ensino de Química, desenvolvido

compreensão, faz parte do cotidiano de todas as

por Santos Filho (2006), onde o autor explica o

pessoas, bem como possui um bom potencial

conceito de densidade por meio de uma história,

para discussões químicas, por parte do profes-

diálogos e situações do cotidiano, que nos serviu

sor. Em seu desenvolvimento, pensamos que a

de motivação para desenvolvermos esse trabalho.

crônica poderia ser explorada com sucesso como

Considerando as definições 3, 4 e 6 citadas ante-

apresentação da problemática química e na con-

riormente para o termo ‘crônica’, desenvolvemos

textualização do assunto, antes da abordagem

uma série de textos, não necessariamente interli-

de interações intermoleculares ou na exploração

gados entre si, cujo propósito era utilizar situações

da reação de saponificação, conhecido tema no

do cotidiano onde conceitos químicos pudessem

Ensino Médio e muitas vezes presente nos ves-

ser trabalhados, ou ainda, pensar determinado

tibulares. Sendo assim, essa visão metafórica é

conceito químico e desenvolver uma história que

apresentada por meio de diálogos, situações facil-

o contivesse, explorando o diálogo, imaginando

mente imaginadas por qualquer pessoa, e com um

cenas, criando personagens que interagem ao

fechamento que permite ao professor de Química

longo da história, com o objetivo de evidenciar

explorar conceitos químicos/físico-químicos par-

que determinado conteúdo químico esteja presente

tindo de uma situação fictícia em seu roteiro, mas

da vida do aluno ou cidadão comum, ainda que de

que mantém seu rigor químico se pensada por

maneira não tão evidente (Franchi, 2009).

esse prisma. O texto a seguir trata-se da crônica proposta

No presente artigo, descreveremos uma crônica que relata uma visão metafórica da desco-

2

para se alcançar estes objetivos.

A crônica Lá na pescaria... Jurandir e Eustáquio estavam se preparando para a pescaria naquele feriado. Carro arrumado, varas, iscas, anzóis... tudo pronto. Logo entraram em seu Ford Corcel II azul e rumaram para o rancho do seu Benedito. Assim a pescaria começava. Eles só não contavam que o carro atolasse logo na ida... Chegando ao rancho onde sempre costumavam ir, Jurandir e Eustáquio descarregaram o carro e foram se lavar do barro da estrada. Depois de se lavarem, os dois se preparavam para a pescaria e conversavam sobre sabão: – Sabe, Jurandir, acho o sabão algo muito útil. – Ah, é? E você sabe como o sabão foi descoberto? – Não sei não, compadre! Lançando a isca na água e bebericando da cachaça, Jurandir conta sua versão: – Antigamente, você sabe que o homem precisava caçar para poder se alimentar. – Sei sim. E toda a caça tinha que ser preparada naquele momento, pois não havia geladeira, não é mesmo? – Exato, compadre. Cozinhava-se toda a caça, o que dava para alimentar, geralmente, várias pessoas. – Naquele tempo que o pessoal devia ser feliz! Todos comiam juntos, dividiam tudo... – comenta Eustáquio, com a atenção dividida entre o amigo e a fisgada na vara. – Enquanto assavam a caça no fogo, sempre no mesmo local, a gordura do animal ia derretendo, caindo sobre o fogo e se misturando com as cinzas que ali estavam. – E, com certeza, a carne ficava toda escura, parecendo o churrasco que você prepara... – Hei! Não precisa ofender só porque não sei fazer churrasco, hehe.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão

– Não quis ofender, compadre. Só fiz uma observação. Continue a história. – Certo dia – continua Jurandir – os homens de uma pequena aldeia saíram para caçar e não conseguiram nada. – Nada? E o que comeram? – pergunta Eustáquio. Nesse instante, Jurandir percebe uma fisgada em sua vara e trata de trazer ao barco o primeiro peixe que conseguiu pescar. Sob muita festa, os dois amigos de abraçam e comemoram. Logo em seguida é a vez de Eustáquio pegar um peixe: – É dos grandes, compadre! É dos grandes! Com esforço, Eustáquio consegue trazer o peixe ao barco, comemorando muito. Jurandir pega, rapidamente, sua máquina fotográfica para registrar a cena dos dois amigos com aquele baita peixão! Como já tinham pescado o suficiente para o jantar do primeiro dia que permaneceriam no rancho, decidiram retornar para preparar sua pesca. – Estamos parecendo os homens da antiguidade que você falava – diz Eustáquio a Jurandir. – É verdade! Estamos pescando para comer! Mas só estamos parando de pescar agora porque precisamos preparar o jantar. Não é justo seu Benedito fazer tudo sozinho... – Você tem razão, Jurandir. Amanhã a gente pesca mais. E assim fizeram, retornando ao rancho. Depois de jantarem, e perto da fogueira que havia ali, os pescadores se divertiam com saudáveis conversas e trocas de experiências de vida. Eustáquio, porém, foi lembrar Jurandir da conversa sobre o sabão:

– Jurandir, continue a falar sobre o sabão. – Eu havia comentado que tinha dia que os homens não caçavam. – Foi aí mesmo que você parou a história. – Então, compadre. Um daqueles homens estava com muita fome. Muita fome mesmo! Mas eles não tinham caçado... – Eu sei. – Escute. Esse homem faminto foi ao local em que sempre assavam a caça, na esperança de encontrar alguma coisa que tivesse sobrado dos dias anteriores. E olhando para o chão, viu um negócio escuro. Sem titubear, pensou: “Deve ser carne!”. – Só se fosse a carne que você prepara no churrasco, não é, Jurandir? – Mas de novo você vem com essa piadinha? Que chato! – resmunga Jurandir. – Continua com a história e deixa de ser enjoado! – pede Eustáquio. – Vou continuar, mas presta atenção! O homem pegou aquele negócio preto, e achou que fosse carne. Como estava com muita fome, levou à boca e provou. – E aí?

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão

– Aí ele fez uma careta e disse: “– Mas que gosto de sabão é esse?” – “Gosto de sabão”? – pergunta Eustáquio, não entendendo direito. – Foi exatamente isso que ele disse! Depois disso, ele foi lavar as mãos com água. Aqui vem uma observação muito importante: ele reparou que suas mãos, muito sujas daquela coisa escura, ficaram limpas quando ele as lavou com água. E ainda, quanto mais suas mãos estavam sujas daquela massa escura, mais elas ficavam limpas depois que ele as lavava na água! – Mas que história é essa? Foi dessa maneira que os homens daquela aldeia descobriram o sabão? – Exatamente! – he he. – Puxa... Nunca imaginei que o sabão tivesse sido descoberto dessa maneira! – diz Eustáquio, espantado. O homem sujou a mão com um negócio que ele pensava que era carne e acabou descobrindo que aquilo era sabão? – Isso mesmo, meu amigo! – Mas como pode ter se formado sabão em um resto de fogueira em que havia gordura e cinza? Que mágica é essa? – Meu amigo, por que você não pergunta para sua avó como ela fazia sabão? – responde Jurandir. – E o que minha avó tem a ver com essa história? – Pergunte a ela e você entenderá. – Quer saber, eu vou é dormir porque amanhã teremos um longo dia de pescaria. Já tarde da noite, os dois se preparam para dormir. Amanhã será um dia de grandes pescarias e excelentes histórias...

3

linguagem e conteúdo químico presente na crô-

Aplicação da crônica

nica. Esse questionário foi elaborado sem seguir

A crônica Lá na pescaria... foi exposta a um

qualquer formalismo ou rigor jornalístico, inves-

grupo de alunos do 1º (27 alunos), 2º (25 alunos)

tigativo ou que levasse em consideração méto-

e 3º anos (21 alunos) do Ensino Médio público

dos estatísticos. Também buscamos avaliar o

da Escola Estadual Miguel Vicente Cury, loca-

alcance da crônica junto àqueles que não estão

lizada em Campinas-SP (total de 73 alunos),

no ambiente escolar (pais e amigos), como o pro-

onde os mesmos tiveram a oportunidade de ler o

fessor poderia utilizar a crônica, e se o conteúdo

material para, em seguida, responder a um ques-

químico é claro e adequado. Essa forma de apli-

tionário proposto. Salienta-se que a participação

cação da crônica foi escolhida justamente para

nessa atividade foi livre, e contou com a presença

se verificar a evolução (ou não) da compreensão

do professor de Química em sala de aula. Antes

do conteúdo de Química e o seu entendimento ao

da leitura, houve uma explanação de como esse

longo dos três anos do Ensino Médio.

material foi desenvolvido e sobre quais pontos os

Apresentamos a seguir o questionário utili-

alunos deveriam se ater durante a leitura. Após a

zado, bem como os percentuais de respostas de

leitura da crônica, os alunos responderam a um

cada questão proposta, de acordo com os anos de

questionário qualitativo sobre o entendimento,

Ensino Médio avaliados.

1) Você conseguiu entender a crônica e associá-la a alguma situação do seu dia a dia? Sim (%)

Não (%)

1º ano

92

8

2º ano

96

4

3º ano

100

0

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27


“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão

2) Você reconheceu algum conteúdo químico na crônica? Reconheci facilmente

Reconheci com dificuldade

Não reconheci

1º ano

74

22

4

2º ano

60

32

8

3º ano

86

14

0

3) Se você fosse avaliar a crônica quanto ao conteúdo químico, como você a classificaria: Ruim

Boa

Muito boa

1º ano

4

22

37

Excelente 37

2º ano

0

32

52

16

3º ano

0

10

33

57

Compreensível

Pouco compreensível

Não entendi o conteúdo devido à linguagem ruim

4) O que você acha da linguagem utilizada na crônica. Bem compreensível 1º ano

55

41

4

0

2º ano

24

72

4

0

3º ano

76

24

0

0

Atrapalha

5) A história trazida na crônica ajuda no entendimento dos conteúdos químicos? Ajuda bastante

Ajuda pouco

Tanto faz

1º ano

89

11

0

0

2º ano

88

12

0

0

3º ano

90

5

5

0

Ler a crônica e depois assistir a aula do professor

Assistir a aula do professor e depois ler a crônica

Ler a crônica durante uma aula com o auxílio do professor

Não ler a crônica

6) O que acharia mais conveniente?

1º ano

33

15

52

0

2º ano

36

0

64

0

3º ano

43

9

48

0

7) Você acha que esse material contribui para a aula do professor? Sim

Não

1º ano

93

0

Parcialmente 7

2º ano

84

0

16

3º ano

90

0

10

8) Seus pais e amigos entenderiam a crônica e o conteúdo químico nela contido? Entenderiam

Entenderiam com dificuldade

Não entenderiam

1º ano

44

56

0

2º ano

44

56

0

3º ano

81

19

0

9) Você acha esta maneira de se estudar (com a crônica) mais prazerosa que aquela utilizando os livros convencionais que você conhece?

28

Sim

Não

Não percebo diferença

1º ano

82

7

11

2º ano

88

4

8

3º ano

100

0

0

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“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão

4

Comentários sobre as respostas ao questionário

dos alunos a classificam como compreensível ou bem compreensível, corroborando com nossa ideia inicial. A história presente na crônica foi muito

A primeira questão é básica, pois visa clari-

bem avaliada pela grande maioria dos alunos,

ficar se, em um primeiro momento, a crônica é

sendo que, segundo eles, ela ajuda na compreen-

compreendida e associável ao cotidiano do aluno.

são dos conteúdos químicos, já reconhecidos como

Considerando o fato de que a crônica em ques-

presentes na segunda questão.

tão trata de um assunto aparentemente comum e

Considerando a boa avaliação em termos de

conhecido, baseado em um texto curto, era espe-

linguagem, conceitos e roteiro, as questões seis

rado, de antemão, que a maioria dos alunos res-

e sete buscam avaliar a visão dos alunos sobre a

pondesse que conseguiriam associar as situações

melhor forma de ler e compreender a crônica: se

descritas e imaginar as cenas presentes na crônica,

ler a crônica previamente e ter aula sobre o tema da

como, de fato, ocorreu.

crônica em um segundo momento; o seu inverso;

Em um segundo momento, a atenção se volta

ou até mesmo realizar a leitura da crônica acompa-

para além do entendimento e associação da crônica

nhada pelo professor e, ainda, se a crônica contri-

ao dia a dia, buscando informação sobre os con-

bui para a aula do professor, quando lida em sala

teúdos químicos ali presentes. A grande maioria

de aula. Aproximadamente um terço dos alunos

dos alunos reconhece que na crônica existem con-

prefere ler a crônica antes da aula do professor,

teúdos químicos descritos. No esteio da segunda

bem como metade ou mais dos mesmos alunos

questão, a terceira visou avaliar o texto em ter-

prefere fazer a leitura assistida pelo professor. A

mos da qualidade de exposição dos conteúdos

grande maioria dos alunos afirma que a leitura

químicos. Sabemos que tal pergunta requer uma

assistida contribui para a aula do professor. Essas

maturidade por parte dos alunos, para uma boa

respostas merecem ser discutidas com maior apro-

avaliação. Porém, considerando que esses alunos

fundamento, pois surge uma necessidade apontada

tiveram contato com livros didáticos, aulas com

pelos próprios alunos: o preparo e capacitação dos

professores diferentes e possuíam conhecimento

professores em usar esse tipo de material em sala

prévio sobre o tema ‘sabão’, a resposta pode ser

de aula, avaliando o melhor momento de utilizá-lo,

considerada como válida, indicando que a maioria

bem como conhecer novas propostas que vão além

dos alunos (acima de 65%) classifica tal crônica

da aula tradicional e do livro didático. Desenvolver

como muito boa ou excelente, nesse aspecto. Essas

materiais de apoio, para formação e instrução dos

porcentagens variam de ano para ano, sendo que

professores, também faz parte dos objetivos do

o terceiro ano avaliou a crônica de maneira mais

nosso grupo de pesquisa em ensino de Química.

positiva possível.

A fim de se avaliar o alcance da crônica fora

A quarta e quinta questões buscam avaliar o

da sala de aula, e de acordo com a visão dos alu-

roteiro da crônica. Em sua escrita, pensou-se que a

nos que tiveram contato com esse material, e suas

linguagem, sendo usada de forma adequada e jun-

avaliações em termos de linguagem, conteúdo

tamente com as situações apresentadas no enredo,

químico e roteiro, a oitava pergunta fez menção

deveriam auxiliar o aluno a perceber o conteúdo

ao entendimento da crônica pelos pais e amigos.

químico em suas vidas, e por meio de um texto

A resposta foi surpreendente por mostrar que pais

diferente e inovador, tanto na forma como na apre-

e amigos entenderiam a crônica, por vezes com

sentação. Em termos de linguagem, acima de 95%

dificuldade. Isto pode ser um indicativo de que o

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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“Lá na Pescaria...”: uma crônica sobre a descoberta do sabão

material também é acessível às pessoas que não

os que já haviam utilizado até então, também foi

participam do ambiente escolar. A porcentagem de

um fator muito positivo, que acabou contribuindo

alunos do terceiro ano que afirmam que pais, ami-

para a boa aceitação deste material. Muito embora

gos e outras pessoas seriam capazes de compreen-

ainda não tenhamos um dado conclusivo quanto à

der a crônica aplicada é maior se comparada com a

eficiência do material no aprendizado dos alunos,

mesma porcentagem de alunos de anos anteriores.

estes dados preliminares corroboram com aquilo

A última questão possui um caráter subjetivo

que é, normalmente, afirmado pelos especialistas

em sua resposta. Porém, a exposição a um tipo de

em ensino, no que diz respeito à ansiedade dos

material que os alunos não conheciam deve ser

alunos por materiais que integrem o conteúdo com

considerada pelas respostas dadas, onde acima

a sua própria vivência. Alguns indicativos, como

de 80% dos alunos consideram a leitura da crô-

o fato de os alunos afirmarem que se sentiriam à

nica como uma forma mais prazerosa de estudo,

vontade para conversar sobre o conteúdo químico

se comparada à aula tradicional ou ao livro didá-

fora do ambiente escolar, mostram que a crônica

tico. Ressalta-se, aqui, que seria pretensão dizer

pode ter um alcance maior, para além da sala de

que algum conteúdo químico poderia ser ensi-

aula. Ainda, esses indicativos vão ao encontro

nado exclusivamente pela crônica, sem depender

daquilo que os Parâmetros Curriculares Nacionais

do professor e/ou do livro didático. Portanto, a

têm como objetivo, que é o ensino contextualizado

crônica foi pensada como uma ferramenta, um

e interdisciplinar, e nos motivam a continuar a sua

material alternativo, e não um substituto do livro

produção e exposição à comunidade acadêmica e

didático, da tarefa docente ou de ambos. Na visão

escolar.

dos alunos, um material que tenha uma linguagem diferente, que retrate conteúdos químicos de forma contextualizada, que use diálogos e situações comuns do cotidiano desperta a atenção, curiosidade e pode potencializar o aprendizado de uma forma geral. Vale ressaltar que todas as respostas positivas dadas pelos alunos mostram grande aceitação e vão ao encontro do objetivo do trabalho, dos PCN e das diretrizes curriculares. 5

Conclusão O feedback dos alunos que utilizaram o material elaborado neste trabalho indica que ele estimula a leitura e facilita a compreensão dos alunos no tópico abordado. Este é um indicativo de que a redação de materiais alternativos para o ensino de Química deve ser estimulada e apoiada pela comunidade científica. A surpresa demonstrada pelos alunos diante da novidade de estudar através de um material com características bem distintas de todos

30

6

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

31



Relatos de Experiência Experiences Account Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade Citizen Chemistry: using knowledge in chemistry to help the community Katiane Pereira da Silva

Ciência Forense e Investigação Criminal: contextualizando a investigação através de uma proposta didática sobre conceitos associados às Ciências Exatas

Forensic Science and Criminal Investigation: contextualizing research through a didactic proposal on concepts associated with Exact Sciences Ana Paula Sebastiany, Angélica Schossler e Ana Paula Scheeren

Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química Garbage and Society: contextualization through CTSA approach in Chemistry teaching

Maria Aparecida da Costa, Thais Mateus Vasconcelos, Yuri Alves Oliveira, Karla Amâncio Pinto Field’s e Renato Gomes Santos

Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB

History of Chemistry Olympiads in Paraíba State and its Contribution to the Training of UEPB Chemistry Teachers Francisco Ferreira Dantas Filho, Gilberlândio Nunes da Silva, Luciano Lucena Trajano, Helionalda Costa Silva e Thiago Pereira da Silva

Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada Acceptability of Chemistry in the Secondary Education Among Students of the Public Systems in Comparison With Students of Private Network Alessandra Alves da Silva Melo e Enderson José Dias de Melo


Relato de Experiência 01 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

p. 34-40

Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade Citizen Chemistry: using knowledge in chemistry to help the community Katiane Pereira da Silva1

Resumo O presente trabalho foi uma experiência de romper com uma prática de ensino que não agrega valor para uma formação cidadã. Nesse sentido esta pesquisa tem como objetivo contribuir para desenvolver nos alunos valores éticos e participação consciente diante de questões da ciência, tecnologia e sociedade. Esta pesquisa busca se fundamentar no enfoque da educação CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade). A proposta foi utilizar o problema do alagamento de casas devido às fortes chuvas para propiciar uso dos conhecimentos químicos em favor da sociedade. Os resultados apresentados com o grupo participante da pesquisa demonstram indícios de que um ensino de Química com enfoque CTS pode favorecer o desenvolvimento de capacidade de reflexão, participação e atuação de maneira responsável quanto ao uso da Química em favor da comunidade. Porém também aponta evidências de que isso não deve ser feito apenas como um projeto isolado, e sim deve fazer parte de um currículo interdisciplinar e contextualizado. Palavras-chave: Ensino de Química, Formação cidadã. Abstract This work was an experience of breaking with a practice of teaching that does not add value for civic education. In this sense, this research aims to contribute to develop in students ethical values and conscious participation face to issues 1. Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR.


Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade

of science, technology and society. This research seeks to support the CTS education approach (Science, Technology and Society) .The proposal was to use a community problem, the neighborhood houses of flooding due to heavy rains to provide use of chemical knowledge for the benefit of society. The results presented by the research participant group showed evidence that a teaching chemistry with CTS approach can favor the development of capacity for reflection, participation and acting responsibly on the use of chemistry for the community. But also points to evidence that this should not be done with just a single project but should be part of an interdisciplinary and contextualized curriculum. Key-words: Chemistry education; Training citizen.

1

uma vez que o objetivo da educação CTS é desen-

Introdução

volver a alfabetização científica e tecnológica dos

Não é difícil verificar junto aos alunos de

cidadãos, auxiliando o aluno a construir conhe-

ensino médio um constante desinteresse pela dis-

cimentos, habilidades e valores necessários para

ciplina de Química. Este desinteresse está relacio-

tomar decisões responsáveis sobre questões de ciên-

nado a uma série de fatores, dentre os quais se des-

cia e tecnologia na sociedade e atuar na solução de

tacam o ensino fragmentado e conteudista, além

tais questões (Aikenhead, 1990).

dos conteúdos que não estão contextualizados com

A ciência e a tecnologia são presença constante

a vida dos estudantes.

na vida da sociedade, portanto também não estão

Um ensino de Química com essas característi-

dissociadas da disciplina de Química, por isso

cas está longe de ser um processo educacional que

buscou-se neste estudo associar os conteúdos quí-

prepare o aluno para ser um cidadão ético e res-

micos com os principais objetivos das propostas

ponsável para atuar na sociedade e contribuir com

CTS:

a mesma.

• Aquisição de conhecimentos;

Desta forma o presente trabalho surgiu na ten-

• Utilização de habilidades;

tativa de romper com essa prática de ensino que

• Desenvolvimento de valores (Bybee, 1987).

não agrega valor para uma formação cidadã. Nesse sentido esta pesquisa tem como objetivo contribuir para desenvolver nos alunos valores relacionados

2

Fundamentação teórica

às questões da Ciência, Tecnologia e Sociedade. Este estudo buscou aproximar os alunos do

É importante pensar no papel que a Química,

Centro Estadual de Educação Profissional da rea-

enquanto ciência, pode oferecer para a formação

lidade vivida naquele momento pela comunidade

da cidadania, pois neste caso a cidadania reflete o

local, para que os mesmos pudessem relacionar e

papel do homem e a sua participação na sociedade.

pôr em prática seus conceitos químicos, a partir de

No desenvolvimento deste trabalho o conheci-

uma necessidade da comunidade de moradores do

mento químico foi um agente transformador tanto

Bairro do Uberaba, em Curitiba, que tiveram suas

na vida da comunidade, beneficiada pelo recebi-

casas alagadas devido às fortes chuvas ocorridas

mento dos produtos de limpeza, quanto para os

na cidade.

alunos que participaram desta experiência e tive-

Esta pesquisa busca se fundamentar no enfoque

ram a oportunidade de desenvolver competências

da educação CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade),

voltadas para uma formação cidadã. A importân-

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

35


Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade

cia de um Ensino de Química, que se preocupa em formar um cidadão é também apresentada nas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+/2002): A Química pode ser um instrumento da formação humana que amplia os horizontes culturais e a autonomia no exercício da cidadania, se o conhecimento químico for promovido como um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade, se for apresentado como ciência, com seus conceitos, métodos e linguagens próprios, e como construção histórica, relacionada ao desenvolvimento tecnológico e aos muitos aspectos da vida em sociedade (Brasil, p. 87).

É muito importante promover o interesse, e com isso aumentar o envolvimento do estudante no processo de ensino/aprendizagem. Uma das

Nesse caso específico, os alunos em questão são formandos do Curso Técnico em Química e se torna muito importante que o conhecimento adquirido por eles não se torne apenas um ‘conhecimento acumulado’, mas deve ser algo que os torne capazes de colaborarem com a sociedade em que vivem. Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) descrevem: Esse aprendizado deve possibilitar ao aluno a compreensão tanto dos processos químicos em si quanto da construção de um conhecimento científico em estreita relação com as aplicações tecnológicas e suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas (Brasil, p. 31).

De uma maneira geral os estudantes têm dificuldade em perceber as interações que a Química faz com a sociedade e a tecnologia, e muito dessa dificuldade está fundamentada em um ensino conteudista, muito preocupado com a memorização de fórmulas, equações e tabelas, o que dá ao aluno o sentimento de que o conhecimento químico é algo abstrato e desconexo. Sobre isto Bernardelli (2004) comenta: Muitos adquirem certa resistência ao aprendizado da Química devido à falta de contextualidade, não conseguindo relacionar os conteúdos

36

com o dia a dia, bem como a excessiva memorização, e ainda alguns professores insistem em métodos nos quais os alunos precisam decorar fórmulas, nomes e tabelas [...] devemos criar condições favoráveis e agradáveis para o ensino e aprendizagem da disciplina, aproveitando, no primeiro momento, a vivência dos alunos, os fatos do dia a dia, a tradição cultural e a mídia, buscando reconstruir os conhecimentos químicos para que o aluno possa refazer a leitura do seu mundo (p. 2).

formas defendidas por diversos pesquisadores em educação é a contextualização, que muitas vezes tem se resumido à citação de exemplos do cotidiano durante a explicação de algum conteúdo. Visando um ensino de Química centrado na interface entre informação científica e contexto social, Wartha (2013) esclarece: [...] a contextualização é visivelmente o princípio norteador para o ensino de ciências, o que significa um entendimento mais complexo do que a simples exemplificação do cotidiano ou mera apresentação superficial de contextos sem uma problematização que de fato provoque a busca de entendimentos sobre os temas de estudo. Portanto, contextualização não deveria ser visto como recurso ou proposta de abordagem metodológica, mas sim como princípio norteador (p. 10).

O movimento CTS tem início na década de 1970, devido ao grande desenvolvimento da tecnologia e da ciência e de como associar esse avanço com a sociedade. O ensino CTS busca, de uma forma alternativa, a aplicação da ciência e da tecnologia, para o bem-estar social relacionando o conteúdo com temas sociais fundamentados na Ciência, Tecnologia e Sociedade. A abordagem CTS promove um ensino voltado para formação de atitudes cidadãs, desenvolve o

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Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade

conhecimento científico, além de ampliar o enten-

Durante as aulas de preparo dos produtos de

dimento para questões de caráter social e tecnoló-

limpeza foram fomentadas discussões sobre a

gico (Marcondes et al., 2009).

questão das enchentes, conceitos químicos aplicados à elaboração dos produtos de limpeza, quali-

3

dade dos produtos elaborados e uso dos conheci-

Metodologia

mentos químicos em favor da sociedade.

Grande parte dos moradores do bairro do

Detergente especial (10 L)

Uberaba, ao voltarem para suas casas após as

3.1

chuvas, precisava repor as perdas causadas pelo

• 420 g de ácido sulfônico;

alagamento; foram muitos os danos materiais que

• 300 g de Amida 60;

estas famílias sofreram, como a perda dos móveis

• Soda 40% para neutralizar (pH 7);

e eletrodomésticos de suas casas, além de roupas,

• 5 gramas de ureia (dissolvido a quente);

alimentos, documentos etc.

• 20 g de tri-polifosfato de sódio (dissolvido

Mas o primeiro passo nessa volta para casa foi a

a quente);

limpeza das residências; nesse momento, o item pro-

• 20 mL de glicerina;

dutos de limpeza e higiene foi mais uma preocupação

• 10 mL de formol;

dentre tantas dificuldades a serem enfrentadas por

• 12 mL de essência;

estes moradores. Eles receberam doações de diver-

• 20 mL de lauril sulfato de sódio;

sos itens como roupas, colchões e alimentos, mas

• Cloreto de sódio para acertar a viscosidade.

os produtos de limpeza para higienização das casas

Desinfetante (10 L)

não foram doados, o que inviabilizava ainda mais o

3.2

retorno dos moradores para suas casas, pois a lim-

• 250 mL de detergente;

peza era fundamental para se evitar a contaminação

• 100 g de essência;

ou transmissão de doenças, tal como a Leptospirose,

• 50 mL de formol;

desencadeadas por causa desses eventos.

• 80 mL de brancol;

Em conversas com os moradores do bairro foi

• 50 mL de renex;

verificado que os itens mais urgentes eram desin-

• Corante.

fetante, detergente e água sanitária. Em uma parce-

Água sanitária (10 L)

ria feita entre professores da escola, funcionários e

3.3

a comunidade, foi arrecadado o dinheiro para com-

• 40 g de barrilha leve (carbonato de sódio) ou 10 g de hidróxido de sódio 40%;

pra da matéria-prima, e com a mesma em mãos os alunos conseguiram preparar mais de 600 litros de

• 1,5 a 1,8 Kg de hipoclorito de sódio;

produtos de limpeza que foram distribuídos aos

• Completar para 10 L com água e deixar em repouso por pelo menos 2h.

moradores das áreas alagadas. Os alunos prepararam os produtos de limpeza no período da tarde, e essa escolha aconteceu devido à cargas horárias das aulas práticas estarem

4

Resultados e discussão

comprometidas com a execução do planejamento

Com a conclusão do preparo dos produtos, os

didático. Para o preparo de detergente, água sani-

alunos se organizaram para realizar a entrega dos

tária e desinfetante, os alunos seguiram as formu-

mesmos à comunidade. Após a entrega, os 20 alunos

lações descritas a seguir.

participantes responderam às seguintes perguntas:

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Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade

1. Quais foram as suas conclusões depois das

mulando o aluno a refletir sobre a realidade na

discussões feitas durante o preparo dos

qual vive, levando-o à compreensão de que é um

produtos de limpeza?

ser ativo no contexto social e histórico, proporcio-

2. De que forma participar deste projeto colaborou para sua formação como cidadão?

nando a construção de um cidadão crítico e consciente de suas ações (Freire, 2002). “É importante ser um cidadão participativo.”

Marconi e Lakatos (2003) definem questioná-

Essa resposta citada pelos alunos demonstra que a participação nas etapas deste projeto, desde o pre-

rio como sendo

paro até a entrega dos produtos de limpeza à comu-

um instrumento de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador (p. 201).

nidade, favoreceu aos alunos a percepção de que a titulação de profissional da área de Química não os condiciona apenas a atuarem em laboratórios e indústrias como algo desconectado e fechado. Ao

Após a aplicação do questionário e análise das

contrário, os conhecimentos de ciência e tecno-

respostas, apresentadas na Figura 1, observamos

logia devem atuar em favor do desenvolvimento

que boa parte dos alunos apresentou como resposta

e bem-estar da sociedade. Segundo Santos e

“Posso usar meus conhecimentos para colaborar

Schnetzler (2003),

com a sociedade”. Essa resposta aponta indícios de que as discussões feitas durante o preparo dos produtos de limpeza sobre as relações existentes entre ciência, tecnologia, sociedade e as implicações que essas relações têm na formação do Técnico em Química colaboraram para motivar esses alunos a refletir sobre a capacidade dos mesmos em transformar o conhecimento teórico em atitudes concretas em favor da comunidade. É importante ser um cidadão participativo

Isso implica que o conhecimento químico aparece não como um fim em si mesmo, mas com o objetivo maior de desenvolver as habilidades básicas que caracterizam o cidadão: participação e julgamento. Assim o objetivo básico do ensino de química para formar o cidadão compreende a abordagem de informações químicas fundamentais que permitam a ele participar ativamente da sociedade, tomando decisões com consciência de suas consequências (p. 3).

