ReBEQ v.6 n.1 e 2 - Revista Brasileira de Ensino de Química

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ISSN 1809-6158

VOLUME 06 | NÚMERO 1/2 | JAN./DEZ. 2011


VOLUME 06 | NÚMERO 1/2 | JAN./DEZ. 2011

Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias – UFRN Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Ricardo Ferreira – UFPE Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP

Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe­ cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali­ zação e otimização do Ensino de Química.

Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional

Revisão Bruna Oliveira Gonçalves Helena Moysés

1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos.

Capa e Editoração Eletrônica

CDD 540

Fabio Diego da Silva Indexada

Índice para Catálogo Sistemático 1. Química

540

Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.

Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br


VOLUME 06 | NÚMERO 1/2 | JAN./DEZ. 2011

Sumário

7 Editorial Artigos

9

Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso Fábio Adriano Santos da Silva

19 27

45

Uma Reflexão sobre a Formação Didática do Professor de Química Puêbllo José Gomes Cruz, Aldejaíse Cunha de Azevedo, Ana Beatriz de Medeiros Simões, Jackson da Silva Santos e Ilton Sávio Batista Martins

A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1 Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho

O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão: condições de oferta, desafios e perspectivas José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves

61 75

Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro

Polímeros: abordagem do tema na opinião de professores do ensino médio Denise Leal de Castro e Álvaro Figueiredo da Silva e Sá Júnior

Relatos de Experiência

83

Caracterizando Fenóis com Um Reagente Preparado com Esponja de Lã de Aço para Limpeza e Ácido Muriático Sebastião F. Fonseca, Karina S. Souza e Maria Cristina Santos


87

Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública Jackson da Silva Santos, Daguia de Medeiros Silva, Ana de Fátima Costa da Silva e Jeovane Jefferson Soares de Oliveira

99

Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas – Habilidade Metavisual no Ensino de Isomeria Geométrica Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio

Instrumentos e Criatividade

113

Um Equipamento Alternativo: ferro elétrico como chapa de aquecimento Aline Eiras Duarte, Matthieu Tubino, Amanda Carolina Covizzi Bertelli e José de Alencar Simoni

História da Química

117 127 133

Francisco de Paula Castelló i Aleu: um químico elevado à honra dos altares Luis Kosminsky

História Química e Afetiva do Chocolate Robson Fernandes de Farias e Deyse de Souza Dantas

Normas para Publicação


Contents

7 Editorial Articles

9

Degree in Chemistry of UEFS: proposals, challenges and prospects in the deployment of a course Fábio Adriano Santos da Silva

19 27

45

A Reflection on the Didatic Training of the Chemistry Teacher Puêbllo José Gomes Cruz, Aldejaíse Cunha de Azevedo, Ana Beatriz de Medeiros Simões, Jackson da Silva Santos e Ilton Sávio Batista Martins

The Evolution of the Chemistry Language and the Use of Animations in Teaching Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho

The Chemistry Course at the Universidade Federal do Maranhão: supply conditions, challenges and prospects José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves

61 75

An Overview on Composite Materials Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro

Polymers: high school teachers’ opinions about its approach Denise Leal de Castro e Álvaro Figueiredo da Silva e Sá Júnior

Experiences Account

83

Characterizing Phenol With a Reagent Prepared from Sponge Steel Wool and Commercial Hidrochloric Acid Sebastião F. Fonseca, Karina S. Souza e Maria Cristina Santos


87

A Metodological Proposal to Work Chemistry Contents with Public School Students from EJA Jackson da Silva Santos, Daguia de Medeiros Silva, Ana de Fátima Costa da Silva e Jeovane Jefferson Soares de Oliveira

99

Designing Molecules and Thinking About Them – Metavisual Skill in the Teaching of Geometrical Isomerism Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio

Tools and Creativity

113

An Alternative Device: clothes iron as a hot plate Aline Eiras Duarte, Matthieu Tubino, Amanda Carolina Covizzi Bertelli e José de Alencar Simoni

Chemistry History

117 127 133

Francisco de Paula Castelló i Aleu: a chemist raised to the honor of the altars Luis Kosminsky

Chemical and Emotional History of Chocolate Robson Fernandes de Farias e Deyse de Souza Dantas

