ReBEQ v.1 n.2 - Revista Brasileira de Ensino de Química

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ISSN 1809-6158


Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias - UFRR Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP

Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de idéias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deva ser construído e compartilhado coletivamente. O conhecimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atualização e otimização do Ensino de Química.

Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Ricardo Ferreira – UFPE

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de

Sérgio Melo – UFC

Bibliotecas e Informação PUC-Campinas

Yassuko Iamamoto – USP Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br

Semestral Publicação científica-educacional

www.atomoealinea.com.br/rebeq 1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos. CDD 540 Revisão Helena Moysés Capa e Editoração Eletrônica

Índice para Catálogo Sistemático 1. Química

540

Fabio Diego da Silva Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.


SUMÁRIO

Editorial

Artigos O Campo Magnético e a Água José Fernando G. Faigle e Maria Eugenia G. Porto

Aplicação de um Semicondutor em Fotocatálise para Laboratórios de Ensino de Química Lucas B. Bolzon, Jurandir R. SouzaDe e Alexandre G. S. Prado

Cromatografando com Folhas de Mangueira no Ensino de Química Antonia Maria das Graças Lopes Citó, José Arimatéia Dantas Lopes, Laurentino Batista Caland Neto, Mariana H. Chaves e Wagner Soares de Alencar

A Pesquisa em Educação na Formação do Professor de Química Ana Luiza de Quadros

Polaridade molecular: Erros Conceituais nos Livros Didáticos do Ensino Médio Robson F. de Farias, Mauro C. de C. Góes, Cícero W.B. Bezerra, Bruna V. de Lima, Luciana A. Nascimento, Fabiana R.G. e Silva, Luiz S. das Neves


Relatos de Experiência Uma Disciplina de Pós-graduação que Integra o Ensino de Química nos Vários Níveis Pedro Faria dos Santos Filho

A Química no Ensino Médio e a Contextualização: a Fabricação do Sabão como Tema Gerador de Ensino-aprendizagem Ana Maria C. de Oliveira, Francisco G. de Azevedo e Robson F. de Farias

Fazendo Ciência em Ziguezague Myriam M. Segre de Giambiagi

Usando a Química Orgânica e Inorgânica para a Abordagem do Conceito de Oxidação-redução Angela Fernandes Campos, Cristiano de Almeida Cardoso Marcelino Júnior, Valéria Barboza Veríssimo e Udneide Maria Chaves LeiteHistória da Química

História da Química Henri Nestlé, o Inventor da Farinha Láctea Robson F. de Farias

Memória Fotográfica da Química no Brasil Instituto de Química da UNICAMP – 40 anos

Resenhas

Notícias

Normas Editoriais


CONTENTS

Articles The Magnetic Field and The Water José Fernando G. Faigle e Maria Eugenia G. Porto

Application of a Semiconductor on Photocatalysis for Undergraduate Chemistry Labs Lucas B. Bolzon, Jurandir R. SouzaDe e Alexandre G. S. Prado

“Chromatographing” With Mango-tree Leaves In the Teaching Chemistry Antonia Maria das Graças Lopes Citó, José Arimatéia Dantas Lopes, Laurentino Batista Caland Neto, Mariana H. Chaves e Wagner Soares de Alencar

The Research in Education in the Formation of the Chemistry’s Teacher Ana Luiza de Quadros

Molecular Polarity: Common Mistakes in the High School Textbooks Robson F. de Farias, Mauro C. de C. Góes, Cícero W.B. Bezerra, Bruna V. de Lima, Luciana A. Nascimento, Fabiana R.G. e Silva, Luiz S. das Neves

Experiences Account A Postgraduation Subject that Integrates the Chemistry Teaching in Several Levels Pedro Faria dos Santos Filho

The Teaching of Chemistry in the High School and the Contextualization: the Soap Production as a Theme Ana Maria C. de Oliveira, Francisco G. de Azevedo e Robson F. de Farias

Making Science in a Zigzag Myriam M. Segre de Giambiagi

Using the Organic and Inorganic Chemistry to Approach the Concept of Oxidation-Reduction Faigle, J.F.G e Porto, M.E.G.

Chemistry History

Reviews

News



EDITORIAL

É com muita satisfação que apresentamos ao público o número que fecha o primeiro volume da nossa Revista Brasileira de Ensino de Química. A boa repercussão da revista, refletida não apenas nos números de assinaturas, mas, sobretudo, nos comentários positivos e estimulantes formulados por vários colegas, mostram que estamos no caminho. Em uma comunidade, ainda relativamente, carente de veículos para divulgação de sua produção científica, este periódico ocupa, rapidamente, um espaço na comunicação e na difusão dos avanços científico-educacionais e dos relatos de experiências atuando, em catálise positiva, no processo de ensino/apredizagem da Química. Como o leitor irá perceber, estamos mantendo a proposta de ecletismo da revista, publicando trabalhos que possam interessar aos professores do ensino fundamental, médio e superior, bem como aos alunos de graduação e pós-graduação, visto trazermos artigos com temas variados, passando por relatos de sala de aula e por temas que despertam a curiosidade geral, como no caso do artigo sobre “água magnetizada”. A ReBEQ em sua seção Memória Fotográfica da Química no Brasil dedica este número ao Instituto de Química da UNICAMP, pelo seu aniversário de 40 anos. Aproveitamos a oportunidade para, mais uma vez, solicitar aos nossos leitores e todos os envolvidos com a área, não só o envio de material fotográfico para que possamos, cada vez mais, conhecer e socializar as memórias, mas também textos que reportem a história da Química, sempre muito úteis em nossas salas de aula. Destaque-se ainda a diversificação no número de autores e de instituições que publicam no presente número, reflexo dos dois aspectos: a boa aceitação do periódico junto à comunidade, e ao nosso firme propósito de tornar a ReBEQ um veículo acessível a todos. Embora este seja o segundo número, acreditamos que nossa revista já se encontra em adiantado estágio de consolidação no cenário científico nacional. Coordenação Editorial



O CAMPO MAGNÉTICO E A ÁGUA José Fernando G. Faigle Instituto de Química, UNICAMP E-mail: faigle@iqe.unicamp.br

Maria Eugenia G. Porto* Centro Regional Universitário de Espírito Santo do Pinhal, UNIPINHAL E-mail: mariaeugeniaporto@hotmail.com

* O autor agradece à Natura por bolsa recebida.

RESUMO Em tempos mais remotos, alguns pesquisadores que estudavam os efeitos do campo magnético muitas vezes os relacionavam com a ação de sensitivos sobre diversos sistemas. No entanto, nas últimas décadas percebeu-se que as alterações observadas nesses sistemas deviam-se em muitos casos à presença de água nos mesmos. Por esta razão, vários estudos que visam compreender e sistematizar a ação dos campos magnéticos iniciam-se pelo estudo da estrutura da água. Dentre os modelos que descrevem a estrutura da água líquida, o modelo de misturas trata a água como uma mistura de clusters de diversos tamanhos e formas que irão determinar as propriedades dessa substância. Uma das maneiras de se alterar a macroestrutura (clusters) da água líquida é tratá-la em campos magnéticos. Existem várias evidências de que a água tratada em campos magnéticos possui propriedades diferentes da água não tratada. Este fato deve-se ao enfraquecimento ou à quebra das ligações de hidrogênio, o que pode levar a uma nova estruturação das moléculas de água e a uma possível alteração no tamanho dos clusters. Efeitos na solubilidade de substâncias, na cristalização e precipitação de sais, na nutrição de animais e crescimento de plantas, na permeação da pele humana, em reações de corrosão, no ângulo de contato da água, na absorção de luz pela água na região do ultravioleta, entre outros, são observados quando a água é submetida à ação de campos magnéticos. Palavras-chave. Água magnetizada; Mesmer; terapêutica. ABSTRACT THE MAGNETIC FIELD AND THE WATER. In a remote past, some researchers that studied magnetic field effects related them to theic power influencing different systems. However, over the last decades they realized that the alterations observed on these systems generally are due to the presence of water. For this reason many papers aiming the comprehension and systematization of the magnetic field action start with water structure studies.


Among theoretical models that describe liquid water structure, the mixture model describe liquid water as a mixture of water clusters of different sizes and shapes that will determine the properties of this substance. One way to change water macrostructure (clusters) is to expose it to magnetic field actions. There are many evidences that magnetic treated water has different properties when compared to the eated one. The observed changes on water imposed by magnetic field action are usually attributed to the weakeness of intermolecular interaction (hidrogen-bond). Magnetic fields could weaken or even break hidrogen-bond and make new arrangements of water clusters possible. Property changes in solubility, cristalization and salt precipitation, animals nutrition, plants growth, human skin permeation, corrosion reaction, contact angle for water, light UV absorption, among others, are observed with magnetic treated water. Key-words. Magnetized water; Mesmer; therapeutical.

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INTRODUÇÃO Aspectos históricos A observação dos fenômenos, hoje chamados de magnéticos, vem da mais remota antigüidade. Expor aqui os vestígios que deles se encontram na literatura atual não seria muito difícil, depois da publicação de tantos trabalhos sobre o tema. No entanto, nas questões que vamos abordar nada existe de definitivo em teoria. Há, por outro lado, um grande número de relatos experimentais incontestáveis que necessitam de abordagens teóricas que os fundamentem e expliquem seus mecanismos de ação. Tudo isso, porém, encontra-se desconexo e solto, sem uma doutrina suficientemente sólida, que una e explique o conjunto. Na tentativa de compor o cenário atual, iremos resgatar alguns exemplos históricos relevantes que merecem a nossa consideração pelo seu pioneirismo. No fim do século XVIII, Mesmer[1], doutor pela Universidade de Viena, chamou a atenção pública com curas pelo magnetismo. Sua idéia era que um fluido sutil, existente em todo o universo, liga os corpos entre si, fazendo com que uns atuem sobre os outros. Esse fluido se concentraria ao redor dos ímãs e dos seres vivos e foi chamado de magnetismo. O sucesso das curas de Mesmer, em Paris, incomodou a comunidade médica e fez com que o rei nomeasse duas comissões, uma da Academia de Ciências e outra da Sociedade Real de Medicina, para investigar a idoneidade dos procedimentos. Na primeira, o nome de maior destaque era Lavoisier, na segunda, o naturalista Jussieu. 1.

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Ambos os relatórios apresentados concluíram que nada havia além da imaginação nas curas realizadas por Mesmer. Apenas Jussieu recusou-se a assinar o parecer de seus colegas, convencido de que a imaginação, por si, não bastava para explicar alguns efeitos. É curioso notar que mesmo no século XX, alguns experimentos foram conduzidos academicamente com uma visão semelhante à de Mesmer. Um dos mais amplos estudos a respeito das propriedades magnéticas advindas de pessoas foi realizado durante a década de 1960 pelo Dr. Bernard Grad[2], da Universidade McGill, de Montreal. Adotando critérios científicos e realizando experimentos com ratos e plantas, o Dr. Grad observou diferenças significativas entre os grupos tratados e os grupos controle. Os ratos tratados pelo suposto magnetismo de seres vivos apresentaram um aumento na velocidade de cicatrização de feridas. Sementes irrigadas com solução tratada de NaCl apresentavam uma maior porcentagem de germinação e davam origem a plantas mais altas do que as do grupo controle.1 Posteriormente, o Dr. Grad submeteu amostras de água ao mesmo tratamento aplicado aos ratos e às plantas e fez medidas de absorção na região do infravermelho, onde descobriu que o ângulo de ligação da molécula de água havia sofrido uma alteração sutil, porém, detectável, quando comparada ao controle, além de uma ligeira redução nas medidas de tensão superficial[2, 3]. De que forma essa alteração ocorria? Sua origem é de fato magnética? As idéias do Dr. Mesmer teriam fundamento científico?

Solução 1% de cloreto de sódio inibe o crescimento vegetal. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


O Campo Magnético e a Água

Na década de 1970, o Dr. Robert Miller[3], de Atlanta, Georgia, confirmou, experimentalmente, a descoberta do Dr. Grad a respeito das diferenças nas áreas biológica e físico-química entre as propriedades da água após interação com pessoas sensitivas e a água controle. O Dr. Miller foi além quando incluiu em seus experimentos um grupo cuja água era tratada por meio de campos magnéticos. Verificou as semelhanças entre as propriedades da água tratada pelos sensitivos e pelo campo magnético, sendo que, em alguns casos, a água tratada com ímãs proporcionava efeitos ainda superiores àqueles das interações com os sensitivos. Nesta mesma época, a Dra. Justa Smith[3, 4], do Instituto de Dimensões Humanas, do Rosary Hill College, em Nova York, realizou experimentos com enzimas e verificou que tanto a ação de sensitivos quanto a ação do campo magnético tinham a capacidade de aumentar as taxas de reação das enzimas. Como explicar essas observações? Uma possibilidade seria que a ação do campo magnético, assim como a ação de sensitivos, sobre um determinado sistema poderia alterar as propriedades da água presente nele. Se propusermos que isso ocorre pela água, será necessário admitir que a água pode mudar suas propriedades sem a adição de solutos, e isso implica em alteração de estrutura, se quisermos manter o pensamento químico que correlaciona a estrutura com as propriedades de uma substância. Seria a alteração de estrutura da água a explicação para esses fenômenos e, também, a base para explicar a ação da homeopatia onde, em geral, a concentração do soluto é desprezível? Na década de 1980, Jacques Benveniste[5], da Universidade de Paris, Clamart, França, e colaboradores, publicaram um artigo de grande impacto na revista Nature. O trabalho apresentou resultados de reações de basófilos humanos (um tipo de célula branca do sangue) com soluções anti-Ig E (anticorpos de imunoglobulina E) preparadas em sucessivas diluições (1:100 em volume) até atingir uma concentração nominal final de 2,2 x 10-126 mol L-1. As dilui2.

ções foram feitas com posterior agitação vigorosa e, apesar de nesta faixa de concentração não existirem mais moléculas do soluto presentes na solução, durante os experimentos ocorreram sucessivos picos de degranulação dos basófilos. O que explicaria a transmissão das informações biológicas poderia ser a organização molecular da água (solvente). Esse artigo tornou-se polêmico quando Benveniste recusou-se a reproduzir os resultados na presença de um comitê da revista, o que lhe custou sua reputação e sua cadeira na universidade. Foram feitos muitos outros trabalhos, uns bem sucedidos, outros nem tanto, porém, ainda existe certa resistência à aceitação de novas idéias nessa área. O novo requer cuidado, sem dúvida. Mas, o que ocorre com freqüência é uma obstinação por derrubá-lo, antes de profunda reflexão. O tema água tem muita repercursão por ainda não haver um consenso a respeito dos modelos que descrevem sua estrutura e suas possíveis alterações de comportamento. Nossa intenção é fazer um apanhado do que há hoje na ciência que explique algumas observações experimentais relativas às alterações das propriedades da água e do que ainda espera por inovações tecnológicas e explicações que desvendem seus mecanismos de funcionamento.

Estrutura da água Diferente de um sólido, que possui uma estrutura de longo alcance, as moléculas de um líquido se reorientam em um intervalo de tempo muito curto.2 Portanto, quando nos referimos à estrutura de um líquido é bom lembrar que estamos falando de uma estruturação local estável, em equilíbrio dinâmico com as moléculas vizinhas, que se orientam para participar dessa estruturação. A concepção da água líquida como um conjunto de estruturas em equilíbrio tem sido reportada na literatura há muitos anos.[6, 7]

O tempo médio de reorientação das moléculas de água é de 10-12s , a 25°C.

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José Fernando G. Faigle e Maria Eugenia G. Porto

Estudos[8-27] que tentam elucidar a estrutura da água e algumas propriedades correlatas baseiam-se, fundamentalmente, em cálculos de energia e na importância da cooperatividade das ligações de hidrogênio existentes no meio. Bernal e Fowler[28] em 1933, foram os primeiros a defender que a água líquida é composta por diferentes arranjos estruturais, preferencialmente tetraédricos, dependendo da temperatura do sistema. Posteriormente, em 1957, Frank e Wen[29] propõem que a estrutura da água possui certa similaridade com a do gelo, contendo estruturas ice-like (tipo gelo) em equilíbrio com o bulk (meio líquido). A quantidade e o tamanho dessas estruturas ice-like no meio líquido varia de acordo com a temperatura e a pressão do sistema. O modelo de misturas proposto por Frank e Wen pressupõe que a estrutura da água caracteriza-se pela existência de aglomerados de moléculas de água, posteriormente chamados de clusters (H2O)n, em equilíbrio com o meio líquido. Alguns clusters de água, cuja geometria foi otimizada por meio de cálculos matemáticos[30] utilizando-a Teoria Funcional da Densidade (DFT – Density Functional Theory), são mostrados na Figura 1.

Esse sistema hexagonal contém muitos espaços, que podem ou não estar preenchidos por moléculas gasosas, que acarretam uma diminuição da densidade do sólido em relação ao líquido. Com a fusão da água o número de arranjos hexagonais diminui, sem que necessariamente a estrutura tetraédrica se desfaça. A diminuição do número de arranjos hexagonais, agora fragmentados, faz com que a densidade da água aumente. Fragmentos desses arranjos de moléculas de água, anteriormente presentes na forma sólida e agora fazendo parte da estrutura do líquido, são chamados de estruturas ice-like.

Figura 2. Formação do gelo no sistema cristalino hexagonal tipo Ih, a partir de estruturas tetraédricas de água. As esferas vermelhas representam os áto mos de oxigênio e as esferas azuis os átomos de hidrogênio. As ligações mais curtas representam as ligações intramoleculares e as ligações mais longas as ligações intermoleculares[30].

Figura 1. Clusters de moléculas de água (H2O)n, sendo n o número de moléculas H2O presentes no cluster. As esferas cinzas representam os átomos de oxigênio e as esferas azuis representam os átomos de hidrogênio. A geometria desses clusters foi otimizada através de cálculos matemáticos utilizando-se Teoria de Funcional de Densidade com método e funções de base BLYP/cc-pVTZ [30].

Para entendermos a analogia da estrutura da água líquida com a estrutura do gelo a que Frank e Wen se referem é necessário mostrar os arranjos de moléculas de água que compõem estruturas tetraédricas para formarem o gelo tipo Ih hexagonal, ilustrado na Figura 2.

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Outro modelo existente para a estrutura da água líquida é o modelo contínuo, proposto por Pople, nos anos de 1950/51[31, 32], que admite a existência de uma rede contínua tridimensional de moléculas H2O, interligadas por ligações de hidrogênio. Como, até o momento, não existe um modelo definitivo para a estrutura da água líquida, cada proposta de estruturação da água resulta em valores teóricos que se aproximam, mais ou menos, de determinados parâmetros experimentais. O modelo contínuo, por exemplo, explica muito bem a capacidade calorífica, a constante REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


O Campo Magnético e a Água

dielétrica, a mobilidade de prótons e a energia de vaporização da água. Por meio do modelo de misturas é possível explicar o tempo de relaxação dielétrica, as alterações no espectro de absorção na região do ultravioleta, e muitos outros resultados experimentais que evidenciam alterações do comportamento da água após exposição a campos magnéticos. A literatura apresenta, também, muitos trabalhos[33-40] que não se vinculam a modelos, apenas evidenciam, por meio de técnicas espectroscópicas ou cálculos teóricos, a existência de duas estruturas distintas em equilíbrio na água pura, consideradas por alguns autores como “água livre” e “água ligada”. A proporção destas duas estruturas varia com a temperatura do sistema. Com a adição de solutos aparece uma terceira estrutura de água relacionada à esfera de solvatação ao redor do soluto.[35] Por outro lado, estudos recentes[36] mostram a agregação de solutos formando clusters maiores à medida em que as soluções são diluídas, o que em princípio não é intuitivo. Neste caso, os clusters são formados pelas moléculas do soluto, ao contrário do modelo de misturas que pressupõe um equilíbrio de clusters de moléculas de água (em geral, solvente) no meio aquoso. Martin Chaplin[8] propõe uma estruturação da água líquida a partir de clusters de 20 moléculas de água (icosaedros) constituídas por pentâmeros (H2O)5. Segundo o autor, os arranjos de 20 moléculas de água formando icosaedros podem se agregar ainda mais aumentando o tamanho do cluster, como mostra a Figura 3. Esses arranjos justificam vários comportamentos da água e estão em boa concordância com sua função de distribuição radial. Chaplin compilou mais de 1000 referências relacionadas ao tema água e mantém seu site atualizado[41]. O modelo de clusters vem ganhando bastante destaque na medida em que alguns trabalhos teóricos associam as propriedades da água com o tamanho de clusters presentes no meio.

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Figura 3. (a) Geometria pentagonal de uma estrutura com 20 moléculas de água, na qual os pontos vermelhos representam os átomos de oxigênio de cada molécula de água (b) cluster composto por 280 moléculas de água construído a partir de 14 estruturas como a mostrada no item (a) [41].

Pesquisadores[9-12] que atuam na investigação de estruturas de clusters (H2O)n (n=2-6), a partir de modelos teóricos e resultados experimentais obtidos em espectrômetros de tunelamento em Berkeley – Califórnia, analisaram o tamanho dos clusters de água, o número de ligações de hidrogênio presentes e as estruturas de menor energia em determinadas temperaturas, sugerindo que tais parâmetros estão intimamente relacionados com várias propriedades da água. Em 2001, foram obtidos, pela primeira vez, espectros de alta resolução do estiramento vibracional e movimentos libracionais de trímeros de água, (H2O)3 e (D2O)3 [37, 38]. Os pesquisadores obtiveram a banda vibracional do (D2O)3 centrada em 142,8 cm-1 e quatro bandas libracionais do (H2O)3 entre 515-528 cm-1. Esta foi a primeira observação experimental do estiramento vibracional da ligação de hidrogênio e de movimentos libracionais para um cluster de água. Para um tema tão controvertido como a estrutura da água líquida, a observação experimental de um trímero de água é de extrema importância já que reforça a o modelo de clusters para explicar as propriedades e comportamentos da água. Mesmo dentro do universo dos trabalhos teóricos, ainda não ficou evidenciado, de forma concensual, quais clusters são, preferencialmente, formados em uma determinada condição. No entanto, a compilação de resultados experimentais que evidenciam alterações de comportamento da

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ESTUDOS TEÓRICOS E EXPERIMENTAIS Influência do campo magnético na solubilidade de substâncias O efeito da ação de campos magnéticos na solubilidade de sais em soluções aquosas é bastante estudado e possui aplicações importantes tanto no abrandamento da dureza da água, como na diminuição de incrustações de minerais em processos industriais. Em 1995, Baker e Judd[42], publicaram uma revisão sobre o uso de dispositivos magnéticos no abrandamento de água pesada e formação de incrustações em que concluíram que existe um efeito não-casual e positivo da ação do campo magnético no abrandamento de águas pesadas e na formação de incrustações. No entanto, os resultados são fortemente dependentes de parâmetros envolvidos no arranjo experimental tais como a orientação e a intensidade do campo magnético, o tempo de exposição ao campo, a temperatura e o tipo de fluxo da água através do dispositivo (laminar ou turbulento). Segundo os autores, a falta de aceitabilidade desses fenômenos deve-se à ausência de um modelo que explique como estes processos funcionam. A incrustação de sais em caldeiras e tubulações industriais deve-se, principalmente, à precipitação de sais pouco solúveis, como o carbonato de cálcio, que aderem às superfícies dos equipamentos. A solubilidade do carbonato de cálcio diminui com o aumento da temperatura, favorecendo o processo de incrustação. Além da diminuição do diâmetro interno das tubulações, o

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Tamanho de Partícula x Campo Magnético 18 Tamanho de Partícula x 106 (m)

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depósito dos sais nos equipamentos provoca, também, uma acentuada diminuição da condutividade térmica do trocador de calor[42]. Em 1953, Vermeiren[43] foi o primeiro a patentear equipamentos com dispositivos magnéticos de efeito antiincrustante e existem grandes centros de pesquisas trabalhando com enfoque especial nestas questões[44, 45]. Em 1996, pesquisadores[46] observaram fortes diferenças na formação de cristais de benzofenona sob a ação de campos magnéticos intensos (8T). Os cristais de benzofenona formados sob a ação do campo magnético alinhavam-se na direção do campo enquanto que os cristais do grupo controle tinham um crescimento aleatório.

17 16 15 14 13 12 11 10 0

50

100 150 200 250 Campo Magnético (Gauss)

300

Número de Partícula x Campo Magnético 45 Número de Partícula x 106 (m)

água tratada por campos magnéticos ou por outros processos indica que há um enfraquecimento e quebra de ligações de hidrogênio no meio aquoso, provavelmente, diminuindo o tamanho médio dos clusters. A possível alteração da distribuição de tamanho de clusters de água deverá, por sua vez, alterar as propriedades do sistema.

40 35 30 25 20 15 10 5 0

50

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Figura 4. Relação entre o tamanho dos cristais de CaCO3 formados e a intensidade do campo magnético utilizado (gráfico da esquerda) ; relação entre a quantidade de cristais de CaCO3 formados (nucleação) e intensidade do campo magnético (gráfico da direita)[47, 48]. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


O Campo Magnético e a Água

Faigle e Barboza[47, 48] estudaram a influência de diferentes intensidades de campos magnéticos sobre a formação e nucleação de carbonato de cálcio (CaCO3). Os autores observaram que, por um lado, o tamanho médio dos cristais diminui com o aumento da intensidade do campo e, por outro, a densidade de partículas por mm2 aumenta bastante com o aumento da intensidade do campo magnético, como mostra a Figura 4. Observou-se, também. que os cristais de CaCO3 dos grupos controle apresentavam, em sua maioria, formato quadrado (caracterizando a formação da calcita), enquanto nos grupos tratados, os cristais eram, preferencialmente, cilíndricos (caracterizando a formação da aragonita), como mostra a Figura 5.

favorecimento na formação de aragonita em detrimento da formação de calcita do grupo controle. Gamayunov[50] e Kochmasky[33] explicam as diferenças observadas na cristalização de alguns sais sob a influência do campo magnético a partir da força de Lorentz, que é a força sobre uma partícula carregada em movimento dentro de um campo magnético. No caso dos íons Ca+2 e CO3-2 e suas respectivas duplas camadas elétricas, quando submetidos à ação do campo magnético estes íons são deslocados de suas trajetórias, de modo que partículas com cargas positivas e negativas tendem a ir para direções opostas, dificultando assim, o crescimento dos cristais. Por isso, observa-se que há maior nucleação e, conseqüentemente, menor tamanho médio das partículas, quando os cristais são formados sob a ação do campo magnético. Até mesmo na indústria do petróleo[51] a aplicação do campo magnético pode ser utilizada para diminuir o problema da precipitação de parafina em colunas, linhas e equipamentos de superfície. Este tratamento revela-se como uma nova tecnologia, de baixo investimento, capaz de prevenir perdas na produção e na movimentação do petróleo.

Influência da água tratada no campo magnético na nutrição de animais e no crescimento de plantas

Figura 5. Micrografia dos cristais de carbonato de cálcio obtidos da mistura de quantidades iguais das mesmas soluções de CaCl2 e Na2CO3: (a) controle; (b) solução de CaCl2 exposta ao campo magnético de 210 Gauss por 12 horas antes da mistura (aumento de 600 vezes)[47, 48].