“É importante aprender sobre ciência e tecno-

É importante conhecer e aprender sobre ciência e tecnologia

logia.” É claro que a ciência e a tecnologia apresentam diversos fins em todas as áreas do conhecimento, porém na educação ela pode promover ao estudante a possibilidade de entender o meio em que vive e atuar nele, a fim de mudá-lo em

Posso usar os conhecimentos em Química para colaborar com a sociedade

Figura 1.  Respostas observadas para a pergunta: “Quais foram as suas conclusões depois das discussões feitas durante o preparo dos produtos de limpeza?”

prol de um bem comum, apresentando assim mais que uma função tecnológica, ou seja, uma função social e cidadã. Trata-se de formar o cidadão-aluno para sobreviver e atuar de forma responsável e comprometida nesta sociedade científico-tecnológica, na qual a

Nessa orientação, o educador deve conduzir a

Química aparece como relevante instrumento para

investigação e a criticidade em sala de aula, esti-

investigação, produção de bens e desenvolvimento

38

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade

socioeconômico, e interfere diretamente no coti-

além de um bom profissional, um ser humano

diano das pessoas (Aguiar; Maria; Martins, 2003).

capaz de ajudar a sociedade em que vive.

Com relação à segunda pergunta: “De que

Formar um cidadão ético e participativo tam-

forma participar deste projeto colaborou para sua

bém é uma das diretrizes estabelecidas na pró-

formação como cidadão?”, conforme demonstra

pria Lei de Diretrizes e Bases da Educação LDB

o gráfico a seguir, a resposta mais citada pelos

9394/96. Quando se valorizam a construção de

estudantes foi “Pensar/Refletir sobre a Química

conhecimentos químicos pelo aluno e a amplia-

na sociedade.” Os alunos do ensino profissionali-

ção do processo de ensino-aprendizagem ao coti-

zante, em especial, possuem uma formação focada

diano, aliadas às práticas de pesquisa experimental

em tecnologia, alta performance de produção,

e ao exercício da cidadania, como veículo con-

competitividade e outros aspectos; a participação

textualizador e humanizador, na verdade se está

nesse projeto proporcionou a estes alunos uma

praticando a Educação Química (Aguiar; Maria;

visão mais humanizada da ciência e da sua aplica-

Martins, 2003).

ção. Para Santos e Mortimer (2002):

“Não mudou em nada.” Apesar de um número pequeno de alunos, apenas dois, citarem essa frase,

[...] é preciso refletir sobre os diversos fatores que influenciam a atitude dos estudantes frente a um problema social, o que não pode ser reduzido à mera análise da interação do aluno com o material de CTS. É preciso, ainda, discutir a relação problemática entre atitudes desenvolvidas nas escolas e ação social subsequente, pois aparentemente não há uma correspondência direta unilateral entre as atitudes desenvolvidas nos cursos de CTS e a participação dos alunos em questões sociais na vida diária (p. 14).

essa ocorrência aponta indícios de que é preciso mais que um projeto para preparar os estudantes para atuarem como profissionais éticos e cidadãos comprometidos; é preciso investir em um currículo que integre em harmonia o conteúdo químico e as questões relacionadas a ciência, tecnologia e sociedade. O pesquisador Ático Chassot (1995) chama isso de não curiosidade científica (p. 168). Para ele, existe uma falta de curiosidade por parte dos alu-

Não mudou em nada

nos, pois não existe uma educação química que

Pensar/refletir sobre a Química na sociedade

promova o questionamento e a investigação dos fenômenos; existe, simplesmente, um ensino fundamentado na transmissão de fórmulas, equações e símbolos que desmotivam o aluno.

Atuar como cidadão ético e participativo

Figura 2.  “De que forma participar deste projeto colaborou para sua formação como cidadão?”

5

Conclusões Preparar o estudante para o exercício da cidadania é uma meta prevista na própria Lei de

“Atuar como cidadão ético e participativo.”

Diretrizes e Bases da Educação LDB 9394/96.

Considerando o cenário atual do trabalho e da

Nesse sentido, a disciplina de Química também

profissionalização, é importante desenvolver no

deve colaborar para isso, uma vez que essa ciência

profissional de qualquer área a capacidade de lidar

se faz presente na sociedade, no uso de combus-

com a ciência e a tecnologia de uma forma que

tíveis, medicamentos, alimentos, meio ambiente,

agregue valores éticos e humanos, que o torne,

e tecnologia. Portanto, formar um cidadão crítico,

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Química Cidadã: usando o conhecimento em Química para ajudar a comunidade

ético, participativo e responsável requer que o mesmo tenha um mínimo de conhecimento na área de Química. Para Santos e Schnetzler (1997), a escola deve propiciar um ambiente que promova o debate, a discussão de soluções, a busca de informações, sempre valorizando as contribuições dos estudantes. Ter conhecimento químico vai ajudar esse estudante a ser um cidadão que atue responsavelmente na sua comunidade, na busca por soluções para problemas vivenciados no dia a dia. Os resultados alcançados com o grupo participante da pesquisa demonstram indícios de que um ensino de Química com enfoque CTS pode favorecer o desenvolvimento de capacidade de reflexão, participação e atuação de maneira responsável quanto ao uso da Química em favor da comunidade. Porém, eles também apontam evidências de que isso não deve ser feito apenas com um projeto isolado, mas sim deve fazer parte de um currículo interdisciplinar e contextualizado.

6

BRASIL. Ministério da Educação – MEC, Secretaria de Educação Média e Tecnológica – Semtec. PCN + Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias. Brasília: MEC/Semtec, 2002. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002. MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. MARCONDES, M. E. R. et al. Materiais instrucionais numa perspectiva CTSA: uma análise de unidades didáticas produzidas por professores de química em formação continuada. Investigações em Ensino de Ciências, v. 14, n. 2, 2009. MARTINS, A. B.; SANTA MARIA, L. C.; AGUIAR, M. R. M. P. As drogas no ensino de Química. Química Nova na Escola, n. 18, p. 18, 2003. SANTOS, W. L. P. dos; SCHNETZLER, R. P. Função social: o que significa o ensino de química para formar o cidadão? Revista Química Nova na Escola, n. 4, nov. 1996. ______.; MORTIMER, E. F. Tomada de decisão para ação social responsável no ensino de Ciências. Revista Ciência e Educação, v. 7, n. 1, 2002.

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40

CHASSOT, A. Alfabetização científica: questões e desafios para educação. Ijuí: Unijuí, 2003.

______.; SCHNETZLER, R. P. Educação em química: compromisso com a cidadania. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2003. WARTHA, E. J.; SILVA, E. L.; BEJARANO, N. R. R. Cotidiano e contextualização no ensino de química. Química Nova na Escola, v. 2, p. 84-91, 2013.

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Relato de Experiência 02 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

p. 41-50

Ciência Forense e Investigação Criminal: contextualizando a investigação através de uma proposta didática sobre conceitos associados às Ciências Exatas Forensic Science and Criminal Investigation: contextualizing research through a didactic proposal on concepts associated with Exact Sciences Ana Paula Sebastiany1, Angélica Schossler2 e Ana Paula Scheeren3

Resumo O presente trabalho tem por objetivo apresentar e analisar o desenvolvimento de uma proposta didática que explora a Ciência Forense e a Investigação Criminalística implementada a alunos do Ensino Médio. Esta proposta didática contempla a problematização e a experimentação como estratégia para o desenvolvimento de habilidades investigativas e da divulgação da Ciência e da Tecnologia. Nesse sentido, as atividades foram organizadas em quatro encontros, inspiradas nos jogos de RPG, e planejadas de forma a oferecer aos estudantes situações-problemas e recursos (bibliográficos, experimentais e tecnológicos), de modo que pudessem, ao interagir com tais recursos, expressar suas ideias com o propósito de resolver a problemática proposta – desvendar a causa de um acidente de trânsito. Concretamente, foram propostas atividades para a reconstituição de uma cena de crime fictícia, as quais permitiram aos estudantes coletar provas e realizar testes como impressão digital, sangue, etanol, reflexos e frenagem, utilizando nestes, conhecimentos da Física, Química e Matemática, além de determinar a importância e o significado 1. Licenciada em Ciências Exatas – UNIVATES, Mestre em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde – UFRGS. 2. Licenciada em Ciências Exatas – UNIVATES, Mestranda em Ensino de Ciências Exatas – UNIVATES. 3. Licenciada em Ciências Exatas – UNIVATES.


Ciência Forense e Investigação Criminal

das provas. A proposta apresentada mostra que é possível desenvolver atividades utilizando a prática e a teoria, integrando ainda questões sociais conscientizando os estudantes sobre a importância de suas atitudes. Palavras-chave: Ciência forense; Interdisciplinaridade; Atividades experimentais. Abstract This paper aims to present and analyze the development of a didactic proposal that explores the Forensic Science and Criminal Investigation implemented to high school students. This didactic proposal contemplates the questioning and experimentation as a strategy for the development of investigative skills and dissemination of Science and Technology. Therefore, the activities were organized during four meetings, inspired by some role-playing games, and were planned to offer students problem situations and resources (bibliographic, experimental and technological), so that they could interact with these resources, express their ideas in order to solve the problematic proposal – unravel the cause of a traffic accident. In particular, the activities were proposed for the reconstitution of a fictitious crime scene, which allowed students to collect evidence and conduct tests such as fingerprint, blood, ethanol, reflexes and braking, using in these ones, knowledge of Physics, Chemistry and Mathematics, in addiction to determine the importance and the meaning of the evidence. The proposal presented in this paper shows that it is possible to develop activities using practice and theory, integrating still social issues educating students about the importance of their attitudes. Key-words: Forensic sciences; Interdisciplinarity; Experimental activities.

1

cimentos, ou seja, que os alunos elaborem modelos

Introdução

complexos para entender e atuar sobre o mundo e,

O presente trabalho tem como objetivo apre-

desta forma, a tendência à passividade tende a ser

sentar e analisar uma proposta didática implemen-

superada. Este modelo parte do reconhecimento

tada, sobre a temática da Ciência Forense e da

e da consideração dos interesses e das ideias dos

Investigação Criminalística. Nesse sentido, as ati-

alunos. O professor, dentro desta perspectiva, deve

vidades foram organizadas e orientadas para abor-

trabalhar com a problemática socioambiental e

dar as ciências por meio de sua aproximação com

cultural, integrando o conhecimento disciplinar, o

o cotidiano, utilizando metodologias investigati-

conhecimento cotidiano, promovendo a construção

vas. Esta orientação se baseia no Modelo Didático

livre e significativa de conceitos, procedimentos,

Investigativo (Porlán, 1993), o qual propõe a

atitudes e valores, tendo papel ativo como coor-

investigação como metodologia didática e como

denador e orientador do processo de investigação

alternativa aos métodos passivos de ensino. Este

desenvolvido nas aulas (García Pérez; Porlán,

modelo foi escolhido por possibilitar o desenvol-

2000; García Pérez, 2000; Harres et al., 2005;

vimento de uma perspectiva sistêmica e complexa

Novais et al., 2008; Predebon, 2009). Além disso, o

sobre a ciência e o mundo que nos cerca.

estímulo ao uso de habilidades investigativas para

O modelo didático investigativo adota uma

a resolução de problemas, como proposto por este

perspectiva construtivista, tanto no plano individual

modelo, também pode influenciar na aprendizagem

como social. Tal modelo consiste no tratamento de

dos alunos no ensino formal.

situações-problema abertas, mediante as quais os

Além disso, para que essa proposta didática

alunos podem participar na construção dos conhe-

tivesse um caráter lúdico, buscou-se inspiração nos

42

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Ciência Forense e Investigação Criminal

jogos de RPG. Role playing game (RPG) significa

identificar, com relativa precisão, se uma pessoa,

“Jogo de Representação de Papéis”, no qual os

por exemplo, esteve ou não na cena do crime, a

jogadores assumem uma identidade dentro de uma

partir de uma simples impressão digital, ou então

trama e de um cenário, definidos pelo jogo, para

um fio de cabelo encontrado no local do crime. Em

completarem uma busca ou aventura. Diversos

algumas situações, os especialistas forenses utili-

trabalhos têm sido realizados, em diferentes com-

zam a tecnologia dos testes de DNA, as análises

ponentes curriculares e temas transversais, relacio-

da autenticidade de obras de arte e de documentos

nando os jogos com o desenvolvimento de concei-

ou, ainda, o exame de combustíveis adulterados

tos e de atitudes. O RPG Pedagógico incentiva a

(Chemello, 2006).

criatividade, a participação, a leitura e a pesquisa,

O desenvolvimento de temas transversais, como

além de ser de fácil aplicação a quaisquer matérias

o exposto, surge como uma proposta para auxiliar

e conteúdos didáticos, para crianças, adolescentes e

na construção de um saber mais sistêmico e con-

adultos (Riyis, 2003). A atividade lúdica, sob esse

textualizado (Fiedler-Ferrara; Mattos, 2002). Para

olhar, se coloca como uma vivência do momento de

tanto busca-se integrar várias disciplinas, desenvol-

uma forma integradora e prazerosa. As atividades

vendo assim uma ideia não fragmentada do conhe-

lúdicas são uma necessidade do ser humano, inde-

cimento, ampliando o leque de fenômenos da vida

pendentemente de sua faixa etária, e através delas,

social cotidiana, nos quais se espera tomadas de

é possível ter contato mais profundo consigo e com

decisão que sejam fundamentadas nas vivências e

o outro. Tais atividades se caracterizam como ati-

experiências dos sujeitos envolvidos nesse estudo.

vidades não impostas e sim compartilhadas, propi-

Neste sentido, Souza (2004) afirma que:

ciando que seus participantes se ‘entreguem’, inte-

[...] a construção das ações interdisciplinares, que substancia o pensar interdisciplinar, requer fundamentalmente uma postura pesquisadora, a permanência do desejo de vasculhar o desconhecido, de ousar sobre o incógnito. Esta postura, que fundamenta igualmente o ato científico, constitui o eixo sobre o qual a tarefa educativa se revela permanente criação, permanente redescobrir daquele que ensina, daquele que aprende, da relação que se faz constantemente (p. 115).

grando a ação, o pensamento e a emoção. Considerando que essa proposta didática só seria significativa para o estudante se estivesse ligada a seus interesses, curiosidades, necessidades e objetivos pessoais, e por serem temas de rara abordagem no ensino formal e informal, mas de grande interesse pelo público em geral, escolheu-se como temas desencadeadores (eixos temáticos) a Ciência Forense e a Investigação Criminalística. Afinal, as pessoas aprendem melhor em um contexto realista, usando o que já sabem e desen-

Em especial, acredita-se que o envolvimento da

volvendo habilidades a partir disso. A Ciência

Ciência Forense, de rara abordagem no contexto

Forense é uma área interdisciplinar que envolve

escolar, pode vir a ampliar a diversidade de ativida-

física, biologia, química, matemática e várias

des oferecidas no ensino formal. Finalmente, esse

outras ciências de fronteira. Seu objetivo é dar

tema pode proporcionar o estímulo à curiosidade,

suporte às investigações relativas à justiça civil e

à pesquisa, à troca de informações, à criatividade

criminal. Em investigações de crimes, o foco prin-

e à busca por carreiras científicas e tecnológicas.

cipal do profissional forense é confirmar a autoria

Desta maneira, as atividades constitutivas da

ou descartar o envolvimento do(s) suspeito(s). As

proposta didática se concretizaram na tentativa de

técnicas empregadas permitem que seja possível

solução de um crime fictício, onde os estudantes

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Ciência Forense e Investigação Criminal

puderam procurar evidências, coletar pistas, ana-

apontada de forma considerável pelos próprios

lisar e avaliar provas e realizar experimentos, de

alunos como um dos assuntos de seu interesse e

modo a desenvolver habilidades de investigação

curiosidade. No início do ano letivo realizou-se

e vivenciar aplicações científicas. Sendo assim,

um diagnóstico, a fim de levantar possíveis assun-

pretende-se que o estudante seja posto em situa-

tos do interesse dos alunos, onde se solicitou que

ções de pesquisador que lhe permitam reconhecer

eles escrevessem sobre o que gostariam de apren-

a importância do trabalho coletivo e individual da

der, sem que, necessariamente, estivessem explíci-

investigação. Este tipo de atividade estimula uma

tos os conteúdos de Matemática, Física e Química.

variedade de comportamentos: desde a observação

As atividades que compõem a proposta didá-

até a manipulação, da curiosidade à interrogação,

tica foram estruturadas e aplicadas em quatro

do raciocínio à experimentação, o direito à ten-

encontros, conforme será descrito a seguir, totali-

tativa e erro, há ainda capacidades relacionadas

zando 4 horas. Os 34 alunos participantes foram

com a comunicação, trabalho de análise e síntese

organizados em grupos de 4 integrantes, em uma

e criatividade, em cuja conjugação se encontra um

sala para a realização de atividades práticas4.

marco essencial para o desenvolvimento abrangente do indivíduo. 2

3

Contexto

Desenvolvimento e análise da proposta didática 3.1

1º encontro

Este trabalho foi desenvolvido no subprojeto

No primeiro encontro, foi aplicado um ques-

de Ciências Exatas, vinculado ao Programa de

tionário (Quadro 1) – respondido individualmente

Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), o qual

por cada aluno, a fim de identificar as suas curio-

procura inserir os futuros professores com expe-

sidades e interesses sobre o assunto. Além disso,

riências metodológicas, tecnológicas e práticas

realizou-se uma breve apresentação sobre os ramos

docentes de caráter inovador e interdisciplinar,

abordados pela Ciência Forense, e foi explicado

que busquem por meio de momentos de aprendi-

de forma mais específica aos alunos como a pro-

zagem diferenciados a superação de necessidades

posta de trabalho seria desenvolvida e o que fariam

e problemas identificados pelos professores e alu-

durante os encontros – sendo convidados a desven-

nos durante o processo de ensino-aprendizagem

dar um crime fictício, o qual foi elaborado espe-

nas aulas de Matemática, Física e Química. Nesse

cialmente para essa atividade, assumindo o papel

sentido, viabiliza o contato dos licenciandos com

de peritos forenses, cujo objetivo era a procura de

o ambiente escolar e possibilita a elaboração e a

provas na tentativa de solucionar um crime.

aplicação de propostas didáticas de forma conjunta e colaborativa com os professores da escola.

Em seguida, os alunos foram convidados a ouvir o relato da Situação-problema envolvendo

Especificamente, a proposta didática sobre a Ciência Forense e a Investigação Criminal foi

um acidente de trânsito, o qual apresenta, sucintamente, o caso da história fictícia (Quadro 2).

desenvolvida e aplicada com 34 alunos do 1º ano do Ensino Médio de uma escola da Rede Pública Estadual do Rio Grande do Sul, situada na cidade de Estrela, durante o segundo semestre de 2013. Cabe ressaltar que a escolha dessa temática foi

44

4. Sala Prática: organizada de forma a favorecer o trabalho em grupo, dispondo de materiais como vidrarias, reagentes, livros e outros materiais didáticos destinados para a realização de experimentos e estudos relacionados à Matemática, Física, Química e Biologia

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Ciência Forense e Investigação Criminal

Quadro 1.  Questionário inicial. Questionário Inicial 1. Você já ouviu falar ou tem algum conhecimento sobre Ciência Forense? Se tiver, fale sobre ele. 2. O que você espera aprender sobre Ciência Forense?

Quadro 2.  ‘Situação-problema envolvendo um acidente de trânsito’ criada para a proposta. “Um casal, ao sair de um barzinho, leva consigo um lanche, a fim de saboreá-lo em um jantar romântico. O lanche consiste em duas porções de massa com molho de tomate e uma garrafa de vinho tinto. Ao sair do bar Júlio assume a direção do veículo, sendo que os lanches são levados pela sua companheira Joana. O que eles não sabem, é que pelo caminho, acontecerá um terrível acidente… A polícia foi acionada pela ligação de uma testemunha, que ressaltou que o acidente havia sido grave, e que após um forte estrondo, um caminhão passou por ela em alta velocidade. Ao chegar ao local do crime, a polícia encontrou apenas o carro com duas vítimas fatais. Os peritos foram convocados a fim de esclarecer como o acidente aconteceu, e identificar possíveis culpados. O motorista do caminhão foi identificado a partir de uma câmera de segurança em outro ponto da rodovia, trafegando ainda em alta velocidade e registrado o tempo próximo ao telefonema da testemunha. Deseja-se saber qual o papel de cada um nesse acidente, e aproximar ao máximo a simulação do que realmente aconteceu, vocês são os peritos, cabe a vocês desvendar o caso!”

Cabe destacar que os alunos receberam algumas orientações quanto aos procedimentos, para evitar que contaminassem as evidências na cena do crime, e assim prejudicar o desenvolvimento da investigação. Além disso, foram disponibilizados materiais para que eles pudessem realizar experimentos relacionados à análise de impressões digitais, sangue, etanol, reflexos, frenagem e pesquisar dados relacionados à trama. Para isso, a sala prática possuía diversos materiais, como por exemplo, lupas, luvas, sacos plásticos (para coleta das

Figura 1.  Simulação da situação-problema.

amostras), pinças, vidrarias, kits de reagentes para as análises químicas, materiais bibliográficos para

As primeiras observações apontadas pelos alu-

pesquisa referente às evidências e com entrevistas

nos em relação à cena do crime foram: “parece que

e depoimentos a suspeitos e testemunhas. Também

há sangue nos corpos”; “Joana está sem cinto”; “há

foram disponibilizados os roteiros para a realiza-

vidro quebrado”; e “o carro está amassado na late-

ção dos experimentos.

ral esquerda”.

Em seguida, para ilustrar a situação-problema

Em seguida, durante a leitura do depoimento

a ser investigada pelos alunos, foi realizada a

do caminhoneiro, os alunos perceberam indí-

simulação do acidente (Figura 1).

cios do nervosismo do mesmo e, assim sendo,

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Ciência Forense e Investigação Criminal

concluíram que ele era culpado. Diante disso,

do cálculo dos reflexos, proposto pelo fato de os

ressaltou-se que essa informação não seria sufi-

alunos questionarem se algum dos envolvidos

ciente para culpá-lo pelo acidente. Além disso, os

estaria embriagado.

alunos foram questionados quanto à veracidade de

Para cada grupo entregamos um cotonete com

uma parte do depoimento, no qual o caminhoneiro

sangue e molho de tomate, com a identificação H

afirma ter parado para prestar socorro às vítimas

(se referindo ao lado do motorista Júlio) e M (para

e, consequentemente, os alunos disseram que,

o lado da caroneira Joana). O objetivo era que os

para isso, as digitais do caminhoneiro deveriam

alunos descobrissem se havia evidências de san-

estar no carro.

gue nos corpos, ou se eram outras substâncias

Dessa forma, foi disponibilizado um vidro de

como vinho ou molho de tomate que também esta-

relógio com as digitais da lataria do carro, para que

vam no interior do veículo. Pode-se perceber que

cada grupo pudesse coletá-las e, posteriormente

os grupos constataram sangue no corpo de Júlio,

analisar a quem elas pertenciam comparando com

e outra substância no corpo de Joana. Assim, a

as digitais dos envolvidos. Para a coleta das digi-

causa da morte de Júlio teria sido por hemorra-

tais, foi utilizada a técnica do pó de giz. Os grupos

gia e a de Joana ainda não havia sido solucionada.

levantaram a hipótese de que o caminhoneiro ten-

Para prosseguir as investigações, os alunos solici-

tou prestar socorro, pois suas digitais estavam no

taram um exame que apontasse a causa da morte

carro. Ressaltamos a ideia de que as digitais mos-

de Joana.

5

travam apenas que ele tentou abrir o carro, mas

Dando sequência, realizamos a prática de refle-

que isso não confirmava que ele havia entrado no

xos7 com o objetivo de calcular o tempo de reação

veículo para prestar socorro.

dos alunos e comparar com o do caminhoneiro

Neste encontro percebeu-se que os alunos

(0,3 segundos). Para essa prática relembramos as

propunham conclusões apressadas, como se uma

fórmulas de velocidade média e aceleração e pro-

única evidência de fácil percepção fosse solucio-

blematizamos a prática, relembrando também qual

nar o caso. Ao longo desse processo, procurou-

a aceleração de um objeto (régua) ao ser abando-

-se orientá-los a primeiramente levantar algumas

nado em queda livre. Lançamos o desafio de que

hipóteses, e em seguida investigar e testar cada

usassem as duas fórmulas juntas para calcular o

uma delas, para que considerassem um conjunto

tempo de reação.

maior de informações a fim de identificar e com-

Depois de ter uma medida aproximada dos

preender de forma mais precisa o que realmente

reflexos da turma (aproximadamente 0,12 segun-

aconteceu.

dos), questionamos os alunos se a medida do

3.2

motorista poderia ser considerada normal. Nesse

2º encontro

momento muitos relataram que isso significava

O segundo encontro foi destinado à prática

que ele estava embriagado. Perguntamos se ape-

sobre a presunção do sangue, que surgiu do ques-

nas o álcool deixava os reflexos lentos, e os alu-

tionamento dos alunos quanto à identificação da

nos citaram que o sono, as drogas e o nervosismo

substância encontrada no corpo das vítimas, além

também podem influenciar. Os alunos chegaram

6

à conclusão de que precisariam ter feito um teste 5. Disponível em: <http://www.colegiobarbosa.com.br/arquivos/28-9-2011195927.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2016. 6. Disponível em: <http://annq.org/eventos/upload/1330465873. pdf>. Acesso em: 20 dez. 2016.

46

7. Disponível em: <http://www1.univap.br/rspessoa/aulas/ fisicaexp2012/topico06fisicaexp.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2016.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Ciência Forense e Investigação Criminal

do bafômetro, e, portanto, combinamos que farí-

Diante disso, realizou-se o teste do bafômetro.8

amos o teste no próximo encontro, considerando

Para cada grupo foi entregue um balão simulando

que o teste estaria sendo feito no momento em que

os pulmões das pessoas envolvidas no acidente.

o caminhoneiro foi localizado pela polícia, já que

Em um deles colocamos álcool puro e identifica-

não poderíamos realizar um teste de sangue para

mos como sendo do motorista do carro, Júlio, em

esta análise.

outro colocamos água, a fim de que constatassem

De uma forma geral, pode-se perceber que os

que o motorista do caminhão não havia ingerido

alunos tiveram dificuldades em compreender os

bebida alcoólica e para Joana colocamos vinho.

conceitos de velocidade e aceleração, e de reali-

Ao elaborar a prática pensamos que os alunos

zar transformações de unidades de medida dentro

poderiam identificar os conteúdos dos balões pelo

da situação proposta. Além disso, a interação de

cheiro, o que tornaria a prática um pouco óbvia,

ideias entre os alunos possibilitou discussões sobre

porém isso não aconteceu. Socializamos os resul-

o que realmente teria acontecido, ou seja, começa-

tados e foi concluído de forma conjunta que o

ram a inferir sobre as informações de forma con-

motorista do caminhão não estava embriagado, o

junta, diferentemente do encontro anterior.

teste de Júlio apresentou maior contraste, enquanto

3.3

3º encontro

sua companheira (Joana) estava entre os dois teores alcoólicos encontrados, porém não definidos.

Neste encontro realizaram-se os cálculos de

Neste encontro os alunos conseguiram estabe-

frenagem e o teste do bafômetro. Iniciamos dis-

lecer em qual tipo de estrada e de sistema de freios

cutindo a diferença entre os sistemas de freio

levaria mais tempo para parar o veículo comple-

convencional e os freios ABS. Falamos sobre o

tamente. Ao perceber a distância necessária para

tempo que um veículo precisa para frear, compa-

que um veículo pare completamente, percebemos

rando com estradas em que há água, gelo, asfalto e

certo espanto dos alunos. Assim, foram discutidas

terra de chão, relembrando os conceitos de atrito.

questões sociais importantes, como o risco do uso

Conversamos sobre aquaplanagem, e sobre como

de drogas e álcool, a necessidade de estar com a

o motorista deve reagir nessas situações. Os alu-

manutenção dos veículos em dia, e a importância

nos ficaram impressionados com o fato de que

de respeitar os limites de velocidade.

um impacto frontal a 100 km/h é fatal, mesmo

4º encontro

que não haja ferimentos aparentes. Tomando

3.4

como base a velocidade do carro na hora do aci-

No início do quarto encontro fomos surpreen-

dente (95 km/h) e a média do tempo de reação da

didos por uma pergunta inesperada realizada por

turma (0,12 segundos), calculamos quantos metros

um dos alunos: “Se um impacto a 100 km/h é fatal,

seriam percorridos até que os mesmos conseguis-

como um piloto de Fórmula 1 é capaz de sobre-

sem acionar os freios. Nesse momento discutiu-

viver se nas corridas a velocidade é bem maior?”

-se a importância de estar sóbrio ao dirigir, uma

Como resposta explicamos que há uma diferença

vez que os reflexos são fundamentais para evitar

grande entre um impacto frontal com uma barreira

acidentes. Calculamos também, com base nos

(caminhão, poste, entre outros) que faz com que o

tempos de frenagem tabelados, quantos metros

veículo pare bruscamente, e um impacto parcial,

seriam necessários até que o carro parasse completamente a 95 km/h, se tivesse freios ABS ou freios convencionais.

8. Disponível em: <http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc05/ exper2.pdf>. Acesso em: 20 dez. 2016.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Ciência Forense e Investigação Criminal

no qual o carro vai parando aos poucos, como nor-

dades um pedaço de madeira com digitais e um fio

malmente são os impactos que vemos nas corridas

de cabelo correspondente com o da vítima. Além

na televisão. Geralmente o piloto bate na prote-

disso, como haviam coletado as digitais no pri-

ção, mas continua andando e capotando até parar.

meiro encontro, automaticamente os alunos com-

Neste caso a diminuição da velocidade é mais

pararam e deduziram que o autor da pancada teria

lenta, porém também gera danos aos motoristas.

sido o motorista do caminhão.

