Coordenação Editorial
Revista Brasileira de Ensino de Química
Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de idéias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhecimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atualização e otimização do Ensino de Química.
rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de
Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias - UFRR Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Ricardo Ferreira – UFPE Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP
Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revisão Lilian Moreira Mendes Capa e Editoração Eletrônica Fabio Diego da Silva
Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional 1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos. CDD 540
A division of the American Chemical Society
Índice para Catálogo Sistemático 1. Química
540
Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.
SUMÁRIO
Editorial
Artigos Mudanças de Comportamento de Água Líquida pela Ação de Campo Magnético José Fernando G. Faigle e Maria Eugênia G. Porto
A Análise Qualitativa como Base da Formação de Iniciação Científica e Docente de Alunos da Universidade Federal do Ceará Simone da Silveira Sá Borges e Maria das Graças Gomes Castilho
Volumetria como Ferramenta Didática no Ensino Superior no Século XXI: aspectos conceituais e questões práticas para discussão e reflexão Adriana Vitorino Rossi e Juliana Terra
Fatores que Afetam a Velocidade de Reação: uma abordagem prática Silvio Luís Toledo de Lima, Renata de Lima e Leonardo Fernandes Fraceto
Vicente Coelho Seabra Silva Telles e a Afinidade Química em seus Elementos de Chimica (1788-1790): um exemplo de ciência periférica no século XVIII Marcos Vinícius Ribeiro
Atividade Didática com Orientação CTSA em Disciplina do Ensino Superior de Química Salete Linhares Queiroz e Luciana Passos Sá
Instrumentos e Criatividade Construção de um Agitador Magnético de Baixo Custo Leonardo Fernandes Fraceto
História da Química A Obtenção do Alumínio Metálico Aécio Pereira Chagas
Frederick Sanger e seus Dois Prêmios Nobel em Química Robson Fernandes de Farias
Memória Fotográfica da Química no Brasil Memória Fotográfica do Instituto de Química da USP Viktoria Klara Lakatos Osório
Resenhas Química das Sensações Fundamentos de Qualidade e Tratamento de Água Notícias Entrevista com o Professor Ricardo Feltre
Normas Editoriais
CONTENTS Editorial
Articles Changes in the Water Behavior Caused by the Magnetic Field Action José Fernando G. Faigle e Maria Eugênia G. Porto
The Professional Formation of the Undergraduate Students Based on Qualitative Analysis Simone da Silveira Sá Borges e Maria das Graças Gomes Castilho
Titrimetry as a Didactic Tool for Undergraduate Chemistry Classes in the Century XXI: Conceptual Aspects and Practical Subjects for Discussion and Reflection. Adriana Vitorino Rossi e Juliana Terra
Factors Affecting the Velocity of a Reaction – a Pratical Approach Silvio Luís Toledo de Lima, Renata de Lima e Leonardo Fernandes Fraceto
Vicente Coelho Sebara Silva Telles and the Chemical Affinity in its Elements Of Chimica (1788-1790): an Example of Peripheral Science in Century XVIII Marcos Vinícius Ribeiro
STSE Oriented Didactic Activity in an Undergratuate Chemistry Course Salete Linhares Queiroz e Luciana Passos Sá
Tools and Creativity Construction of a Low-Cost Stirrer Magnetic Leonardo Fernandes Fraceto
Chemistry History
Photographic Memory os Brazilian Chemistry
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Editorial Standards
EDITORIAL
Com o presente número, encerra-se o segundo volume da ReBEQ, que completa, assim, dois anos de existência, iniciando, em 2008, seu terceiro volume. Acreditamos que a revista vem desempenhando o papel que lhe foi inicialmente proposto:, o de oferecer, aos pesquisadores que atuam em Educação Química, uma proposta editorial diferenciada, que privilegia o fomento e a difusão desse conhecimento. Dentre as seções da revista, artigos, relatos de experiência, história da Química, resenhas, temos um desejo especial pela manutenção da seção Memória Fotográfica da Química no Brasil e, nesse sentido, convidamos os pesquisadores de todo o país que tenham material fotográfico passível de publicação, a enviarem-no, por correio ou e-mail, para a revista, a fim de ser avaliado. Igualmente, estendemos o convite para a seção Instrumentos e Criatividade. Um outro ponto a ser destacado, é a indexação da revista no ISI (WebofScience), que soma-se às indexações no Chemical Abstracts e na BBE (INEP). Com a indexação no ISI, estamos aumentando a visibilidade internacional da ReBEQ, sendo que, a partir do volume 3, estaremos disponibilizando, no site da revista (http://www.atomoealinea.com.br/rebeq) o conteúdo de seu primeiro número. A partir daí, a cada semestre o conteúdo de um dos números anteriores, respeitando a ordem de publicação, será disponibilizado. Por fim, gostaríamos de agradecer os elogiosos e comentários recebidos de professores de diversas universidades e regiões do país, o que sinaliza para a boa direção deste periódico.
Coordenação Editorial
MUDANÇAS DE COMPORTAMENTO DE ÁGUA LÍQUIDA PELA AÇÃO DE CAMPO MAGNÉTICO José Fernando G. Faigle Instituto de Química, UNICAMP E-mail: faigle@iqm.unicamp.br Maria Eugênia G. Porto Centro Regional Universitário de Espírito Santo do Pinhal, UNIPINHAL E-mail: mariaeugeniaporto@hotmail.com
RESUMO O completo entendimento a respeito das interações entre moléculas de água em fase condensada vem sendo pacientemente construído por diversos pesquisadores há vários anos. A plena compreensão das propriedades da água, com base nos modelos disponíveis na literatura, ainda não foi alcançada. Como conseqüência, nem todos os comportamentos da água líquida são explicados de forma satisfatória. Neste trabalho, estudam-se as mudanças de comportamento de água líquida pela ação do campo magnético, testando o melhor modelo para explicar tais alterações. Quando uma amostra de água é submetida ao campo magnético e apresenta novas propriedades, questiona-se como o campo altera a sua estrutura, considerando que a energia média absorvida pela água nesses campos é irrelevante quando comparada à energia das ligações de hidrogênio. Para discutir tais questões, utilizamos o modelo de clusters e apresentamos resultados experimentais obtidos com água exposta a um arranjo magnético específico. Os resultados em espectroscopia na região do ultravioleta mostraram que a água tratada, quando comparada ao controle, apresenta um aumento na absorção de luz UV na faixa de comprimentos de onda estudados; houve também um aumento da condutividade elétrica em relação ao controle. Nos testes biológicos, houve um maior intumescimento e uma melhor germinação das sementes de trigo, além de um aumento na hidratação da pele humana com a água tratada em relação ao controle. As diferenças observadas entre a água tratada e o controle nos diversos sistemas estudados são notáveis. Palavras-chave. Água magnetizada, propriedades químicas, hidratação.
ABSTRACT CHANGES IN THE WATER BEHAVIOR CAUSED BY THE MAGNETIC FIELD ACTION. The complete undestanding about water molecule interactions in condensed phases is beeing paciently elaborated by scientific reaserches. A full comprehension of water properties, from the available models in literature, was not reached so far. As a consequence, not even all liquid water properties can be explained in a satisfactory way. This study analises changes in liquid water behavior induced by magnetic field action, testing the best model to justify these changes. When a water sample is exposed to a magnetic field a question is raised on how magnetic field can alter the water structure, considering that the average energy absorbed by the water molecule in this field is irrelevant when compared with hydrogen bond energy. To follow these questions we used cluster model theory and presented experimental results obtained with water exposed to an specific magnetic arrangement. Results obtained from ultraviolet spectroscopy show that treated water when compared to control presented an increase of light absorption in the wavelengths range studied; also, these samples present an increase of electric conductivity when compared to reference. Biological tests revealed an increase of treated water permeation in seeds and in human skin (hydration) and a better germination process, when compared to control. The differences between treated and untreated water observed in these studied systems are remarkable. Key-words. Magnetized water, chemical properties, hidratation.
}
INTRODUÇÃO O estudo das propriedades da água apresenta diversos desafios. Uma análise simplista da molécula H-O-H, baseada no que se poderia esperar das propriedades periódicas dos elementos químicos, falha totalmente em prever o valor da maioria das propriedades dessa substância, especialmente em fase condensada. Alguns dados relevantes sobre a molécula de água são apresentados nas duas tabelas que seguem. A Tabela 1[1] apresenta dados estruturais sobre a molécula da água, bem como dados relativos a propriedades magnéticas, por razões que ficarão claras posteriormente. A Tabela 2[1,2,3] apresenta alguns parâmetros físico-químicos relevantes para a água, tanto para a fase gasosa como para as fases condensadas. O trabalho de pesquisa científica voltado para o estudo da água tende a desenvolver modelos que expliquem e que também sejam
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capazes de prever algumas características e comportamentos dessa substância. Para tanto, é essencial que se considerem os fatores estruturais da molécula de água isolada e também as suas interações com outras moléculas no caso macroscópico. Tabela 1. Dados estruturais e magnéticos da água[1]. Dados Estruturais e Magnéticos
Valores
Momento magnético do próton
1,41x10–26 A m2
Momento magnético do elétron
9,28x10–24 A m2
Suscetibilidade magnética do líquido(c) (298,15 K / 1,0133x105 N m-2) Suscetibilidade magnética molar do líquido(cm) (298,15 K / 1,0133x105 N m-2)
-90x10-6 -160x10-5 cm3 mol-1
Comprimento da ligação O-H
0,96x10-10 m
Energia da ligação O-H (0 K)
-459,2 kJ mol -1
Ângulo H-O-H Momento de dipolo Polarizabilidade Potencial de ionização Energia Térmica KT (293 K)
104,523° 1,84 D 1,48x10–30 m3 2,1x10-19 J 2,44 kJ mol-1
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Mudanças de Comportamento de Água Líquida pela Ação de Campo Magnético
Tabela 2. Parâmetros físico-químicos da água[1,2,3]. Propriedades
Valores
Massa molecular
18,0148
Temperatura crítica
647,06 K 2,205x10-7 N m-2
Pressão crítica
315,0 kg m-3
Densidade crítica Temperatura do ponto triplo
273,16 K 615,066 N m-2
Pressão do ponto triplo Ponto de ebulição (1,0133x105 N m-2) Ponto de fusão
(1,0133x105
N
373,15 K
m-2)
Densidade do líquido (298,15 K /
1,0133x105 N
273,15 K m-2)
997,1 kg m-3
Densidade do gelo (273,15 K / 1,0133x105 N m-2)
918,0 kg m-3 48,0x10-11 m2 N-1
Compressibilidade do líquido (283,15 K)
2,5632x10-4 K-1
Coef. expansão térmica do líquido (298,15 K) Calor de formação do gás (298,15 K)
-2,4199x108 J kg mol-1
Energia livre de formação do gás (298,15 K)
-2,2877x108 J kg mol-1
Calor de sublimação (0 K)
4,7260x107 J kg mol-1
Calor de fusão (273,15 K)
6,0135x106 J kg mol-1
Entropia do gás (298,15 K)
1,8885x105 J kg mol-1
Difusão do gás no ar (281,15 K / 1,0133x105 N m-2)
2,40x10-5 m2 s-1
Constante dielétrica do líquido (298,15 K / 1,0133x105 N m-2)
78,40 4x10-6 ohm-1 m-1
Condutividade elétrica do líquido (291,15 K) Índice de refração do líquido (298,15 K / 1,0133x105 N m-2)
1,333
Tensão superficial do líquido (298,15 K / 1,0133x105 N m-2)
71,97 dinas cm-1
Viscosidade (298,15 K / 1,0133x105 N m-2)
0,891x10-3 kg m-1 s-1
Velocidade do som na água (273,15 K / 1,0133x105 N m-2)
A estrutura de uma molécula de água livre tem sido exaustivamente apresentada nos textos básicos que se dedicam ao estudo das ligações químicas. O modelo eletrostático aceito pode ser representado por uma disposição tetraédrica regular em torno de um átomo central de oxigênio. Duas posições nos vértices do tetraedro são ocupadas por átomos de hidrogênio, e as outras duas, por pares de elétrons não-compartilhados, como mostrado na Figura 1[4]. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
1403,0 m s-1
Figura 1. Ilustração da molécula de água.
Por outro lado, a compreensão de como uma coleção de moléculas de água se comporta
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José Fernando G. Faigle e Maria Eugênia G. Porto
em sistemas de molécula não-isolada, bem como a alteração estrutural que cada unidade pode apresentar nesse caso, ainda é muito pequena; esse tema tem sido objeto de diversas discordâncias entre pesquisadores. Em média, uma amostra de água líquida apresenta 99,73% de H216O, 0,04% de H217O, 0,20% de H218O e 0,03% de HDO total. Para as moléculas de H-O-H, dados de raio X para o líquido mostram que a distância média entre moléculas é da ordem de 2,76 x 10-10 m [1]. A essa distância, as moléculas interagem entre si formando ligações de hidrogênio e, conseqüentemente, macroestruturas cuja descrição tem sido objeto de controvérsias entre os autores; daí a dificuldade em atingir uma compreensão consensual a respeito das propriedades da água. É necessário todo o cuidado quando nos referimos à estrutura de um líquido cujas moléculas estão em contínuo movimento, que por sua vez depende da temperatura. Ao nos referirmos à estrutura da água, estamos tratando da posição média ocupada por outras moléculas vizinhas em torno de uma molécula de água central. Cada molécula percorre a distância equivalente ao seu próprio diâmetro num tempo da ordem de 10–11s; dessa forma, as moléculas aproximam-se e afastam-se de uma molécula central (que também se movimenta), gerando uma situação de estado estacionário que permite que se fale num arranjo médio ou numa estrutura.[1] É importante notar que os dados utilizados nos estudos desses arranjos médios provêm de experimentos de espalhamento de nêutron e de raio X que fornecem informação sobre a estrutura de difusão das moléculas, ou seja, uma média de suas posições tomada num período de tempo maior que 10–11s. Medidas de raio X indicam que cada molécula central possui cerca de quatro vizinhos mais próximos, a cada amostragem.
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Com base em informações provenientes de experiências de espalhamento, bem como em argumentos de cunho experimental e teórico, vários modelos têm sido propostos na literatura para explicar a estrutura da água líquida. Basicamente, esses modelos derivam de duas propostas fundamentais: 1. O Modelo Contínuo, proposto por Pople[5], assume a existência de uma rede flexível formada por ligações de hidrogênio entre as moléculas de água, que pode sofrer distorções locais quando perturbada. Uma distorção que produza uma variação q no ângulo de uma ligação de hidrogênio produzirá uma alteração na energia de ligação (DE) dada por: DE = K q (1 – cos q), em que K é uma constante de proporcionalidade calculada por Pople com base em dados de raio X. O valor aceito para K é de 3,78x10-20 J / rad2. 2. O modelo de Misturas, proposto por Némethy e Scheraga[6], pressupõe que a cada momento uma amostra de água é composta por uma mistura de clusters de tamanhos diferentes, mantidos por ligações de hidrogênio, e de moléculas livres de água que não estão conectadas por ligações de hidrogênio. Esses clusters consistem em aglomerados de moléculas de água formando estruturas fechadas – (H2O)n. Anteriormente, em 1957, Frank e Wen[7] descreveram um modelo em que microcristais de gelo coexistem com a água líquida mesmo acima da temperatura de fusão. As idéias são semelhantes, com a diferença de que os clusters de Némethy e Scheraga consistem de aglomerados menores, de cerca de 11 moléculas. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Mudanças de Comportamento de Água Líquida pela Ação de Campo Magnético
Na prática, cada modelo explica com sucesso algumas propriedades da água. O quadro abaixo apresenta as propriedades da água que são melhor descritas em cada caso.
Modelo contínuo
Modelo de Misturas
Capacidade calorífica Constante dielétrica Mobilidade de prótons Energia de vaporização
Capacidade calorífica Tempo de relaxação dielétrica Alterações no espectro de absorção de UV
Figura 2. Modelos que descrevem a estrutura da água líquida com algumas propriedades que são melhor descritas em cada caso[5-7].
Se adotarmos o pensamento do modelo de misturas, devemos entender que a distribuição de tamanhos de clusters numa dada amostra de água deve definir, pelo menos, algumas de suas propriedades. Nesse sentido, as variações de pressão e temperatura a que podemos submeter o sistema devem provocar rupturas ou formações nas ligações de hidrogênio, alterando o tamanho médio dos clusters presentes[8] e, conseqüentemente, as propriedades da amostra. Entretanto, a T e P constantes, a utilização de campos magnéticos tem sido evocada como uma ferramenta capaz de enfraquecer as ligações de hidrogênio, levando à possível formação de novos aglomerados. Para que se possa compreender melhor esse processo, algumas considerações se fazem necessárias, como mostrado a seguir.
Ação do Campo Magnético Cálculos teóricos mostram que o valor da energia das ligações de hidrogênio (Elh) para a água situa-se na seguinte faixa[1]: 5,4 < Elh < 18,8
kJ / mol
Esses valores são calculados com base em quatro parâmetros: REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
1. Interação eletrostática entre um par de elétrons não compartilhado de uma molécula e o próton de uma molécula vizinha. 2. Polarização de nuvens eletrônicas pela aproximação entre um próton de uma molécula e o oxigênio de outra. O resultado do cálculo dessa contribuição depende do método utilizado. 3. Repulsão por aproximação das moléculas. Essa contribuição é importante quando a distância entre as moléculas é menor do que o raio de Van der Waals. 4. Dispersão das moléculas. Essa é a menor de todas as contribuições. Por outro lado, a energia cinética (3/2 RT) associada ao movimento térmico, na faixa de temperaturas em que a água se apresenta no estado líquido sob uma atmosfera de pressão, varia entre 3,4 kJ/mol a 273,15K e 4,6 kJ/mol a 373,15K. Na temperatura crítica da água, essa energia é de 8,1 kJ/mol. Como se pode perceber, à medida que a temperatura aumenta e cresce proporcionalmente a energia térmica, aumenta o número de moléculas capazes de enfraquecer as interações com outras moléculas de água, que passa, assim, do estado líquido ao vapor e daí ao gás. No caso da ação do campo magnético sobre a água, existe também uma diminuição na interação entre as moléculas[9]. Entretanto, se considerarmos um campo com indução magnética de 0,2T, freqüentemente utilizado em trabalhos experimentais, verificamos que a energia da água aumenta de 3,9x10–9 kJ/mol quando submetida ao campo[9]. Esse valor é absolutamente irrelevante se comparado à faixa de energia das ligações de hidrogênio. Conseqüentemente, ao contrário do que ocorre no caso do aumento de temperatura, não é um aumento de energia proveniente da ação do
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José Fernando G. Faigle e Maria Eugênia G. Porto
campo magnético que justifica a diminuição da interação entre as moléculas. Então, por que motivo as interações entre moléculas de água no estado líquido enfraquecem quando esta é submetida à ação de um campo magnético? Essas interações são estudadas utilizando potenciais do tipo Lennard-Jones para descrever os acoplamentos entre duas moléculas de água, incorporando interações dipolo-dipolo, dipolo-dipolo induzido e ligações de hidrogênio. Quando se adiciona ao problema a interação de momento magnético que existe com as moléculas dentro do campo, ocorre uma alteração significativa nos valores da função de distribuição radial para o sistema. O gráfico abaixo mostra as funções de distribuição radial para a água na ausência de campo magnético (curva 1) e na presença de campo magnético (curva 2)[9]. 5 2
4
1 3 g
2 2 1
1 0
1 2
0
1
2
3
4
5
6
7
-10
r/10 m Figura 3. Função de distribuição radial de uma molécula de água: curva 1. na ausência de campo magnético; curva 2. na presença de campo magnético com intensidade de 0,2 T[9].
Observa-se um aumento na intensidade do primeiro pico para amostra de água exposta ao campo com relação à água não tratada. Isso corresponde a uma melhor definição na posição dos vizinhos mais próximos à molécula central, indicando mais claramente a primeira esfera de moléculas vizinhas. O segundo pico mostra-se
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fortemente alterado pela ação do campo magnético, o que permite supor alterações em propriedades dielétricas e reatividade dessa água tratada. Modelos Monte Carlo de simulação de água líquida mostram que campos magnéticos externos afetam a estrutura da água e, conseqüentemente, sua reatividade. Entretanto, o aspecto mais interessante que surge da análise das curvas da função g encontra-se no primeiro mínimo entre os dois picos. Nessa região, a curva 2 apresenta valores menores do que a curva da água comum, indicando a existência de um espaço de probabilidade muito baixa para encontrar uma molécula vizinha. Como o segundo pico da curva 2 é mais intenso que o da água comum, a situação final é a de uma definição mais rígida das duas esferas de probabilidade, com poucas moléculas entre elas; sendo assim, as moléculas ficam em média mais distantes. Esse distanciamento ocorre em função do alinhamento dos dipolos magnéticos das moléculas de água dentro do campo magnético e é conseqüência do enfraquecimento das interações entre as moléculas de água líquida quando submetidas ao campo. Outro ponto importante a considerar é que os efeitos da aplicação de um campo magnético externo produzem uma alteração na energia interna do sistema, de acordo com as simulações pelo método Monte Carlo. A figura a seguir mostra a energia interna da água quando submetida a campos magnéticos com intensidades variando entre 0 e 0,4T. Observa-se claramente um aumento da energia interna em torno de 0,2T, o que justifica a utilização de campos com intensidades próximas a esse valor em diversos trabalhos experimentais. Nesse valor de campo magnético (0,2T), pode-se esperar um maior enfraquecimento nas ligações de hidrogênio e mesmo a diminuição do número médio de ligações. Esse resultado é consistente com a previsão teórica de que o REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Mudanças de Comportamento de Água Líquida pela Ação de Campo Magnético
valor da capacidade calorífica (CV) para uma dada coleção de moléculas de água passa por um mínimo em 0,2T[9]. -36,5
E / kJ mol
-1
-36,7
-36,9 -37,1
-37,3 -37,5
0
0,1
0,2
0,3
mostrado na figura 5. Uma indução magnética (B) entre 0 mT e 30 mT é suficiente para obter resultados. Os valores de indução magnética podem ser obtidos com um gaussímetro. Os ímãs mostrados na figura 5 são de óxidos de ferro e de bário dispersos em borracha, com tamanho (10 x 10) cm2. Durante o tempo de exposição ao campo magnético (seis horas), a amostra deve ser submetida a uma intensa luz branca, como, por exemplo, a obtida por uma lâmpada do tipo Daylight Color. Após esse período, a amostra deve ser deixada em repouso por aproximadamente quatro horas[10].
0,4
B / Tesla Figura 4. Energia interna da molécula de água em função do campo magnético externo[9].
Em conclusão, pode-se dizer que o campo magnético pode causar um enfraquecimento nas ligações de hidrogênio e a diminuição do número médio dessas ligações entre moléculas de água. Assim, o número de monômeros e de dímeros de água deve aumentar quando uma amostra é exposta ao campo magnético.
}
VISÃO EXPERIMENTAL Existem vários arranjos experimentais por meio dos quais se pode comprovar a ação do campo magnético sobre a água líquida. O arranjo experimental mostrado na Figura 5 apresenta uma possível maneira de tratamento magnético da água com resultados expressivos em várias propriedades físico-químicas e biológicas. Uma alternativa conveniente é a utilização de água desionizada obtida do purificador de água Millipore – Milli-Q Plus, com resistividade = 18.2 MW.cm e condutividade elétrica = 0.056 mS/cm. A água desionizada é colocada em um cadinho de porcelana sem tampa, apoiado na face norte dos ímãs, conforme REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Figura 5. Esquema da montagem experimental utilizada na exposição da água ao campo magnético[10].
Antes de seguirmos, entretanto, deve-se enfatizar a necessidade de cuidados extremos na realização do experimento de magnetização da água. Por razões que ainda não são muito claras, o resultado do processo depende da natureza do material utilizado como porta-amostra, da contaminação eletromagnética do ambiente e, em alguns casos, da luminosidade. Ademais, a ação do campo ao longo do tempo não é do tipo “quanto mais melhor”; algumas amostras exibem propriedades específicas após exposição ao campo por um determinado período de tempo e perdem essas mesmas propriedades após uma exposição mais prolongada ao campo. Evidentemente, rígidos critérios de limpeza são exigidos para todo o material. As alterações produzidas nessa amostra de água pela ação do campo magnético podem ser evidenciadas com um número muito grande de
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José Fernando G. Faigle e Maria Eugênia G. Porto
Experimentos Realizados Observados os cuidados mencionados no item anterior e utilizando a montagem da Figura 5, algumas amostras de água desionizada foram submetidas ao mesmo tratamento magnético e, a seguir, utilizadas em quatro experimentos diferentes, sempre comparadas ao controle. Como controle, foi utilizada uma amostra idêntica de água desionizada que não foi submetida ao campo magnético. Os experimentos selecionados para evidenciar as alterações produzidas nas amostras de água tratadas em campo magnético foram divididos em dois grupos. No primeiro grupo de experimentos (Medidas Físico-químicas), foram feitas medidas da intensidade de absorção na região do ultravioleta e medidas da condutividade elétrica com o objetivo de evidenciar alterações produzidas na macroestrutura da água por ação do campo magnético. No segundo grupo (Propriedades da Água Tratada), utilizaram-se experimentos de intumescimento de sementes e crescimento de
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plântulas e medidas de hidratação de pele humana para confirmar a hipótese do aumento do número de clusters menores nas amostras de água tratadas pelo conseqüente aumento da capacidade de permeação dessas mesmas amostras. Medidas Físico-químicas a) Espectroscopia na Região do Ultravioleta (UV) Cálculos teóricos para a energia de clusters de água no estado fundamental e no estado excitado foram apresentados independentemente na literatura por Zvereva [11] e Harvey [12]. Com base nesses resultados, é possível prever a energia envolvida na transição n ® s* para as espécies em estudo, bem como a posição no espectro dos picos de absorção de cada uma delas. A Figura 6 mostra a contribuição individual dos clusters (H2O)n (n=1-6). Monômero Dímero Trímero 0,2
Tetrâmero
Absorvância
experimentos, dependendo da criatividade do experimentador. Para a obtenção dos resultados que serão apresentados neste trabalho, todo o material que teve contato direto com as amostras (cadinho de porcelana, cela de quarzto para medidas de absorção de luz UV, cela de vidro para medidas de condutividade etc.) ficou imerso em ácido nítrico 0,5 mol L-1 por, no mínimo, uma hora, após lavagem com detergente. Em seguida, o material passou por sucessivas lavagens com água destilada e água desionizada, até que essa água, após um tempo de residência em cada frasco, não apresentasse alterações de condutividade elétrica. Esse cuidado assegura que não existe HNO3 residual no material a ser utilizado. As amostras devem ser manipuladas evitando ao máximo qualquer tipo de contaminação.
Pentâmero Hexâmero 0,1
0,0
4,0
5,0
6,0 7,0 8,0 9,0 10,0 Energia de Excitação (eV)
11,0
Figura 6. Espectros de UV de clusters de água previstos teoricamente por método ab initio[11].