Bogatin e colaboradores[49] utilizaram um equipamento comercial com dispositivo magnético e observaram modificações no crescimento de cristais de carbonato de cálcio e um REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2

Na área agropecuária, os tratamentos magnéticos são ainda mais difundidos e utilizados com bons resultados, apesar da pouca compreensão do mecanismo que rege o fenômeno. Vários estudos foram realizados utilizando-se água previamente tratada em campos magnéticos para irrigação de plantas e nutrição de animais. Lin e Yotvat[52] relataram surpreendentes resultados obtidos em algumas fazendas em Israel, com diversos animais – gado, cabra, ovelhas, galinhas, gansos e perus – e cultivo de vegetais e frutas. Em geral, os animais tratados com água submetida ao

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José Fernando G. Faigle e Maria Eugenia G. Porto

campo magnético apresentam uma melhora nas condições gerais e um aumento em sua produtividade específica. Um grupo de bezerros tratados com água submetida ao campo magnético teve um aumento de 12% no crescimento em relação ao grupo de controle. Um outro grupo de bezerros machos, além do ganho de peso, continha, após 10 ou 12 meses, de 30 a 40 kg a menos de gordura em suas carnes, em relação ao grupo de controle. Os gansos tratados tiveram um maior aumento de peso diário em relação aos não tratados com a água submetida ao campo magnético. As ovelhas apresentaram aumentos consideráveis na produção de leite, carne e lã. As frutas, de um modo geral, tiveram um aumento no tamanho e no teor de açúcar, quando irrigadas com água tratada magneticamente. Devido aos excelentes resultados obtidos, o autor cita que até 1990, já existiam mais de 270 unidades de tratamento magnético de água operando nas fazendas locais. Estudos conduzidos por Harari e Lin[53] no crescimento de melões, mostram que o tamanho, o número de frutas e o conteúdo de açúcar nos melões irrigados com água tratada magneticamente foram significativamente maiores do que aqueles irrigados com água normal (sem tratamento magnético). Levy et al.[54] também demonstraram que a oferta de água tratada magneticamente a bezerros machos resulta em carnes com menos gordura e maior retenção de nitrogênio. Os testes foram realizados em 7 grupos diferentes de bezerros com resultados bastante significativos. A água tratada em campos elétricos ou magnéticos pode ser utilizada na irrigação de plantas[47,50,53-55] ou diretamente sobre sementes antes do processo de germinação [56-58]. Alguns desses estudos são bastante criteriosos e mostram a relação da intensidade do campo aplicado com os rendimentos obtidos. Em Cuba existem trabalhos[57,58] que propõem mecanismos de ação do campo magnético sobre a dinâmica de regulação fisiológica das sementes. Utilizando sementes de alface expostas previamente ao campo magnético

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obteve-se um aumento da taxa de intumescimento e da quantidade de água absorvida pelas sementes. Esses resultados foram explicados pela interação do campo magnético com as correntes iônicas das membranas celulares, que alteram as concentrações iônicas e a pressão osmótica em ambos os lados da membrana e, conseqüentemente, alteram o mecanismo de permeação da água através desta. A irrigação de plantas em nível de bancada em laboratórios, assim como em canteiros, foi estudada por Faigle e Barboza[47,59] utilizando vários arranjos de campo magnético. Observou-se que, em muitos casos, a água tratada no campo magnético promove um melhor desenvolvimento do vegetal, mas nem sempre isso é verdadeiro. A partir da irrigação de quatro canteiros iguais, plantados com milho, observou-se o desenvolvimento dos vegetais quando irrigados com água tratada (por um campo magnético posicionado próximo a um dos aspersores) e com água não tratada (grupo controle, na ausência de campo magnético). Neste experimento, a água proveniente da rede pública passava através do campo magnético em fluxo, ou seja, com um tempo de residência no campo muito pequeno, de alguns segundos. Na época da colheita das espigas, após quatro meses do plantio das sementes, observou-se que as espigas irrigadas apenas com água tratada não se desenvolveram. Nos canteiros intermediários, que recebiam um pouco de água tratada e um pouco da água controle, as espigas também foram prejudicadas em seu desenvolvimento, sendo que neste caso apresentaram-se um pouco maiores e mais bem formadas do que as do primeiro grupo. Já no canteiro que recebeu apenas a água controle as espigas desenvolveram-se normalmente, como se observa na Figura 6. Nota-se claramente que o campo magnético pode estimular ou inibir o crescimento de vegetais. Esta grande variabilidade está vinculada às condições experimentais como intensidade do campo magnético, tempo de residência dentro do campo, entre outros fatores.

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O Campo Magnético e a Água

a ser denominada de solução hidratante 3%. As Figuras 7 e 8 comparam, respectivamente, o desempenho em intumescimento e germinação de sementes de trigo, irrigadas com água controle, água tratada em campo magnético e hidratante 3%.

Figura 6. Foto comparativa de uma amostra representativa das espigas colhidas: espiga irrigada com água tratada no campo magnético (esquerda), espiga irrigada com água proveniente dos dois aspersores, água controle e água tratada (centro), espiga irrigada apenas com água controle (direita)[47, 59].

O tratamento prévio da água em campo magnético para posterior utilização no intumescimento e germinação de sementes de trigo foi estudado por Faigle e Porto[30, 60]. Os experimentos visavam verificar a diferença na permeação da água tratada no campo por meio das sementes em relação a do grupo controle. Observou-se um aumento na velocidade de permeação da água tratada nas sementes, havendo um grande incremento nos valores de absorção de massa de água em relação ao grupo de controle. A germinação dessas sementes intumescidas com a água tratada geraram plântulas com maior vigor e tamanho médio superior àquelas do grupo controle. Esses experimentos também foram realizados com uma solução de MgCl2 preparada a partir da água tratada no campo magnético. Esta solução tratada apresentou características hidratantes sobre a pele humana (como será explicado no item Utilização da água tratada no campo magnético na permeação da pele humana) e um desempenho ainda melhor na permeação e germinação das sementes em relação à água tratada no campo magnético. A solução tratada foi diluída a 3% sem perder suas características hidratantes e passou

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Incremento de massa (%)

30 Solução hidratante 3%

25

Água tratada no campo magnético 20 15 10 5 0 0

0

25

50

75 100 125 150 175 200 225 250 275 300 Tempo (minutos)

Figura 7. Aumento de massa de água absorvida (%) pelas sementes de trigo quando imersas em água tratada no campo magnético e em uma solução de MgCl2 preparada a partir da água tratada e posteriormente diluída a 3%, em relação ao grupo controle (linha tracejada)[30].

Figura 8. Fotos do 4° dia de germinação das plântulas de trigo intumescidas e regadas com água controle, água tratada no campo magnético e solução de MgCl2 preparada a partir de água tratada e posteriormente diluída a 3% [30].

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José Fernando G. Faigle e Maria Eugenia G. Porto

Segundo alguns autores[33,61], o campo magnético pode causar o enfraquecimento ou a diminuição do número médio das ligações de hidrogênio entre as moléculas de água. Alguns cálculos da interação água-água, levando em consideração o efeito do campo magnético na função de distribuição radial da molécula de água, indicam que a quantidade de monômeros e dímeros de água aumenta quando esta é exposta ao campo magnético. Como monômeros de água penetram mais facilmente membranas biológicas do que clusters maiores, a água exposta ao campo magnético pode acelerar o crescimento de plantas, embora a avaliação quantitativa de todos os efeitos biológicos relacionados à ação do campo é difícil de se obter. Podemos acreditar que, provavelmente, o campo magnético atue na água líquida modificando a distribuição de tamanho de clusters, e que esses novos clusters tenham uma maior penetração através de barreiras, como a casca e película das sementes e, também, a pele humana, quando comparados aos clusters originais encontrados no grupo controle.

Utilização da água tratada no campo magnético na permeação da pele humana Assim como a água tratada no campo magnético apresentou um aumento da velocidade de permeação nas sementes de trigo com relação ao grupo de controle, podemos imaginar que o mesmo mecanismo possa ser observado na cinética de permeação de água na pele humana. Essa experiência traz um desafio adicional, uma vez que a água é aplicada uma única vez sobre a pele humana e tende a evaporar, ao contrário do que ocorre com a semente que fica imersa na água por algumas horas. Existe, portanto, uma competição entre a cinética de permeação da água tratada na pele e o processo de evaporação da água. Para que ocorra uma hidratação efetiva da pele é necessário que uma certa quantidade de

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água consiga penetrar o estrato córneo (camada superficial da pele) antes de evaporar. Normalmente, não se observa um aumento de hidratação da pele quando se faz uma aplicação da água controle em determinada região do estrato córneo. Entretanto, a ligação de moléculas de água com sítios biológicos da derme (que se situa abaixo do estrato córneo) é favorecida do ponto de vista energético. Embora não se disponha de dados entrópicos sobre o processo de troca de ambiente da molécula de água, é provável que a migração de moléculas de água pela pele seja favorecida do ponto de vista da energia livre. Então, por que o simples ato de molhar a pele não produz hidratação? Provavelmente, porque a água evapora antes que consiga permear a pele. Isso pode ser evidenciado mantendo-se uma compressa úmida em uma região da pele por longo tempo, o que produz hidratação local mensurável. Uma das possíveis interpretações para este fato é que apenas os clusters menores, presentes naturalmente em pequena quantidade na água usual, conseguem vencer os efeitos criados pela função de barreira da pele. Nesse caso, qualquer processo que consiga quebrar os clusters de água produzindo uma amostra estável e com clusters menores, deverá penetrar a pele humana mais rapidamente. A idéia de produzir um hidratante à base de água foi desenvolvida por Faigle e Porto[30,62], com o intuito de otimizar as características de uma solução com clusters pequenos para torná-la capaz de permear, de forma eficiente, a pele antes de sua evaporação e aumentar, efetivamente, a quantidade de água do estrato córneo. Com essa finalidade fez-se um estudo[30] de solutos não-tóxicos à pele que fossem um forte estruturador do solvente e, ao mesmo tempo, que pudessem promover mudanças de comportamento da água (solvente). Dentre os solutos estudados, o íon magnésio (Mg+2) em meio aquoso, destacou-se por promover um efeito substancial tanto na reestruturação do solvente[35] como na capacidade de ligar-se a biomoléculas[63], aumentando, assim, a hidratação da pele. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


O Campo Magnético e a Água

O íon magnésio possui algumas propriedades físico-químicas que se destacam em relação aos outros íons e que indicam que este íon é um forte estruturador da solução. A capacipadade de um íon de imobilizar as moléculas do solvente ao seu redor é medido pela entropia padrão de formação do íon em solução. O valor de entropia padrão de formação de um íon em solução é medido em relação ao íon H+, adotado como zero na escala de entropia. Valores negativos de entropia indicam que o íon ordena as moléculas do solvente mais severamente que o íon H+ [64]. Já o raio efetivo do íon em solução, ou raio hidrodinâmico, indica o número de moléculas do solvente que o íon consegue manter na região de imobilização. Os valores apresentados na Tabela 1 mostram que o íon magnésio possui a menor entropia em solução e o maior raio hidrodinâmico em relação aos demais íons, indicando que este íon é um forte estruturador do solvente e que carrega muitas moléculas de água ao seu redor. O íon Mg+2 é hexahidratado na sua 1ª esfera de solvatação e é capaz de aportar moléculas de água para camadas da pele, interagindo diretamente com grupos proteicos, ácidos nucleicos, membranas etc., como mostra a Figura 9.

Mg2+

Figura 9. Íon magnésio ligado a seis moléculas de água, sendo que uma ou mais dessas moléculas podem ser substituídas por um ligante (L) que, em geral, representa um sítio biológico[30].

Por esta razão, utilizou-se o MgCl2 como soluto adicionado à água para o preparo de um hidratante para a pele humana, que melhor desempenhasse as propriedades de soluções características de clusters pequenos. Adicionou-se 0,5 mg/mL de MgCl2 à água tratada no campo (o que corresponde a uma solução de MgCl2 5,3 x 10-6 mol/L), chamada de solução hidratante. Da mesma forma que no estudo das sementes, a solução hidratante foi diluída a 3%. A Figura 10 compara o desempenho da solução hidratante, da solução hidratante 3% e da água tratada no campo magnético na hidratação da pele humana. Nesse estudo o grupo controle é tomado como zero e utilizado como referência de escala.

Íons

Raio efetivo aproximado do íon em solução aquosa / Å

Raio iônico no cristal /Å

Mg+2

-138,1

8

0,65

Cu+2

-99,6

6

0,72

Cd+2

-73,2

5

0,97

CO3-2

-56,9

4,5

-

Ca+2

-53,1

6

0,99

Hg+2

-32,2

5

1,10

Ba+2

9,6

5

1,35

Li+

13,4

6

0,68

SO4-2

20,1

4

-

Zn+2

41,6

6

0,74

Cl-

56,5

3

1,81

Na+

59,0

4

0,95

K+

102,5

3

1,33

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Incremento da hidratação (%)

Tabela 1. Entropia padrão dos íons em solução aquosa[64], raio efetivo aproximado do íon em solução aquosa[65] e raio iônico no cristal[65]. Valores para temperaturas de 298,15 K. Entropia padrão dos íons em solução aquosa (SÆ ) / J K-1 mol-1

Mg2+

30 28 26 24 22 20 18 16 14 A 12 10 8 6 4 2 0

B

B C

C

C B A

A

2

5 8 Tempo após aplicação (horas)

Figura 10. Aumento da hidratação do estrato córneo medida através de um corneometer, após uma aplicação das amostras (A) água tratada no campo magnético; (B) solução hidratante; (C) solução hidratante 3%, em relação ao controle. As medidas foram realizadas após 2, 5 e 8 horas da aplicação das amostras na pele [30].

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José Fernando G. Faigle e Maria Eugenia G. Porto

Alteração de propriedades físico-químicas da água Por meio de cálculos matemáticos[26] é possível prever diferenças nas energias de clusters de água, de acordo com o número de moléculas que os compõem, tanto no estado

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fundamental como no estado excitado. Harvey[34] previu, teoricamente, espectros na região do ultravioleta (UV) para clusters de água de tamanhos variados (H2O)n , (1 < n < 6), onde cada cluster tem seu máximo de absorção de luz em uma freqüência específica. Esses cálculos fazem supor que se uma amostra de água submetida ao campo magnético passa a ter uma distribuição de tamanho de clusters diferente daquela que não foi tratada no campo, deverá existir uma alteração na absorção de luz UV da primeira amostra em relação à segunda. Estudos de absorção de luz UV por água tratada no campo magnético[47] mostram que, em vários tipos de arranjos experimentais, as amostras tratadas absorvem mais luz na faixa entre 190nm a 340nm do que o grupo controle, como se observa na Figura 11. 0,05 0,04 Absorvância

Na análise dos resultados mostrada na Figura 10 chama a atenção o fato de que o hidratante 3% apresenta valores de hidratação da mesma ordem de grandeza dos valores do hidratante, uma explicação para este fato não parece trivial e aguarda por uma melhor compreensão do comportamento desse tipo de sistema. É importante destacar que o aumento de 28% na hidratação do estrato córneo promovido pelas soluções hidratantes não está relacionado com o uso de substâncias oclusivas ou de substâncias plastificantes, encontradas nos hidratantes comerciais. Os mecanismos de hidratação associados à oclusão dos poros (uso de substâncias oclusivas) e à transferência de moléculas de água da derme para a epiderme (uso de substâncias plastificantes) não aumenta a quantidade total de água da pele, ao contrário do que se propõe com o uso das soluções hidratantes. Além de aumentar a hidratação do estrato córneo, as soluções hidratantes promovem características sensoriais na pele ligadas ao toque como, por exemplo, maciez e suavidade. As medidas de hidratação foram realizadas por meio de um corneometer. Em 1998, um dos trabalhos apresentados no Congresso de Cosmetologia em Cannes[66] enfatizou a eficiência da aplicação de formulações contendo partículas magnéticas (~600nm) sobre a superfície da pele na melhora da circulação sangüínea capilar. Os resultados clínicos propiciaram a concepção de um produto anti-celulite baseado nesse tipo de tecnologia. Assim como nos testes realizados na agricultura, as pesquisas voltadas para a área cosmetológica mostram que as condições experimentais de preparo das amostras de água têm importância fundamental na obtenção de bons resultados.

0,03 Água tratada 0,02 Faixa de flutuação do controle

0,01 0 190 -0,01

210

230 250 270 290 310 Comprimento de Onda (nm)

330

Figura 11. Espectro de absorção de UV da água tratada indicando a flutuação das absorções do grupo controle (cálculos feitos por teste de Distribuição t, com intervalo de confiança de 99%) [47,48].

A absorção da água na região do ultravioleta corresponde, principalmente, à transição eletrônica n ® s* , que representa um máximo de absorção em lmáx = 167nm para o estado gasoso e lmáx = 147nm para o estado líquido[67,68]. Os espectros de água obtidos na região entre 190nm e 340nm, bem distante da absorção máxima, apresentam sinais pouco intensos. Esses sinais correspondem à cauda do pico de absorção observado em 147nm e sua detecção requer cuidados experimentais típicos de trabalhos envolvendo picos de baixa intensidade. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


O Campo Magnético e a Água

Os resultados obtidos nas medidas de absorção de luz UV[30,47] tornam-se mais interessantes quando correlacionados aos obtidos na hidratação da pele humana e no intumescimento e germinação de sementes[30,60], que também nos fazem supor uma mudança na distribuição do tamanho de clusters, tendendo à uma maior quantidade de clusters pequenos nestas amostras quando comparadas às do controle. Em estudo recente, Utsuka e Ozeki[69] afirmam que campos magnéticos de 6T alteram as propriedades e algumas funções da água quando esta é exposta ao ar ou possui oxigênio dissolvido. Propriedades como ângulo de contato, reações de corrosão, potencial eletrolítico, espectro Raman, difração de raio X e cristalização de CaCO3 não apresentaram nenhuma alteração quando a água foi destilada sob vácuo e submetida à ação do campo magnético sob essas mesmas condições. No entanto, os autores mostram resultados relevantes nos quais a água pura com oxigênio ou ar dissolvido é fortemente afetada pela ação do campo magnético. Tais resultados obtidos por meio de diferentes experimentos demonstram que, na presença de oxigênio, o campo magnético altera algumas propriedades da água líquida de forma inequívoca. Outra pesquisa interessante relacionada à água, no âmbito das publicações não científicas, foi desenvolvida por Murrathev[70], na Rússia. Em seu livro com tradução para o português “Água Viva”, publicado pela Academia de Ciências da URSS de Moscou, em 1975, Murrathev aborda as diferenças de propriedades da água quando obtida das diferentes camadas do gelo. Segundo o autor, a água proveniente do núcleo do gelo, mais rico em deutério (isótopo do hidrogênio), não é benéfica para os seres vivos de maneira geral. Por outro lado, águas provenientes das camadas mais externas do gelo possuem menor quantidade de deutério e são mais adequadas à saúde, equiparando-se às águas despoluídas como as de cachoeiras e rios limpos. Um estudo relaci o nando resul ta dos experimentais com modelos de água, nesse REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2

caso para o estado sólido, foi realizado por meio de espectros na região do infravermelho [71]. Utilizando partí culas esféricas do gelo (variando entre 2 e 40nm) a 100K, obtidas por resfriamento de aero sol líquido, foi possível obter uma boa cor relação com um modelo que admi tiu uma estrutu ração pro gres siva das camadas do gelo em dire ção ao núcleo, a par tir de uma super fí cie menos orde nada. Se esse modelo valer também para o gelo ordinário (tipo Ih) obtido em congeladores domésticos, então, a fusão da camada externa de um bloco de gelo deve, em princípio, fornecer estruturas ice-like[29] no líquido que são diferentes daquelas obtidas pela fusão do núcleo do gelo. Porto e Faigle[30, 72] fizeram alguns experimentos que permitiram demonstrar essa diferença da água obtida pelas diferentes camadas do gelo. A 1ª fração líquida, que corresponde àquela proveniente da camada mais externa e desordenada do gelo, possui características semelhantes à água tratada no campo magnético, tanto na absorção de luz ultravioleta, quanto na cinética de permeação de água nas sementes de trigo e na pele humana. Frente às evidências experimentais apontadas pelas medidas físico-químicas e biológicas das amostras de água tratada em relação às do grupo controle, que modelo podemos adotar para a água líquida? Dentre os modelos existentes, que podem ser divididos basicamente em modelo contínuo[31,32] e modelo de misturas[29], o segundo parece explicar melhor as alterações do comportamento da água quando submetida aos processos de fusão fracionada ou de ação do campo magnético. Nesse modelo, a água sendo composta por clusters de diferentes tamanhos poderia sofrer alterações na sua distribuição populacional pela ação do campo magnético ou pelo fracionamento das camadas do cristal de gelo. Resta-nos saber se esse modelo é plausível. Podemos falar em clusters de água de forma destemida?

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José Fernando G. Faigle e Maria Eugenia G. Porto

Estudos teóricos de clusters de água Aglomerados ou clusters de moléculas de água têm sido foco de considerável interesse nesses últimos anos no mundo acadêmico. Um dos objetivos é entender quais as propriedades do cluster de (H2O)n na fase condensada[73]. Clusters pequenos de água permitem o estudo detalhado, teórico e experimental, da estrutura e da dinâmica das ligações de hidrogênio que determinam muitas propriedades da água líquida. Por um lado, novas técnicas experimentais têm permitido a obtenção de constantes rotacionais para clusters pequenos e até a detecção vibracional do estiramento da ligação de hidrogênio para o trímero de água, pela espectroscopia de tunelamento rotovibracional[37,38]. Do lado teórico, há um empenho para se conseguir potenciais de interação água-água mais precisos[73], mas a medida em que o número de moléculas de água aumenta, os cálculos se tornam mais difíceis devido à complexidade da superfície de potencial e às pequenas diferenças entre os clusters estáveis. Na literatura, encontram-se alguns trabalhos teóricos[14,18,26,34,59] que tratam de clusters de água de diversos tamanhos, com suas respectivas energias, geometrias otimizadas e em alguns casos, previsões de espectros eletrônicos[34] para clusters de até 6 moléculas de água. Tais estudos, que direta ou indiretamente vinculam-se ao modelo de misturas de Frank e Wen, admitem como possível a existência de clusters na estrutura da água líquida. Outros trabalhos prevêem por meio de cálculos matemáticos variações em algumas propriedades da água quando exposta a campos magnéticos de diferentes intensidades [59]. Estudos teóricos[30,74] para clusters de água (H2O)n (1 £ n £ 12), realizados em nível Hartree-Fock e de Teoria Funcional da Densidade (DFT) indicaram uma estabilização energética do sistema à medida em que o

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tamanho do cluster aumenta, como mostra a Figura 12. Em alguns casos, o valor de energia encontrado para a extrapolação de clusters com tamanho infinito (-11,7kcal mol-1) aproxima-se muito do valor experimental de entalpia de fusão da água (-11,3kcal mol-1). Este fato demonstra que a adoção do modelo de clusters, que é o único disponível para explicar alguns comportamentos experimentais da água, não compromete os requisitos essenciais de estabilização do sistema, pelo menos no que diz respeito aos cálculos de energia. Do ponto de vista entrópico, não existem cálculos disponíveis comparando a restrição imposta a cada molécula na formação de um cluster com uma mesma restrição na rede tridimensional, também chamada de network, como propõe o modelo contínuo.

Figura 12. Curvas de valores de energia de interação por molécula de água utilizando-se os métodos STO-3G, 6-31G, SBK, SBK (d,p) e BLYP, B3LYP e BPW91 com bases duplo zeta de valência (pVDT) e triplo zeta de valência (pVTZ)[30,73].

}

CONSIDERAÇÕES FINAIS Os estudos relatados neste texto, bem como os tantos outros disponíveis na literatura, permitem afirmar, com segurança, que algumas propriedades da água líquida dependem de fatores que não têm sido considerados explicitamente nos textos científicos clássicos. Mesmo com temperatura e pressão cons-

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O Campo Magnético e a Água

tantes e sem alteração de composição, diversas propriedades da água líquida são fortemente afetadas por processos físicos que, supostamente, alteram a macroestrutura do meio. Historicamente, o emprego do campo magnético, bem como a ação dos sensitivos, têm sido utilizados para a tarefa de modificar propriedades de diversos sistemas. Um exame mais detalhado desses sistemas mostra a presença de água em todos eles, sendo ela a suposta responsável pelos comportamentos anômalos observados em cada caso. Sendo assim, não é estranho que os estudos que procuram sistematizar e compreender a ação dos campos magnéticos nesses casos, se constituam, fundamentalmente, em estudos da estrutura da água. O presente estudo não é exceção. A explicação para esses fatos nem sempre tem sido satisfatória, o que não nega, de forma alguma, a sua existência. A postura de alguns pesquisadores em ignorar a importância dessas observações não tem sido de grande ajuda no esforço de compreender o que de fato ocorre, justamente com a água, o líquido mais importante para a manutenção da vida no planeta. Entre as propostas de modelo para a água líquida disponíveis na literatura, nos parece que o modelo de misturas é o que permite algumas explicações e previsões de comportamento para amostras de água líquida alteradas por processos físicos. De qualquer forma, continuar a pensar na água simplesmente como H2O parece uma atitude ingênua diante dos fatos. O grande número de horizontes possíveis para este tipo de pesquisa, certamente, trará novos estudos e aplicações no futuro, levando a uma compreensão ao mesmo tempo mais abrangente e mais profunda das propriedades da água.

}

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José Fernando G. Faigle e Maria Eugenia G. Porto

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Aceito em: 24/11/2006 REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


APLICAÇÃO DE UM SEMICONDUTOR EM FOTOCATÁLISE PARA LABORATÓRIOS DE ENSINO DE QUÍMICA Lucas B. Bolzon* Jurandir R. SouzaDe* Alexandre G. S. Prado* Instituto de Química, UnB E-mail: agspradus@gmail.com

* Os autores agradecem ao CNPq/Universal (478012) – pelo apoio financeiro e pela bolsa concedida do prof. A. G. S. Prado – e aos alunos da disciplina de laboratório de Química Inorgânica da turma do 1o semestre de 2004 do período noturno do IQ/UnB pela dedicação nesta nova prática de ensino.

RESUMO O fotoreator foi construído com materiais de baixo custo e fácil obtenção. O reator foi desenvolvido para usar lâmpadas de vapor de mercúrio de 80, 125 e 250 W. Monitoradas para otimizar o sistema, a temperatura da lâmpada não ultrapassou os 50ºC e a da solução os 35ºC. O sistema foi aplicado em um laboratório de ensino para estudar a fotodegradação do corante alaranjado de metila na presença e ausência do fotocatalisador ZnO. A degradação na presença de ZnO ocorreu completamente, enquanto que não foi observada reação na sua ausência. Palavras-chave. Fotodegradação; experimento de ensino; fotocatálise.

ABSTRACT APPLICATION OF A SEMICONDUCTOR ON PHOTOCATALYSIS FOR UNDERGRADUATE CHEMISTRY LABS. The home-made photoreactor was constructed using easily available and low-cost materials. The photoreactor was developed to use mercury vapor lamps of 80, 125 and 250 W. The temperature of the system was followed to optimize the reactor, which does not surpass 50ºC beside lamp and 35ºC in solution. The system was applied in undergraduate laboratory to study the photodegradation of methyl orange dye with and without ZnO photocatalyst. The degradation in presence of ZnO occurred fully, while in this absence it did not occur. Key-words. Fotodegradation; teaching experiment; photocatalysis.