Consideramos ainda que os veículos de Fórmula

Considerando esses fatos, foi concluído que o

1 estão mais bem equipados, e os pilotos bem pro-

responsável pelo acidente foi o motorista do carro,

tegidos. Essa questão inicial nos mostrou que os

cuja morte foi ocasionada pelo impacto; porém,

alunos estavam interessados nas aulas e refletiam

Joana ainda estava viva após o acidente e foi assas-

sobre os fatos abordados durante os encontros.

sinada pelo motorista do caminhão. Entregamos

Como tínhamos previsto o encerramento da

então para os alunos um depoimento onde o moto-

oficina nesse encontro, iniciamos relembrando

rista confessa sua participação na morte da moça.

todas as etapas com os alunos, e retomamos o que

Ao conversar com os alunos, estes concor-

ainda precisávamos descobrir para resolver o caso.

daram que, se o motorista do carro não estivesse

Assim, nossa principal dúvida estava na causa da

embriagado, o acidente não teria acontecido, e os

morte da moça (Joana), que aparentemente não

fatos que se desencadearam também não. Nada

tinha muitos ferimentos, considerando ainda que

justifica o motorista ter assassinado a moça,

o maior impacto foi no lado do motorista. Além

porém, esta teria sobrevivido caso tivesse a cons-

disso, segundo o caminhoneiro, este teria tentado

ciência de não ter entrado em um carro cujo moto-

ajudar, e conforme a coleta de digitais, constata-

rista estava embriagado. Dessa forma, buscamos

mos que ele realmente tentou abrir a porta do carro.

trabalhar desde definições sobre a Ciência Forense

Para esclarecer a morte de Joana, entregamos

e os campos em que ela atua até questões relacio-

aos alunos o laudo do Instituto Médico Legal

nadas ao social, e a importância de tomar decisões

(IML), sobre as causas de sua morte, conforme

de forma consciente.

os alunos haviam solicitado em um encontro anterior. Com base nas evidências da cena do acidente, pode-se concluir que Joana não estava

4

Considerações finais

usando o cinto de segurança, porém no exame

Consideramos ao final do trabalho, que a prá-

pericial, foi constatada a marca do cinto de segu-

tica realizada foi uma experiência gratificante,

rança em seu corpo, causada pelo impacto do aci-

pela seriedade com que os alunos trataram o tema e

dente. Deixamos que os alunos se dessem conta

pelo interesse durante a realização das atividades.

dessa contradição, pois esses dados apareciam em

Além de propiciar a construção de um ambiente

momentos diferentes no laudo, e o nosso objetivo

motivador, agradável e rico em situações novas

era de que eles mesmos pudessem interpretar e

e desafiadoras, que possibilitaram aos alunos o

tirar suas próprias conclusões, o que aconteceu

desenvolvimento de habilidades investigativas.

logo após a leitura do laudo. Neste, constava ainda

Percebe-se que eles querem e gostam de discutir e

que havia um hematoma na cabeça da moça, pro-

testar as suas ideias, ou seja, não querem ser pas-

vavelmente causado por uma pancada. Havia no

sivos ao mundo que os cerca; mostra-nos, como

laudo a descrição do local do crime, onde foram

futuros professores, que devemos estar atentos e

encontrados vestígios de madeira, e nas proximi-

sempre buscar suas opiniões, pois são eles que

48

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Ciência Forense e Investigação Criminal

demonstram como está sendo nosso trabalho, e

passiva do modelo tradicional de ensino (Zembal-

é através deles que saberemos onde precisamos

Saul et al., 2002; Silveira; Ostermann, 2002; Lima,

mudar ou repensar nossa proposta de ensino.

2004). Desta maneira conclui-se que esta estraté-

Cabe ressaltar que ao longo dos encontros, foi

gia de ensino, aliada ao assunto da criminalística,

enfatizada a importância de tomar atitudes cons-

despertou grande fascínio nos alunos, pois foi um

cientes e responsáveis, e foram comprovados os

momento em que eles tiveram a possibilidade de

riscos de situações como a representada nesta pro-

conhecer os procedimentos realizados pelos peri-

posta didática. O levantamento realizado sobre as

tos com as evidências encontradas em uma cena de

ideias dos alunos acerca do assunto, leva o pro-

crime. Para os estudantes da graduação, a proposta

fessor a conhecer a partir de que ponto iniciar

de iniciação à licenciatura proporciona ousar e

os estudos. A interação entre os professores e os

desenvolver atividades diferenciadas em conjunto

alunos contribui para uma reflexão sobre a prática

com os professores já atuantes, contribuindo para a

realizada, e demonstrou que a proposta didática

formação e buscando o diálogo para o desenvolvi-

foi bem acolhida pelos alunos, porém devemos

mento de situações em que o senso crítico, a apli-

sempre refletir sobre nossas práticas e buscar

cação de conteúdos e a tomada de atitudes estão

melhorias.

diretamente ligados à educação.

Pensar na interdisciplinaridade pressupõe uma análise do que será proposto e desenvolvido, e os objetivos pretendidos. Além disso, a proposta deve estar bem estruturada, buscando atingir conteúdos que estão relacionados à série dos alunos, onde é possível verificar a ponte entre estes e o dia a dia, explicações que são possíveis por meio do conhecimento científico. Com as atividades desenvolvidas e a metodologia empregada (Porlán, 1993), destacam-se alguns aspectos pelos quais se acredita na eficiência da estratégia didática implementada. Essa foi capaz de estimular a participação ativa dos estudantes, a curiosidade e o interesse, propiciar a construção de um ambiente motivador, agradável e rico em situações novas e desafiadoras. Ambiente este que pôde facilitar aos alunos o desenvolvimento de autonomia, do espírito crítico e, principalmente, das atitudes e dos procedimentos investigativos, tais como: formulação de perguntas e de hipóteses, coleta de dados, proposição de procedimentos ou de estratégias para resolução do problema, identificação do problema, entre outras (Brasil, 1998). Foi uma forma de levar o aluno a participar de seu processo de aprendizagem, deixando de lado a postura

5

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Ciência Forense e Investigação Criminal

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50

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Relato de Experiência 03 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

p. 51-62

Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química Garbage and Society: contextualization through CTSA approach in Chemistry teaching Maria Aparecida da Costa1, Thais Mateus Vasconcelos1, Yuri Alves Oliveira1, Karla Amâncio Pinto Field’s2 e Renato Gomes Santos3

Resumo Neste trabalho é apresentado o desenvolvimento de um minicurso relacionado aos problemas ambientais decorrentes do descarte inadequado do lixo e o aumento de sua produção em decorrência do consumo excessivo da população. O mesmo foi aplicado a alunos de 1º ano do Ensino Médio de uma escola pública da rede estadual em Itumbiara-GO. A realização do mesmo pautou-se não apenas em abordagens teóricas, mas também contextualizadas e práticas, as quais objetivaram despertar nos alunos uma reflexão sobre os problemas ambientais relacionados ao lixo e a influência do ser humano nesse processo, bem como relacionar essa temática aos conceitos químicos nela presentes. Diversas atividades foram desenvolvidas, tais como: elaboração de cartazes, utilização de vídeos, confecção de materiais a partir do lixo e uma feira de ciências. Os resultados obtidos por meio da metodologia utilizada com diversos recursos didáticos demonstraram a importância de se desenvolver trabalhos de forma contextualizada e prática a partir de uma abordagem CTSA – Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente – promovendo aos alunos uma aprendizagem mais efetiva e significativa. Palavras-chave: Abordagem temática; Ensino de Química; Lixo; Contextualização; CTSA. 1. Graduandos Licenciatura em Química no Instituto Federal de Goiás (IFG), campus Itumbiara-GO. 2. Professora no Instituto Federal de Goiás (IFG), campus Itumbiara-GO. 3. Professor da Rede Pública de Ensino do Estado de Goiás.


Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química

Abstract This paper presents the development of a short course related to environmental problems arising from the improper disposal of waste and the increase in its production due to the excessive consumption of the population. The same was applied to first-year students at a state public high school in Itumbiara-GO. The development of this work was not only based in theoretical approaches, but also in contextualized and practical ones, which aimed to arouse reflection in students about the environmental problems regarding waste and the human beings influence in this process, as well as to relate this theme to the chemical concepts presented to the students. Several activities were carried out as preparation of posters, use of videos, making of materials from waste and a science fair. The results from the methodology applied with a variety of teaching resources demonstrated the importance of developing contextualized and practical works from CTSA (Science, Technology, Society and Environment) approaches, promoting a more effective and meaningful learning to the students. Key-words: Thematic approach; Chemistry teaching; Waste; Contextualization; CTSA.

1

Introdução

tida a escolha de temas representativos da reali-

A Química Ambiental é uma parte da Química que deve ser utilizada de modo a desenvolver nos alunos uma melhor compreensão do ambiente em que os mesmos vivem, criando condições para a preservação da natureza e saber se posicionar diante dos problemas ambientais, procurando reduzir seus danos ao meio ambiente. A abordagem da Educação Ambiental vem adquirindo, por meio de investigações, o contorno de uma nova

dade local e da vida social dos alunos. A Lei Federal nº 9.795/99 define a Educação Ambiental como: Os processos por meio dos quais os indivíduos e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (Brasil, 1999).

presença entre as áreas de pesquisa dentro do campo da Educação. A área do meio ambiente con-

Ainda de acordo com a Lei Federal nº 9.795/99

quista e assume a possibilidade de se somar como

a Educação Ambiental não deve ser compreen-

mais um enfoque epistemológico, incorporando,

dida como uma nova disciplina do currículo esco-

de forma decisiva, as contribuições da ciência

lar, mas uma aliada do currículo, na busca de um

humana (Ruscheinsky, 2002).

conhecimento integrado que supere a fragmenta-

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases

ção, tendo em vista o conhecimento. Sendo assim

(Lei 9394/96), é obrigatório o ensino de Educação

faz-se necessário que as escolas busquem trabalhar

Ambiental para todos os níveis de ensino, bem

com os alunos as questões ambientais de forma

como a conscientização pública para a preserva-

contínua, não apenas em sala de aula, mas sempre

ção do meio ambiente. Sendo assim a Química

que possível, por meio de metodologias diversifi-

Ambiental se torna uma grande ferramenta para

cadas como minicursos e feiras científicas. Desta

desenvolver o ensino em Educação Ambiental.

maneira, pode-se incitar nos alunos a reflexão

Segundo Almeida e Amaral (2005) ao se trabalhar

sobre os problemas ambientais relacionando-os ao

nessa abordagem, é preciso ter como ponto de par-

contexto social em que estes estão inseridos.

52

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química

Santos e Schnetzler (2003) apontam sobre a

ou com os conhecimentos adquiridos espontane-

necessidade de discutir as implicações da ciência

amente. Para a efetivação da contextualização,

e da tecnologia sobre o Meio Ambiente. Nesse

faz-se necessário que esta esteja centrada na abor-

sentido, a partir dessas inter-relações têm surgido

dagem de temas sociais e associada a atividades

várias propostas que abordam o ensino numa pers-

práticas, em que o aluno possa compreender a rela-

pectiva CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e

ção dos conceitos científicos e os aspectos sociais.

Ambiente), que inclui o ambiente como uma ins-

Cunha e Gomides (2013) afirmam que a com-

tância produtora de saberes no processo de ensino

preensão de alguns temas abordados em sala de

e aprendizagem. Ademais, a abordagem CTSA

aula, pode ser baseada no estudo do cotidiano do

propicia a alfabetização cientifica, desperta o

aluno, relacionando os conteúdos químicos de

senso crítico e reflexivo do aluno, pois este passa

forma a facilitar a aprendizagem, oportunizando

a compreender que a evolução da ciência e da tec-

a organização de informações e ampliação do

nologia se dá por meio de atividades humanas e

conhecimento acerca dos conteúdos químicos tra-

está diretamente relacionada à qualidade de vida

balhados em sala de aula.

das pessoas e suas decorrências ambientais.

Santos e Schnetzler (2003) ressaltam que um

Nessa perspectiva, Santos (2007) defende a

dos requisitos fundamentais da cidadania é a par-

inserção da abordagem de Ensino CTSA às prá-

ticipação na sociedade, sendo que o aluno só par-

ticas educativas como uma forma de vincular os

ticipará se sentir-se atraído e envolvido pelas rela-

conhecimentos científicos à tecnologia e ao coti-

ções sociais. Isto demonstra que a escola, ao ter a

diano, possibilitando aos alunos uma melhor com-

função de auxiliar na formação cidadã do aluno,

preensão do mundo, da dimensão social da ciên-

deve relacionar os conceitos científicos trabalha-

cia e da tecnologia e que os mesmos construam

dos com a realidade do aluno, para que o mesmo

conhecimentos que os tornarão aptos a propor e

seja impulsionado a exercer sua cidadania.

encaminhar soluções para os diversos problemas

Nessa perspectiva este trabalho teve como foco

cotidianos.

principal os quatro principais tipos de lixo, sendo

A todo o momento, a população é bombarde-

eles: papel, metal, plástico e vidro. Este tema foi

ada pela mídia por meio de anúncios nas redes

escolhido, por fazer parte do nosso cotidiano, per-

sociais, nos outdoors, em revistas, nas ruas, nos

mitindo ao aluno uma reflexão em torno da cons-

rádios e TV, incitando-a ao consumismo exces-

tituição química de cada material bem como seus

sivo. Esta por sua vez, contribui para o aumento de

impactos ambientais. Ainda, objetivou-se fazer

alguns problemas, como o descarte inadequado do

com que os alunos identificassem a relação entre a

lixo e o aumento de resíduos sólidos. No entanto,

Química e outras áreas do conhecimento, a fim de

pensando em como o ensino de Química pode con-

se desenvolver a interdisciplinaridade e a contex-

tribuir para minimizar este problema, o presente

tualização dos conteúdos químicos propostos.

trabalho buscou desenvolver um minicurso de forma contextualizada e prática com uma abordagem CTSA tendo como tema principal o lixo.

2

Aspectos metodológicos

Os PCNEM (Brasil, 1999) propõem que a

Este trabalho foi desenvolvido como projeto

contextualização dos conteúdos é um importante

de intervenção na disciplina de Estágio Curricular

recurso para tornar a aprendizagem significativa,

Supervisionado II ofertada no período de 2014/2

ao associá-la com experiências da vida cotidiana

pelo Instituto Federal de Goiás (IFG) – Campus

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química

Itumbiara – do curso de Licenciatura em Química,

partir do lixo reciclável, foram escolhidos na tenta-

sendo aplicado em uma escola da rede pública

tiva de atrair e estimular os alunos diante do tema

com 25 alunos de turmas do 1º ano de Ensino

exposto. Durante o desenvolvimento do trabalho

Médio. Este projeto de intervenção teve como

na escola, os alunos foram submetidos a questio-

foco o desenvolvimento de um minicurso em que

namentos em torno do tema para levantamento dos

se buscou apresentar aos alunos os problemas

conhecimentos prévios sobre o mesmo.

ambientais enfrentados nos últimos anos, devido

Após a aplicação do minicurso foi desenvol-

à grande produção de lixo relacionada ao consu-

vida com os alunos a confecção de objetos para

mismo desenfreado da população, resultando no

cada tipo de lixo estudado, e em seguida o material

descarte inadequado e na falta de reaproveita-

foi exposto em uma feira científica na escola para a

mento do mesmo.

apresentação e aplicação dos conhecimentos obti-

Nessa perspectiva, para desenvolver o mini-

dos sobre a importância da reutilização do lixo e os

curso, foi realizada a divisão dos conteúdos a

problemas ambientais causados pelo descarte ina-

serem trabalhados em sala em aula. O minicurso foi

dequado do mesmo. A feira científica teve duração

desenvolvido em dois dias com duração de 5 horas

de 3 horas para a exposição e explicações acerca

por dia, totalizando 10 horas. Os temas expostos

dos materiais confeccionados.

no minicurso foram voltados para a importância do reaproveitamento do lixo e os problemas acarretados pelo descarte inadequado do mesmo, onde alguns conceitos químicos foram trabalhados.

3

Resultados e discussões Os temas trabalhados no minicurso, bem como

Os recursos didáticos utilizados, como vídeos,

seus objetivos, as atividades desenvolvidas e os

elaboração de cartazes e confecção de materiais a

recursos utilizados seguem descritos no Quadro 1:

Quadro 1.  Descrição do minicurso. Tema

Encontro

Objetivo

Atividades desenvolvidas

Lixo e a Era do Consumismo

Primeiro encontro

Promover aos alunos uma reflexão em torno Questionamentos e discussões sobre o dos problemas ambientais causados pelo tema, aplicação do vídeo “Lixo” seguida de lixo, devidos ao consumismo e ao descarte questionário e a confecção de cartazes. inadequado do mesmo.

A Química do Vidro

Primeiro encontro

Identificar a constituição do vidro e abordar os processos químicos presentes na fabricação do vidro, bem como seu impacto ambiental e a importância de sua reutilização.

Questionamentos e discussões sobre o tema, aplicação do vídeo “Kika – De Onde Vem o Vidro” e confecção de materiais a partir de garrafas de vidro.

A matéria-prima e o Primeiro processo produtivo encontro do papel

Apresentar aos alunos a matéria-prima e o Questionamentos e discussões sobre o processo produtivo do papel, de forma que tema. Confecção de materiais a partir de os alunos possam identificar os compostos papel reciclado. químicos utilizados em cada etapa, bem como a importância da reutilização.

A Química do Plástico

Segundo encontro

Abordar os conceitos químicos presentes na Questionamentos e discussões sobre o composição do plástico, relacionando com tema e a confecção de materiais a partir de os impactos ambientais e a importância da garrafas pet. reutilização.

Metais: material do nosso dia a dia

Segundo encontro

Apresentar os conceitos químicos presentes Questionamentos e discussões sobre o nos metais, bem como relacionar essa tema, aplicação do vídeo “A Química do temática com os impactos ambientais. Saber: Metais e Siderurgia” e confecção de materiais a partir de latinhas de alumínio.

54

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química

3.1

Primeiro encontro

Foram trabalhados com os alunos os seguintes temas: ‘Lixo e a Era do Consumismo’, ‘A Química do Vidro’ e ‘A matéria-prima e o processo produtivo do papel’. Após a apresentação inicial dos temas que seriam abordados naquele encontro e as atividades que seriam desenvolvidas, iniciou-se com a temática ‘Lixo e a Era do Consumismo’ onde foram realizadas perguntas aos alunos para que eles relatassem suas concepções sobre a proposta. O Quadro 2 descreve as perguntas realizadas para as discussões.

cessárias, substituindo um objeto antigo por outro novo. Estes objetos ao serem descartados por não possuírem mais utilidade, acabam gerando um grande acúmulo, contribuindo cada vez mais para o aumento do lixo. Durante as discussões foi possível notar que os alunos não sabiam diferenciar as técnicas para o destino final do lixo, sendo necessário, portanto, trabalhar detalhadamente essa questão. Para tanto, foram utilizadas ilustrações, tais como as Figuras 1, 2 e 3 a seguir, as quais apresentam algumas formas de disposição do lixo, sendo elas: lixão, aterro sanitário e aterro controlado.

Quadro 2.  Perguntas sobre o lixo. 1)  O que vocês entendem por consumismo? 2)  Qual o destino final do lixo?

Lixão

3) Vocês sabem diferenciar lixão, aterro sanitário e aterro controlado?

Urubus e outros animais

4)  O que é chorume?

A partir das respostas dos alunos sobre estas

Poluição Chorume

questões, notou-se que os mesmos sabiam a definição de consumismo, como podemos ver nas falas

Lençol freático

dos alunos: A1: Consumismo é quando você compra algo que não precisa.

Figura 1.  Uma das técnicas para disposição final do lixo – lixão.

A5: Consumismo é comprar muitas coisas desnecessárias.

Aterro sanitário

Recorrendo à literatura para fixar essa ideia, sobre consumismo, segundo Baudrillard (2005), o autor afirma que consumismo é sedução; o consu-

Não há urubus nem outros animais nem mau cheiro Captação e queima de gás metano

mismo supõe a manipulação de objetos. Ou seja,

Lixo novo

os objetos são independentes de seus significados e vêm ganhando expressão na medida em que con-

ETE Tratamento do chorume Cobertura Celação com diária manta de PVC e argíla

Não há contaminação do lençol freático

fundem a realidade a fim de suprir a fantasia da acumulação, pois algumas vezes as pessoas compram muitas coisas que em sua maioria são desne-

Figura 2.  Uma das técnicas para disposição final do lixo – aterro sanitário.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química

decomposição do lixo misturado a restos de ali-

Aterro controlado

mentos, definição similar à proposta por Santos e Captação e queima de gás metano Cobertura com terra e grama

Schnetzler (2003), ao afirmar que este se trata de

Recirculação do chorume

Lixo velho

Chorume

um líquido de coloração escura, malcheiroso e de eleNova célula Cobertura Lixo diária novo Manta de PVC

Lençol freático

vado potencial poluidor, produzido pela decomposição da matéria orgânica contida nos resíduos.

Após as discussões sobre o lixo e suas consequências ao meio ambiente, os alunos assistiram ao vídeo Lixo4, que apresenta questões em torno

Figura 3.  Uma das técnicas para disposição final do lixo – aterro controlado.

de como o consumismo tem contribuído para o aumento de resíduos sólidos, abordando a importância da reutilização e do descarte correto do lixo, para que assim as pessoas contribuam com a coleta seletiva.

As explicações realizadas aos alunos pauta-

A partir do vídeo os alunos foram provocados a

ram-se nas definições da disposição final do lixo

refletirem em torno do que tinha sido abordado no

propostas por Lanza et al. (2006), que define lixão

primeiro momento, alertando-os sobre as possíveis

como uma técnica inadequada de disposição final

formas de mudança de hábito em casa, como dimi-

de resíduos sólidos, caracterizada pela sua descarga

nuir o consumo desnecessário e contribuir para

sobre o solo, sem critérios técnicos e medidas de

a redução da produção do lixo, para preservação

proteção ambiental ou à saúde pública e principal-

do meio ambiente. Ao final das discussões sobre

mente, poluição do solo e das águas superficiais e

o vídeo foi pedido que os alunos, a partir do que

subterrâneas pelo chorume.

haviam estudado, confeccionassem quatro tipos de

Aterro Sanitário é definido como uma téc-

cartazes, que versassem sobre os seguintes mate-

nica de disposição de resíduos sólidos urbanos no

riais: papel, vidro, plástico e metal, com a finali-

solo, sem causar danos à saúde pública e ao meio

dade de expô-los na feira científica.

ambiente, minimizando os impactos ambientais,

Dando sequência às atividades, foi apresen-

devendo conter todos os elementos de proteção

tado aos alunos o tema ‘A Química do Vidro’,

para não agredir o meio ambiente. Finalmente, o

em seguida, realizaram-se perguntas a respeito do

Aterro Controlado é definido como uma técnica

mesmo, as quais se encontram no Quadro 3.

de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos ou riscos à saúde pública e à segurança, assim minimizando os impactos

Quadro 3.  Perguntas propostas sobre o vidro.

ambientais. Trata-se de um método em que se uti-

1)  Quanto tempo o vidro demora a se decompor no meio ambiente?

lizam princípios de engenharia para confinar os

2)  Você sabe em que constitui a composição do vidro?

resíduos sólidos, cobrindo-os com uma camada

3)  Em qual estado físico o vidro se encontra, líquido ou sólido?

de material inerte na conclusão de cada jornada de trabalho.

4)  Qual a importância da reutilização do vidro para o meio ambiente?

Ao serem indagados sobre o que seria o chorume, de maneira geral, os alunos o definiram como um líquido de coloração escura resultante da

56

4. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v= hQvZxx8IvGs>. Acesso em: 19 dez. 2016.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química

A primeira questão abordada fazia referência ao tempo em que o vidro demora a se decompor no meio ambiente, quando descartado inadequa-

Sódio - 14% Alumina - 0,7%

Magnésio - 4% Cálcio - 9%

Potássio - 0,3%

damente. As respostas obtidas pelos alunos foram que o vidro demorava muitos anos para se decompor. Portanto, para que os alunos pudessem compreender o tempo de decomposição do vidro e de outros tipos de lixo, foi utilizada a Figura 4, que

Sílica - 72%

demonstra que o vidro leva em torno de um milhão de anos para se decompor.

Figura 5.  Imagem sobre a composição química do vidro.

Figura 4.  Tempo de decomposição de alguns materiais.

Figura 6.  Imagem sobre as vantagens da reciclagem do vidro.

Ao serem questionados sobre a composição

Após as discussões os alunos assistiram a um

química do vidro teve-se como resposta que o

vídeo, Kika – de onde vem o vidro?5. O vídeo aborda

mesmo é constituído de areia aquecida a alta tem-

questões relacionadas ao processo de fabricação do

peratura. Ainda, com relação à composição quí-

vidro e os componentes químicos nele presentes, o

mica do vidro, foi apresentada a Figura 5 que des-

que contribuiu para que os alunos pudessem com-

creve em porcentagem os componentes químicos

preender melhor a composição do mesmo.

presentes na composição química do vidro.

Finalizando o primeiro encontro, foi abor-

Relacionado ao aspecto ambiental, os alunos

dado o último tema a ser trabalhado, sendo ele ‘A

responderam que o vidro ao ser descartado corre-

matéria-prima e o processo produtivo do papel’,

tamente pode ser usado na fabricação de um novo

no qual foram realizados alguns questionamentos

vidro. Nesse sentido, para que os mesmos compre-

descritos no Quadro 4.

endessem os benefícios da reciclagem do vidro foi utilizada a Figura 6, que melhor demonstra essa afirmação.

5. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v= L7NJeu2isj0>. Acesso em: 19 dez. 2016.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química

entrelaçadas, como quimicamente, por ligações

Quadro 4.  Perguntas propostas sobre o papel.

hidrogênio, ressaltou-se, também, que o material

1)  O que vocês sabem sobre o papel? 2)  Qual árvore eles utilizam para fabricação do papel?

mais usado é a polpa de madeira de árvores, prin-

3)  Qual a importância da reutilização do papel?

cipalmente pinheiros e eucaliptos. Para que os alunos pudessem ter uma melhor compreensão do processo de fabricação do papel, foi apresentada a eles a Figura 7, que demonstra as

Ao perguntar o que eles sabiam sobre o papel,

etapas da fabricação do papel.

os mesmos falaram sobre sua aplicação, que este está presente em cadernos, agendas, livros, entre

Ainda, conforme elucidado na Figura 7, foi

outros objetos. Ao serem questionados sobre qual

explicado aos alunos que o processo de fabricação

árvore era utilizada para a fabricação do papel, os

do papel começa na colheita da árvore em que é

alunos responderam que era utilizado o eucalipto.

retirada a matéria-prima, que depois é transpor-

Em seguida foi discutida e apresentada aos alunos

tada até o local de fabricação, onde passa pelo

a questão das fibras, que são os constituintes prin-

picador (em que são transformados em pequenos

cipais na fabricação do papel.

cavacos), digestor (transformação da madeira em

Explicitou-se aos alunos que as fibras utiliza-

pasta celulósica), polpa (passa por um processo

das para a fabricação do papel requerem algumas

de lavagem, em tanques e centrífugas), branquea-

propriedades especiais, como alto conteúdo de

mento (no processo de branqueamento da celulose,

celulose, baixo custo e fácil obtenção, razões pelas

podem ser utilizados reagentes químicos como

quais as mais usadas são as fibras vegetais. Uma

cloro (Cl2), dióxido de cloro (ClO2), hipoclorito de

vez que o papel é constituído por um amontoado

sódio (NaClO), oxigênio (O2) e ozônio (O3), dentre

de fibras unidas tanto fisicamente, por estarem

outros), prensa (são equipamentos compostos por

2

1

9

8

3

1. Floresta de eucalípto 2. Transporte madeira 3. Picador 4. Digestor 5. Polpa 6. Branqueamento 7. Prensa 8. Corte 9. Embalagens 7

4

5

6

Figura 7.  Imagem sobre o processo de fabricação do papel.

58

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química

dois rolos, entre os quais há um ou dois feltros, por

Neste sentido, baseado em Piatti et al. (2005),

onde passa a folha de papel sob pressão), corte (o

foi explicado aos alunos que a palavra polímero

papel passa por bobinas que irão cortá-lo seguindo

tem origem grega: poli (muitas) e mero (partes),

padrões de tamanho e gramatura) e embalagem

sendo estes moléculas muito grandes e formadas

(depois, as máquinas empacotadeiras separam a

pela conexão de muitas moléculas menores, deno-

quantidade de folhas em cada pacote, e colocam

minadas monômeros; e que estas moléculas, for-

cada pacote em caixas).

madas por milhares ou até mesmo milhões de áto-

Em seguida, os alunos foram levados a refletir

mos, são denominadas de macromoléculas.

sobre a importância de se reciclar o papel como

Relativamente às características dos plásticos,

recurso na preservação do meio ambiente, sabendo

ao perguntar se os plásticos eram todos iguais, eles

que na fabricação do papel ocorre o desmatamento

disseram que não, dando exemplos da garrafa pet

das árvores, o que é prejudicial ao meio ambiente.

e do copo descartável. Assim sendo, apoiado em

Ainda, foi discutido com os alunos sobre os bene-

Lucas et al. (2001), foi explicitado aos alunos que

fícios da reciclagem do papel, pois a partir do rea-

os plásticos podem ser divididos em duas catego-

proveitamento do papel reciclado, uma das vanta-

rias, termoplásticos e termorrígidos. Em relação

gens é a redução dos custos das matérias-primas e

aos termoplásticos, explicou-se que estes são capa-

economia dos recursos naturais.

zes de serem moldados várias vezes, devido à sua

3.2

Segundo encontro

característica de tornarem-se fluídos, sob ação da temperatura e depois retornarem às características

Os temas abordados no segundo encontro

anteriores quando há um decréscimo de tempera-

estavam relacionados aos plásticos e metais.

tura. Após, foi exposto aos alunos que diferente-

O primeiro tema trabalhado foi ‘A Química no

mente dos termoplásticos, existem muitos plás-

Plástico’, e os alunos foram incitados a discutirem

ticos que são maleáveis apenas no momento da

as perguntas descritas no Quadro 5.

fabricação do objeto; e que depois de prontos, não há como remodelá-los, já que as cadeias macromo-

Quadro 5.  Perguntas propostas sobre os plásticos. 1)  Onde o plástico está presente no nosso cotidiano? 2)  Qual o principal componente químico presente nos plásticos? 3)  O que são polímeros? 4)  Todos os plásticos são iguais? 5)  O plástico traz somente benefícios ao ser humano?

leculares estão unidas entre si por ligações químicas e que os materiais que apresentam esse tipo de comportamento recebem o nome de termorrígidos. Após essa afirmação sobre as características dos plásticos, os alunos puderam compreender por que os plásticos possuem aspectos diferentes, podendo uns serem duros e outros moles, o que na realidade depende do tipo de aplicação que será

Ao serem indagados sobre onde o plástico está

exigida para o mesmo.

presente no cotidiano, foi obtido como resposta dos

Relativamente ao uso dos plásticos, os alu-

alunos, que o plástico está em brinquedos, garrafas

nos responderam que por mais que estes sejam

de refrigerante e vasilhas. Ao serem questionados

utilizados na composição de inúmeros materiais,

sobre a composição química dos diversos tipos de

seu descarte inadequado acaba contribuindo para

plásticos, os mesmos responderam que estes eram

a poluição do meio ambiente, diminuindo seu

constituídos por polímeros, porém, não souberam

processo de reciclagem para confecção de outros

defini-los.

materiais.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

59


Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química

Em seguida, para finalizar com as atividades

minérios, foi utilizada a Tabela 1, que contém o

nesse dia, foi abordado o último tema com os alu-

minério com sua fórmula química e o metal que

nos, ‘Metais: material do nosso dia a dia’. Para

dele é extraído.

determinação do conhecimento prévio dos alunos foram realizadas algumas perguntas, as quais estão descritas no Quadro 6.

Tabela 1.  Tabela que mostra os minérios dos quais são extraídos alguns metais. Minério Fe2O3 (hematita) Fe3O4 (magnetita) FeS2 (pirita)

Quadro 6.  Perguntas propostas sobre os metais. 1)  De onde são retirados os metais? 2)  No processo de extração e fabricação dos metais há prejuízos ao meio ambiente? 3)  Quais são as propriedades químicas dos metais? 4) Como reduzir os danos ao meio ambiente provocados pelos metais?