Com essas informações, é possível prever uma alteração no espectro de absorção de UV para amostras de água que foram submetidas à ação do campo magnético e que tenham sofrido alteração na distribuição de tamanhos de clusters. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Mudanças de Comportamento de Água Líquida pela Ação de Campo Magnético
As medidas de espectroscopia na região do UV foram feitas utilizando um Espectrofotômetro Varian, Modelo Cary 5G / UV-Vis-NIR, duplo feixe, com fenda de 0,50nm, sem correção de ruído e cela de quartzo de caminho ótico de 5,00cm, entre 190nm e 340nm. Os espectros apresentados nas Figuras 7 e 8 são obtidos do valor médio de três experimentos idênticos[10].
Por limitações de ordem experimental, a faixa de leitura de comprimentos de onda varia de 200nm a 340nm. A Figura 9 mostra os comprimentos de onda relativos ao máximo de absorção dos aglomerados de água isolados.
Figura 9. Curvas diferenciais de absorção de luz UV da água exposta ao campo magnético em relação ao controle, antes e após o borbulhamento de argônio[10].
Figura 7. Comprimento de onda correspondente ao máximo do pico de absorção no espectro de UV[11] para clusters de uma a cinco moléculas de água.
Figura 8. Curva diferencial de absorção de luz UV da água exposta ao campo magnético em relação ao controle[10].
Como se pode observar, a faixa de comprimentos de onda abaixo de 240nm é a que apresenta maiores diferenças de absorção de luz entre a água tratada e o controle. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Como se vê, a faixa de comprimentos de onda entre 200nm e 240nm é a que corresponde a uma maior contribuição dos aglomerados de três e quatro moléculas para absorção de luz UV. Esse comportamento é compatível com a hipótese de quebra de clusters maiores no campo magnético (impossíveis de visualizar nessa faixa de comprimentos de onda) e o conseqüente aumento de número de clusters de três e quatro moléculas na amostra. O presente raciocínio é válido desde que se tenha a segurança de que a composição química do sistema não foi alterada. Por essa razão, apresentamos o espectro em amostras com borbulhamento de argônio (pureza de 99,99%) para excluir um possível efeito de ar dissolvido, preferencialmente nas amostras submetidas ao tratamento magnético. Como se vê na Figura 8, as curvas são praticamente iguais, eliminando, portanto, essa possibilidade. Sendo assim, a explicação mais plausível para os efeitos observados nos espectros de UV
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é a quebra de clusters obtida pelo tratamento em campo magnético. b) Condutividade Elétrica A medida fundamental normalmente usada para o estudo da movimentação de íons em solução é a de condutividade elétrica (k). A condutividade elétrica pode ser definida, pela Lei de Ohm, como uma constante de proporcionalidade entre a densidade de corrente (j) e o campo elétrico aplicado (E)[2]: j = k E (amp/cm2)
(1)
A condutividade de uma solução depende do número de íons presentes; normalmente, utiliza-se a condutividade molar (Lm), que é definida como: Lm = k / c (S cm2 mol–1)
(2)
na qual c é a concentração molar do eletrólito adicionado. A condutividade molar (Lm) está inversamente relacionada à força de atrito friccional (¦) de oposição ao movimento de um íon esférico quando imerso em um meio contínuo, segundo a equação abaixo: Lm = z2 e2 NA / ¦ (S cm2 mol-1)
(3)
em que Lm = condutividade molar; z = carga do íon; NA = número de Avogadro (mol-1); e = carga elementar (C). Pela equação de Stokes, a força de atrito friccional é definida como: ¦ = 6 p h r (kg s-1)
(4) -1 -1
na qual h = viscosidade do meio (kg m s ) e r = raio do transportador de carga (m). Conforme mencionamos anteriormente, Zhou[9] afirma que o campo magnético é capaz de quebrar ligações de hidrogênio e, portanto,
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favorecer a formação de novos aglomerados de água. Se esses aglomerados forem em média menores do que os aglomerados originais, como sugerem os espectros de UV, essa nova distribuição de tamanho dos aglomerados de água possivelmente interfira menos na trajetória dos íons transportadores de carga, fazendo com que a condutividade elétrica aumente. Medidas de condutividade elétrica foram realizadas em um condutivímetro Micronal B33, usando uma cela de condutividade Methohm, com constante de cela = 0.75 cm-1. Após calibração do aparelho feita a 25°C, os valores de condutividade elétrica das amostras (controle e água tratada) foram obtidos da média de oito medidas de condutividade com flutuação de ± 0.1 mS/cm, a temperaturas entre 22°C e 24°C. A dependência do valor de condutividade de água com temperatura nessa região é pequena e, portanto, não se justifica uma termostatização melhor do que essa. Por outro lado, as exigências com limpeza de material, já mencionadas anteriormente, devem ser rigidamente respeitadas até mesmo para a contaminação em virtude da constituintes da atmosfera. A Tabela 3 mostra os valores médios de oito medidas de condutividade elétrica (k) da água exposta ao campo magnético e do controle obtidos a temperaturas entre 22 °C e 24 °C, preparadas em oito experimentos distintos [10]. Tabela 3. Condutividade elétrica média (k) e as respectivas estimativas de desvio padrão da água exposta ao campo magnético e do controle[10]. Amostras
k / mS cm-1
Água Exposta ao Campo
2,60 ± 0,30
Controle
1,50 ± 0,18
Água Desionizada
0,60 ± 0,10
Como se percebe, a amostra controle apresenta um aumento de condutividade quando comparada à água desionizada. Isso se deve ao fato de que o controle consiste de uma amostra REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
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de água desionizada que foi submetida às mesmas manipulações que a água tratada, exceto a exposição ao campo magnético. Sendo assim, o aumento de condutividade observado no controle deve-se ao aumento de ar dissolvido, o que também deve ocorrer nas amostras submetidas ao campo magnético. A diferença que ainda persiste entre o controle e a água tratada pode ser explicada pela quebra dos clusters quando esta água é exposta ao campo. Quando manipulamos propositadamente as amostras de água, fluindo-as de um recipiente para outro várias vezes, no intuito de aumentarmos a quantidade de ar dissolvido nas mesmas até a saturação, observamos que ainda assim a água tratada em campo magnético apresenta as mesmas diferenças nos valores de condutividade elétrica em relação ao controle. Evidentemente, os valores de condutividade das amostras aumentam em virtude do aumento de gás carbônio dissolvido no meio, mas a diferença entre os valores de condutividade da água tratada e do controle se mantém após a dissolução de CO2. Propriedades da água tratada a) Intumescimento e germinação de sementes Se considerarmos que os dois experimentos do bloco anterior podem ser interpretados como uma redução no tamanho médio dos aglomerados de água, é razoável supor que as amostras de água tratadas em campo magnético possam permear com maior facilidade a casca e a película das sementes, levando a um intumescimento mais rápido e a uma germinação mais uniforme. Para realizar experimentos que confirmem ou não essa hipótese, é necessário observar uma série de cuidados que vão desde a origem das sementes utilizadas até a observância rigorosa das normas técnicas dispostas no manual do Ministério da Agricultura[13]. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Para os experimentos que serão relatados, as sementes de trigo (Triticum durum, BRS-121-99) foram obtidas da EMBRAPA/TRIGO – RS – Brasil, com certificação de 95% de taxa de germinação e livres de agentes patogênicos. Os testes de intumescimento foram feitos em lotes de 6.00g de sementes de trigo, o equivalente a aproximadamente 150 unidades. Cada lote de sementes foi colocado em um béquer de vidro pyrex contendo 20mL de água tratada, num dos béqueres, e 20mL do controle, no outro. Os valores de intumescimento das sementes foram obtidos pelo cálculo de incremento de massa das mesmas, medido a intervalos de tempo progressivos, durante um período total de cinco horas. Os valores de massa foram obtidos após uma secagem leve das sementes em papel de filtro. Cada experimento foi realizado em triplicata, totalizando 450 sementes utilizadas para cada amostra de água (controle e água tratada). Todos os experimentos foram conduzidos em uma sala climatizada a 20 ±3ºC, sob luz fluorescente. Após o período de intumescimento, as sementes de trigo foram cuidadosamente colocadas sob a superfície de 3 folhas de papel de germinação, em uma Placa de Petri (140mm de diâmetro), em orientação paralela, a uma distância entre elas de duas vezes o tamanho da semente. O papel de germinação foi mantido molhado com a mesma água utilizada para o intumescimento, sem excessos, durante quatro dias. Durante os dois primeiros dias, a placa de Petri foi mantida tampada e, com o crescimento das plântulas, a tampa foi retirada. No teste de germinação, foi feita iluminação artificial em ciclos de 12 horas. A iluminação incidiu uniformemente nos lotes de sementes em estudo. Fez-se a contagem e classificação das plântulas em normais e anormais no quarto dia de germinação. As alturas individuais e o número de raízes de cada plântula foram verificados para utilização posterior tanto na análise de parâmetros de crescimento como na contagem de plântulas normais e anormais[10].
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Os critérios de classificação das plântulas em normais ou anormais é bastante complexo, pois envolve uma avaliação das estruturas essenciais da mesma. De forma bastante simplificada, podemos classificar como plântulas normais de trigo aquelas que apresentam três ou mais raízes e cujo broto tenha dois terços do tamanho da raiz. Quando a raiz é menor ou igual ao broto, ou mesmo quando a plântula apresenta menos que três raízes, a plântula é classificada como anormal. Alguns cuidados foram rigorosamente seguidos no teste de germinação, observando critérios do Ministério da Agricultura[13]. Segundo esses critérios, para ter uma representatividade dos lotes de sementes germinadas, devem-se utilizar 200 sementes para repetições de sistemas já conhecidos e 400 sementes para pesquisas de novos sistemas. A Figura 10 permite comparar os intumescimentos obtidos pela imersão de sementes de trigo em água comum (grupo controle) com os obtidos por imersão em água exposta ao campo magnético.
consistente com a hipótese da existência de um maior número de clusters pequenos na água tratada do que na água comum. Cineticamente é de se esperar uma dependência na velocidade de intumescimento com o número de clusters menores. A Figura 11 mostra a distribuição de tamanhos da parte aérea das plântulas de trigo obtidas da germinação das sementes previamente intumescidas (Figura 10). Nota-se que a germinação obtida em água desionizada (controle) tende a produzir um grande número de plântulas de tamanho pequeno. Por outro lado, a germinação obtida em água exposta ao campo magnético produz uma distribuição mais homogênea de tamanhos, além de um número maior de plântulas mais altas.
Figura 11. Tamanho médio da parte aérea das plântulas de trigo (cm) do lote controle e do lote tratado com água exposta ao campo magnético, no quarto dia de germinação.
Figura 10. Diferença entre a massa de água absorvida pelas sementes de trigo imersas em água exposta ao campo magnético e o controle.
Pode-se observar que os incrementos de massa a tempos pequenos são maiores; por essa razão, foi feito um número maior de medidas no início do experimento. Esse resultado é
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Esse resultado confirma a observação experimental de que sementes que intumescem melhor geram plantas mais saudáveis. Isso pode ser também confirmado na Figura 12, em que se observa uma grande diferença na relação N/A entre plântulas obtidas com água exposta ao campo e as obtidas com água desionizada (controle). Em resumo, a utilização de água tratada no campo magnético parece melhorar todas as fases da germinação de sementes de trigo até o estágio de plântula. Outros dados obtidos por REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Mudanças de Comportamento de Água Líquida pela Ação de Campo Magnético
nosso grupo em campo permitem afirmar que esse fato é verdadeiro durante todo o desenvolvimento da planta até a fase de produção[14]. A Figura 13 mostra espigas de trigo produzidas com irrigação por água comum (controle) e com irrigação por água tratada. O resultado é evidente.
Figura 12. Razão entre o número de plântulas de trigo normais (N) e o de anormais (A) no quarto dia de germinação, quando tratadas com água desionizada (controle) e com água exposta ao campo magnético[10].
Figura 13. Foto de espigas colhidas ao final do ciclo do trigo. (a) grupo de controle; (b) grupo regado por dez dias com água filtrada submetida à ação do campo magnético[14].
b) Hidratação Para a pele ter uma boa aparência, ela deve manter um certo conteúdo de água no estrato córneo. O estrato córneo é justamente a camada mais externa da pele, sendo ao mesmo tempo uma barreira protetora para conservar sua integridade e funções biológicas[15,16]. A hidratação do estrato córneo resulta de um estado de equilíbrio entre a quantidade de água das camadas mais internas e externas da REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
pele e a perda de água para o ambiente. A hidratação cutânea se efetua pela fixação de água sobre as moléculas de proteínas, mais particularmente sobre a queratina. A água que se encontra ligada às proteínas da camada córnea não é facilmente removida da superfície como a água livre que se evapora pela perspiração[15,16]. Entretanto, o que normalmente se entende por hidratação da pele é a sensação de maciez e suavidade, associada a uma eventual proteção da pele, quando em contato com substâncias mais agressivas. Existem vários métodos de medida de hidratação da pele, com princípios bastante distintos entre si, tais como: medidas de perda de água transepidermal (TEWL – TransEpidermal Water Loss), medidas de hidratação do estrato córneo (condutância e capacitância) e análises topográficas da superfície da pele (análise de imagem). Recentemente, técnicas utilizando ressonância magnética de imagem e espectroscopia de infravermelho próximo da pele humana in vivo têm sido propostas[17]. Dentre estas, uma das mais simples e não invasivas é a medida de hidratação do estrato córneo, que pode ser realizada por um aparelho chamado de Corneometer. Essa medida se baseia no desequilíbrio de uma ponte de capacitâncias quando ocorre a hidratação do estrato córneo. Maiores informações sobre esta técnica podem ser encontradas na referência[10]. As Figuras 14 e 15 apresentam os valores de hidratação do estrato córneo, após a aplicação da água exposta ao campo. Os gráficos de barra que mostram a hidratação do estrato córneo apresentam a estimativa do desvio padrão máximo de todas as medidas, equivalente a ± 2,0. O valor máximo de hidratação do estrato córneo obtido com a aplicação da água exposta ao campo em relação à área de referência foi entre 17% e 18%. A aplicação de água desionizada (controle) na pele não produz nenhum
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efeito de hidratação, para a escala de tempo utilizada nesses trabalhos.
meio de simulações computacionais, chegou à conclusão de que o campo é capaz de induzir mudanças nas interações de moléculas de água pelo momento magnético, que irão afetar fortemente a formação das ligações de hidrogênio. O campo externo poderia enfraquecer ou até romper algumas ligações de hidrogênio, possibilitando novos arranjos de moléculas de água no meio. Podemos pensar que, provavelmente, o campo magnético atue na água líquida modificando a distribuição de tamanho de clusters, e que esses novos clusters tenham uma maior penetração e eficiência na hidratação da pele do que os originais. Esta nos parece ser uma explicação plausível para o fato inequívoco da mudança de comportamento da água tratada no campo magnético em relação à água não tratada.
Figura 14. Variação de resposta individual à hidratação do estrato córneo produzida pela água exposta ao campo magnético em relação à área de referência[10].
}
Figura 15. Hidratação do estrato córneo produzida pela água exposta ao campo magnético obtida em seis experimentos diferentes, utilizando a mesma técnica de preparação[10].
A utilização de campos magnéticos para produção de hidratantes da pele é uma técnica bastante promissora. Embora a água desionizada tratada em campo magnético produza hidratações próximas de 20%, que é um valor modesto, algumas soluções sob tratamento semelhante produzem hidratações bem mais expressivas. A comunicação desses resultados não é objeto deste trabalho e pode ser encontrada na referência[10]. Devemos aqui ressaltar que os resultados apresentados neste estudo baseiam-se em experimentos que não utilizam substâncias oclusivas ou plastificantes, que fariam elevar os valores das medidas obtidas com o Corneometer. Zhou[9], estudando a influência de campos magnéticos externos sobre a água líquida, por
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Todos os resultados apresentados neste trabalho podem ser mais bem explicados se adotarmos a idéia da existência de aglomerados de moléculas de água, em vez do pensamento mais tradicional de uma rede tridimensional de moléculas. Por outro lado, cálculos de energia para moléculas de água isoladas e para aglomerados com número variável de moléculas mostram que o processo de agregar moléculas de água para formar aglomerados é favorecido energeticamente[10]. Como não dispomos de técnicas que permitam uma definição inequívoca da estrutura média da água, somos forçados, a todo instante, a adotar um modelo que nos permita explicar alguns comportamentos da água e prever outros. Todas as análises de resultados, bem como comparações de propriedades entre sistemas, são feitas, direta ou indiretamente, com a utilização de modelos. Como sabemos, esses modelos serão sempre uma idealização da
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realidade. Mesmo assim, é conveniente que satisfaçam os requisitos básicos exigidos para o sistema pela ciência atual. Conforme destacamos na introdução, existem enormes dificuldades para a compreensão definitiva da estrutura da água líquida e para a proposição de um modelo baseado em argumentos puramente teóricos. Nesse sentido, entendemos vantajosa a adoção de um modelo que considere a existência de aglomerados de moléculas de água, pelo menos como uma das alternativas a serem utilizadas quando necessário. Nessa linha de pensamento, o campo magnético pode ser proposto como um facilitador para otimizar algumas propriedades da água para finalidades específicas. Essas finalidades serão aquelas com que se obtenha alguma vantagem pela utilização de um sistema rico em clusters menores.
}
REFERÊNCIAS [1] KOCHMARSKY, V.; Mag. Electrical Sep., v. 7, 1996. [2] ATKINS, P. W. Physical Chemistry, Oxford University Press, 5. ed., 1994. [3] LINE, D. R. CRC – Handbook of Chemistry and Physics, CRC Press Inc., 71. ed., 1990-1991. [4] Water Structure and Science. Martin Chaplin. Disponível em: <http://www.lsbu.ac.uk/water/molecule. html>. Acesso em: Ago. 2007.
[8] LIN, J.; BROWN, C. W.; Appl. Spectr., v.47, n.10, 1993. [9] ZHOU, K. X.; LU, G. W.; ZHOU, Q. C.; SONG, J. H.; JIANG, S. T.; XIA, H. R.; J. Appl. Phys., v. 88, n. 4, 2000. [10] PORTO, M. E. G.; Tese de Doutorado Alterações de Propriedades da Água por Processos Físicos e Químicos, Unicamp, Campinas, S.P., 2004. [11] ZVEREVA, N. A .; Russ. Phys. J., v. 42, n. 9, 1999. [12] HARVEY, J. N.; JUNG, J. O.; GERBER, R. B.; J. Chem. Phys., v. 109, 1998. [13] Regras para Análise de Sementes. Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, Brasília, D.F., 1992. [14] BARBOZA, M. A.; Dissertação de Mestrado – “Ação de Campos Magnéticos em Alguns Sistemas Químicos e Biológicos“, Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. [15] PETTERSEN, L. K.; JEMEC,G. B. E.; J. Derm. Scie., v. 19, 1999. [16] BATT, M. D.; FAIRHURST, E.; Inter. J. Cosm. Scie., v. 8, 1986. [17] ELSNER, P.; BAREL, A. O.; BERARDESCA, E.; GABARD, B.; SERUP, J. (eds); Skin Bioengineering Techniques and Applications in Dermatology and Cosmetology, Curr. Probl. Dermatol. Basel, Karger, v. 26, 1998. [18] MALMSTADT, H. V.; ENKE, C. G.; Electronics for Scientists – Principles and Experiments for Those Who Use Instruments, W.A. Benjamim Inc., New York, 1962. [19] HALLIDAY, D.; RESNICK, R. Física (Parte II), ao Livro Técnico S.A., Rio de Janeiro, cap. 30, 1968.
[5] POPLE, J. A.; Proc. R. Soc. London, A202, 1950. POPLE, J. A; Proc. R. Soc. London, A205, 1951. [6] NEMETHY, G.; SCHERAGE, H. A.; J.Chem. Phys., v. 36, 1962. [7] FRANK, H. S.; WEN, W. Y.; Discuss. Faraday Soc., v. 24, 1957.
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Recebido em: 12 mar. 2008 Aceito em: 4 abr. 2008
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A ANÁLISE QUALITATIVA COMO BASE DA FORMAÇÃO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E DOCENTE DE ALUNOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ Simone da Silveira Sá Borges Universidade Federal do Ceará Maria das Graças Gomes Castilho Universidade Federal do Ceará
RESUMO A disciplina de Análise Qualitativa tem um papel fundamental na formação de um químico. Quando bem explorada, possibilita aos alunos adquirir uma visão geral de como e por que os íons reagem entre si, tornando-os capazes de analisar e compreender as transformações químicas. Neste trabalho, apresentamos nossa experiência na formação profissional de alunos de iniciação científica e alunos de iniciação à docência da Universidade Federal do Ceará, empregando como base o conteúdo da disciplina de Análise Qualitativa. Os alunos desenvolveram novos métodos de análise que substituíram, em aulas práticas, métodos de literatura, além do desenvolvimento de novos métodos de análise quantitativa. A análise qualitativa não somente serviu como agente motivador, mas também colaborou para o desenvolvimento do senso crítico e de observação dos alunos. Palavras-chave. Análise qualitativa, formação profissional. ABSTRACT THE PROFESSIONAL FORMATION OF THE UNDERGRADUATE STUDENTS BASED ON QUALITATIVE ANALYSIS. The discipline Qualitative Analytical Chemistry is of great importance in the formation of both chemists and chemistry teachers. In this context, we present our experience in the professional formation of the undergraduate students of
Os autores agradecem aos alunos que participaram desta experiência: Alano de Lima Pitombeira – Aluno de Mestrado UFRN Carlos Marcio Rocha – Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (COGERH) Carmelinda do Nascimento Lima – Professora do ensino médio Christiane Nathaly Magalhães Oliveira – Professora do ensino médio Edson Paulo Soares Radnai – Beraca-Sabará – Químicos e Ingredientes Ltda. Fátima Miranda Nunes – Aluna de doutorado UFC Francisco Ernani Alves Magalhães – Professor da Universidade Estadual do Ceará, Centro de Educação, Ciência e Tecnologia da Região dos Inhamuns-CECITEC Maria do Socorro Vale – Aluna de doutorado UFC Meirilane de Sousa Lima – Poli-Nutri Alimentos Ltda Neima da Silva Gonçalves – Professora ensino Médio Neyliane Costa de Souza – Aluna de doutorado UFC
the Federal University of Ceará, based on qualitative analysis. Methods of anions and cations determination were developed as substitutes for the traditional tests found in the literature and used in the course of Qualitative Analysis at this university. This kind of work acted a motivational agent, making the teaching/learning process more dynamic and efficient. Key-words. Qualitative analysis, professional formation.
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INTRODUÇÃO Os ensaios químicos qualitativos ou procedimentos analíticos tiveram suas origens no Egito, um dos países mais avançados do mundo antigo. Lá se processavam metais preciosos como ouro e prata, e desenvolveram-se a arte da tinturaria, a tecnologia do cobre, entre outros. Apesar de todo esse desenvolvimento, os mecanismos de identificação, portanto, de controle de seus processos, baseavam-se inteiramente nas propriedades físicas dos materiais. Com o passar do tempo, novos métodos foram elaborados com a finalidade de obter mais informações, além das propriedades físicas. Caius Plinius Secundus (23-79 d.C) foi quem idealizou o primeiro ensaio[1] qualitativo utilizando as propriedades químicas do ferro (II) com o ácido tânico obtido da noz de galha. Esse teste servia para detectar a contaminação do íon ferro no sulfato de cobre (II). A análise química desenvolveu-se com a contribuição de Robert Boyle (1627-1691), que foi o primeiro a usar compostos orgânicos[2] em química analítica e idealizou vários testes qualitativos precursores dos que são utilizados até hoje. Outras contribuições notáveis foram dadas por T.O Bergman (1735-1784) e L. J. Thérnard (1777-1857), que desenvolveram processos de separação sistemática em grupos.[3] Entretanto, foi o alemão Carl Remigius Fresenius (18181897) quem publicou[2] vários métodos de análises que resultaram numa separação sistemá-
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tica dos elementos, que constitui a base dos esquemas de separações usadas nos cursos de Química Analítica até os dias de hoje. No final do século XIX, ocorreram novos avanços nessa área, com os trabalhos de Theodor Heinrich Beherens (1843-1905) sobre técnicas microscópicas de análise e de Fritz Feigl (18911971) com os testes de toque[4] ou spot testes. No Brasil,[5] a Química Analítica começou com o alemão Heinrich Rheinbold (1891-1955), que trouxe sua experiência universitária alemã. Ele priorizava as aulas de laboratório por acreditar que a base do ensino em química era a intuição e a vivência dos fenômenos químicos.