}

INTRODUÇÃO A poluição das águas e do meio ambiente por compostos orgânicos, tóxicos ou não-biodegradáveis, de origem industrial ou de outra fonte antropogênica, causa sérios problemas e prejuízos à saúde do homem e dos outros seres vivos. A grande diversidade de poluentes de diferentes composições químicas exclui a possibilidade de emprego de um método de tratamento universal e abre um leque para o desenvolvimento de métodos de tratamento especiais para a descontaminação da água[1]. Efluentes de alguns tipos de indústrias, como as têxteis, são altamente carregados de corantes não consumidos no processo, surfactantes e, eventualmente, metais tóxicos. Estes efluentes caracterizam-se por apresentar grande variação de pH, altos valores de DQO, biotoxicidade e uma intensa coloração, sendo estimado que cerca de 40% de toda a produção mundial de corantes seja perdida durante o processo de tingimento[2,3]. Existem diversas metodologias de tratamento de efluentes tais como: incineração, tratamento biológico, adsorção em matrizes sólidas etc. Porém, estas técnicas possuem alguns inconvenientes tais como: a formação de dioxinas e furanos causadas pela combustão incompleta durante a incineração, longos períodos de tempo para que o tratamento biológico seja eficaz, bem como o processo adsortivo é baseado na transferência de fase dos contaminantes, sem que sejam realmente destruídos[4-6]. Dentre os diversos processos de descontaminação ambiental, deve-se destacar os processos oxidativos avançados, baseados na geração de

26

radicais livres HOi que são agentes altamente oxidantes. Os radicais hidroxila podem reagir com uma imensa variedade de compostos orgânicos, promovendo a sua completa mineralização em compostos inócuos tais como: CO2, água, óxidos, fosfatos, nitratos, haletos etc[7-9]. Os processos oxidativos avançados (POA) são aplicáveis em poluentes orgânicos persistentes, ou seja, poluentes não biodegradáveis, não tratáveis por métodos biológicos e não assimiláveis sem risco para o meio ambiente. Algumas de suas aplicações são: tratamento de águas que contêm pesticidas, herbicidas, óleos e corantes[7-11], bem como, o tratamento de poluentes voláteis[12, 13]. Estes processos podem ser realizados em sistemas homogêneos e heterogêneos, nos quais os radicais hidroxila são gerados com ou sem irradiação ultravioleta. Entre os processos homogêneos, pode-se citar a utilização de ozônio, peróxido de hidrogênio, decomposição catalítica de peróxido de hidrogênio em meio ácido (reação de Fenton e foto-Fenton). A fotodegradação heterogênea pertence à classe dos POA e é uma tecnologia promissora no tratamento de efluentes industriais e na descontaminação ambiental. O processo é baseado na geração de radicais por irradiação de luz ultravioleta fotocatalisada, geralmente, por um semicondutor inorgânico tal como TiO2, ZnO, CdS, Fe2O3, Nb2O5, cuja energia do fóton é maior ou igual a energia do band gap destes semicondutores para provocar a transição eletrônica[14-17]. A condutividade elétrica do semicondutor pode ser explicada pela teoria do orbital molecular, conforme a Figura 1. Quando os orbitais atômicos se combinam em uma molécula formam-se REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


Aplicação de um Semicondutor em Fotocatálise...

orbitais moleculares, sendo que a diferença energética entre os orbitais diminui com o aumento do número de átomos. No caso específico dos semicondutores, a diferença entre a banda de valência e a banda de condução é pequena. Assim, estes compostos conduzem eletricidade com o aumento de temperatura ou por irradiação de luz[18, 19]. Orbital Energia Atômico N=1

Molécula N=2

Cluster N=200

Semicondutor N=2000

Banda de condução

LUMO

hv

HOMO

do recipiente, foi fixado um soquete para lâmpadas de 27 mm, onde foi colocada uma lâmpada de vapor de mercúrio sem o bulbo de proteção. Na mesma tampa, foram feitos dois orifícios para a passagem dos cabos elétricos. Esta tampa permite a utilização de lâmpadas de vapor de mercúrio de 80 e de 125 W. Em outra tampa, foi colocado um soquete de 40 mm para utilização de uma lâmpada de 250 W de potência.

e-

"Band Gap"

Banda de valência

Figura 1. Modelo energético de Orbital Molecular para o crescimento das partículas de N unidades monoméricas, e o correspondente espaçamento dos níveis de energia.

O uso de materiais comuns aos olhos do estudante de graduação em Química como, por exemplo, o óxido de zinco e um sistema de fotodegradação artesanal, a partir de materiais de fácil acesso e baixo custo, são ferramentas para a introdução dos conceitos da Química Verde na formação dos alunos[16]. Assim, o estudo da fotodegradação de corantes catalisadas pelo semicondutor ZnO foi aplicado em uma prática de ensino de Química com o objetivo de auxiliar na formação de profissionais qualificados para as necessidades do novo milênio usando conceitos básicos da Química.

}

PARTE EXPERIMENTAL Construção de reator O foto-reator foi construído a partir de um recipiente cilíndrico em aço inoxidável de 36 cm de altura, 19 cm de diâmetro (Figura 2). Na tampa REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2

Figura 2. Representação esquemática do foto-reator.

As lâmpadas de vapor de mercúrio chegam a temperaturas de aproximadamente 300oC. Para a diminuição da temperatura do reator foi colocado um ventilador de 12 V e 2 A na lateral do cilindro na altura da lâmpada (16 cm da tampa), e foram confeccionados diversos orifícios na tampa do sistema para a refrigeração do reator. Na base do recipiente cilíndrico foi colocado um pequeno agitador magnético para homogeneizar a solução de estudo.

Variação da temperatura da lâmpada e da solução Um termômetro foi colocado junto a lâmpada e outro, em um béquer contendo 100mL de água. A temperatura foi monitorada durante 24h para o funcionamento de um reator com as lâmpadas de 80, 125 e 250W.

27


Lucas B. Bolzon, Jurandir R. SouzaDe e Alexandre G. S. Prado

Fotodegradação de alaranjado de metila na presença e ausência de ZnO

C

T/ºC

45 B A

40 35 30 25

0

200

400

600

800 t/min

1000 1200 1400

Figura 3. Variação da temperatura das lâmpadas de vapor de mercúrio de potência de 80 W (A), 125 W (B) e 250 W (C) em função do tempo.

C

34 32 T/ºC

Uma solução de 1,0 x 10-5 mol L-1 de alaranjado de metila foi preparada durante a aula prática de laboratório de Química Inorgânica. 100,0 mL desta solução foi transferida para um béquer, o qual foi colocado dentro do fotoreator. Em um segundo béquer, foram colocados 100,0 mL de alaranjado de metila 1,0 x 10-5 mol L-1 na presença de 0,10 g de ZnO, o qual foi colocado dentro de um outro fotoreator. As soluções ficaram sob agitação magnética em um período de 3h, sob irradiação de lâmpada de vapor de mercúrio de 125 W. Alíquotas de 1,0 mL foram coletadas em diversos períodos de tempo até as reações completarem 3h. A quantidade de alaranjado de metila degradado foi acompanhada em um espectrofotômetro Beckman DU-650.

50

30 B

28

A

26 0

}

28

RESULTADOS

200

400

600

800 t/min

1000 1200 1400

Teste do fotoreator com lâmpadas de 80, 125 e 250 W

Figura 4. Variação da temperatura da solução dentro do foto-reator gerada pelo aquecimento das lâmpadas de vapor de mercúrio em função do tempo Potência da lâmpada (A) 80 W, (B) 125 W e (C) 250 W.

Lâmpadas de vapor de mercúrio são muito interessantes para a foto-sensibilização de semicondutores, visto que elas possuem uma grande faixa de emissão na região do ultravioleta, além de apresentarem um custo baixo. No entanto, apresentam como único inconveniente temperaturas elevadas quando em funcionamento, chegando a valores superiores a 300ºC. Os altos valores de temperatura podem provocar a evaporação do solvente, alterando totalmente o comportamento do processo em estudo ou, até mesmo, colocando em risco a reação em si. Para minimizar o efeito da temperatura, foi adaptado no foto-reator, um ventilador na altura da lâmpada e com orifícios na sua parte superior para a refrigeração do sistema. As evoluções das temperaturas da lâmpada e da solução durante o funcionamento do fotoreator são mostradas nas Figuras 3 e 4.

Os resultados obtidos no sistema mostram que, utilizando uma lâmpada de 80 W, sua temperatura alcançou 38ºC, mantendo-se constante por um longo período de tempo, ao passo que a temperatura da solução, manteve-se praticamente à ambiente. Já os sistemas com as lâmpadas de 125 e 250 W tiveram um aumento na temperatura da lâmpada chegando ao máximo de 40 e 50ºC e ficando constantes em 39 e 49ºC, respectivamente. Já a temperatura da solução, teve um pequeno acréscimo, alcançando 29ºC para a lâmpada de 125 W e 34ºC com a lâmpada de 250 W. A pequena variação da temperatura mostra a estabilidade do sistema para processos reacionais e que o reator desenvolvido pode ser, normalmente, aplicado em práticas de ensino da graduação. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


Aplicação de um Semicondutor em Fotocatálise...

0,3

Absorbância

Assim, o sistema previamente testado foi usado em uma prática de ensino, na qual foi estudado a degradação do corante alaranjado de metila sob irradiação UV de uma lâmpada de vapor de mercúrio de 125 W, na presença e na ausência do semicondutor ZnO.

0,2

0,1

0,0 300

Fotoreação na prática de ensino

1.2x10-5

600

Figura 6. Espectros na região do visível para o alaranjado de metila em função do tempo de irradiação na presença de ZnO.

Assim, foram obtidos os valores de concentração do corante durante as reações de fotodegradação na presença e na ausência de ZnO, como apresentado na Figura 7. B

1.0x10-5 8.0x10-6 C/mol L-1

Os resultados obtidos mostram que, em 30 min, a solução, na presença de ZnO, perdeu totalmente a coloração, enquanto que a solução irradiada, na ausência do semicondutor, manteve a cor inicial. Após a coleta da última alíquota em 150 min, as soluções foram levadas ao espectrofotômetro para a determinação da concentração do corante, obtidas por meio de curvas analíticas de soluções com quantidades conhecidas do alaranjado de metila (zero a 1,0x10-5 mol/L). Neste momento, foram apresentados os conceitos básicos de espectrofotometria de transição eletrônica e da Lei de Lambert-Beer aos alunos. A curva analítica obtida (Figura 5) foi utilizada para a obtenção da equação (C = 9,81 x 10-9 + 4,54 x 10-5 A) que correlaciona as concentrações do alaranjado de metila (C) com as suas respectivas absorbâncias, a partir do valor máximo de absorbância observado (461 nm) conforme a Figura 6.

400 500 Comprimento de onda/nm

6.0x10-6 4.0x10-6 2.0x10-6 A 0.0 0

20

40

60

80 t/min

100 120 140 160

Figura 7. Fotodegradação do alaranjado de metila em função do tempo de irradiação com lâmpada de vapor de mercúrio de 125 W na presença (A) e ausência (B) de ZnO 1 g L-1.

CAM/mol L-1

1.0x10-5 8.0x10-6 6.0x10-6 4.0x10-6 2.0x10-6 0.0 -2.0x10-6 -0.05

0.00

0.05

0.10 0.15 Absorbância

0.20

0.25

Atividade fotocatalítica

Linear Regression for Data 1_B: Y=A+B*X Parameter A B

Value

Error

8.55662E-9 4.53447E-5

R

SD

1

1.62009E-8

N

Os resultados mostram claramente que na ausência de ZnO não ocorreu a degradação do alaranjado de metila enquanto que na sua presença, a quantidade do corante diminui drasticamente até 90 min, tornando-se constante e próxima a zero.

1.20576E-8 9.43174E-8

P 3

O mecanismo do processo de fotodegradação é caracterizado, primeiramente, pela adsorção do corante pelo óxido, seguido da reação do substrato com os radicais livres na superfície do material

0.00132

Figura 5. Curva analítica para o alaranjado de metila. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2

29


Lucas B. Bolzon, Jurandir R. SouzaDe e Alexandre G. S. Prado

como mostra a Figura 8[17]. A reação de fotodegradação segue um esquema contínuo e dinâmico de sucessivas adsorções e reações na superfície do semicondutor (Figura 9)[17]. Como o processo de fotodegradação do alaranjado de metila só foi observado na presença do semicondutor ZnO, a reação é explicada pelas propriedades de semicondução deste óxido[15].

HO2i conforme apresentado na Figura 10 e no esquema reacional[15]. ZnO ¾hv ¾® ZnO(e -BC + h +BV ) ZnO(h +BV ) + H2 O ¾ ¾® ZnO + HO · + H+ ZnO(h +BV ) + OH- ¾ ¾® ZnO + HO · ZnO(e -BC ) + O2 ¾ ¾® O-2 · O-2 · + H+ ¾ ¾® HO2 · ZnO(e -BC + h +BV ) ¾ ¾® ZnO + D

Corante Adsorção

Degradação

CO2 H2O SO42- NO3-

ZnO

Figura 8. Esquema para a degradação do corante na superfície do compósito.

Assim, a fotocatálise ocorreu pelo processo de competição entre doação eletrônica retirada da superfície do óxido e a recombinação do par elétron/lacuna[15]. Estes radicais formados são extremamente reativos, resultando na degradação do corante alaranjado de metila.

hv e- Zn h+ Zn

O

Zn Zn

OH

H2O

O -

hv

Zn Zn

O OH

Zn Zn

H2O2 Banda de condução e-BC

HO Corante

O -+ OH + -

Figura 9. Esquema do ciclo reacional da fotodegradação do corante.

Segundo a teoria da fotocatálise em sistema aquoso, a formação dos radicais livres ocorre pela excitação de elétrons, promovidos – por irradiação ultravioleta – da banda de valência (BV) para a banda de condução (BC), formando sítios oxidantes e redutores. A promoção do elétron (e-) para a BC resulta na formação de uma lacuna (h+) na banda de valência. Estas lacunas apresentam potenciais bastante positivos capazes de gerar radicais HOi a partir das moléculas de água adsorvidas na superfície do semicondutor. Os elétrons foto-gerados na banda de condução também são capazes de formar radicais livres derivados do oxigênio, tais como: O2i- e

30

O2-

O2

OH +

CO2+H2O

HO

h+BV Banda de valência

OH-

H2O (Partícula de ZnO em água)

Figura 10. Esquema do mecanismo geral da foto-catálise na superfície da partícula de ZnO.

A fotodegradação heterogênea deve ocorrer na interface sólido-líquido, no momento em que o corante for adsorvido na superfície do material semicondutor. Assim, a velocidade de degradação do corante depende da adsorção e da habilidade fotocatalítica do compósito. Para determinar estes parâmetros, foi utilizada a equação de Langmuir- Hinshelwood[16, 17, 19-21]: r

LH

=

-dC dt

=

kKC 1 + KC

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


Aplicação de um Semicondutor em Fotocatálise...

onde rLH é a taxa de degradação, k é a constante de equilíbrio, K é a constante de adsorção de Langmuir e C é a concentração do substrato. Este modelo assume que no equilíbrio, o número de sítios adsorvidos na superfície é constante, e somente um substrato é adsorvido em cada sítio. Assim, o calor de adsorção do substrato é o mesmo para cada sítio, e independente da cobertura da superfície, e que não há nenhuma interação entre as moléculas adjacentes[19]. A velocidade de adsorção na superfície do substrato é maior que a velocidade de qualquer reação química subseqüente, sendo assim, a fotodegradação do corante depende da capacidade de adsorção do semicondutor bem como da velocidade da reação de degradação. Os valores das constante k e K para a fotocatálise de Alaranjado de Metila em ZnO foram de 21,70 mmol L-1 h-1 e 0,70 L mmol-1 , respectivamente. Tais valores foram calculados aplicando a equação de Langmuir-Hinshelwood a partir dos dados do gráfico da Figura 11.

práticos de semicondutância, espectroscopia eletrônica e de Química Verde. Apresentamos, aos estudantes, algumas questões para que eles pudessem melhor direcionar a elaboração dos seus relatórios: 1. Porque a degradação ocorreu somente na presença de ZnO? 2. O que é um semicondutor? 3. Apresente um esquema do mecanismo da excitação eletrônica do ZnO em água. 4. Qual é a importância da adsorção na fotocatálise heterogênea? 5. Quais são os conceitos da química verde? Este experimento se enquadra em algum deles? Qual?

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1.2x105

6.0x104 4.0x104

0.0

5.0x105

1.0x106

1.5x106

2.0x106

2.5x106

(1/C)/ L mol-1

Figura 11. Cinética de degradação de Langmuir- Hinshelwood para a fotodecomposição de alaranjado de metila catalisado por ZnO.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta prática desperta no aluno um grande interesse, pois apresenta a aplicação de um reagente comum como possível solução de um problema de contaminação ambiental. Os experimentos também possibilitam a inserção dos conceitos básicos e

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[17] FOX, M. A.; DULAY, M. T. Chem. Rev., v. 93, 341, 1993. [18] VOGEL, R.; HOYER, P.; WELLER, H. J. Phys. Chem., v. 98, 3183, 1994.

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Recebido em: 22/08/2006 Aceito em: 30/11/2006

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CROMATOGRAFANDO COM FOLHAS DE MANGUEIRA NO ENSINO DE QUÍMICA Antonia Maria das Graças Lopes Citó José Arimatéia Dantas Lopes Laurentino Batista Caland Neto Mariana H. Chaves Wagner Soares de Alencar Departamento de Química, Universidade Federal do Piauí E-mail: mariana@ufpi.br

RESUMO Este artigo descreve um experimento de extração e avaliação das técnicas de cromatografia em camada delgada (CCD) de gel de sílica para separação de pigmentos foliares. Pela riqueza de pigmentos e maior disponibilidade do material vegetal, sugere o uso de folhas de mangueira (Mangifera indica), em substituição ao espinafre (Spinacia oleracea). A importância do presente experimento consiste em despertar no aluno, o interesse pelo tema cromatografia, utilizando uma de suas técnicas para separar pigmentos naturais, com melhor resolução e reprodutibilidade, resultados que nem sempre são alcançados em alguns experimentos clássicos propostos na literatura. Palavras-chave. Pigmentos naturais; magueira; CCD; gel de sílica.

ABSTRACT “CHROMATOGRAPHING” WITH MANGO-TREE LEAVES IN THE TEACHING CHEMISTRY. This paper describes one experiment of extraction and evaluation of thin-layer chromatography (TLC) with silica gel plates technique for separation of natural pigments. By the abundance of pigments and the larger plant material access, recommends the use of leaves of Mangifera indica (mango-tree) in substitution of Spinacia oleracea (spinach). Key-words. Natural pigments; mango-tree; TLC; silica gel.


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INTRODUÇÃO A cromatografia é um método de separação que se fundamenta na distribuição dos componentes de uma mistura entre duas fases em contato íntimo, uma denominada fixa ou estacionária (pode ser um líquido ou sólido) e outra, móvel ou eluente (um fluído supercrítico, líquido ou gás). Durante o processo cromatográfico, a fase móvel desloca-se através da fase estacionária resultando em migrações diferenciais dos componentes da mistura que ficam seletivamente retidos na fase estacionária, de acordo com a afinidade que têm com a mesma. A cromatografia é bastante versátil e, dependendo da técnica empregada, possibilita a separação de misturas sólidas, líquidas e gasosas[1-3]. A cromatografia em camada delgada (CCD), em inglês thin-layer chromatography (TLC), consiste de uma camada de aproximadamente 0,3 mm de fase estacionária (gel de sílica, pó de celulose, entre outros), espalhada uniformemente sobre uma superfície plana, geralmente, uma placa de vidro. Em se tratando do gel de sílica (SiO2.nH2O), mais freqüentemente usada, a atividade ácida e de formação de ligação de hidrogênio do grupo silanol (Si-OH) conferem à sílica uma excelente superfície de adsorção e, por essa razão, substâncias mais polares têm maior afinidade com o gel de sílica, ficando mais adsorvidas neste e as menos polares têm mais afinidade com a fase móvel, deslocando-se com a mesma durante o processo cromatográfico. As vantagens do uso da CCD são: fácil compreensão, versatilidade, reprodutibilidade, rapidez e baixo custo[1-4].

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O processo cromatográfico é, em geral, abordado nos livros textos de experimentos de química orgânica e em manuais de laboratórios utilizando a técnica de cromatografia em papel ou, alternativamente, usando uma barra de giz, onde a mistura a ser separada é um extrato de pigmentos vegetais, obtido de folhas de espinafre (Spinacia oleracea), ou uma mistura de corantes artificiais, geralmente pigmentos de tinta de caneta[5-11]. Na cromatografia em papel (CP), as fases móvel e estacionária são líquidas, o papel, formado por celulose [(C6H10O5).n], polímero de mais de 2.000 unidades de b-D-glicose, é apenas o suporte, a fase estacionária é a água que fica retida no papel pela formação de ligações de hidrogênio com as hidroxilas da celulose[1-2]. Os componentes da mistura são distribuídos, com base em suas solubilidades, entre as duas fases líquidas (móvel e estacionária), por essa razão e pela falta de uniformidade do papel não apresenta boa reprodutibilidade[1-2]. O uso de giz (sulfato de cálcio – CaSO4) como fase estacionária, não é uma opção recomendada, pois apresenta um baixo poder de adsorção e, conseqüentemente, não se consegue boa resolução[6]. Este trabalho tem como objetivo propor um experimento de CCD de gel de sílica como a alternativa mais apropriada para análise qualitativa de pigmentos foliares utilizando folhas de mangueira (Mangifera indica), em substituição ao espinafre. Este experimento é realizado em aulas de Química Orgânica dos cursos de graduação em Química da Universidade Federal do Piauí e desperta bastante o interesse dos alunos. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


Cromatografando com Folhas de Mangueira...

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MATERIAIS

da mancha de forma que seu diâmetro não deva ultrapassar 2 mm durante a aplicação da amostra. Deixar o solvente evaporar e colocar a placa na cuba contendo o eluente para ocorrer o desenvolvimento cromatográfico (eluição).

Folhas de mangueira e espinafre, éter de petróleo (p.e. 80-100ºC) ou hexano, etanol ou álcool etílico comercial, erlennmeyer de 25 mL, becker de 50 mL, tesoura, almofariz, funil de separação de 60 mL, proveta de 10 mL, algodão, pipeta de Pasteur, chupeta de látex (ou conta-gotas), papel de filtro, capilares de vidro, cubas cromatográficas ou frasco de geléia com tampa, placas de gel de sílica preparadas manualmente em lâminas de microscópio.

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Desenvolvimento cromatográfico Preparar uma cuba ou becker de 100 mL, colocando uma tira de papel de filtro de 4x5 cm e 5 mL de hexano-acetato de etila (8:2). Cobrir e esperar o tempo suficiente para que ocorra a completa saturação. Colocar cuidadosamente a placa cromatográfica na cuba, evitando que o ponto de aplicação da amostra mergulhe no solvente. Quando o solvente atingir aproximadamente 0,5 cm do topo da placa, remover a placa e marcar a frente do solvente (linha de chegada da fase móvel). Deixar secar ao ar e observar o número de manchas coloridas. Copiar a placa com as substâncias separadas (cromatograma), obedecendo fielmente a distância entre o ponto de aplicação e a frente do solvente, bem como a distância percorrida por cada substância, iniciando pelo ponto de aplicação até o centro de maior concentração da mancha.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL Extração de pigmentos Coletar algumas folhas de mangueira (5 g) e, com o auxílio de uma tesoura, cortar em pequenos pedaços e triturar em um almofariz usando 12 mL de uma mistura de 2:1 de éter de petróleo ou hexano e etanol. Depois de juntar a última porção da mistura de éter de petróleo e etanol, continuar a triturar até restarem apenas alguns mililitros de solvente. Utilizando uma pipeta de Pasteur e um pequeno chumaço de algodão, filtrar o extrato, transferindo-o para um funil de separação e adicionar igual volume de água. Girar lentamente o funil, pois a agitação brusca pode causar a formação de emulsão. Deixar em repouso para separar as duas fases e descartar a fase inferior (hidroalcoólica). Transferir a fase orgânica (solução contendo os pigmentos) para um erlenmeyer e adicionar, aproximadamente, 2 g de sulfato de sódio anidro. Após alguns minutos, utilizando uma pipeta de Pasteur, decantar a solução de pigmentos do sulfato de sódio, transferindo para um becker. Se a solução não estiver fortemente colorida de verde escuro, concentrar parte do solvente, usando uma suave corrente de ar.

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Aplicação da amostra na placa Utilizando um capilar, aplicar de cinco a sete porções da solução de pigmentos sobre uma placa de sílica (2,5 x 7,5 cm), previamente preparada, a 1,0 cm de uma das extremidades. Evitar a difusão REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2

RESULTADOS E DISCUSSÃO Embora seja recomendado o uso de folhas verdes, de qualquer planta, as de espinafre são geralmente preferidas para obtenção de pigmentos e análise cromatográfica, fato justificado pela facilidade de extração destas substâncias por maceração e pela sua abundância nesse vegetal. No entanto, em função da grande quantidade de água presente no espinafre, sua deterioração é facilitada e, se as folhas não estiverem bem frescas, ocorrerá comprometimento dos resultados obtidos em experimentos de análise de pigmentos por cromatografia. Extratos de mangueira e espinafre foram preparados. Observou-se visualmente, que o da mangueira apresentava coloração mais intensa, embora este último tenha sido preparado a partir de 10g de folhas ao invés de 5g. Estes achados sugerem uma maior concentração de pigmentos extraídos das

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Antonia Maria das Graças Lopes Citó et al.

folhas de mangueira, sendo este pressuposto confirmado por CCD, onde o cromatograma do extrato das folhas de mangueira apresentou manchas coloridas mais intensas em comparação ao de folhas de espinafre (Figura 1). Nas condições utilizadas no experimento de CCD (Figura 1) verifica-se uma boa resolução (distância entre as manchas) na separação dos pigmentos vegetais: carotenos (laranja), clorofilas a (verde azulada), clorofila b (verde amarelada), xantofilas (amarela alaranjada) e entre outros, possivelmente produtos de degradação das clorofilas mediante perda do magnésio (feofitinas a e b).

mostrou-se bastante satisfatório para abordagem do processo cromatográfico e, embora as bandas da clorofila b e xantofilas apareçam sobrepostas na maioria dos experimentos de separação de pigmentos por cromatografia, o cromatograma obtido, usando como eluente hexano-acetato de etila (8:2), apresentou bandas bem resolvidas inclusive as referentes a estas substâncias.

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REFERÊNCIAS [1] COLLINS, C. H.; BRAGA, G. L.; BONATO, P. S. Fundamentos de cromatografia. Campinas: Editora da UNICAMP, 2006. [2] AQUINO NETO, F. R.; NUNES, D. S. S. Cromatografia: princípios básicos e técnicas afins. Rio de Janeiro: Interciência, 2003. [3] DEGANI, A. L. G.; CASS, Q. B.; VIEIRA, P. C. Química nova na escola n. 7, p. 21-25, 1998. [4] CHAVES, M. H. Química Nova, v. 20, n. 5, p. 560-562, 1997. [5] PALOSCHI, R; ZENI, M.; RIVEROS, R. Química nova na escola n.7, p. 35-36, 1998. [6] OLIVEIRA, A. R. M.; SIMONELLI, F.; MARQUES, F. A. Química nova na escola n. 7, p. 37-38, 1998.