Ao iniciar a abordagem do tema sobre metais, e questioná-los de onde eram retirados, foi obtido

Metal Fe

SnO2 (cassiterita)

Sn

MnO2 (pirolusita) Al2O3 . 2H2O (bauxita)

Mn Al

Cu (cobra nativo) Cu2O (cuprita) Cu2S (calcocita) CuFeS2 (pirita de cobre) FeO . Cu2S (calcopirita)

Cu

Hg (mercúrio nativo) HgS (cinábrio)

Hg

PbS (galena)

Pb

porém não souberam dar mais detalhes sobre essa

ZnS (blenda) FeO . Cr2O3 (cromita)

Zn

afirmação. Assim sendo, explicou-se aos alunos que

TiO2 (rutilo)

Ti

Au (prata nativa)

Au

Ag (prata nativa) Ag2S (argentina)

Ag

como resposta que os metais eram extraídos do solo,

os minerais são os principais constituintes das rochas e solos, que, basicamente, são os formadores da

Cr

crosta terrestre. E que é a partir deles que os metais são inicialmente extraídos, cujos processos de extração para produção de metais exigem grandes quanti-

Ao questioná-los sobre a possível redução dos

dades de minérios. Esse processo de extração agride

prejuízos ao meio ambiente, provocados pelos

muito o ambiente e, se não tratado adequadamente,

metais, os alunos responderam que é necessário

pode causar enormes problemas ambientais.

que os objetos de metais sejam descartados ade-

Relacionado sobre prejuízos ao meio ambiente,

quadamente para serem reciclados e utilizados na

os alunos responderam que ao extrair metais dos

confecção de novos materiais. Também menciona-

minérios há muito consumo da matéria-prima, o

ram que é necessária a redução do consumo e a

que pode vir a comprometer os recursos naturais.

reutilização desses metais, principalmente porque

Para complementar a resposta dos alunos também

vivemos em um mundo que estimula constante-

foi relatado aos mesmos os processos de produção

mente o consumo, pois muitos objetos e apare-

de metais, a partir de seus minérios, que conso-

lhos que descartamos podem ser utilizados outras

mem enormes quantidades de energia, cuja produ-

vezes.

ção em grande escala acarreta normalmente gran-

Indagados sobre as propriedades dos metais,

des impactos ambientais, por exemplo a queima de

os alunos responderam que os mesmos são bons

combustíveis.

condutores de eletricidade. Para complementar as

A fim de que os alunos pudessem compreen-

propriedades dos metais foi explicado aos alunos,

der a linguagem química dos metais extraídos dos

tendo com referência Santos et al. (2008), que estes

60

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química

apresentam brilho, uma de suas propriedades espe-

alunos produziram cartazes que traziam informa-

cíficas, e que essas propriedades podem ser expli-

ções sobre a reutilização e o descarte inadequado a

cadas de acordo com o modelo da estrutura dos

respeito de cada lixo, e também sobre seus aspec-

sólidos metálicos, chamado de ‘mar de elétrons’ ou

tos químicos. Ressalta-se que participaram alunos

‘nuvens de elétrons’. Esse modelo explica a liga-

e professores, e os mesmos recebiam informações

ção entre átomos de metais e justifica a diferença

acerca da importância da reutilização desses dife-

entre metais e substâncias iônicas com relação à

rentes tipos de lixo e como o descarte inadequado

condutividade elétrica e outras propriedades como

dos mesmos poderia acarretar danos ao meio

a maleabilidade.

ambiente.

Ao término das discussões e explicações sobre os metais, os alunos assistiram a um vídeo intitulado A Química do Fazer: Metais e Siderurgia6;

4

Considerações finais

esse vídeo aborda aspectos relacionados ao pro-

A participação efetiva dos alunos no trabalho

cesso de extração, fabricação e propriedades dos

gerou resultados satisfatórios; na exposição dos

metais. Com o vídeo os alunos puderam compre-

materiais confeccionados, os alunos exercita-

ender melhor o que havia sido estudado sobre as

ram a capacidade de falar em público e explica-

propriedades dos metais, bem como suas utiliza-

ram os conceitos químicos envolvidos no tempo

ções nos mais diferentes tipos de materiais.

de degradação dos materiais quando expostos ao

Para finalizar, os alunos foram submetidos à

meio ambiente. Diante destas explicações foi pos-

confecção de objetos a partir do lixo reciclado,

sível perceber que os mesmos compreenderam a

de acordo com os quatro tipos de lixo trabalhado,

importância e a influência que o lixo tem no meio

papel, metal, vidro e plástico. O objetivo da con-

social, econômico e ambiental, bem como a influ-

fecção desses objetos foi que os alunos pudessem

ência que o ser o humano tem nesse processo de

compreender a importância da reutilização desses

produção do lixo por meio do consumo excessivo,

tipos de lixo, uma vez que a maioria dos objetos

e a importância do reaproveitamento do mesmo.

criados pode ser utilizada em nosso cotidiano.

Houve por parte dos alunos, uma melhor com-

Os alunos confeccionaram, a partir de latinhas

preensão dos conceitos químicos que foram abor-

de alumínio, porta-caneta, porta-treco, panelinhas

dados por meio dessa temática do lixo, o que leva

e canecas de enfeite. Com as garrafas pet confec-

à conclusão de que, quando determinado assunto

cionaram puxa-saco, porta-velas e flores decorati-

abordado em sala faz referência ao contexto em

vas. Com o papel foram utilizados rolos de papel

que os alunos estão inseridos, ocorre uma maior

higiênico, a partir dos quais os mesmos produzi-

interação por parte dos mesmos, o que promove

ram diversos objetos de decoração, enquanto que

uma aprendizagem mais efetiva e significativa.

as garrafas de vidro foram decoradas com recortes de revista e utilizadas como enfeites.

Sendo assim, conclui-se que trabalhar de forma contextualizada e prática, envolvendo abordagens

Todos os objetos confeccionados pelos alunos

de temas CTSA que estão presentes no cotidiano

foram expostos em uma feira cientifica realizada

dos alunos, gera uma maior participação dos mes-

pela escola. Além dos objetos confeccionados, os

mos e ao mesmo tempo contribui para a formação destes enquanto cidadãos críticos, permitindo que

6. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v= O4rJEyF9Ka8>. Acesso em: 23 dez. 2016.

tomem decisões para solução de problemas que estão presentes em seus contextos sociais.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

61


Lixo e Sociedade: contextualização por meio de uma abordagem CTSA no Ensino de Química

Por meio do trabalho desenvolvido, foi possível inferir que a metodologia adotada na realização deste trabalho e as atividades desenvolvidas contribuíram para a contextualização no ensino de Química de forma prática, onde a mesma propiciou discussões, tomadas de atitudes e participação direta dos estudantes na comunidade escolar. Percebeu-se, ainda, que os conhecimentos químicos apresentados em uma perspectiva de abordagem CTSA contribuíram para que os alunos pudessem construir seus conhecimentos de forma significativa, e puderam reconhecer que é possível aprender/compreender a disciplina de Química por meio de temas simples do cotidiano. Sendo assim, é possível defender que ao se adotar este tipo de prática, a mesma tem muito a contribuir para a qualidade no ensino-aprendizagem de Química e para a formação dos alunos estagiários envolvidos, favorecendo o desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes necessárias para a formação de cidadãos com atitudes críticas e ativas perante as problemáticas enfrentadas

5

BRASIL. Art. 26 da Lei de Diretrizes e Bases - Lei 9394/96. Disponível em: <http://www.jusbrasil. com.br/topicos/11691973/artigo-26-da-lei-n-9394de-20-de-dezembro-de-1996>. Acesso em: 02 nov. 2014. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMTEC, 1999. 4v. BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 2005. CUNHA, A. P. M.; GOMIDES, J. N. Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio. Revista Brasileira de Ensino de Química, v. 08, n. 2, jul./ dez. 2013, p. 10-22. LANZA, V. C. V. et al. Orientações básicas para operação de aterro sanitário. Belo Horizonte, 2006. Disponível em: <http://www.feam.br/images/ stories/arquivos/Cartilha%20Aterro2.pdf>. Acesso em: 20 out. 2014. LUCAS, E. et al. Caracterização de polímeros. Rio de Janeiro: E-papers, 2001, p. 26. PIATTI, T. M. et al. Plásticos: características, usos, produção e impactos ambientais. Maceió/AL, 2005.

pela sociedade, principalmente a do lixo.

RUSCHEINSKY, A. Educação ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002.

Referências

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ALMEIDA, N. P. G.; AMARAL, E. M. R. Projetos temáticos como alternativa para um ensino contextualizado das ciências. Enseñanza de las ciencias, n. extra, 2005. Disponível em: <http:// ensciencias.uab.es/congres2005/material/comuni_ orales/2_proyectos_curri/2_1/almeida_812.pdf>. Acesso em: 3 nov. 2014.

62

______. et al. Química & sociedade. v. único. São Paulo, 2008. p. 632-633. ______.; SCHNETZLER, R. P. Educação em química: compromisso com a cidadania. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2003.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Relato de Experiência 04 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

p. 63-69

Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB History of Chemistry Olympiads in Paraíba State and its Contribution to the Training of UEPB1 Chemistry Teachers Francisco Ferreira Dantas Filho2, Gilberlândio Nunes da Silva3, Luciano Lucena Trajano4, Helionalda Costa Silva5 e Thiago Pereira da Silva6

Resumo Neste trabalho relatamos o histórico da Olimpíada Paraibana de Química – OPBQ – e sua contribuição no aspecto motivacional dos alunos do Ensino Fundamental e Médio das escolas públicas e particulares do estado da Paraíba, além dos discentes em formação inicial do curso de Licenciatura em Química da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Nos últimos anos observou-se um crescimento no número de alunos inscritos na OPBQ, que pode ser atribuído às intervenções dos graduandos em formação inicial, principalmente nas escolas públicas do estado da Paraíba. Palavras-chave: Formação inicial; Educação básica; Olimpíadas de Química.

1. Universidade Estadual da Paraíba – State Universtiy of Paraíba. 2. Professor adjunto no Departamento de Química da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) Campus I, atuando nas áreas de Ensino de Química e Química, desenvolvendo pesquisa nas linhas de ensino e aprendizagem em Química, Biomassa, biodiesel, bio-óleo e bioálcool. 3. Professor Substituto na Área de Educação Química da UEPB, CCT/DQ. 4. Professor substituto do Curso de Licenciatura em Ciências Exatas da Universidade Estadual da Paraíba – Campus VII. 5. Professora substituta da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) Campus I, atuando nas áreas de Química Geral, Química Orgânica e Ensino de Química. 6. Professor Substituto na Área de Ensino de Química da UEPB, CCT, PB.


Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB

Abstract In this paper we report the history of Paraíba’s Chemistry Olympiads – PCO – and its contribution to the improvement of the motivational factor of primary and secondary students of public and private schools in the state of Paraíba and of UEPB Chemistry undergraduate students in their initial training. In the last years there has been a growth in the number of students enrolled in PCO; this increase is attributed to the involvement of undergraduate students in the process, mainly in Paraíba’s public schools. Key-words: Initial training; Basic education; Chemistry olympiads.

1

O PPP funciona como um norteador de pro-

Introdução

cedimentos para se chegar ao desejo comum da

A Olimpíada Paraibana de Química (OPBQ)

comunidade escolar (professores, alunos, dire-

objetiva tornar a disciplina de Química mais

tor, funcionários, familiares, entre outros inte-

atrativa para os alunos do 8° e 9° ano do Ensino

ressados), principalmente no tocante ao tipo de

Fundamental e os alunos do Ensino Médio e des-

cidadão que se pretende formar. Este é sistema-

pertar nestes a vontade de apreender mais sobre

tizado por três etapas principais: problematiza-

Química, estimular os estudantes pelo interesse do

ção, instrumentalização e conceituação, que são

conhecimento químico, motivando-os junto com

fundamentais no desenvolvimento das atividades

seus professores ao estudo e à aprendizagem de

que se pretende trabalhar no processo de ensino

conceitos químicos. Nesse sentido, as Olimpíadas

e aprendizagem dos alunos nas escolas. Nesta

de Química, por sua relevância, constituem um

perspectiva o Programa Nacional Olimpíadas de

evento que fomenta o ensino de Química, fortalece

Química, através das olimpíadas nacionais e esta-

a Educação e descobre talentos.

duais, constitui-se em uma opção para unificar os

Para as instituições de ensino, representam

conteúdos de Química para as escolas de Ensino

a oportunidade de os estudantes avaliarem seu

Fundamental e Médio, promovendo a aproxima-

desempenho e conquistarem não apenas meda-

ção entre as escolas e as Universidades. Neste con-

lhas, mas também saberes diversos. É notório que

texto, o aluno em formação inicial interage com os

os currículos atuais têm buscado a homogenei-

docentes do Ensino Médio e Ensino Superior para

dade dos educandos através da contextualização e

planejarem as ações desenvolvidas durante o ano

interdisciplinaridade de conteúdos, com o objetivo

letivo nas escolas.

de ser claro, simples e direto, como descritos nos

A aplicação do planejamento deve estimular

documentos legais. Nesse sentido, a escola deter-

o interesse dos estudantes para a área de ciências,

mina sua trajetória no processo de ensino, pois esta

favorecendo o ensino e aprendizagem do conhe-

escolha é baseada nos problemas identificados no

cimento científico. Segundo Freitas et al. (2010),

projeto político pedagógico (PPP). As orientações

as olimpíadas científicas de Química apresentam

curriculares estão inseridas nas escolas como tema

vantagens e podem auxiliar na aproximação da

central nos projetos políticos pedagógicos (PPP),

universidade com a educação básica, consequen-

nas propostas dos sistemas de ensino, bem como

temente com o ensino de Química.

nas pesquisas, na teoria pedagógica e na formação inicial e continuada dos docentes.

64

Historicamente, as Olimpíadas de Química tiveram início no Brasil em 1989, por iniciativa

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB

do Instituto de Química da Universidade de São

da Paraíba, e teve como nome inicial Olimpíada de

Paulo, com a participação de cinco estados, sendo

Química do Sertão Paraibano. Este projeto surgiu

realizada por apenas dois anos consecutivos. Em

como forma de motivar os licenciandos do curso

virtude desta interrupção, foi criada a Olimpíada

de Ciências Exatas, com Habilitação em Química,

Cearense de Química. A ideia foi absorvida por

e descobrir novos talentos na educação básica,

estados vizinhos, os quais propuseram, em 1995,

principalmente os da rede pública de ensino,

realizar a I Olimpíada Norte/Nordeste de Química.

incentivando-os a prestarem exames para ingres-

A Olimpíada Brasileira voltou a ser realizada cinco

sar no Curso de Licenciatura Plena em Química

anos após a interrupção e está ativa até hoje, sendo

da UEPB.

realizada anualmente no mês de agosto para estu-

Anualmente, a OPBQ abre inscrição para estu-

dantes do Ensino Médio e Tecnológico (Silva et

dantes matriculados no Ensino Fundamental II

al., 2012).

(8º e 9º ano) e Médio do estado da Paraíba, sendo

Neste contexto, a Olimpíada Paraibana de

realizada em duas etapas. As escolas, através do

Química foi implantada no ano de 2010 na cidade

seu representante, inscrevem os alunos, e a pri-

de Patos – PB, tendo como objetivo motivar os

meira etapa é realizada nas respectivas escolas. Na

alunos do curso de Licenciatura em Química da

segunda etapa a Coordenação Estadual da OPBQ

Universidade Estadual da Paraíba do Campus

define as cidades polos e os locais para aplicação

VII e descobrir e incentivar jovens talentos para

das provas. São premiados os alunos que obtive-

o estudo da Química nas escolas públicas e parti-

rem maior pontuação na segunda etapa. Estes rece-

culares do sertão paraibano, e atualmente abrange

bem medalha de ouro, prata e bronze, com certifi-

todo o estado da Paraíba.

cado de honra ao mérito e menção honrosa para os

1.1

que atingirem a média estipulada no regulamento

Histórico das Olimpíadas Paraibanas de Química – OPBQ

A Olimpíada

Paraibana

de

Química

específico. Os 40 alunos melhor classificados são automaticamente inscritos nas Olimpíadas Norte/ é

um evento integrante do Programa Nacional

Nordeste e Brasileira de Química – OBQ, a ser realizada no ano subsequente.

Olimpíadas de Química e uma atividade de exten-

Formação inicial de professores de Química

são do Departamento de Química da Universidade

1.2

Estadual da Paraíba – UEPB, Campus I Campina

Segundo Silva e Oliveira (2009), o objetivo

Grande, realizada por professores e alunos do Curso

dos cursos de Licenciatura em Química é formar

de Licenciatura em Química, do Departamento de

professores para atuar na educação básica. Sua

Química do Centro de Ciência e Tecnologia – LQ/

formação deve contemplar inúmeros aspectos ine-

DQ/CCT. Atualmente, a Olimpíada Paraibana de

rentes à formação do bom profissional, tais como

Química recebe o apoio do Programa Nacional

conhecimento do conteúdo a ser ensinado, conhe-

de Olimpíada de Química, CAPES, CNPq e da

cimento curricular, conhecimento pedagógico

Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, atra-

sobre a disciplina escolar Química, conhecimen-

vés do curso de Licenciatura Plena em Química

tos sobre a construção do conhecimento científico,

e da Pró-reitoria de Extensão – PROEAC/UEPB.

especificidades sobre o ensino e a aprendizagem

A OPBQ surgiu no ano de 2010 no Campus

da ciência Química, dentre outros.

VII da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB,

Em relação à necessidade de maior aprofun-

localizado na cidade de Patos na região do sertão

damento da matéria a ser ensinada, Carvalho e

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

65


Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB

Gil-Pérez (2000) destacam que não se trata apenas

numa sala de aula. E nem mesmo esse domínio de

de o professor dominar os conteúdos específicos, os

conteúdo químico para a docência tem sido ofertado

quais já tomam quase a totalidade da carga horária

pela grande maioria dos nossos cursos universitá-

dos cursos da formação inicial, mas atentam para

rios. Portanto, não é estranho vermos tantas ações de

o fato de que também é de suma importância que

formação continuada de professores (Ciríaco, 2009).

os professores de Ciências conheçam também os

De forma abrangente, são perceptíveis as limi-

problemas que deram origem aos conhecimentos

tações dos cursos de formação inicial dos futuros

científicos, as orientações metodológicas (carac-

professores de Química, que recebe aula mera-

terísticas das atividades científicas, critérios de

mente tradicional, descaracterizando o que apon-

validação e aceitação das teorias) utilizadas para

tam os documentos legais, já que os mesmos sina-

sua construção e que compreendam as interações

lizam para um ensino que contemple as questões

entre ciência, tecnologia e sociedade associadas à

científicas, tecnologias vinculadas à sociedade e o

construção dos mesmos (Schnetzler, 2002).

ambiente, bem como a contextualização, a interdis-

Corroborando com esta perspectiva, Almeida et

ciplinaridade e as questões éticas. Neste sentido, a

al. (2012) afirmam que a formação de professores

Olimpíada Paraibana de Química vem sendo uma

tem sido tema de constantes discussões em todos

alternativa no processo de formação dos futuros

os âmbitos da educação, pois é o professor um dos

professores, já que os mesmos têm a oportunidade

sujeitos-chave desse processo. Entre os muitos

de vivenciar várias situações no desenvolvimento

modelos de formação, a proposta de formação em

de suas ações diante da educação básica.

serviço é uma das alternativas apresentadas pela

A coordenação da OPBQ e o projeto de exten-

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

são: ‘Ações Construtivas para o Conhecimento

LDB 9394/96, que rege a educação brasileira

Químico nas Escolas Públicas’, oferecem capaci-

(Brasil, 1996). Nesse sentido, pesquisas sobre for-

tações para os graduandos participantes do projeto.

mação inicial de professores de Química apontam

Nos encontros semanais são feitos os planejamen-

que o cenário encontrado é diferente das exigências

tos das ações a serem desenvolvidas nas escolas,

desta lei. Segundo Bejarano e Carvalho (2003), os

com enfoque nas questões do meio social dos alu-

professores em formação inicial, ao ingressar nas

nos, contemplando a interdisciplinaridade, a con-

salas de aulas, se deparam com fatos que não lhes

textualização dos conteúdos no processo de ensino

foram apresentados ao longo da sua formação, e

e aprendizagem dos conceitos científicos.

que advêm da prática profissional. São situações complexas que ocasionam o surgimento de conflitos, exigindo uma postura firme e reflexiva do

2

Aspectos metodológicos

professor, para que possa agir em seu contexto de

Historicamente, a inserção das olimpíadas de

trabalho de maneira a compreendê-lo e contribuir

Química nas escolas de educação básica no Brasil

com o processo de ensino no espaço escolar.

teve seu marco inicial a partir de 1986; trata-se

Por existirem lacunas na formação inicial do

também de um evento anual para estudantes do

futuro professor de Química, ou seja, por apresen-

Ensino Médio e Tecnológico. Nesse ano, por ini-

tar uma formação limitada, o resultado é o reforço

ciativa do Instituto de Química da Universidade

de concepções simplistas sobre o ato de ensinar

de São Paulo (USP), com o apoio da Fundação

Química: basta saber o conteúdo químico e usar

de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

algumas estratégias pedagógicas para se inserir

(FAPESP), da Secretaria da Ciência e Tecnologia

66

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB

do Estado de São Paulo e do Conselho Nacional

dentes aos respectivos anos (8º e 9º ano do Ensino

de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Fundamental, 1º ano, 2º ano e 3º ano do Ensino

(CNPq), realizou-se o primeiro evento, com a par-

Médio). Os participantes têm quatro horas para rea-

ticipação de cinco estados brasileiros (Quadros et

lizar a prova no dia previamente agendado pela coor-

al., 2009; Rezende; Ostermann, 2012).

denação; posteriormente, as provas são corrigidas

Neste cenário se insere a Olimpíada Paraibana de

por uma comissão formada por professores e alunos

Química (OPBQ) destinada, exclusivamente, a estu-

do curso de Licenciatura em Química da UEPB.

dantes de Ensino Fundamental e Médio das escolas

Finalizando a Olimpíada ocorre a divulgação dos

públicas e particulares desse Estado. A OPBQ é

classificados por série, e a solenidade de premiação

realizada anualmente em duas etapas. Na primeira

com medalhas de honra ao mérito, Bronze, Prata,

etapa os estudantes participam de uma seleção den-

Ouro e certificados para os alunos que obtiverem as

tro da escola, cuja operacionalidade e critérios de

melhores classificações na segunda etapa.

seleção são de acordo com o edital publicado no site pela coordenação estadual. A segunda etapa é realizada nos Campi da UEPB; nesta etapa, participam os estudantes que obtiverem melhor desempenho na primeira etapa, respeitando o limite máximo de 10%

3

Participação de estudantes do estado da Paraíba na OPBQ nos anos de 2010 a 2014

dos estudantes inscritos por escola.

As figuras a seguir apresentam os números

A prova estadual conta com 20 questões obje-

de alunos inscritos na OPBQ oriundos de escolas

tivas, sendo que cada questão possui cinco alter-

públicas e particulares nos últimos cinco anos. A

nativas, com apenas uma alternativa correta. Os

Figura 1 apresenta os números de alunos da rede

conteúdos programáticos são de acordo com os

pública de ensino do estado da Paraíba, inscritos

especificados nos documentos legais, correspon-

na OPBQ nos anos de 2010 a 2014.

16000 14000 12000 10000

2010 2011 2012 2013 2014

8000 6000 4000 2000 0

9º ano

1º ano

2º ano

3º ano

Figura 1.  Números de estudantes das escolas públicas do estado da Paraíba inscritos na OPBQ nos anos de 2010 a 2014.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

67


Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB

7000 6000 5000 4000

2010 2011 2012 2013 2014

3000 2000 1000 0

9º ano

1º ano

2º ano

3º ano

Figura 2.  Número de estudantes de escolas particulares do estado da Paraíba inscritos na OPBQ nos anos de 2010 a 2014.

De acordo com as Figuras 1 e 2, pode-se observar que o número de alunos participantes na OPBQ cresceu consideravelmente. Acredita-se que um dos motivos para tal crescimento seja a

3.1

O projeto ‘Ações Construtivas do Conhecimento Químico nas Escolas Públicas’ no estado da Paraíba e suas contribuições para a OPBQ

divulgação da OPBQ, que tem se intensificado nos

O projeto piloto intitulado ‘Ações Construtivas

últimos anos devido, principalmente, à socializa-

do Conhecimento Químico nas Escolas Públicas

ção dos meios de comunicação, particularmente a

no Estado da Paraíba’ é inovador, fomentado pela

internet. Em todos os certames, o número de alu-

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

nos inscritos de escolas públicas é superior ao de

Nível Superior (CAPES), que tem como objetivo

escolas particulares.

oferecer aulas de Química ministradas por licen-

É importante ressaltar que a coordenação

ciandos do curso de Licenciatura em Química

estadual da OPBQ procura assegurar a participa-

e recebem acompanhamento dos supervisores e

ção de escolas públicas através da parceria exis-

coordenadores do projeto. No planejamento das

tente com alunos em formação inicial do curso de

ações são elaboradas propostas metodológicas que

Licenciatura Plena em Química da UEPB. Estes

priorizam abordagem cotidiana, contextualizada

alunos participam do projeto intitulado ‘Ações

e interdisciplinar. Neste contexto, os discentes do

Construtivas para o Conhecimento Químico

curso de Licenciatura em Química da UEPB que

nas Escolas Públicas’, vinculado ao Programa

participam do projeto adquirem novos conheci-

Nacional Olimpíada de Química – PNO. Outro

mentos e se motivam para permanecer no curso,

fator que incentiva a participação das escolas é a

diminuindo o índice de evasão. Dos alunos com

logística da coordenação na reprodução e envio

bolsa de iniciação à docência para atuarem nas

das provas da primeira etapa, bem como a dispo-

escolas públicas e é exigida a disponibilidade de

nibilização de fiscais de sala no dia da aplicação

oito horas semanais, divididas entre planejamento

das provas.

e atuação em sala de aula.

68

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Histórico da Olimpíada de Química no Estado da Paraíba e sua Contribuição na Formação Inicial de Professores de Química da UEPB

4

Considerações finais Ao longo dos anos se observou um aumento no número de estudantes que participaram da Olimpíada Paraibana de Química. Este fato indica que o projeto conseguiu, apesar das dificuldades, aumentar o interesse desses jovens pelo estudo da Química, podendo isto resultar, futuramente, em um interesse pela área como um todo. A proposta das Olimpíadas de Química é de descobrir jovens com vocação para ciência, capazes de potencializar suas habilidades e competências. É notável o interesse dos alunos das escolas públicas e particulares de todas as regiões do estado, fator que pode ser comprovado pelo gradual aumento de inscrições e participação a cada ano. A Olimpíada Paraibana de Química, portanto, além de identificar jovens talentos com aptidões para o estudo da Química, serve também como indicador, mostrando dados importantes e passíveis de reflexão por parte de todos da comunidade científica, tais como professores de nível médio e superior, coordenadores de cursos, secretaria de educação e alunos.

5

Referências ALMEIDA, S.; SOARES, M. H. F. B.; MESQUITA, N. A. S. Proposta de Formação de Professores de Química por meio de uma Licenciatura Parcelada: Possibilidade de Melhoria da Prática Pedagógica versus Formação Aligeirada. Química Nova na Escola, v. 34, n. 3, p. 136-146, 2012. BEJARANO, N. R. R.; CARVALHO, A. M. P. Tornando-se professor de ciências: crenças e conflitos. Ciência e Educação, v. 9, n. 1, p. 1-15, 2003. BRASIL. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, Brasília, 1996. CIRÍACO, M. G. S. Prática pedagógica de professores de química: interfaces entre a formação inicial e continuada. Teresina, 2009. FREITAS, R. M. et al. A olimpíada mineira de química como espaço/tempo de educação. In: XV Encontro Nacional de Ensino de Química (XV ENEQ), Brasília, 2010. GIL-PÉREZ, D.; CARVALHO, A. M. P. Formação de professores de ciências: tendências e inovações. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000. QUADROS, A. L. et al. As olimpíadas científicas: Motivação para o Estudo da Química? VII ENPEC – Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. Florionópolis-SC, 2009. REZENDE, F.; STERMANN, F. Olimpíadas de ciências: uma prática em questão. Ciência & Educação, v. 18, n. 1, p. 245-256, 2012. SCHNETZLER, R. P. Concepções e alertas sobre formação continuada. Química Nova na Escola, 2002.

Agradecimentos: Os autores agradecem os apoios da Pró-reitoria de Extensão da Universidade Estadual da Paraíba (PROEX-UEPB) e do Programa Nacional Olimpíadas de Química (PNOQ), CAPES, CNPq e DQ/CCT/UEPB.

SILVA, C. S.; OLIVEIRA, L. A. A. Formação inicial de professores de química: formação específica e pedagógica. Cultura Acadêmica, Editora UNESP, São Paulo, 2009. SILVA, G. S. et al. Olimpíada sergipana de química: histórico e resultados dos anos de 2009 a 2011. Scientia Plena, v. 8, n. 3, p. 1-7, 2012.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Relato de Experiência 05 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

p. 70-92

Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada Acceptability of Chemistry in the Secondary Education Among Students of the Public Systems in Comparison With Students of Private Network Alessandra Alves da Silva Melo1 e Enderson José Dias de Melo1

Resumo Este trabalho tem o objetivo de analisar a aceitação da disciplina de química entre os alunos do Ensino Médio e comparar os resultados obtidos nas duas redes de ensino, a pública e a privada. Além disso, objetivamos também acoplar as opiniões e os anseios dos professores a esta pesquisa. Para a realização deste estudo foram realizados questionários com 107 alunos da rede pública e 83 alunos da rede privada. Estes questionários foram feitos em 4 escolas, sendo 2 públicas e 2 privadas, e os professores de Química de cada instituição também participaram desta pesquisa respondendo a um questionário feito exclusivamente para educadores. O estudo demonstrou que a disciplina de química não é bem aceita pelos alunos do Ensino Médio de ambas as redes e que a maior dificuldade relatada pelos professores para ensinar esta matéria é a falta de dedicação dos alunos em sala de aula. Palavras-chave: Química; Ensino médio; Alunos; Professores. Abstract This work aims to analyze the acceptance of chemistry discipline among high school students and compare the results obtained in the two school systems, public and private. In addition, we aim to also engage the views and wishes of teachers to this research. For this study were conducted questionnaires with 107 public school students and 83 students from the private network. These questionnaires were 1. Especialista em Metodologia no Ensino de Química, Faculdade Internacional Signorelli.


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

done in 4 schools, 2 public and 2 private and each chemistry teacher also participated in this research by answering a questionnaire made exclusively for educators. The study showed that the discipline of chemistry is not well accepted by high school students of both networks and that the main difficulty reported by teachers to teach this matter is the lack of dedication of students in the classroom. Key-words: Chemistry; School; Students; Teachers.