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RELATO DE EXPERIÊNCIA: A ANÁLISE QUALITATIVA NA FORMAÇÃO DO QUÍMICO A análise qualitativa é constituída por ensaios feitos em uma amostra com o objetivo de identificar os elementos presentes, bem como a forma ou combinação nas quais esses elementos encontram-se nessa amostra, podendo ela ser orgânica ou inorgânica, sólida ou líquida. Os ensaios são feitos por meio de esquemas de separação baseados nas propriedades comuns a cada grupo ou conjunto de elementos. A análise qualitativa, no nosso entendimento, é a espinha dorsal da química analítica. Na nossa visão, o químico analítico não é mero seguidor de receitas, e sim um químico completo
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A Análise Qualitativa como Base da Formação de Iniciação Científica e Docente de Alunos da Universidade Federal do Ceará
que entende e visualiza a espécie que está analisando, seja ela de caráter orgânico ou inorgânico. Uma frase sempre utilizada em sala de aula é que “químico analítico é um bom inorgânico, um bom orgânico e acima de tudo, um excelente físico-químico”. Para poder desenvolver suas atribuições, deve primeiramente identificar as reações possíveis do material a ser analisado, e, dependendo da técnica empregada na análise, deve conhecer as propriedades físico-químicas das espécies envolvidas e os princípios das técnicas instrumentais a serem utilizadas na identificação e posterior quantificação. Usando as palavras de Henri Taube,[6] ganhador do prêmio Nobel de Química, “A Química Analítica Qualitativa é o Coração da Química”. Avaliando os conteúdos das disciplinas de análise quantitativa ou instrumental, percebe-se a importância dos conceitos assimilados nos ensaios qualitativos. A cada técnica de quantificação que se discute com os alunos, sempre são resgatadas informações adquiridas anteriormente, seja no principio básico da técnica ou na discussão dos efeitos de interferentes. Um exemplo: como explicar para o aluno o uso do indicador de Mohr (cromato) na determinação de cloreto utilizando a prata como agente titulante? Resgatam-se nesse momento as reações características da prata, que formam sais pouco solúveis com os íons cloreto e cromato, reações que o aluno usou pra separar a prata do chumbo no primeiro grupo de cátions. Esse não é o único exemplo, é um dentre vários que podem ser citados, desde a técnica mais simples, que é a análise volumétrica, até os métodos instrumentais mais sofisticados. No desenvolvimento ou formação do aluno de iniciação científica, a análise qualitativa é fundamental. No laboratório de Métodos de Análise do Departamento de Química Analítica e Físico-química da Universidade Federal do Ceará, os alunos de iniciação científica
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desenvolvem novos métodos espectrofotométricos de análises. Inicialmente, é disponibilizado ao aluno o sistema de identificação de cátions e ânions empregado nas aulas experimentais da disciplina de análise qualitativa como ponto de partida. Os alunos começam por reler e entender os esquemas sistemáticos de identificação, que se baseiam na separação das espécies por afinidades nas propriedades químicas, como solubilidade, reatividade etc. Os primeiros alunos chegaram no ano de 1995, provenientes do Programa PET/CAPES/ QUÍMICA INDUSTRIAL/UFC. Eles pesquisaram novos métodos para a determinação qualitativa dos íons nitrato e nitrito. Testaram inicialmente 58 tipos diferentes de compostos, os quais foram escolhidos por uma pesquisa bibliográfica, de acordo com as semelhanças destes com os reagentes já empregados em métodos de literatura, na maioria compostos aromáticos, indicadores de adsorção e redox. Muitas foram as tentativas para obter testes satisfatórios para o íon nitrato, porém nenhum deles apresentou reação característica. Por outro lado, foram encontrados reagentes que apresentaram reações para o íon nitrito em meio ácido: a e b-naftol, vermelho de quinaldina e safranina. Desenvolveram-se,[7] então, ensaios qualitativos que foram testados em aulas práticas de Química Analítica Qualitativa para os cursos das áreas de Ciências Exatas, Tecnológicas e da Saúde da Universidade Federal do Ceará. Os novos testes foram empregados conjuntamente com os ensaios padrões da literatura. Após um ano de testes, adotou-se o método da Safranina como teste padrão[8], substituindo o recomendado em livros textos, que emprega a reação do nitrito com ácido sulfâmico[9] com produção de sulfato pela da reação: NO2– + NH2SO3– ® N2(g) + SO4= + H2O
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Simone da Silveira Sá Borges e Maria das Graças Gomes Castilho
O teste é considerado positivo quando ocorre evolução de gás seguida de precipitação do BaSO4 após adição de solução de BaCl2: Ba2+ + SO4= ® BaSO4(s) Dependendo da quantidade de nitrito, observa-se apenas uma leve turvação da solução. O novo método desenvolvido pelos alunos apresenta etapas simples e rápidas, utilizando a seguinte metodologia: a 1,00 mL de amostra contendo o íon nitrito, adicionam-se 0,05mL (1gota) de H2SO4 6 mol/litro e 0,05mL (1 gota) da solução de safranina (C20N4H15) 1,0x10-3mol/litro. A presença de nitrito é indicada pela cor azul da solução em virtude da reação: C20N4H14+ + NO2- ® C20N4H14(NO2) Várias vantagens são observadas nesse novo método em relação ao da literatura: melhor visualização de uma cor, em vez da formação ou evolução de gás seguida de turvação da solução, além do fato de não ocorrer a interferência dos íons carbonato (CO3=) e sulfato (SO4=). O teste proposto apresenta um limite de detecção de 5,0x10-5mol/litro, cerca de 30 vezes mais sensível do que o método antes empregado (1,5x10-3 mol/litro). Além do desenvolvimento de um novo método qualitativo para o íon nitrito, o estudo feito também contribuiu para o desenvolvimento de um método espectrofotométrico de análise, baseado na espécie de cor azul formada com a safranina. Pelo registro do espectro eletrônico na região do visível, obteve-se o valor de comprimento de onda de máxima absorção da espécie colorida. Estudos sobre a linearidade da curva de calibração, efeitos de interferentes, limite de detecção e a aplicabilidade do método foram efetuados, sendo o resultado deles publicado[10] na revista Analytical Letters, especializada na área de Química Analítica. O método desenvolvido por esses alunos é empregado pelo
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grupo de pesquisa do Laboratório de Métodos de Análises (LABMA) e tem sido referendado por outros autores. Ainda nesse mesmo contexto, um grupo de alunos preocupou-se em otimizar outros métodos de análises qualitativas tais como os dos íons fluoreto e carbonato. Para o íon fluoreto, o método encontrado em livros-texto[9,11] baseia-se na observação da superfície de um bastão de vidro que deveria verter água ao sofrer ataque por HF, de acordo com a reação: SiO2(s) + 4F- ® SiF4(s) + 2H2O O teste é duvidoso e apresenta um limite de detecção alto (5,0x10-1 mol/litro) e vários interferentes (cátions e ânions). O teste proposto pelos alunos, além de apresentar melhor sensibilidade (1,0x10-4 mol/litro), é mais conclusivo e sofre menor efeito de interferências. A seguinte metodologia foi proposta após vários testes: em um tubo de ensaio contendo 0,50mL (10 gotas) da solução amostra, adicionam-se 0,25mL (cinco gotas) de solução Fe(SCN)2+ recém-preparada (a solução é preparada no momento do teste, misturando três gotas de solução de FeCl3 3,3x10-1 mol/litro com duas gotas de solução de KSCN 4,1x10-1 mol/litro e 20 gotas de água). O desaparecimento da cor vermelha do íon complexo Fe(SCN)2+ indica a presença de fluoreto, de acordo com a reação: Fe (SCN)2+ + 6F- ® FeF63- + SCN-, ou seja, o teste é considerado positivo quando a solução torna-se incolor. Para o íon carbonato ( CO32-), o método da literatura[9,11] emprega uma solução saturada de Ba(OH)2 (água de barita) em meio de ácido sulfúrico. O carbonato passa a dióxido de carbono com a produção de sulfato de bário, segundo a reação: CO3= + Ba(OH)2 + 4H+ + SO4= ® ® CO2(g) + BaSO4(s) + 3H2O REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
A Análise Qualitativa como Base da Formação de Iniciação Científica e Docente de Alunos da Universidade Federal do Ceará
A presença de carbonato é observada pela formação de gás e leve turbidez (precipitação de BaSO4) na ponta de um conta-gotas contendo uma solução de Ba(OH)2 inserido na solução amostra de carbonato. A caracterização dessa turbidez é dificultada pelo fato de a solução empregada de hidróxido de bário ser saturada e apresentar também uma leve turbidez. O método apresenta um limite de detecção elevado, 2,1x10-1 mol/litro. Com esse desafio, os alunos iniciaram a busca por reações características para o íon carbonato e, após várias tentativas, foi desenvolvida a seguinte metodologia: em um tubo de ensaio contendo 0,50mL (dez gotas) da solução amostra, adicionam-se 0,15mL (três gotas) de nitrato de cobalto (Co(NO3)2.6H2O) 1,7x10-1 mol/litro. Deixa-se reagir por cerca de dois minutos. O aparecimento de um precipitado rosa indica a presença de carbonato. Reação: CO3= + Co2+ ® CoCO3 (s) O teste proposto, além de apresentar maior sensibilidade e menor efeito de interferência, fornece uma melhor visualização, não originando no aluno dúvidas com relação à presença ou não desse ânion em uma amostra qualquer. O desenvolvimento desses novos métodos de análise qualitativa não tinha como objetivo somente tornar melhor a visualização do teste pelo aluno, mas também verificar se os novos métodos substituíam os outros com a mesma eficiência. Para isso, os alunos verificaram a confiabilidade e a aplicabilidade dos novos testes, desenvolvendo os procedimentos descritos em amostras aquosas contendo os demais ânions empregados nas aulas experimentais: sulfato (SO4=), sulfito (SO3=), nitrato (NO3-), fosfato (PO43-), oxalato (C2O4=), cloreto (Cl-), brometo (Br-), iodeto (I-), tiocianato (SCN-) e sulfeto (S=). Com exceção dos íons fosfato, REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
oxalato e sulfeto na detecção do íon fluoreto, todos os outros íons testados não apresentaram interferência nas concentrações empregadas. Os alunos do programa de monitoria, o qual tem como objetivo não só permitir vivenciar a docência com a tutoria de um professor, mas também desenvolver trabalhos experimentais com o intuito de aperfeiçoar a disciplina à qual o aluno está ligado, contribuíram para a otimização das aulas de laboratório de análise qualitativa, e tiveram seu senso de observação apurado ao executar inúmeras vezes os diversos ensaios da análise sistemática de cátions. Dentre as espécies catiônicas que apresentavam dificuldades de identificação pelos alunos, estavam os íons estanho Sn2+ e cádmio Cd2+. Nos livros didáticos,[9,11] o teste adotado para o estanho emprega a ação redutora do íon Sn2+ sobre o Hg2+, para formar as espécies sólidas: Hg2Cl2 e Hg. Inicialmente, a amostra se encontra na forma de SnCl62-, que é reduzida a Sn2+ com alumínio, seguida da adição de HgCl2, que deve ser rápida, dada a instabilidade do Sn2+, que pode ser convertido novamente a Sn4+ pela ação do oxigênio do ar. Em virtude dessa instabilidade, algumas vezes o teste não é visualizado pelo aluno. O novo teste propôs a reação direta do íon SnCl62- com o vermelho de pirogalol (C19O8H12S), que forma com o estanho uma espécie colorida (vermelho rosado) que serve como identificação ou detecção do Sn numa amostra. Foi empregada a seguinte metodologia:[12] a l,00 mL de amostra contendo o estanho, adiciona-se 0,10mL (duas gotas) da solução de vermelho de pirogalol (C19O8H12S) 1,0x10-3mol/litro. Observou-se que os íons do mesmo grupo do estanho, como arsênio, antimônio, bismuto, mercúrio, chumbo e cádmio, não apresentaram reação com o vermelho de pirogalol, mostrando assim a seletividade e simplicidade do método. Além disso, ainda apresenta outra
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Simone da Silveira Sá Borges e Maria das Graças Gomes Castilho
vantagem em relação ao método padrão, que é a não-utilização de mercúrio, sendo, portanto, um método menos tóxico. Sob esse aspecto, os alunos começaram a usar como critério de escolha reagentes de menor toxidez no desenvolvimento dos novos métodos. Para o íon cádmio, foram testados, a princípio, vários reagentes na procura de um que formasse uma espécie colorida com esse íon. O vermelho de bromopirogalol (C19H10Br2O8S), um indicador metalocrômico, foi o que apresentou resultados mais satisfatórios. O teste desenvolvido baseia-se na reação do íon Cd2+, em meio básico (pH=10), com o vermelho de bromopirogalol, formando um precipitado de cor azul. Foi empregada a seguinte metodologia:[13] a l,00mL de amostra contendo o íon cádmio, adicionam-se 0,05mL de solução de NaOH 1,0x 10-2 mol/litro, em seguida, 0,10mL (duas gotas) da solução de vermelho de bromopirogalol (C19H10Br2O8S ) 1,0x10-3mol/litro. O método apresenta um limite de detecção de 1,0 x 10-4 mol/L. No estudo de interferentes, observou-se que apenas os íons Pb2+ e Cu2+, quando presentes em concentrações elevadas (0,5mol/L), acima da empregada usualmente nas soluções amostra das aulas experimentais, também formavam espécies pouco solúveis com o vermelho de bromopirogalol. O método além de ser mais sensível, é mais conclusivo do que o utilizado em livros-texto, que identifica o Cd pela formação de um precipitado amarelo de CdS, que muitas vezes se apresenta escuro pela contaminação com CuS ou Cu metálico. Os métodos aqui relatados foram aplicados em aulas práticas da disciplina de Análise Qualitativa, porém, outros testes[14-17] também elaborados no LABMA serviram como base para o desenvolvimento de novos métodos de análise quantitativa.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS A disciplina de Análise Qualitativa está inserida na maior parte das integralizações curriculares dos cursos de química das Instituições[18] de Ensino Superior (IES), talvez por desempenhar um papel pedagógico de relevância na formação dos profissionais de química, além do fato de ser uma disciplina que demanda poucos recursos econômicos para as instituições, já que trabalha em escala de semimicroanálise e utiliza vidraria básica. A análise qualitativa, quando bem explorada, possibilita ao aluno adquirir uma visão geral de como e por que os íons reagem entre si, tornando-o capaz de analisar e compreender as transformações químicas. A análise qualitativa não somente serviu como agente motivador, mas também colaborou para o desenvolvimento do senso crítico e de observação dos alunos de programas de iniciação científica e de iniciação à docência da Universidade Federal do Ceará. Observou-se que os alunos, após esses estágios, mostravam-se mais seguros, com uma maior vivência da química, e, nas disciplinas posteriores, apresentavam melhor desempenho. Depois de graduados, os alunos que se direcionaram para as indústrias desempenharam seu papel com maturidade, mostrando conhecimentos nos processos de análises empregados nos controles de qualidade, e com visão de otimizações. Os que se direcionaram para a pós-graduação estão desenvolvendo a parte experimental dos seus projetos de pesquisa com maior segurança e desenvoltura. Foi gratificante vivenciar as etapas de crescimento de cada um dos alunos envolvidos nos diversos projetos que tinham como base de aprendizagem a análise qualitativa. Com
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
A Análise Qualitativa como Base da Formação de Iniciação Científica e Docente de Alunos da Universidade Federal do Ceará
certeza, o interesse dos estudantes pela química poderia ser maior se os mestres exemplificassem os inúmeros usos práticos e reais dos conhecimentos contidos nas disciplinas básicas, sobretudo na análise qualitativa.
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REFERÊNCIAS [1] HILLIS, M.O.; J. Chem. Educ. 1945, 22, 348. [2] SZABADVÁRY, F.; History of Analytical Chemistry, Pergamon Press Ltd.; Londres, 1966. [3] BACCAN, N., GODINHO, O. E.S., ALEIXO, L.M.; STEIN, E. Introdução à Semimicroanálise Qualitativa, Editora da Unicamp: Campinas,1991. [4] FEIGL, F.; ANGER, V. Spot Test in Inorganic Analysis, 7. ed. Elsevier Publishing Company: Amsterdam, 1966. [5] ABREU, D. G.; COSTA, C. R.; ASSIS, M. D.; IAMAMOTO, Y. Quim. Nova, 2006, 29,1381. [6] TAUBE, H.; Chem.Eng.News 1984, 62,32. [7] CASTILHO, M. G. G.; BORGES, S. S. S.; NUNES, F. M. Desenvolvimento de Novos Métodos Qualitativos para Detecção de Nitrito e Nitrato. In: 20a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, 1997, Poços de Caldas. Livro de Resumos, v. 3. p. QA038. [8] CASTILHO, M. G. G.; BORGES, S.S.S.; LIMA, C. N. Desenvolvimento de um Novo Método de Identificação para o Íon Nitrito a Ser utilizado em Análise Sistemática de Ânions. In: XL Congresso Brasileiro de Química, 2000, Recife. Livro de Resumos. QA115. p. 351. [9] KING, E. J. Qualitative Analysis and Electrolytic Solutions; Harcourt, Brace & World, Inc.; New York, 1959.
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[10] CASTILHO, M. G. G. ; BORGES, S. S. S. ; GONÇALVES, N. S. Analytycal Letters, 1998, 31, 1407. [11] WISMER, R. K. Qualitative Analysis with Ionic Equilibrium; Macmillan Publishing Company, New York, 1991. [12] CASTILHO, M. G. G. ; LIMA, C. N; RADNAI, E. P. S.; BORGES, S. S. S.; Desenvolvimento de Método Qualitativo de Análise do Íon Sn(II). In: XLII Congresso Brasileiro de Química, 2002, Rio de Janeiro. Livro de Resumos p. 504. [13] CASTILHO, M. G. G.; LIMA, C. N.; RADNAI, E. P. S.; BORGES, S. S. S. Desenvolvimento de um Novo Método de Identificação para o Íon Cd(II). In: XLII Congresso Brasileiro de Química, 2002, Rio de Janeiro. Livro de Resumos p. 507. [14] CASTILHO, M. G. G.; MAGALHÃES, F. E A; BORGES, S. S. S. Anais Assoc. Bras. Quím., 2000, 49(1), 44. [15] CASTILHO, M. G. G.; MAGALHÃES, F. E A; BORGES, S. S. S.; ROQUE, F. C. M. Anais Assoc. Bras. Quím., 2000, 49(2), 79. [16] CASTILHO, M. G. G.; ABREU, G. P V; MAGALHÃES, F. E. A.; BORGES, S. S. S., Rev. Bras. Farm., 2001, 82(1/2),13. [17] CASTILHO, M. G. G.; PITOMBEIRA, A. L.; VALE, M. S.; BORGES, S. S. S.; Anais Assoc. Bras. Quím., 2003, 52(1),40. [18] ALVIM, T. R.; ANDRADE, J. C.; Quim. Nova, 2006, 29(1), 168.
Recebido em: 27 jul. 2007 Aceito em: 19 fev. 2008
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VOLUMETRIA COMO FERRAMENTA DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR NO SÉCULO XXI: ASPECTOS CONCEITUAIS E QUESTÕES PRÁTICAS PARA DISCUSSÃO E REFLEXÃO Adriana Vitorino Rossi Instituto de Química, UNICAMP Juliana Terra Instituto de Química, UNICAMP
RESUMO Reflexões sobre novas estratégias didáticas em disciplinas de Química Analítica para o ensino superior são relevantes para estimular a interação dos estudantes. Diversos conceitos químicos foram consolidados pelo desenvolvimento da volumetria e, a despeito dessa contribuição histórica, a volumetria ainda está em uso no século XXI, até em aplicações analíticas oficiais, e faz parte do currículo de cursos superiores de química. Aspectos históricos do desenvolvimento da volumetria podem ser aproveitados para estimular discussões nas aulas, contribuindo para a elaboração de propostas didáticas que se restrinjam às necessárias abordagens matemáticas e à realização de experimentos. Considerando o imenso potencial didático dos experimentos envolvendo volumetria, apresenta-se uma avaliação crítica de dados de redução de escala para experimentos didáticos, visando subsidiar sua implementação com vantagens relacionadas à redução de custos e de geração de resíduos, sem comprometer o desempenho analítico. Palavras-chave. Ensino superior, volumetria, redução de escala, redução de custos, experimentos didáticos.
ABSTRACT TITRIMETRY AS A DIDACTIC TOOL FOR UNDERGRADUATE CHEMISTRY CLASSES IN THE CENTURY XXI: CONCEPTUAL ASPECTS AND PRACTICAL SUBJECTS FOR DISCUSSION AND REFLECTION. Considerations about new didactic strategies for undergraduate Analytic Chemistry courses are important to stimulate the students’ interaction. Important concepts of Chemistry were consolidated by the development of the titrimetry, which is still in use in the century XXI, including some official As autoras agradecem à CAPES, pelo financiamento do projeto com a bolsa de mestrado de J. Terra e a L. H. M. Albuquerque, que contribuiu para a realização da parte experimental deste trabalho.
analytic applications, and it is current part of curriculum of undergraduate courses of Chemistry. Historical aspects of the development of the titrimetry can be explored to stimulate discussions in the classes, contributing to the elaboration of didactic proposals with more than the necessary mathematical approaches and experiments. Taking in consideration the large didactic potential of the experiments involving titrimetry, we present a critical data evaluation of the reduction of scale for didactic experiments with lowering costs and residues, maintaining the same performance of the analytical results. Key-words. Undergraduate, titrimetry, scale reduction, cost reduction, didactic experiments.
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INTRODUÇÃO Reflexões sobre novas estratégias didáticas no ensino superior de cursos de química são menos freqüentes do que deveriam ser para garantir um caráter dinâmico de atualização na interação com os estudantes. Especificamente em disciplinas de Química Analítica, talvez em função da forte conotação técnica do conteúdo envolvido, a diversificação de abordagem pedagógica é ainda menos elaborada, e isso pode comprometer a interação dos estudantes e a integração do processo de ensino aprendizagem. A volumetria é um exemplo muito significativo para discussão de novas propostas didáticas e seu impacto na formação de químicos. Nesse contexto constitui-se o presente trabalho, que é fruto de atividades investigativas sistematizadas e aplicadas em aulas nos últimos cinco anos. Análise volumétrica ou volumetria envolve a determinação do volume (ou massa) de uma solução de concentração definida e precisa (o padrão) necessário(a) para reagir com uma determinada quantidade da solução problema, até que a estequiometria da reação (ou reações) química(s) envolvendo os reagentes seja atingida (Beck II, 1994). Serve para determinar a concentração de uma das espécies envolvidas na reação. Quando o reagente é líquido e é adicionado em 1.
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quantidades discretas, medidas em volume, geralmente numa bureta, o procedimento é chamado de titulação volumétrica. Quando são medidos incrementos de massas, tem-se uma titulação gravimétrica (Terra; Rossi, 2005). Nas titulações volumétricas, é essencial que haja algum meio de identificar o ponto em que a estequiometria foi alcançada, no qual iguais proporções dos reagentes (titulado e titulante) tenham reagido (King, 1997). Com base nesse dado é que se pode encontrar a concentração do reagente que está sendo quantificado. Quando isso é feito visualmente, são utilizados indicadores e, em geral, os procedimentos envolvidos são simples e muito aplicados didaticamente. A despeito da inegável contribuição para o desenvolvimento científico e econômico que a volumetria representa, é necessário apontar algumas de suas limitações, que, no esforço para serem superadas, levaram, em grande parte, ao surgimento de outras técnicas de análise, envolvendo equipamentos mais sofisticados. Certamente, a inadequação da volumetria para determinação de concentrações baixas representa uma característica crucial que a desqualifica para diversas aplicações, mas isso deve ser discutido criteriosamente numa abordagem didática quando se pretende formar químicos, já que a volumetria representa uma
Segundo o Comité Consultatif pour la Quantité de Matière (CCQM): “entende-se como método primário aquele método de medição com a mais elevada qualidade metrológica, cuja execução pode ser completamente descrita e entendida, para o qual a incerteza total pode ser expressa em termos do Sistema Internacional de Unidades (SI), e cujos resultados são, portanto, aceitos sem referência a um padrão da quantidade que está sendo medida”. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Volumetria como Ferramenta Didática no Ensino Superior no Século XXI
das poucas classes de métodos primários de análise1 e é aplicada em diversos métodos oficiais de análise vigentes (Terra, 2004). Outro aspecto crítico envolve a quantidade de reagentes utilizados, remetendo à questão de custos e de resíduos gerados, o que pode ser problemático em propostas de redução de impacto ambiental, afetando tanto atividades didáticas quanto do setor produtivo. Nesse contexto, é pertinente refletir sobre a contribuição da Química Analítica na formação dos profissionais da Química e de áreas correlatas no que diz respeito à escolha adequada de métodos e procedimentos de trabalho. Considerando o conteúdo envolvido nessa classe de métodos analíticos, pode-se afirmar que a volumetria representa uma valiosa ferramenta para ensinar e aprender conceitos químicos relevantes e técnicas de laboratório (Rossi, 2000). Isso justifica a apresentação desse conteúdo em disciplinas iniciais de cursos de graduação de Química, Engenharia Química, de Alimentos, de Materiais e Ambiental (Terra, 2004). Especificamente para os cursos de graduação em Química, esse assunto é abordado no Parecer 8/2002 da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação, que Estabelece as Diretrizes Curriculares para os cursos de bacharelado e licenciatura em Química (Brasil, 2002). O elevado tempo envolvido com o preparo e a padronização de soluções e a calibração da vidraria a ser usada na volumetria, às vezes, é considerado um aspecto negativo, porém, devese notar que isso afeta igualmente os métodos instrumentais, o que deve ser destacado em discussões da potencialidade de aplicação dessas técnicas. Outro aspecto considerado desfavorável da volumetria relaciona-se com a quantidade relativamente grande de reagentes e resíduos envolvidos nas titulações, mas a redução de escala de volumes e massas, sem comprometimento no desempenho analítico, é uma opção
adequada e viável para contornar esse problema, como apontaram Cooper e Doran (1987). Em procedimentos analíticos, a redução de escala é, em geral, realizada sobretudo com auxílio de equipamentos, como titulador automático. No entanto, para aplicações didáticas, essa redução deve ser realizada com mais cuidado, uma vez que envolve a etapa de aprendizado, inclusive de habilidades de trabalho no laboratório. Para testar a eficiência e a adequação da redução de escala de experimentos de volumetria para fins didáticos, com considerável redução de custos, foram realizadas várias séries de titulações comumente aplicadas em disciplinas de graduação, utilizando três conjuntos diferentes de buretas e pipetas. Dois indivíduos em diferentes estágios de formação, com habilidades de trabalho em laboratório distintas (A – Bacharel em Química e B – aluno de terceiro semestre do curso noturno de Licenciatura Integrada Química e Física), realizaram as titulações, e os resultados obtidos foram comparados e avaliados com relação à exatidão e precisão, já que se pretendeu verificar a adequação didática dessa redução. Avaliações da redução de custo dos experimentos e ponderações sobre os resíduos gerados complementam este estudo, que pretende oferecer uma opção experimental mais econômica, sem prejuízo de aspectos analíticos nem didáticos.
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PARTE EXPERIMENTAL Reagentes Todos os experimentos foram realizados com reagentes nacionais de pureza analítica. As soluções foram preparadas de acordo com procedimentos recomendados por Vogel (1992) e Baccan et al. (2001) e usadas nas padronizações e titulações em um prazo máximo de uma semana.
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Adriana Vitorino Rossi e Juliana Terra
Em função da disponibilidade de cada indivíduo para a realização das atividades, foi necessário preparar um conjunto de soluções para cada um deles. Apenas as soluções de ácido acético, hidróxido de amônio e cloreto de sódio e amostra comercial de água sanitária foram utilizadas pelos dois indivíduos. Todas as soluções, inclusive diluições de amostra comercial, foram preparadas pelo indivíduo A.
Material Para a realização dos experimentos, cada indivíduo utilizou três pipetas volumétricas Pyrex classe A (10, 15 e 25 mL) e duas buretas Vidrolabor (25 e 50 mL, escala em 0,10 mL), além de outros aparelhos volumétricos, como béqueres, erlenmeyers, pipetas Pasteur etc., e balança analítica (Mettler AE200), quando necessários. Toda a proposta foi voltada para o ensino de graduação, e pretendeu-se minimizar o conjunto de material necessário para aulas experimentais envolvendo volumetria. Nesse contexto, optou-se por não trabalhar com buretas de volume inferior a 25 mL, dada a relativa dificuldade de manuseio por estudantes em início de curso (com pouca ou menor habilidade de trabalho em laboratório). Como conseqüência, não foram usadas pipetas volumétricas com volume inferior a 10 mL. Cada indivíduo calibrou suas três pipetas volumétricas com água destilada, considerando, inicialmente, o tempo de escoamento estabelecido pela norma ASTM E-969 (2003). Em todos os casos, a média de cinco replicatas foi considerada como o volume nominal de cada pipeta.