Figura 1. Cromatograma em camada delgada de gel de sílica. Extratos: mangueira (1), espinafre (2); A: placa com um desenvolvimento; B: placa com dois desenvolvimentos.

A espessura da camada de gel de sílica pode variar em decorrência do preparo manual das placas, e desta forma, as bandas referentes a clorofila b e xantofilas podem ficar próximas da origem (ponto de aplicação), quando isto ocorrer, recomenda-se um segundo desenvolvimento, no mesmo eluente, evitando a frente do solvente atingir a banda referente aos carotenos, conforme realizado na obtenção do cromatograma da Figura 1 (placa B).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS A utilização de extrato de folhas de mangueira para análise de pigmentos através de cromatografia em camada delgada de gel de sílica

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[7] LISBÔA, J. C. F. Química nova na escola. n. 7, p. 38-39, 1998. [8] FONSECA, S. F.; GONÇALVES, C. C. S. Química nova na escola. n. 20, p. 55-58, 2004. [9] ROBERTS, R. M.; GILBERT, J.C.; RODEWALD, L. B.; WINGROVE, A. S. Modern experimental organic chemistry. 4th ed. Philadelphia: Saunders College Publishing, 1985. [10] BESSLER, K. E.; NEDER, A. V. F. Química em tubos de ensaio: uma abordagem para principiantes. São Paulo: Edgard Blücher, 2004. [11] QUACH, H. T.; STEEPER, R. L.; GRIFFIN, W. Journal of Chemical Education v. 81, n. 3, p. 385-387, 2004.

Recebido em: 03/06/2006 Aceito em: 13/11/2006

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A PESQUISA EM EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE QUÍMICA Ana Luiza de Quadros Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG

RESUMO Os conceitos de “professor pesquizador” e “professor reflexivo” surgiram no âmbito educacional em grande impacto. Sem discutir as diferenças entre dois conceitos, este artigo analisa a formação de pofessores e sugere um meio de aproximar o futuro professor desses conceitos. É, portanto, uma experiência que pretende inserir os alunos dos cursos de formação de professores na pesquisa educacional. Palavras-chave. Formação de professores, professor pesquisador, professor reflexivo.

ABSTRACT THE RESEARCH IN EDUCATION IN THE FORMATION OF THE CHEMISTRY’S TEACHER. The trends “teacher as researcher” and “reflective teacher” have appeared in the educational scene with growing impact. Without arguing the differences between both, this article discuss the formation of the teacher and suggest a form to approach the future teacher of both trends. Thus, an experience that intends to insert the pupil of courses of teacher’s formation in the educational research is presented. Key-words. Teacher’s formation, teacher searching/reflective.


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ratar a formação docente exige um esforço considerável no sentido de compreendermos suas múltiplas interpretações e suas mais variadas especificidades. Ainda mais, considerando que a formação docente não se limita ao tempo/espaço de um curso de licenciatura, mas inicia-se mesmo antes do ingresso na vida escolar, passa pela formação mais específica e se consolida na prática de sala de aula, como professor. Mesmo sendo uma formação que se dá ao longo da vida, ela não acontece de maneira linear, sistematicamente organizada, nem de forma controlável ou previsível. Nesse tempo de trabalho com formação de professores de Química, percebemos que o professor formado tende a assumir práticas pedagógicas que derivam muito mais das práticas de seus professores do que das ensinadas na licenciatura. Parece que ao invés de aplicar as práticas pedagógicas ou teorias de ensino e aprendizagem mais modernas estamos apenas falando sobre elas. Há uma oscilação histórica quanto ao papel do professor de ensino fundamental e médio, nos processos de inovação curricular, que perpassa dois extremos: em um, a figura do professor é reduzida a mero transmissor de conhecimentos já produzidos e deve, por meio de cursos de atualização, apropriar-se deles, e no outro, o professor deve lutar por sua autonomia profissional, trabalhando como professor pesquisador/reflexivo na produção de novos conhecimentos, participando ativamente das inovações curriculares que atendam aos desafios sociais, culturais, políticos etc. Esses extremos se fazem presentes dentro dos próprios cursos de formação de professores, ou

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seja, nas licenciaturas, em uma dicotomia explícita entre teoria e prática e entre conteúdo específico e pedagógico. Também é uma realidade, nos cursos de licenciatura, o pouco status da área de ensino. Ou ela está subordinada a um órgão externo ao curso – as faculdades de educação – ou está representada, dentro do departamento/instituto, por um número muito reduzido de professores. Ao ingressar no curso, os alunos se deparam com esse status diferenciado entre as áreas de conhecimento específico e a área de ensino. Ao envolverem-se com atividades que vão além das aulas, é muito provável que o envolvimento se dê com as áreas específicas do conhecimento, já que o número de professores/ pesquisadores é maior e, portanto, as bolsas de iniciação científica, nas suas diversas modalidades, são, também, em maior número. Sabemos que o envolvimento com a pesquisa é importante e necessário em qualquer área. Galiazzi[4] afirma que a pesquisa é princípio formativo, de construção de qualidade, de construção de conhecimento e de entendimento epistemológico. Concordamos com

a autora, mas, neste caso, estamos questionando o envolvimento do aluno com apenas um tipo de pesquisa: aquela mais ligada ao conhecimento específico, que alguns autores chamam de pesquisa acadêmica. Parece-nos que este envolvimento diferenciado aumenta a dicotomia existente entre a teoria e a prática, à medida que pode estar reforçando a idéia de que a pesquisa é feita pelos pesquisadores e ao professor, cabe apenas a tarefa de ensinar. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


A Pesquisa em Educação na Formação...

A dicotomia existente dentro dos cursos de formação inicial de professores, no que se refere à teoria e prática e ao conteúdo das disciplinas consideradas mais específicas e daquelas consideradas mais pedagógicas, vem, há muito, recebendo críticas. Pensar que um aluno, depois de formado, seja capaz de lidar com os conteúdos específicos recebidos durante o curso de forma a torná-los didaticamente acessíveis aos alunos da educação básica é, no mínimo, jogar sobre ele uma responsabilidade para a qual, provavelmente, não o preparamos. Vem se tentando criar, nos cursos de formação de professores, um eixo articulador da prática pedagógica, como se ele pudesse resolver o problema. Está se considerando que umas poucas disciplinas serão capazes de acabar com problemas caóticos de currículo. A formação de professores não pode considerar algumas poucas disciplinas, deve ser preocupação do curso como um todo. Até mesmo a bibliografia disponível apresenta duas linguagens diferentes: uma mais teórica e outra prática. Salvo raras e boas exceções, os livros que os alunos usam ou são específicos do conhecimento “duro” ou são de conhecimentos específicos da área mais pedagógica. Considerando os dois eixos existentes nos cursos de formação de professores, podemos entender o famoso jargão “na prática, a teoria é outra”. Considerando, então, que o aluno das licenciaturas tende a se envolver mais com a pesquisa acadêmica e que a formação do professor se consolida na sua atividade de sala de aula, vamos dirigir o olhar para uma forma mais específica de pesquisa e de envolvimento do aluno: a pesquisa sobre a prática pedagógica ou a pesquisa em ensino. Segundo Fazenda[1], há bem pouco tempo o fenômeno educativo era estudado apenas por cientistas de outras áreas, principalmente cientistas sociais e psicólogos. O educador, na maioria dos casos, era apenas objeto das pesquisas.

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Mas a exigência, hoje, é outra. A atividade do professor em sala de aula agrega tantas especificidades que, entre as competências necessárias para ser professor, está a postura reflexiva e a capacidade de analisar a própria prática. A partir dessa análise, o professor estaria mais aberto a efetuar melhorias no trabalho de sala de aula. Assim, as posturas de professor pesquisador ou de professor reflexivo têm ganho um espaço muito importante entre os educadores. Apesar de não ser uma solução imediata para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem, mostra-se, a médio e longo prazo, como uma possibilidade importante, uma vez que o professor passa a analisar mais criticamente o seu próprio trabalho. Segundo Nóvoa[6], o paradigma do professor reflexivo, isto é, do professor que reflete sobre a sua prática, que pensa, que elabora em cima dessa prática, é o paradigma hoje em dia dominante na área de formação de professores.

Apesar de haver muitos artigos explicando a diferença entre as correntes professor pesquisador e professor reflexivo, considero que elas fazem parte de uma mesma preocupação, que o professor assuma as “rédeas” de seu trabalho, tornando a sala de aula objeto de pesquisa e reflexão. E que essa reflexão provoque mudanças que visem a melhoria do ensino e aprendizagem. Quanto a essas diferentes correntes, Nóvoa argumenta que professor pesquisador e professor reflexivo pertencem a correntes diferentes para dizer a mesma coisa. São nomes distintos, maneiras diferentes dos teóricos da literatura pedagógica abordarem uma mesma realidade. A realidade é que o professor pesquisador é aquele que pesquisa ou que reflete sobre a sua prática. Temos observado que, por meio da pesquisa, o educador consegue recuperar aspectos de sua dignidade perdida e que, aquele que consegue desenvolver-se em pesquisa, não consegue mais retroceder ao puro exercício do ensino em sala de aula[1].

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Ana Luiza de Quadros

Acrescento que este tipo de pesquisa transformou e redimensionou a minha prática, enquanto professora de Ensino Médio e, por isso, acredito que ela possa transformar e redimensionar a sala de aula de quem por ela se aventurar. A questão que levantamos, agora, é sobre a formação do professor reflexivo ou professor/pesquisador de sua própria prática. Como se forma esse professor? Isso, ao que parece, ainda não está resolvido. Há um acúmulo de experiências que apontam para algumas perspectivas. Mas, enquanto comunidade de educadores, continuamos a experimentar novos caminhos.

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RELATANDO UMA EXPERIÊNCIA Descrevo, aqui, uma possibilidade que tenho usado para o envolvimento dos alunos da Licenciatura em Química na pesquisa em educação. Criamos, no DQ/UFMG, uma disciplina chamada Introdução à pesquisa em Ensino de Química. Nela, não estamos pesquisando a prática pedagógica de cada um dos participantes, mesmo porque, a maioria deles não é, ainda, professor. Mas estamos possibilitando a convivência desses alunos em cada uma das etapas da pesquisa. Os alunos/ pesquisadores são cuidadosamente colocados em posição não apenas de quem passeia pelos dados e fica alheio aos resultados, mas de quem usa os dados para pensar na sua própria prática e na sua própria formação. Iniciamos esta disciplina com um olhar sobre a escrita, dialogando com autores que têm a preocupação de mostrar a necessidade da escrita e a sua possibilidade como organizadora das formas de pensar, como diálogo crítico consigo mesmo e com os diferentes interlocutores. Nosso principal aliado foi, sem dúvida, Mario Osório Marques[5]. Escrever para pensar seria a nossa meta na disciplina ou, como ele diz, escreve-se com a emoção e re-escreve-se com a razão. A definição do objeto/tema/problema da pesquisa é o passo seguinte. Essa definição precisa acontecer a partir das vivências dos partici-

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pantes, apoiadas em diferentes experiências. Ela passa tanto pelas discussões feitas em sala de aula sobre o ensinar e aprender Química quanto pela escrita sobre esse tema, feitas pela lógica das experiências de aluno ou de professor. A partir disso, várias possibilidades de pesquisa são levantadas e apontada a viabilidade ou não de cada uma para o tempo/espaço de uma disciplina. Eliminadas, então, as impossibilidades, entre as possibilidades restantes, escolhe-se aquela que mais encanta o grupo. Definido o objetivo, busca-se novos interlocutores. Vem o momento de encontrarmos as leituras que nos auxiliem a entender o que já se disse sobre o objeto de pesquisa que temos, porque disseram e como chegaram, os nossos interlocutores, aos resultados que publicaram. Neste diálogo com autores, reorganizamos nossas idéias pela escrita e construímos um texto com o intuito de usá-lo como referência para a análise dos dados. Também é necessária a busca de autores que nos falem da pesquisa educacional e dos instrumentos possíveis para a coleta de dados. Com esse novo diálogo, construímos nossos instrumentos de coleta de dados. A partir daí, a tarefa é ir a campo coletar os dados. A análise dos dados torna-se um grande desafio, já que, como diz Marques[5], o grupo está navegando por mares desconhecidos. Construir categorias de análise é uma etapa feita no grande grupo, pela negociação coletiva e desafiadora. Organizar os dados pela escrita, contrapondo-os com o texto de referência, é outro desafio que, sem dúvida, constrói a competência profissional em cada um dos envolvidos. Esse olhar mais elaborado para os resultados, tentando entendê-los sob o ponto de vista de pesquisador, coloca os alunos em um status diferente do que estão acostumados. Eles não estão estudando um conhecimento já produzido, mas estão produzindo um conhecimento, não necessariamente, inédito no campo científico, mas novo para eles. As situações de dúvida, presentes nesta etapa, servem, na maioria das vezes, como oportunidade de crescimento para o grupo como um todo. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


A Pesquisa em Educação na Formação...

Chegando à última etapa da disciplina, vem a divulgação dos resultados da pesquisa, as formas, os meios e a necessidade dessa divulgação são discutidos e analisados. Os diversos encontros sobre Ensino de Química no país e o que é discutido e divulgado neles vêm à tona. Nesta disciplina, colocamos o foco na formação de habilidades que capacitem o indivíduo a desenvolver pesquisa e, assim, sentir-se capaz de atuar como professor pesquisador ou reflexivo, e por isso, temos colhido alguns resultados significativos em termos de produção de conhecimento, com a aceitação de artigos em revistas especializadas e trabalhos em congressos.

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PALAVRAS FINAIS Galiazzi[4] diz que a pesquisa não é o único caminho para o desenvolvimento profissional, mas é essencial para a construção da competência em qualquer prática profissional, e incluimos aí, a formação docente. Por meio da pesquisa, várias competências podem ser desenvolvidas pelo professor e são altamente necessárias no seu trabalho em sala de aula. Entre elas estão: a capacidade de fazer perguntas sobre o seu trabalho, sobre a aprendizagem de seus alunos, sobre o conhecimento que usa para promover aprendizagens, entre outras; a capacidade de procurar as respostas para essas perguntas, que o levem a entender melhor o trabalho que faz e que o possibilite recomeçar, não do início, mas certamente de um novo lugar, avançando, aprendendo, transformando-se. Acreditamos que, se o professor tiver uma concepção de pesquisa mais ampla, que lhe possibilite diversos olhares sobre o que acontece na escola e na sala de aula, tenderá a se tornar um profissional mais crítico da realidade, do ensino que faz e das aprendizagens decor-

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rentes desse ensino. Para que o professor crie, em sua sala de aula, uma ambiência de pesquisa, ele necessita ser formado nela. E a graduação é um bom espaço/tempo para que o licenciando se perceba como pesquisador, como produtor de conhecimentos vinculados ao seu cotidiano e entenda o espaço/tempo do trabalho do professor, em sala de aula, como um local privilegiado de pesquisa, de uma pesquisa que o transforma e transforma a todos os envolvidos. O envolvimento dos alunos na pesquisa em educação ocorreu, antes de tudo, com o objetivo de desenvolver habilidades para esse tipo de trabalho. O conhecimento gerado nessas pesquisas foi uma conseqüência. As pesquisas foram, portanto, mais uma estratégia de formação de professores que, associada a outras tantas, pode colaborar na formação de um professor reflexivo ou pesquisador de sua própria prática pedagógica. Os saberes docentes são aprendidos, vivenciados, transformados a partir das mais variadas situações por eles vivenciadas. Além do conhecimento disciplinar ou específico de seu campo de atuação e do saber pedagógico, os quais o professor deve ter, há um conhecimento feito na prática, que é construído na experiência e, sem dúvida, na reflexão sobre essa experiência. Julgo altamente recomendável a inserção na pesquisa qualitativa durante a graduação. Ao interagir diretamente com pesquisadores e vivenciarem, efetivamente, as várias etapas da pesquisa, os futuros professores podem vir a ser co-participantes de um saber que se elabora e reelabora a cada momento em detrimento da postura de meros repetidores de um saber acumulado e cristalizado. A experiência profissional pode tornar-se um aprendizado muito significativo na formação do professor, quando decorre de um processo de reflexão e de pesquisa de sua prática. Assim, a experiência não será uma repetição de fazeres, mas uma aprendizagem que produz novos saberes e novos fazeres.

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Ana Luiza de Quadros

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REFERÊNCIA [1] FAZENDA, I. A Pesquisa como instrumentalização da Prática Pedagógica. In: FAZENDA, I. (Org.). Novos Enfoques da Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez, 2001.

[6] NÒVOA, A. O professor pesquisador e reflexivo. 2001. Disponível em: www.tvebrasil.com.br/SALTO/ entrevistas/antonio_novoa.htm Acesso em 13/09/2005.

[2] FIORENTINO, A. et al. A Pesquisa na Formação de Professores, 2002. In: www.anped.org.br/25/minicurso/ apesquisanaformacaodeprofessores.doc

[7] QUADROS, A. L. et al. Os professores que tivemos e a formação de nossa identidade como docentes: um encontro com nossa memória. In: Revista Ensaio. v. 7 n. 1. Disponível em: www.fae.ufmg.br:8080/ensaio/ V7_n1/volumeVIInI.htm

[3] FIORENTINI, D.; SOUZA JR., A. J.; MELO, G. F. A. Saberes docentes: um desafio para acadêmicos e práticos. In: GERALDI, C. M. G.; FIORENTINI, D.; PEREIRA, E. M. A. Cartografias do Trabalho Docente. Campinas – SP : Mercado das Letras, 1998. [4] GALLIAZZI, M. C. Educar pela pesquisa: ambiente de formação de professores de ciências. Ijuí: UNIJUÍ, 2003.

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[5] MARQUES, M. O. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. Ijuí : UNIJUÍ, 1997.

Recebido em: 03/06/2006 Aceito em: 13/11/2006

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POLARIDADE MOLECULAR: ERROS CONCEITUAIS NOS LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO MÉDIO Robson F. de Farias Departamento de Química, Universidade Federal de Rorama E-mail: robdefarias@yahoo.com.br

Mauro C. de C. Góes Cícero W.B. Bezerra Departamento de Química, Universidade Federal do Maranhão Bruna V. de Lima Luciana A. Nascimento Fabiana R.G. e Silva Luiz S. das Neves Departamento de Química, Universidade Federal do Rio Grande do Norte

RESUMO É feita uma análise crítica sobre a polaridade e geometria moleculares nos livros-texto mais usados no Brasil com ênfase na má compreensão da relação entre a polaridade e a geometria moleculares. E também, é proposto um texto alternativo com a revisão das faltas encontradas nos livros-texto tradicionais. Palavras-chave. Polaridade; geometria molecular; ensino médio; livros-texto.

ABSTRACT MOLECULAR POLARITY: COMMON MISTAKES IN THE HIGH SCHOOL TEXTBOOKS. A critical review of the molecular polarity and geometry subject in the most used high school textbooks in Brazil is performed. With special emphasis on the misunderstanding of the molecular polarity relation with the molecular geometry. Furthermore, a new alternative text in proposed in order to overcame the detected faults of the traditional textbooks.


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INTRODUÇÃO O surgimento do livro didático no Brasil está diretamente relacionado com a metodologia do ensino. No início do século XX, a descrição de processos industriais e farmacêuticos predominava nos livros de química destinados ao ensino médio[1]. Com o avanço tecnológico alcançado a partir da segunda metade do século, houve um esforço nacional de se eliminar esse desvio tecnológico revitalizando o ensino das ciências. Desse modo, tentou-se a implantação de projetos norte-americanos, os quais valorizavam o método indutivo e exigiam, para a sua eficaz implementação, excelentes condições materiais e professores muito bem preparados. Exemplos desses projetos são: Chem Study, CBA, IPS. A massificação das escolas secundárias, hoje ditas de nível médio, cujo processo não contou com condições materiais e humanas favoráveis, transformou o livro comercial em único recurso metodológico de ensino. Assim, o livro surge como estruturador das práticas docentes, que se associa a diferentes estudos e a ampliação do sistema de ensino ao longo dos anos. Em pesquisa que abrangeu o período 1875-1978, Schnetzler[2] verificou que, em se tratando de livros didáticos para o ensino de Química no nível secundário, os melhores livros – aqueles capazes de propiciar uma aprendizagem significativa do conhecimento químico –, foram os produzidos no período 1875-1930, havendo, nos livros mais modernos então investigados, um progressivo decréscimo de qualidade.

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Embora, até onde seja de nosso conhecimento, uma idêntica investigação cobrindo o período 1979-2007 ainda não tenha sido levada a cabo, acreditamos que o decréscimo verificado no estudo de Schnetzler tenha, em certa medida, se mantido ou, na melhor hipótese, se estabilizado, uma vez que, ao nosso ver, as alterações observadas nos livros modernos, em comparação com as publicações de 20 ou 30 anos atrás, são apenas de natureza “cosmética”, ou seja, a inclusão de figuras coloridas etc., sem nenhuma alteração digna de nota nos conteúdos estudados, nem tão pouco na sua seqüência e forma de apresentação. No Brasil, notadamente no ensino médio, o livro-texto desempenha um papel fundamental. Na verdade, para a grande maioria dos casos, o livro didático comercial é, praticamente, o único recurso de ensino de Química. As escolas públicas de ensino não têm meios de desenvolver atividades experimentais, por exemplo, como recursos auxiliares de ensino, conforme verificado para o ensino da físico-química[3]. Limitam-se a aulas expositivas, muitas das quais desarticuladas, repassando um conhecimento dogmatizado. Priorizam a memorização dos fatos e leis, em detrimento da construção e do vivenciar da química. O quadro é semelhante no ensino particular, embora algumas escolas disponham de laboratórios de ensino. A influência é tanta que se pode falar em “ditadura do livro texto”, já que o professor não se sente com autoridade de questionar ou discordar das informações que foram impressas: o que o autor escreveu é visto como uma verdade sagrada, e repassada para os alunos como tal. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


Polaridade Molecular

Como, em linhas gerais, o objetivo do ensino é o de instrumentalizar o indivíduo para que o mesmo exerça e exija adequadamente os seus direitos; para que possa se posicionar coerentemente em relação aos diversos problemas retratados pela mídia e vivenciados também por ele (poluição, camada de ozônio, efeito estufa, recursos energéticos, reservas minerais etc), é imprescindível que o seu mais importante recurso didático, ou seja, o livro, além de bem estruturado, contextualizado e atualizado, seja também correto. Afirmações mal elaboradas ou incorretas prejudicam não apenas o entendimento de um assunto em particular, mas comprometem toda construção de um modelo maior de funcionamento de mundo, de como o conhecimento químico se estrutura e é capaz de fazer previsões. Este trabalho visa avaliar, de forma crítica, a relação entre os conteúdos geometria e polaridade moleculares em seis dos principais livros didáticos destinados ao ensino de química em nível médio. Especial destaque é dado à molécula de ozônio, não apenas por ser esta uma substância popularizada pela mídia (purificação de água, buraco na camada de ozônio etc.), mas, principalmente, por ser uma molécula homonuclear e, ao mesmo tempo, com polaridade definida. A fim de melhor avaliar os possíveis efeitos da qualidade do ensino ofertada, com relação à aprendizagem dos conteúdos sob análise, aplicaram-se questionários junto a alunos do ensino médio. Contudo, a fim de não se manter, unicamente, na etapa de “diagnóstico” da problemática existente, propõe-se ainda um texto alternativo para o ensino dos ditos conteúdos, o qual prima pela supressão dos erros conceituais encontrados em muitos dos textos disponíveis no mercado.

}

CARVALHO, Geraldo Camargo de; SOUZA, Celso Lopes. Química - de olho no mundo de trabalho, São Paulo: Scipione, 2003. COVRE, Geraldo José, Química Geral, O homem e a natureza, São Paulo: FTD,2000 FONSECA, Martha Reis da, Completamente Química; Química Geral: São Paulo: FTD, 2001. FONSECA, Martha Reis da, Interatividade Química, Volume único. São Paulo: FTD, 2003 USBERCO, João; SALVADOR, Edgard. Química Geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. FELTRE, Ricardo, Química, São Paulo: Moderna, 2002.

Foram aplicados questionários junto a alunos do ensino médio, cujo teor será explicitado na seção Resultados e discussões. Os questionários foram aplicados para um total de 191 alunos, sendo 40 de uma escola pública (municipal) da cidade de Brejinho (RN) e 151 alunos de duas escolas particulares da cidade de Natal (RN).

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METODOLOGIA Para a realização do presente trabalho efetuou-se a análise de seis dos principais livros didáticos de química disponíveis no mercado e adotados: REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2

RESULTADOS E DISCUSSÕES Premissas Mesmo antes da descoberta dos elétrons em 1897 por J. J. Thompson, os químicos já eram capazes de predizer a geometria de algumas moléculas¹. A maioria delas baseadas em suas observações experimentais. Mas somente nas décadas de 1920 e 1930, com o desenvolvimento da teoria da mecânica quântica, muitas das moléculas complexas, tiveram suas estruturas entendidas. Hoje, as geometrias moleculares são confirmadas a partir de diferentes técnicas[4], tais como espectros de microondas, espectros na região do infravermelho, espectros na região do ultravioleta-visível e difração de raios x. O estudo da geometria molecular e sua polaridade são fundamentais, pois esses fatores influenciam nas propriedades e características das substâncias como, por exemplo, solubilidade, ponto de fusão, ponto de ebulição, coloração, estado físico, cheiro e sabor dos alimentos, entre outras.