1

Introdução

alunos atestam que a parte teórica não está atrelada a exemplos do cotidiano deles. A Química

A extrema complexidade do mundo atual não

está presente em quase tudo que nos rodeia, seja

mais permite que o Ensino Médio seja apenas pre-

nos alimentos, nos cosméticos, nas bebidas, nos

paratório para um exame de seleção, em que o estu-

medicamentos etc. Por isto, a capacidade de rela-

dante é perito, porque é treinado em resolver ques-

cionar o conceito científico adquirido em sala de

tões que exigem sempre a mesma resposta-padrão.

aula com situações do seu dia a dia, deve ser uma

O mundo atual exige que o estudante se posicione,

competência a ser desenvolvida nos alunos através

julgue e tome decisões, e seja responsabilizado por

do incentivo do professor.

isso. Espera-se no Ensino Médio que a Química

A Química nos dias atuais é uma das disciplinas

seja valorizada, na qualidade de instrumento cul-

que mais o aluno classifica como de difícil compre-

tural essencial na educação humana, como meio

ensão. Esta concepção dá-se pelo fato de que, no

coparticipante da interpretação do mundo e da

cotidiano escolar, a Química é ensinada de modo

ação responsável na realidade (Brasil, 2006).

teórico, desvinculado da realidade do educando.

Atualmente tem-se abordado com muita fre-

Aliadas a essas dificuldades, percebe-se também

quência a aceitação dos alunos com relação à

que as escolas públicas e algumas privadas, estão

Química, além das dificuldades encontradas no

muito aquém dessa realidade. Não restam dúvidas

aprendizado desta disciplina. Muitos são os relatos

que para incorporar a disciplina Química através de

de que o ensino predominantemente teórico tem

práticas cotidianas, tem-se que analisar a relação do

prejudicado a absorção de conceitos, e que aulas

conteúdo com a realidade do aluno, que na maioria

práticas podem melhorar consideravelmente esta

das vezes está tão distante que fica difícil manter

situação. Sendo a Química uma ciência principal-

na sala de aula um ambiente motivador que facilite

mente prática, é de se questionar a falta de aulas

essa aprendizagem (Cavalcante; Silva, 2008).

práticas introduzidas no plano de ensino. Vale res-

A questão da formação e atualização dos pro-

salvar que a infraestrutura da maioria das escolas

fessores é um ponto que deve ser revisto, pois

secundárias, onde se observa a falta de laborató-

ainda encontramos professores com metodologias

rios de Química, influencia significativamente

atrasadas. Isto pode, com certeza, influenciar no

neste déficit.

processo de aprendizagem dos alunos, visto que

Uma forma eficiente no que diz respeito à didá-

vivemos numa era tecnológica muito avançada e

tica é a contextualização de conhecimentos, e com

a demanda por táticas de ensino virtuais, princi-

a Química isto não pode ser diferente. Esta é uma

palmente na Química, deve ser levada em consi-

dificuldade observada em salas de aulas, onde os

deração. A utilização de vídeos demonstrando os

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

71


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

conceitos passados em sala de aula é uma alternativa interessante nos casos em que a escola não

2

Fundamentação teórica A educação no Brasil

disponibiliza laboratórios para a realização de

2.1

aulas práticas.

A garantia do direito à educação de qualidade é

A aula prática é uma maneira eficiente de ensi-

um princípio fundamental para as políticas e ges-

nar e melhorar o entendimento dos conteúdos de

tão da educação, seus processos de organização e

Química, facilitando a aprendizagem. Os experi-

regulação, assim como para o exercício da cida-

mentos facilitam a compreensão da natureza da

dania. A despeito dos avanços nas políticas e ges-

ciência e dos seus conceitos, auxiliam no desen-

tão da educação nacional, o panorama brasileiro

volvimento de atitudes científicas e no diagnós-

é marcado por desigualdades regionais no acesso

tico de concepções não científicas. Além disso,

e permanência de estudantes à educação, reque-

contribuem para despertar o interesse pela ciência

rendo mais organicidade das políticas educacio-

(Almeida et al., 2009).

nais, por meio da construção do Sistema Nacional

Há também a problemática da escassez de professores de Química na rede de ensino, principal-

de Educação (SNE) e do PNE como políticas de Estado (Brasil, 2013).

mente na rede pública. Isto tem ocasionado uma

O acesso e a permanência dos indivíduos na

nova situação de necessária preocupação: profes-

escola contribuem para a democratização dos

sores de outras disciplinas assumindo as aulas de

conhecimentos e criam condições individuais e

Química. Além de não ter a formação necessária

coletivas para o desenvolvimento da consciência

para lecionar Química, o professor ainda enfrenta

sobre a realidade social em que vivem e sobre as

o desafio de, na maioria dos casos, tentar modificar

relações existentes nos contextos dos quais são

a opinião negativa do aluno a respeito da matéria.

sujeitos históricos, econômicos e políticos. No

Estes dois fatores juntos viabilizam o surgimento

entanto, para que isso ocorra de forma efetiva há

de resultados negativos e a geração da má reputa-

necessidade da existência de políticas públicas vol-

ção da Química entre os discentes.

tadas para o setor educacional. Embora a discussão

Este estudo tem o intuito de verificar, entre

sobre a educação, suas contribuições para o avanço

alunos de rede pública e de rede privada, a opi-

de uma sociedade e a sempre necessária imple-

nião a respeito da disciplina de Química, além de

mentação de políticas sérias para o setor não seja

verificar os motivos que incentivaram tal avalia-

recente no contexto mundial, a realidade brasileira

ção. Pretende também constatar a participação

ainda é precária em propostas e ações concretas que

do professor no processo de aprendizagem destes

demonstrem compromisso com as reais necessida-

educandos e averiguar se a falta de laboratórios,

des dos indivíduos. Considerando a história social,

ou até de recursos de multimídia, influencia na

política e educacional brasileira, podemos afirmar

transmissão dos conhecimentos teóricos vistos em

que a existência de uma política de educação vol-

sala de aula. Ademais, o estudo tem, ainda, a inten-

tada para o povo em sua totalidade ainda está em

ção de investigar a probabilidade de estes alunos

processo de efetivação (Flach, 2011).

seguirem na carreira profissional de Química. Para

No Brasil, assim como nos países mais desen-

tanto, foram realizados questionários em escolas

volvidos, a educação é parte integrante das polí-

da rede pública e privada de ensino entre os alunos

ticas sociais e parte do núcleo do sistema de

do Ensino Médio e os professores responsáveis

promoção social por sua capacidade de ampliar

pela disciplina de Química.

as oportunidades e resultados para os indivíduos

72

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

e famílias, além de ser elemento estratégico para

os serviços oferecidos na educação particular. Aos

o desenvolvimento econômico. Por isso, absorve

grupos econômicos ligados ao setor da educação,

grande quantidade de recursos públicos. Mais

uma escola pública desqualificada e precária signi-

recentemente, ocorreram no país avanços impor-

fica aumento do mercado e, portanto, aumento dos

tantes na ampliação do acesso a todos os níveis e

lucros, pois mais alunos poderão atender. Também

modalidades educacionais, chegando à universali-

lucram com a venda de materiais didáticos para

zação do acesso ao Ensino Fundamental. A baixa

órgãos governamentais e com a venda de projetos

escolaridade média da população e a desigualdade

que prometem resolver os problemas de analfabe-

reinante ainda são, no entanto, graves problemas,

tismo (Nasser, 2011).

o que mantém na pauta das discussões políticas e

A democratização da aprendizagem e a uni-

econômicas a necessidade de universalização da

versalização dos direitos educacionais requerem

educação básica e de melhoria da qualidade da

tanto vontade política quanto uma sociedade civil

educação, bem como a eliminação do analfabe-

fortalecida, com espaço e voz para poder partici-

tismo, com inevitáveis impactos de longo prazo

par efetivamente do sistema educacional. É pre-

para a área (IPEA, 2010).

ciso mudar a maneira de se definir e implementar

Embora a discussão sobre a educação, suas

as políticas e práticas educacionais, distribuindo,

contribuições para o avanço de uma sociedade e

de maneira mais equitativa, os recursos para que

a sempre necessária implementação de políticas

a população brasileira possa desfrutar do direito

sérias para o setor não seja recente no contexto

à educação garantido pela Constituição Federal

mundial, a realidade brasileira ainda é precária

(Sacavino, 2006).

em propostas e ações concretas que demonstrem

Redes de ensino

compromisso com as reais necessidades dos indi-

2.2

víduos. Considerando a história social, política

O processo de escolarização no Brasil teve

e educacional brasileira, podemos afirmar que a

início em 1549, quando aportou no país a pri-

existência de uma política de educação voltada

meira expedição colonizadora enviada pela Coroa

para o povo em sua totalidade ainda está em pro-

Portuguesa. Essa expedição trazia, além de colo-

cesso de efetivação. Desde que o país deixou de

nos, artesãos e soldados, seis jesuítas, sendo qua-

ser Império e tornou-se uma República, as ques-

tro padres formados em Teologia na Universidade

tões educacionais têm contribuído para acaloradas

de Coimbra e dois estudantes de Teologia.

discussões, tanto entre especialistas quanto entre

Imediatamente após terem desembarcado no país,

leigos. Considerando como essencial a escolariza-

os jesuítas deram início à sua missão de escolari-

ção da totalidade da população, para que tanto o

zar a Colônia, fundando escolas para os índios (em

direito à educação como a cidadania deixem de ser

especial para lhes ensinar ofícios) e colégios para

discurso e se tornem fato concreto, pode-se afir-

a incipiente elite agrária de origem portuguesa. A

mar que essa discussão ainda é muito recente no

manutenção das escolas e dos colégios dos jesuítas

contexto brasileiro (Flach, 2011).

se dava graças ao dízimo do orçamento da Ordem

A construção de uma rede pública de educa-

dos Templários sediada em Tomar, Portugal.

ção para todos, gratuita e de qualidade, não é um

Tratava-se, portanto, de um subsídio privado

anseio de todos os setores que compõem a socie-

(Mesquida, 2009).

dade. Existem setores que se beneficiam da preca-

Entre 1549 e 1759, os jesuítas foram os respon-

riedade da educação pública, já que lucram com

sáveis pelo ensino na colônia latino-americana de

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

73


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

Portugal, desenvolvendo um ensino dual, prático/

educação pública, gratuita e de qualidade em todos

utilitário, por meio das escolas para índios e filhos

os níveis, etapas e modalidades (Brasil, 2013).

dos peões que trabalhavam para os donos das ter-

Nas duas últimas décadas vimos surgir no

ras (escola básica); e propedêutico, pelos colégios

Brasil um debate público sobre a necessidade

que preparavam a prole da elite agrária para dar

de melhorar a qualidade do ensino na educação

continuidade aos estudos na Europa, retornando

básica, em particular no Ensino Fundamental.

depois de formada para exercer sua função de diri-

Esse debate gira em torno essencialmente de três

gente política na colônia (Azevedo, 1971).

dimensões: (1) as medidas legislativas favoráveis

Os protestantes de origem missionária norte-

à reforma do sistema educacional brasileiro que se

-americana, metodistas, presbiterianos e batistas,

traduzem pela adoção da LDB (Lei de Diretrizes e

fundaram, em especial, colégios para os filhos

Bases); (2) as desigualdades estruturais ligadas aos

da elite republicana e da oligarquia agrária brasi-

financiamentos da educação pública e (3) a falta

leira na região mais desenvolvida do país, a região

de compromisso dos poderes públicos em favor de

sudeste, mas não esqueceram os filhos dos proletá-

uma educação básica (Akkari; Silva, 2009).

rios, pois abriram escolas paroquiais nas periferias

A baixa qualidade de aprendizagem na escola

das cidades em processo de industrialização, onde

pública contribui para o aprofundamento da

eram ministradas as primeiras letras, mediante o

pobreza e da desigualdade no Brasil, uma vez

pagamento de uma mensalidade considerada ‘sim-

que os alunos oriundos das camadas mais pobres

bólica’ (Mesquida, 1994).

recebem uma educação inadequada. A educação

Assim, o Estado brasileiro deixava nas mãos

ofertada nas escolas não contribui o suficiente

da iniciativa privada o ensino da elite, assumindo

para a promoção da cidadania e para o fortale-

o papel de estado educador para os filhos dos tra-

cimento da democracia no país. Um país onde a

balhadores. Portanto, enquanto a elite brasileira,

maioria recebe uma educação de baixa qualidade

em especial na região sudeste, era formada em

e que abandona a escola muito cedo, geralmente,

colégios confessionais/privados protestantes, e

enfraquece a qualidade da sua sociedade civil, que

mesmo católicos, tendo acesso a uma educação

se torna mais alienada e com menos poder de par-

apropriada à formação de dirigentes, os filhos dos

ticipação e intervenção nos processos de decisão

trabalhadores recebiam do Estado uma educação

(Iosif, 2007).

de pouca qualidade ministrada na rede estatal de

É difícil traçar um perfil sobre o ensino público

educação básica, uma educação capaz de formar

no Brasil, até porque o mesmo se apresenta de

trabalhadores dóceis e conformados (Frigotto,

maneiras diferenciadas, de acordo com a cultura.

2001).

Dessa forma, só é possível identificar elemen-

2.2.1

tos importantes da sua constituição, com vistas a

Rede pública

contribuir para o reconhecimento da realidade de

A Constituição Federal de 1988 definiu que a educação é direito de todos. Para que esse direito

parte importante da política educacional: a política escolar (Souza, 2010).

seja alcançado, a sociedade brasileira vem se orga-

Em contraste com grande parte dos países do

nizando a fim de que cada brasileiro, independen-

mundo, que se responsabilizou amplamente pela

temente do sexo, orientação sexual, identidade,

educação pública de seu povo, o poder público no

gênero, raça, cor, credo religioso, idade, classe

Brasil não garantiu esse direito para todos, optando

social e localização geográfica, tenha acesso à

por não institucionalizar o sistema nacional de edu-

74

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

cação como instrumento para concretização de seus

Ensino, complementando o Ato Adicional de 1834,

deveres. Tal opção contribuiu para que nossa his-

que por sua vez regulamentava a Constituição de

tória educacional fosse tributária de políticas públi-

1824. Consolida-se a livre iniciativa na educação por

cas, cuja marca tem sido a da exclusão, revelada

meio de uma escola privada autônoma em relação

pelo, ainda, alto índice de analfabetismo, pela pouca

ao Estado, acentuando a sua expansão, mormente a

escolaridade dos brasileiros, pelo frágil desempe-

da escola confessional naquele momento. O ensino

nho dos estudantes, pela não universalização da

privado prossegue a sua expansão não somente pela

educação básica e a não democratização de acesso

má qualidade da escola pública, mas, sobretudo,

à educação superior. Tudo isso resultando de uma

por um amplo entendimento da sociedade de que

lógica organizativa fragmentada e desarticulada do

a escola particular lhes oferecia perspectiva educa-

projeto educacional do país (Gracindo, 2010).

cional culturalmente enriquecida, universalizada e

Os fatores de maior incidência que prejudicam

prenhe de valores liberais (Alves, 2009).

a qualidade da escola pública seriam, de acordo

No período 1964-1973 o setor educacional pri-

com o Relatório Nacional sobre Direito Humano

vado prosperou. O crescimento da classe média nos

à Educação de 2003, o elevado número de alunos/

anos do ‘milagre econômico’ criou clientes para a

as nas salas de aula, a diminuição no tempo das

escola privada, os quais procuravam nessa rede

aulas, a precária qualificação dos professores/as,

prestígio social e alternativas ao ensino público que

com profissionalização frágil e baixos salários,

se deteriorava, devido aos interesses privados que

instalações materiais inadequadas e falta de apoio

prevaleciam nas políticas oriundas do Ministério

de material pedagógico. A estes fatores se somam

da Educação, secretarias de educação e conselhos

os de ordem cultural, que também têm um peso

de educação. No entanto, a prosperidade da rede

significativo quanto ao aproveitamento por parte

privada de educação foi ameaçada com a crise do

dos alunos/as (Sacavino, 2006).

‘milagre econômico brasileiro’. Nesse período,

2.2.2

Rede privada

A educação escolar no Brasil nasceu da ini-

setores da classe média migraram das escolas privadas para as escolas públicas, quando seus salários foram defasados pela crise (Nasser, 2011).

ciativa privada, quando, em 1533, os franciscanos

A cada ano, os dados do Censo Escolar feito

fundaram, na Bahia o primeiro estabelecimento de

pelo Ministério da Educação mostram uma queda

ensino em terras de Santa Cruz. A atuação da ini-

no número de estudantes brasileiros. Esse fenô-

ciativa privada na educação brasileira, em que pese

meno, no entanto, não tem sido percebido na rede

a variedade de formatos que assumiu ao longo dos

privada de ensino. Ao contrário das escolas públi-

últimos cinco séculos, deu-se de forma ininterrupta

cas, as instituições particulares ganham cada vez

na história do nosso país, consolidando uma con-

mais alunos. Entre 2012 e 2013, a rede cresceu

tribuição ímpar à formação e ao desenvolvimento

3,5%. A rede pública – que inclui os colégios fede-

da nacionalidade brasileira. Considerando o con-

rais, estaduais e municipais –, por sua vez, teve

texto colonial brasileiro, não é de se estranhar que

queda de 1,9% nas matrículas (Borges, 2014). Nas escolas privadas o aluno é o centro do pro-

a primazia do ensino privado tenha recaído sobre a escola confessional (Alves, 2009).

cesso e satisfazê-lo é a origem e o resultado de toda

Por uma diligência das elites brasileiras, em

ação. As escolas particulares também estão sinto-

consórcio com o clero católico e os intelectuais, o

nizadas com as demandas do mercado. Nesse tipo

Imperador aprova em 1854 a Lei de Liberdade de

de escola, o campo de forças tende sempre a favor

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

75


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

da clientela. A legislação brasileira, começando

poderia ser uma experiência intelectual estimu-

pela Constituição de 1988, passando pelo Estatuto

lante passa a ser um processo doloroso que chega

da Criança e do Adolescente e chegando às Leis de

a causar aversão (Oliveira; Martins, 2009).

Diretrizes e Bases prega o princípio educacional

Nos últimos 25 anos, uma efervescente comu-

da gestão democrática. Essa possibilidade poderia

nidade científica de educadores químicos – atuante

garantir uma maior participação proporcionando,

em estreita relação com a Sociedade Brasileira de

entre outras coisas, uma vivência interpessoal mais

Química (SBQ) e nela inserida por meio da Divisão

satisfatória (Naiff et al., 2010).

de Ensino – foi formada no país, com núcleos ati-

A legislação brasileira distingue dois tipos de

vos em praticamente todas as regiões. Entende-se,

instituições de ensino privado: instituições priva-

no âmbito da área, que, de forma geral, o ensino

das sem fins lucrativos (escolas religiosas confes-

praticado nas escolas não está propiciando ao

sionais, filantrópicas ou comunitárias) e institui-

aluno um aprendizado que possibilite a compreen-

ções privadas stricto sensu. As primeiras gozam de

são dos processos químicos em si e a construção

uma série de privilégios, tais como isenção fiscal e

de um conhecimento químico em estreita ligação

empréstimos com baixas taxas de juros pelo Banco

com o meio cultural e natural, em todas as suas

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

dimensões, com implicações ambientais, sociais,

(BNDES). As instituições confessionais ou filan-

econômicas, ético-políticas, científicas e tecnoló-

trópicas buscam se aproximar do status das institui-

gicas (Brasil, 2006).

ções públicas para poderem ter acesso aos fundos

A Química é uma disciplina que faz parte do

públicos. Elas se declaram ‘de utilidade pública’

programa curricular do Ensino Fundamental e

não estatais, graças ao seu caráter não lucrativo.

Médio. A aprendizagem de Química deve possibi-

A flexibilidade proporcionada pela LDB/1996

litar aos alunos a compreensão das transformações

favoreceu o setor privado, que busca apenas o

químicas que ocorrem no mundo físico de forma

lucro por meio da educação. As grandes empresas

abrangente e integrada, para que estes possam jul-

têm investido no setor com o único propósito de

gar, com fundamentos, as informações adquiridas

ganhar e aumentar seu capital financeiro. Os alunos

na mídia, na escola, com pessoas etc. A partir daí,

tornaram-se clientes/produtos e são negociados, em

o aluno tomará sua decisão e dessa forma, intera-

operações de compra e venda, pelas instituições

girá com o mundo enquanto indivíduo e cidadão

privadas de ensino (Akkari et al., 2011).

(PCN’s. MEC/SEMTEC, 1999).

2.3

O aluno deve ser capaz de compreender e não

A disciplina de Química no Ensino Médio

decorar os aspectos químicos de seu cotidiano, e

O ensino de Química é tratado de maneira tradi-

ao mesmo tempo raciocinar em termos científicos

cional e compartimentalizada, seguindo tendências

para solucionar problemas habituais. No momento

pedagógicas conservadoras. Tradicionalmente, as

em que ele não vê, de forma clara, a importância

ciências têm sido ensinadas como uma coleção de

de conhecer a Química, não é surpreendente que

fatos, descrição de fenômenos, enunciados de teo-

comece a repudiar a matéria, demonstrando um

rias a decorar. Assim, para muitos alunos, aprender

desinteresse com relação ao conteúdo desta disci-

Química é decorar um conjunto de nomes, fórmu-

plina (Borges; Silva, 2011).

las, descrições de instrumentos ou substâncias,

O atual ensino de Química, na maioria das

bem como enunciados de leis desconectadas da

vezes, prioriza a transmissão de informações,

realidade mais próxima. Como resultado, o que

definições e leis isoladas, memorização de fór-

76

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

mulas matemáticas e aplicação de ‘regrinhas’ sem

2.4

O professor de Química

qualquer relação com a vida do aluno, impossibilitando o entendimento de uma situação-problema.

Em levantamentos realizados pelo Ministério

Como consequência, os alunos passam a ter aver-

da Educação e Cultura (MEC), existem atualmente

são à Química e a frequência às aulas se torna um

cerca de 9 milhões de alunos matriculados no

fardo que eles têm que carregar até a conclusão do

Ensino Médio. No entanto, apenas para as discipli-

Ensino Médio (Ribeiro et al., 2003).

nas de Química, por exemplo, faltam, aproxima-

São muitas as variáveis que vão resultar nas

damente, 56 mil professores para as turmas de 5ª a

dificuldades de aprendizagem por parte dos estu-

8ª séries do Ensino Fundamental. O panorama não

dantes. E, para se chegar a uma solução do pro-

muda muito em relação aos professores com for-

blema, é preciso dar ênfase às pesquisas nesse

mação em Química para atuar no Ensino Médio.

campo e entender os diversos fatores que rodeiam

Contudo, existe ainda um cenário um pouco mais

essa complexa problemática. A disciplina de

complexo, quando nos referíamos a professores

Química vista no Ensino Médio é tida como um

com formação adequada para ministrar discipli-

assunto desinteressante pelos estudantes, ape-

nas ligadas às ciências exatas no Ensino Médio

sar de possuir um conteúdo totalmente presente

(Oliveira; Martins, 2009).

em nosso cotidiano. Pode-se relacionar o citado

Ensinar Química tem sido, nas últimas déca-

desinteresse a diversos fatores. Dentre eles vale

das, motivo de preocupação devido aos resultados

ressaltar: a) escolas, em geral, não possuírem, ou

negativos dos instrumentos de avaliação oficiais

não utilizarem laboratórios; b) não fazerem das

– Vestibular, ENEM, ENADE e outros – e à per-

bibliotecas um ambiente frequentado; c) não pos-

cepção que os estudantes e a sociedade têm do que

suírem recursos multimídia e métodos interativos

seja Química e produtos químicos. Os professores,

de aprendizagem; d) falta de contextualização do

‘maestros’ deste processo, vivenciam momentos

assunto (Sousa et al., 2010).

de frustração, por não terem em mãos as ferra-

Um dos objetivos da Química é que o jovem reconheça o valor da ciência na busca do conhe-

mentas que lhes permitiriam reverter essa situação (Quadros et al., 2011).

cimento da realidade objetiva e a insiram no coti-

O desinteresse de futuros profissionais pela

diano. Diante do exposto, se faz necessária a prá-

carreira docente, muitas vezes evidenciado na

tica de um ensino mais contextualizado, onde se

sala de aula, em cursos de licenciatura, e a falta

pretende relacionar os conteúdos de Química com

de entusiasmo de alguns estudantes pela profissão,

o cotidiano dos alunos, respeitando as diversida-

motivaram a realização de pesquisas, que buscam

des de cada um, visando à formação do cidadão,

discutir a respeito das possíveis causas para essa

e o exercício de seu senso crítico. A aula prática

realidade. Sabe-se que os desafios da profissão

é uma maneira eficiente de ensinar e melhorar o

docente no Brasil são muitos, dentre eles estão as

entendimento dos conteúdos de Química, facili-

más condições de trabalho, a baixa expectativa de

tando a aprendizagem. Os experimentos facilitam

renda, inexistência de planos de carreira, jornadas

a compreensão da natureza da ciência e dos seus

de trabalho excessivas, além de outras questões de

conceitos, auxiliam no desenvolvimento de atitu-

natureza formativa (Sá, 2009).

des científicas e no diagnóstico de concepções não

O educador é um dos principais responsáveis

científicas. Além disso, contribuem para despertar

pelo processo ensino/aprendizagem e o seu conhe-

o interesse pela ciência (Almeida et al., 2009).

cimento deve ir além do conteúdo da sua disciplina,

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

77


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

pois é necessário que ele tenha sensibilidade sufi-

pedagogia em geral. Neste particular, deve-se res-

ciente para reconhecer as dificuldades dos alunos

peitar a individualidade dos seus alunos e, princi-

e, desta forma, empregar uma linguagem de fácil

palmente, as diferenças que norteiam suas condu-

compreensão, sem, no entanto, deixar de ser uma

tas, pois para um ensino de qualidade, o que é um

linguagem científica. Adicionalmente, o profissio-

direito de todos, é fundamental oferecer aos jovens

nal da educação deve estar atento para o conhe-

a possibilidade de um futuro interessante e produ-

cimento sobre os desenvolvimentos científicos

tivo e, em particular, de serem agentes ativos do

recentes da sua área (Carvalho; Gil-Pérez, 2001).

desenvolvimento científico e tecnológico do nosso

A formação de professores é um tema há muito

país (Borges; Silva, 2011).

debatido e que perpassa aspectos variados como as necessidades formativas, a análise crítica da formação atual e as propostas de reestruturação curri-

2.5

Segmentos da carreira profissional na área da Química

culares. Assumindo que o professor de Química é

A profissão de químico, como entendida hoje,

um profissional cujo conhecimento químico deve

começou a se estabelecer no início do século

integrar-se ao conhecimento pedagógico, a for-

XIX, na Europa. A Química, anteriormente, era

mação desse profissional não deve desvencilhar

um denominador comum, uma auxiliar de várias

uma base de conhecimento da outra (Yamashita,

outras atividades: medicina, farmácia, mineração,

et al., 2009). O educador de Química deve utilizar

metalúrgica, tinturaria etc. Seus praticantes, ou

diferentes metodologias, marcando positivamente

seja, os químicos da época eram, sobretudo, pes-

a vida escolar do aluno, organizando o ensino de

soas que exerciam essas atividades, muitas vezes

modo que o estudante se sinta um ser ativo na

de forma artesanal (Rosa; Rossi, 2008).

sala de aula e não apenas um ouvinte, pois ensi-

Ao decorrer da formação acadêmica, o estu-

nar Química em si é muito mais que quadro e giz

dante de Química tem a oportunidade de escolher

(Nanni, 2004).

a modalidade que melhor lhe satisfaz, se licencia-

A Química tem sido apresentada aos alunos

tura ou bacharelado. O licenciado é um profissio-

como uma disciplina maçante, e a escola pode ser

nal que deve ter formação generalista, mas sólida

um dos ambientes propícios para começar a rever-

e abrangente nos conteúdos dos diversos campos

ter essa imagem ruim que ainda perpassa. O profes-

da Química, preparação adequada à aplicação

sor bem formado, crítico e consciente pode ajudar

pedagógica do conhecimento e experiências de

e muito a mudar essa imagem, colaborando com

Química e de áreas afins na atuação profissional

discussões de questões atuais em sala de aula, base-

como educador nos ensinos fundamental, médio

ando em conceitos químicos, discutidos com pro-

e superior. Complementarmente, o bacharelado

priedade e correção científica adequada para sub-

deverá ainda exercitar atividades em áreas especí-

sidiar a formação de opiniões (Rosa; Rossi, 2008).

ficas e de pesquisa acadêmica, de modo a prepará-

O professor é um agente social importante no

-lo para um mercado em crescimento e cada vez

processo de desenvolvimento do aluno, por forne-

mais exigente (Alves, 1998).

cer orientação sobre o comportamento social e o

Como os profissionais formados em Química

convívio com os outros. É fundamental que o pro-

podem atuar em diversos setores, é desejável que

fessor tenha conhecimento sobre os efeitos de sua

seja oferecida aos estudantes, ao lado de uma for-

conduta nas práticas escolares, implicando uma

mação sólida em conteúdos básicos e conteúdos

determinada concepção da sociologia, psicologia e

profissionais essenciais, formação complementar

78

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

específica e humanística diferenciadas, que contemplem as opções individuais, as necessidades

3

Metodologia

regionais e, em alguns casos, até mesmo as carac-

Este estudo é o resultado de uma pesquisa que

terísticas das instituições onde se formam. Esta

analisou a aceitabilidade da disciplina da Química

diferenciação deverá propiciar a formação de pro-

pelos alunos do Ensino Médio das redes pública e

fissionais mais habilitados à inserção no mundo do

privada de ensino. Para isso foram aplicados ques-

trabalho (Zucco; Pessine; Andrade, 1999).

tionários a esses alunos, bem como aos professo-

A área química caracteriza-se por processos

res que lecionam a matéria na escola. A pesquisa

físico-químicos nos quais as substâncias puras ou

foi realizada com 107 estudantes de duas escolas

compostas são transformadas em produtos. Esta

públicas e 83 estudantes de duas escolas privadas.

área tem uma grande abrangência, que vai das

Ambas as escolas estão situadas na região metro-

indústrias de grande porte que trabalham com a tec-

politana do Recife, em Pernambuco. Além disto,

nologia de ponta, até as de pequeno porte que uti-

foram praticados os questionários com 4 professo-

lizam processos rudimentares. A Química engloba

res de Química, sendo 2 de cada rede de ensino e 1

também um campo de atividades mais amplo, a

de cada instituição. A pesquisa feita com os alunos

exemplo do ligado aos laboratórios farmacêuticos

está descrita na Figura 1, e na Figura 2 o questio-

e de centros de pesquisa, e à comercialização de

nário realizado com os professores. O questionário

produtos químicos. Dentro deste setor observa-se

possui perguntas objetivas e subjetivas, com isso

uma grande diversidade de processos de produ-

os alunos foram instruídos a responder de acordo

ção, o que torna esta área muito abrangente. Entre

com suas convicções e com a maior veracidade

esses processos destacam-se: petroquímica; refino

possível. Diante disso, alguns estudantes só res-

do petróleo; alimentos e bebidas; papel e celulose;

ponderam as perguntas objetivas, deixando em

cerâmica; fármacos; cosmética; têxtil; pigmentos

branco as subjetivas, ou então apresentaram mais

e tintas; vernizes; plásticos e borrachas; fibras;

de uma resposta e, portanto, algumas questões não

álcool; fertilizantes; PVC (Brasil, 2000).

fecharam no 100%.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

79


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

1. Você gosta da disciplina de Química? (  ) Sim  (  ) Não  (  ) Não sei 2. Você acha difícil aprender Química? (  ) Sim  (  ) Não  (  ) Não sei 3. Por quê? 4. Você já teve alguma aula prática de Química? (  ) Sim  (  ) Não 5. Seu professor utiliza ou já utilizou de recursos de multimídia, por exemplo, vídeos, pra ensinar Química? (  ) Sim  (  ) Não 6. Você acha que as aulas práticas de Química ajudariam no seu aprendizado? (  ) Sim  (  ) Não  (  ) Não sei 7. Você gosta do modo de ensino do seu professor de Química? (  ) Sim  (  ) Não  (  ) Não sei 8. Você acha que se na hora de explicar a teoria, o professor fornecesse exemplos do seu cotidiano seria mais fácil aprender Química? (  ) Sim  (  ) Não  (  ) Não sei 9. Qual a sua sugestão para melhorar o ensino desta disciplina? 10. Você alguma vez pesquisou as profissões na área da Química? (  ) Sim  (  ) Não 11. Você gostaria de seguir carreira profissional no ramo da Química? (  ) Sim  (  ) Não  (  ) Não sei 12. Por quê? 13. Qual a matéria que você mais gosta? 14. Você acha que a Química que você estuda está presente no seu dia a dia? (  ) Sim  (  ) Não  (  ) Não sei 15. O que você utiliza para estudar Química fora do horário da aula?