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PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL Foram realizadas diversas titulações envolvendo padronizações e determinações de concentração de amostras sintéticas. Nas titulações
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de óxido-redução, foram utilizadas amostras comerciais de água sanitária (NaClO) e água oxigenada 10 volumes (H2O2), e os procedimentos seguidos encontram-se no Anexo 1. Foram testadas algumas titulações freqüentemente apresentadas em livros didáticos (Baccan et al., 2001; Vogel, 1992) de uso comum em disciplinas de Química Analítica em cursos de graduação, envolvendo: • Volumetria ácido/base (padronização de solução de NaOH com biftalato de potássio, titulação de solução de HCl com solução de NaOH, titulação de solução de ácido acético (HAC) com solução de NaOH, padronização de solução de HCl com Na2CO3, titulação de solução de NH3 com solução de HCl); • Volumetria de precipitação (titulação de solução de NaCl com solução de AgNO3 pelo método de Mohr e pelo método de Fajans); • Volumetria de óxido-redução: – Iodometria: padronização de solução de Na2S2O3 e titulação de hipoclorito em amostra de água sanitária comercial com solução de Na2S2O3 (Anexo 1); – Permanganometria: padronização de solução de KMnO4 com Na2C2O4 e titulação de água oxigenada comercial com solução de KMnO4 (Anexo 1). A Tabela 1 resume informações sobre as titulações, que, considerando as proporções adequadas para cada conjunto de vidraria, foram realizadas segundo os procedimentos sugeridos por Baccan e colaboradores (2001). As padronizações foram feitas com buretas de 25 mL e 50 mL. As demais titulações foram feitas com os seguintes conjuntos de aparelhos volumétricos: • Conjunto I: pipeta de 10 mL e bureta de 25 mL; REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Volumetria como Ferramenta Didática no Ensino Superior no Século XXI
• Conjunto II: pipeta de 15 mL e bureta de 25 mL; • Conjunto III: pipeta de 25 mL e bureta de 50 mL. Em todos os casos, foram feitas dez replicatas para cada titulação.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO Reprodutibilidade dos resultados Os conjuntos de dados obtidos pelos indivíduos A e B foram comparados quanto à precisão (teste F) e exatidão (teste t), empregando os procedimentos descritos por Milller e Miller (1993) com o objetivo de verificar se, dentro de critérios estatísticos, os resultados teriam sido comprometidos com a redução da escala. Os valores de concentração obtidos para cada solução padronizada (média de dez replicatas para cada bureta) e de cada indivíduo foram comparados quanto à precisão pelo teste F, para um intervalo de confiança de 95%. Não houve diferença significativa entre os resultados, exceto na padronização de HCl do indivíduo B. Isso indica que a diminuição do volume da bureta de 50 mL para 25 mL não comprometeu a precisão dos resultados. Na padronização de HCl do indivíduo B, considerou-se a concentração da solução padronizada como a média do conjunto de dados com menor estimativa de desvio padrão, que foram obtidos com bureta de 50 mL. Para as demais padronizações, a concentração da solução padronizada foi considerada como a média dos 20 valores, já que não apresentaram diferença significativa no nível de 95% de confiança entre si. Cabe ressaltar que o teste F só foi aplicado após o teste Q com 95% de confiança, que não rejeitou nenhum dado de qualquer indivíduo. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
A Tabela 2 traz os resultados das padronizações realizadas pelos dois indivíduos. Na Tabela 3, são apresentados os resultados das demais titulações, ordenadas na seqüência cronológica, ou seja, a primeira titulação realizada (1) foi de ácido forte com base forte, e a última (7) foi de permanganometria. Pode-se notar que, em cerca de 70% dos casos, os dados do indivíduo A foram os mais precisos. Possivelmente, isso se deve à maior habilidade laboratorial do indivíduo A, que já é um bacharel formado, ao passo que o indivíduo B é um aluno em início de curso. Isso também foi evidenciado pela rejeição de alguns dados de B ao aplicar o teste Q 95%. Ainda com base na Tabela 3, uma comparação entre os dados obtidos com os diferentes conjuntos de vidrarias (I, II e III) para uma mesma titulação indica que a precisão dos resultados, avaliada pelo valor da estimativa do desvio padrão(s) do indivíduo A, é decrescente do conjunto I para o conjunto III (sI > sII > sIII). Ou seja, quanto maior o volume da bureta e da pipeta, mais precisos foram os resultados na maioria dos casos. Para o indivíduo B, essa seqüência só não foi obedecida para as titulações de ácido forte com base fraca (3) e de Fajans (5), sendo o conjunto II mais preciso do que o III. Prosseguindo com a avaliação estatística dos resultados obtidos, deve-se esclarecer que as concentrações médias das soluções padronizadas e de algumas soluções tituladas não foram comparadas para testar a concordância dos resultados entre os indivíduos, por se tratar de soluções diferentes. Apenas as concentrações das soluções de uso comum, isto é, ácido acético, hidróxido de amônio e cloreto de sódio (titulações 2, 3, 4 e 5 da Tabela 3), determinadas pelos dois indivíduos, foram comparadas. Essa avaliação foi realizada com o teste t para comparação entre médias de duas amostragens, com um intervalo de confiança de 95 % (Miller; Miller, 1993).
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Tabela 1. Informações sobre as titulações realizadas. Titulação
Titulado
Titulante
Indicador
Padronização de NaOH
NaOH
KHC8H4O4
Fenolftaleína
Ácido forte / base forte
HCl
NaOH
Fenolftaleína
Ácido fraco / base forte
HAC
NaOH
Fenolftaleína
Padronização de HCl
HCl
Na2CO3
Verde de bromocresol
Ácido forte / base fraca
NH3
HCl
Verde de Bromocresol
Precipitação: método de Mohr
Cl-
AgNO3
Cromato de Potássio
Precipitação: método de Fajans
Cl-
AgNO3
Diclorofluoresceína
Padronização de Na2S2O3
Na2S2O3
K2Cr2O7
Amido
Óxido-redução: iodometria
NaClO
NaS2O3
Amido
Padronização de KMnO4
KMnO4
Na2C2O4
KMnO4
Óxido-redução: permanganometria
H 2 O2
KMnO4
KMnO4
Tabela 2. Informações sobre os resultados obtidos nas padronizações realizadas, sendo ( ) médias das dez replicatas e (s) estimativas do desvio padrão. Titulação
Indivíduo A
Volume da bureta (mL)
Padronização de NaOH Padronização de HCl Padronização de Na2S2O3 Padronização de KMnO4
(mol
L-1)
Indivíduo B
s (mol
L-1)
(mol
L-1)
s (mol L-1)
25
0,103
0,004
0,104
0,006
50
0,103
0,002
0,103
0,007
25
0,157
0,003
0,149
0,009
50
0,158
0,002
0,146
0,003
25
0,024
0,009
0,022
0,005
50
0,024
0,006
0,022
0,003
25
0,017
0,003
0,021
0,002
50
0,017
0,003
0,020
0,001
Tabela 3. Informações sobre os resultados obtidos nas titulações realizadas, sendo ( ) a concentração média*, (s) estimativa do desvio padrão, (sr) estimativa do desvio padrão relativo e (Teste Q) número de resultados rejeitados pelo teste Q com 95% de confiança. Titulação
Conjunto
1 - Ácido forte com base forte (HCl/NaOH)
I II
2 - Ácido fraco com base forte (HAC/NaOH) 3 - Ácido forte com base fraca (HCl/NH3) 4 - Precipitação: método de Mohr (NaCl/AgNO3) 5 - Precipitação: método de Fajans (NaCl/AgNO3) 6 - Óxido-redução: iodometria (NaClO/Na2S2O3) 7-Óxido-redução: permangano-metria (H2O2/KMnO4)
Indivíduo A (mol L-1)
Indivíduo B
Teste Q
s (mol L-1)
sr (%)
0,0969
0
0,0004
0,4
0,0970
0
0,0001
0,1
III
0,0971
0
0,0001
I
0,0945
0
II
0,0954
III
Teste Q
s (mol L-1)
sr (%)
0,1102
0
0,0007
0,6
0,1114
0
0,0006
0,5
0,1
0,1106
0
0,0005
0,5
0,0003
0,3
0,0950
0
0,0006
0,6
0
0,0002
0,2
0,0948
0
0,0003
0,3
0,0950
0
0,0001
0,1
0,0954
0
0,0003
0,3
I
0,149
0
0,001
0,7
0,150
0
0,001
0,7
II
0,1520
0
0,0004
0,3
0,1508
0
0,0005
0,3
III
0,1509
0
0,0002
0,1
0,1470
0
0,0008
0,5
I
0,1209
0
0,0002
0,2
0,1202
0
0,0005
0,4
II
0,1214
0
0,0002
0,2
0,1204
1
0,0002
0,2
III
0,1224
0
0,0002
0,2
0,1220
0
0,0001
0,08
I
0,1209
0
0,0002
0,2
0,1206
0
0,0002
0,2
II
0,1214
0
0,0002
0,2
0,1207
0
0,0001
0,08
III
0,1222
0
0,0002
0,2
0,1217
0
0,0002
0,2
I
0,01174
0
0,00004
0,3
0,01123
0
0,00008
0,7
II
0,01111
0
0,00002
0,2
0,01124
0
0,00005
0,4
III
0,01151
0
0,00001
0,09
0,01124
1
0,00001
0,09
I
0,05754
0
0,00009
0,2
0,0374
1
0,0002
0,5
II
0,05735
0
0,00007
0,1
0,0375
1
0,0001
0,3
III
0,05714
0
0,00004
0,07
0,03773
1
0,00006
0,2
* Concentração média das 10 replicatas do reagente sublinhado na coluna que identifica a titulação.
(mol L-1)
Volumetria como Ferramenta Didática no Ensino Superior no Século XXI
Antes de aplicar o teste t, comparou-se a precisão (teste F 95%) dos dados obtidos com os três conjuntos pelos dois indivíduos. Em alguns casos, encontrou-se precisão com diferença significativa no nível de confiança de 95%, provavelmente em virtude da diferença de habilidade entre os dois indivíduos. A concordância dos resultados foi testada entre os conjuntos de dados de A e B com precisão sem diferença significativa, que foram obtidos para as seguintes situações: • Titulação 2: Conjunto II • Titulação 3: Conjuntos I e II • Titulação 4: Conjuntos II • Titulação 5: Conjuntos I e III Exceto para a situação envolvendo o conjunto II da titulação de ácido fraco com base forte (titulação 2), o valor de t calculado foi maior do que o valor de t tabelado. Isso indicou que, na maioria dos casos, os resultados médios dos dois indivíduos apresentaram diferença estatística significativa com 95% de confiança, para quaisquer relações de volumes de pipeta e bureta trabalhadas (conjuntos I, II e III). Isso sugere que a habilidade já adquirida pelo indivíduo A em práticas de laboratório contribuiu para a obtenção de resultados mais precisos. Sendo assim, para avaliar a adequação da redução da escala, optou-se por comparar os resultados de replicatas obtidos pelo mesmo indivíduo e não comparar os resultados de cada um deles entre si.
Adequação da redução de escala Baccan e colaboradores (2001) sugerem que as titulações sejam realizadas com o conjunto III (pipeta de 25 mL e bureta de 50 mL), mas outros conjuntos são utilizados em experimentos didáticos. Para verificar a adequação desses outros conjuntos, comparou-se a precisão (teste F 95%) dos dados obtidos com os três REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
conjuntos testados neste trabalho, considerando como referência os dados obtidos pelo conjunto III. Passar da pipeta de 25 mL para a de 15 mL e da bureta de 50 mL para a de 25 mL (conjuntos III e II, respectivamente) gerou diferença significativa em 30% dos resultados do indivíduo B. Já as reduções de volumes do conjunto III para o I comprometeram a precisão em cerca 70% de seus resultados. Isso indica que a substituição do conjunto III pelo II é pertinente, já que não proporcionou variação significativa na precisão dos resultados. Por outro lado, essa variação é significativa na substituição pelo conjunto I, o que, portanto, parece ser inadequado para fins didáticos. Ao diminuir o volume das buretas e das pipetas, as massas usadas na padronização são reduzidas, o que aumenta o efeito do erro das medidas, mas, nas condições testadas, isso não comprometeu os resultados. A redução de volumes não compromete o processo de ensino/aprendizagem das técnicas, uma vez que todas as etapas da titulação são igualmente realizadas, considerando as devidas proporções de massa e volume. Segundo Micaroni, Bueno e Jardim (2000) e Andrews (1990), a redução da escala favorece um ganho pedagógico, já que os estudantes adquirem maior segurança para trabalhar com quantidades pequenas e, como o tempo de trabalho é reduzido, mais ensaios podem ser realizados. Porém, uma das maiores vantagens é criar um ambiente favorável à disseminação de uma consciência ética e ecológica nos estudantes, com relação aos benefícios da redução de consumo de reagentes e de geração de resíduos no laboratório. Também pode ser considerado que o aprendizado dos princípios conceituais não é prejudicado pela redução da escala proposta, pois os presentes resultados indicaram que o desempenho analítico não foi comprometido.
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Adriana Vitorino Rossi e Juliana Terra
Redução de escala: relação custo-benefício Após constatar que o desempenho analítico avaliado em relação a exatidão e precisão não é comprometido ao utilizar um conjunto envolvendo pipeta de 15 mL e bureta de 25 mL no lugar de 25 mL e 50 mL, respectivamente, realizou-se um estudo para avaliar a extensão de ganhos com redução de consumo de reagentes e geração de resíduos. Para estimar valores, considerou-se que as concentrações de titulantes e titulados em todas as titulações fossem iguais a 0,1 mol L-1. Elaborou-se uma estimativa do consumo de cada aluno para realizar as padronizações e titulações propostas neste trabalho em triplicata, como é recomendável. Com base nesses dados, estimou-se a quantidade aproximada de resíduo líquido gerado por turma, considerada com 50 alunos. Cabe ressaltar que esses resíduos englobam inclusive aqueles que não requerem tratamento e que podem ser descartados diretamente na pia. Os resultados apresentados na Tabela 4 indicam que há uma redução aproximada de 36% (56 L) de volume total de resíduo líquido gerado com a substituição do conjunto III pelo II, isto é, com o uso de bureta de 25 mL e pipeta volumétrica de 15 mL. Com relação ao custo dos experimentos, a redução da escala permite uma economia significativa em todas as titulações propostas. Sem considerar o custo do material não-descartável (vidraria), que praticamente não varia nessa faixa de volumes, estimou-se a economia por turma de 50 alunos com o uso de pipeta de 15 mL e bureta de 25 mL (conjunto II) em substituição à pipeta de 25 mL e bureta de 50 mL (conjunto III). Essa estimativa foi baseada no menor preço dos reagentes obtidos em cotações com três empresas brasileiras especializadas, em maio de 2007. Os dados da Tabela 5 indicam que o uso do conjunto II no lugar do
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conjunto III traz uma redução de aproximadamente 64% no custo dos reagentes para os experimentos envolvendo titulações. Cabe ressaltar que a opção de não destacar (Tabela 5) o preço das vidrarias nas estimativas apresentadas deve-se ao fato de a aquisição de pipetas e buretas não representar despesa de todos os períodos letivos, uma vez que não são descartáveis e figuram como a maior fração do custo do material necessário. Para ilustrar a ordem de grandeza de custo, estima-se que, para organizar o laboratório para aulas com turmas de 50 estudantes, o gasto inicial com vidraria é da ordem de 3000 reais. Esse valor cobre a distribuição de um conjunto contendo uma bureta de 25 mL, uma pipeta volumétrica de 15 mL e três erlenmeyers de 250 mL para cada estudante, e é cerca de 9% inferior ao custo do conjunto com bureta de 50 mL e pipeta volumétrica de 25 mL. Podem ser considerados gastos da ordem de 3% do valor inicial a cada período letivo para reposição de material quebrado, o que pode variar de acordo com o número de turmas atendidas. Já os reagentes devem ser adquiridos em todos os períodos de aulas com experimentos de volumetria. Esses valores ainda não incluem os custos relacionados com o tratamento dos resíduos, o que certamente aumenta ainda mais a economia com a redução da escala dos experimentos. Esses valores não são apresentados porque variam muito de acordo com a região, a quantidade de resíduo a ser tratado e as características da instituição, que pode ou não contar com sistema próprio ou terceirizar o tratamento de seus resíduos. Tudo isso deve indicar a validade da redução proposta, sobretudo considerando que não há comprometimento da qualidade dos resultados nem da eficiência do processo de ensino/ aprendizagem, o qual pode inclusive ser favorecido com o emprego de quantidades menores de reagentes, como já foi discutido. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Volumetria como Ferramenta Didática no Ensino Superior no Século XXI
Tabela 4. Estimativa de volume de resíduo líquido gerado (VRG) para experimentos de volumetria para 50 alunos. VRG (L)
Titulação
Conjunto II*
Conjunto III**
Redução***
Padronização de NaOH
2,7
5,5
2,8
Ácido/base: HCl com NaOH
7,8
10,6
2,8
Ácido/base: HAC com NaOH
7,8
10,6
2,8
Padronização do HCl
5,0
7,8
2,8
Ácido/base: NH3 com HCl
7,8
10,6
2,8
Precipitação: método de Mohr
10,8
15,6
4,8
Precipitação: método de Fajans
12,0
17,1
5,1
Padronização de Na2S2O3
13,0
14,7
1,7
Óxido-redução (iodometria): NaClO com Na2S2O3
7,0
11,2
4,2
Padronização de KMnO4
11,6
16,8
5,2
Óxido-redução (permanganometria): H2O2 com KMnO4
15,0
36,4
21,4
Total
100,5
156,9
56,4
* Conjunto II: pipeta de 15 mL e bureta de 25 mL. ** Conjunto III: pipeta de 25 mL e bureta de 50 mL. *** Redução = (VRG com o conjunto III) – (VRG com o conjunto II).
Tabela 5. Estimativa de custos de reagentes para experimentos de volumetria para 50 alunos. Titulação
Conjunto II* (R$)
Conjunto III** (R$)
Redução*** (R$)
Padronização de NaOH
8,00
16,00
8,00
Ácido/base: HCl com NaOH
17,00
23,00
6,00
Ácido/base: HAC com NaOH
23,00
30,00
7,00
Padronização do HCl
11,00
17,00
6,00
Ácido/base: NH3 com HCl
17,00
23,00
6,00
Precipitação: método de Mohr
90,00
170,00
80,00
Precipitação: método de Fajans
118,00
205,00
87,00
Padronização de Na2S2O3
79,00
86,00
7,00
Óxido-redução (iodometria): NaClO com Na2S2O3
72,00
80,00
8,00
Padronização de KMnO4
26,00
39,00
13,00
Óxido-redução (permanganometria): H2O2 com KMnO4
36,00
56,00
20,00
Total
497,00
745,00
248,00
* Conjunto II: pipeta de 15 mL e bureta de 25 mL. ** Conjunto III: pipeta de 25 mL e bureta de 50 mL. *** Redução = (custo da atividade com o conjunto III) – (custo da atividade com o conjunto II).
}
CONCLUSÕES Desde o século XVIII, a análise volumétrica tem aplicação intensa e consagrada. Assim como muitos conceitos químicos foram consolidados com o desenvolvimento da volumetria, é inegável a relevância dos métodos volumétricos para o aprendizado de Química. Mas é desejável que se busquem novas estratégias pedagógicas para estimular a interação dos estudantes, e a abordagem de aspectos do seu desenvolvimento histórico REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
representa uma opção válida para enriquecer discussões em aula, inclusive inserindo a reflexão sobre o processo de elaboração do conhecimento científico no contexto. Em termos experimentais, é indiscutível a relevância das titulações, mas a quantidade de reagentes e resíduos envolvidos representa um aspecto negativo que se pretendeu superar com os testes realizados. A avaliação da adequação da redução de escala para experimentos didá-
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Adriana Vitorino Rossi e Juliana Terra
}
ticos de volumetria, realizada neste trabalho, indicou que a substituição do tradicional conjunto de pipeta de 25 mL e bureta de 50 mL pelo conjunto de pipeta de 15 mL e bureta de 25 mL não compromete os resultados das titulações quanto à precisão ou exatidão, mesmo com indivíduos ainda sem habilidades laboratoriais. Há comprometimento dos resultados quando a redução envolve pipeta de 10 mL e bureta de 25 mL, pois se notou que a precisão e a exatidão diminuem quando comparadas ao conjunto tradicionalmente usado (conjunto III). Cálculos estimados indicaram que, na realização das atividades propostas, a quantidade de resíduos líquidos gerados em experimentos didáticos com turmas de 50 alunos usando o conjunto II é 36% menor do que aquela gerada com o conjunto III. Mesmo para os experimentos cujos resíduos não são de alta toxicidade, a redução da escala apresenta um outro importante aspecto positivo: o econômico. A redução de escala proposta atinge 64% de economia, para uma turma de 50 alunos, considerando apenas os custos com reagentes, que são efetivamente as despesas de cada período letivo com experimentos envolvendo volumetria, supondo que a vidraria já tenha sido adquirida (com cerca de 9% de economia) e não considerando os custos com tratamento de resíduos.
BACCAN, N.; ANDRADE, J. C.; GODINHO, O. E. S.; BARONE, J. S. Química Analítica Quantitativa Elementar. 3ª ed. São Paulo: Edgard Blücher Ltda, 2001.
REFERÊNCIAS
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AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS. E-969. Calibração de materiais volumétricos. West Conshohocken, 2003. ANDREWS, R. Microscale in High-Schools. Scientist. Philadelphia, v. 4, n. 23, p. 25-25, 1990.
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BECK II, C. M. Classical Analysis: A Look at the Past, Present, and Future. Analytical Chemistry. Moscow, v. 66, n.4, p. 224A-239A, feb. 1994. BRASIL. Parecer 8/2002 do Conselho Nacional de Educação / Câmara de Ensino Superior. Estabelece as Diretrizes Curriculares para os cursos de Bacharelado e Licenciatura em Química. Publicado no Diário Oficial da União de 26/03/2002, seção 1, p. 12. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/ arquivos/pdf/CES08-2002.pdf>. Acesso em 27 de fevereiro de 2008. COOPER, D.; DORAN, C. Classical Methods. London: John Wiley & Sons, 1987. KING, B. Review of the Potential of Titrimetry as a Primary Method. Metrologia. Sèvres Cedex, v. 34, n.1, p. 77-82, 1997. MICARONI, R. C. C.; BUENO, M. I. M. S.; JARDIM, W. F. Redução de Escala como Instrumento Auxiliar na Minimização de Resíduos Químicos de Laboratórios de Ensino. In: Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, 23., Livro de Resumos, Poços de Caldas: Sociedade Brasileira de Química, 2000, p. ED 66. MILLER, J. C.; MILLER, J. N. Statistics for Analytical Chemistry. London: Ellis Horwood, 1993. ROSSI, A. V. Real Sample Analysis Improves Classical Analytical Classes. In: EUROPEAN CONFERENCE ON ANALYTICAL CHEMISTRY, 11., Lisboa. Livro de Resumos... Lisboa: Universidade de Lisboa, 2000, p. 283. TERRA, J. Histórico, Usos Oficiais e Avaliação da Redução de Escala da Análise Volumétrica para Fins Didáticos. 2004. 108 f. Dissertação (Mestrado em Química) – Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004.
VOGEL, A. I. Análise Química Quantitativa. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S. A, 1992.
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Volumetria como Ferramenta Didática no Ensino Superior no Século XXI
ANEXO 1 Procedimentos para titulações de óxido-redução em amostras comerciais, considerando o conjunto II (pipeta volumétrica de 15 mL e bureta de 25 mL). Para os testes com os demais conjuntos, as quantidades foram proporcionalmente adaptadas. A. Determinação de hipoclorito em água sanitária por iodometria a. Com uma pipeta volumétrica e o devido cuidado, retirar uma alíquota de 15,00 mL da amostra de água sanitária e transferir para um erlenmeyer de 250 mL. b. Adicionar 2 g de iodeto de potássio. c. Adicionar sob Capela, 10 mL de ácido acético glacial. d. Titular o iodo formado com a solução de Na2S2O3 até obter coloração levemente amarelada. e. Adicionar 3 mL de solução de amido (a solução deve ficar azul escura/negra). f. Prosseguir a titulação até que a solução torne-se incolor. * Se o volume gasto de solução de Na2S2O3 for maior que 25 mL, antes de realizar as replicatas, é necessário diluir a amostra com água destilada (25 mL com pipeta volumétrica para 100 mL em balão volumétrico) e refazer a titulação (da amostra diluída). Neste caso, após diluir a amostra, seguir o procedimento da titulação, substituindo a alíquota de amostra por alíquota de amostra diluída.
g. Calcular a concentração de hipoclorito em mol L–1 e de cloro livre em gL-1. B. Determinação de H2O2 em água oxigenada 10 volumes por permanganometria Preparação da solução diluída de H2O2 para realizar a titulação: • Retirar uma alíquota de 15,00 mL de água oxigenada com pipeta volumétrica. • Transferir para um balão volumétrico de 200 mL e completar o volume com água destilada. • Homogeneizar a solução. a. Transferir uma alíquota de 15,00 mL da solução de água oxigenada para um erlenmeyer de 250 mL. b. Adicionar cerca de 50 mL de água destilada e 20 mL de H2SO4 1:8 v/v. c. Titular com a solução padronizada de KMnO4. d. O ponto final é detectado pelo aparecimento de uma leve cor rósea, persistente por 30s. e. Calcular a concentração de H2O2 em mol L-1 e em “Volumes”.
Recebido em: 3 nov. 2007 Aceito em: 15 mar. 2008
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FATORES QUE AFETAM A VELOCIDADE DE REAÇÃO: UMA ABORDAGEM PRÁTICA Silvio Luís Toledo de Lima Departamento de Química, Universidade de Sorocaba Renata de Lima Departamento de Biotecnologia, Universidade de Sorocaba Leonardo Fernandes Fraceto Departamento de Engenharia Ambiental, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Unesp, Sorocaba
RESUMO Este trabalho propõe a apresentação de uma série de experimentos bastante simples, capazes de introduzir o estudante em um dos mais importantes temas em química, a cinética química. O entendimento de conceitos teóricos de cinética, juntamente com a prática, é de suma importância para um melhor aproveitamento deste tópico. Neste artigo, propomos um estudo de fatores que afetam a velocidade de uma reação em química. Fatores como os efeito de concentração, temperatura, superfície de contato, catalisador são estudados utilizando reações simples e com materiais de fácil acesso, o que se torna um atrativo para que este experimento seja utilizado no ensino médio e no aprimoramento da didática dos alunos de cursos de licenciatura em química. Palavras-chave. Cinética química, fatores que afetam, velocidade de reação. ABSTRACT FACTORS AFFECTING THE VELOCITY OF A REACTION – A PRATICAL APPROACH. This work intends to present a series of very simple experiments able to introduce the student to one of the most important theme in chemistry, the chemical kinetics. The understanding of kinetics theoretical concepts together with practice is extremely important for a better development of the student in this subject. Herein, we propose a study of factors affecting the velocity of a chemical reaction. Factors such as the effect of: concentration, temperature, contact surface and catalyzer are studied through the use of simple reactions and easy-to-get materials, what turns it into an attractive experiment to be used in high and undergraduate school. Key-words. Chemical kinetics, factors affecting, velocity of the reaction.
Os autores agradecem aos alunos do curso de Licenciatura em Química da Universidade de Sorocaba, pelas sugestões que levaram ao aprimoramento das práticas apresentadas.