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| m | = q.d

10-18 ues.cm, que equivale a 1 Debye (D). Esta unidade leva o nome do físico Peter Debye (1884-1966), contemplado com o prêmio Nobel de química em 1936, por sua contribuição ao conhecimento da estrutura molecular. No sistema internacional de unidades, 1 D equivale a 3,336x10-30 cm. É importante ressaltar que o momento dipolar é uma grandeza vetorial, já que, possui direção e sentido definidos. A convenção adotada nos textos didáticos de química do ensino médio estabelece que o vetor momento de dipolo aponte para a extremidade negativa do dipolo. Nos livros de física, química quântica ou textos superiores de química, em sua grande maioria, o sentido inverso é empregado, ou seja, o vetor m aponta sempre para a espécie mais positiva. A título de exemplo, segue-se a discussão sobre uma molécula heterodinuclear, o cloreto de hidrogênio: H-Cl, a qual, necessariamente, deve apresentar um momento dipolar, já que seus elementos constituintes são diferentes. Em uma molécula diatômica do tipo H-Cl, é lógico supor que se o átomo Cl tem maior capacidade que H para atrair os elétrons da ligação (maior eletronegatividade), existirá um excesso de carga negativa sobre Cl (d-) e, como conseqüência, uma carga positiva em H (d+) tal que d- = d+. O símbolo empregado, d, significa que não houve transferência total do elétron do H para o Cl, mas apenas parcialmente. Assim, ocorre a formação de um dipolo elétrico: as cargas parciais de d+, separadas por uma distância dAB. O momento dipolar pode ser apresentado como:

d

|m| = ddAB

Ligação covalente e ligação iônica são dois modos extremos de ligação química. Esses dois modelos de ligação estão amplamente abordados na literatura desde 1916. Em 1932, Linus Pauling definiu e propôs a primeira escala de eletronegatividade. Este parâmetro, representado pela letra grega c, veio com o objetivo de unificar os dois modelos de ligação: o de Kossel (iônico) e o de Lewis (covalente). Uma ligação química formada por átomos de diferentes elementos químicos (molécula heterodinuclear, por exemplo) se diferiria de uma ligação em uma molécula homodinuclear, por apresentar um certo caráter iônico, o qual Pauling chamou de energia de ressonância iônica adicional da ligação ou contribuição iônica, e a representou por D. Quando maior a contribuição de D, maior a polaridade da ligação. Como essa grandeza está relacionada com a eletronegatividade dos elementos (a análise da eletronegatividade dos elementos combinantes) ela passou a ser critério de polaridade da ligação: quando houver diferença de eletronegatividade entre os elementos, a ligação é polar, quando não, a ligação é apolar. A polaridade da ligação, a qual significa a criação de dipolos na molécula heterodinuclear, pode ser avaliada pelo momento dipolar, ou momento de dipolo, representado pela letra m. Um sistema formado por uma carga positiva, +q, e outra negativa, -q, separadas por uma distância d (conforme mostra a Figura 1), possui um momento dipolar de grandeza calculada de acordo com a equação abaixo:

+q

-q

Figura 1. Dipolo elétrico e momento dipolar.

Quando a carga elétrica (q) é da ordem de 4,8.10-10 unidades eletrostáticas de cargas (Ues), e a distância internuclear é da ordem de 1Å ( 1Å = 10-10 m = 100 pm), o momento dipolar m será da ordem de

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Os momentos dipolares e as distâncias internucleares são grandezas experimentais. Os primeiros, por exemplo, podem ser medidos pela alteração da energia de sistemas contendo as moléculas, os quais foram colocados sobre a ação de um campo elétrico. A construção de equipamento para a medida de m em laboratórios de ensino também encontra-se descrita na literatura[5]. Os raios e as distâncias e os ângu-

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Polaridade Molecular

los de ligação podem ser avaliados pelas técnicas de difração. A partir de valores para m e dAB pode-se estimar o caráter iônico da ligação por meio dos valores de d. Esse aspecto é demonstrado a seguir, tendo-se os valores para o H-Cl de dAB = 1,28 Å, e m = 1,03 D. æ 3,33610 . -30 C . m ö÷ m - 103 , Dç - 3,43610 . -30 C . m ç ÷ 1D è ø d-

3,436.10 -30 C.m - 2,68410 . -20 C -10 1,28.10 m

Dividíndo d pela carga de 1 elétron (e) temos: -19 d / e - 2,68410 . -20 C / 16022 , C - 01676 , » 17%

Podemos, então, dizer que apenas 17% de densidade eletrônica foi transferida do hidrogênio para o cloro. Entretanto, uma coisa é a polaridade de uma ligação e, outra, é a de uma molécula. Quando a molécula for dinuclear, o raciocínio da eletronegatividade está correto; entretanto, quando mais núcleos estiverem envolvidos, o que significa mais ligações, o critério da eletronegatividade torna-se incompleto, exigindo que se avalie, também, a geometria do composto formado e a existência de pares eletrônicos não compartilhados. O momento dipolar de uma molécula é a resultante da soma vetorial dos momentos individuais das distintas ligações da molécula. Moléculas como as da água, amônia, dióxido de enxofre, tetrafluoreto de enxofre, ozônio e cis-dicloroeteno, por exemplo, são polares, enquanto que as de trans-dicloroeteno, dióxido de carbono, metano, tetrafluoreto de carbono, entre outras moléculas heteropolinucleares, são apolares. Na Tabela 1 são apresentados os momentos de dipolo para algumas substâncias conhecidas.

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Tabela 1. Momentos dipolares para molécula gasosas. Substância

m(D)

Substância

m(D)

LiCl

7,3

N2

0

NaCl

9,0

CO2

0

KCl

10,3

O3

0,5

BaO

8,0

SO2

1,6

BaS

10,9

N2O

0,2

CO

0,1

H2O

1,8

HF

1,8

H 2 O2

2,1

HCl

1,1

NH3

1,5

HBr

0,8

CH3Cl

1,9

Fonte: MAHAN, B.M.; MYERS, R.J., Química – um curso universitário. 4.ed., São Paulo: Edgard Blücher, 1997.

Para o caso específico do ozônio, embora seja formado por átomos de um mesmo elemento químico, verifica-se que o oxigênio central tem densidade eletrônica diferente dos oxigênios terminais, e o fato da molécula ser angular determina, neste caso, que a resultante do vetor momento de dipolo não é o vetor nulo. Conforme consta na literatura, o valor de m para o O3 é de 0,5 D. A estrutura de Lewis para a molécula do ozônio é:

Figura 2. Estruturas de ressonância para o ozônio.

Dados experimentais mostram que as duas ligações O-O têm comprimentos iguais, indicando que a estrutura do ozônio pode efetivamente ser representada pelos híbridos de ressonância mostrados na Figura 2. De acordo com o princípio da equalização da eletronegatividade, proposto por Sanderson[6], quando uma ligação se forma entre dois átomos, a densidade eletrônica irá deslocar-se de um átomo para o outro (infere-se: do átomo menos eletronegativo para o mais) até que suas eletronegatividades tenham sido equalizadas (idealmente falando, tenham se tornado iguais). No

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}

caso do ozônio, a molécula é composta por átomos de oxigênio apenas, os quais, hipoteticamente, deveriam ter todos a mesma eletronegatividade. Contudo, a eletronegatividade de um dado átomo varia em função de sua vizinhança química, de forma que, com base nas estruturas mostradas na Figura 2, pode-se inferir que os três átomos de oxigênio envolvidos exibem valores ligeiramente diferentes de eletronegatividade. Assim, deverá haver um deslocamento de densidade eletrônica até que as eletronegatividades sejam efetivamente equalizadas. Uma vez que isso tenha ocorrido, a estrutura de equilíbrio da molécula será atingida, com cada átomo de oxigênio tendo obtido uma densidade eletrônica de equilíbrio, a fim de permitir a equalização dos valores de eletronegatividade. Tais densidades eletrônicas diferenciadas (a equalização das eletronegatividades é atingida às custas do deslocamento de densidade eletrônica) farão com que a molécula seja angular, e não linear. Destaque-se que a problemática enfocada, geometria x polaridade molecular, tem raízes na questão da divisão da ligação química em dois extremos clássicos, a saber, ligação iônica x ligação covalente, a qual, por sua vez, tem sido mal equacionada nos livros didáticos quer destinados ao nível médio quer ao nível superior, conforme já verificava estudo realizado por Chagas e Airoldi[7] em 1983.

E exemplifica com as substâncias: H2, N2, O3, P4, S8, CSe2. A autora só admite a possibilidade da geometria da molécula determinar a existência do vetor momento dipolar, caso haja diferença de eletronegatividade entre os elementos. Neste caso, afirma a autora se hou-

ANÁLISE DOS LIVROS

O3 ,H2, Cl2, P4, S8, CGRAF, CDIAM etc. são consideradas apolares. O ozônio, conforme já informado, não é

Apesar de a polaridade da molécula do ozônio, ser amplamente difundida na literatura, alguns autores de livros didáticos para o ensino médio continuam afirmando que a molécula é apolar, unicamente em virtude de ser constituída por átomos de um mesmo elemento químico. Martha Reis, por exemplo, afirma em duas edições diferentes que

uma substância apolar. Durante a análise dos livros Covre e Geraldo Camargo-Celso Lopes não foi encontrada referência direta ao caso do ozônio. Entretanto, os autores não afirmam que moléculas formadas por um mesmo elemento químico possam ser polares. Em Covre, a afirmação explícita é: é claro que se

se não houver diferença de eletronegatividade entre os átomos, isto é, se as ligações forem 100% covalentes a molécula será apolar, qualquer que seja a sua geometria.

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ver diferença de eletronegatividade entre os átomos, a molécula poderá ou não ser polar, dependendo da sua geometria. Como exemplos,

cita os casos do dióxido de carbono e da água. Essa idéia parte de um entendimento equivocado do conceito de eletronegatividade. Talvez o fato da escala de Pauling atribuir valores individuais para os elementos, independente do seu estado de oxidação ou ambiente químico, contribua para a noção errada de que a eletronegatividade de um átomo é constante, independentemente do seu ambiente molecular. Por exemplo, é um erro achar que a eletronegatividade do C é a mesma para os agrupamentos –CF3 e –CH3, ou que a eletronegatividade do Fe(II) é a mesma que para a espécie Fe(III). Claro está que para a molécula do ozônio, a eletronegatividade dos oxigênios terminais difere da eletronegatividade do oxigênio central, causando polaridade nas ligações. Como a molécula não é linear, o vetor m é diferente de zero. Outros livros didáticos seguem o raciocínio indicado anteriormente por Martha Reis. Usberco e Salvador, afirmam que as substâncias simples O2,

todas as ligações são apolares, qualquer que seja a geometria, a molécula é apolar.

O texto de Geraldo Camargo de Carvalho e Celso Lopes de Sousa também não esclarece a questão para os alu nos. Simplesmente REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


Polaridade Molecular

afirma que: “uma molécula cujas ligações são apolares terá m = 0, logo, será apolar. Assim, as moléculas das substâncias simples são apolares.” Assim, nos textos de Covre e Geraldo de Camargo-Lopes de Souza, não são detectados propriamente erros conceituais, como em Martha Reis e Usberco e Salvador, mas, sim, omissões ou simplificações conceituais, que podem induzir a erros no tocante à avaliação da polaridade molecular. Dos textos analisados, apenas em Feltre encontra-se referência correta sobre a polaridade da molécula do ozônio.

}

conseguiram fazê-lo, enquanto que 24 % o fizeram de forma incompleta ou errada. d. Respondendo à pergunta: Como você explicaria o fato da molécula de água (H2O) apresentar geometria angular? (tal geometria angular é que determina a polaridade da molécula de água e, conseqüentemente, suas tão conhecidas e vitais propriedades), 53% dos alunos não conseguiram fazê-lo e 28% o fizeram de forma incorreta. Os resultados retratam os números totais da pesquisa. Se considerarmos apenas os resultados obtidos para a escola pública, os números são ainda mais alarmantes: para os itens (b), (c) e (d) do questionário, o índice de respostas em branco é superior a 80%. Tal fato ilustra uma dupla disparidade: a diferença existente entre a qualidade do ensino ofertado nas escolas públicas e particulares e, possivelmente, a diferença entre a qualidade do ensino ofertado nas escolas da capital e do interior. Contudo, certamente a questão é bem mais complexa, envolvendo aspectos como nível socioeconômico do aluno, o que implica em maior ou menor facilidade de acesso a outras fontes de leitura, além da fornecida/indicada pela escola. Tais resultados atestam que os conteúdos intimamente relacionados, geometria molecular, polaridade de ligações e polaridade molecular, não estão sendo ministrados de forma satisfatória, uma vez que os alunos não conseguem elaborar, adequadamente, conceitos básicos referentes ao conteúdo, nem tão pouco correlacionar os diferentes conceitos e definições, a fim de racionalizar o comportamento físico-químico de substâncias polares e apolares.

QUESTIONÁRIOS APLICADOS Com relação aos questionários aplicados, os seguintes resultados são significativos: a. 66 % dos alunos utilizam, para estudos, o livro didático adotado pela escola, bem como as anotações do professor, enquanto que apenas 8% utilizam apenas o livro didático. Tal fato evidencia a grande importância da atuação do professor na correção dos erros conceituais eventualmente presentes nos livros didáticos adotados. b. Quando pediu-se aos alunos que definissem geometria molecular, 48% não conseguiram fazê-lo, enquanto que 26% o fizeram de maneira incorreta. No tocante à polaridade das ligações químicas, 56% dos entrevistados não conseguiram defini-la, enquanto 14% o fizeram de forma incorreta. Com relação à polaridade molecular (relacionada com a polaridade das ligações presentes na molécula bem como com sua geometria) 62% dos entrevistados não conseguiram defini-la, enquanto que 15% o fizeram de forma incorreta. c. Ao pedir aos entrevistados que citassem pelo menos três formas geométricas “básicas” exibidas pelas moléculas (tetraédrica, octaédrica etc.), 41 % não

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REFERÊNCIAS [1] BELTRAN, N. O.; CISCATO, C. A. M., Química. São Paulo: Cortez Editora, 1991. [2] SCHNETZLER, R. P. Quim. Nova, 1981, 4, 6. [3] SANTOS, J. W. N. et al. An. Assoc. Bras. Quim., no prelo.

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[4] SKOOG, D. A.; LEARY, J. .J. Principles of Instrumental Analysis. Orlando: Saundres Colloge Publishing, 1992. [5] KURTZ, S. R.; ANDERSON, O.; WILLEFORD, B. J. Chem. Edu., 1977, 54, 181. [6] HUHHEY, J. E.; KEITER, E. A.; KEITER, R. L, Inorganic chemistry. 4. ed. New York: Harper Collins, 1993. [7] CHAGAS, A. P.; AIROLDI, C., Quim. Nova, 1983, 6, 60.

APÊNDICE }

TEXTO ALTERNATIVO SOBRE GEOMETRIA E POLARIDADE MOLECULARES A fim de que o presente trabalho não ficasse apenas na esfera do “diagnóstico”, propõe-se um texto “alternativo” para o ensino dos conteúdos aqui enfocados (geometria e polaridade moleculares), o qual prima pela supressão dos erros conceituais encontrados na literatura analisada. O texto é apresentado como um apêndice, ao final deste artigo.

Introdução Mesmo antes da descoberta dos elétrons em 1897 por J. J. Thompson, os químicos já eram capazes de predizer a geometria de algumas moléculas¹. A maioria delas baseadas em suas observações experimentais. Mas somente nas décadas de 1920 e 1930, com o desenvolvimento da teoria da mecânica quântica, muitas das moléculas complexas, tiveram suas estruturas entendidas. Hoje, as geometrias moleculares são confirmadas a partir de diversos tipos diferentes de experiências físicas e químicas¹ (espectros de microondas, espectros na região do infravermelho, espectros na região do visível, ultravioleta e difração de raios x).

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O estudo da geometria molecular e sua polaridade são fundamentais, pois esses fatores influenciam nas propriedades e características das substâncias como, por exemplo, solubilidade, ponto de fusão, ponto de ebulição, coloração, estado físico, cheiro e sabor dos alimentos, entre outras.

As estruturas moleculares O estudo das geometrias moleculares é baseado nas Estruturas de Lewis e na Regra do Octeto, resultando na explicação dos ângulos das ligações e das fórmulas estruturais das moléculas, as quais são normalmente associadas a modelos. A Teoria VSEPR é uma maneira prática de estudar as estruturas das moléculas, principalmente, as que apresentam no átomo central pares de elétrons livres. É importante lembrar que, quando nos referimos à geometria de uma molécula, estamos nos referindo às posições relativas dos seus núcleos, embora todas as teorias conhecidas expliquem os ângulos formados pelas ligações a partir da quantidade de elétrons ligantes e não-ligantes do átomo central.

Estruturas básicas As estruturas básicas das moléculas são caracterizadas pela ausência dos pares de elétrons livres (ou isolados) no átomo central das mesmas. Assim, elas constituem um bloco de onde se derivam as demais estruturas. Geometria linear Sendo a estrutura mais simples, a geometria linear representa a molécula que contém dois átomos ligados a um átomo central, os quais podem ser diferentes entre si. Estas estruturas apresentam ângulos de 180° entre suas ligações. Logo, podemos, facilmente, imaginar seus átomos dispostos em linha reta. Ex: BeCl2, HCN, CO2, H2

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Polaridade Molecular

Estruturas das moléculas de CO2 e HCN 180º O

C

180º O

N

C

H

Geometria triangular plana Assim são denominadas as moléculas que apresentam três átomos (geralmente iguais) ligados a um átomo central. Seus ângulos de ligação são de 120°. Visualmente a estrutura, como seu nome sugere, é um triângulo. Ex: BCl3, SO3, COCl2 Geometria tetraédrica São denominadas de estruturas tetraédricas aquelas que contêm quatro átomos (geralmente iguais) ligados a um átomo central. Os ângulos entre suas ligações são de, aproximadamente, 109,28º. Visualmente, as estruturas tetraédricas têm a forma de pirâmide, e nos vértices desta pirâmide encontram-se os átomos que se ligam ao átomo central. Ex: CCl4, BF4-, CH4 Geometria bipirâmide trigonal Representa as moléculas que apresentam cinco átomos (geralmente iguais) ligados ao átomo central. Pode ser visualizado como duas pirâmides triangulares que compartilham uma mesma base. Nesta interface entre as pirâmides encontramos o átomo central e os demais átomos estão localizados nos vértices das pirâmides. Os ângulos entre suas ligações equatoriais são de 120° e, o ângulo entre uma ligação axial e equatorial é de 90°. Ex: PCl4F, PCl5. Geometria octaédrica A geometria octaédrica representa as moléculas que apresentam seis átomos (geralmente iguais) ligados ao átomo central. Visual1.

mente podemos associá-lo à duas pirâmides quadradas que compartilham a mesma base. Também se verifica a localização do átomo central na interface das pirâmides, e os demais átomos dispostos nos vértices das mesmas. As moléculas octaédricas têm ângulos de 90° entre suas ligações. Ex: SF6

Teoria VSEPR A Teoria de Repulsão dos Pares de Elétrons da Camada de Valência (VSPER = Valence Shell Electron Pair Repulsion Theory), é um complemento (feito pelo químico francês Gillespie) da teoria criada por Sidgwick e Powell para explicar as formas das moléculas e seus ângulos de ligação. A localização dos átomos é definida a partir das repulsões entre os pares de elétrons livres entre si, entre os pares de elétrons e as ligações e entre as próprias ligações. Essas repulsões distorcem as moléculas até um limite onde seus efeitos sejam mínimos sobre os átomos e a nuvem eletrônica. Assim, temos as geometrias derivadas. São elas: angular, angular curva, linear, pirâmide trigonal, forma de T, tetraedro distorcido, quadrado planar, pirâmide de base quadrada.

Geometrias derivadas A principal característica dessas geometrias é que elas não apresentam, nas suas estruturas, ângulos fixos, pois dependem de vários fatores, entre eles, o tamanho e eletronegatividade dos átomos ligantes, e da quantidade de pares de elétrons livres existentes no átomo central (dimensão da nuvem eletrônica). Estes ângulos podem ser determinados com exatidão através de análises experimentais.1

Os ângulos das moléculas derivadas não serão explicitados neste texto uma vez que o objetivo aqui é tratar das estruturas de forma correta e não dos diversos ângulos que as moléculas de uma mesma estrutura podem apresentar de acordo com seus ligantes.

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Geometria angular A geometria angular diz respeito às moléculas que apresentam dois átomos ligados a um átomo central, o qual apresenta um par de elétrons livres. Sua forma assemelha-se a um “V” invertido. Ex: O3, SO2 Geometria angular curva (as moléculas que apresentam essa geometria distanciam-se mais da geometria linear do que as moléculas ditas angulares). Diferencia-se da geometria angular devido seu átomo central apresentar dois pares de elétrons livres. Ex: H2O Geometria linear Esta estrutura diferencia-se da linear simples devido seu átomo central apresentar três pares de elétrons livres. Estas estruturas são conferidas principalmente aos íons. Ex: I3-, ICl2-, XeF2, BrIFGeometria pirâmide trigonal A geometria pirâmide trigonal deriva da triangular plana. Seu diferencial está na presença de um par de elétrons livres no átomo central. Visualmente, assemelha-se a uma pirâmide de base triangular. Ex: NH3 Geometria forma de T Esta geometria também é derivada da trigonal plana. Diferencia-se pela presença de dois pares de elétrons no átomo central. Como seu nome sugere, sua forma lembra a letra T. Ex: ClF3 Geometria tetraedro distorcido Sendo derivada da geometria tetraédrica, o tetraedro distorcido apresenta um par de elétrons livres no átomo central. Visualmente, esta estrutura assemelha-se à uma gangorra, nome pelo qual esta geometria também é conhecida.

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Ex: SF4 Geometria quadrado planar Também é derivada da geometria tetraédrica, mas diferencia-se por seu átomo central apresentar dois pares de elétrons livres. Visualmente, lembra uma face de um quadrado tendo localizado, no centro desta face, o átomo central. Ex: XeF4 Geometria pirâmide de base quadrada Sendo derivada da geometria bipiramidal triangular, a pirâmide de base quadrada apresenta um par de elétrons livres no átomo central. Como seu nome sugere, visualmente lembra uma pirâmide de base quadrada. Ex: BrF5

Polaridade das moléculas O interesse em analisar a polaridade das moléculas, se deve ao fato das propriedades das substâncias (ponto de fusão, ponto de ebulição, entre outros) serem influenciadas pelas características polares das ligações. É pelo Vetor Momento de Dipolo Elétrico, r r m que estudamos a polaridade das ligações. mRes. pode ser definido como a soma vetorial de todas as ligações de uma molécula. Esses vetores são a representação gráfica da influência da eletronegatividade dos átomos constituintes de uma ligação sobre o par de elétrons compartilhados. Vale salientar que, moléculas que apresentam somente ligações polares, podem ser apolares em virtude do momento dipolar resultante destas ser nulo. Primeiramente, devemos identificar a eletronegatividade dos elementos da ligação para caracterizá-la como polar ou apolar. Se as ligações forem apolares, a molécula é dita apolar independente da sua estrutura. Já, a análise da disposição das ligações da molécula no espaço (ou seja, sua estrutura tridimensional), se faz necessário quando as ligações são polares, pois com base na estrutura, REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


Polaridade Molecular

definimos se os dipolos da ligação se anularão ou não. Se os dipolos de ligação de uma molér cula se anularem (m=0), a mesma é apolar, caso r contrário, (m ¹ 0), a molécula será polar. Geometria linear As moléculas lineares, incluindo aquelas que apresentam três pares de elétrons livres, podem ser polares ou apolares de acordo com a eletronegatividade dos átomos presentes na ligação. Ex: CO2 (apolar), H2 (apolar), HF (polar), XeF2 (apolar), BrIF- (polar) Geometrias angular e angular curva Os pares de elétrons, por influenciar na estrutura espacial das moléculas, permitem a caracterização das moléculas angulares como polares, pois a soma dos seus vetores, de forma geral, apresentam resultante diferente de zero. Ex: H2O, O3 Geometria triangular plana As moléculas de geometria trigonal podem ser polares ou apolares. Essa análise pode ser feita verificando-se a eletronegatividade dos átomos que se apresentam ligados ao átomo central. Ex: COCl2 (polar), SO3 (apolar) Geometria pirâmide trigonal Por apresentar um par de elétrons livres distorcendo a estrutura da qual a geometria pirâmide trigonal deriva (geometria triangular plana), as moléculas que se apresentam desta forma são, geralmente, polares.

com a eletronegatividade dos elementos ligados ao átomo central. Ex: CH2Cl2 (polar), CH4 (apolar) Geometria tetraedro distorcido (Gangorra) As molé cu las de geo me tria gan gorra são sem pre pola res inde pen den tes da ele tro ne gati vi dade dos ele men tos liga dos ao átomo cen tral. Ex: SF4 Geometria quadrado planar Apresenta-se, geralmente, como molécula apolar, mas pode ter momento de dipolo diferente de zero, ou seja, ser polar, de acordo com a eletronegatividade dos átomos ligados ao átomo central. Ex: XeF4 Geometria bipiramidal triangular As moléculas de geometria bipiramidal triangular podem apresentar-se polares ou apolares, devido a influência da eletronegatividade dos átomos constituintes de tal molécula. Ex: PCl5 (apolar), PCl4F (polar) Geometria pirâmide quadrada As moléculas que se apresentam nesta geometria são sempre polares, independente dos átomos que se encontram ligados ao átomo central, devido a posição relativa dos mesmos na estrutura. Ex: IF5.

Ex: PCl3 Geometria forma de T As moléculas que se apresentam nesta geometria são sempre polares, independente dos átomos que se ligam ao átomo central. Ex: ClF3 Geometria tetraédrica As moléculas que se apresentam sob esta forma, podem ser polares ou apolares de acordo REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2

Geometria octaédrica Se todos as átomos que se ligam ao átomo central forem iguais, a molécula é dita apolar, caso haja átomos diferentes na estrutura, a polaridade irá depender da disposição espacial dos mesmos. Ex: SF6.

Recebido em: 28/10/2005 Aceito em: 03/06/2006

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UMA DISCIPLINA DE PÓS-GRADUAÇÃO QUE INTEGRA O ENSINO DE QUÍMICA NOS VÁRIOS NÍVEIS Pedro Faria dos Santos Filho Instituto de Química, UNICAMP E-mail: pfaria@iqm.unicamp.br

RESUMO Um relato pessoal das experiências vividas no Instituto de Química da UNICAMP, no tocante às disciplinas ministradas para alunos da pós-graduação, voltados para a área de ensino de Química, é apresentado. Faz-se uma reflexão quanto aos caminhos a serem percorridos para o aperfeiçoamento dos cursos de formação de professores, sobretudo, no que concerne à melhoria do conteúdo específico da área da Química. Palavras-chave. Ensino de química; pós-graduação; formação de professores.

ABSTRACT A POSTGRADUATION SUBJECT THAT INTEGRATES THE CHEMISTRY TEACHING IN SEVERAL LEVELS. A personal account about the experiences occured in the Chemistry Institute of UNICAMP, regarding to the subjects offered to the postgraduation students, faced to the Chemistry teaching area, is presented. A reflection about the ways to improve the teachers formation course is made, mainly about the improvement of the Chemistry specific área. Key-words. Chemistry teaching; postgraduation; teachers formation.