Editorial Standards


Editorial

As grades curriculares dos cursos de graduação sempre representaram um desafio para os educadores; como adequá-las às necessidades da sociedade e dos alunos? Esse é um problema muito sério e que merece uma reflexão por parte de toda a comunidade acadêmica, uma vez que as necessidades e os anseios dos alunos estão em constante mudança e dependem do momento atual vivido pela sociedade. Infelizmente, as instituições de ensino superior acabam mudando e atualizando suas grades curriculares de forma isolada e sem uma reflexão em conjunto com outras instituições. Isso acaba levando a formações muito heterogêneas, nas diferentes regiões do país, para os egressos de um mesmo curso. Seria muito interessante se as propostas curriculares dos cursos de química das diferentes regiões do país fossem divulgadas, bem como o comportamento e o desempenho dos alunos ao longo de todo o curso. Isso permitiria que toda a comunidade refletisse sobre os mesmos problemas, e que todos se beneficiassem das boas experiências alcançadas, bem como que se evitassem as tentativas frustradas que já foram vividas por alguma instituição em particular. Este volume da ReBEQ apresenta artigos que mostram as condições de oferta do curso de química em uma universidade federal e outra estadual, bem como o desempenho dos alunos e os problemas encontrados ao longo do mesmo, em particular a evasão, que é um problema muito sério a ser superado na maioria das instituições de ensino superior. Para contornar tais problemas, muitas estratégias têm sido tentadas, incluindo-se alterações nas grades curriculares, mudanças nos pré­‑requisitos e nas disciplinas de serviço, introdução de projetos já nos semestres iniciais e, particularmente, mudança na postura dos professores. Entretanto, se não houver a divulgação dos sucessos e fracassos das diferentes tentativas, a comunidade acadêmica não evoluirá como um todo. Por isso, incentivamos os leitores da ReBEQ, das diferentes regiões do país, a divulgarem suas propostas curriculares para os cursos de química, bem como as estratégias que têm sido desenvolvidas para se contornar os problemas encontrados ao longo do mesmo. Esse seria o passo inicial para se evitar distorções muito marcantes entre os cursos de química oferecidos em diferentes regiões do país.

Coordenação Editorial



Artigo 01 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011

p. 9-18

Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso Degree In Chemistry Of UEFS: proposals, challenges and prospects in the deployment of a course Fábio Adriano Santos da Silva1

Resumo

O levantamento e leitura de algumas produções que remetem à formação de pro­ fessores, algumas especificamente de professores de Ciências e Química, levaram à observação da insatisfação com a formação e o distanciamento da Licenciatura em Química com a realidade e as necessidades para uma atuação considerada satisfatória na educação básica atual. Frente a esse ponto, pretende-se demonstrar, no presente trabalho, alguns pressupostos teóricos que defendem o porquê de a for­mação não ser considerada apropriada ao mesmo tempo em que se propõe um modo de superar os obstáculos citados, além de apresentar orientações de ordem legal para alcançar esse objetivo. A partir desse norte, o levantamento bibliográfico demonstrou que a formação de professores é pautada na racionalidade técnica, isto é, no acúmulo de conhecimento teórico desvinculado da realidade e de necessidades educativas, concepção essa considerada inadequada na formação do futuro docente. Para superar essa linha, propõe-se que os cursos de licenciatura sejam alicerçados na racionalidade prática, que trilha pela reflexão na e sobre a ação docente como instrumento para fomentar a tão desejada formação do professor às necessidades atuais da educação brasileira. A par desses pressupostos, fez-se a leitura e a análise do Projeto Pedagógico da Licenciatura em Química da UEFS, objetivando verificar se a formação nesse curso propõe a base na racionalidade prática, atendendo às orien­tações de caráter legal, haja vista a recente implantação desse curso na supracitada universidade. Palavras-chave: Formação de professor de química. Racionalidade técnica. Projeto político pedagógico. 1

Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS; Departamento de Ciências Exatas – DEXA; Professor Assistente.


AbSTRACT

The lifting and reading of some productions that refer to the training of teachers, some specifically for teachers of Science and Chemistry, led to the observation of the dissatisfaction with the training and the distancing of the degree in Chemistry with the reality and needs for the performance considered satisfactory in basic education today. Before this point, we intend to demonstrate in the present work some theories that argue why learning should not be considered appropriate at the same time it proposes a way of overcoming the obstacles cited, and present guidelines to achieve a legal this goal. From north of the literature showed that teacher training is based in the technical rationality, that is, theoretical knowledge divorced from reality and educational needs, the design considered inappropriate in the training of future teachers. To overcome this idea, it is proposed that the undergraduate programs are grounded in practical rationality, which by reflection on track and on the teaching activities as a tool to foster the desired teacher training to the current needs of Brazilian education. Aware of these assumptions became the reading and analysis of the Educational Project of the Degree in Chemistry UEFS, in order that the training this course offers practical rationality in the base, meeting the guidelines of a legal nature, given the recent implementation of this course in aforementioned university. Key-words: Teacher training chemistry. Technical rationality. Political pedagogical project. 1. Introdução

O levantamento e leitura de artigos, dissertações, teses e livros de diferentes autores sobre a formação inicial de professores, a exemplo Maldaner (2000), Mizukami (2002), Rosa (2004), Gaspari (2008) e Silva (2010), alguns especificamente sobre formação de professores de Ciências e de Química, remetem, na maioria dos casos, a um mesmo ponto: à insatisfação com a organização curricular do curso e o distanciamento deste com as necessidades formativas para a atuação considerada satisfatória no Nível Médio já que os cursos de licenciatura são concebidos como uma extensão ou apêndice dos currículos dos cursos de bacharelado. A par dessa observação e compartilhando o mesmo sentimento de insatisfação, pretende-se, no presente, apresentarem-se argumentos sobre a formação de professores segundo alguns pressupostos teóricos, direcionando, na medida do possível, a formação de professores de Química.