}
INTRODUÇÃO Vemos evidências de transformações químicas por todos os lados. Algumas modificações ocorrem rápido demais para o nosso gosto. A pintura, exposta ao sol e à chuva, racha e descasca, a lataria do automóvel enferruja, o alimento se estraga, a vela é consumida pelas chamas: quem já não quis que essas transformações ocorressem um pouco mais lentamente? Por outro lado, seria conveniente que outras reações fossem mais rápidas: o crescimento de plantas e animais utilizados para alimentação, a cicatrização de uma ferida, o cozimento de uma batata, o endurecimento do concreto e a degradação do lixo. O estudo dos fatores que influenciam as transformações químicas tem aplicações práticas óbvias. Além disso, o estudo da velocidade das reações fornece informações valiosas de como as transformações químicas ocorrem na realidade.[1] Em Cinética Química, estudam-se as velocidades e mecanismos das reações químicas. A velocidade de uma reação é a medida da rapidez com que se formam os produtos e se consomem os reagentes. O mecanismo de reação consiste na seqüência detalhada de etapas simples, elementares, que levam dos reagentes aos produtos.[1] Uma equação global não exibe nenhuma dessas etapas, mostrando apenas a modificação líquida, resultado final de todas as etapas que participam do mecanismo, como mostrado a seguir:[2]
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A + B ® C (primeira etapa) C + D ® E (segunda etapa) A + B + D ® E (reação global) Muito do que conhecemos sobre mecanismos de reação provém do estudo da velocidade de reação e da influência de diferentes variáveis sobre a mesma. Em geral, a velocidade de uma reação é determinada: (1) pela propriedade dos reagentes, (2) pelas concentrações dos reagentes e (3) pela temperatura. A velocidade pode ser influenciada, ainda: (4) pelas concentrações de outras espécies, que não os reagentes, e (5) pelas áreas das superfícies em contato com os reagentes.[3,4] Nesses experimentos, objetivamos identificar como alguns desses fatores descritos acima influenciam na velocidade de algumas reações químicas que acontecem no nosso dia-a-dia.
}
PARTE EXPERIMENTAL Parte A – Efeito da temperatura Materiais e reagentes: • 1 comprimido de Sonrisal®; • Um pouco de gelo (de 100 a 200g); • Lamparina a álcool; • 3 béqueres ou recipiente plástico de 150mL; • 1 termômetro; • 1 cronômetro.
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Fatores que Afetam a Velocidade de Reação
Procedimento experimental: Prepare três béqueres ou frascos plásticos de 150mL com 100mL de água em diferentes temperaturas (banho de água e gelo, temperatura ambiente e água quente). Meça a temperatura de cada um dos frascos e anote. Divida, em quatro partes iguais, um comprimido efervescente tipo Sonrisal® e adicione simultaneamente uma fração do comprimido a cada frasco com água. Ao mesmo tempo, marque o tempo para o desaparecimento completo de cada comprimido em cada frasco.
Parte B – Efeito da superfície de contato Materiais e reagentes: • 1 comprimido de Sonrisal®; • 1 almofariz e pistilo; • Lamparina a álcool; • 2 béqueres ou recipiente plásticos de 150mL; • Cronômetro. Procedimento experimental: Adicione a dois béqueres ou frascos plásticos 100 mL de água à temperatura ambiente. Divida um comprimido efervescente de Sonrisal® em duas partes iguais. Triture uma das partes em um pó bem fino. Adicione a cada um dos recipientes uma das partes e acione o cronômetro para medida do tempo necessário para que ocorra o desaparecimento completo do comprimido.
Parte C – Efeito da concentração Materiais e reagentes: • 2 béqueres de 50mL; • 3 clipes grandes de metal galvanizado;
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• Solução de sulfato de cobre de concentração 0,1mol.L-1; • Solução saturada de sulfato de cobre; • 2 pinças metálicas. Procedimento experimental: Prepare duas soluções de sulfato de cobre, uma com concentração 0,1mol.L-1, e outra solução saturada. A cada uma dessas soluções (cerca de 30mL), adicione um clipe de metal, na posição vertical, de modo que a solução cubra metade da altura deste. Em outro recipiente, adicione 30mL de água e, da mesma forma como os anteriores, adicione um clipe na posição vertical a esse líquido. Aguarde por cinco minutos. Anote suas observações.
Parte D – Efeito de um catalisador Materiais e reagentes: • • • • • •
1 batata; 1 pedaço de fígado bovino; 1 pedaço de fígado bovino cozido; Água oxigenada a 20 volumes; 2 vidros de relógio ou placas de Petri; 1 pipeta Pasteur.
Procedimento experimental: Inicialmente, cozinhe um pedaço de batata e um pedaço de fígado em um recipiente com água. Após o cozimento, deixe os alimentos resfriarem até a temperatura ambiente, para que a temperatura não interfira nos resultados. Em seguida, coloque, lado a lado, um pedaço de batata cru e um cozido, bem como um pedaço de fígado cru e um cozido. Adicione algumas gotas de água oxigenada 20 volumes a cada um dos pedaços e compare cada par de substâncias. Anote suas observações.
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DISCUSSÃO O estudo sobre a cinética de reações levou ao desenvolvimento de teorias que buscam explicar, em nível atômico ou molecular, como as reações químicas acontecem.[1] Para que uma reação possa se processar, é necessário observar duas condições: 1. Que as moléculas (ou átomos) envolvidos interajam umas com as outras com orientação espacial adequada; 2. Que tais partículas tenham energia necessária a uma reordenação dos átomos, garantindo que haja a efetiva transformação química. Sendo assim, para dimensionar quão efetiva será a interação entre os reagentes, podemos estabelecer uma análise com base em observações qualitativas da velocidade com que os reagentes se convertem em produtos. Em meio aquoso, podemos considerar que quanto maiores forem as freqüências e a duração das interações entre os reagentes, maiores as chances de se efetivar uma reação química, isto é, de transformá-los em produtos.[3] Nesse sentido, pode-se estabelecer que os principais fatores que governam a velocidade de uma reação são: 1. A natureza química dos reagentes; 2. A habilidade dos reagentes para entrar em contato um com o outro; 3. A concentração do reagentes; 4. A temperatura; 5. A disponibilidade de agentes aceleradores das velocidades das reações, chamados de catalisadores. Esses experimentos permitem observar, com exemplos do cotidiano, alguns fatores que afetam a velocidade de uma reação. O efeito da temperatura pode ser visualmente verificado, e sua confirmação pode ser
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obtida pelas medidas dos tempos de reação de decomposição (efervescência) dos carbonatos, quando tais reações ocorrem em diferentes temperaturas (Figura 1).
Figura 1. Efeito da temperatura: porções idênticas de um anti-ácido efervescente foram introduzidas, simultaneamente, nas mesmas quantidades de água, em temperaturas de 10 ºC, 27 ºC e 48 ºC.
As reações químicas de decomposição, nesse caso, podem ser dadas por: + (aq)
Na
+ (aq)
2Na
NaHCO3(s) + H
Na2CO3(s) + 2H
+ (aq)
+ H2O(l) + CO2(g)
+ (aq)
+ H2O(l) + CO2(g)
Espera-se que um aumento na temperatura promova um aumento na velocidade relativa das moléculas dos reagentes, aumentando a probabilidade de atender às duas condições descritas anteriormente. Já que os experimentos sugeridos tratam, na verdade, de um sistema heterogêneo (sólido e líquido), um outro fator deve também ser considerado. Trata-se da superfície de contato (ou área superficial). Num sólido, apenas sua superfície externa reage, pois é a única parte suscetível a uma transformação química, uma vez que seu interior não está exposto para interagir com os demais reagentes. A trituração de um sólido (Figura 2) permite, portanto, que a quantidade de material disponível cresça significativamente, aumentando a velocidade da reação.[6,7] Veja o REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Fatores que Afetam a Velocidade de Reação
item Considerações finais para uma exemplificação do aumento da superfície de contato.
Figura 2. Efeito de superfície de contato: comparação visual da velocidade de reação dos comprimidos intacto (à esquerda) e macerado (à direita), quando imersos simultaneamente em um mesmo volume de água e a uma mesma temperatura.
Experimentalmente, a verificação do efeito do aumento da superfície de contato é evidente (Figura 2). Há uma perceptível diferença entre a dissolução do comprimido efervescente intacto (64s para dissolução completa) e a daquele que foi previamente macerado (28s para dissolução completa). Aqui, é importante manter a temperatura constante, para que não haja uma interferência na interpretação dos resultados. Para o caso em que se estuda o efeito da concentração, o experimento proposto permite verificar que o clipe, ao entrar em contato com a solução saturada de sulfato de cobre, sofre a oxidação com maior velocidade, em virtude de uma maior quantidade de íons cobre, segundo a reação química descrita abaixo. Nesse experimento, a adição do terceiro clipe serve como controle, a fim de permitir a comparação entre a oxidação do objeto quando em contato com as soluções e quando em contato apenas com a água. Cu2+(aq) + Zno(s)
Zn2+(aq) + Cuo(aq)
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Essa reação é facilmente observada no recipiente que contém a solução saturada, uma vez que, nesse processo, estabelece-se uma reação de óxido-redução com um potencial de 1,10V (assim como a tradicional célula galvânica Cu/Zn). No recipiente com a solução diluída, verifica-se que a deposição do cobre metálico na superfície do clipe (coloração avermelhada) é formada em um tempo entre três e cinco minutos, ao passo que, na solução saturada, a alteração da cor da superfície do clipe é praticamente instantânea (a superfície inicialmente brilhante do clipe torna-se fosca).[1] A Figura 3 mostra o resultado obtido no experimento. Essa figura, em sua versão branca e preta, pode não deixar evidente a nítida diferença entre os clipes, certamente possível durante a execução do experimento.
Figura 3. Efeito da concentração: deposição de Cu metálico na superfície de clipe galvanizado (Zn), pela imersão deste em: a) solução saturada de CuSO4; b) solução de CuSO4 0,1M e água destilada, por um período de cinco minutos; C) clipe galvanizado exposto apenas à água (controle).
Semelhantemente ao exposto para o efeito da superfície de contato, o aumento na concentração de uma das espécies envolvidas afeta diretamente a velocidade da reação, pois favorece o aumento do número de interações dos reagentes que levam à formação do produto. Para que a interação entre os reagentes garanta a efetivação da reação, verifica-se que, além da orientação espacial adequada durante a interação, um outro fator indispensável é que os reagentes atinjam uma energia mínima neces-
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sária (Energia do Complexo Ativado) para a conversão desses em produtos. De acordo com a Teoria do Estado de Transição, há uma barreira energética que deve ser transposta pelos reagentes durante as suas transições para formação dos produtos.[8] Esse fator pode ser verificado no último experimento proposto, no qual se utilizam batata e fígado bovino crus. Esses alimentos possuem uma enzima capaz de aumentar a velocidade de reações pela diminuição da energia de ativação – enzima (Figura 4). Essa proteína, a catalase, é capaz de promover o abaixamento da energia necessária para a decomposição do peróxido de hidrogênio (H2O2), segundo a reação a seguir.[1,5-7] 2H2O2(l)
pode ser facilmente observado quando se comparam as velocidades de decomposição do peróxido quando a enzima está ativa (velocidade alta) e quando não está (sem evidência de reação).
O2(g) + 2H2O(l)
Energia Livre
Sem Enzima
S P Com Enzima
Caminho da Reação
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Figura 4. Representação esquemática do caminho de uma reação sem catalisador e com um catalisador enzimático.
Figura 5. Efeito de catalisador. Resultado obtido após gotejamento de uma solução de peróxido de hidrogênio sobre alimentos em seu estados in natura e cozidos. (A) Batata e (B) Fígado bovino.
A ação dessa enzima pode ser verificada na Figura 5, que mostra uma comparação entre os resultados do gotejamento simultâneo de uma solução de água oxigenada 20 volumes em duas amostras, uma com o material in natura, e outra após seu cozimento. Quando os alimentos passam por cozimento, a enzima catalase é desnaturada, perdendo, assim, sua ação catalítica. Esse fator
Esses experimentos trazem uma abordagem que desperta a atenção dos alunos e auxilia na consolidação e fixação dos conceitos trabalhados, por tratar dos assuntos de maneira atrativa, e com apelo visual. Outro aspecto que pode ser considerado é a possibilidade de instrumentalizar os alunos para a tomada de decisões baseada nos conhecimentos adquiridos nas aulas teóricas de química.
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Fatores que Afetam a Velocidade de Reação
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma grande dificuldade apresentada por alunos de nível médio, e mesmo superior, está no entendimento de como a diminuição do tamanho das partículas de um sólido acarreta o aumento da sua superfície de contato. Pensando nisso, apresentamos uma exemplificação que visa ilustrar com maior clareza como se dá esse efeito. Tomou-se como exemplo um livro com dimensões: 28,5cm de altura, 21,5cm de comprimento e 4,0cm de largura. Considerando que o livro é um objeto tridimensional, sua área total é duas vezes a área da capa [2.(28,5cm x 21,5cm)], somada às áreas das laterais, direita e esquerda, [2.(28,5cm x 4,0cm)] e às áreas inferior e superior [2.(21,5cm x 4,0cm)], resultando numa área total de 1.625,5cm2, correspondente a aproximadamente 0,16m2 (1m2 = 10.000cm2). Se, ao invés de manter o livro fechado, este fosse aberto ao meio, sua área passaria a ter a mesma área calculada anteriormente, mais as duas páginas centrais que passariam a ficar expostas, dessa forma apresentando uma área total de 2.851cm2, acarretando um aumento em 1,75 vezes. Agora, se for considerada uma outra situação, em que cada uma de suas 484 folhas fossem arrancadas e dispostas uma ao lado da outra, a área total exposta seria maior. Como cada folha possui uma área de 28,5cm x 21,5cm (612,75cm2), ao final seria possível cobrir uma área total de 296.571,0cm2 (ou 29,66m2). Conclui-se que um livro, quando fechado, apresenta uma área aproximada de 0,16m2 e, quando desfolhado, apresenta, por face, uma área de 29,66m2. Considerando também o verso, a área seria então duplicada, passando para 59,31m2. O livro é o mesmo, porém sua área exposta, nesse caso, aumentou 371 vezes.
A área relacionada à espessura do papel é desprezível, comparada com a área total obtida. Da mesma maneira, um sólido, quando compactado, exibe uma área muito menor do que quando macerado (ou em pó), pois partículas que se encontravam, inicialmente, oclusas no interior do sólido, passam a ficar expostas, o que provoca um aumento significativo na velocidade de reação. Essa prática desperta no estudante um grande interesse, pois apresenta a aplicação de conceitos químicos e biológicos muito abordados em teoria. Após o experimento, foram apresentadas aos estudantes algumas questões para que eles pudessem melhor direcionar suas pesquisas, bem como a elaboração de relatório: 1. Explique por que a maioria das reações químicas ocorrem mais rapidamente quando aquecidas. Procure citar exemplos do seu cotidiano, em que o calor é utilizado como forma de acelerar processos químicos; 2. Comente, também, como a superfície de contato afeta a velocidade da reação. 3. Procure explicar, com fundamentação bibliográfica, a velocidade das reações observadas quando se adicionou H2O2 aos alimentos. Indique o que você imagina que tenha influenciado na rapidez.
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REFERÊNCIAS [1] ATKINS, P. e JONES, J. Princípios de Química – Questionando a vida moderna e o meio ambiente. Rio Grande do Sul: Bookman, 2006. [2] BRADY, J.E. e HUMISTON, G. Química Geral. 2a ed. Rio de Janeiro: LTC, 1996. v. 1 e 2. [3] RUSSEL, J.B. Química Geral. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora Makron Books, 1994. v. 1.
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[4] LEE, J.D. Química Inorgânica Concisa. Rio de Janeiro: Editora Edgard Blücher, 1996, 4ª ed.
[8] BALL, D. W. Físico-Química. São Paulo: Editora Thomson Learning, 2006, v. 2.
[5] KOTZ, J.C. e TREICHEL Jr., P. Química e Reações Químicas. Trad. J.R.P.Bonapace, 4a ed. Rio de Janeiro: LTC, 2002. v.1 e 2. [6] MOL, G.S. e DOS SANTOS, W.L.P. Química na Sociedade. Brasília: Editora UnB, 1998. v. 1. [7] MAHAN, B.M. e MYERS, R.J. Química – Um Curso Universitário, 4a ed. Rio de Janeiro: Editora Edgard Blücher, 1995.
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Recebido em: 5 out. 2007 Aceito em: 25 fev. 2008
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VICENTE COELHO SEABRA SILVA TELLES E A AFINIDADE QUÍMICA EM SEUS ELEMENTOS DE CHIMICA (1788-1790): UM EXEMPLO DE CIÊNCIA PERIFÉRICA NO SÉCULO XVIII Marcos Vinícius Ribeiro Departamento de História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas-FAFICH/UFMG mvribeiro@qui.grad.ufmg.br
RESUMO Neste trabalho, pretende-se discutir o tema da afinidade química no livro Elementos de Chimica, o primeiro compêndio de química escrito por um brasileiro, em língua portuguesa e publicado em Coimbra em duas partes (1788-1790), pelo primeiro químico brasileiro, Vicente Telles. Tal livro poderia ter se tornado o mais relevante livro de química escrito no século XVIII, abrangência conceitual da obra e da intenção explícita do autor de desenvolver as ciências no Brasil. Para tanto, apresentamos o autor, a obra, a evolução do conceito de afinidade e como o autor utiliza esse conceito para explicar a ocorrência das reações químicas numa época em que não tínhamos uma notação química estabelecida, o que só aconteceu com Berzelius no início do século XIX. Palavras-chave. Afinidade química, história da química brasileira, ensino de química, Vicente Telles. ABSTRACT VICENTE COELHO SEBARA SILVA TELLES AND THE CHEMICAL AFFINITY IN ITS ELEMENTS OF CHIMICA (1788-1790): AN EXAMPLE OF PERIPHERAL SCIENCE IN CENTURY XVIII In this work we discuss the concept of affinity in the first compendium of chemistry written by the brazilian and published in Portuguese language in Coimbra in two parts (1788 and 1790): the Elements of Chemistry written by the first Brazilian chemistry Vicente Telles. It could have become the more relevant
Às Professoras Rosária da Silva Justi e Maria Elisa Moreira Dai de Carvalho, do Departamento de Química da UFMG, pelas sugestões e revisão do texto. Agradeço ao Professor Carlos Alberto Lombardi Filgueiras, do Instituto de Química da UFRJ, e à Professora Betânia Gonçalves Figueiredo, do Departamento de História da UFMG, pela ajuda e incentivos para o estudo da História da Ciência.
chemistry book of written in the XVIII century due to its conceptual scope and to the explicit intention of the author in developing science in Brazil. We present the author, general aspects of the book, the evolution of the affinity concept and how the author used this concept to explain the occurrence of the chemical reactions at a time when there was no established chemical notation (what appeared only in the work of Berzelius at the beginning of century XIX). Key-words. Chemical affinity, history of brasilian chemistry, teaching of chemistry, Vicente Telles.
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INTRODUÇÃO Vicente Coelho de Seabra Silva Telles (1764-1804) Vicente Coelho de Seabra nasceu em Congonhas do Campo/MG, Brasil. Depois dos estudos secundários realizados no Seminário Nossa Senhora da Boa Morte em Mariana/MG, a principal instituição de ensino da capitania de Minas Gerais, inscreveu-se em Medicina, na Universidade de Coimbra, em 1783, depois de Domingos Vandelli (1730-1816) ter iniciado o ensino de química nessa instituição em 1772, no seguimento da reforma do Marquês de Pombal (1699-1782). A reforma fora promulgada em 1772, sendo administrada pelo monge beneditino e bispo de Coimbra, D. Francisco de Lemos (1735-1822), natural de Santo Antônio de Jacutinga, Rio de Janeiro. Entre 1758 e 1772, matricularam-se em universidades européias (sobretudo em Coimbra) cerca de 300 estudantes brasileiros. A ida desses estudantes a Coimbra se deveu à crescente necessidade de prover quadros capazes para a administração e a economia da colônia, num período em que as deficiências existentes no Brasil se tornavam mais agudas e o ouro se escasseava, prenunciando uma grande crise que de fato viria a ocorrer. A capitania de Minas Gerais, onde a atividade mineradora constituía a maior fonte de riqueza, foi a que mais contribuiu para esse fluxo migratório. Durante o século XVIII e início do
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século XIX, essa região atravessou um período de efervescência intelectual, apesar da instabilidade política. É natural que Vicente Telles tenha sido influenciado por esse movimento, mas a sua importância no contexto luso-brasileiro desse período é difícil de determinar, dada a escassez de fontes. O novo currículo da universidade pombalina exigia que os estudantes que quisessem graduar-se em Medicina fizessem estudos filosóficos, isto é, que estudassem Matemática e Ciências da Natureza. Seabra entrou para a universidade em 1783, sendo dispensado do primeiro ano matemático, o que parece indicar algo a respeito da qualidade do ensino ministrado no Seminário Nossa Senhora da Boa Morte de Mariana. Entre 1784 e 1786, estudou não só Matemática como Física e, em 1787, licenciou-se em Filosofia e em Medicina em 1791, mas já em 1789, era sócio correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa. Em 1791, ano em que foi nomeado demonstrador da cadeira de Química e Metalurgia (na Faculdade de Filosofia) e se doutorou, Seabra foi eleito sócio da Academia das Ciências. Em 1798, foi promovido a sócio efetivo. Segundo o historiador brasileiro Varnhagen, Seabra teve sempre uma saúde frágil, e, em 1804, a morte pôs fim a uma carreira científica que se adivinhava promissora. Seabra foi, até certo ponto, uma figura singular no panorama da química portuguesa do seu tempo. Ele estava a REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Vicente Coelho Seabra Silva Telles e a Afinidade Química em seus Elementos de Chimica (1788-1790)
par dos últimos desenvolvimentos dessa ciência, e as suas obras, Elementos de Chimica e Nomenclatura Chimica Portugueza, estão em consonância com as teorias de Lavoisier, cujas contribuições não foram aceitas, de imediato, pela maioria dos químicos europeus da época.[1] Tanto o trabalho experimental de Seabra quanto as suas preocupações teóricas e o seu espírito crítico constituíram elementos valiosos para um desenvolvimento da química em Portugal. Contudo, os seus sucessores parecem não ter estado à altura do seu legado. Apesar das condições favoráveis criadas pela reforma da Universidade de Coimbra (1772) e das contribuições desse químico, o fato é que em Portugal não se formou uma comunidade de químicos capazes de produzir investigações originais e de competir no contexto internacional da época.
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CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS DA OBRA ELEMENTOS DE CHIMICA As investigações químicas de Vicente Coelho de Seabra abrangeram uma gama considerável de assuntos, que incluíam a agricultura e a higiene. A sua obra principal, os Elementos de Chimica (Coimbra, 1788-1790), foi escrita quando ele tinha apenas 24 anos e ainda era estudante. Seabra dividiu o seu compêndio em duas partes: a primeira publicada um ano antes de Lavoisier dar à estampa o Traité Elémentaire de Chimie (1789); a segunda, editada um ano após a publicação desse famoso tratado. Seabra justificou a publicação do seu compêndio pela escassez de bons manuais de química na Europa, pelo que decidiu escrever um livro em que o conhecimento químico pudesse ser apresentado em português de uma forma sistemática. Nessa obra, ele aborda as mais recentes contribuições e desenvolvimentos da química REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
européia, especialmente a química do oxigênio de Lavoisier, apesar de, nessa altura, atribuir algum valor à tentativa de síntese feita por Macquer. Por volta de 1778, quando a teoria antiflogística de Lavoisier ainda não estava completamente formulada, Macquer sugeriu a conciliação do oxigênio com o flogisto, considerando, por um lado, que o oxigênio é absorvido durante a combustão e, por outro, que esse processo é acompanhado da emissão de flogisto por parte do corpo combustível, e identificando o flogisto com “a matéria pura da luz e do calor”. Seabra considerou que a interpretação de Macquer poderia ser integrada à teoria geral do oxigênio de Lavoisier. A adesão de Seabra à química de Lavoisier ocorreu em 1787, precisamente no mesmo ano em que ocorreu a conversão à mesma teoria de Guyton de Morveau, Monge, Chaptal e Meusnier, apesar da oposição de químicos de renome como Priestley. Longe de ser um livro elementar ou de divulgação, o compêndio de Seabra é uma versão atualizada e uma apresentação clara da química moderna dessa época.[2] Tal como está expresso no frontispício, a obra foi dedicada à Sociedade Literária do Rio de Janeiro, o que denota o seu patriotismo. Seabra pretendia que essa obra fosse utilizada pela Sociedade na instrução de jovens, uma vez que a química era, no seu entender, indispensável à promoção da agricultura e da indústria e à prosperidade de um país. A Sociedade Literária do Rio de Janeiro foi uma das expressões mais relevantes do iluminismo no Brasil. Ela era uma espécie de Academia voltada à literatura e à filosofia natural, que sucedeu à Academia Científica criada em 1772. Segundo os estatutos, os membros da Sociedade Literária deveriam ler e discutir as comunicações apresentadas em cada sessão, podendo estas abranger qualquer assunto, com exceção de política e religião. Todavia, a vida
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Marcos Vinícius Ribeiro
dessa instituição foi afetada por diversos acontecimentos dentro e fora do Brasil, nomeadamente, a Revolução Francesa e o movimento local denominado Inconfidência Mineira. O progressivo envolvimento político dessa sociedade levou ao fato de que as suas reuniões tivessem de passar à clandestinidade. Em 1794, foi ordenado o seu encerramento pelo Conde Resende, Vice-Rei do Brasil, que mandou prender os sócios e apreender todos os documentos e publicações.[3] Na introdução aos Elementos de Chimica, Seabra exprimiu a sua visão da ciência atribuindo à experimentação um papel decisivo. Na Parte I, ele descreveu as principais aplicações da química e apresentou uma seção histórica. Nela foram discutidos temas como as origens da química na Antigüidade, a alquimia e aspectos da química dos séculos XVII e XVIII. Seguidamente, Seabra apresentou uma definição do objeto da química como a ciência que determina a natureza dos corpos, decompondo-os nos seus princípios e recompondo-os sempre que possível, finalizando com uma discussão qualitativa da afinidade química. Seabra discutiu também a influência da temperatura nas reações químicas, bem como a natureza do fogo, da luz e do calor. Descreveu depois a composição do ar: 27 partes de “ar puro” (oxigênio), 72 partes de “moffeta” (azoto) e uma parte de “ácido cretoso ou carbonacio” (carbônico). Fez também a distinção entre gases puros e misturas e apresentou a composição da água como 15 partes de hidrogênio ou “ar inflamável” e 85 partes de “ar puro” ou oxigênio. A Parte II dos Elementos de Chimica, publicada em 1790, é a mais extensa da obra. Na introdução, Seabra chamou a atenção para a importância da nomenclatura sistemática e organizou as substâncias em duas classes: incombustíveis e combustíveis. Ele também discutiu a fermentação ocorrendo tanto em
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corpos de origem animal como vegetal, e descreveu um grande número de substâncias, em particular vários ácidos, os quais foram considerados por Lavoisier como invariavelmente compostos de oxigênio. Isso antes de entrar na descrição dos corpos combustíveis. Foi nessa segunda parte do livro que Seabra mostrou como abordar as reações ácido-base, fornecendo uma tabela de afinidades entre oito ácidos e setes bases, na qual os graus de afinidade eram expressos por relações numéricas. Naquela época, as tabelas de afinidades estavam em voga entre os químicos, que as entendiam como uma ferramenta de previsão. Essa abordagem das reações químicas inspirava-se no sonho newtoniano, o qual pretendia submeter de maneira efetiva a química às forças newtonianas e visava coordenar o conhecimento químico, que ainda era considerado muito descritivo e pouco sistemático.[4] Seabra discutiu sobre vários gases. Em relação ao hidrogênio, disse que ele era obtido da reação entre metais (zinco, ferro), e ácidos (sulfúrico, clorídrico), assumindo que o hidrogênio era efetivamente obtido da água existente no sistema. Tal explicação era consistente com o conceito de ácido de Lavoisier, que pressupunha a presença de oxigênio na composição de todos os ácidos, mas estava em contradição com as interpretações correntes no século XVIII, que assumiam que os metais geravam hidrogênio. A análise e síntese da água eram questões controversas. Na segunda parte do livro, as discussões giravam em torno das experiências realizadas por diversos químicos, nomeadamente Macquer (1777) e Priestley (1783), bem como da confirmação de Cavendish da interpretação das experiências realizadas por James Watt, à luz da teoria do flogisto. Lavoisier repetiu essas experiências e, por meio da análise e síntese da água, estabeleceu a sua composição. Graças a Seabra, REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Vicente Coelho Seabra Silva Telles e a Afinidade Química em seus Elementos de Chimica (1788-1790)
esta questão não passou despercebida em Portugal. Entretanto, a participação dos químicos portugueses nessa discussão ficou confinada ao espaço nacional. O impacto do compêndio de Seabra em Portugal foi pequeno, apesar da Congregação da Faculdade de Filosofia de a Universidade de Coimbra ter dado a sua aprovação, em 1787, e autorização de publicação, em 1788. Todavia, não há o menor indício de que os Elementos de Chimica tenham alguma vez sido adotados na Universidade.