Q

uando falamos de Ensino de Química, instintivamente, pensamos no aluno e em todos os problemas associados ao aprendizado desta ciência. As dificuldades com a abstração, a falta de imaginação e maturidade, bem como a dissociação com o cotidiano estão entre os fatos mais citados que tornam difícil a vida dos alunos, particularmente, os do Ensino Médio. Mas e o professor? Por que nunca se fala dele? Será que a sua atividade é muito mais fácil que a do aluno? Prega-se que as situações enfatizadas no Ensino de Química no nível médio, normalmente, estão muito aquém da imaginação do aluno, não se tendo o devido cuidado para abordar aquilo que está ao alcance da imaginação ou entendimento do adolescente. Isto acaba contribuindo para um distanciamento cada vez maior do aluno, associado a uma perda de interesse que só se acentua ao longo do tempo. Aparentemente, isto indica que o professor de Química, particularmente, aquele do nível médio, deva ser o maior responsável por esta situação. Por outro lado, este mesmo professor, também encontra uma série de problemas ao desempenhar sua atividade docente. Além dos problemas básicos identificados em qualquer discussão (falta de tempo, excesso de aulas, dificuldades dos alunos e baixa remuneração), poderíamos destacar alguns menos citados: o professor de Química não dispõe de literatura adequada para preparar suas aulas, ou seja, se ele precisa estudar, ele acaba estudando com o mesmo livro que os seus próprios alunos estudam. Em seu curso de licenciatura não haviam disciplinas terminais que permitissem olhar o conhecimento adquirido nos

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anos anteriores como um conjunto de conhecimento coeso e atrelado ao dia-a-dia das pessoas. Não haviam ocasiões ou situações que permitissem ou provocassem a consolidação do conhecimento adquirido. Além disso, e muito mais grave, não lhe foi ensinado como ensinar determinado assunto, em termos de conteúdo e não de metodologia! Todos estes pontos destacados só foram se acentuando ao longo do tempo. Apesar das muitas tentativas e da boa vontade de muitos educadores, não se conseguiu despertar o interesse dos jovens e, muito pelo contrário, o estudo da Química passou a se constituir apenas em um obstáculo a ser ultrapassado para, posteriormente, ser esquecido. Infelizmente, esta é a situação atual. E esta situação se agravou tanto, a ponto de, somente no primeiro semestre de 2006, pelo menos oito universidades públicas brasileiras efetuarem concursos públicos buscando profissionais, portadores do título de doutor, na área de Ensino de Química. O diferencial agora é que a maioria dos editais destes concursos contemplava não somente metodologia mas, principalmente, conteúdo. Isto indica, claramente, que temos um problema sério na formação de nossos licenciandos em Química, no que diz respeito à consolidação do conhecimento químico adquirido. E, novamente, nos deparamos com a mesma questão, ou seja, como melhorar este cenário? A partir do ano 2000, começamos a atuar mais intensamente na linha de pesquisa sobre o Ensino de Química, criando novas disciplinas e orientando alunos de pós-graduação, que têm REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


Uma Disciplina de Pós-graduação...

como produto de seus trabalhos, materiais didáticos direcionados para o Ensino de Química nos vários níveis. Esta iniciativa contemplava um grande anseio dos profissionais que já atuavam no mercado de trabalho e não encontravam inserção no meio acadêmico para se aperfeiçoar ou aprimorar sua atividade. As disciplinas, em nível de pós-graduação, oferecidas a estes alunos representaram uma grata surpresa tanto para os professores quanto para os alunos. Elas apresentavam uma sistemática tal que propiciava aos alunos a oportunidade de contornar os seus problemas e dúvidas de conteúdo, ao mesmo tempo em que traziam a oportunidade única de terem o seu desempenho avaliado por seus próprios pares. Nestas disciplinas, oferecidas nas tardes das sextas-feiras, o professor selecionava um assunto, normalmente, fundamental, e o apresentava aos alunos no nível mais elevado de abordagem, utilizando os argumentos mais avançados e atuais disponíveis na literatura. Isto servia para todos os alunos conhecerem o estado da arte naquele assunto. Em seguida, o assunto era tratado criticamente e se discutia como tudo aquilo poderia ser ensinado nos vários níveis de aprendizado. Discutia-se o que poderia e o que deveria ser omitido, o que tinha que ser dito e como deveria ser dito para cada tipo de aluno, desde o do nível médio até os de doutorado. Tudo isto era feito em, aproximadamente, 3,5 horas. Em seguida, o professor selecionava dois alunos e estes se encarregavam de preparar um material sobre tudo o que havia sido discutido, expressando sua opinião e seu ponto de vista, fazendo uma proposta de como ensinar aquele conteúdo. Este material deveria ser enviado, via internet, ao professor e a todos os alunos até a noite de terça-feira. De posse deste material, todos os alunos deveriam estudá-lo e fazer uma análise crítica do mesmo, expressando claramente sua opinião. Esta análise crítica deveria ser enviada ao professor, também via internet, até a noite de quinta-feira. Na sexta-feira seguinte, os alunos que prepararam o material ministravam uma aula sobre o conteúdo, com duração de cerca REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2

de uma hora. Ao término da aula, todos os alunos faziam sua análise crítica tanto do conteúdo quanto da forma de apresentação, na tentativa de melhorar a qualidade do material e a forma de apresentação. O resultado alcançado por estas disciplinas, que continuam sendo oferecidas, foi muito gratificante. Considerando que a grande maioria dos alunos já atuava como professor, tudo aquilo representou um reaprendizado muito significativo. A solidão e falta de discussão e apoio que os professores tanto reclamavam foi totalmente superada e houve uma percepção geral de que tanto as falhas de conhecimento quanto das estratégias adotadas eram comuns à maioria dos alunos/professores. Isto acabou gerando um sentido de solidariedade entre eles jamais visto em qualquer outra disciplina. Quanto ao professor, o seu papel é fundamental mas, antes de mais nada, desafiador, ele deve mediar todas as conversas, provocando discussões que se tornem profícuas, uma vez que só ele conhece a opinião e a crítica de todos os alunos sobre os trabalhos que estão sendo apresentados, ao mesmo tempo em que ele deve direcionar todas as discussões para os pontos desejados. Em outras oportunidades, ao invés de se iniciar as aulas com a exposição do professor, utilizou-se os filmes do programa TV-Escola, Como Fazer? do MEC. A partir desses filmes, disponíveis na maioria das escolas públicas de todo o território nacional, foram extraídos os conteúdos e montadas as aulas, como previsto pelo programa do governo. Observamos, em todas as situações, que é muito difícil alcançar estes objetivos, em função da dificuldade e falta de habilidade que os professores têm para desenvolver um olhar crítico para os filmes a ponto de aprenderem a explorá-los. Esta experiência também foi muito gratificante uma vez que nenhum dos 43 alunos participantes jamais havia tido uma oportunidade daquele tipo. A partir desta iniciativa desenvolveu-se um trabalho de mestrado, que resultou na confecção de dois textos que acompanham estes filmes, instruindo, orientando e sugerindo aos professores uma maneira adequada de utilizar o acervo do programa TV-Escola.

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Pedro Faria dos Santos Filho

Quando começamos a oferecer estas disciplinas, uma das grandes preocupações era a escolha dos temas a serem discutidos nas aulas, de maneira que permitissem uma discussão profícua e trouxessem a consolidação desejada do conhecimento adquirido. Entretanto, com o passar do tempo, percebeu-se que havia muita dúvida acumulada ao longo dos anos e isso fazia com que a discussão de qualquer assunto, quando conduzida de maneira adequada e em um nível de abordagem um pouco diferenciado, acabava gerando muita discussão e controvérsia. Observamos ainda que na discussão de temas tais como modelos, estrutura atômica e ligação química, as distorções de conceito eram mais acentuadas. É importante destacar também que, desde o início, o constrangimento gerado entre os alunos pelas discussões e controvérsias que surgiam, foi superado, particularmente, em função da solidariedade e da troca de experiências entre eles, notadamente, entre aqueles que já eram docentes. Finalmente, é importante destacar o papel de mediador do professor em disciplinas desta natureza, ele é o responsável por permitir que todas

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estas dificuldades, bem como o constrangimento gerado nos alunos, sejam superados e despertem neles a necessidade de reformular suas formas de ensino e condução de suas aulas. Após três anos de oferecimento destas disciplinas, a impressão é que elas foram melhorando à medida em que eram oferecidas e que, a completa exposição aos seus pares, a que todos os alunos eram submetidos, sem que estivessem habituados a tal situação, ajudou muito na consolidação do conhecimento adquirido ao longo dos anos. Imaginamos que, com a experiência adquirida junto aos alunos de pós-graduação, poderíamos fazer o mesmo junto aos alunos de licenciatura em Química, ainda durante seus cursos de graduação. Se conseguirmos levar esta proposta adiante, muito provavelmente, isto ajudará a contornar aqueles velhos problemas encontrados pelos professores de Química. Será que este não é o caminho? Recebido em: 24/11/2006 Aceito em: 04/01/2007

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A QUÍMICA NO ENSINO MÉDIO E A CONTEXTUALIZAÇÃO: A FABRICAÇÃO DO SABÃO COMO TEMA GERADOR DE ENSINO-APRENDIZAGEM Ana Maria C. de Oliveira Francisco G. de Azevedo* Robson F. de Farias Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática, Universidade Federal do Rio Grande do Norte E-mail: robsonfarias@pesquisador.cnpq.br

* In memoriam.

RESUMO Usando a produção de sabão como tema de contextualização, é desenvolvida uma forma didática de ensinar Química aos alunos de ensino médio. Palavras-chave. Sabão; contextualização; ensino médio.

ABSTRACT THE TEACHING OF CHEMISTRY IN THE HIGH SCHOOL AND THE CONTEXTUALIZATION: THE SOAP PRODUCTION AS A THEME. Using the soap production as a contextualizing theme, it is elaborated a didactical unit to the teaching of chemistry for high school students. Key-words. Soap; contextualization; high school.


}

INTRODUÇÃO Sabemos que o desenvolvimento da ciência Química permitiu e permite o avanço tecnológico e a melhoria da qualidade de vida das pessoas, isto é, o crescimento tecnológico e social está atrelado ao crescimento da Química. A presença da química no nosso dia-a-dia é mais que suficiente para justificar a necessidade de estudá-la, e, em função disso, a Química é parte integrante e obrigatória da base nacional comum, no currículo do ensino médio. Porém, a formação de um pensamento químico, resultado de uma aprendizagem significativa, tem sido um desafio para educadores de química em todo o país. Uma das possibilidades, entre várias que se tem discutido, é o uso de temas do cotidiano para o desenvolvimento do conhecimento químico em sala de aula, ou seja, um ensino mais contextualizado, onde contextos que façam parte do dia-a-dia do aluno possam ser abordados de forma que o ajude a entender os fenômenos químicos identificados no cotidiano. A contextualização é o recurso para promover uma inter-relação entre conhecimentos escolares e fatos/situações presentes no dia-a-dia dos alunos. Assim, contextualizar significa imprimir significados aos conteúdos escolares, fazendo com que os alunos aprendam de forma significativa. Para Ausubel[1], as estratégias de ensino devem ser orientadas no sentido de permitir que o aluno tenha o aprendizao significativo, ou seja, algo que o faça perceber um sentido nas coisas que aprende, relacionáveis entre si e que possam ter uma aplicação para o seu dia-a-dia.

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O objetivo geral desse trabalho é elaborar uma unidade didática de ensino que permita trabalhar alguns conteúdos da química de forma contextualizada, à luz dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN. A escolha do contexto deve-se a grande relevância social do tema, visto que, sabão e derivados estão presentes em todas as casas, fazendo parte da realidade de todos os alunos, e a possibilidade de se trabalhar vários conteúdos químicos de nível médio. O tema Fabricação de Sabão e de Detergentes é aqui proposto apenas como uma das inúmeras possibilidades de se trabalhar o conhecimento químico em sala de aula de forma contextualizada e significativa.

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PARTE EXPERIMENTAL Metodologia O que é uma Unidade Didática? Uma Unidade Didática pode ser entendida como uma seqüência de aulas sobre determinado tema com a finalidade de atingir objetivos predeterminados[2]. A Unidade Didática intitulada Ensinando Química de forma contextualizada a partir do tema fabricação de sabões e detergentes, foi elaborada para contextualizar o ensino de Química. O tema favorece a introdução de conteúdos/conceitos fundamentais tais como a identificação e caracterização de funções químicas do tipo: hidróxidos, ésteres, álcoois, sais de ácidos carboxílicos, entre outras; reações de saponificação, reação de esterificação, fatores

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A Química no Ensino Médio e a Contextualização

que a influenciam; a velocidade de uma reação; polaridade das moléculas e forças intermoleculares; tensão superficial; solubilidade; água mole e água dura; surfactantes; emulsificantes, sabão mole e sabão duro, entre outros termos importantes. Objetivos específicos da Unidade Didática1 1. Tornar as aulas de química mais agradáveis, diversificadas e associadas à prática; 2. Constatar que existem diferenças, no que diz respeito à aprendizagem, entre o ensino tradicional e um ensino contextualizado e experimental. 3. Superar as dificuldades quanto à compreensão da linguagem química e compreender a função industrial e social da química; 4. Promover mútua ajuda dos alunos no processo de ensino-aprendizagem, por meio de atividades em grupo; 5. Possibilitar aos alunos o conhecimento do processo de fabricação do sabão e das informações químicas necessárias para compreendê-lo; 6. Promover a aprendizagem de conteúdos e conceitos fundamentais. 7. Entender o mecanismo de atuação do sabão na limpeza; 8. Desenvolver a técnica, em pequena escala, da fabricação do sabão em barra; 9. Proporcionar discussões sobre os possíveis impactos ambientais causados pela indústria do sabão; 10. Levar os alunos a formular hipóteses sobre o que está sendo ou que vai ser ensinado.

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gica do Rio Grande do Norte – Unidade de Ensino Descentralizada de Mossoró, em oito blocos de duas aulas, totalizando 16 aulas de 45 minutos cada, e três encontros no horário inverso ao das aulas, um para a aula de campo (visita a uma fábrica de sabão), outro para a aula de laboratório e outro para a apresentação dos seminários. A turma era constituída de 31 estudantes, sendo 54.83% da turma residente em Mossoró e 45,16% nas cidades circunvizinhas.

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A metodologia utilizada foi: aulas expositivas, com o uso de retroprojetores e transparências, permitindo e garantindo o máximo possível a participação/interação dos alunos; atividades individuais e em grupo; discussões após cada atividade desenvolvida; aula de campo: visita a fábrica de sabão Lavandeira; aula de laboratório (uma vez que a escola dispõe de laboratório) e apresentação de seminários pelos alunos.

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A APLICAÇÃO DA UNIDADE DIDÁTICA Depois de elaborada, a Unidade Didática foi aplicada junto aos alunos da 3ª série do Ensino Médio, do Centro Federal de Educação Tecnoló1.

ASPECTOS METODOLÓGICOS E MATERIAIS

UM RELATO DA EXPERIÊNCIA NA SALA DE AULA E OS RESULTADOS IMEDIATOS DESTA EXPERIÊNCIA No primeiro contato que tivemos com os alunos, em uma conversa informal, uma semana antes da primeira aula, esclarecemos os objetivos deste trabalho, bem como a importância da participação dos alunos no mesmo. Em um momento da conversa abrimos espaço para que os alunos expressassem qual a opinião deles a respeito da idéia do projeto. Eles manifestaram interesse pelo projeto e se mostraram cheios de expectativas. Visto que os alunos se mostravam interessados, fizemos um levanta-

Por uma questão de economia de espaço, a unidade didática elaborada não é reproduzida neste artigo. Cópias da mesma podem ser solicitadas para Robson F. de Farias, por e-mail.

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Ana Maria C. de Oliveira, Francisco G. de Azevedo e Robson F. de Farias

mento das idéias prévias dos alunos a respeito do contexto escolhido. Entregamos a cada um deles uma folha contendo duas questões, o que denominamos de questionário sondagem. Os alunos levaram em média 10 minutos para respondê-lo. Na primeira questão perguntamos: “O que é sabão”? E na segunda: “Você conhece o processo de obtenção do sabão? Comente”. Tínhamos como objetivo primário saber se os alunos sabiam definir quimicamente o sabão e se já conheciam superficialmente ou em detalhes o modo de fabricação do sabão. Também, implicitamente estávamos querendo perceber se o contexto iria despertar interesse nos alunos ou se seria algo que eles já conheciam e, portanto, não despertaria nenhum tipo de interesse. A seguir, o grá fico das cate go rias de res pos tas da 1ª ques tão do ques ti o ná rio sonda gem:

4% (IV)

4% (V)

4% (III) 11% (II)

77% (I)

Gráfico 1. Respostas à primeira questão do teste de sondagem.

I. É um composto químico ou algo utilizado para limpeza pessoal e/ou doméstica. II. Mistura de substância que reage com a gordura ou que dissolve as gorduras. III. Sabão é um sal, que tem no íon uma cadeia carbônica e é utilizado para limpeza. IV. É uma união de uma série de produtos químicos, dos quais não tenho conhecimento. V. Não sei como o sabão é formado, nem a sua estrutura.

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Gráfico das respostas da 2ª questão: 11% (IV)

11% (III)

11% (II) 67% (I)

Gráfico 2. Respostas à segunda questão do teste de sondagem.

I. Não. II. Faz-se a partir de animais como cachorros. III. Feito com a junção de um ácido graxo com uma base, era fabricado misturando gorduras com cinzas. IV. Só sei que utiliza banha, sebo ou gordura vegetal.

Após analisarmos as respostas dos alunos percebemos não só que o trabalho seria interessante para eles, como também, a necessidade de desenvolvê-lo, a fim de que proporcionássemos uma aprendizagem significativa de conteúdos químicos necessários à compreensão do processo de fabricação do sabão em si, bem como da atuação de sabão como agente de limpeza. Na primeira aula entregamos o material didático (em anexo) para os alunos e orientamos para que fizessem a leitura das páginas um a quatro. Pedimos que eles dissessem se alguma coisa os surpreendia no texto. Alguns fizeram referência à história do sabão, que não sabiam que era tão antigo. E alguns questionaram: mas se o sabão é feito de gorduras, como pode o mesmo atuar na remoção de gorduras? Travou-se uma boa discussão sobre os contextos históricos que levaram a descoberta do sabão. Nesse momento pudemos esclarecer várias dúvidas dos alunos, em especial, sobre as matérias-primas e suas origens.

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A Química no Ensino Médio e a Contextualização

Apresentamos a definição química do sabão, discutimos bem a “íon fórmula” do sabão (conforme consta na Unidade Didática em anexo), enfatizando a parte hidrófoba e hidrófila. Fizemos uma recapitulação da definição de ácidos e bases de Arrhenius e de reações de neutralização. Na segunda aula, começamos trabalhando o grupo funcional dos ácidos carboxílicos, discutimos o fenômeno da ionização e comparamos ácidos orgânicos com inorgânicos, quanto à composição química, estado físico destes ácidos, solubilidade etc. Também trabalhamos a nomenclatura dos ácidos carboxílicos. Discutimos sobre óleos e gorduras. Os alunos apresentaram curiosidades: a que função química pertencem os óleos e gorduras? Qual a diferença entre óleos e gorduras? O momento foi oportuno e favorável para discutirmos a composição química dos triglicérides, e as reações de esterificação e hidrólise dos mesmos. Na aula seguinte, as discussões foram direcionadas para o aspecto biológico e os alunos perguntaram se a reação de esterificação ocorre no nosso organismo ou apenas a hidrólise das gorduras que ingerimos. Esclarecemos as dúvidas e curiosidades dos alunos e trabalhamos as funções químicas álcool e éster: grupo funcional, nomenclaturas e formas de obtenção destas substâncias ou onde podem ser encontradas naturalmente. Encaminhamos as atividades de um a sete para casa (Unidade Didática em anexo). Passamos na sala, antes do próximo encontro, para pegarmos a atividade encaminhada para casa a fim de que pudéssemos ler e analisar para comentarmos na aula seguinte. Na quarta aula, começamos a aula com a discussão da atividade para casa. Na discussão da primeira questão, trabalhamos forças intermolecu- lares, na dois, revisamos as definições de álcool, de éster e a reação de esterificação. As questões de três a sete causaram muito entusiasmo nos alunos e alguns chegaram a dizer: “professora queremos entender melhor tudo que escrevemos”. Discutimos por alguns momentos sobre gorduras saturadas e insaturadas, alimenREVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2

tação saudável, composição química da margarina, colesterol, a presença e a função deste na membrana lipoprotéica das células animais e a ausência nas células vegetais. Gostaríamos de salientar a questão quatro, na qual pedimos para que eles consultassem no rótulo do óleo comestível utilizado em casa, as informações referentes às gorduras totais. E a questão cinco, onde solicitamos que eles citassem alguma outra informação que os tivesse chamado a atenção no rótulo. Então, eles citaram as seguintes expressões: 1. Sem colesterol; 2. Livre de transgênicos e com ômega três; 3. Rico em vitamina E. Durante a aula pedimos para que eles argumentassem porque essas expressões haviam chamado a atenção deles. E alguns falaram em estratégias de marketing nas expressões um e dois, e o caráter implícito da propaganda enganosa da frase um, uma vez que nenhum óleo vegetal pode apresentar colesterol. Da expressão dois, alguns questionaram o que é ômega três, pois eles já haviam lido essa informação em outros alimentos e não a compreendiam. Alguns relataram não saber que os óleos eram ricos em vitamina E, que protege as membranas e ajuda no crescimento. Enfim, discorremos toda a atividade no sentido de esclarecer todas as dúvidas possíveis dos alunos. No quinto encontro, mostramos como podemos obter sabão a partir de óleos e gorduras, apresentamos a reação de saponificação (a hidrólise alcalina das gorduras, seguida da neutralização dos ácidos orgânicos, originado os sais de ácidos carboxílicos: os sabões). Neste momento esclarecemos os termos sabão mole e sabão duro. Conversamos, também, sobre a diferença entre sabões e detergentes. Apresentamos a função química do ácido sulfônico e dos sais de ácidos sulfônicos (que são a base dos detergentes), discutimos os termos surfactantes e tensoativos, enfatizando que os sabões e detergentes são tensoativos aniônicos.

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Ana Maria C. de Oliveira, Francisco G. de Azevedo e Robson F. de Farias

Ao final da aula, pedimos que eles levantassem questões que esperavam ser esclarecidas com a aula de campo (como sugere no material didático), que seria no nosso próximo encontro. E eles levantaram alguns questionamentos como: quais os destinos e usos do glicerol produzido como produto secundário da fabricação do sabão? Ele é separado do sabão? Como o glicerol pode ser separado do sabão? Quais as matérias-primas usadas na fabricação do sabão? Essa matéria-prima é comprada em nossa região ou estado ou na nossa cidade? As matérias-primas para a fabricação do sabão são caras?

}

• • •

RELATO DA VISITA A FÁBRICA DE SABÕES E DETERGENTES Na visita a indústria de sabões e detergentes os alunos acompanharam todo o processo de fabricação desse produto. Os alunos participaram e fizeram perguntas além do que havia sido planejado por eles, como por exemplo: • Qual a duração do processo? • A formação do sabão só ocorre a quente? • A fabricação do sabão polui o meio ambiente? • Existem resíduos deste processo que são descartados? • Por que o sabão precisa ser armazenado em embalagens plásticas? É só uma questão de estética? Durante a visita estas e outras perguntas foram esclarecidas pela professora. Começamos o sétimo encontro discutindo as questões de oito a dezessete sugeridas no material didático. Na ocasião, revisamos a função química álcool, a partir do glicerol, e as fórmulas químicas que representam os óleos/ gorduras e o sabão. Como sugere o material, pedimos para que os alunos dissessem o que mais lhes chamou a atenção na fábrica de sabão, e eles fizeram as seguintes colocações: • A falta de segurança, já que os trabalhadores não usavam vestes adequadas,

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nem equipamentos de segurança individual como luvas, máscaras, protetores auditivos etc.; A forma de aquecimento a vapor do processo de saponificação; A ausência de um especialista em segurança do trabalho; A máquina térmica; A confecção de embalagens na própria fábrica e a reutilização dos plásticos (pedaços remanescentes), quase não deixando resíduo; O processo em que a água usada para o aquecimento a vapor era recuperada, passando por uma cascata para o seu resfriamento.

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RELATO DA AULA EXPERIMENTAL A aula de laboratório teve início com os alunos produzindo uma pequena amostra de sabão. Como mostra o material didático em anexo, antes mesmo de fazer o experimento eles foram confrontados com uma questão prévia, esta foi o eixo desencadeador de uma satisfatória discussão sobre a atuação do sabão na limpeza, onde tivemos oportunidade de trabalhar e esclarecer os termos químicos hidrófobo, hidrófilo e micelas. No segundo momento da aula de laboratório, realizamos o procedimento experimental II, onde testamos algumas propriedades dos sabões e detergentes. Durante a aula, em alguns momentos, os alunos se mostraram um pouco confusos e angustiados por não saberem explicar os fatos ocorridos, em especial, quanto a atuação dos sabões e detergentes na água dura e quanto a ação dos agentes emulsificantes. Após a segunda parte experimental não fizemos de imediato o fechamento da aula, dispensamos os alunos e encaminhamos, como pesquisa, as questões de vinte a vinte e sete do material, que recolhemos dois dias depois. Com a pesquisa os alunos foram capazes de dar respostas coerentes ao que estava sendo questionado.

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A Química no Ensino Médio e a Contextualização

No encontro seguinte fizemos o fechamento da aula, ocasião na qual, discutimos o que é agente tensoativo, tensão superficial, emulsão, agente emulsificante e, ainda foi possível falar sobre fatores que influenciam na velocidade das reações químicas, como, superfície de contato e temperatura. Em seguida, discutimos o texto sobre biodegradabilidade dos sabões e detergentes e mais uma vez foram abordados aspectos biológicos, tal como as enzimas produzidas pelos microorganismos naturais capazes de reconhecer as moléculas do sabão e dos detergentes de cadeia linear. Ao final da aula, orientamos os alunos para a preparação de seminários, conforme sugerido no material.

}

RESULTADOS E DISCUSSÕES Análise da unidade didática A unidade Didática foi elaborada com o objetivo geral de contextualizar e promover uma aprendizagem significativa de conceitos e conteúdos fundamentais em Química a partir do estudo da química dos sabões e detergentes, realidade na vida pessoal e no cotidiano de todos. Os resultados desse trabalho mostram que houve a contextualização dos conteúdos, no sentido de estabelecer inter-relações entre os conhecimentos escolares e fatos/situações presentes no dia-a-dia dos alunos, e que foi possível tirar o aluno da situação de receptor passivo, tornando-o motivado e participativo durante as aulas e em busca do conhecimento. Isto pôde ser detectado pelo alto grau de participação dos alunos nas atividades propostas, e pela motivação de se fazer e responder perguntas. Percebemos que o material permitiu uma interação satisfatória, superando o que havíamos planejado. Além da contextualização o material também tornou possível a interdisciplinaridade de alguns conhecimentos do campo da Biologia e da Física. Da Biologia, no momento em que os alunos levantaram questioREVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2

namentos a respeito da biossíntese das matérias graxas pelos organismos (seres humanos), do colesterol e ausência deste nas células vegetais, e quando relacionam a produção de enzimas com a biodegradabilidade dos sabões e detergentes. E no campo da Física, quando eles recorrem ao conhecimento de vetores para explicar as forças que geram a tensão superficial dos líquidos. Na nossa análise, também verificamos o senso de responsabilidade dos alunos em entregar as atividades propostas nos prazos combinados, demonstrando interesse no processo. Uma das respostas a esse material didático está claro nos depoimentos dos alunos, quando no final, pedimos para que eles fizessem colocações a respeito do mesmo, as quais estão citadas literalmente a seguir: • “Esse estudo permitiu que saíssemos da rotina”. • “Achei que estudar dessa forma melhorou o interesse da turma”. • “... nos aproximou da realidade”. • “Achamos que realmente a contextualização foi atingida, ao compreendermos melhor as atitudes do senso comum, como por exemplo, deixar a roupa de molho”. • “Passei para minha família as experiências que aprendi: que o sabão não precisa fazer espuma para ser bom, e que é importante deixar as roupas de molho, pois dar mais tempo para a formação das micelas”.