Figura 1.  Questionário aplicado aos alunos do Ensino Médio

1. Você é graduado na área de Química? (  ) Sim  (  ) Não 2. Você é responsável por quantas turmas, com respeito a aulas de Química? 3. Você utiliza recursos de multimídia pra lhe auxiliar nas aulas? (  ) Sim  (  ) Não 4. Se usa, informe quais são eles. 5. Se não usa, informe o motivo. 6. Quais as dificuldades que você encontra pra lecionar Química? 7. Qual o motivo que lhe fez optar por esta área profissional? 8. Quais as sugestões que você daria para melhorar o ensino da Química? 9. O que você faz pra ajudar na aprendizagem do aluno? 10. Nas turmas em que leciona você verifica que os alunos sentem dificuldade em aprender Química? (  ) Sim  (  ) Não  (  ) Não sei 11. Se observa dificuldades, informe o que você acha que acarreta este bloqueio. 12. Você alguma vez ministrou aulas práticas de Química? (  ) Sim  (  ) Não

Figura 2.  Questionário aplicado aos professores de Química

80

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

Vale lembrar que esse tipo de pesquisa não per-

Nesta primeira etapa do questionário já fica

mite uma generalização de resultados, porém pos-

evidente a pouca aceitação que a disciplina de

sibilita a formulação de hipóteses para o direcio-

Química tem perante os alunos do Ensino Médio

namento de futuras pesquisas (Sousa et al., 2010).

da rede pública de ensino de Pernambuco, o que não aconteceu na rede privada, visto que a maioria

4

disse que gostava da disciplina. Já no caso da per-

Resultados e discussões 4.1

gunta 2, se acham difícil a disciplina de Química,

Resultados dos questionários dos alunos

em ambas as redes a esmagadora maioria respondeu que tem dificuldade com a matéria. Se

A pesquisa para os alunos do Ensino Médio foi

somarmos os resultados das duas redes a situação

iniciada com a pergunta: Você gosta da disciplina

se torna ainda mais alarmante, pois em 190 alu-

de Química? Para a rede pública (RPB) de ensino

nos do Ensino Médio, 131 acham difícil aprender

foram obtidos os seguintes resultados: 35,5% res-

Química, o que corresponde a 68,9% do total dos

ponderam que sim e 64,5% disseram que não. Já no

entrevistados. Se levarmos em consideração que

caso da rede privada (RPV) os resultados obtidos

deste quantitativo de 190 estudantes, 52,6% res-

foram: 49,4% disseram que gostam da disciplina,

ponderam que não gostam da disciplina, podemos

37,4% responderam que não gostam e 13,3% não

pressupor que não gostam porque acham difícil

souberam responder. Em seguida a próxima per-

aprender a matéria. A partir disto foi questionado

gunta foi: Você acha difícil aprender Química? Na

aos alunos o motivo pelo qual eles responderam a

rede pública as respostas obtidas foram: 77,6%

questão 2. Foram obtidos os resultados demonstra-

acham difícil aprender Química, 14,9% responde-

dos no gráfico da Figura 3.

ram que não acham difícil e 6,5% não souberam

O resultado marcante no gráfico apresentado

responder. Para a rede privada os resultados foram:

na Figura 3 foi mesmo para a resposta de simples-

57,8% acham difícil, 28,9% não acham e 13,3%

mente achar difícil aprender Química, pois ambas

responderam que não sabem.

as redes ficaram próximo dos 50% do quantitativo

60% RPB

50%

RPV 40% 30% 20% 10% 0%

Não sabe

Método de ensino

Acha difícil

Não gosta

Acha que não usa no cotidiano

Estudar

Gosta da disciplina

Figura 3.  Respostas dos alunos à questão 3.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

81


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

dos entrevistados em cada rede, em separado.

seus conhecimentos, o aluno deve reforçar o que

Além disso, observamos no gráfico apresentado

aprendeu em sala, estudando em casa também.

que um pouco mais de 20% dos estudantes da rede

Verificando o gráfico demonstrado na Figura 4,

pública informaram que seu desempenho na dis-

podemos perceber que uma parcela considerável

ciplina de Química depende do método de ensino

dos entrevistados de ambas as redes não estudam

empregado pelo professor. Já no caso da rede pri-

Química fora da sala de aula. Neste gráfico abaixo

vada este valor ultrapassou levemente os 10%.

estão descritos os números obtidos nas respostas

Este é um ponto em que muitas vezes o professor

da questão 15: O que você utiliza para estudar

desta matéria é criticado, pois ainda encontramos

Química fora do horário da aula?

muitos docentes que não se preocupam se os alu-

Neste gráfico observamos um quantitativo alar-

nos estão ou não absorvendo o que está sendo dito,

mante de discentes que não estudam Química fora

ou ainda de tentar tornar a matéria mais atraente e

do horário de aula. Para a RPB este número ultra-

fácil aos estudantes, utilizando, por exemplo, a fer-

passa os 50% e para a RPV fica acima dos 30%.

ramenta da contextualização. Isto pode ser obser-

Esta situação é preocupante, pois os alunos além

vado na Figura 3 na resposta: acha que não usa

de acharem a disciplina difícil ainda não estudam

no cotidiano. Mesmo obtendo percentuais baixos

em casa, o que acarreta notas baixas e um mau

estes números são preocupantes, pois os discentes

desempenho de um modo geral. Se considerarmos

deveriam ser capazes de observar a Química no

o percentual dos estudantes da RPB que responde-

seu dia a dia.

ram não saber, temos um catastrófico número que

Outro resultado importante neste gráfico é o

ultrapassa a barreira dos 70% de alunos que não

percentual de discentes da rede privada que infor-

estudam Química em casa. Neste âmbito a dispa-

maram que o ato de estudar pode ajudar no seu

ridade entre a rede de ensino pública e privada é

desempenho na disciplina. Podemos concluir, após

gritante, pois somando os que não estudam com

verificar o gráfico, que aproximadamente 15% dos

aqueles que não souberam responder na RPV não

alunos da RPV informaram no questionário que se

alcançamos nem os 40%, e desta forma deixando

estudarem podem obter sucesso na disciplina. Esta

bem claro que os alunos da RPV estudam mais em

informação é valiosa, pois mesmo que o profes-

casa do que os da RPB. Isto fica evidente na desi-

sor se esforce para transmitir de forma eficiente

gualdade dos números obtidos na forma de estudo

60% RPB

50%

RPV 40% 30% 20% 10% 0%

Livros

Internet

Não estuda

Caderno

Não sabe

Figura 4.  Respostas dos alunos à questão 15.

82

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

de cada rede. Mais de 50% dos estudantes da rede

Na questão 7 foi perguntado aos entrevista-

privada informaram que utilizam a internet para

dos se eles gostavam do método de ensino do seu

estudar e 31,3% os livros. Já para a rede pública

professor de Química. Na RPV, 65,1% dos estu-

estes números somados não alcançam nem os 30%.

dantes afirmaram que gostam do modo de ensinar

Na pergunta 4 foi questionado aos entrevistados

do professor. Entretanto na RPB a situação é mais

se eles alguma vez já participaram de alguma aula

complicada, 39,2% disseram não gostar, 33,6%

prática. Neste momento do trabalho encontramos

gostam e 27,1% não sabem dizer. Mesmo a maio-

a maior disparidade entre as duas redes, pois os

ria dos entrevistados da rede pública dizendo que

resultados foram praticamente contrários. Na RPB

não gostam do método de ensino, os outros resul-

26,2% afirmaram ter participado de aulas práticas

tados, muito próximos, demonstram certa instabi-

e 72,9% negaram. Já para a RPV o resultado foi

lidade na situação. Na rede privada fica evidente

o oposto disto, 79,5% disseram já ter tido aulas

que os professores das duas instituições que passa-

práticas e 20,5% disseram que não tiveram. A aula

ram pelo questionário atingem seus objetivos em

prática no ensino da Química é uma ferramenta

sala de aula, mesmo a maioria dos alunos tendo

importantíssima para a demonstração de conceitos

afirmado que acham difícil aprender Química. No

transmitidos em sala de aula. Esta necessidade fica

caso da rede pública a situação é bem diferente;

evidente com os resultados obtidos na questão 6,

fica claro que os professores não atingem a maio-

que perguntou aos estudantes se eles achavam que

ria dos alunos e quando se olha o resultado obtido

as aulas práticas ajudariam no seu aprendizado. Na

na questão 2 para esta rede (77,6%), o cenário fica

rede pública 73,8% dos entrevistados afirmaram

óbvio.

que o uso de aulas práticas ajudaria no seu processo

Toda ciência demanda esforço e dedicação

de aprendizagem. Não foi diferente na rede privada,

para ser aprendida, e com a Química isto não é

pois 78,3% dos alunos também disseram que dese-

diferente. Por ser uma matéria que envolve muitos

jam aulas práticas para auxiliar o aprendizado. Se

cálculos e assuntos que requerem memorização,

olharmos de um ponto de vista geral, veremos que

a tendência natural é a repulsa. Contudo é neste

mais de 75% dos alunos, sejam eles da rede privada

momento que entra o professor. Ele é o veículo

ou pública de ensino, afirmaram que aulas práticas

das informações, e a forma como ele transmite

ajudariam no seu processo de aprendizagem.

o conhecimento é primordial em qualquer dis-

Na questão 5 foi perguntado se o professor uti-

ciplina. Para obter sucesso o docente deve estar

liza ou já utilizou alguma vez recursos de multi-

devidamente preparado e utilizar técnicas que tor-

mídia na sala para auxiliar no ensino da matéria. A

nem o processo de aprendizagem eficiente. O pro-

maioria dos estudantes de ambas as redes respon-

cesso de aprendizagem deve ser cativante ao dis-

deram que o professor nunca utilizou tais recursos.

cente, visto que ele demanda esforço e dedicação.

Os números obtidos foram: 53,3% para a RPB e

Por isso o educador precisa transmitir o assunto de

51,8% para a RPV. Este resultado poderia ser justi-

forma clara e objetiva, estimulando a participação

ficado com falta de material fornecido pela escola,

dos estudantes para que desta forma eles possam

mas se olharmos do ponto de vista que este ques-

se sentir motivados a agir por vontade própria,

tionário foi realizado com as três séries do Ensino

demonstrando interesse no estudo e se esforçando

Médio, esta justificativa não se aplicaria, pois

para aprender.

mesmo nas escolas públicas onde foram realizados

A pergunta 8 foi: Você acha que se na hora de

os questionários, havia pelo menos uma televisão.

explicar a teoria, o professor fornecesse exemplos

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

do seu cotidiano seria mais fácil aprender Química?

consideráveis, mais de 20% para a RPB e mais de

E as respostas obtidas foram: para os alunos da

10% para a RPV. Isto se torna um sinal de alerta

rede pública 71,9% concordam que seria mais fácil

para os docentes desta matéria, pois fica evidente

aprender Química contextualizando, 14% disse-

que eles não estão conseguindo atingir a todos

ram que não e 14% não souberam responder. Para

os alunos. E se formos olhar de um modo geral,

os estudantes da rede privada não foi diferente,

dos 190 entrevistados 18,9% informaram que sua

75,9% afirmaram que a contextualização ajudaria,

sugestão de melhoria para a disciplina seria trocar

4,8% disseram que não e 20,5% não souberam res-

o professor.

ponder. No ensino da Química o aluno deve ser

A questão 10 trata do interesse pela profissão de

capaz de relacionar os temas abordados durante a

químico. Foi perguntado o seguinte: Você alguma

aula com a realidade na qual está inserido. Para o

vez pesquisou as profissões na área da Química?

ensino de qualquer disciplina é necessário que o

Nesta questão a disparidade entre as duas redes

professor esteja disposto a alcançar todos os alu-

também é observada, pois mais uma vez obtive-

nos. Se ele for criativo e proativo, a contextuali-

mos resultados opostos. Na rede pública 15%

zação pode ser um bom caminho para obter êxito.

informaram ter pesquisado a respeito da profissão

Na questão 9 foi solicitado aos entrevistados

e 85% disseram que não. Já para a rede privada

que eles fornecessem sugestões de melhorias para

o resultado foi o contrário disso: 79,5% afirma-

o ensino da matéria de Química. Os resultados

ram terem pesquisado e 20,5% negaram. Mesmo

estão descritos no gráfico da Figura 5.

obtendo resultados opostos na questão 10, ambas

A maioria dos discentes respondeu que as aulas

as redes sincronizaram o resultado na pergunta

práticas seriam uma sugestão de melhoria para o

11: Você gostaria de seguir carreira profissional

ensino da disciplina. Em ambas as redes os núme-

no ramo da Química? Em cada rede aproximada-

ros ultrapassaram os 70% para as aulas práticas.

mente 70% dos entrevistados informaram não ter

E aqui mais uma vez percebemos a necessidade

interesse em seguir carreira profissional na área de

das aulas práticas, assim como foi informado na

Química. Dos 190 entrevistados apenas 15 afirma-

questão 6. Em seguida podemos observar que a

ram ter interesse em se tornarem um profissional

mudança do professor também alcançou números

da área da Química. Este é um dado alarmante,

60% 50% RPB

40%

RPV

30% 20% 10% 0%

Aulas práticas

Mudança de professor

Não sabe

Dinamismo

Contextualização

Não ter aula

Mais aulas

Nenhuma

Figura 5.  Respostas dos alunos à questão 9.

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

pois a área já se encontra defasada e a falta de inte-

apenas 5,6% gostam da área e 1,9% acham o setor

resse de futuros profissionais pela área é mais um

promissor. Na rede privada não foi diferente, 6%

fator complicador para a situação.

gostam da área e 1,2% acham o setor promissor.

A pergunta 12 foi justamente para que os

Em ambas as redes aproximadamente 25% dos

entrevistados explicassem o motivo pelo qual

entrevistados informaram que não sabem explicar

responderam a questão 11. Os resultados obtidos

o motivo de sua resposta. Este é um dado inte-

estão descritos no gráfico da Figura 6. Na RPB

ressante, pois demonstra a falta de convicção dos

34,6% dos alunos informou que não desejam

estudantes a respeito da área de Química, indi-

seguir carreira profissional na área de Química

cando assim que se forem instruídos corretamente

porque simplesmente não gostam da disciplina.

podem mudar de ideia.

Já para a RPV 34,9% dos estudantes afirmaram

A questão 13 foi a seguinte: Qual a matéria que

que não desejam seguir esta área porque querem

você mais gosta? O resultado obtido está descrito

ser profissionais de outras áreas. Na rede pública

no gráfico da Figura 7.

40% 35%

RPB

30%

RPV

25% 20% 15% 10% 5% 0%

Não sabe

Não deseja esta área

Acha difícil

Não gosta

Gosta da área

Acha a área promissora

Figura 6.  Respostas dos alunos à questão 12.

25% RPB

20%

RPV

15% 10% 5%

a um nh Ne

o

sa

be

s Nã

Ar te

a Fís ic

ica ím Qu

gl ês

Fís i o çã

In

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a ca

ia

og ra fi Ed u

Ge

Hi st ór

Bi ol og ia

át ica at em

M

Po r

tu

gu

ês

0%

Figura 7.  Respostas dos alunos à questão 13.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

Na rede pública as duas que praticamente

a ânsia de relacionar o que aprendem em sala de

empataram na preferência da maioria foram

aula com o seu dia a dia. Esta é uma competência

Português e História, ambas alcançando aproxi-

que deve ser incentivada pelo professor, visto que

madamente 25% dos alunos. Em seguida temos

a Química está presente em quase tudo que nos

Matemática com 20,6% e Biologia com 14,9%.

rodeia. Na questão 9, onde foi solicitado aos dis-

Para a rede privada a maioria (21,7%) informou

centes propostas de melhorias, em ambas as redes

que Matemática é sua matéria preferida, seguida

aproximadamente 10% dos entrevistados afirma-

de Biologia com 18,1% e História com 10,8%. A

ram que contextualizar conceitos ajudaria no seu

disciplina de Química em nenhuma das duas redes

aprendizado.

ultrapassou a margem dos 5% dos entrevistados,

Resultados dos questionários dos professores

chegando a perder na preferência dos estudantes

4.2

para a matéria de Física, que em ambas as redes

Foi solicitado aos professores de Química das

ultrapassou os 5%. Este é um dado interessante,

quatro instituições participantes nos questionários

pois assim como a Química, a Física também é

dos alunos que respondessem a uma série de per-

uma disciplina rejeitada pela maioria dos alunos e

guntas. Neste caso cada escola teve seu represen-

mesmo ainda obteve mais aceitação.

tante docente e, portanto, participaram do processo

Na questão 14 mais uma vez foi levantado o

4 professores, sendo 2 da RPB e 2 da RPV. Este

assunto da contextualização em sala de aula. Foi

trabalho objetivou não apenas saber as opiniões

perguntado aos alunos: Você acha que a Química

e necessidades dos alunos, mas também observar

que você estuda está presente no seu dia a dia?

e relatar as dificuldades diárias dos professores

Na RPB 53,3% confirmaram que a Química está

durante o exercício de sua função. É importante

presente em seu cotidiano, 29% responderam que

também olhar a situação do ponto de vista do

não e 17,8% disseram não saber. Já na rede pri-

docente que muitas vezes não encontra apoio na

vada 72,3% afirmaram a presença da Química no

escola, é sobrecarregado com muitas turmas, é mal

seu dia a dia, 15,6% disseram que não está e 12%

remunerado, enfim uma série de obstáculos que

não sabem. Mesmo a maioria afirmando o óbvio,

impedem o seu desempenho em sala.

o percentual de entrevistados que responderam

Começamos o questionário indagando ao pro-

diferente disto é preocupante. Se focarmos na rede

fessor se ele era graduado na área de Química.

pública estes valores são ainda mais alarmantes,

Todos afirmaram serem formados em Química,

pois aproximadamente a metade dos alunos que

com exceção de um professor da RPB. Este é um

passaram pelo questionário não reconhecem a

dado importante, pois encontrarmos professores

Química ao seu redor.

lecionando sobre uma área na qual não são gra-

Se relacionarmos os dados obtidos nas ques-

duados, não é incomum na rede pública. Como foi

tões 8 e 14, poderemos perceber a necessidade

verificado nos resultados obtidos nos questioná-

latente pela contextualização de conceitos quími-

rios dos alunos, a Química não é bem aceita e se

cos. Como já foi observado anteriormente, na rede

ainda somarmos a falta de preparação do educador

pública quase a metade dos alunos desconhece

a esta equação o resultado sempre vai ser ruim.

a Química no seu cotidiano, mas ainda sim afir-

É imprescindível a formação profissional na área

mam que precisam começar a notá-la. Na questão

para que o educador transmita com confiança e

8 percebemos que em ambas as redes a esmaga-

propriedade seus conhecimentos. E se levarmos

dora maioria (acima dos 70%) dos alunos sentem

em consideração que para a melhoria no ensino

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

da Química, a mais votada foi a aula prática, é

os estudantes se interessem mais pelos assuntos

de suma importância que o docente seja graduado

abordados em sala de aula.

em Química. Este resultado também demonstra a

Sobre as dificuldades que encontram para

defasagem na qual se encontra a área docente no

lecionar Química, os educadores concordam que a

ramo da Química, pois as instituições estão preci-

falta de motivação e interesse dos alunos é o maior

sando recorrer a outros profissionais de áreas cor-

empecilho no processo de ensino-aprendizagem.

relatas para substituir o vazio deixado pela falta de

Um dos professores da rede privada relatou que

professores formados e preparados para lecionar

a inexistência de aulas práticas e o quantitativo

Química.

de alunos em sala, se tornaram um problema para

Em seguida foi questionada aos professores a

lecionar a disciplina. Já na RPB, um dos profes-

quantidade de turmas pelas quais eles eram res-

sores confessou que a falta de preparo na base da

ponsáveis pelas aulas de Química. Neste âmbito

disciplina de Matemática atrapalha no andamento

houve uma disparidade entre os profissionais da

das aulas de Química. A Química é uma ciência

RPV para os da RPB, pois os da rede privada afir-

exata, e portanto demanda cálculos na maioria dos

maram serem responsáveis por mais turmas do que

conceitos, com isso a colocação do educador se

os da rede pública. Os resultados para os profes-

torna válida. Um dos motivos pelo qual o aluno só

sores da esfera privada ficou aproximadamente

começa a ter contato com a disciplina de Química

em 20 turmas cada um, já no caso dos da rede

no último ano do Ensino Fundamental é para que

pública estes números não ultrapassaram 5 turmas

ele tenha uma base necessária para iniciar e acom-

cada um. Era de se esperar que os educadores da

panhar os conceitos da matéria.

RPB fossem responsáveis por mais turmas que os

Posteriormente foi questionado aos entrevis-

da RPV, entretanto podemos pressupor que com

tados o motivo pelo qual ele escolheu ser profes-

a defasagem de profissionais na área de Química

sor de Química. A maioria respondeu afinidade

é mais provável que os alunos da rede pública

com a área, o que com certeza é um dos parâme-

fiquem sem aula nesta disciplina do que os da rede

tros necessários para obter sucesso com qualquer

privada e por isso os docentes da RPV estariam

setor profissional que o indivíduo queira seguir.

com mais turmas que os da RPB.

Contudo, um dos docentes da RPV respondeu o

Ao serem indagados a respeito da utiliza-

seguinte: “Ser um professor melhor do que os que

ção de recursos de multimídia para auxiliar nas

tive na rede pública.” Esta afirmação só fortalece

aulas, todos afirmaram que usam estas ferramen-

o que até agora foi dito neste trabalho sobre a falta

tas. Dentre os citados foi unânime a informação

de preparação e dedicação de uma boa parcela dos

de utilização de data show. Com o advento da era

professores no Brasil. A questão da má formação

tecnológica, a capacidade de interligar os conheci-

dos licenciados já é uma questão bastante discutida

mentos teóricos obtidos em sala de aula com uma

e esta resposta fornecida por um dos profissionais

experiência virtual deve ser uma competência esti-

formados na área de licenciatura só fortalece esta

mulada pelos professores aos seus alunos. O dis-

situação.

cente deve ser capaz de utilizar técnicas ciberné-

Na questão 8 solicitamos que os educadores

ticas para facilitar seu processo de aprendizagem,

fornecessem sugestões de melhorias para o ensino

visto que os recursos de multimídia, de um modo

da Química. Dos 4 professores que passaram pelo

geral, são uma arma muito valiosa em sua prepa-

questionário, 3 responderam que mais horas de

ração acadêmica. O uso da tecnologia faz com que

aulas seria um fator importante para o andamento

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

da disciplina. Eles informaram que o quantitativo

seguida foi questionada sua opinião para a geração

de horas/aulas atual torna o conteúdo bastante

deste bloqueio, e aqui sim os educadores foram

resumido. Um dos professores da RPV também

coerentes com suas respostas anteriores. Mais uma

informou que a inserção de aulas práticas seria

vez a falta de dedicação dos alunos e sua abstração

importante para a consolidação dos conceitos teó-

em sala foram mencionadas como fatores primor-

ricos abordados em sala. Além disso, foi levantada

diais para a resistência com a disciplina.

a questão da pouca infraestrutura das escolas, o

Por último foi perguntado aos docentes se

que com certeza é um fator crucial, principalmente

eles já haviam ministrado aulas práticas, e apenas

se objetivarmos a construção de um laboratório na

1 professor negou ter dado aulas experimentais.

instituição.

Como já dito anteriormente, a aula prática é uma

Quando questionados a respeito das técni-

ferramenta importantíssima para a consolidação

cas utilizadas para ajudar no processo de apren-

de conceitos químicos. Contudo ser formado na

dizagem de seus alunos, os professores em sua

área e estar devidamente preparado para lecionar

maioria responderam que utilizam de exercícios

experiências deve ser um fator a ser observado

constantes, revisões e seminários. Estas ferramen-

antes de qualquer intuito neste sentido. O esforço

tas são importantes, contudo ao decorrer do ano

para a construção de laboratório em escolas

letivo estas técnicas se tornam insuficientes para

secundaristas também deve ser emergente, pois a

cativar o aluno e fazer com que seu desempenho

situação atual está desfavorável para a disciplina

na matéria seja pelo menos bom. Neste ponto é

de Química.

importante sugerir a utilização dos recursos informatizados e de outros como, por exemplo, a televisão para a transmissão de vídeos de experiên-

5

Considerações finais

cias químicas. Vale salientar também que para o

Diante dos resultados obtidos nos questionários

uso correto dos recursos de multimídia o docente

foi possível constatar que a Química não é bem

deve estar capacitado, pois a falta de conheci-

aceita pelos alunos do Ensino Médio de ambas as

mento nesta área não deve ser uma barreira para o

redes, pública e privada. Ficou claro que os estu-

uso destas tecnologias. E para isso ele deve estar

dantes possuem uma verdadeira relação de repulsa

sempre em processo de atualização, se mantendo

com a matéria e com isso se dedicam menos a

assim interligado com seus alunos e apto à utiliza-

estudá-la. Esta situação implica diretamente na

ção destas possibilidades.

dificuldade de aprendizagem relatada pela grande

Na questão 10 indagamos aos educadores se nas turmas em que lecionam Química eles verifi-

maioria dos discentes, tanto da rede pública quanto da privada.

cam que os alunos sentem dificuldade em apren-

É preciso atentar a esta realidade o mais rápido

der a matéria. Dos 4 professores participantes, 3

possível, pois estamos com cada vez mais alunos

afirmaram notar esta complexidade em relação à

repudiando a Química e assim gerando um errôneo

Química. E aqui notamos a confirmação dos resul-

conceito para as gerações futuras. A situação é tão

tados obtidos na pergunta 2 do questionário dos

alarmante que o discente que ainda não estudou

alunos. O que fazer para mudar esta situação deve

a disciplina já tem a opinião de que a matéria é

ser uma prioridade dos educadores, e a partir daí

ruim. Desfazer este mito deve ser o pontapé inicial

traçar metas para atingir de forma positiva estes

para modificar as circunstâncias desfavoráveis nas

alunos e modificar esta situação preocupante. Em

quais a matéria se encontra.

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Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


Aceitabilidade da Química no Ensino Médio, entre Alunos da Rede Pública em Comparação com Alunos da Rede Privada

Constatamos ainda que o método de ensino

de profissionais graduados na área de Química e

utilizado pelo professor influencia diretamente no

isto pode ser explicado devido à pouca aceitação

desempenho dos alunos e sua dedicação às aulas.

que a disciplina tem com os alunos secundaristas.

Esta observação é na verdade uma realidade óbvia,

Afinal são os estudantes concluintes que ao tér-

pois é ofício do educador tornar a aula atrativa aos

mino do Ensino Médio passam por um vestibular

discentes, e cativar a todos deve ser uma meta a

para concorrer a vagas em universidades para se

ser alcançada sempre. A forma empregada para

prepararem para o seu futuro profissional. E pelo o

atingir este objetivo, segundo a maior parte dos

que foi visto nesta pesquisa, pouquíssimos querem

estudantes, deve ser a inserção de aulas práticas. A

se preparar para serem profissionais da Química.

utilização de laboratórios foi a melhoria no ensino

É preciso reformular o método de ensino para

da Química mais votada pelos alunos do Ensino

torná-lo mais cativante aos alunos. Para isso é

Médio, em ambas as redes, e isto não é uma novi-

necessário que o professor tenha força de vontade

dade. Sabe-se que a Química é uma ciência predo-

para reverter a situação e com isso fazer sua aula

minantemente prática, e por isso esta proposta é

mais dinâmica e atual. Dar aulas apenas apresen-

bastante válida e deve ser levada em consideração

tando conceitos e resolvendo exercícios não pode

urgentemente.

ser uma metodologia constante durante o ano esco-

A respeito dos professores, concluímos que as

lar. O educador deve contextualizar as definições,

dificuldades relatadas para o ensino da Química

afinal a Química é uma ciência que está presente

foram as mesmas, abstração dos alunos e falta de

em quase tudo que nos rodeia, e o aluno deve ser

dedicação. É contra isso realmente que todos os

capaz de pelo menos perceber isto.

professores de todas as disciplinas lutam, pois a tendência natural dos adolescentes é se abstrair com o colega ao lado ou até mesmo com o celular. É por isso que o uso de tecnologias que possam atrair a atenção dos estudantes deve ser mais comum em sala de aula. A ferramenta de data show foi a que os professores informaram que mais usam, mas há outras que também podem ser utilizadas para lecionar Química. A utilização de televisões para a transmissão de vídeos que contenham experiências Químicas é uma boa alternativa. Depois de tudo que foi comentado neste trabalho, foi possível concluir que precisamos agir o mais rápido possível, pois a disciplina de Química está altamente rejeitada, e isto está espelhando na escolha profissional destes alunos. Como verificamos, pouquíssimos entrevistados afirmaram ter intenção de seguir na carreira de Química e muitos disseram que nem pesquisaram a respeito por causa da sua opinião em relação à matéria. Estamos presenciando uma falta cada vez maior

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91



Química Verde 01 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

p. 93-108

A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico1 The Complexity of Safety in the Chemical Laboratory Adélio A. S. C. Machado2

RESumo Este artigo tem como objetivo alertar os docentes e investigadores de Química para a necessidade de se prestar mais atenção ao ensino da segurança laboratorial na Química e de se mudar o modo como este é realizado. São discutidos dois temas básicos de alcance global: a relação da segurança laboratorial com a segurança química em geral e a segurança ocupacional; e a natureza complexa dos perigos químicos. A discussão permite evidenciar a enorme complexidade da segurança química, cujo tratamento requer postura sistémica. O reconhecimento desta barreira é importante para se poder concretizar a mudança presentemente requerida no ensino da segurança laboratorial. Palavras-chave: Segurança química; Segurança laboratorial; Acidentes químicos; Química Verde; Complexidade. AbstrAct This report aims at alerting the Chemistry community to the need of giving more attention to laboratory safety teaching and changing the way this is implemented. Two basic topics of large scope are discussed: the relationships of laboratory safety with the broader chemical safety and with occupational health and safety; and the complex nature of chemical hazards. The discussion shows the huge complexity of chemical safety, which requires a systemic mindset to be dealt with.