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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE AFINIDADE EM QUÍMICA[5,6,7,8] Conhecer como os materiais da natureza se formam e por que se transformam tem sido preocupação de pensadores desde tempos bem antigos. Muitas idéias a esse respeito foram emitidas ao longo dos séculos. Assim, por volta de 490-430 a.C, na Sicília, o filósofo Empédocles de Agrigento admitia serem todas as coisas constituídas por quatro elementos primordiais – água, ar terra e fogo –, unidos em proporções diversas. Esses “elementos” se combinavam ou se separavam movidos por forças opostas, inerentes à sua própria natureza: o amor e o ódio. De acordo com essa suposição, podia-se entender que água e óleo não se misturavam porque entre eles predominava o ódio, ao passo que cal e água se “combinavam” porque entre elas predominava o amor. Muitos séculos se passaram e as concepções sobre como os materiais se formavam ou se transformavam foram se modificando. Assim, cerca de vinte séculos após Empédocles, surgiu o filósofo Alberto Magnus (1193-1280), que explicava as “combinações químicas” admitindo que elas só ocorriam quando as substâncias apresentavam alguma relação de semelhança entre si. Assim, ele explicava que o mercúrio e o ouro eram miscíveis entre si e formavam o amálgama REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
porque ambos eram metais e tinham propriedades semelhantes. Desse modo, Magnus introduziu o termo afinidade (de affinis) para significar “relação química”. Contudo, essa idéia mostrava-se contraditória para explicar a “combinação” entre ácidos e bases (neutralização), substâncias com características antagônicas. Já no século XV, Jean Rey (1630) havia observado que metais, quando aquecidos ao ar, aumentam de peso. Assim, ele considerou o fato não como uma combinação química, mas como algo semelhante ao que ocorre com a areia, que fica mais pesada quando nela se joga água, apegando-se até ao menor dos seus grãos. Contudo, pensadores como Robert Boyle (1627-1691), Mayow (1641-1679), Glauber (1604-1679), e Stahl (1660-1734) acreditavam que as “combinações” químicas eram devidas à afinidade, à qual atribuíam mais uma característica: ela era eletiva. Em 1674, Mayow havia verificado que a amônia e o cloreto de hidrogênio se “combinavam” formando um composto (cloreto de amônio). Esse composto não manifestava nem as propriedades do ácido, nem as da base. Ao aquecê-lo com potassa (hidróxido de potássio), pôde observar que a amônia era liberada e que a transformação prosseguia até não restar nenhum vestígio do cloreto de amônio e da potassa. Mayow explicava que essa transformação ocorria porque a afinidade do ácido pela potassa era maior do que pela amônia. Ele descreveu também o fato de o ácido sulfúrico deslocar o ácido nítrico, explicando que o ácido mais volátil (ácido nítrico) é expelido da sociedade que formava com o álcali pelo ácido vitriólico (ácido sulfúrico), mais fixo do que ele. Desse modo, Mayow pôde constatar o efeito da volatilidade de um produto sobre o desenvolvimento de uma transformação química. Na época, tabelas de afinidades que incluíam ácidos e bases foram construídas por Geoffroy (1718).
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Na França, Buffon (1765) atribuiu a especificidade das ações químicas às formas dos corpos, tentando dar à química o status de ciência baseada em dados empíricos, como a astronomia, que se baseava nas leis de Kepler. Nesse sentido, a questão das afinidades torna-se o objeto central do trabalho de muitos pesquisadores europeus da época. E as tabelas de afinidades tornam-se a estratégia mais usada sob influência da física newtoniana.[6] Para ter uma idéia de como foram construídas essas tabelas de afinidades, pode-se tomar como exemplo a potassa, uma base que reage com muitos ácidos. Assim, para saber com qual dos ácidos ela tem maior afinidade, Geoffroy propôs: “Se a potassa reagir com um certo ácido, e o produto da reação (um sal) for colocado em contato com outro ácido, poderá ocorrer a reação entre eles se a afinidade da potassa por esse ácido for maior do que pelo primeiro. Então, este será deslocado pelo outro ácido”. Por exemplo, da reação entre a potassa e o ácido clorídrico resulta o cloreto de potássio. Este reagirá com o ácido sulfúrico (vitríolo), deslocando o ácido clorídrico, se a afinidade da potassa pelo ácido sulfúrico for maior do que pelo ácido clorídrico. Bergman (1775), baseando-se nas tabelas de afinidade de Geoffroy, generalizou: “Uma transformação do tipo A + BC ® AB + C poderá ocorrer completamente se a afinidade de A por B for maior do que a de B por C”. Nessa generalização, pode-se perceber uma primeira idéia sobre a “extensão” da transformação, ou seja, até que ponto uma transformação pode prosseguir impelida pela afinidade. Isso porque o “ocorrer completamente” leva a supor que naquela época se admitia a possibilidade de a transformação não se completar. Em 1776, Guyton de Morveau mediu a força mecânica necessária para separar as placas de diferentes metais do banho de mercú-
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rio em que as mesmas flutuavam. Ele tentou, assim, quantificar a afinidade atribuindo à relação entre dois corpos uma medida independente das operações químicas de substituição.7 Nesse sentido, Claude Louis Berthollet (1748-1822) questionou a teoria das afinidades eletivas, no artigo “Researches into the Laws of Affinity” (Cairo, 1799), e no famoso livro Essai de Statique Chimique (1803). Apoiando-se em suas pesquisas, esse cientista propusera que a afinidade não poderia atuar como força absoluta por meio da qual uma substância seria deslocada de seus compostos, como pensava Bergmann. Para ele, a afinidade deveria estar presente em todas as combinações e decomposições. Na concepção de Berthollet, “as reações são geralmente incompletas e ‘reversíveis’ e tendem a um ‘estado de equilíbrio’, pois existe a possibilidade de os produtos da reação interagirem reconstituindo as substâncias iniciais”. Nesse aspecto, uma reação tenderia a prosseguir até alcançar uma “situação de equilíbrio”, em que a força que a impelia no sentido direto (reagentes ® produtos) equilibrava a força que a impelia no sentido reverso (produtos ® reagentes). Naquela época (século XVIII), já era preocupação dos pesquisadores o controle das transformações químicas a fim de obter, no menor espaço de tempo, um bom rendimento de certo produto. Assim, Wenzel (1777), estudando a ação de ácidos sobre os metais, havia demonstrado que a rapidez de dissolução de metais em ácidos era proporcional à concentração do ácido. Esse efeito foi chamado “efeito de massa”. Berthollet, considerando o efeito de massa e as observações que havia feito, pôde concluir que, quando dois sais são misturados, os seus componentes ácido e básico ficam em equilíbrio na solução. A extensão da reação que poderia ocorrer entre eles dependia em parte da afinidade, em parte da massa presente, e em parte de fatos como a volatilidade e a baixa solubilidade do produto formado – H2CO3, no caso – (ou H2O e REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Vicente Coelho Seabra Silva Telles e a Afinidade Química em seus Elementos de Chimica (1788-1790)
CO2). Este, sendo volátil, não poderia permanecer competindo, tenderia a escapar. Isso evidencia que, para Berthollet, uma transformação “reversível” envolvia, na realidade, a competição entre duas transformações opostas. O ácido sulfúrico, afirmava ele, “decompõe” o cloreto de bário em virtude da afinidade e também da insolubilidade do sulfato de bário, que se deposita e, por isso, não permanece competindo. Gay-Lussac (1832) ratifica as afirmações de Berthollet a propósito das reações: elas produzem geralmente um equilíbrio entre seus constituintes, dependente das condições (temperatura, estado físico, concentração, superfície de contato etc.). Logo, o sonho newtoniano morreu. A afinidade relacional de Newton não consegue explicar esses aspectos das transformações. Tal fato concedeu à química o status de ciência empírica, sem a concretização do sonho newtoniano.[6,7,8]
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A AFINIDADE NA OBRA ELEMENTOS DE CHIMICA[9] DE VICENTE TELLES (1788-1790) A abrangência teórica e prática tornam essa obra singular na literatura química do século XVIII, uma vez que a primeira parte foi publicada um ano antes do Traité elémentaire de chimie (1789), de Lavoisier, considerado o livro de química mais importante daquele século. Numa comparação entre as duas obras, percebe-se o pioneirismo de Vicente Telles ao tentar explicar a ocorrência das reações químicas pelas tábuas de afinidades, uma estratégia muito utilizada pelos químicos da época, pois a química era um grande corpo de conhecimentos dispersos, puramente descritivos[4]. Na obra Elementos de Chimica, encontra-se a seguinte definição de afinidade:
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A ação recíproca que exercem os corpos uns sobre os outros é devido a uma lei geral da matéria, pela qual todos tendem a unir-se uns com os outros com maior ou menor força, segundo a natureza particular de cada um, esta lei é aquela que os químicos chamam afinidade e segundo me parece não é diferente da Atração. Esta força atua em massas grandes, ou nos seus elementos ou nos corpos muito pequenos, onde recebe o nome de Afinidade (Telles, 1788, p.12).
Segundo o autor, essa lei admirável da qual dependem todos os fenômenos da natureza e da química poderia existir entre corpos de mesma natureza (afinidade de agregação) e naturezas diferentes (afinidade de composição). A afinidade de agregação era aquela pela qual os corpos de mesma natureza se uniam e formavam um todo com as mesmas propriedades que tinham antes, crescendo somente a massa e o volume. Por exemplo: três corpos a, a, a que, unindo-se em razão dessa lei, formariam um todo 3a, com as mesmas propriedades de cada corpo a isolado, em virtude apenas do aumento da massa do corpo final. O grau dessa afinidade era conhecido pela aderência ou força que essas partículas opunham à sua desunião ou desagregação, o que dependia da solidez do corpo. Portanto, essa obra apresentava quatro tipos de afinidade por agregação: • Agregação sólida: corpos sólidos ou duros (pedras e metais), • Agregação mole: corpos moles (cera), • Agregação fluida: água e mercúrio, • Agregação aeriforme: ar. Por outro lado, a afinidade de composição era a lei pela qual dois corpos a e b de diferentes naturezas se uniam intimamente, resultando dessa combinação um novo corpo ab. Esta lei não difere da anterior, senão por ser entre corpos de naturezas diferentes, então, para que tal lei aconteça, deve-se obedecer às seguintes condições:
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Que entre os corpos combinantes há manifestada esta lei; que um deles ao menos esteja no estado fluido, pois os corpos sólidos não se combinam e esta afinidade de composição ocorre entre dois, três, quatro e mais corpos diversos (Telles, 1788, p.12).
Segundo Telles, quando existia afinidade de composição, aconteciam os seguintes fenômenos: mudava da temperatura no tempo de combinação; o composto sempre adquiria novas propriedades diferentes das existentes nos corpos isolados a e b; se não existisse afinidade de agregação, o corpo era formado por afinidade de composição; os corpos entre si não apresentavam a mesma força de afinidade – somente a observação permitiria determinar o grau de afinidade. Esse grau de afinidade era medido pela dificuldade que se experimentava em decompor os corpos combinados. Tal decomposição era feita por meio da adição de outros corpos que tivessem mais afinidade com algum dos corpos combinados. De acordo com Vicente Telles, a afinidade de composição se dividia em quatro tipos: • Afinidade por composição simples: quando dois, três, quatro ou mais corpos diferentes se combinavam e formavam pela sua união um novo composto; • Afinidade por composição por intermédio: quando não havia entre os corpos que se queria unir uma afinidade manifestada, servia-se de um terceiro corpo que tivesse afinidade com o primeiro e, assim, combinasse os três corpos, formando um novo composto; • Afinidade por composição eletiva: se a um corpo ab fosse juntado um corpo c, com o qual o corpo b tivesse mais afinidade do que com o corpo a, é claro que b deixaria o corpo ab e se combinaria com c formando um novo composto
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bc. Ele acreditava que, por essa forma de afinidade, faziam-se quase todas as decomposições e decomposições naturais, químicas e artificiais; • Afinidade por composição dobrada: ocorreria quando um corpo ab, formado pelos dois corpos a e b, não pudesse ser decomposto por um terceiro corpo c, nem por um quarto corpo d separadamente, mas, unindo-se a um corpo cd, pois, quando misturados, existiria uma decomposição mútua. Numa tábua de afinidades, os valores verticais eram chamadas de afinidades divellentes e as horizontais de quiescentes. A afinidade dobrada só ocorreria quando as afinidades divellentes fossem maiores do que as quiescentes. Nessa proposição, o autor se apropriava de conceito apresentado pelo químico Fourcroy; • Afinidade por composição recíproca: ocorreria quando um composto ab fosse decomposto por um terceiro corpo c, que tivesse afinidade com um dos dois componentes, por exemplo b, e deixasse a livre. Entretanto, depois de feita a decomposição, o corpo a seria um novo decomponente de bc e tornaria a se combinar com b, reproduzindo antigo composto ab. A repetição por muitas vezes desse jogo recíproco explicaria o fato de o corpo a ter mais afinidade por b do que por c. Isso era explicado por fatores como calor, acesso ao ar e flogisticação. Nessas idéias sobre afinidade, o autor já esboçava uma idéia de equilíbrio químico. Vicente Telles explicava que, em todos os tipos de afinidades, havia sempre decomposição e composição ao mesmo tempo. Nessa observação, REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Vicente Coelho Seabra Silva Telles e a Afinidade Química em seus Elementos de Chimica (1788-1790)
percebemos que o autor já observara, em suas pesquisas, o dinamismo das reações químicas. Para entender o conceito de afinidade de composição e a utilização da tábua de afinidades entre quatro compostos a, b, c, d, devemos representar esses compostos de acordo com o quadro a seguir:[10]
Modernamente, Na2SO4 + HCl ® Não Reagem Na2SO4 + Ca(OH)2 ® Não Reagem Na2SO4 + CaCl2 ® NaCl + CaSO4 Para Telles, esta última reação acontecia porque a afinidade dos produtos era maior do que a dos reagentes (20 ® 21). A estratégia era bastante coerente e interessante, mas demandava um enorme tempo para confecção das tabelas, portanto, era pouco funcional para o avanço que a química teve no século XVIII.
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Suponhamos que a afinidade que une a e b para formar ab tenha o valor relativo de 7 numa tábua de afinidades. Da mesma forma, c + d ® cd tem valor 3, a + c ® ac corresponde a 6 e b + d ® bd tem o valor de 5. Dessa maneira, c não poderá causar a reação ab + c ® ac + b, porque a afinidade de a com c é menor do que a de a com b. Igualmente fica vedada uma reação como ab + d ® bd + a . Entretanto, a reação ab + cd ® ac + bd é possível, pois há um aumento no valor total das afinidades, o que favorece a reação: 7 + 3 ® 6 + 5. A afinidade resultante dos produtos é 11, portanto, maior do que a dos reagentes, que é 10. Para entender o conceito prático da utilização da tábua de afinidades, vamos utilizar um exemplo retirado da obra de Vicente Telles:
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CONCLUSÕES É quase inacreditável que uma obra tão importante seja completamente desconhecida dos químicos atuais. Um dos motivos pode ser o fato de ela ter sido publicada em português e oferecida a uma academia de ciências que logo encerrou suas atividades científicas em virtude de questões políticas. Nessa obra, temos o conceito de afinidade, que se constituiu num dos pilares do avanço do conhecimento químico durante o século XVIII, sob forte influência do Iluminismo europeu.[11] Além disso, tal estratégia se baseia no sonho da época de submeter de maneira efetiva todo o conhecimento químico às forças newtonianas, uma vez que este era muito descritivo e pouco sistemático. Vale a pena ressaltar que estávamos numa época em que não tínhamos a teoria de Dalton (1808), nenhuma lei ponderal ou volumétrica, nem sequer uma notação química simples. Isso torna mais valiosa a obra de Vicente Telles e seu conhecimento pelos químicos da atualidade. Além disso, o professor atual deve conhecer a idéia de afinidade e sua evolução histórica, pois esta é uma idéia muito recorrente nas salas de aula do ensino médio, conforme apontado por inúmeras pesquisas na área de ensino de química.[12]
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REFERÊNCIAS [1] VARNHAGEN, F.A. Biografia de Vicente Coelho de Seabra. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo IX, 262, 1847. [2] COSTA, A. A. Teoria e Experiência nos Elementos de Chimica de Vicente Coelho de Seabra (1764-1804)” in Boletim da Sociedade Portuguesa de Química, 58, 36-41, 1995. [3] FILGUEIRAS, C.A.L. Vicente Seabra Telles e a Sociedade Literária do Rio de Janeiro, uma Tentativa Malograda de Desenvolvimento da Química no Brasil Setencentista, Anais do I Seminário Sobre História da Ciência e Tecnologia, Rio de Janeiro, 100-104, 1986. [4] JUSTI, R. A afinidade entre as substâncias pode explicar as reações químicas?, Química Nova na Escola, 7, 26-28, 1998. [5] Interações e Transformações II - Química para o 2o Grau - Livro do Aluno/Grupo de Pesquisas em Educação Química/Instituto de Quimica-USP, EDUSP: São Paulo, 1993. Capítulo 15, 151-155. Disponível no site: <allchemy.iq.usp.br/pub/ metabolizando/bb57007l.doc>. Acessado em: 08 Nov. 2006. [6] BENSAUDE-VICENT, B. e STENGERS, I. História da Química, Instituto Piaget, Lisboa, 1992.
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[7] MAAR, J. H. Pequena História da Química. 1ª ed. Florianópolis: Papa livros, 1999 [8] PARTINGTON, J.R. A Short History of Chemistry 3ª ed., Dover, Nova Iorque, 1989 [9] TELLES, V. C. S. S. Elementos de Chimica, 1788-1790, 1º e 2º partes, Coimbra. (Cópia pertencente a biblioteca do Departamento de Química da UFMG, Instituto de Ciências Exatas, Belo Horizonte/MG) [10] FILGUEIRAS, C.A.L. Vicentes Telles, o primeiro químico brasileiro, Química Nova, 8, 263-270, 1985. [11] RIBEIRO, M.V. e CARVALHO, M.E.M.D. Vicente Telles e a afinidade química em seus Elementos de Chimica (1788-1790): um exemplo de ciência periférica no século XVIII. Anais do XX Encontro Regional da Sociedade Brasileira de Química de Minas Gerais, São João Del Rey, 2006. ED-33. [12] JUSTI, R. e RUAS, R.M. Aprendizagem da química: reprodução de isolados do conhecimento? Química Nova na Escola, 3, 23-26, 1997.
Recebido em: 2 nov. 2007 Aceito em: 4 fev. 2008
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ATIVIDADE DIDÁTICA COM ORIENTAÇÃO CTSA EM DISCIPLINA DO ENSINO SUPERIOR DE QUÍMICA Salete Linhares Queiroz Doutora em Química pela Universidade Estadual Paulista E-mail: salete@iqsc.usp.br Luciana Passos Sá Mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo E-mail: lucianapsa@gmail.com
RESUMO O principal objetivo de currículos com ênfase em CTSA é o letramento científico e tecnológico para que os estudantes possam atuar como cidadãos, tomando decisões e agindo com responsabilidade social. O objetivo desta pesquisa foi avaliar o potencial do método Estudo de Caso em estimular habilidades relacionadas ao processo de tomada de decisão. Após receberem os casos, estudantes de graduação em química solucionaram, em grupo, uma série de questões elaboradas com o intuito de guiá-los sobre aspectos relevantes relacionados a questões ambientais, econômicas e éticas. O processo culminou nas apresentações orais dos grupos sobre possíveis soluções para os casos. As conclusões deste trabalho indicam a utilização de casos investigativos como uma estratégia eficiente para promover e aperfeiçoar habilidades de tomada de decisão dos alunos. Palavras-chave. CTSA, estudo de caso, química. ABSTRACT STSE ORIENTED DIDACTIC ACTIVITY IN AN UNDERGRATUATE CHEMISTRY COURSE. The main objective of STSE curriculum is to provide scientific and technological literacy for students so they can act as citizens and participate on decision making on the perspective of social responsibility. The purpose of this research was to evaluate the potential of the case study method to enable students to make decisions on STSE issues. After receiving each case, undergraduate chemistry students worked in group on a set of questions designed to guide them through environmental, economic and ethical aspects of the case study. The process culminated with class presentations by student groups about possible solutions to the cases. The findings of this work support the idea that the case study approach is an effective strategy for enhancing the ability of students to make decisions on STSE issues. Key-words. STSE, case study, chemistry.
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INTRODUÇÃO Conforme apontam Santos e Mortimer (2002), desde a década de 1960, currículos de ensino de ciências com ênfase em CTS (Ciência, Tecnologia, Sociedade) têm sido desenvolvidos no mundo inteiro. Tais currículos apresentam como objetivo central preparar os alunos para o exercício da cidadania e caracterizam-se por uma abordagem dos conteúdos científicos no seu contexto social. Em contrapartida, uma série de estudos tem mostrado que os estudantes não são capazes de usar a ciência que eles aprenderam para solucionar problemas do chamado “mundo real” (Waterman, 1998). Nessa perspectiva, a introdução de aspectos sociocientíficos no currículo de ciências tem sido recomendada com o objetivo de atenuar esse quadro e também com o intuito de encorajar os alunos no desenvolvimento de uma ação social responsável a partir de questões vinculadas à sua realidade. Partindo dos pressupostos acima, atividades didáticas com orientação CTSA (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente) vêm sendo desenvolvidas na disciplina Comunicação e Expressão em Linguagem Científica II, ministrada para os alunos ingressantes no Curso de Bacharelado em Química do Instituto de Química de São Carlos, Universidade de São Paulo. Neste trabalho, apresentamos uma das referidas atividades, que consta da resolução de casos investigativos de caráter sociocientífico pelos graduandos, e discu-
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timos as percepções dos mesmos a seu respeito, incluindo o favorecimento, ou não, da capacidade de tomada de decisão frente a questões sociocientíficas.
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DESENHO DA PROPOSTA E REFERENCIAIS ADOTADOS PARA A SUA CONSOLIDAÇÃO A realização da atividade exigiu a produção dos casos investigativos e a elaboração de questões, a eles relacionados, que foram solucionadas pelos estudantes. Para a elaboração dos casos, tomamos como referencial o trabalho de Herreid (1998), que apresenta sugestões para a produção de um “bom caso” e, para a elaboração das questões, tomamos como referencial o Modelo Normativo de Tomada de Decisão, proposto por Kortland (1996). Os casos foram elaborados com base em pesquisas recentes, divulgadas na revista Pesquisa Fapesp, e estruturados de tal modo que apresentassem em seu contexto questões sociais, ambientais, econômicas e éticas. As seguintes recomendações apontadas na literatura (Herreid, 1998), sobre como elaborar um “bom caso”, foram também consideradas nessa elaboração: • Um bom caso narra uma história: o fim não deve existir ainda; • Um bom caso desperta o interesse pela ques tão: para que um caso pareça real, deve haver um drama, um sus -
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pense. O caso deve ter uma ques tão a ser resol vida; Um bom caso deve ser atual: deve tratar de questões atuais, fazendo com que o estudante perceba que o problema é importante; Um bom caso produz empatia com os personagens centrais: os personagens devem influenciar na maneira como certas decisões forem tomadas; Um bom caso inclui citações: é a melhor maneira de compreender uma situação e ganhar empatia para com os personagens. Deve-se adicionar vida e drama a todas as citações; Um bom caso é relevante ao leitor: os casos escolhidos devem envolver situações que os estudantes provavelmente saibam enfrentar. Isso melhora o fator empatia e faz do caso algo que vale a pena estudar; Um bom caso deve ter utilidade pedagógica: deve ser útil para o curso e para o estudante; Um bom caso provoca um conflito: a maioria dos casos é fundamentada sobre algo controverso; Um bom caso força uma decisão: deve haver urgência e seriedade envolvidas na resolução dos casos; Um bom caso tem generalizações: deve ter aplicabilidade geral, e não ser específico para apenas uma curiosidade; Um bom caso é curto: os casos devem ser suficientemente longos para introduzir os fatos de um caso, mas não tão longos que possam provocar uma análise tediosa.
A aplicação dos casos ocorreu no formato de atividades em pequenos grupos, constituídos por quatro ou cinco alunos. No final do proREVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
cesso, foi organizado um minissimpósio para a apresentação oral e discussão da resolução dos casos pelos grupos. A título de exemplo, descrevemos sucintamente um dos casos, denominado ‘Poluição em Rondônia’, que colocava os estudantes a par de alguns problemas relacionados à contaminação dos rios da região de Guarajá-mirim, no noroeste de Rondônia, próximo à Bolívia: uma índia de trinta e cinco anos, residente na referida região, buscou ajuda médica, em virtude da manifestação de alguns sintomas como fraqueza e perda de visão. A situação despertou algumas suspeitas do médico, uma vez que outros índios o haviam procurado com as mesmas queixas. Aquele, então, decidiu investigar melhor a situação, antes de apresentar qualquer diagnóstico. Para tanto, entrou em contato com futuros profissionais de química (caracterizados pelos alunos da turma na qual a estratégia foi aplicada) e solicitou auxílio para desvendar o problema. Assim, cabia aos estudantes a missão de esclarecer o médico sobre o que estava acontecendo na região e apresentar alternativas para resolução do problema que estava afetando os moradores de Guarajá-mirim, argumentando a favor de uma delas. O caso denominado ‘Poluição em Rondônia’, assim como os demais casos que foram produzidos, podem ser encontrados na íntegra na dissertação de mestrado de uma das autoras deste trabalho (Sá, 2006), e resultados parciais obtidos por meio da análise de outros aspectos concernentes à aplicação da proposta de ensino encontram-se publicados na literatura (Queiroz; Sá, 2005; Sá; Queiroz, 2007). O Modelo Normativo de Tomada de Decisão proposto por Kortland (1996) serviu de subsídio para a elaboração das questões que balizaram os trabalhos dos alunos com os casos (Figura 1). Esse modelo evidencia etapas capazes de facilitar a tomada de decisão pelos alunos com relação a um determinado assunto.
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Figura 1. Modelo normativo do processo de tomada de decisão de Kortland (1996).