O papel e a importância da aula experimental Como apontam as pesquisas, os alunos gostam e preferem aulas experimentais, com a nossa experiência não foi diferente. A aula experimental como recurso contextualizado despertou grande motivação nos alunos. No procedimento I aparece um experimento com caráter comprobatório (mais uma vez, além da visita à fábrica) dos estudos teóricos que estávamos fazendo, e os alunos se animaram muito em saber que de forma relativamente simples,

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Ana Maria C. de Oliveira, Francisco G. de Azevedo e Robson F. de Farias

eles conseguiam reproduzir um processo que já conheciam em larga escala. No experimento II, esteve mais presente a relação com fatos e situações do cotidiano, tornando possível a compreensão das emulsões, da atuação dos sabões e detergentes na limpeza, houve um momento de despertamento e valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, os quais se mostraram incentivados a investigar e a procurar explicações para os fatos observados experimentalmente.

Relação entre os objetivos específicos da Unidade Didática e o alcance dos mesmos De acordo com os resultados obtidos durante e após as aulas foi feita uma análise para verificar se os objetivos específicos propostos foram atingidos. Com interesse e a participação dos alunos, contemplamos os objetivos 1 e 2, então alcançados. Os alunos apresentaram não só melhores resultados do ponto de vista qualitativo, mas também quantitativo, como está descrito a seguir. Com as atividades escritas, a apresentação dos seminários, percebemos a superação e a desenvoltura dos alunos quanto a compreensão da linguagem química e da percepção da função social e industrial da Química, atingindo aos objetivos 3, 4, 6 e 7. Nas atividades em grupo e nas aulas de laboratório pudemos atender aos objetivos 5 e 8, e mais uma vez contemplar o 6 e o 7. Na aula de laboratório, momento em que os alunos tentavam explicar o comportamento dos sabões e detergentes na água dura, percebemos que eles se esforçavam em levantar hipóteses sobre o fato experimental, contemplando o objetivo 10. Com o estudo e o debate do texto sobre biodegradabilidade dos sabões e detergentes atendemos ao objetivo 9.

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Avaliação quantitativa do material: reflexo do desempenho dos alunos Durante e após a aplicação do material foi feita uma análise quantitativa do mesmo. Essa análise levou em conta a avaliação do desempenho dos alunos durante as aulas – tendo como base a freqüência e a participação nas atividades envolvidas –, a argüição oral, na apresentação dos seminários, as atividades escritas, individuais e coletivas. Na apresentação dos seminários os alunos fizeram referência aos conhecimentos adquiridos com a aula de laboratório, a mudança de pensamento em relação ao conhecimento difundido pelo senso e o conhecimento científico. Gostaríamos de destacar que um dos grupos que apresentaram os seminários fez uma paródia, com base na música É preciso saber viver de J. Quest. Incluíram-na como uma forma didática de abordar termos e definições químicas. A paródia foi tocada, por dois alunos do grupo que tocavam violão e cantada por todos. Depois, cada componente do grupo explorou um pouco do que disseram cantando. Foi bastante notório a criatividade e a capacidade do fazer diferente desse grupo. O resultado quantitativo do desempenho dos alunos foi organizado e está explicitado no Gráfico 3: Conforme apresentado no Gráfico 3, dos 31 alunos que participaram desse estudo, apenas 13% obtiveram média abaixo de 7,0, exigida pela instituição para aprovação. Os alunos que se enquadram nesse percentual não apresentaram um grau de envolvimento satisfatório, sentavam-se no fundo da sala e não participavam efetivamente. Apresentaram desinteresse e faziam as atividades apenas como meras obrigações, sem o interesse demonstrado pelos demais. Além do mais, suas atividades eram simples, sem demonstrar que houve o crescimento desejado. No entanto, gostaríamos de registrar que em conversas informais com o professor de Química e com outros professores, ficamos sabendo

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A Química no Ensino Médio e a Contextualização

que o desinteresse pelo estudo desse grupo não está restrito apenas ao campo da Química, mas é geral. Não podemos avaliar os fatores que levaram a tal desinteresse, mas reconhecemos a necessidade de promover meios para tentar resgatar e resolver as dificuldades pelas quais passam os alunos nesse nível de estudo.

O fato de 87% dos alunos conseguirem ficar na média 7,0 ou superior, evidenciou que o método é adequado para se trabalhar no ensino médio.

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Média entre 6,0 e 6,9 (13 %)

Média acima de 8,0 (55%)

REFERÊNCIAS [1] PEIXOTO, D. P. Ensino de Química e Cotidiano. Disponível em: http://www.moderna.com.br/artigos/quimica/0025. Acesso em: 27/01/05. [2] CAMPOS, M. C. C.; NIGRO, R. G. Didática das Ciências: o ensino-aprendizagem como investigação, FTD, São Paulo, 1999.

Média entre 7,0 e 8,0 (32%)

Recebido em: 20/01/2006 Gráfico 3. Resultado das médias dos alunos.

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Aceito em: 13/11/2006

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FAZENDO CIÊNCIA EM ZIGUEZAGUE Myriam M. Segre de Giambiagi Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas E-mail: rio@cbpf.br

RESUMO Um trabalho publicado é visto, normalmente, como um processo mental linear. Exemplificando pela elaboração de alguns índices de ligação, uma realidade diferente é apresentada. Palavras-chave. Construção da ciência; elaboração científica; processo de pesquisa.

ABSTRACT MAKING SCIENCE IN A ZIGZAG. A published work is usually shown as a linear mental process. Exemplifying through the elaboration of certain bond indices, a quite different story is told. Key-words. Science construction; scientific elaboration; research process.


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INTRODUÇÃO

usual para os elétrons p. Ricardo já tinha usado as cargas nucleares efetivas de KohlMuitas vezes falei com o Mario, meu rausch[2], muito pouco conhecidas, para calesposo, da semelhança entre a criação científica cular o momento dipolar das ligações s por e a artística. Também, com o amigo e colega meio do método de igualar as eletronegativiRicardo Ferreira, da intenção de contar como é dades[3]. Guido Beck, com quem comentaa “verdadeira história” da elaboração de trabamos que íamos usá-las, nos disse que lhos científicos e suas ramificações, que cosKohlrausch havia sido seu professor. As fórtumam ser bastante diferentes da que se mulas de Roothaan[4] para as integrais de apresenta em sua redação. recobrimento levavam a resultados bem maiO trabalho-tipo começa em alguma idéia, ores que os usuais com as cargas de Slater[5], em geral vaga. Não raro, como dizia fomos então obrigados a considerar todos os Szent-Györgyi[1], maluca; ele ia ao laboratório, recobrimentos, complicando bastante o tranós às contas para verificar, através de algum balho. exemplo adequado (o que é exemplo adeNa aproximação p, a noção de sistema quado? faz parte crucial da história), se íamos alternante[6] era muito importante. Contamos adiante ou deixávamos de lado porque não tinha para os físicos teóricos que estávamos lidando sentido. Com alguma freqüência, os resultados com um sistema alternante, em discussões tipipodiam sugerir uma outra idéia, bem diferente camente interdisciplinares. Samuel McDowell daquela de partida, que podia, ou não, abrir um gostou da noção. Nos incomodava que as ordens de ligação fossem negativas para átooutro caminho. Às vezes é um labirinto, desses mos vizinhos e Samuel nos sugeriu uma maneque podem dar, aos que neles se aventuram, ira, que nós achamos muito brasileira, de uma boa dose de excitação, muito sofrimento e driblar o problema, trocando o sinal das funnoites de insônia. Nossos caminhos na ciência ções de base de um dos conjuntos, nos asseguforam muitas vezes em ziguezague, onde linhas rando que era totalmente legítimo. Vários anos se cruzam. mais tarde conseguimos entender por que acontecia isso[7]. Hoffmann[8] havia mencionado um ponto onde todas as soluções de cer} A PRÉ-HISTÓRIA DE UM TRABALHO tas equações eram degeneradas; além dele, chegava-se à inversão da ordem usual para as Quando em 1961 começamos com funções de onda. Era ali que tínhamos ido Ricardo o nosso primeiro trabalho, proparar. pondo parâmetros para os elementos de Uma vez que F. Albert Cotton esteve em matriz Hamiltoniana para uma molécula, Buenos Aires, fomos discutir o problema com decidimos testá-los por meio de um cálculo ele. Após a perplexidade inicial, nos disse que para a piridina, àquela altura o exemplo a ordem corriqueira para as funções de onda (o REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


Fazendo Ciência em Ziguezague

nível de energia mais baixo correspondendo à função de onda sem nós, e continuando na ordem da quantidade de nós) decorria da analogia com o modelo do elétron em uma caixa, e, portanto, não via empecilho na ordem invertida que resultava de nossos cálculos.

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A VERDADEIRA HISTÓRIA DE UNS ÍNDICES DE LIGAÇÃO Em Buenos Aires, para se formar no bacharelado, deve-se fazer o equivalente a uma tese de mestrado brasileira. Nos primeiros anos da década de 1970, para fazer esse trabalho me procuraram dois dos melhores alunos da época. Eram conhecidos como “los Danieles”: Carlos Daniel Heymann estudava ao mesmo tempo física e economia (felizmente para ele, ficou com a economia e é bem conhecido na área) e Daniel Rubén Grempel, que foi depois para os Estados Unidos. Eram tão bons, que foram autorizados a fazer juntos o trabalho, não cabia a suspeita de que um deles “carregasse” o outro. Os métodos de cálculo de orbitais moleculares com todos os elétrons de valência eram recentes, substituindo aos poucos os métodos que levavam em conta apenas os elétrons p. Quando estivemos em Roma, em 1968, fizemos com Ramón Carbó alguns desses cálculos, na época os mais sofisticados. Não sabíamos muito bem o que fazer com a matriz de cargas e ordens de ligação que aparecia na saída dos programas. Se usávamos a aproximação com bases ortogonais (CNDO, complete neglect of differential overlap[9]), não era possível aplicar a clássica e ainda hoje usada, população de recobrimento[10], que teria permitido uma definição mais geral que aquela empregada para os elétrons p, porque, simplesmente, ele é zero. Isso era admitido na teoria EH, extended Hückel[11] e sua variante IEH, iterative EH, a primeira versão dela, a pouco conhecida de D.G. Carroll, A.T. Armstrong e S.P. McGlynn[12]. Nesse caso a matriz é contraída de uma matriz orbital-orbital para uma átomo-atomo. Nós publicamos[13] resultados comparativos com REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2

os diferentes métodos, para os borazarobenzenos, em 1969. Na aproximação p com bases ortogonais, a matriz PAB era a clássica definição de Coulson, sendo um elemento diagonal PAA a carga eletrônica do átomo A e PAB a ordem de ligação[14] entre os átomos A e B. Quando a base refere-se aos orbitais atômicos levados em conta para o cálculo (na época, eram os orbitais de valência de Slater, o raciocínio é o mesmo em se usando bases maiores), a matriz que resulta do cálculo já não é uma matriz em termos átomo-átomo, mas uma matriz em termos orbital-orbital, que não sabíamos interpretar. A densidade eletrônica, a carga, era simplesmente a soma dos termos diagonais referentes aos orbitais no átomo em questão. Porém, o que significavam os muitos mais elementos não-diagonais? Uma das fontes de perplexidade era que a matriz não era sequer simétrica. A população de recobrimento contraída levava a resultados que não se pareciam com o que desejávamos. Existe um trabalho de Coulson que, lamentavelmente, passou despercebido da maioria da comunidade, foi feito com Chirgwin, de quem nunca mais se ouviu falar[15]. Nós o conhecíamos muito bem, tendo nos baseado nele e no muito mais difundido de Löwdin[16] para estudar a influência do comutador entre as matrizes da Hamiltoniana H e do recobrimento S sobre as definições de carga e ordens de ligação com e sem recobrimento. Quando as bases são ortogonais, S é igual à matriz unidade, mesmo as bases não sendo ortogonais, as duas definições conduzem ao mesmo resultado quando H e S comutam[17]. Voltando ao trabalho de Chirgwin e Coulson, quando foi feito não se pensava em termos tensoriais na química teórica, lendo-o, hoje, percebe-se que esse manuscrito foi revolucionário e ainda não recebeu a atenção que merece. Tínhamos dito aos alunos que desejávamos reduzir as matrizes PAB a algum número que se parecesse com 1 para ligações simples, 2 para ligações duplas e 3 para as tríplices. Um tempo depois de “brincar” com resultados para algumas moléculas típicas, apareceram com uma “receita de cozinha” que funcionava muito bem,

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Myriam M. Segre de Giambiagi

como se espera das receitas de cozinha... e dos cozinheiros eficientes. Os Danieles escreveram uma volumosa tese de mestrado, se formaram, cada um seguiu seu próprio caminho e, no entanto, na Argentina foi se desenrolando um dos muitos dramas históricos que marcaram nossas vidas. Em 1973, o Mario era secretário da AFA (Asociación Física Argentina) e muitos anos mais tarde escreveu sobre esse conturbado período[18]. Trabalhávamos em casa quando conseguíamos um intervalo entre as manifestações políticas, com as crianças pulando em cima da gente e o telefone que anunciava alguma notícia, quase sempre ruim. Nesse ano, houve o golpe de Perón contra Cámpora, culpado de ter assumido a presidência da Argentina tendo ao lado Salvador Allende e Dorticós, o presidente de Cuba. Escrevemos para muitos amigos que Perón jamais aceitaria ser presidente tendo Allende do outro lado dos Andes; Allende pediu a Argentina caminhões para compensar a greve contra ele, esses caminhões esperaram o golpe em Chile para atravessar a montanha. Muitas reuniões da direção da AFA foram feitas em nossa casa, quando era possível com os filhos dormindo, mas nem sempre. Eu trabalhava na Faculdade em Buenos Aires (o CONICET complementava com uma bolsa meu salário de professora), Mario em La Plata. O dia em que Perón morreu, nos encontramos na estação de trem, Mario vinha de La Plata, quando ouvimos a notícia. Essa noite comemoramos, como comemoramos a morte de Franco. A de Perón, com muita discrição porque era perigoso. Lembro, poucos dias depois, em um aniversário infantil, das pessoas falarem com indignação do corajoso editorial a respeito do jornal La Prensa; nunca gostamos do jornal, mas era arriscado publicar uma posição antiperonista. A morte de Franco, dois anos mais tarde, fez com que explicássemos às crianças a comemoração (a de Perón não carecia, sabiam das nossas idéias), lemos para eles o poema de Neruda, El general Franco en el infierno. Após a morte de Perón, a repressão piorou ainda mais. Em 1974, fui demitida da faculdade. Meus filhos não entendiam por que

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isso me deixava tão aliviada. Acontece que havia muitos meses que eu tinha muito, muito medo de desaparecer lá. Expliquei que se o decano, um conhecido fascista, tivesse sido menos burro, teria me obrigado a ir e portanto a me demitir. Então teria sido mais difícil pedir ao CONICET que minha bolsa passasse a cobrir todo o salário. Essa vez demitiram até Leloir, um dos nossos prêmios Nobel a quem não se podia acusar de ter posição política nenhuma! Claro que Leloir foi “des-demitido”... Fiquei então, por enquanto, com minha bolsa de pesquisadora do CONICET. Entre um e outro sobressalto, ainda havíamos escrito em francês, como gostávamos de fazer às vezes, e continuamos fazendo por vários anos (o último trabalho em francês publicado pelo J. Mol. Structure (Theochem) em 1993, foi nosso), a versão publicável da tese dos Danieles. Tínhamos as maiores dificuldades de acesso às revistas, apesar da biblioteca de La Plata ser bem razoável. Foi nessa biblioteca que Mario descobriu um trabalho de Wiberg, de 1968, onde comparava resultados CNDO e EH para um grupo de compostos muito peculiares[19]. Voltou muito excitado, “olha só o que achei”. Desejando comparar a população de recobrimento saída do EHT, com alguma coisa saída do cálculo CNDO, em uma modestíssima nota ao pé da página, Wiberg introduzia “nossos” índices, porém com bases ortogonais. Mudamos assim radicalmente a introdução do trabalho. Passou a ser um índice para bases não-ortogonais, generalizando o índice de Wiberg[20].

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OS ÍNDICES EM ZIGUEZAGUE Passamos em Recife o verão de inícios de 75. Voltamos para Buenos Aires, quando o terror das ditaduras se arrefecia. Quando fomos cassados, em maio de 76, fazia meses que o Mario insistia que devíamos partir. Do comitê diretor da AFA do qual ele era secretário, já dois estavam desaparecidos, Gabriela Caravelli e Antonio Misetich. Máximo Barón, o tesoureiro, estava preso em um

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Fazendo Ciência em Ziguezague

navio. Gustavo Dussel, o presidente, morreu de câncer em junho de 76. A última vez que fomos em La Plata nos encontrar com um amigo, foi em uma praça para poder ver de longe qualquer pessoa que se aproximasse de nós. Nossa cassação foi um favor que nos fizeram, nos obrigando a tomar a decisão que eu hesitava tanto em assumir. Transcorreu apenas um mês entre a nossa decisão e a partida. A última noite, fomos com os três filhos dormir em casa de amigos que nos acompanharam até o aeroporto. Ricardo e os amigos nos acolheram mais uma vez em Recife. Uma outra tese de Buenos Aires havia sido discutida com Ricardo no verão anterior e publicada no intervalo[21], levando mais tarde a um outro trabalho com Ricardo, quando nos divertimos simulando a passagem de “pedacinhos” de elétrons de um nível de energia para outro. Em 1977, estávamos de volta ao CBPF, nossa casa. Colegas da Itália nos mandaram uma versão do IEHT. Em 1970, havíamos engavetado resultados para algumas moléculas grandes (na época, as bases dos ácidos nucleicos), após descobrir que, se calculávamos uma molécula com simetria, as cargas que deviam ser iguais não coincidiam sequer na segunda casa decimal. Era um programa que vinha do QCPE (o Quantum Chemistry Program Exchange era um banco de programas que, por muito pouco, oferecia fitas, cartões e exemplos dos programas mais usados), chegamos à desagradável conclusão que muitos resultados da literatura deviam ser bem pouco confiáveis. Quando recebemos a nova versão e passou o teste da simetria, voltamos então a pensar em moléculas que exigiam muito tempo de CPU, e publicamos os nossos índices IEH para os pares de Watson e Crick no ADN[22] e para outros pares do tRNA[23] e emparelhamentos nos quais U é substituído por 5FU[24]. Voltamos à formulação teórica para os índices e aproveitamos para melhorar a notação, explorando o caráter tensorial das grandezas envolvidas[25], também aplicamos a definição de valência que foi introduzida para bases ortogonais[26].

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Esta valência teve uma história parecida. Foi formulada independentemente por autores russos[27] e ingleses (um deles Stewart)[26], nós vimos por acaso em um livro russo. Quando mandamos o nosso manuscrito para uma revista e foi recusado, tivemos certeza de quem foi o responsável, porque esse colega publicou um trabalho sobre valência sem citar os russos e depois passou a fazê-lo. Stewart é o autor do programa MOPAC e dono da empresa que o comercializa, nosso trabalho é citado nele. Nesses anos, os cálculos ab initio (ou seja, sem os parâmetros dos métodos semiempíricos) foram se difundindo. Como o esforço computacional que requerem é muito maior, ficaram primeiro restritos a sistemas relativamente pequenos. Istvan Mayer voltou a formular os índices em 1983[28]. Escrevi para ele, e reconheceu a nossa “paternidade”. Ele nos mandou os artigos russos, impossíveis de conseguir no original, por alguns anos estivemos, também, em contato com Semenov. O ziguezague continua, mas essa é uma outra história...

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REFERÊNCIAS [1] SZENT-GYÖRGYI, A. Some reminiscences of my life as a scientist, Quantum Biol. Symp. N. 3, Int. J. Quantum Chem., 7-12 (1976). [2] KOHLRAUSCH, K. W. F. Acta Phys. Austriaca, 3, 452 (1949). [3] FERREIRA, R. C. J. Phys. Chem. 63, 745 (1959). [4] ROOTHAAN, C. C. J. J. Chem. Phys. 19, 1448 (1951). [5] SLATER, J. C. Phys. Rev. 36, 57 (1930). [6] PAUNCZ, R. Alternant Molecular orbital Method, W.B. Saunders (1967). [7] CARBÓ, R.; GIAMBIAGI, M. S. de; GIAMBIAGI, M. Nvo. Cim. Serie X, 59B, 204 (1969). [8] HOFFMANN, R. J. Chem. Phys., 39, 1397 (1963). [9] POPLE, J.A.; SANTRY, D. P.; SEGAL, G. A. J. Chem. Phys. 43, S129 (1965); POPLE, J. A.; SEGAL, G. A. J. Chem. Phys. 43, S136 (1965); POPLE, J. A.; SEGAL, G. A. J. Chem. Phys. 44, 3289 (1966). [10] MULLIKEN, R. S. J. Chem. Phys. 23, 1833, 1841 (1955).

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[11] HOFFMANN, R. J. Chem. Phys. 39, 1397 (1964); HOFFMANN, R. J. Chem. Phys. 40, 2474 (1964); HOFFMANN, R. Adv. Chem. Ser. 42, 78 (1964). [12] CARROLL, D.; ARMSTRONG, G. A. T.; MCGLYNN, S. P. J. Chem. Phys. 44, 1865 (1966). [13] CARBÓ, R.; GIAMBIAGI, M. S. de; GIAMBIAGI, M. Theoret. Chim. Acta 14, 147 (1969). [14] COULSON, C. A. Proc. Roy. Soc. London, A169, 143 (1939). [15] CHIRGWIN, B. H.; COULSON, C. A. Proc. Roy. Soc. London A201, 196 (1950). [16] LÖWDIN, P. O. J. Chem. Phys. 18, 365 (1950). [17] MCDOWELL, S.W.; GIAMBIAGI, M.; GIAMBIAGI, M. S. de. Nvo. Cim. 35B, 410 (1965). [18] GIAMBIAGI, M. CBPF-CS-002/01. [19] WIBERG, K.W. Tetrahedron 24, 1083 (1968). [20] GIAMBIAGI, M.; GIAMBIAGI, M.; GREMPEL, D. R. HEYMANN, C. D. J. Chim. Phys. 72, 15 (1975). [21] GIAMBIAGI, M.; SEGRE DE GIAMBIAGI, M.; FERREIRA, R.; BLANCK, S. Chem. Phys. Lett. 38, 65 (1976). [22] GIAMBIAGI, M.; GIAMBIAGI, M. S. de.; FILHO, W. B. Chem. Phys. Lett., 78, 541 (1981). [23] GIAMBIAGI, M. S. de; GIAMBIAGI, M.; ESQUIVEL, NATURFORSCH, D. M. S. Z. 38c, 621(1983). [24] GIAMBIAGI, M. S. de; GIAMBIAGI, M.; ESQUIVEL, D. M. S. NATURFORSCH., Z. 37a, 292 (1982). [25] GIAMBIAGI, M. S. de; GIAMBIAGI, M.; JORGE, F. E.; NATURFORSCH., Z. 39a, 1259 (1984). [26] ARMSTRONG, D. R.; PERKINS, P. G.; STEWART, J. J. P.; J. Chem. Soc. Dalton 838 (1973); 2273 (1973). [27] BORISOVA, N. P.; SEMENOV, S. G.; Vestn. Leningr. Univ., 16, 116 (1973). [28] MAYER, I. Chem. Phys. Lett., 97, 270 (1983).

Recebido em: 20/01/2006 Aceito em: 13/11/2006

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USANDO A QUÍMICA ORGÂNICA E INORGÂNICA PARA A ABORDAGEM DO CONCEITO DE OXIDAÇÃO-REDUÇÃO Angela Fernandes Campos Cristiano de Almeida Cardoso Marcelino Júnior Valéria Barboza Veríssimo Udneide Maria Chaves Leite Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE E-mail: caamposaf@hotlink.com.br

RESUMO Este trabalho retrata uma experiência realizada em uma escola da rede pública de Pernambuco objetivando desenvolver nos estudantes uma visão atual do conceito de oxidação-redução através de atividades envolvendo conteúdos de Química Orgânica e Inorgânica. Palavras-chave. Oxidação-redução; abordagem unificada; cotidiano do estudante.

ABSTRACT USING THE ORGANIC AND INORGANIC CHEMISTRY TO APPROACH THE CONCEPT OF OXIDATION-REDUCTION. This work reports an experience carried out in a public school of Pernambuco in order to develop in the students a current vision of the oxidation-reduction concept through activities involving contents of Organic and Inorganic Chemistry. Key-words. Oxidation-reduction; unified approach; student’s quotidians.


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INTRODUÇÃO O conceito de oxidação envolve a perda de elétrons da espécie que se oxida na reação, bem como, sua relação com o número de oxidação. A compreensão da oxidação-redução (oxi-redução) é importante para o entendimento de aspectos teórico-representacionais da Química, por exemplo, estrutura molecular, reatividade e equações de reações químicas. Adicionalmente, é fundamental para o entendimento de fatos macroscópicos, possibilitando o estabelecimento de relações concretas em experiências cotidianas, tais como: respiração, fermentação, ações de medicamentos, corrosões de metais, putrefações dos alimentos e funcionamentos de pilhas e baterias. Diferentes relatos exibem as dificuldades de compreensão, por parte dos alunos, dos conteúdos associados diretamente ao conceito de oxidaçãoredução, tais como: interpretação de condutibilidade elétrica em soluções, representações de reações de oxidação-redução e explanações e experimentos envolvendo potencial de redução[8]. Tais dificuldades podem ser acentuadas pela aplicação excessiva de algoritmos e pela linguagem imprecisa e inapropriada usada em livros-texto na explanação de conceitos associados à temática. Investigando a abordagem da oxidação-redução em 17 livros didáticos de Química Orgânica, Mendonça[7] observaram que eles manifestam uma forte padronização de características desfavoráveis ao processo de ensino-aprendizagem, contribuindo para uma confusão conceitual nos estudantes e professores de Química. Um dos pontos destacados nessa pesquisa foi o fato da maioria dos autores associarem o conceito de oxidação

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com a presença de oxigênio na reação, diferenciando-se da abordagem normalmente observada nos livros didáticos de Química Inorgânica. Essa constatação é um indicativo da falta de uniformidade conceitual na apresentação de alguns conceitos químicos que podem levar a uma prática pedagógica fragmentária e incoerente, fundamentada em pressupostos de segmentação entre os diversos campos das Ciências Naturais e Exatas, transpostos para os currículos escolares[9] e, muitas vezes, desassociados ao cotidiano dos estudantes. Diante disto, este trabalho relata ações desenvolvidas no intuito de provocar rupturas paradigmáticas nessa premissa, buscando-se promover a uniformidade do ensino-aprendizagem do conceito de oxidação-redução fazendo uso de atividades em Química Inorgânica e Orgânica, bem como, na sua relação com o cotidiano do estudante.

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ASPECTOS METODOLÓGICOS O trabalho foi desenvolvido com 9 estudantes da 2ª série do ensino médio de uma escola pública do Recife, Pernambuco. Foram realizados 4 encontros, com duração de 4 horas cada, perfazendo o total de 16 horas. O primeiro foi destinado à apresentação da proposta e realização de um pré-teste e os outros 3 à intervenção didática. Anterior aos encontros, foram elaborados 2 instrumentos didáticos; um texto informativo e um questionário. O texto foi composto de informações extraídas do artigo Por que envelhecemos?, do documentário da BBC (British

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Usando a Química Orgânica e Inorgânica...