1. Nota da Editora – este artigo mantém a ortografia original em que foi elaborado por seu autor, residente em Portugal. 2. Departamento de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Portugal.


A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

The acknowledgement of this barrier is important due to the strong pressure felt nowadays to reformulate the present way of laboratory safety teaching. Key-words: Chemical safety; Laboratory safety; Chemical accidents; Green Chemistry; Complexity.

1

(UCLA), em 2008, com uma investigadora júnior,

Introdução Este artigo é dirigido aos professores de Química, referindo-se à segurança no laboratório, um tema que foi adquirindo importância crescente ao longo do século XX (Nelson, 1999; Hill, 2007), devido à ocorrência frequente de desastres, nalguns casos com danos sérios, incluindo mortes de químicos, investigadores, estudantes etc., que foram homenageados recentemente num ‘e-mural’ recordativo (LSI, 2015).

3,4

No entanto, o ensino

da segurança laboratorial (SL) nas licenciaturas em Química é ainda considerado secundário e frequentemente marginal (Hill; Nelson, 2005; Sarquis, 2003), embora tenha vindo a merecer atenção acrescida nos últimos anos, na esteira de um desastre ocorrido num laboratório da Universidade da Califórnia, polo de Los Angeles 3. O e-mural inclui mortes em laboratórios de todos os tipos e ramos, não apenas laboratórios químicos, registrando mortes decorrentes de acidentes no laboratório ou de doenças profissionais contraídas no laboratório (p. ex., Madame Curie, em 1934, com leucemia contraída por exposição a radiação nuclear), desde os princípios do século XX. Embora a qualidade dos dados não seja homogénea, o e-mural pode servir como base de atividades com alunos para mostrar de forma incisiva a importância da segurança no laboratório (embora se tenha de ter cuidado para não afastar os alunos do laboratório na aprendizagem da Química!). 4. Note-se que o e-mural está já desatualizado, havendo notícia de outros acidentes mortais ocorridos recentemente. Em 18 de dezembro de 2015 ocorreu uma explosão na Universidade de Tsinghua, Beijing, China, que provocou a morte de um investigador pós-doutorado (Cyranoski, 2015). Um comentário sobre este acidente (Jia, 2016) refere outro acidente mortal ocorrido em 5 de abril de 2015 noutra universidade chinesa. Estas e outras notícias e comentários na literatura científica ocidental sobre o acidente de Beijing (Kemsley, 2016; Benderly, 2016) são aqui referidas porque exemplificam a celeuma societal presentemente causada por acidentes nos laboratórios químicos (excluíram-se notícias publicadas na imprensa não científica).

94

Sheharbano (“Sheri”) Sangji, que faleceu em consequência de queimaduras graves resultantes de um derrame de um composto pirofórico que lhe incendiou as roupas (Kemsley, 2009a, 2009b). Este acidente, já conhecido pelo nome “Sangji/ UCLA”, tem vindo a tornar-se icónico, no sentido em que grandes acidentes industriais o foram, p. ex., os de Flixborough (Mannan, 2014b) e de Bophal (Mannan, 2014c; Machado, 2010), porque foi muito divulgado na comunicação social, em consequência de quer a universidade, quer o professor responsável pelo trabalho da investigadora, terem sido objeto de processos judiciais (um cínico diria que a morte da investigadora parece ter sido um aspeto secundário!). Tal como os referidos acidentes industriais despoletaram enormes avanços no campo da segurança da Indústria Química, este acidente tem vindo a pressionar o desenvolvimento de uma nova atitude perante a SL. Por exemplo, vários relatórios recentes publicados nos EUA têm chamado a atenção para a necessidade de a segurança nos laboratórios académicos de química merecer muito mais atenção por parte dos docentes e investigadores: um relatório da Sociedade Americana de Química (ACS) sobre o futuro do ensino da Química (ACS, 2012), que prescreve mudanças compreensivas e sistémicas para o melhorar, dá grande atenção ao ensino da SL numa secção intitulada “Segurança como uma Cultura” (“Safety as a Culture”, p. 36-39); relatórios de dois workshops sobre o ensino universitário da Química organizados pela Academia Nacional de Ciências dos EUA (NRC, 2012, 2014) prescrevem uma inclusão mais eficaz da aprendizagem da

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

SL nas licenciaturas em Química; a Comissão de

que lhes seja útil ao longo da vida profissional,

Segurança da ACS publicou dois relatórios sobre

o que requer uma mudança de postura no ensino

SL, um sobre o estabelecimento de “Culturas de

que vem sendo defendida por vários autores desde

Segurança” nas instituições académicas (ACS

o princípio do século XXI (Fivizzani, 2000; Hill,

CCS, 2012), outro sobre a identificação dos peri-

2004; Alaimo, 2005; Fivizzani, 2015; Fivizzani,

gos nos laboratórios de investigação (ACS CCS,

2016), sem conseguimento eficaz; a necessidade

2014), ambos de leitura proveitosa para os inte-

de um aumento de nível do estatuto do campo de

ressados em SL. Também na Europa o problema

investigação da SL (Gibson; Wayne, 2013; Gibson

da SL tem despertado interesse acrescido, embora

et al., 2014).

menos incisivamente que nos EUA (Evans, 2014;

O objetivo fundamental deste artigo é alertar

Wrightson, 2014; Fishwick, 2014).

os docentes químicos de língua portuguesa para

Este contexto impõe que se passe a dar mais

a importância crescente da SL e a necessidade

atenção ao ensino da segurança nos laboratórios

do incremento do seu ensino como componente

académicos, quer de ensino quer de investiga-

básica das atividades nos laboratórios académi-

ção. O ensino desenvolvido ao longo do século

cos, incluindo os de investigação, mediante uma

XX, realizado vulgarmente nos laboratórios de

análise de barreiras que dificultam a adoção da

ensino da Química Geral e de Síntese Orgânica ou

desejada nova postura. Mais precisamente, serão

Inorgânica, proporciona treino direto sobre como

tratados dois temas de índole geral, relevantes para

lidar com os perigos potenciais das técnicas ensi-

mostrar que as dificuldades do ensino da SL resul-

nadas e trabalhos realizados; quanto aos laborató-

tam da sua extrema complexidade, o que dificulta

rios de investigação, os supervisores e colegas já

que as pressões presentemente vigentes produzam

com experiência transmitem informalmente a sua

uma evolução eficaz do respetivo ensino nos cur-

experiência aos recém-chegados. Assim, o ensino

sos de Química, continuando a acontecer acidentes

praticado é redutor, de alcance restrito, o que cons-

graves (ver a nota 4). Assim, na seção 2, discute-se

titui uma severa limitação, embora a abordagem

o enquadramento da SL nos campos mais vastos

seja útil para conseguir efeitos imediatos: obter

da Segurança Química (SQ) e da segurança ocupa-

segurança nas tarefas a realizar. Este tipo de ensino

cional (melhor, Saúde e Segurança Ocupacional,

tem de evoluir para uma modalidade com base

SeSO) e na seção 3 analisa-se a natureza complexa

teórica mais fundamentada, que proporcione aos

dos perigos químicos. Finalmente, nas conclusões

alunos de Química uma educação formal e mais

(seção 4), referem-se brevemente as implicações

estruturada no campo, permitindo-lhes lidar com

da complexidade quanto às desejáveis alterações

os variados problemas de segurança que encon-

na incorporação do ensino da SL no cursos de

trarão no seu futuro profissional; este objetivo

Química.

implica um ensino de alcance mais amplo e que permita uma visão sistémica sobre as novas situações encontradas. A mudança requerida envolve variados aspetos, p. ex., o modo como o ensino

2

Segurança Química, segurança ocupacional e segurança laboratorial

é implementado, não só nas licenciaturas com

Nesta secção apresenta-se uma visão do modo

também nas atividades de pesquisa académica no

como a SL da Química se insere na SQ global e

domínio da Química; a importância da aquisição

na SeSO, em ambos os casos campos muito mais

pelos licenciandos de uma cultura de segurança

amplos e diversificados (ver Figura 1). Uma breve

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

95


A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

história da emersão destas ‘três seguranças’ e a aná-

(Geiser, 2001). Por outro lado, quando se consi-

lise do seu inter-relacionamento faz sentir a comple-

dera em globo o respetivo ciclo de vida (produção,

xidade deste campo da Química, em particular da

manuseamento, transporte e utilização), muitos

área em foco neste artigo, a SL, apesar do alcance

dos produtos químicos envolvem perigos poten-

desta ser mais restrito que os das outras duas.

ciais variados para a saúde humana e o ambiente (em sentido lato, incluindo a biosfera e todas as outras esferas que constituem a Terra). Tais perigos implicam inúmeras possibilidades de ocorrên-

Segurança Química SQ

cia de impactos nocivos sobre a saúde humana e os

Segurança Ocupacional SeSO

ecossistemas (deterioração dos balanços inerentes

Segurança Laboratorial SL

ao seu funcionamento, perda da capacidade para cumprirem funções etc., até disrupção profunda), resultantes das variadas utilizações dos nume-

Figura 1.  Diferentes ‘seguranças’ em jogo na Química.

rosos produtos químicos presentemente em uso. Com a emersão do moderno ambientalismo, nos anos 1960, a sociedade tomou progressivamente

2.1

consciência do amplo leque de danos ambientais

Segurança química

com origem na Química, o que obrigou a uma

Os produtos químicos são omnipresentes na

mudança de postura da Indústria Química (Spitz,

vida diária dos cidadãos dos países desenvolvi-

2003; Esteghamat, 1998): esta passou a dar aten-

dos e essenciais para suportar a sua qualidade,

ção, crescentemente mais alargada e profunda, aos

prevendo-se que o Desenvolvimento Sustentável

perigos potenciais das substâncias químicas, com

implique um aumento acentuado da sua produção

o objetivo último de obter segurança – impedir que

para satisfazer as necessidades das populações

se manifestem como perigos reais em desastres

dos países em desenvolvimento (Machado, 2009).

com impactos imediatos, ou provoquem impactos

Presentemente, a produção mundial de produtos

diferidos na saúde humana e da biosfera, e outros

químicos está a crescer a taxa de ca. 3% ao ano,

danos ambientais.

muito superior à da população (0,8 % ao ano), o

Este esforço começou por envolver varia-

que corresponde a duplicar a produção num quarto

das linhas de acção para impedir ou controlar as

de século (Wilson; Schwarzman, 2009). A proe-

emissões de substâncias químicas perigosas para a

minência societal da Química Industrial resulta

atmosfera, o seu lançamento para as águas super-

de a produção de uma vasta gama de produtos e

ficiais em efluentes, a exposição a substâncias

serviços fulcrais para a economia envolver uma

nocivas para a saúde humana de trabalhadores e da

grande variedade de produtos químicos, usados

população em geral etc., p. ex.: legislação e regu-

em praticamente todos os processos industriais

lamentação; construção de barreiras de retenção e

e produtos comerciais e que constituem presen-

outras proteções físicas; tratamentos de resíduos

temente a principal base material da sociedade

tóxicos antes de deposição final no ambiente etc.

5

Esta estratégia reativa minorou alguns dos efeitos 5. Embora em muitos dos produtos comerciais a ‘presença’ seja apenas virtual: parte dos produtos químicos foram usados no fabrico, mas não foram integrados fisicamente no produto.

96

ambientais da Indústria Química, mas mostrou-se ineficaz em muitos casos, embora fosse quase sempre dispendiosa, porque no ciclo de vida de mui-

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

tas das substâncias artificiais há frequentemente

globais, porém, esta postura precaucionária implí-

vários pontos de fuga para os compartimentos

cita na segurança inerente e na QV, não foi ainda

ambientais, onde elas persistem e se acumulam,

incorporada na legislação em nível global, p. ex.,

ou se transformam e produzem efeitos em cascata.

o Quadro 1, respigado de (Schwarzman; Wilson,

Em face do êxito apenas relativo destas medi-

2009), mostra o contraste entre a postura reativa

das a posteriori, isto é, aplicadas após o fabrico

tradicional ainda vigente nos EUA (usada na lei

de substâncias perigosas, a procura da segurança

US Toxic Substances Control Act, TSCA, pro-

evoluiu posteriormente para a introdução de postu-

mulgada em 1976) e a postura proativa da legis-

ras proativas de eliminação dos perigos realizada

lação da UE (adotada na legislação “Registration,

a priori, p. ex., o desenvolvimento de processo

Evaluation and Authorization of Chemicals”,

inerentemente seguro pela Engenharia Química

REACH, promulgada em 2006, cuja aplicação está

(Kletz, 1996) com vista a reduzir os acidentes

presentemente em desenvolvimento). A manuten-

industriais e, posteriormente, a Química Verde

ção da postura reativa implica um mercado de pro-

(QV), um esforço sistémico de reformatação

dutos químicos em que a segurança para a saúde

intencional da Química com o objetivo de eliminar

humana é subvalorizada com respeito à função,

ou atenuar a sua perigosidade, num quadro mais

performance e preço dos produtos, o que suporta

amplo de obter benignidade ambiental em sentido

a competitividade económica e sustentação no

lato (Anastas; Warner, 1998). O relacionamento

mercado de produtos químicos perigosos e des-

entre a segurança inerente e a QV ao longo desta

motiva investimentos e investigação nos campos

evolução foi discutido num artigo em que se abor-

da QV e das tecnologias mais limpas (Wilson;

dou a génese da QV (Machado, 2011). Em termos

Schwarzman, 2009). No entanto, é ainda cedo

Quadro 1.  Pontos de contraste entre as legislações sobre produtos químicos dos EUA e UE.* UEEUA REACHTSCA

EUA TSCA

Ónus da prova

Fabricantes – devem: • Não são exigidos dados sobre perigos aos fabri• Fornecer dados sobre os perigos cantes • Demonstrar a segurança ou controlo ade- • Compete ao estado a obtenção de dados que quado no uso de produtos problemáticos provem os perigos

Produtos novos

Produtos introduzidos após 1981: dados requeridos que variam com o volume de produção anual

Requerida notificação antes do fabrico mas não qualquer conjunto mínimo de dados sobre perigos

Produtos já no mercado

Produtos introduzidos antes de 1981: sujeitos aos mesmos requisitos de dados sobre perigos que os anteriores

Produtos em uso antes de 1976 considerados seguros: não são sujeitos a regulação

Ordenação dos produtos para ação legislativa

Produtos ordenados por perigos e potencial de exposição: os produtos problemáticos são autorizados uso a uso

Como não há requisitos de dados, a sua falta impede a ordenação eficaz

Transparência da cadeia de fornecimento

Requerida transferência bidirecional de dados sobre perigos e potencial de exposição entre fabricantes e utilizadores comerciais

Sem requisitos

Acesso à informação pelo Acesso público a uma base de dados de público produtos registrados e informação, embora limitada por reclamações de secretismo comercial (condecido seguindo critérios claros)

Permitidas reclamações extensas de secretismo comercial, incluindo nomes e usos dos produtos

* REACH, Registration, Evaluation and Authorization of Chemicals; TSCA, US Toxic Substances Control Act.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

97


A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

para se avaliar até que ponto a adoção do REACH

tamente conhecidos (p. ex., quanto à toxicidade

suportará a evolução para um mercado de produtos

e ecotoxicidade); as exposições às substâncias

mais seguros sem pôr em causa a viabilidade eco-

podem ser muito variáveis, porque estas são utili-

nómica da Indústria Química europeia no contexto

zadas em condições diversificadas, atingindo alvos

atual da economia globalizada.

diversos, sendo por isso (e não só) muito difíceis

A lentidão dos progressos na resolução do

de avaliar etc. Por outro lado, encontrar substitu-

problema da eliminação dos perigos dos produ-

tos benignos, eficazes e a custos razoáveis para as

tos químicos para obter segurança resulta da sua

substâncias mais problemáticas em uso é também

complexidade, que se manifesta em vários aspe-

uma tarefa ciclópica que exigirá tempo (à escala de

tos, conforme sugerido na Figura 2 (construída a

décadas). Assim, o problema de obter produtos quí-

partir de Machado, 2015). Por um lado, a Química

micos seguros (melhor, mais seguros) envolve uma

Industrial, o sistema de fabrico de produtos quími-

miríade de problemas de diversos tipos: químico,

cos e seu mercado, envolvendo números muito ele-

tecnológico e industrial; social e político; ambien-

vados de produtos, de processos de fabrico etc., é

tal e de saúde humana etc. Por isso, a substituição

muito complexa. Por outro, os impactos negativos

dos produtos químicos perigosos por outros mais

da Química Industrial podem ter origem em varia-

benignos implica uma mudança global da eco-

dos perigos quer dos produtos, quer do fabrico,

nomia vigente para uma outra mais segura e sus-

quer da utilização etc., cujos efeitos dependem das

tentável, requerendo um enorme esforço societal

exposições a eles, também muito variadas; assim,

(Geiser, 2015). Em consequência, a segurança dos

quer o campo dos perigos quer o campo das expo-

produtos químicos continuará a ser um assunto que

sições são também muito complexos. As comple-

manterá atualidade durante muito tempo – e, previ-

xidades destes três aspetos compõem-se sinergica-

sivelmente, com complexidade crescente.

mente quando eles são considerados em conjunto.

Em suma, a SQ é um campo de atividade inter-

Em consequência desta tremenda complexidade,

disciplinar muito vasto, conforme se pode sentir

o conhecimento sobre os impactos negativos do

facilmente se se consultar os índices de livros e

enorme conjunto de produtos químicos existentes

tratados que têm sido dedicados aos seus aspetos

no mercado envolve variadas lacunas ao longo de

técnicos, quer a nível industrial (p. ex., Mannan,

numerosas dimensões de vários tipos: os perigos

2012, 2014a), quer mesmo a nível laboratorial (p.

potenciais para muitas substâncias são incomple-

ex., Hill; Finster, 2010; NRC, 2011).

98

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

1. QUÍMICA INDUSTRIAL

2. ORIGEM DOS PERIGOS

1. Produtos fabricados/em uso 70.000-100.000 compostos 2.000.000-6.000.000 misturas (produtos formulados)

1. Produtos químicos Grande número e variedade Propriedades variadas Incompletude de conhecimento

2. Utilizadores Indústria Agricultura Serviços Público em geral (vida diária)

2. Reações/Processos Grande número e variedade Realização em condições variadas: Temperatura Pressão Requisitos de energia elevados Matérias primas variadas Grandes quantidades de resíduos Resíduos perigosos

3. Indústria química 2.000-3.000 processos industriais Escalas de produção variadas Instalações complexas Equipamentos diversificados Variedade de matérias primas

Fatores de complexidade da segurança química

3. Tecnologia química Instalações complexas e variadas Equipamento diversificado: Reatores Equipamento auxiliar (operações unitarias)

4. Cadeia de fornecimentos Energia Matérias primas variadas Recuros naturais: Ar/água/subsolo

4. Uso Grande número de modos Finalidade/Funções diversas Quantidades diversas (gama ampla)

5. ...

5. ... 3. EXPOSIÇÃO 1. Vias diversas Oral (ingestão) Pulmonar Cutânea 2. Regime de exposição Única/repetitiva/contínua Tempo Nível de concentração 3. ...

Figura 2.  A complexidade da segurança na Química.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

99


A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

2.2

crescimento e diversificação de atividades indus-

Saúde e segurança ocupacional

triais e de serviços impulsionaram um enorme e Na sociedade atual dos países desenvolvidos,

mais especializado esforço de desenvolvimento da

muito industrializada, a prevenção de acidentes e

cada vez mais complexa área da SeSO, suportando

a proteção da saúde dos trabalhadores são assun-

o estabelecimento de uma cultura de segurança

tos de elevada prioridade, sob os pontos de vista

ocupacional nos países desenvolvidos. Por efeito

ético e socioeconómico. No entanto, a SeSO

do ambientalismo, essa cultura passou posterior-

emergiu incipientemente logo nos primórdios da

mente a visar a integração do controlo do ambiente

civilização: os efeitos dos metais manejados no

e da saúde, para obter proteção amplificada não só

bem-estar de mineiros e operários que os manipu-

da saúde laboral e da população em geral, como

lavam são conhecidos desde a antiguidade (p. ex.,

de outros componentes da ecosfera e da tecnosfera

Hipócrates, na Grécia, ca. 400 a.C., registou o caso

de diversa natureza (propriedade, tecnologia etc.).

de mineiros envenenados por chumbo) e o uso de

Neste contexto, foi ocorrendo uma melhoria pro-

equipamento de proteção também (p. ex., Plínio, o

gressiva das condições dos ambientes de trabalho,

Velho, em Roma, século I, referiu o uso de bexi-

refletida na diminuição dos incidentes e doenças

gas de animais como máscaras pelos refinadores de

profissionais, embora subsistam problemas (e sur-

metais, para evitar a inalação de poeiras perigosas).

jam outros novos).

Posteriormente, foram surgindo outras abordagens

Ao longo do século XX a complexidade do

ao tema, até que em 1713 foi publicado o primeiro

campo implicou um grau crescente de especiali-

livro sobre doenças dos trabalhadores (De Morbis

zação de tarefas e, além de médicos, outros pro-

Artificiumm Diatriba), por Ramazzini, considerado

fissionais surgiram, p. ex.: técnicos de segurança,

o pai da Medicina Ocupacional (Walters, 2003).

que asseguram os aspetos tecnológicos de provi-

Com a emersão da Revolução Industrial, a

são e controlo de segurança (condições de traba-

manufatura industrial concentrada em fábricas

lho, maquinaria etc.) e da prevenção de aciden-

trouxe consigo uma maior variedade de activida-

tes; higienistas industriais, que supervisionam as

des danosas e um maior número de acidentes. A

condições higiénicas dos postos de trabalho para

saúde dos trabalhadores das empresas industriais,

identificar os perigos que envolvem e minorar as

mineiras etc., começou a ser seguida mais aten-

exposições a eles etc. Com o desenvolvimento da

tamente por médicos nos inícios do século XIX

Indústria Química quanto ao número e variedade

e, a partir de meados deste, foram surgindo leis

de compostos fabricados e aumento da escala de

impondo medidas de proteção dos trabalhadores

produção, este ramo industrial acabou por ter de

e seguros para compensações de acidentes, quer

lidar com um número crescente de problemas no

em países europeus quer nos EUA; mas só no

campo da SeSO, pelo que contribui muito para o

século XX começaram a ser estabelecidos orga-

seu progresso. Este acabou por se focar cada vez

nismos estatais para regulamentar e supervisionar

mais nos efeitos tóxicos das substâncias quími-

o campo da SeSO e associações de profissionais

cas – decorrentes não só da toxicidade aguda de

interessados nele. Estes esforços tiverem efeitos

muitas destas, mas também de outras toxicidades

limitados, já que as estatísticas de incidência de

específicas com efeitos mais subtis, p. ex., carcino-

desastres e doenças no trabalho se mantiveram

génicos, mutagénicos, teratogénicos etc.

elevadas até meados daquele século (Miksche et

Em suma, a Química sempre teve e continua

al., 2012). Desde então, o progresso técnico e o

a ter um papel muito importante na SeSO. Com o

100

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

impulso proporcionado pelo ambientalismo, está-

equipamento de proteção usado (Hill, 2007). Em

-se progressivamente a evoluir para uma maior

consequência da elevada frequência daqueles

integração da SeSO e da saúde ambiental (Sellers,

tipos de desastres, o equipamento de proteção

1997), um campo mais amplo em que são estu-

ocular e as hotes foram os primeiros dispositivos

dados os efeitos nocivos das substâncias quími-

de segurança introduzidos no laboratório químico,

cas dispersas no ambiente sobre a saúde humana

p. ex., as primeiras hotes foram construídas nos

(Sterner, 2010). Na Figura 1, seguindo esta visão,

laboratórios universitários nos anos 1920 (exem-

a SeSO, que inclui componentes não químicas,

plo datado: Universidade de Leeds, 1923) e come-

interpenetra o campo da SQ apenas parcialmente,

çaram a ser comercializadas na década seguinte,

não se representando as fronteiras com nitidez por-

embora só durante a Segunda Grande Guerra

que estas são difusas.

(1939-45) se registrasse um progresso acentuado

2.3

Segurança laboratorial

Em contraste com a SeSO, a SL só emergiu

no seu design, ventilação, etc., pressionado pela exposição a cada vez mais substâncias tóxicas e a materiais radioativos (Buie, 2011).

recentemente, já no século XX. No século XIX,

Uma análise da literatura química (Hill, 2007;

quando surgiu a Química moderna, os desastres

Nelson, 1999) confirmou que a SL emergiu nos

eram considerados uma componente inevitável e

princípios do século XX: a partir da segunda

aceitável da respetiva prática académica no labo-

década começaram a surgir em revistas de Química

ratório, p. ex. Kekulé, numa aula em 1890, afir-

e Engenharia Química artigos sobre temas daquele

mou que, quando tinha estudado no laboratório de

campo (necessidade de ventilação, importância da

Liebig (ca. 1850), este lhe tinha dito que se ele

disponibilidade de antídotos em caso de acidentes

queria ser um químico, tinha de estar preparado para

com substâncias tóxicas usadas nos laboratórios,

arruinar a sua saúde – caso contrário, nunca consegui-

precauções na armazenagem de substâncias etc.),

ria atingir um bom nível profissional (NCR, 2011, p. 2,

escritos predominantemente por autores que exer-

tradução livre). Esta atitude académica de privile-

ciam a sua atividade em laboratórios industriais.

giar a obtenção de resultados de pesquisa, igno-

Esta origem dos artigos resultava da maior expe-

rando a existência de perigos, contrastava com a

riência sobre SQ adquirida nos laboratórios das

preocupação com a segurança dos trabalhadores

fábricas da Indústria Química, já que nestas a pres-

que já então tinha emergido na atividade indus-

são legislativa sobre a segurança e saúde profis-

trial. Na realidade, há registros históricos de ocor-

sional se fazia sentir mais do que nos laboratórios

rência de desastres em laboratórios desde o iní-

escolares; além disto, na indústria, o conhecimento

cio do século XIX, nomeadamente a ocorrência

sobre os custos elevados dos acidentes, p. ex. de

de explosões e de intoxicações por substâncias

incêndios provocados por explosões, evidenciava

gasosas, p. ex. Gay-Lussac sofreu de cegueira

o valor económico da segurança. A experiência

temporária, de que só parcialmente se recuperou,

industrial no campo já era variada, indo desde o

em resultado de uma explosão na manipulação de

design e construção dos laboratórios, ao modo de

potássio, ocorrida em 1808 (Michalovic, 2008).

minorar os tipos de acidentes mais frequentes, aos

Em fotografias de aulas laboratoriais num insti-

efeitos da exposição dos trabalhadores a agentes

tuto universitário dos EUA, tiradas em 1899, os

tóxicos etc. Assim, nos inícios do século XX, a

alunos apresentam-se com batas mas sem óculos

importância dada à SL pela Indústria Química era

de segurança – até então as batas eram o único

maior que na Academia.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

101


A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

Em suma, a SL teve uma génese mais ligada

ses de cada tipo (UNECE, 2015). Os três tipos são:

à segurança ocupacional praticada na Indústria

perigos físicos (ou de segurança física, Safety),

Química, o que se procura traduzir na Figura 1 pelo

para a saúde humana (Health) e para o ambiente

deslocamento do seu campo para o desta última.

(Environment). Presentemente os perigos químicos são vulgarmente designados por perigos SHE,

3

sendo este acrónimo formado pelas iniciais das

A complexidade dos perigos químicos

palavras inglesas indicadas. A figura mostra que as

Um determinado perigo de uma substância quí-

classes de cada tipo são em diferente número: S,

mica resulta de uma ou de um conjunto de várias

15 classes > H, 12 >> E, 3. Estas diferenças, em

propriedades intrínsecas da substância embutidas

particular o número muito menor para os ambien-

na respetiva molécula, ou de uma situação (p. ex.

tais, não têm significado fundamental, sendo uma

uma reação) envolvendo a substância, e eventual-

mera consequência da diferença de profundidade

mente outras, em circunstâncias tais que possam

de conhecimento que se tem para os três tipos: os

causar danos a bens, à saúde de seres humanos e/

perigos ambientais só foram reconhecidos a partir

ou ao ambiente. Geralmente, cada substância quí-

de meados do século XX no quadro do ambienta-

mica apresenta um leque variado de perigos. A

lismo, sendo ainda imperfeitamente caraterizados.

definição anterior, sendo muito geral, implica que

No entanto, basta observar globalmente a figura

os perigos potenciais da Química sejam numero-

para sentir a complexidade dos perigos químicos

sos e variados, como se mostra na Figura 3, onde

e, consequentemente, a dificuldade da tarefa de

se apresentam os três tipos em que eles são classi-

eliminá-los ou, pelo menos, minimizar, para obter

ficados, conforme a natureza dos danos, e as clas-

segurança química.

S Físicos

H Saúde Humana CLASSES Toxicidade aguda Corrosão/irritação cutânea Corrosão/irritação cutânea Lesões oculares graves/irritação ocular Sensibilização respiratória Sensibilização cutânea Mutagenicidade em células germinais Carcinogenidade Toxicidade reprodutiva Toxicidade para órgãos-alvo específicos por exposição única Toxicidade para órgãos-alvo específicos por exposição repetida Perigo de aspiração

Perigos SHE

E Ambiente

CLASSES Explosivos Gases inflamáveis Aerossóis Gases comburentes Gases sob pressão Líquidos inflamáveis Sólidos inflamáveis Substâncias e misturas auto-reativas Líquidos pirofóricos Sólidos pirofóricos Substâncias e misturas suscetíveis de auto-aquecimento Substâncias e misturas que libertam gases inflamáveis em contacto com água Líquidos comburentes Sólidos comburentes Peróxidos orgânicos Substâncias e misturas corrosivas para os metais

CLASSES Perigo agudo para o ambiente aquático Perigo crónico para o ambiente aquático Perigo para a camada de ozono

Figura 3.  Tipos e classes dos perigos da Química (“perigos SHE”).

102

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

Para além da variedade, a caraterização dos

caso, a diferença da natureza dos perigos impede

perigos químicos envolve ambiguidades, sendo

qualquer comparação direta – pode-se tentar fazer

algumas exemplificadas na Figura 4. Em primeiro

uma comparação de presumíveis impactos, mas

lugar, há perigos cuja caraterização é equívoca,

é uma tarefa extremamente difusa, também por-

pois podem ser descritos corretamente de formas

que envolve uma outra grandeza, a exposição

diversas, dependendo do contexto. Por exemplo,

(ver adiante). Outro fator de ambiguidade resulta

a água é vulgarmente considerada uma substância

das diferentes quantidades em que a substância é

inócua quanto a toxicidade, mas até meados do

manipulada: segundo experiência do autor, quando

século XX ocorreram vários casos de militares em

se tritura num almofariz alguns miligramas de um

treino porque morreram porque beberam água:

complexo metálico contendo um ligando orgânico

quando, depois de sujeitos a exercícios violen-

e anião perclorato com as precauções triviais (ócu-

tos, nomeadamente marchas prolongadas sob sol

los etc.), por vezes ocorre uma explosão, possível

forte, se dessedentaram com um grande volume do

por se ter o oxidante perclorato em presença de

líquido, este extraiu através da parede do intestino

matéria orgânica, mas os danos são geralmente

delgado uma grande quantidade de catião sódio do

praticamente nulos (além da perda do composto!);

organismo, o que desequilibrou o equilíbrio elec-

mas quando se armazena num armazém toneladas

trolítico deste com consequências fatais – a água

de uma substância reconhecidamente explosiva, p.

provocou toxicidade sistémica. Por outro lado, o

ex. nitrato de amónio, tem de se tomar precauções

acidente de Bhopal foi causado por água, quando

de segurança adequadas de diversos tipos, porque

numa lavagem de equipamento o líquido foi intro-

se ocorre uma explosão, pode ter impactos brutais

duzido por engano num depósito que continha iso-

– neste caso o perigo é maior. Este exemplo mostra

cianato de metilo, muito reativo, despoletando um

como a escala pode influenciar o perigo.