Assim, as questões formuladas visavam facilitar o processo de busca coletiva por possíveis alternativas de solução para o caso e de tomada de decisão sobre aquela que deveria ser adotada. O Quadro 1 ilustra as questões elaboradas com base nesse modelo. A observação do esquema apresentado na Figura 1 permite concluir que, no modelo de Kortland, os critérios para avaliar as soluções alternativas (ou as características desejáveis de uma solução) são formulados em direta conexão com a identificação do problema. As soluções alternativas geradas são avaliadas em um estágio posterior, de acordo com esses critérios, resultando em uma decisão sobre o que parece ser a melhor ou a pior solução. E, finalmente, esses critérios são usados para monitorar os efeitos da decisão tomada: a solução escolhida teve os efeitos desejados na prática? Assim, por meio da aplicação do modelo, procura-se ensinar os estudantes a tomar decisões de maneira reflexiva, comparando os prós e contras das possíveis alternativas de solução. Na medida do possível, as questões respondidas pelos alunos durante o trabalho com os casos (Quadro 1) trazem em seu bojo ele-
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mentos presentes no modelo de Kortland (1996). Assim, a questão A foi elaborada com o intuito de favorecer a identificação do problema existente no caso. De forma similar, a questão B trata de favorecer o processo de produção de critérios pelos alunos, por meio da análise das características sociais, econômicas, ambientais ou éticas do problema. As questões D e E estão relacionadas à geração e avaliação das alternativas, respectivamente. As questões F e G dizem respeito à escolha da melhor solução para o problema, e a questão H está relacionada à ação e monitoração. Para atingir os objetivos da atividade, ainda se fez necessária a elaboração das questões C e I, que não são correlacionadas com o referido modelo. No que diz respeito aos dados coletados durante a realização do trabalho, estes englobam: filmagem das apresentações orais sobre a resolução dos casos e posterior discussão realizada sobre a pertinência da solução encontrada para cada um deles; trabalhos escritos produzidos pelos alunos, relacionados à resolução do caso; questionários, constando de afirmações relacionadas às percepções dos alunos a respeito da atividade e de questões “abertas”.
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A. Assunto Explique, em linhas gerais, o principal assunto abordado no caso. B. Pesquisa das Características do Problema Como o problema apresentado no caso encontra-se vinculado a questões:
• Sociais • Econômicas • Ambientais • Éticas Justifique a sua resposta C. Julgamento de Valor: Gravidade do Problema
• Faça um julgamento da gravidade do problema descrito no caso. Justifique a resposta. D. Inventário das Medidas
• Que diferentes tipos de medidas, normalmente, são tomadas diante da situação apresentada no caso? E. Pesquisas das características das medidas
• As medidas acima citadas são suficientes para resolver o problema? Explique • Que outras medidas são importantes e que deveriam ser tomadas? F. Julgamento de valor da melhor solução
• Que medida foi indicada como a mais adequada para resolução do caso? • Por que esta foi a forma escolhida para resolução do caso? Explique detalhadamente. • Apresente as vantagens e desvantagens da opção escolhida para resolução do problema, em relação a outras possíveis soluções. G. Julgamento de valor da solução para os problemas ambientais, sociais ou econômicos
• Como a aplicação da medida escolhida se reflete no dia-a-dia das pessoas envolvidas no caso, levando em consideração aspectos sociais, econômicos, ambientais e éticos. H. Estabelecimento de um plano de ação
• Estabeleça um plano de ação. Ou seja, apresente um cenário utilizando os personagens do caso e as medidas julgadas adequadas para sua resolução. I. Execução da decisão
• Reúna todo o material que o grupo coletou sobre os casos, e inicie a estruturação da apresentação oral, que será realizada sobre a resolução do caso.
Quadro 1. Questões elaboradas com base no Modelo Normativo de Tomada de Decisão proposto por Kortland (1996).
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RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados apresentados neste artigo dizem respeito às respostas dadas pelos estudantes ao questionário de avaliação, que consistia em uma série de afirmações a respeito das habilidades aprimoradas, ou não, com a realizaREVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
ção da atividade. Além disso, uma questão aberta a respeito da eficiência da proposta foi inserida no questionário, visando o conhecimento das impressões dos alunos sobre a atividade. As respostas dos alunos ao questionário foram reunidas, categorizadas e analisadas. A atividade foi aplicada em uma turma consti-
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Salete Linhares Queiroz e Luciana Passos Sá
tuída de 58 alunos. Destes, apenas 47 responderam ao questionário de avaliação, que era uma atividade de caráter optativo. O Quadro 2 apresenta as questões constituintes do questionário. A descrição “Item” se refere ao número atribuído a cada uma das questões. Habilidades
1
Desenvolvi a minha capacidade de comunicação oral.
2
Desenvolvi a minha capacidade de comunicação escrita.
3
Desenvolvi a minha capacidade de investigação na busca de soluções para resolver problemas.
4
Desenvolvi a minha capacidade de argumentação diante de questionamentos.
5
Desenvolvi a minha capacidade de persuasão na apresentação de minhas conclusões.
6
Desenvolvi o meu entendimento sobre a forma como a ciência é construída.
7
Desenvolvi a minha capacidade de solucionar problemas.
8
Desenvolvi a minha capacidade de tomar decisões diante de problemas da vida real.
9
Desenvolvi a minha capacidade de realizar trabalhos em grupo.
Quadro 2. Afirmações referentes ao desenvolvimento de habilidades de caráter formativo dos estudantes.
A Figura 2 apresenta a freqüência das respostas dos alunos sobre as suas percepções a respeito das afirmações contidas no questionário. As respostas foram expressas em escala Likert (5 pontos, variando entre “Discordo Totalmente” e “Concordo Totalmente”) e se encontram indicadas, em porcentagem, como CT (Concordo Totalmente), CP (Concordo Parcialmente), I (Indeciso), DP (Discordo Parcialmente), DT (Discordo Totalmente). A análise da Figura 2 sugere o reconhecimento, por parte dos alunos, do aprimoramento de algumas habilidades no decorrer do processo. Nos Itens 1, 4 e 5, que se relacionam estreitamente ao aprimoramento das habilidades de comunicação oral, verifica-se que 74,5% dos estudantes no Item 1, 85,1% e 89,3% nos Itens 4 e 5, respectivamente, registraram
68
Porcentagem de respostas dos alunos (%)
Item
respostas favoráveis (somatório das respostas concordo totalmente e concordo parcialmente). Isso sugere que as várias oportunidades de discussão oferecidas aos estudantes durante a aplicação da proposta contribuíram para o aperfeiçoamento das suas habilidades relacionadas à comunicação oral. 70
CT CP I DT DP
60 50 40 30 20 10 0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Itens Figura 2. Porcentagem de respostas dos alunos em relação aos itens que correspondem às habilidades adquiridas com a atividade (CT = Concordo Totalmente; CP = Concordo Parcialmente; I = Indeciso; DT = Discordo Totalmente; DP = Discordo Parcialmente).
No Item 2, que se relaciona ao aprimoramento da habilidade de comunicação escrita, verifica-se que 87,3% dos estudantes registraram respostas favoráveis e apenas 2,1% discordaram parcialmente da afirmação. Acreditamos que, apesar da ocorrência de 10,6% de alunos indecisos quanto à afirmação contida nesse Item, o resultado aponta para a efetividade da proposta de ensino no desenvolvimento dessa habilidade, apontada por especialistas da área de ensino de química como pouco estimulada em cursos de graduação (Queiroz, 2001). Os Itens 3, 7 e 8 estão vinculados ao desenvolvimento da capacidade de tomada de decisão. Esta se relaciona à resolução de problemas da vida real, em que os estudantes, por meio de investigação, buscam soluções para os casos propostos. Nos Itens 3 e 7, que dizem respeito à capacidade de investigar e resolver problemas, verifica-se um alto índice de respostas favoráveis, 97,9% e 91,5%, respectivamente. Essa alta porcentagem de REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
Atividade Didática com Orientação CTSA em Disciplina do Ensino Superior de Química
respostas positivas reflete a ativa participação do alunado na busca de soluções para os casos. O Item 7, relacionado ao desenvolvimento da capacidade de tomar decisões diante de problemas da vida real, apresentou o maior número de respostas de indecisos e poucas respostas desfavoráveis, 17% e 6,4%, respectivamente. Esse fato pode estar relacionado com a percepção dos alunos quanto à alta complexidade envolvida no processo de tomada de decisão, que não seria favorecido significativamente pela aplicação de uma única proposta de ensino, e que exigiria a realização de uma série de atividades de natureza semelhante no decorrer do curso de graduação. Quanto ao desenvolvimento da capacidade dos alunos de realizar trabalhos em grupo, obtivemos um total de 10,6% de concordância parcial e 63,8% de concordância total em relação a essa questão, fato que pôde ser comprovado pela participação ativa de todos os membros do grupo durante as discussões promovidas após as apresentações orais. Isso sugere que a resolução do caso foi buscada coletivamente, não tendo ocorrido uma participação predominante de alguns membros do grupo, em detrimento da participação dos demais. Com relação à análise das respostas dos alunos à questão aberta, os aspectos mais enfatizados foram reunidos nas seguintes categorias:
Possibilidades de aprendizado de conteúdos científicos, por meio da aplicação de casos investigativos, são mencionadas na literatura. Lantz e Walczak (1996) descrevem o método como um instrumento pedagógico viável para o ensino de princípios químicos em um contexto de “mundo real”.
Compreensão de conceitos
Habilidade de comunicação oral
Os pronunciamentos dos estudantes, com relação ao que extraíram da experiência para o seu aprendizado sobre os conteúdos científicos envolvidos no caso, foram colocados, via de regra, com as seguintes palavras: “Um ponto importante é que, a partir deste trabalho, novos conceitos e conhecimentos foram adquiridos”. “Aprendemos também alguns tipos de análises para identificar metais, pois eram coisas desconhecidas e que são importantes”.
O desenvolvimento da capacidade de expressão em linguagem oral também foi mencionado pelos alunos: “Melhorei a minha capacidade de falar em público e escrever textos”. “As habilidades aperfeiçoadas foram a comunicação oral (apresentação de um conteúdo em público) e a capacidade de defender melhor um argumento”. Atividades desenvolvidas com o objetivo de desenvolver habilidades de comunicação
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Criatividade e espontaneidade Um dos aspectos mais enfatizados nas falas dos alunos diz respeito ao estímulo da criatividade proporcionado pela liberdade de ação durante a atividade com os casos. Ou seja, o fato de a resolução do caso ser definida pelos estudantes e a total liberdade de escolher o caminho para chegar a tal desfecho foram motivo de grande satisfação, como podemos observar nos depoimentos a seguir: “Desenvolvi a minha criatividade e espontaneidade”. “Com a atividade, desenvolvemos muito a nossa paciência e capacidade criativa”. O estímulo à criatividade é um aspecto ressaltado em trabalhos que envolvem atividades com casos. Duprey, Sell e Lowe (2003) afirmam que a aplicação de casos investigativos abre espaço para a criatividade e aumenta a motivação dos estudantes.
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Salete Linhares Queiroz e Luciana Passos Sá
oral são amplamente descritas na literatura. Segundo Jímenez Aleixandre e Bustamante (2003), no ensino em geral, a expressão oral é decisiva. Em contrapartida, Jorge e Puig (2000) fala das grandes dificuldades encontradas pela maioria dos estudantes na hora de expressar e organizar um conjunto de idéias.
mostrou uma grande porcentagem de respostas apresentando concordância total ou parcial. A análise qualitativa decorrente das respostas dos alunos a uma questão aberta permitiu observar o reconhecimento dos mesmos em relação a outras habilidades de caráter formativo adquiridas com a atividade, além daquelas contidas nas afirmações do questionário. Dessa maneira, o resultado desse trabalho aponta para a possibilidade de desenvolver o ensino de ciências dentro de uma perspectiva voltada para a discussão de aspectos sociocientíficos no ensino superior de química. Destaca ainda as contribuições que casos investigativos relacionados à ciência podem dar ao ensino realizado na sala de aula. Assim, é crucial a promoção de discussões sobre questões relacionadas à ciência numa perspectiva CTSA, contextualizando a ciência de modo a favorecer a compreensão dos fenômenos e proporcionar ao estudante uma real, agradável e motivadora aprendizagem.
Habilidade na busca de informações Uma das habilidades mais apontadas pelos estudantes está relacionada ao aprimoramento de suas habilidades de busca de informações nas fontes disponíveis. A preocupação sobre a confiabilidade da fonte da qual a informação foi extraída também foi um aspecto ressaltado pelos alunos, como podemos observar no comentário a seguir: “Pôde ser desenvolvida também a capacidade de buscar por artigos ou informações em diversos sites e outros meios de informações”. Esses depoimentos sugerem a pouca destreza dos alunos iniciantes frente a situações que envolvam a busca de referências, nas várias formas disponíveis atualmente. Suprir tal deficiência tem sido o objetivo de muitos educadores que descrevem a realização de atividades elaboradas com esse intuito. Gallagher e Adams (2002), por exemplo, aplicaram uma estratégia de ensino em disciplina de química orgânica que visava apresentar a literatura, especialmente a literatura primária, na área de Química aos estudantes.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dados obtidos permitem sugerir que a experiência pedagógica foi bem-sucedida, uma vez que a avaliação de todas as declarações relacionadas à percepção dos alunos sobre o desenvolvimento de suas habilidades, inclusive aquelas relacionadas à tomada de decisão,
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}
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DUPREY, R.; SELL, C. S.; LOWE, N. D. The chemistry of fragrance: a group exercise for chemistry students. Journal of Chemical Education, v. 80, n. 5, p. 513-515, 2003. GALLAGHER. G. J.; ADAMS, D.L. Introduction to the Use of Primary Organic Chemistry Literature in an Honors Sophomore-Level Organic Chemistry Course. Journal Chemical Education, n. 11, v. 79, p. 1368-1371, 2002. HERREID, C.F. What makes a good case? Journal of College Science Teaching, v. 27, n.3, p.163-169, 1998 JIMÉNEZ ALEIXANDRE, M. P.; BUSTAMANTE, J. D. Discurso de aula y argumentación en la clase de ciencias: cuestiones teóricas y metodológicas. Enseñanza de las Ciencias, v. 21, n. 3, p. 359-370, 2003. JORGE, A. S.; PUIG, N. S. Enseñar a argumentar científicamente: un reto de las clases de ciencias. Enseñanza de las Ciencias, v. 18, n. 3, p. 405-422, 2000.
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Atividade Didática com Orientação CTSA em Disciplina do Ensino Superior de Química
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QUEIROZ, S. L. A linguagem escrita nos cursos de química. Química Nova, v. 24, n. 1, p. 143-146, 2001. QUEIROZ, S. L.; SÁ, L. P. Argumentação no ensino superior de química: investigando uma atividade fundamentada em estudos de casos. Enseñanza de las ciencias, v. extra, p. 1-5, 2005. RATCLIFFE, M. Discussing socio-scientific issues in science lessons – pupils’ actions and the teacher’s role. School Science Review, v.79, n.288, p.55-59, 1998.
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Recebido em: 27 jul. 2007 Aceito em: 4 fev. 2008
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INSTRUMENTOS E CRIATIVIDADE
CONSTRUÇÃO DE UM AGITADOR MAGNÉTICO DE BAIXO CUSTO Leonardo Fernandes Fraceto Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho - Sorocaba
RESUMO Este artigo descreve a construção de um agitador magnético, portátil e de baixo custo. Como componentes são utilizados materiais de fácil aquisição e com baixo preço (~R$ 60,00). O agitador magnético proposto é uma alternativa econômica para utilização de rotina em laboratórios de análise, para pesquisa e ensino. Palavras-chave. Equipamento de laboratório, agitador magnético, baixo custo. ABSTRACT CONSTRUCTION OF A LOW-COST STIRRER MAGNETIC. This article describes the construction of a stirrer magnetic, portable and inexpensive. All the components are cheap (~US$ 30,00) and easy to find. The proposed stirred magnetic is an economical alternative for routine chemical analyses in laboratories, for teh research and teaching laboratory equipament. Key-words. Laboratory equipament, stirrer magnetic, low-cost.
O autor agradece a Benedito Fraceto pelas sugestões técnicas para a montagem do agitador magnético.
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INTRODUÇÃO A utilização de equipamentos básicos em laboratórios de ensino, de pesquisa, de análises de rotina é muito grande, dentre esses equipamentos, estão os agitadores magnéticos que desempenham um papel fundamental no preparo de soluções, nos processos de dissolução e nas reações químicas[1]. Agitadores magnéticos promovem a agitação com um campo magnético formado por um imã acoplado a um pequeno motor e um bastão magnético com um filme polimérico de PTFE (denominado de “peixinho”) imerso no líquido em um recipiente[2]. O criador do agitador magnético, Arthur Rosinger (Nova Jersey, USA), patenteou sua invenção em 06 de junho de 1944[3]. A descrição da patente de Rosinger inclui uma descrição da construção do equipamento, bem como do preparo da barra de agitação magnética revestida com vidro ou porcelana, tornando-as quimicamente inertes. Diversos trabalhos na literatura descrevem a construção de aparatos e equipamentos laboratoriais de baixo custo em substituição a equipamentos nacionais e importados de elevado custo[4-8]. Com o intuito de minimizar o custo para a aquisição de um agitador magnético, neste trabalho, apresenta-se um método fácil para a construção de um equipamento de agitação
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magnética, utilizando materiais baratos e disponíveis no mercado nacional, alguns, inclusive, podendo ser reaproveitados a partir de sucatas.
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PARTE EXPERIMENTAL Para a construção do agitador magnético foram empregados os itens descritos na Tabela 1. Tabela 1. Lista dos materiais utilizados na confecção do agitador magnético e seus respectivos preços. Material
Preço (R$)*
Motor ELGIN (110V/220V, 60Hz)
35,00
Fio flexível (0,5 mm)
2,00
Potenciômetro (Triac utilizado para ventiladores)
4,00
Interruptor
2,35
Recipiente plástico (dimensões de 17 cm de altura e 14 cm de diâmetro)
1,99
Chapa de alumínio circular (15,5 cm de diâmetro)
5,00
Pedaço de madeira
2,00
Parafusos
5,00
4 rebites
0,50
Fita isolante
0,50
Cabo com tomada de Ferro de passar roupa
5,00
Imã (de material ferromagnético como os encontrados em alto falantes – diâmetro de 5 cm)
-
Chapa de ferro para suporte em “U” do imã (altura de 5 cm, largura de 1,2cm)
2,50
Total
65,84
* Em 2007.
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Construção de um Agitador Magnético de Baixo Custo
O equipamento foi montado como ilustrado na Figura 1, em um recipiente plástico cilíndrico (disponível em lojas de venda de utensílios domésticos) com 17 cm de altura e 14cm de diâmetro. Uma base de madeira (2 cm de altura e 14cm de diâmetro) foi inserida no fundo deste recipiente. A esta base foi fixado, com parafusos, o motor elétrico (encontrado em lojas de conserto de equipamentos de refrigeração). Ao eixo do motor foi preso um suporte em U onde se fixou o imã ferromagnético encontrado em alto-falantes de caixas de som de automóveis.
Na tampa plástica do recipiente foi fixada, com rebites, uma lâmina de alumínio, encontrada em casas de ferragens ou ferro-velho, fornecendo uma superfície lisa e plana. Na parte lateral do recipiente foi fixado um interruptor (para ligar e desligar o aparelho) e um potenciômetro tipo Triac (Triode for Alternating Current), a fim de controlar a velocidade de rotação do agitador, e uma saída para o cabo de ligação a energia (Figura 1). O sistema elétrico do equipamento foi montado segundo o esquema apresentado na Figura 2.
Figura 2. Esquema elétrico da montagem do agitador magnético.
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Figura 1. Protótipo do agitador magnético: a) vista frontal e b) vista lateral.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO A construção do agitador magnético foi realizada em um tempo máximo de, aproximadamente, 5 horas, indo desde a montagem inicial do sistema elétrico até o acabamento final. A Figura 3 mostra ilustrações da parte externa do equipamento bem como do interior deste. Nesta figura observa-se ainda o equipamento em funcionamento (Figura 3C), em que se verifica a cavitação na superfície do líquido provocada pela agitação. Essa ilustração complementa o esquema apresentado na Figura 1, para uma melhor visualização na hora da montagem. O agitador magnético construído apresenta-se bastante leve (0,3 kg) quando compa-
75
Leonardo Fernandes Fraceto
rado com a média dos equipamentos disponíveis no mercado (1 kg), tornando-se, desta forma, um equipamento de fácil transporte e manuseio.
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CONCLUSÃO O agitador magnético foi facilmente construído com a utilização de peças adquiridas no comércio local com preço final inferior a R$ 70,00, valor este bem menor que os agitadores magnéticos importados (US$ 238,33)[9] e nacionais (R$ 340,00)[10]. Este equipamento pode ser utilizado tanto em aulas práticas quanto em laboratórios de análises e pesquisas.
}
REFERÊNCIAS [1] ANDREO-FILHO, N.; TSUBONE, L.N.; FERRAZ, H.G. Rev. Bras. Cien. Farm., 40, 206, 2006. [2] <http://en.wikipedia.org/wiki/Magnetic_stirrer.> Acesso em: Abr, 2007. [3] ROSINGER, A. US pat. 2,350,534, 1944.
Figura 3. Foto do agitador magnético a) vista frontal, b) vista interna, c) em operação (agitação de uma solução de NaOH e fenolftaleína).
[4] ALVARENGA, E.S.; SALIBA, W.A.; MILAGRES, B.G. Quim. Nova, 28, 927, 2005. [5] SILVA, J.A.F.; FRASSATTO, L. Quim. Nova, 29, 1377, 2006.
As principais propriedades técnicas desse agitador magnético podem ser observadas na Tabela 2. Tabela 2. Características técnicas do agitador magnético. Característica Volume máximo de mistura
0,5 L
Velocidade
350 rpm
Alimentação
110 ou 220 V
Dimensões
170 mm altura e 140 mm diâmetro
Peso
0,3 kg
O equipamento possui a capacidade de seleção de voltagem uma vez que o motor pode ser ligado 110-220V, uma vantagem sobre alguns agitadores magnéticos disponíveis no mercado que possuem voltagem fixa.
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[6] SILVA, F.C.; FERREIRA, V.E.; M.C.B.V. Quim. Nova, 29, 376, 2006.
SOUZA,
[7] MELCHERT, W.R.; CARDOSO, A.A. Quim. Nova, 29, 365, 2006. [8] GAIÃO, E.N.; MEDEIROS, E.P.; LYRA, W.S.; MOREIRA, P.N.T.; VASCONCELOS, P.C.; SILVA, E.C.; ARAÚJJO, M.C.U. Quim. Nova, 28, 1102, 2006. [9] <http://www.labdepotinc.com/Product_Details~id~ 101~pid~12549.aspx>. Acesso: Abr., 2007. [10] Catálogo da American Lab. American Lab Equipamentos para Laboratórios, Charqueada, Brasil, 2007, p5.
Recebido em: 30 maio 2007 Aceito em: 4 fev. 2008
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A OBTENÇÃO DO ALUMÍNIO METÁLICO Aécio Pereira Chagas
As primeiras amostras do metal alumínio foram obtidas por F. Wöhler (1800-1882), em 1827, em Berlim, por meio da redução do cloreto de alumínio com potássio metálico. Mais tarde, em 1854, H. S. C. Deville (1818-1881), em Paris, repete o procedimento de Wöhler e inicia um esforço para obter quantidades maiores e a um custo menor. Inicialmente, substituiu o potássio pelo sódio e melhorou o processo de obtenção deste último (redução do carbonato de sódio por carvão em presença de cal), e obteve quantidades apreciáveis de alumínio. Por meio de J. B. A. Dumas (1800-1884), um influente professor de Química de Paris, Deville consegue chamar a atenção de Napoleão III, imperador da França, para o raro e interessante metal. O soberano logo vê uma utilidade para o alumínio: fazer couraças metálicas leves para os soldados e concede uma ajuda financeira a Deville.
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77
Já em 1856, sob orientação de Deville, Debray e Morin conseguem lingotes de 6 a 8 kg. O interesse pelo metal aumentou, porém seu preço continuava alto, sendo usado apenas em aplicações muito especiais e em joalheria. Deville obteve, também, diversos metais, como platina e irídio em elevado grau de pureza, tendo sido encarregado, em 1872, pela Comissão Internacional de Pesos e Medidas para preparar a liga com a qual seriam confeccionados os padrões de comprimento (metro) e de massa (quilograma). Em 1886, surge um processo novo, utilizado até hoje: a obtenção do alumínio metálico por meio da eletrólise de uma mistura fundida de óxido de alumínio (Al2O3) e criolita (NaAlF4). O curioso da história é que o processo foi desenvolvido simultânea e independentemente por dois pesquisadores: Paul Héroult (1863-1914), na França, e Charles M. Hall (1863-1914), nos Estados Unidos, e o pedido de patente, nos respectivos países, foi, também, quase simultâneo. Ainda mais, como o leitor deve ter percebido, ambos nasceram no mesmo ano e faleceram, também, no mesmo ano!
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Embora pouco lembrado, Frederick Sanger (1918- ) foi o único pesquisador, até hoje, a ganhar dois prêmios Nobel em Química. Madame Curie ganhou dois, mas um foi em Química, o outro, em Física. Linus Pauling ganhou dois, um em Química, o outro da Paz. O primeiro prêmio Nobel de Sanger foi em 1958, por seu trabalho sobre a estrutura das proteínas, especialmente da insulina1. O segundo, dividido com Paul Berg e Walter Gilbert, foi em 1980, por seus estudos fundamentais sobre a bioquímica dos ácidos nucléicos, com especial atenção para o DNA recombinante e por suas contribuições relativas à determinação da seqüência de bases nos ácidos nucléicos. Nascido em Gloucestershire, Inglaterra, Sanger graduou-se, em 1939, obteve seu doutorado, em 1943, e teve uma muito produtiva carreira, a qual só encerrou em 1983, com sua aposentadoria. Sanger desenvolveu novas metodologias para o estudo das proteínas, especialmente os centros ativos de algumas enzimas. Em torno dos anos 60, focou sua atenção sobre o DNA e o RNA, tendo desenvolvido métodos para a determinação de pequenas seqüência no RNA. Seus esforços culminariam, em torno de 1975, com o desenvolvimento da técnica “dideoxi” para o sequenciamento do DNA[1,2].
1.
FREDERICK SANGER E SEUS DOIS PRÊMIOS NOBEL EM QUÍMICA Robson Fernandes de Farias
O trabalho de Senger foi realizado utilizando-se insulina bovina. A Insulina é o hormônio responsável pela redução da glicemia (taxa de glicose no sangue), promovendo o ingresso de glicose nas células, sendo também essencial no consumo de carboidratos, na síntese de proteínas e no armazenamento de gorduras. Quando a produção de insulina é insuficiente, a glicose se acumula no sangue e na urina, ocasionando a diabetes mellitus, sendo então necessário administrá-la por meio de injeções, ou usando uma bombas de insulina. Tem sido mais recentemente administrada, também, por inalação.