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BroadCast) de Londres, e de um prospecto de laboratório de medicamentos, intitulado Radicais Livres e Anti-oxidantes. O texto apresentava situações envolvendo conteúdos tradicionalmente vinculados aos ensinos de Química Orgânica e Inorgânica e foi construído para que pudesse atuar como recurso motivacional para uma discussão unificada do conceito de oxidação-redução. Para investigar a compreensão do texto pelos estudantes, as concepções prévias e relações que faziam entre o conceito de oxidação-redução com o seu dia-a-dia, foi montado um questionário, que constou das seguintes perguntas: Por que envelhecemos? Como podemos desacelerar o processo de envelhecimento? Por que a banana e a maçã escurecem minutos após a retirada da casca? Por que as pilhas e baterias param de funcionar depois de certo tempo de uso? O que é oxidação? O que é redução? Descreva algum outro acontecimento do cotidiano que envolva um processo de oxidação-redução. O texto e o questionário foram distribuídos aos estudantes. Os resultados foram analisados e agrupados em categorias, criadas com base na similaridade das respostas dos estudantes, conforme descrito nas Tabelas de 1 a 7.

A.E. 2. Reações de oxi-redução em alimentos – Cortar a maçã e a banana, em metades. Espremer o limão na superfície das metades da maçã e da banana. Observar a ação das metades da maçã e da banana com o sumo e sem o sumo do limão. Anotar as observações, antes e após duas horas. A .E. 3. Determinação dos Potenciais Redox de vários metais – Recortar dez tiras de papel cromatográfico medindo 15cm x 1,5cm e uma tira medindo 1,5 cm x 25cm. Marcar, a lápis, as respectivas soluções, 1,0 mol/L em que cada tira será embebida, a saber: Mg2+, Zn2+, Ni2+,Sn2+, Pb2+, Cu2+, Ag+ e Au3+. Dispor estas tiras de maneira paralela umas as outras de tal forma que não haja contato entre as mesmas. Acomodá-las em superfície lisa e não-condutora. Embeber a tira maior com uma solução 1mol/L de KCl e estabelecer contato elétrico entre as tiras. Colocar em cima de cada tira os respectivos metais devidamente polidos. Medir os potenciais de cada par com um multímetro e anotar os valores de potencias encontrados. Sempre considerar a primeira medida efetuada. Medidas subseqüentes com os mesmos pares redox sofreram novos polimentos. Em seguida, solicitar aos estudantes que preencham uma tabela com os dados dos potenciais medidos no experimento e comparem os resultados com os valores tabelados na literatura[5].

INTERVENÇÃO DIDÁTICA

ETAPA II. Simulação computacional dos Potencias Redox de vários metais de pilhas inorgânicas e orgânicas Os estudantes, em grupos, visualizaram uma sistematização da diferença de potencial (ddp) das pilhas no laboratório de informática e fizeram uma comparação das ddps obtidas nas simulações com padrões que se encontram na literatura[5].

ETAPA I. Realização de atividades experimentais Neste momento, os estudantes foram separados em grupos de 3 componentes para a realização das atividades experimentais (A.E’s), descritas a seguir. A.E. 1. Reações de deslocamento de metais – Adicionar ácido clorídrico (HCl), a 10%, em 5 tubos de ensaio até 1/3 do volume de cada um. Depois, em cada um deles, adicionar, respectivamente, raspas dos seguintes metais: magnésio, zinco, ferro, cobre e alumínio. Esperar alguns minutos e observar o que ocorre.

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ETAPA III. Discussão de fenômenos do cotidiano Os estudantes leram um outro texto, também elaborado pelas professoras, sobre fenômenos redox. Em seguida, foi realizada uma discussão

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Angela Fernandes Campos et al.

sobre vários fenômenos do cotidiano, na tentativa de construir uma ponte cognitiva entre os conceitos de oxidação e redução na Química Orgânica e Inorgânica.

}

ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS A PARTIR DO QUESTIONÁRIO Analisando as respostas por meio das categorias mostradas nas Tabelas 1 e 2, podemos perceber que os estudantes associam o envelhecimento a um processo de oxidação devido à presença do oxigênio: “O oxigênio oxida a célula do organismo”, sendo esta a definição encontrada em boa parte dos livros-texto de orgânica do ensino médio[7].

mento das frutas (“a banana e a maçã sem as cascas apodrecem mais rápido escurecendo”), e, 3 estudantes atribuíram a ação do oxigênio sobre o alimento sem a casca como fator responsável por este fato, “a banana e a maçã sem a casca escurecem no ar”. No entanto, eles não conseguem explicar porque a ausência dessa proteção causa o escurecimento na superfície dos alimentos e, mais uma vez, percebemos a definição de oxidação que predomina nos livros de Química Orgânica. Tabela 3. Questão 3. Por quê a banana e a maçã escurecem minutos após a retirada da casca? Categoria

NE

Retirada da proteção do alimento

03

Ação do Oxigênio sobre o alimento sem a casca

03

Evasivas

02

Não respondeu

01

Tabela 1. Questão 1. Por quê envelhecemos? Categoria

NE

Declínio das funções fisiológicas

05

Resposta baseada na exposição da mídia (televisão, reportagens, revistas)

01

O oxigênio como a causa principal do processo.

02

Evasiva

01

NE = Número de estudantes.

Tabela 2. Questão 2. Como podemos desacelerar o processo de envelhecimento? Categoria

NE

Prevenção com uso de protetores solares e cosméticos.

04

Alimentação e um estilo de vida que promovam à saúde.

03

Evasiva

01

Não respondeu

01

Com relação à questão 2, a maioria dos estudantes comenta sobre formas de prevenção do envelhecimento costumeiramente divulgadas pela televisão, revistas, jornais, mostrando a influência dos meios de comunicação na vida dos estudantes: “Usando hidratante e protetor solar podemos conservar a pele”, “Tendo uma boa alimentação e um estilo de vida que promovam a saúde”, “Comendo verduras e frutas ricas em vitaminas”. Na Tabela 3, observa-se que 3 estudantes consideram a retirada da proteção do alimento (casca) como fator responsável pelo escureci-

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Com relação à questão 4, observamos que a maioria dos estudantes teve dificuldade de explicar porque as pilhas e baterias após certo tempo de uso param de funcionar: “Por que usou demais”, “Algumas estouram e param de funcionar”. Percebe-se que as respostas contemplam idéias que são vivenciadas por eles na prática cotidiana, porém, sem nenhuma relação com o conhecimento químico que deveria ser construído na escola. Araújo[1] consideram esse tipo de resposta como um enunciado operacional, ou seja, a definição focaliza atributos relativos à experiência direta do indivíduo (nível mais baixo de abstração). Tabela 4. Questão 4. Por quê as pilhas e baterias param de funcionar depois de certo tempo de uso? Categoria

NE

Consumo da solução eletrolítica da pilha

02

Evasivas

04

Não respondeu

03

Nas Tabelas 5 e 6 observamos que a maioria associou a perda de elétrons ao processo de oxidação e 3 associaram o ganho de elétrons ao processo de redução, “É quando na equação química ocorre ganho de elétrons”. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 1 – núm. 2


Usando a Química Orgânica e Inorgânica...

Tabela 5. Questão 5. O que é oxidação? Categoria

NE

Perda de elétrons

06

Evasiva

01

Ação direta do oxigênio

02

}

Tabela 6. Questão 6. O que é redução? Categoria

NE

Ganho de elétrons

03

Etimologia da palavra

03

Não respondeu

01

Evasivas

02

Na Tabela 5 podemos verificar que as idéias dos estudantes sobre oxidação contemplam as abordagens diferenciadas destes conceitos nos livros-texto do ensino médio de inorgânica, Perda de elétrons, e orgânica, Ação do oxigênio[6]. Analisando a Tabela 6 é interessante observar que 3 estudantes associam o processo de redução ao sentido literal da palavra, ou seja, redução no sentido de reduzir: “é quando o metal é reduzido”, “É quando ocorre uma perda de massa da matéria”. O termo redução é utilizado no dia-a-dia como sinônimo de diminuição. De acordo com Araújo[1], cada estudante traz consigo um número enorme de conceitos cotidianos, característicos de sua trajetória de vida, os quais podem influenciar a aprendizagem de conceitos científicos (conceitos adquiridos pela instrução formal, principalmente, a escolar). No tocante à questão 7, 3 estudantes citaram “Funcionamento das pilhas e baterias”, “Formação da ferrugem”, “Escurecimento da prata” como acontecimentos do dia-a-dia, mas a maioria não conseguiu relacionar os processos de oxi-redução aos fenômenos cotidianos. Tabela 7. Questão 7. Descreva algum outro acontecimento do cotidiano que envolva um processo de oxidação-redução. Categoria

NE

Aplicação no cotidiano

03

Não respondeu

04

Evasivas

02

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ANÁLISE DOS RESULTADOS DA INTERVENÇÃO DIDÁTICA Na A.E.1, os estudantes construíram a escala de reatividade dos metais baseada no desprendimento do gás durante a reação do metal com o ácido. Na construção da escala de reatividade Mg>Al>Fe>Cu, alguns estudantes questionaram “Por que não ocorreu a reação do cobre com o ácido?”. Fez-se necessário uma nova intervenção para responder e discutir as escalas obtidas pelos estudantes e fazer uma comparação com as escalas encontradas na literatura[5]. Na discussão em assembléia os estudantes associaram a escala de reatividade dos metais com algumas aplicações no cotidiano: “Agora entendi porque as peças de ferro se desgastam mais rápido que as de prata”, “Utilizando a escala pude entender porque não ocorreu a reação do cobre e da prata com o ácido”. Em seguida, as professoras sistematizaram as equações das reações e semi-reações envolvidas no experimento, valorizando a visão representacional do conhecimento químico[3, 4]. Na discussão da A.E.2, todos os estudantes perceberam as mudanças, quanto aos aspectos visuais. Nas metades das frutas com o sumo não foi visível a alteração da cor quando comparadas às metades sem o sumo que escureceram, devido a ação direta do ar. Neste momento, algumas questões foram levantadas por eles, tais como: “Será que a laranja na salada de frutas tem a mesma ação do limão?”, “Será que o escurecimento da banana e da maçã provocado pelo contato com o ar é o mesmo no escurecimento de objetos de prata?” Para responder aos questionamentos as professoras realizaram uma intervenção com abordagem dos conceitos agente oxidante e agente redutor e sistematizou a equação da reação de oxidação de compostos fenólicos catalisada pela polifenol oxidase[2] (Figura 1). Na equação da Figura 1, o ácido atua como agente redutor (antioxidante) em tecidos vegetais inibindo a reação que provoca o escurecimento das frutas. Os ácidos que são normalmente utili-

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Angela Fernandes Campos et al.

Figura 1. Reação de oxidação de compostos fenólicos catalisada pela polifenol oxidase[2].

zados estão entre aqueles de ocorrência natural como, cítrico (limão), ascórbico (vitamina C) e málico (maçã). Alguns exemplos de frutas tais como; manga, goiaba e abacaxi quando fatiadas e em contato direto com o ar não escurecem rapidamente devido a ação do ácido ascórbico. O escurecimento da fruta é iniciado pela oxidação enzimática de compostos fenólicos naturais na presença da enzima polifenol oxidase (PFO) e oxigênio molecular como agente oxidante formando quinona[2]. A A.E.3 e os resultados das simulações das pilhas envolvendo a determinação dos potenciais redox de vários metais permitiu que os estudantes comparecem os dados obtidos com os valores de d.d.p. disponíveis na literatura[5]. Duas equipes encontraram valores de d.d.p. semelhantes aos tabelados na literatura. As demais equipes obtiveram resultados díspares. Algumas hipóteses foram levantadas pelas equipes que encontraram os resultados distantes da literatura: “Será que houve o contato entre as tiras paralelas do papel cromatográfico?” “Será que foi considerada a primeira medida efetuada?” Os estudantes tiveram a oportunidade de observar uma montagem de pilhas orgânicas construídas com tomates e limões, disponível no site http://www.cq.ufam.edu.br. Na discussão com o grande grupo surgiu o comentário: “Eu não sabia que poderia construir uma pilha orgânica”. Percebemos que houve o envolvimento dos estudantes nas A. E´s, com levantamentos de hipóteses e comparação entre as

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pilhas inorgânicas e orgânicas, considerando os mesmos pares redox. Finalmente, após a leitura e discussão de um texto sobre fenômenos de oxi-redução, percebeu-se uma evolução dos estudantes nas concepções sobre os processos de oxi-redução e suas relações com o cotidiano. Surgiram alguns comentários: “É interessante como a oxidação e redução explicam tantos fenômenos da nossa vida diária”. “Eu não sabia que a respiração, fotossíntese e combustão envolvem perda e ganho de elétrons”.

}

CONCLUSÕES O trabalho desenvolvido possibilitou aos estudantes uma compreensão atual do conceito de oxidação- redução a partir de conteúdos de Química Orgânica e Inorgânica, ampliando a abordagem da presença de oxigênio na vinculação do conceito, fato que ocorre na maior parte dos livros-texto de Orgânica. Ele permitiu, ainda, exercitar a importância da relação dos conceitos científicos com o cotidiano, valorizando os conhecimentos prévios, a experimentação, as interações entre estudante-estudante e professor-estudante. Com a realização da atividade, outros aspectos importantes foram observados, como a tomada de decisões referentes ao interesse pelos conceitos trabalhados, o despertar do prazer na busca do conhecimento científico e a utilização de diversos recursos didáticos (textos, prospectos, experimentos, internet etc.).

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Usando a Química Orgânica e Inorgânica...

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REFERÊNCIAS [1] ARAÚJO, D. X, SILVA, R. R, TUNES, E. O conceito de substância em química apreendido por alunos do ensino médio. Química Nova, 18(1), p. 80-90, 1995. [2] CARVALHO, L. C, LUPETTI, K. O, FILHO, F. O. Um estudo sobre a oxidação enzimática e a prevenção do escurecimento de frutas no ensino médio. Química Nova na Escola, No 22, p. 42-47, 2005. [3] JOHNSTONE, A. Macro and Microchemistry. The School Science Review. 64, n. 227, p. 377, 1982. [4] MACHADO, A. H. Aula de química: discurso e conhecimento. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1999. [5] MAHAN, J. Química um curso universitário. Editora Edgard Blucher, 1997. [6] MENDONÇA, R. J. O conceito de oxidação nos livros didáticos de química orgânica do ensino médio. Dissertação de mestrado. Recife: UFRPE, 2002.

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[7] MENDONÇA, R. J, CAMPOS, A F e JÓFILI, Z. M. S. O conceito de oxidação-redução nos livros didáticos de química orgânica. Química Nova na Escola, no 20, p.45 - p.48, 2004. [8] OZKAYA, A. R., UCE, M. e SAHIN, M. Prospective teachers’ conceptual understanding of electrochemistry: galvanic and electrolytic cells. University Chemistry Education. 7. 1-12. 2003. [9] SILVA, E.O. Restrição e extensão do conhecimento nas disciplinas científicas do ensino médio: nuances de uma “epistemologia de fronteiras”. Investigações em Ensino de Ciências. 4, 1, 1999.

Recebido em: 12/01/2006 Aceito em: 04/01/2007

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HENRI NESTLÉ, O INVENTOR DA FARINHA LÁCTEA Robson F. de Farias

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HENRI NESTLÉ (1814-1890) Henri Nestlé-Ehmant era um alemão nascido em Frankfurt, em 1814, que imigrou para a Suíça. Seu nome de origem era Heinrich Nestle, sendo seu “afrancesamento” uma forma encontrada por ele para melhor se inserir na comunidade de Vevey. A conhecida logomarca da Nestlé, com um pássaro alimentando seus filhotes no ninho, vem do próprio sobrenome de Henri: nestlé, que pode ser traduzido como “pequeno ninho”.

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CONDENSADOR DE LEITE PROJETADO POR HENRI NESTLÉ Henri recebeu treinamento em química durante quatro anos, por intermédio de um farmacêutico, J.E. Stein. Entre as atividades no ramo da química que ele exerceria antes de fundar a famosa companhia que leva seu nome, estavam a produção de óleo de nozes, rum, absinto e vinagre, além de água mineral carbonatada. A companhia fundada por Henri realizou várias outras inovações no campo alimentício e para as quais a química desempenhou papel fundamental: o primeiro leite condensado produzido na Europa, o primeiro “chocolate ao leite”, o primeiro café solúvel, entre outras.

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O “PEQUENO NINHO” No final do século XIX, a taxa de mortalidade infantil em Vevey, Suíça, era das mais elevadas. Em função disso, um químico, Henri Nestlé, iniciou pesquisas visando o desenvolvimento de um produto industrializado que fosse capaz de atuar como fonte de nutrientes para as crianças. A famosa “Farinha Láctea”, tão consumida até hoje, seria por ele inventada em 1867. É certo que o fato de Henri ter sido o décimo primeiro de um total de quatorze filhos influenciou sua posterior preocupação com a alimentação infantil, culminando com a produção da famosa “farinha láctea”: sete de seus irmãos morreram antes de atingir a idade adulta. Na formulação da famosa farinha, Henri combinou leite, farinha de trigo e açúcar. Contudo, teve o cuidado de remover o amido, bem como componentes ácidos, que são de difícil digestão para os recém-nascidos. É bom lembrar, que Henri desenvolveu sua Farinha Láctea visando atender as crianças que, por alguma razão, não podiam ser amamentadas, reconhecendo sempre que o leite materno era o alimento ideal para os recém-nascidos.

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MEMÓRIA FOTOGRÁFICA DA QUÍMICA NO BRASIL

Instituto de Química da UNICAMP – 40 anos




Outubro de 1966, Instituto de Química da USP. Ao centro o Prof. Claudio Airoldi, então aluno de graduação (atualmente no I.Q. da UNICAMP). Era o período da tarde e logo em seguida seria apresentado um seminário, motivo pelo qual os alunos estão se preparando e um deles escreve no quadro. O jovem de óculos em primeiro plano é o Prof. Roberto Rittner, então Prof. do IQ-USP, e que depois se transferiu para a UNICAMP.


RESENHAS

}

INTRODUÇÃO À QUÍMICA MAZALLA JR., W. Introdução à química. Campinas: Átomo, 2006.

Tudo é químico no mundo, orgânico e inorgânico, que nos é dado conhecer. Como se habitássemos imenso caleidoscópio natural. Quatro substâncias elementares – hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e carbono –, enriquecidas seja pelo cloro, iodo, flúor, enxofre, o fósforo e pelos metais, são todo o fundamento do que somos e conhecemos. Compondo-se, decompondo-se e transformando-se, fazem o caleidoscópio da natureza, o qual deve ser visto e apreciado pelas inteligências. Semelhantemente aos dígitos 0 e 1 na comunicação eletrônica, que podem se combinar de infinitas maneiras, comportam-se as substâncias básicas do mundo, plasmando desde as rochas do Himalaia até o mais cândido rostinho de um bebê. Temos a devida consciência disso? Estamos atentos à química do sangue, das células, dos tecidos orgânicos? De formas sólidas, líquidas e gasosas, cumpre-se a matemática de uma Inteligência Superior que se utiliza das transformações químicas para sugerir-nos mesmo expressões tidas como espirituais. Em amplos traços, a disciplina Química é isso. Em seus detalhamentos, perde-se em trilhões de movimentos dos quais só conhecemos o que nos é possível. Pois assim deve ser estudada a Química: com um olhar penetrante para o mundo e para as singelezas do nosso cotidiano. É atitude generosa a de tomar pela mão o aluno iniciante e conduzi-lo para o centro de uma visão que, sem deixar de ser grandiosa, desveste a ciência aqui em tela de mistificações. É a busca que os leitores poderão constatar nesta obra de iniciação do professor Wilon. Comunicação nítida e sedutora, que não confunde simplicidade com simplismo, nem objetividade com banalidade. Bastará lermos o sumário (http://www.atomoealinea.com.br/livro.asp?livro_cod=8576700190) da obra para, neste, encontrarmos o educador acorde com Santo Agostinho, que dizia: “Ensinar é seduzir para a alegria do conhecimento”. Por meio de uma visão histórica cronológica, tenta levar os estudantes ao redescobrimento, permitindo que discorram pelo conteúdo proposto, respeitados pré-requisitos e complexidade exigidos pelo estudo da Química. É imperativo para o seu aprendizado a realização de atividades práticas. A ciência química baseia-se em fatos experimentais, dos quais decorrem as teorias que visam explicá-los.

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As 21 atividades práticas, entre outras que o professor poderá agregar, para o enriquecimento desta iniciação, mesmo aquelas apresentadas com procedimentos preestabelecidos, devem levar professores e alunos ao estudo da Química de forma lógica e sistemática, buscando a observação, descrição, interpretação e comunicação dos fatos. Desde o início, o professor deverá promover o desenvolvimento dessas habilidades no estudante, uma vez que, à medida em que o aluno for se familiarizando com a natureza da atividade científica, poderá chegar a suas conclusões e generalizações. Quando se estuda para ter um diploma, gasta-se vida e juventude para pouca coisa. O que coroa, de fato, esforços humanos é a busca de crescimento da própria consciência para, aquele que estuda, situar-se melhor em seu mundo e em si mesmo. E nem será preciso dizer que a Química e o químico podem trazer às sociedades atuais imensos contributos. Primeiro, porém, é necessário começar, deixar-se introduzir no território de uma vocação e na escolha de um caminho científico que, como diz o autor, é um trabalho como todo outro que é tomado a sério. Regis de Morais

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PARACELSUS E A ALQUIMIA MEDICINAL FARIAS, R. F. Paracelsus e a alquimia medicinal. São Paulo: Gaia, 2006.

Paracelsus e a alquimia medicinal, o mais novo livro de Robson F. de Farias, lançado no final de 2006 pela Editora Gaia, nos traz a vida e a obra desse famoso médico-alquimista do século XVI, que foi um dos fundadores e, sem dúvida, o principal expoente da chamada iatroquímica, precursora da moderna química medicinal. Aliás, na obra de Paracelsus o que talvez mais nos impressione seja a atualidade de muitas de suas proposições, mostrando sua genialidade. O livro recém-lançado constitui-se em obra de leitura agradável, porém, de profundidade, no tocante à apresentação e análise dos princípios que nortearam a obra paracelciana. Constitui-se, certamente, em leitura de interesse aos apreciadores das histórias da Química, da Farmácia e da Medicina, bem como, ao público em geral.

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NOTÍCIAS

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LIVRARIA E PAPELARIA ALFA TÉCNICA LTDA. Livros Técnicos Científicos, Nacionais e Importados (Exatas e Biológicas). Instituto de Química – UNICAMP Caixa Postal 6143 – 13084-971 – Campinas/SP Tel./Fax: (19) 3288-0048 / 3788-3403 E-mail: contato@livrariadaquimica.com.br www.livrariadaquimica.com.br

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NORMAS EDITORIAIS

Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo que aceita colaborações em forma de artigos, resenhas, relatos de experiência, notícias e memória fotográfica da Química no Brasil. Os textos poderão ser publicados em português e espanhol. Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião ou pensamento da coordenação e conselho editoriais. Os originais submetidos para análise do Comitê Científico serão encaminhados a, no mínimo, dois conselheiros do seu corpo editorial, os quais os avaliarão de forma específica e decidirão sobre a pertinência dos textos para a linha editorial da revista. Em caso de necessidade de revisões de conteúdo ou adequações às normas editoriais, o autor receberá os pareceres dos conselheiros, ficando, assim, responsável pela reapresentação do trabalho reformulado no prazo de 45 dias, contados a partir da data de recebimento da comunicação. O anonimato entre autores e conselheiros, durante o processo de arbitragem dos textos, é garantido por este Comitê. O prazo médio estipulado para a apresentação do resultado final é de até 60 dias, a contar da data de recebimento do texto. Os trabalhos não aprovados pelos conselheiros, ou não devolvidos no prazo estipulado para reformulação, serão arquivados após informação aos autores.

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SOBRE A APRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS PARA AVALIAÇÃO Ao encaminhar os trabalhos para análise do Comitê Científico, os autores deverão observar as seguintes orientações: 1. Originalidade e ineditismo dos textos: o autor deve enviar, junto com o trabalho, uma declaração na qual se compromete a não apresentá-lo, simultaneamente, em outro periódico, durante o prazo estipulado para avaliação, e autoriza a sua publicação nesta revista. 2. As colaborações devem ser redigidas em português ou espanhol. Em casos excepcionais, cuja pertinência será analisada pelo Comitê, serão aceitos textos em inglês e francês, que deverão ser traduzidos para a língua portuguesa. 3. Em folha à parte, devem ser informados os dados de autoria: título do trabalho, nome completo, vinculação institucional, formação acadêmica e endereço residencial ou institucional do autor (incluindo telefone e e-mail) para o encaminhamento de correspondência pela Secretaria de Redação. 4. No caso de artigos, os originais não poderão exceder o limite máximo de 40.000 caracteres (com espaço), inclu-

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indo todos os elementos gráficos disponíveis no arquivo. Para resenhas, notas críticas e outros, observar o limite de 10.000 caracteres (com espaço). 5. Quanto à estrutura do texto, devem ser observadas as seguintes orientações: na primeira página, apresentar o título e subtítulo do trabalho, o resumo e as palavras-chave (até 05, evitando-se combinações extensas que não correspondam ao conteúdo do texto). Todos esses elementos devem ser apresentados em português ou espanhol e inglês. 6. Os textos devem ser digitados no programa Word for Windows, em fonte Times New Roman, tamanho 12, com espaço duplo, e enviados por correio eletrônico para o seguinte endereço: rebeq@atomoealinea.com.br

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SOBRE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E NOTAS O autor do trabalho é responsável pela exatidão, organização e utilização correta das referências e citações constantes no texto, bem como na listagem bibliográfica a ser apresentada no final dos artigos. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT – www.abnt.org.br) fornece, por meio da nbr 6023 (agosto/2002), as orientações necessárias para a organização das referências bibliográficas. No caso de notas, esse recurso tem seu uso limitado ao caráter explicativo-informativo, neste periódico, evitando-se a utilização de notas bibliográficas. As

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notas, quando utilizadas, devem aparecer em seqüência representada por asterisco (*,**,***) no rodapé da página a que se refere. As citações autorais deverão ser feitas em seqüência numérica e apresentadas ao final do artigo

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SOBRE A UTILIZAÇÃO DE IMAGENS As tabelas, quadros e figuras (ilustrações, fotografias, gráficos, entre outros) devem ser apresentados com o máximo de resolução (300dpis em diante), em preto e branco, em arquivo à parte e, de preferência, finalizados para sua inserção direta no texto. Para a produção das tabelas, recomenda-se seguir as orientações do ibge (www.ibge.gov.br) publicadas em suas normas de apresentação tabular. Todos esses elementos gráficos devem estar indicados e numerados, consecutivamente, ao longo do texto, de acordo com a ordem em que aparecem.

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SOBRE A NATUREZA DA COLABORAÇÃO E RECEBIMENTO DE EXEMPLARES Fica aqui expresso que a participação dos autores neste periódico é de caráter espontâneo, portanto não-remunerado. O autor principal receberá, gratuitamente, dois (02) exemplares da edição em que seu artigo foi publicado, mais uma (01) separata deste; os co-autores receberão um (01) exemplar e uma (01) separata do texto. No caso de resenhas, cada autor terá direito a um (01) exemplar e uma (01) separata.

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