6

conjunto de reacções exotérmicas; o aquecimento do conteúdo do depósito provocou sobrepressão e libertação de uma núvem tóxica de gás que, sendo mais densa que o ar, se abateu sobre os bairros

Podem ser descritos corretamente de diferentes modos

Não podem ser definidos em termos absolutos

populacionais dos arredores da fábrica (Machado, Ambiguidades dos perigos SHE

2010). Estes casos mostram que, afinal, há contextos em que a água não é benigna, exemplificando como pode ocorrer ambiguidade de descrição e evidenciando que os perigos químicos de uma substância não podem ser cacterizados em termos

Dependem da escala

absolutos. Um outro exemplo mostrará como pode

Não se podem comparar perigos diferentes

ser impossível a comparação de perigos diferentes: na produção de eletricidade pode-se usar a energia nuclear (perigo: radioatividade do combustível e

Figura 4.  Ambiguidades dos perigos SHE.

dos produtos de desintegração) ou os combustíEstas e outras caraterísticas introduzem incer-

veis fósseis (perigo: aquecimento global). Neste

tezas que contribuem para que a avaliação de 6. O problema afetou também atletas, mais precisamente corredores de longa distância (maratonistas etc.).

perigos potenciais das substâncias químicas possa ser algo subjetiva, quer a nível individual (por

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

exemplo, os fumadores subavaliam os perigos do

a exposição ou a perigosidade, ou, mais eficaz-

tabaco) quer a nível institucional (por exemplo, as

mente, ambas.

agências governamentais que regulam as substâncias químicas consideram fatores como o uso das substâncias ou os impostos que rendem, ou seja, em certos casos anuem a incluir pressões económicas e/ou políticas na avaliação). Assim, na prática, uma substância tóxica pode ser considerada menos

Risco = F (perigosidade, exposição) F muito complexa, variável de caso para caso

Risco

=

Perigosidade

perigosa do que outra menos tóxica, dependendo Para tentar eliminar ou reduzir estas ambiguieventuais efeitos danosos dos perigos potenciais quando estes se manifestem como perigos reais, provocando incidentes danosos, mediante o con-

Reconhecimento e caraterização dos perigos

ocorrência eventual de acontecimentos nefastos que resultem de um perigo potencial quando este

Ex. toxicidade

se concretiza: é uma grandeza que pretende quantificar a probabilidade de ocorrência (frequência) de um acontecimento nocivo que pode resultar da

Avaliação da exposição

Informação requerida sobre: Propriedades intrínsecas responsáveis pelos perigos

ceito de risco. O risco refere-se à probabilidade de

Exposição

Efeitos cruzados

das diferentes condições em que são usadas. dades (e outras), procura-se avaliar a priori os

x

Substâncias químicas: produção uso libertação dispersão Indivíduos: estilo de vida

Figura 5.  Risco, perigosidade e exposição.

existência de um perigo potencial, bem como a respetiva severidade (grandeza provável dos danos

Os riscos globais das substâncias químicas são

resultantes). Em Química, quando se considera, p.

geralmente de quantificação problemática porque

ex., o risco de uma substância, deve ter-se em aten-

esta requer uma enorme quantidade de informação

ção os dois fatores que determinam o risco: (i) a

de vários tipos, indisponível ou incompleta em

perigosidade ou intensidade do perigo (neste caso,

muitos casos (Figura 5). Quanto à perigosidade,

um ou vários dos perigos intrínsecos da substân-

acresce que não se tem informação completa sobre

cia); e (ii) a exposição à substância (Domènech,

os perigos para muitas das substâncias fabricadas

2005). A relação do risco com os dois fatores é

pela indústria química (nomeadamente quanto às

traduzida por uma função muito complexa e variá-

caraterísticas de toxicidade e propriedades mole-

vel de caso para caso, que é vulgarmente simpli-

culares que as determinam). Quanto à exposição,

ficada para Risco = Perigosidade X Exposição

as lacunas de dados são ainda maiores, porque

(ver Figura 5), sendo importante não esquecer que

estes requerem outros tipos de informação, muita

esta expressão omite interações de segunda ordem

dela difusa, porque envolve componentes não físi-

entre a perigosidade e a exposição. Na figura,

cas, nomeadamente económicas (Geiser, 2015).

ilustra-se este facto sobrepondo parcialmente as

Por exemplo, para se saber como e onde uma

elipses que representam estas variáveis – a área de

substância química ocorre no ambiente é necessá-

sobreposição representa estes ‘efeitos cruzados’. A

ria informação sobre o fabrico, importação, distri-

expressão mostra que, para se diminuir o risco, isto

buição, uso e eventual deposição no ambiente ao

é, para se aumentar a segurança, se deve diminuir

longo do ciclo de vida; também, para identificar

104

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016


A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

eventuais ameaças de impactos nocivos da subs-

Este objetivo é muito ambicioso e, na maioria das

tância, informação sobre a sua libertação para o

situações práticas, consegue-se apenas uma maior

ambiente como poluente ou em resíduos, e seu

ou menor redução dos riscos, não a sua elimina-

destino e dispersão neste. Por outro lado, a expo-

ção total. Esta limitação decorre outra vez da com-

sição propriamente dita envolve inevitavelmente

plexidade dos perigos químicos, que se manifesta

o comportamento dos organismos biológicos no

a par das complexidades intrínsecas da própria

ambiente, que pode ser muito variável. Por exem-

Química (Figura 2).

plo, os humanos, nomeadamente muitos dos cita-

Em conclusão, esta discussão evidencia as

dinos, mudam de invólucro ambiental várias vezes

variadas dificuldades que existem quando se visa

num mesmo dia, entre ambientes de vários tipos,

aumentar a segurança química, que decorrem da

fechados (casa, trabalho, carro ou outro meio de

enorme complexidade da maioria das situações

transporte, cinema, centro comercial etc.) ou aber-

encontradas, envolvendo numerosas interações

tos (ao passear numa rua da baixa com tráfico

entre diversos componentes de conhecimento

intenso, avenida de zona residencial quase sem

químico (e não só), eles próprios complexos.

tráfico, parque arborizado etc.). Além disso, com a

Como se ilustra na Figura 6, a complexidade da

precarização do trabalho, os trabalhadores mudam

segurança química é uma cumulação sinérgica

frequentemente de emprego ao longo da vida, o

de complexidades, que gera ela própria comple-

que dificulta a avaliação da exposição cumulativa.

xidade sistémica adicional. Por isso, o estudo e a

Em suma, a avaliação de riscos procura resolver o

gestão dos perigos das substâncias e a segurança

problema das ambiguidades da caraterização dos

química requerem abordagens sistémicas, já que

perigos, mas introduz frequentemente fatores de

estão em jogo sistemas complexos, que em certos

incerteza, pelo que riscos calculados podem envol-

casos envolvem mesmo processos caóticos (p. ex.,

ver erros elevados e difíceis de quantificar.

incêndios e explosões). A sua compreensão não

A QV procura lidar com os riscos de forma

pode usar exclusivamente a postura reducionista

inovadora, mais drástica, já que tem como obje-

do racionalismo cartesiano que tem dominado a

tivo intencional reduzi-los a zero por meio da eli-

ciência Química, como sucede aliás com outros

minação dos perigos potenciais das substâncias.

aspetos desta (Machado, 2015).

Química: várias complexidades! Sistema industrial Sistemas de fabrico Sistema comercial Sistemas de utilização ...

Riscos Perigosidade: complexidade!

Exposição: complexidade!

Sinergia

Segurança química: complexidade aumentada!

Figura 6.  A complexidade sinérgica da segurança na Química.

Revista Brasileira de Ensino de Química | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016

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A Complexidade da Segurança no Laboratório Químico

4

bem como de outras áreas de saber (Simmons et

Conclusões

al., 2009); e também que, neste contexto, sejam

A presente discussão é útil para que os pro-

introduzidos nos cursos de Química disciplinas

fessores de Química tomem consciência das difi-

específicas sobre segurança, que permitam glo-

culdades que têm pela frente para fazerem evoluir

balizar o que os alunos vão aprendendo ao longo

o ensino da segurança química nos laboratórios

do curso para conseguirem a educação desejável

universitários do modelo atual, dirigido ao treino,

(Fivizzani, 2016) etc. Estas propostas, avançadas

para outro mais evoluído, que granjeie educa-

na tradicional postura reducionista dos químicos,

ção, que é muito mais do que treino (Hendershot,

merecem discussão, até porque a sua operacionali-

2007). O objetivo do treino é proporcionar o domí-

zação levanta problemas, pelo que o autor tenciona

nio de operações previamente bem caraterizadas,

abordar estes aspetos do ensino da SL num outro

com vista a obter um comportamento predizível,

artigo.

uniforme e seguro do operador, sem necessidade de este adquirir a compreensão das razões que exigem que se actue da maneira prescrita; o treino visa ensinar o aluno a responder de um modo específico a uma situação bem definida, sem dar importância ao entendimento dos motivos que levam à resposta e relação desta com eles. Em contraste, a educação tem por objetivo não apenas a aquisição de perícia prática de realizar operações, mas também a compreensão do que leva a estas serem realizadas de certa maneira, e não de outras, tendo em vista o desenvolvimento de capacidades de observação e análise das situações, de formulação e avaliação de alternativas de resposta etc., ou seja, a aquisição de conhecimento extrapolável para novas situações e que permita ao profissional orientar o seu comportamento quando se depara com elas. Em suma, quanto a executar operações no laboratório (e não só), treino é saber o ‘quê’, educação o ‘porquê’; e a evolução requerida no ensino da SL inclui o salto sobre as barreiras de passagem do ‘quê’ para o ‘porquê’, que são em grande parte uma consequência da complexidade. Para vencer estas barreiras têm sido propostas várias medidas, p. ex.: que a segurança química seja reconhecida como uma disciplina separada dentro da Química, embora requerendo conceitos diversificados das disciplinas mais tradicionais, só cobertos por estudo destas em nível avançado,

106

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História da Química 01 | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016 | p. 109-112

A Dualidade Onda-Partícula José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias

Nos primeiros vinte e cinco anos do Século 20, um dos problemas mais intrigantes da Física, era o caráter dual da luz, uma vez que em certos fenômenos ela se apresentava como onda, caráter esse observado nas experiências de difração e interferência, e em outros fenômenos se apresentava como corpúsculo, caráter esse observado no espalhamento da luz pela matéria, constatado pelo físico norte-americano Arthur Holly Compton (1892-1962; PNF, 1927), em 1923, o famoso espalhamento (efeito) Compton. Aliás, é oportuno notar que a primeira evidência sobre o momento linear (p) (característica corpuscular) da luz havia sido observada pelo físico russo Pyotr Nikolayevich Lebedev (1866-1912), em 1899,1 ao realizar experiências sobre a pressão exercida pela luz sobre os corpos, pressão essa prevista pela Teoria Eletromagnética Maxwelliana (1873). Por outro lado, uma primeira conjectura do caráter dual da luz foi apresentada, em 1909, em trabalhos independentes, dos físicos, o germano-norte-americano Albert Einstein (1879-1955; PNF, 1921), ao estudar o equilíbrio termodinâmico da radiação eletromagnética, e o alemão Johannes Stark (1874-1957; PNF, 1919), ao explicar o Bremsstrahlung (‘Radiação de frenagem’). Contudo, a primeira relação formal entre p e o comprimento de onda (λ) da luz, foi apresentada por Einstein, em 1916, em dois artigos nos quais estudou a radiação eletromagnética (luz) Planckiana do corpo negro. Com efeito, ele demonstrou que: h ν = hc/λ = mc2 = pc → p = h/λ. Aí está, portanto, o caráter dual da luz, já que as características ondulatória (λ) e corpuscular (p) não são independentes. Aliás, foi nesses artigos que Einstein apresentou 1. Archives des Sciences Physique et Naturelles, v. 8, p. 184.


A Dualidade Onda-Partícula

a ideia de emissão estimulada da luz, base para o desenvolvimento do MASER (Microwave Amplification by Stimulated Emission Radiation) e do LASER (Light Amplification by Stimulated Emission Radiation), na década de 1950. O problema do caráter dual da luz referido anteriormente fascinou o físico francês, o Príncipe Louis Victor Pierre Raymond de Broglie (1892-1987; PNF, 1929), que passou a estudá-lo com mais detalhes, conforme ele descreve em seu livro intitulado La Física Nueva y los Cuantos (Editorial Losada, 1952). Usando a Analogia Mecânico-Óptica, da qual falaremos mais adiante, ele estendeu o caráter dual da luz para o elétron e toda a matéria. Vejamos como. Ao observar as órbitas dos elétrons no átomo de Bohr, de Broglie verificou que a estabilidade das mesmas envolvia números inteiros, fato esse que é característico, apenas, de fenômenos de interferência e de modos normais de vibração de uma corda fixa. Portanto, considerando esse caráter dual da luz, de Broglie formulou a hipótese de que o movimento do elétron, de massa m e velocidade v, em uma órbita circular atômica é guiado por uma ‘onda-piloto’, cujo comprimento de onda λ se relaciona com o seu momento linear (p = mv) da mesma maneira como acontece com o quantum de luz, ou seja: p = mv = h/λ. Ao considerar que esta ‘onda-piloto’ é uma onda estacionária, ou seja, que cada órbita circular do elétron, de raio a e momento angular M, deve conter um número inteiro (n) de ‘ondas-piloto’, de Broglie demonstrou a misteriosa regra de quantização de Bohr, isto é: 2 π a = n λ = nh/p → pa = M = nh/2 π. Agora, vejamos a Analogia Mecânico-Óptica. Em agosto de 1657, o matemático francês Pierre Fermat (1601-1665) escreveu uma carta (Epistolae 42) a Monsieur Cureau de la Chambre, na qual enunciou o seu famoso Princípio do Tempo Mínimo: A Natureza sempre escolhe os menores caminhos. De acordo com esse princípio, observou Fermat, a luz sempre leva o menor tempo para seguir a sua trajetória. Na notação atual, esse Princípio significa dizer que a integral

# t1

t2

dt =

# ds/v , assume P2

P1

um valor mínimo quando a luz viaja com a velocidade v, entre os pontos P1 e P2. Embora tal princípio já fosse do conhecimento do filósofo grego Aristóteles de Estagira (384-322), de haver sido utilizado pelo matemático e inventor grego Heron de Alexandria e, mais tarde, pelo físico e matemático iraquiano Abu-’Ali Al-Hasan Ibn Al-Haytham (Al-Hazen) (c. 965-1038) na explicação da Lei da Reflexão da Luz, foi Fermat quem, em 1661, a utilizou para demonstrar a Lei da Refração da Luz.2 Por outro lado, em 1744,3 o matemático francês Pierre Louis Moureau de Maupertuis (1698-1759) formulou o Princípio da Mínima Ação: quando há 2. KLINE, M. Mathematical thought from ancient to modern times. Oxford University Press, 1972; WHITTAKER, S. E. A history of the theories of aether and electricity. Thomas Nelson and Sons, 1952. 3. Mémoires de l´Academie des Sciences de Paris, p. 417.

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qualquer mudança na Natureza, a quantidade de ação necessária para essa mudança, é a menor possível. Ele postulou que a ação dependia da massa (m), da velocidade (v) e da distância (s) percorrida por um corpo, ou seja: ação = m v s. Note-se que Maupertuis chegou a esse princípio, tentando encontrar uma base racional e metafísica entre a Óptica Geométrica e a Mecânica Newtoniana.4 Ainda em 1744, o matemático suíço Leonard Euler (1707-1783) publicou o livro intitulado Methodus inveniendi lineas curvas maximi minimae proprietate gaudentes sive solutio problematis isoperimetrici latissimo sensu accepti (‘Um método de descobrir linhas curvas que apresentam a propriedade de máximo ou mínimo ou a solução do problema isoperimétrico tomado em seu sentido mais amplo’), escreveu o Princípio de Maupertuis da seguinte forma (em notação

#

#

atual): δ= v ds δ= v 2 dt 0 . É interessante destacar que, além de razões físicas, Maupertuis e Euler alegavam razões teológicas para justificar esse Princípio, pois, diziam eles, as leis do comportamento da Natureza possuem a perfeição digna da criação de Deus. Observando os dois Princípios, de Fermat e de Maupertuis-Euler, vê-se que, no primeiro, a velocidade aparece inversamente, enquanto no segundo, diretamente relacionada ao deslocamento (ds). Em virtude disso, durante muito tempo não se conseguiu encontrar uma analogia entre tais Princípios. Contudo, com os trabalhos desenvolvidos pelos matemáticos, o irlandês Sir William Rowan Hamilton (18051865), em 18355 e o alemão Carl Gustav Jacob Jacobi (1804-1851), em 18376, foi possível encontrar a analogia referida anteriormente. Em seu trabalho, Hamilton havia obtido um par de equações diferenciais – as famosas Equações de Hamilton (EH) – envolvendo o hoje conhecido operador Hamiltoniano, H = E = T + V, isto é, a Energia Total (E) é igual a soma da Energia Cinética (T) e da Energia Potencial (V), partindo de um princípio variacional que havia deduzido no ano anterior, qual seja: δ S = δ L ^q, qo , t h dt , onde S é a conhecida ação Hamiltoniana e L representa

#

o operador Lagrangeano, definido por L = T – V e que havia sido introduzido

pelo matemático francês Siméon Denis Poisson (1781-1840), em 18097. Foi ainda nesse trabalho que Poisson apresentou a definição do momento canonicamente conjugado p ( p = 2L/2qo , onde q é a coordenada generalizada Lagrangeana e qo é a velocidade generalizada Lagrangeana). Por seu lado, Jacobi partiu das EH e encontrou uma nova equação – a conhecida Equação de Hamilton-Jacobi (EH-J) –, dada por: H + ∂S/∂t = 0.

4. YOURGRAU, W.; MANDELSTAM, S. Variational principles in dynamics and quantum theory. Dover, 1979. 5. Philosophical Transactions of the Royal Society of London, Part II, p. 247. 6. Journal für Reine und Angewandte Mathematik, v. 17, p. 97. 7. Journal de l´Ecole Polytechnique, v. 8, p. 266.

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De Broglie

De posse dessa equação, Jacobi encontrou a função S para muitos problemas mecânicos. Por exemplo, considerando sistemas físicos para os quais H (p, q) não depende explicitamente do tempo t, ele mostrou que: S(p, q, t) = W(p, q) – E t, onde E é a energia do sistema físico e W é a função característica de Hamilton. Ainda usando essa solução, Jacobi demonstrou que: (∆W)2 = 2 m (E – V) = 2mT = p2 → ∆ W = p. Este último resultado significa que o momento p é perpendicular à superfície de W [= S0 (t = 0)] constante. Por outro lado, essa equação é semelhante à Equação Eikonal da Óptica Geométrica, ou seja: (∆ Γ)2 = n2 → ∆ Γ = n, onde Γ é chamada de eikonal (do grego eikon, que significa imagem) e n é o Índice de Refração, que varia de posição, isto é: n ^ rvh . Registre-se que as superfícies em que Γ é constante são superfícies

de fase óptica constante e, portanto, define frentes de ondas luminosas, cujos raios

luminosos correspondentes a essas frentes de ondas lhe são perpendiculares. Essa semelhança ficou conhecida como a Analogia Mecânico-Óptica. Registre-se que quando de Broglie formalizou suas ideias sobre a onda de matéria8 e apresentou-as, ainda em 1924, como Tese de Doutoramento, intitulada Recherche sur la Théorie des Quanta, à Faculdade de Ciências da Universidade de Paris (Sorbonne), houve um certo embaraço por parte dos professores que iriam julgá-la, uma vez que essa Tese fugia as cânones tradicionais da Física. Assim, ela foi encaminhada ao físico francês Paul Langevin (1872-1946) para julgamento. De imediato, ele enviou uma cópia ao seu amigo Einstein que, por sua vez, pediu ao físico alemão Max Born (1882-1970; PNF, 1954) uma opinião séria sobre a mesma, escrevendo-lhe: “Leia isto! Embora pareça ter sido escrito por um louco, está escrito corretamente”. Quando Einstein devolveu a Tese de de Broglie a Langevin, disse-lhe que podia aprová-la, já que a mesma continha muitas descobertas importantes. É oportuno destacar que a ideia da “onda de matéria de Broglieana” foi formalizada pelo físico austríaco Erwin Schrödinger (1887-1961; PNF, 1933), em 1926, por intermédio da célebre Equação de Schrödinger. 8. Publicadas nas Comptes Rendus de l´Academie des Sciences de Paris, v. 177, p. 507; 548; 630, 1923; v. 179, p. 39, 1924.

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Laboratory Quality Management Igor Renato Bertoni Olivares 1ª edição | Editora Átomo | 2016 | 140 páginas

It is presently unthinkable to not take into account the need (sometimes mandatory) to implement Quality Management in Laboratories, either routinely or for research (basic and applied). Given that many countries have their own requirements regarding their mandatory implementation of Laboratory Quality Management Systems, this reality currently has a global reach to ensure the reliability of analytical results, especially since the effects of an analytical result can have major impacts on the environmental, pharmaceutical, forensic, clinical analysis, food areas, and so forth. In light of the latest findings for Laboratory Quality Management, in this English edition of the book I intend to present this data in an informative manner, within the operating framework of a Management System, and in line with the proposal of being a book that provides assistance to the new professionals in this area (highlighting, for example, the evolution of concepts, needs and basic structure of a Quality Management System), as well as assist experts seeking new tools for Laboratory Quality Management (highlighting, for example, the Analytical Quality Assurance Cycle and Quality indicators concepts, in addition to the numerous tools applied to auditing, training, corrective action and others).



Curiosidade | Volume 11 | Número 02 | Jul./Dez. 2016 | p. 115-118

A Ciência em Perdido em Marte Patrícia Silveira1

A ciência tem sido, em muitos casos, fonte de inspiração para várias obras literárias e cinematográficas. Um exemplo de ciência na literatura é a obra A máquina do tempo (1991), de H. G. Wells, publicada no final do século XIX. Considerada um romance científico, essa obra trata da construção de uma máquina de viajar no tempo na qual o protagonista percorre as diversas etapas da civilização humana. Outro modo de abordagem da ciência, neste caso, no cinema, é o filme Perdido em Marte (2015), de Hidley Scott, baseado na obra literária de mesmo nome. Antes de iniciar uma análise do livro, é necessário definirmos ciência. Neste, cenário Japiassú e Marcondes (2001), em seu dicionário de filosofia, trata a ciência como o saber que se adquire passível de ser transmitido: saber metódico e rigoroso, isto é, um conjunto de conhecimentos metodicamente adquiridos, mais ou menos sistematicamente organizados, e suscetíveis de serem transmitidos por um processo pedagógico de ensino (p. 35).

Apesar dessa definição de ciência como saber que pode ser transmitido, observa-se nos dias de hoje, que a imagem do cientista, principalmente no senso comum, é a daquele que se dedica a experimentos fantásticos e mágicos, uma vez que grande parte da ciência é feita de experimentos e observações que facultam essa imagem. No entanto, Japiassú e Marcondes (2001) salientam que a ciência tem como função propor uma explicação racional e objetiva de realidade e eles complementam: [a ciência] é a forma de conhecimento que não somente pretende apropriar-se do real para explicá-lo de modo racional e objetivo, mas procura estabelecer entre os fenômenos observados relações universais e necessárias, o que autoriza a previsão de resultados (efeitos) cujas causas podem ser detectadas mediante procedimentos de controle experimental (p. 35).

É com essa ótica que algumas obras são criadas para povoar a imaginação e incentivar a criatividade do leitor ou dos apaixonados pelo cinema. Um bom exemplo de uma obra ficcional cujo teor se encaixa perfeitamente como uma típica produção literária que traz traços de elementos de ciência é justamente o livro Perdido em Marte, lançado em 2015, cujo autor é Andy Weir. 1. Licenciatura/Bacharelado em Química pela Universidade Federal de Uberlândia.

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Curiosidade

Essa obra de ficção relata a história do astronauta Mark Watney, que, junto com sua equipe, vai a Marte explorar e estudar os recursos naturais daquele planeta. Ocorre, porém, que Mark, durante uma tempestade de areia, é tido como morto pelos demais tripulantes e, que por isso, é deixado para trás. Uma vez sozinho em solos marcianos, o protagonista usa de vários recursos e artimanhas para conseguir, com muito bom humor, disposição, conhecimento e com o uso da tecnologia disponível no lugar, sobreviver naquele planeta inóspito, também conhecido como planeta vermelho, já que é constituído principalmente de óxido de ferro, substância presente na ferrugem e que dá a coloração avermelhada à superfície do planeta. Segundo Baxter (2013, p. 36-37), em seu livro A ciência de Avatar, o planeta Marte inspirou algumas das maiores obras dos primórdios da ficção científica, o que inclui A guerra dos mundos (2007), de H. G. Wells, em que os marcianos invadem o planeta para conseguir sangue humano e os romances da série Barsoom, de Edgar Rice Burroughs, como Uma princesa de Marte (2010) e Jonh Carter: entre dois mundos (2012). Em várias partes do livro Perdido em Marte, é muito claro o uso e a importância da ciência como um facilitador no dia a dia do personagem. Ao longo do livro, são inúmeras as vezes em que o autor faz citações usando nomes, fórmulas químicas, descrevendo os tipos de reações químicas, citando elementos da Tabela Periódica, cinética química, cálculo estequiométrico – por meio da utilização das unidades de medida – e, por fim, as reações de combustão. Sinaliza, assim, uma tendência de tratar de ciência no cinema na qual se percebe o emprego, principalmente da Química, nas situações mais inusitadas. É conveniente ressaltar que há outras passagens em que o escritor descreve, também, pormenorizadamente, aspectos relativos à Física e à Biologia. A Química, a Física e a Biologia são áreas do conhecimento bastante exploradas no decorrer da trama. Um excelente exemplo é o cultivo de batatas que o personagem cria para sobreviver ao longo dos dias. Nesse caso, em especial, por ser um botânico, ele se sai muito bem, o que facilita seu sustento por boa parte do tempo. A figura de um botânico fazendo parte da expedição científica enviada a Marte, na obra, é um indício de que a exploração do espaço guarda uma proximidade com as expedições científicas que se processaram no século XIX ao redor do mundo, período no qual a ciência também teve um papel importante, na explicação da origem das espécies, com o também botânico Charles Darwin. Ante esse fato, uma questão pode ser levantada: qual o interesse das expedições em outros planetas? Quais são os motivos dessas empreitadas? Baxter (2013, p. 35) faz uma observação ao mencionar a viagem da Apollo II em direção à Lua, que, de certa forma, ajuda a compreender as intenções da equipe de Perdido em Marte: os astronautas da Apollo II não foram lá “em paz por toda a humanidade”, como afirma a placa em seu módulo lunar, ou somente pela ciência, ou mesmo por prestígio nacional: “eles foram até lá em busca de recursos”.2 2. O mesmo ocorre no filme Avatar, de James Cameron, em que a RDA (Administração de Desenvolvimento de Recursos) organiza missões interestelares para a coleta de um mineral não identificado chamado unobtanium, de valor incalculável, por ser um supercondutor à temperatura ambiente (Baxter, 2013, p. 108).

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Curiosidade

O personagem Mark, contudo, além das habilidades como botânico, tem formação em Engenharia Mecânica e mostra, em algumas situações toda a sua destreza no conserto, na criação e na manutenção de todos os equipamentos considerados essenciais para conseguir se manter em Marte pelo tempo que fosse necessário. Um aspecto interessante de se ressaltar é a descrição do lugar e das condições climáticas, os quais o autor consegue deixar explícitos em todo o decorrer do livro. É até difícil distinguir o que é real do que é fictício. Diante dessa dúvida, porém, o que se pode reconhecer sem vacilar é que Mark Watney foi o único ser humano a ficar tanto tempo sozinho naquele planeta, que foi o primeiro a cultivar em solo marciano e que foi o único a dormir e acordar por meses a fio em um mundo totalmente inexplorado. Passados alguns meses desde que Mark começara a habitar o planeta desconhecido, uma cientista da NASA, na Terra, ao observar a superfície de Marte onde a expedição deu início às suas pesquisas, percebe alterações no solo do planeta. A estudiosa, então, tem uma enorme surpresa: Mark está vivo! A partir daí, toda a equipe da NASA se depara com seu maior desafio: trazê-lo de volta. Várias tentativas são feitas e muitos estudiosos se envolvem na tarefa com o objetivo de salvar o astronauta perdido em Marte. Depois de vários esforços frustrados, a NASA percebe que pode haver uma saída. Mas, como fazê-lo? Essa pergunta fica para ser respondida pelos possíveis leitores do livro, pois a obra por conjugar ciência e literatura, permite várias soluções. Fica, então, uma ressalva: apesar de as obras serem de ficção, podemos dizer que a realidade da ciência incide nelas? Sobre esse aspecto, Silva (2015) esclarece que a obra de ficção científica, seja ela uma obra literária ou um filme, pode trazer erros conceituais aos quais o leitor e o expectador precisam estar atentos: O filme, por se tratar de uma obra de ficção científica, não tem responsabilidade com a verdade e pode trazer erros conceituais, ainda que os autores tenham utilizado recursos humanos qualificados para tornar a obra o mais próximo possível da realidade (Silva et al., 2015, p. 162).

Referências BAXTER, S. A ciência de Avatar: a verdade e a ficção por trás das tecnologias do filme de maior bilheteria de todos os tempos. Trad. Humberto Moura Neto e Martha Argel. São Paulo: Cultrix, 2013. BURROUGHS, E. R. Uma princesa de Marte. Trad. Ricardo Giassetti. São Paulo: Aleph, 2010. ______. Jonh Carter: entre dois mundos. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012. JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. PERDIDO em Marte. Direção: Ridley Scott. Estados Unidos: Twentieth Century Fox, 2015. 122 min., color. SILVA, S. D. et al. O cinema e os quadrinhos: ferramentas alternativas para o ensino de química. Revista de Educação, Ciência e Cultura, Canoas, v. 20, n. 1, jan./jul. 2015, p. 155-164. WEIR, A. Perdido em Marte. 2. ed. Trad. Marcello Lino. São Paulo: Arqueiro, 2015. WELLS, H. G. A guerra dos mundos. Rio de Janeiro: Alfaguara/Objetiva, 2007. ______. A máquina do tempo. Trad. Fausto Cunha. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1991.

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