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A determinação (elucidação) da estrutura da insulina residiu não apenas na importância intrínseca desse hormônio, mas no fato de a insulina ter sido a primeira proteína a ter sua estrutura determinada, mostrando, assim, que a elucidação da estrutura de uma macromolécula biológicas era possível. Não por acaso, a seqüência dos trabalhos do próprio Sanger o levariam ao sequenciamento do DNA. Muito embora diferenças de natureza metodológica existam, os modernos exames de DNA, tão em uso, quer para fins de exame de paternidade, quer em investigações na área criminal, têm seu débito para com os pioneiros trabalhos de Sanger, mostrando, mais uma vez, que a melhor forma de se desenvolver métodos e técnicas que virão a ter grande importância prática, em termos de aplicações, é investir em pesquisa básica.
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REFERÊNCIAS [1] SANGER, F; COULSON, A.R., J. Mol. Biol., 94, 441, 1975. [2] SANGER, F.; NICKLEN, S.; COULSON, A.R., Proc. Natl. Acad. Sic. U.S.A., 74, 5463, 1977.
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MEMÓRIA FOTOGRÁFICA DO INSTITUTO DE QUÍMICA DA USP
O Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQUSP), criado em decorrência da Reforma Universitária implantada em 1 de janeiro de 1970, reuniu departamentos e cadeiras de Química e Bioquímica, pertencentes a seis Faculdades distintas da USP: Filosofia, Ciências e Letras; Farmácia e Bioquímica; Medicina; Odontologia; Medicina Veterinária e Zootecnia e Escola Politécnica. A construção dos prédios do “Conjunto das Químicas”, que abriga o IQUSP na Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, em São Paulo, teve início em julho de 1961. Em fins de 1965, mudou-se para lá o grupo da Faculdade de Medicina liderado por Isaias Raw e, em 1966, instalaram-se os demais, cada um mantendo, porém, até 1969, a vinculação administrativa com a sua Faculdade. A partir de 1970, passaram a integrar os dois Departamentos do IQUSP: o de Química Fundamental, com 71 docentes (químicos, farmacêuticos, engenheiros e físicos) e o de Bioquímica, com 52 docentes (médicos, químicos, biólogos, farmacêuticos, veterinários e dentistas). A reunião desses diferentes profissionais no Conjunto das Químicas foi uma experiência pioneira dentro da Universidade, refletindo a filosofia de integração de seus idealizadores. Muitos participaram da trajetória do Instituto e é grande a dificuldade em resgatar fotos, por isso, esta memória fotográfica ficará muito aquém de ser completa. Para saber mais COLLI, Walter; Quím. Nova 1995, 18, 584. SENISE, Paschoal; Origens do Instituto de Química da USP – reminiscências e comentários, São Paulo: IQUSP, 2006. Este livro está disponível na Internet: <http://www2.iq.usp.br/fundamental/pdf/LivroIQUSP.pdf>.
O Instituto de Química da USP na década de 1980. Vista lateral, focalizando, em primeiro plano, o marco de sua inauguração em 1970. Ao fundo, à direita, o “queijinho”, conjunto circular de cinco anfiteatros. (Foto: Associação de ex-alunos de Química da USP, http://www2.iq.usp.br/exalunos/).
Conjunto das Químicas, 1967. Alunas de pós-graduação e funcionárias no pátio em frente à caixa d’água, em torno da qual, atualmente, encontram-se o almoxarifado, as oficinas e o biotério. No terreno descampado em aclive, à esquerda da foto, foi construído o prédio da Biblioteca. Ao fundo aparece o prédio do Instituto de Biociências. A partir da esquerda, estão: Helena, Iole Kote, Viktoria Klara Lakatos, Alice Martins, Márcia Bizarro e Therezinha Teixeira Sans. Todas usam saias. Alice conta que as funcionárias só puderam vestir calças compridas depois de autorizado pelo diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, prof. Eurípides Simões de Paula, com a condição, porém de usar por cima um avental. (Fotógrafa: Miuaco Kawashita)
O time feminino de vôlei, em 1968, na quadra do Centro de Práticas Esportivas (CEPÊ) e a torcida de colegas ao fundo. A partir da esquerda, em pé, estão Sonia Zelikowski, Cândida, Roseli Faigenboim, Frauke e Iracema Fagá, e, abaixadas, Selma Matheus Lourenço Guedes, Helena Yuco Yabiku e Márcia Laudelina Arruda. (Foto cedida por Sonia Zelikowski Heilman)
Cidade Universitária, 1964. O time de futebol dos alunos e ex-alunos de Química em frente aos prédios do Conjunto Residencial (CRUSP), construído para alojar os atletas durante os Jogos Panamericanos de 1963, sediados em São Paulo. A partir da esquerda, em pé: Antonio Lembo, Yoshitaka Gushiken, Eduardo Joaquim de Souza Vichi, Fernando Galembeck, Jose Salvador Barone, Ricardo Herbert Berger e Hans Viertler; abaixados: Christiano Viktor Demant, Haroldo Meira Teixeira Jr., José Ayres Jr., Sergio Massaro, Carmo Gallo Neto e Francisco di Giorgio. (Foto cedida por Emoke Galembeck).
Alunos do primeiro ano do curso de Química em 1967. Os que concluíram o curso em quatro anos integraram a primeira turma de químicos diplomados pelo IQUSP em 1970. (Foto cedida por Matthieu Tubino)
1. (Não houve consenso na identificação) 2. José Aparício Temperini 3. Arnaldo Menck 4. Rainer Wolfgang Erich Frank 5. Felício Petrelli 6. Hiroshi Oikawa 7. Henrique Eisi Toma 8. Masanori Sato 9. Roberto Godinho 10. Shigero Nakai 11. Ademar Ribeiro 12. Stefan Slaski Suchorzewski 13. (Não houve consenso na identificação) 14. (Não houve consenso na identificação) 15. Hideo Kawakita 16. Koishi Mizuta 17. Helene Firsoff 18. Ennio Begliomini 19. Liliana Marzorati
20. Bernardette Tostões Buzzi 21. Yooko Kimura 22. Maria Covadonga Lopez Apostólico 23. Elisabeth de Oliveira 24. Yukie Saito 25. Marina Pasetto 26. Roseli Pacheco Schnetzler 27. Ohara Augusto 28. Ruy Lopes Pereira 29. Liliane Faigenbaum 30. Maria Terezinha Martins Junqueira 31. Matthieu Tubino 32. Bernhard Brunckhorst 33. Washington Takashi Yamaga 34. Antonio Celso Breda 35. Edison Daniel da Silva 36. Faivel Schrainbhand Pintchovski 37. Jean Mary Pirie
06/08/1969. Banca de defesa de tese de doutorado de Oswaldo Espírito Santo Godinho, no Departamento de Química Fundamental. A partir da esquerda, vemos Renato Giovanni Cecchini, Geraldo Vicentini, Paschoal Senise, Simão Mathias e Ernesto Giesbrecht. Os três últimos foram diretores do IQUSP. Simão Mathias foi o diretor “pro-tempore”, em 1970, e, também, o primeiro chefe do Departamento de Química Fundamental, no período 1970-1972. Em 2008, comemora-se o centenário do seu nascimento. (Foto cedida por Renato Cecchini)
18/11/1971. Defesa de tese de doutorado de Pedro Soares de Araújo, no Departamento de Bioquímica. Os membros da banca, da esquerda para a direita, são Klauss Zinner, Hernan Chaimovich, Walter Colli, Ricardo Renzo Brentani e Giuseppe Cilento. Chaimovich e Colli foram diretores do IQUSP. Walter Colli, o presidente da banca, integrava o grupo de Isaias Raw, o primeiro a se instalar no Conjunto das Químicas, ainda em 1965. (Foto do acervo de Henrique Toma)
Grupo do Laboratório de Espectroscopia Molecular, durante a XXIII Reunião Anual da SBPC, em 1971, em Curitiba. A partir da esquerda: Yoshio Kawano, Oswaldo Sala, Márcia Laudelina Arruda Temperini, Darwin Bassi e Paulo Sergio Santos. (Foto cedida por Yoshio Kawano)
Julho de 1971. Pawel Krumholz no carro a caminho de Curitiba para participar da XXIII Reunião Anual da SBPC. (Foto cedida por Tibor Raboczkay)
São Paulo, 1978. Abertura do I Simpósio Brasileiro de Eletroquímica e Eletroanalítica, no bloco 7 superior. Na mesa, a partir da esquerda, Luciano do Amaral, Paschoal Senise, Eduardo Neves, Alejandro Jorge Arvia e Tibor Raboczkay. (Foto cedida por Tibor Raboczkay)
Platéia do evento da foto anterior. Nela estão Ivo Jordan, Elisabeth de Oliveira, Roberto Tokoro, Renato Cecchini, Graciliano de Oliveira Neto e muitos outros. (Foto cedida por Tibor Raboczkay)
Antes de ter seu prédio próprio, a Biblioteca do Conjunto das Químicas esteve instalada no bloco 6 térreo. Na foto, o setor de livros didáticos. (Foto: acervo da Biblioteca)
Oficina de hialotécnica, no prédio construído ao redor da caixa d’água. Os “vidreiros” são Jayme Bizarro e Antonio de Carvalho (o Toninho), ambos já falecidos. A foto é de 1984 e o fotógrafo, Henrique Toma.
1984. Ernesto Giesbrecht e alunos de graduação, no laboratório didático de Química Geral do bloco 1 térreo. (Fotógrafo: Henrique Toma)
Francisco Jeronymo Salles Lara e, mais à frente, Manuel Troyano Pueyo, no laboratório de Biologia Molecular, em 1984. Lara foi o primeiro chefe do Departamento de Bioquímica, no período 1970-1971. (Fotógrafo: Henrique Toma)
Exposição de fotos durante o Simpósio Rheinboldt-Hauptmann, 6-7 de novembro de 1984, ano do cinqüentenário da USP. No centro, em destaque, estão Paschoal Senise, Ruth Leme de Oliveira, Lilia Rosária Sant’Agostino e Oswaldo Godinho, mais atrás, Klauss Zinner e à frente, inclinado, Henrique Tastaldi. (Fotógrafo: Henrique Toma)
Blanka Wladislaw e Liliana Marzorati no laboratório de pesquisa de Química Orgânica, em 1984. Blanka e Paschoal Senise, ambos aposentados e nonagenários, continuam em atividade, em 2008, e freqüentam regularmente o IQUSP. (Fotógrafo: Henrique Toma)
RESENHAS
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QUÍMICA DAS SENSAÇÕES RETONDO, C. G.; FARIA, P. Química das sensações. 2. ed. Campinas: Átomo, 2008.
As sensações e as percepções estão presentes em todos os momentos das nossas vidas e são elas que nos tornam únicos, capazes de interagir com outros seres humanos, formando sociedades, culturas ou grupos. Assim, compreender a visão, a audição, o olfato, o tato, o paladar, a dor, o frio, o calor e as emoções, bem como as substâncias naturais ou sintéticas, que estão presentes em nosso ambiente, como corantes, açúcares, adoçantes, aromatizantes, fragrâncias, analgésicos, anestésicos, drogas de abuso, dentre muitas outras, é algo muito complexo que requer o entrelaçamento de conhecimentos de diversas áreas, de maneira inter/transdisciplinar. Dessa forma, para elaborar este texto, utilizamos conceitos de química, de física, de medicina (em especial de subáreas como neurologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, anestesiologia e psiquiatria), de psicologia e de filosofia. Esta idéia começou a ser desenvolvida num programa de mestrado, realizado no Instituto de Química da Unicamp, quando pretendíamos redigir um texto paradidático que pudesse ser utilizado no ensino superior, tanto por alunos de química, quanto por de áreas afins. Sua finalidade era ampliar conhecimentos e melhorar os processos de formação, além de enfatizar como os conhecimentos das áreas específicas, que parecem estar isolados, interagem de maneira inter/transdisciplinar e contextualizada. No desenvolvimento do trabalho, essa idéia se ampliou, e acabamos elaborando um texto que possui uma abordagem diferenciada, criativa e extensa sobre o tema sensações e percepções.
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Nos dois primeiros capítulos, você encontrará uma interessante discussão sobre a mente, na qual enfatizamos algumas idéias de teorias filosóficas e biológicas. Além disso, explicamos, segundo o conhecimento atual, como funciona o sistema nervoso central, enfatizando a transmissão dos impulsos nervosos e a comunicação química que ocorre entre os neurônios. No terceiro capítulo, discutimos como percebemos as sensações de frio e de calor. Para isto, também explicamos como a energia eletromagnética da região do infravermelho interage com os gases presentes na atmosfera, resultando no aquecimento do planeta, e como esta energia é sentida pelos receptores localizados em nosso organismo. Você encontrará, no quarto e no quinto capítulos, uma discussão sobre o sentido da visão, bem como explicações a respeito das características estruturais dos corantes e pigmentos e de suas interações com a energia eletromagnética da região do visível. No sexto e sétimo capítulos, explicamos os aspectos químicos relacionados ao sabor, ao odor e ao aroma. Assim, de uma maneira bem interessante e contextualizada, relacionamos determinadas propriedades de algumas moléculas, presentes em alimentos e em fragrâncias, com a forma como elas impressionam os receptores presentes em nossas bocas e narinas. Nos três capítulos seguintes, discutimos as sensações de tato, de dor e as emoções; além disso, mostramos como determinadas drogas de abuso e medicamentos agem alterando tais sensações. A dependência química também é comentada. Por fim, no último capítulo, abordamos como as ondas senoidais impressionam receptores presentes em nossos ouvidos, os quais enviam mensagens ao cérebro, onde a sensação do som é interpretada. Em todos os capítulos, você perceberá que mais do que estímulos e respostas a eles, as sensações estão envolvidas com nossa cultura. Além disso, também procuramos sempre chamar atenção para alguns assuntos polêmicos como deficiências sensoriais, abuso de drogas, dentre outros. Contudo, é importante destacar que, ao construir um texto com esta abordagem, tivemos que omitir alguns conhecimentos e discussões interessantes e importantes, tanto da área da química, como de todas as outras. O nosso objetivo sempre foi buscar uma integração entre os conteúdos. Portanto, se especificássemos muito, estaríamos criando algo demasiadamente especializado, direcionado a um público específico, fugindo assim da proposta inicial do trabalho. Dessa forma, este texto poderá ser utilizado como uma fonte de consulta sobre os temas que abordamos, tanto por professores de química, quanto por aqueles de outras áreas. Eles poderão transferir para sala de aula muitas das discussões aqui apresentadas, tornando, assim, seu ensino inter/transdisciplinar. Por outro lado, o texto poderá servir, ainda, como uma fonte de consulta para o leitor que estiver interessado em conhecer um pouco sobre como sentimos e percebemos o mundo. Isso é possível porque procuramos utilizar uma linguagem acessível e explicativa.
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Escrever um livro contemplando tantos assuntos é uma tarefa desafiadora, mas muito prazerosa, já que, ao entendermos vários aspectos relacionados com os sentidos, estamos nos conhecendo melhor, compreendendo como funciona nosso organismo e como os aspectos sociais e culturais interferem nas nossas vivências. Ao compreender as sensações e percepções, aprendemos, também, o quão maravilhoso e perfeito é o nosso corpo, em especial, nossa mente. Por isso, convidamos você a essa envolvente e exclarecedora leitura. Wilon Mazalla Jr.
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FUNDAMENTOS DE QUALIDADE E TRATAMENTO DE ÁGUA LIBÂNIO, M. Fundamentos de qualidade e tratamento de água. 2. ed Campinas: Átomo, 2008.
O livro apresenta os principais fundamentos teóricos da qualidade das águas naturais, bem como importantes aspectos relacionados à poluição e contaminação dos dis-tintos tipos de mananciais passíveis de serem utilizados para abaste-cimento. São igualmente contem-plados os processos e operações unitárias mais comumente utilizados para o tratamento das águas de consumo humano ou mais adequa-dos à realidade tecnológica e social do País. Os primeiros quatro, dos treze capítulos do livro, centram-se nos aspectos fundamentais relacionados às características das águas naturais, enfatizando também a poluição de mananciais passíveis de serem empregados para abastecimento. Os nove capítulos subseqüentes abordam os principais processos e operações unitárias inerentes às tecnologias de tratamento mais extensivamente utilizadas ou cujas características favoreçam seu emprego no País. Dessa forma, neste primeiro esforço, flotação por ar dissolvido, decantação de manto de lodos e filtração em membrana não foram enfocadas. Vale ressaltar que o Capítulo 13 foi elaborado pelo engenheiro Aloísio de Araújo Prince e o Capítulo 8 contou com a colaboração do engenheiro Nelson Cunha Guimarães. A obra destina-se a disciplinas inseridas na estrutura curricular de cursos de graduação – especial-mente, as engenharias Civil e Ambiental –, programas de pós-graduação e a profissionais envol-vidos em projetos e operação de estações de tratamento de água. Wilon Mazalla Jr. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
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NOTÍCIAS Entrevista com o Professor Ricardo Feltre, concedida a Robson Fernandes de Farias, durante a 30ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Química, em Águas de Lindóia, SP.
É realmente muito difícil encontrar, entre aqueles com menos de cinqüenta anos, alguém que não tenha, em algum momento de sua formação, estudado por um dos livros do Prof. Ricardo Feltre. Feltre constitui-se, sem sombra de dúvida, um grande ícone entre os autores dos livros didáticos da área de Química. Prestes a completar oitenta anos, Feltre continua ligado ao mundo da Química, não apenas por meio de seus livros – ainda com grande sucesso no mercado –, mas, também, por sua participação freqüente em congressos da área. Eis então, nessa entrevista, um pouco de sua vida e pensamentos.
R.F.F: Ricardo, fala-me um pouco de você, seu nascimento, formação etc. R.F.: Nasci na cidade de São Paulo, em 1928. Formei-me em Engenharia Química, em 1951, pela Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), na qual também doutorei-me, também na área de Química, em 1964. Depois de formado, trabalhei na indústria durante três anos (na empresa Cristais Prado). REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química – vol. 2 – núm. 2
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R.F.F.: E sua interação com o ensino de Química, quando começou? R.F.: Comecei, em 1948 (antes de formar-me, portanto), lecionando Matemática, Desenho e Química para o que se chamava então 1º e 2º graus. Atuei, ainda, nos chamados “cursinhos”, de 1949 a 1975, primeiramente no Grêmio Politécnico e, depois, no Anglo Latino. Lecionei também na Universidade de São Paulo, de 1956 a 1986 e na FEI (Faculdade de Engenharia Industrial de São Paulo) de 1965 a 1978. R.F.F.: E como ocorreu sua inserção, como autor, no mundo dos livros didáticos de Química? R.F.: Com base em minha experiência de mais de uma década como professor de Química, lancei, em 1967, uma coleção em quatro volumes. Posteriormente, a coleção foi reduzida para três volumes e encontra-se hoje em sua 6ª edição. R.F.F.: Ano de meu nascimento! Em parceria com Setsuo Yoshinaga? R.F.: Sim, inicialmente em parceria com Setsuo e, depois, sozinho. Como muitos sabem, fui proprietário da Editora Moderna, de 1968 a 2001. R.F.F.: Com relação aos livros didáticos da área de Química (acho que vale, também, para as outras áreas) tenho a impressão que há uma certa “mesmice”, sendo a única diferença entre os livros dos anos 1940, 1950 e os livros de hoje, a qualidade gráfica, fotos coloridas etc. Na essência, me parece que nada mudou. O livro atual, em termos de conteúdo, é melhor? Qual sua opinião? R.F.: Do ponto de vista da “estrutura básica” dos livros (disposição e seqüência dos conteúdos etc.) não houve, realmente, alterações, mas entendo que isso se deve mais ao fato de que não há mesmo como alterar-se isso, uma vez que os fundamentos da Química permanecem os mesmos. Afinal, não se pode “jogar fora” a Termoquímica, a Cinética Química, a Eletroquímica etc. Tem-se, hoje em dia, livros não apenas melhor ilustrados, mas, também, com melhor conteúdo, com inserção de caixas de textos variados, com conteúdos de História da Química, com leituras complementares etc. Meus livros são um bom exemplo: somando-se todas as caixas de texto, por exemplo, pode-se ter uma boa panorâmica da evolução histórica da ciência química. Creio que, na média, os livros melhoraram. R.F.F.: Qual sua opinião sobre a atual formação dos professores de Química? R.F.: De um modo geral, essa formação vem melhorando. No entanto, a Química padece por ser uma das áreas com menor número de professores atuando que realmente têm formação na área.
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R.F.F.: Sim, mas, e entre os formados na área, estão ensinando melhor? R.F.: Na média, estão. Acredito que estamos num período de crescimento e melhora da formação dos professores. Agora, com a entrada de muitos temas novos no ensino de Química (temas modernos, como biologia molecular etc.), exige-se cada vez mais do formado. Além disso, com a (necessária) massificação do ensino, a qualidade do trabalho que o profissional pode realizar muitas vezes tem caído. Além disso, a aprendizagem tende a ser focada mais em temas (contextualização e interdisciplinaridade são as palavras de ordem), e menos conteudistas. Eu, por exemplo, procurei adequar meus livros às exigências dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais, estabelecidos pelo Ministério da Educação, MEC). Em todo caso, reafirmo que estamos num período de melhora e crescimento. R.F.F.: Tendo em vista o grande número de títulos no mercado, ainda vale a pena escrever um livro didático de Química? Ou, em outras palavras, quais conselhos você daria a um jovem autor, interessado em escrever um? R.F.: Primeiramente, não podemos deixar de focar na questão da vendagem, uma vez que o livro que não vende tem vida curta, e, assim, nenhuma editora se arrisca a continuar sua produção. Em se tratando de livros para os cursos superiores, a literatura nacional ainda é relativamente pobre, acredito que em função do fato de o mercado consumidor ser menor, nesse nível, e, também, da proliferação de cópias reprográficas. No tocante ao ensino médio (o antigo segundo grau), creio que ainda há espaço para novos livros, mercadologicamente falando. Contudo, a tarefa dos autores é cada vez mais difícil, pela necessidade de enquadrar-se nas exigências do MEC (contextualização, interdisciplinaridade etc.), e enfrentando, ainda, a questão da necessidade de fornecer conteúdo “pesado” que prepare os alunos para o vestibular. Os novos autores terão que encontrar formas de atender a essas necessidades.
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31ª REUNIÃO ANUAL DA SBQ Data: 26 a 29 de maio Local: Águas de Lindóia/SP Mais informações: http://www.sbq.org.br/31ra/
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6º SIMPÓSIO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO QUÍMICA Data: 06 a 08 de julho Local: Fortaleza/CE Mais informações: http://www.abq.org.br/simpequi/
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XIV ENEQ Data: 21 a 24 de julho Local: Coritiba/PR Mais informações: http://www.quimica.ufpr.br/eduquim/eneq2008/index.html
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48º CONGRESSO BRASILEIRO DE QUÍMICA Data: 29/set. a 03/out. Local: Rio de Janeiro/RJ Mais informações: http://www.abq.org.br/cbq/
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NORMAS EDITORIAIS
Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo que aceita colaborações em forma de artigos, resenhas, relatos de experiência, notícias e memória fotográfica da Química no Brasil. Os textos poderão ser publicados em português e espanhol. Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião ou pensamento da coordenação e conselho editoriais. Os originais submetidos a análise do Comitê Científico serão encaminhados a, no mínimo, dois conselheiros do seu corpo editorial, os quais avaliarão de forma específica e decidirão sobre a pertinência dos textos à linha editorial da revista. Em caso de necessidade de revisões de conteúdo ou adequações às normas editoriais, o autor receberá os pareceres dos conselheiros, ficando, assim, responsável pela reapresentação do trabalho reformulado no prazo de 45 dias, contados a partir da data de recebimento da comunicação. O anonimato entre autores e conselheiros, durante o processo de arbitragem dos textos, é garantido pelo Comitê. O prazo médio estipulado para a apresentação do resultado final é de até 60 dias, a contar da data de recebimento do texto. Os trabalhos não aprovados pelos conselheiros, ou não devolvidos no prazo estipulado para reformulação, serão arquivados e os autores informados.
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SOBRE A APRESENTAÇÃO DE ORIGINAIS PARA AVALIAÇÃO Ao encaminhar os trabalhos para análise do Comitê Científico, os autores deverão observar as seguintes orientações: 1. Originalidade e ineditismo dos textos: o autor deve enviar, junto com o trabalho, uma declaração na qual se compromete a não apresentá-lo, simultaneamente, em outro periódico, durante o prazo estipulado para avaliação, e autoriza a sua publicação nesta revista. 2. As colaborações devem ser redigidas em português ou espanhol. Em casos excepcionais, cuja pertinência será analisada pelo Comitê, serão aceitos textos em inglês e francês, que deverão ser traduzidos para a língua portuguesa. 3. Em folha à parte, devem ser informados os dados de autoria: título do trabalho, nome completo, vinculação institucional, formação acadêmica e endereço residencial ou institucional do autor (incluindo telefone e e-mail) para o encaminhamento de correspondência pela Secretaria de Redação. 4. No caso de artigos, os originais não poderão exceder o limite máximo de
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40.000 caracteres (com espaço), incluindo todos os elementos gráficos disponíveis no arquivo. Para resenhas, notas críticas e outros, observar o limite de 10.000 caracteres (com espaço). 5. Quanto à estrutura do texto, devem ser observadas as seguintes orientações: na primeira página, apresentar o título e subtítulo do trabalho, o resumo e as palavras-chave (até 05, evitando-se combinações extensas que não correspondam ao conteúdo do texto). Todos esses elementos devem ser apresentados em português ou espanhol e inglês. 6. Os textos devem ser digitados no programa Word for Windows, em fonte Times New Roman, tamanho 12, com espaço duplo, e enviados por correio eletrônico para o seguinte endereço: rebeq@atomoealinea.com.br
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SOBRE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E NOTAS O autor do trabalho é responsável pela exatidão, organização e utilização correta das referências e citações constantes no texto, bem como na listagem bibliográfica a ser apresentada no final dos artigos. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT – www.abnt.org.br) fornece, por meio da NBR 6023 (agosto/2002), as orientações necessárias para a organização das referências bibliográficas. No caso de notas, esse recurso tem seu uso limitado ao caráter explicativo-informativo, neste periódico, evitando-se a utilização
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de notas bibliográficas. As notas, quando utilizadas, devem aparecer em seqüência representada por asterisco (*,**,***) no rodapé da página a que se refere. As citações autorais deverão ser feitas em seqüência numérica e apresentadas ao final do artigo
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SOBRE A UTILIZAÇÃO DE IMAGENS As tabelas, quadros e figuras (ilustrações, fotografias, gráficos, entre outros) devem ser apresentados com o máximo de resolução (300dpis em diante), em preto e branco, em arquivo à parte e, de preferência, finalizados para sua inserção direta no texto. Para a produção das tabelas, recomenda-se seguir as orientações do IBGE (www.ibge.gov.br) publicadas em suas normas de apresentação tabular. Todos esses elementos gráficos devem estar indicados e numerados, consecutivamente, ao longo do texto, de acordo com a ordem em que aparecem.
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SOBRE A NATUREZA DA COLABORAÇÃO E RECEBIMENTO DE EXEMPLARES Fica aqui expresso que a participação dos autores neste periódico é de caráter espontâneo, portanto, não-remunerado. O autor principal receberá, gratuitamente, dois (02) exemplares da edição em que seu artigo foi publicado, mais separata eletrônica deste; os co-autores receberão um (01) exemplar e separata eletrônica do texto. No caso de resenhas, cada autor terá direito a um (01) exemplar e separata eletrônica.
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