2. Formação

10

inicial meramente técnica

no Brasil essa discussão vem se intensificando desde a década de 1980, quando muitas foram as alterações tanto de ordem legal quanto no meio acadêmico. No que se refere ao meio acadêmico, muitos são os artigos publicados em periódicos, anais e revistas especializadas, não apenas no ensino de Química, mas na educação de modo geral, além de dissertações, teses e livros desenvolvidos por todas as regiões do País. Algumas das alterações e orientações que remetem à ordem legal e de políticas públicas para o desenvolvimento e aper feiçoamento na formação inicial de professores remetem às leis 9.394/96 e 10.172/01, que tratam, respectivamente, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e Plano Nacional da Educação (PNE). A partir desse alicerce, muitas foram as resoluções e decretos para orientar e nortear o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da educação no País. Conforme PNE 10.172/01, por exemplo, na formação inicial é preciso superar a histórica dicotomia entre teoria e prática e o divórcio entre a formação pedagógica e a formação no campo dos conhecimentos específicos que serão trabalhados na sala de aula. Mas o PNE não é a única referência que cita essa característica nos cursos de

Segundo Kullok (2004, p. 13), a formação

licenciatura. Segundo os teóricos em educação, a

de professores é pauta de discussão mundial; e

formação inicial está enraizada em procedimentos

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Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso

técnicos ligados ao acúmulo de conhecimento

na qual se acrescentam algumas disciplinas ditas

teórico específico, desvinculados das necessidades

pedagógicas, não atende mais ao proposto pela

educacionais reais.

legislação em vigor. E diversos são os argumentos

De

acordo

com

Mizukami

(2002,

dos teóricos para modificar essa condição. Tardif

p. 12‑14), a formação de professores é pautada

(2002, p. 23) afirma essa observação quando diz

na racionalidade técnica, isto é, no acúmulo de

que a visão aplicacionista da formação não tem

conhecimentos teóricos para posterior aplicação.

mais sentido hoje em dia.

Segundo esse modelo, o professor é um técnico

Conforme Mizukami (2002, p. 12-14), o

especialista que aplica o conhecimento de modo

modelo de racionalidade técnica não mais atende

hierarquizado. Tardif (2002, p. 23) também

à formação de professores considerada apropriada,

comunga dessa concepção quando ressalta que

pois “aprender” a ser professor não é tarefa que

a formação para o magistério esteve dominada,

se conclui depois de estudar conteúdos e técnicas

sobretudo, pelos conhecimentos disciplinares

de transmissão destes. E vai além afirmando que

produzidos numa redoma de vidro, sem conexão

essa formação é inadequada ao contexto atual, pois

com a ação profissional, sendo aplicados a

no cotidiano da sala de aula há múltiplas situações

posteriori por meio de estágios ou de atividades do

divergentes com as quais o professor não aprende a

gênero. Kullok (2004, p. 13), por sua vez, observa

lidar durante um curso de formação.

a racionalidade técnica na formação de professores

Segundo estudos e levantamentos feitos

quando descreve que na graduação em licenciatura

por Reali e Lima (2002), a formação técnica é

plena aprofundam-se os conteúdos específicos e

irrelevante no processo de profissionalização

acrescentam-se algumas disciplinas pedagógicas

docente. De acordo com as autoras, os cursos de

no

organização

formação com essa base não mudam a dinâmica das

denominada 3+1, em que tal observação também

curso,

distribuídos

numa

aulas, tampouco o trabalho cotidiano do professor,

é descrita em diversos artigos que tratam da

e fazem com que os futuros docentes tomem como

formação de professores de Química.

referência sobre ensino o incorporado na formação

Rosa (2004, p. 18-24), direcionando o olhar

ambiental, ou seja, tenham como referência para

à formação de professores de Química, observa

a atuação docente professores com os quais estu­

a racionalidade técnica e descontextualizada ao

daram quando se encontravam na condição de

descrever que na graduação as disciplinas são

alunos (Reali; Lima, 2002, p. 217-218). Rosa (2004,

estruturadas dividindo o conhecimento químico

p. 19) também tem essa visão quando afirma que

em teórico e prático, em que o conhecimento teórico é desenvolvido e verificado pela resolução de exercícios, e o prático por meio de roteiros experimentais preestabelecidos, mecânicos, or­ gani­zados passo a passo, que em nada lembram uma investigação e primam pela eficiência, rendi­ mento e êxito. A formação alicerçada no acúmulo de conhecimento específico desvinculado das neces­

ao término da formação inicial, os profes­ sores, em geral, acabam se apoiando em referências anteriores de professores e/ ou professoras que passaram pela sua vida escolar [...] e acabam se reportando ao seu tempo de aluno para tentar construir seu perfil docente,

em que conclui seu raciocínio denominando tal ação de formação ambiental.

sidades da educação que se deseja para a Educação

Vê-se, assim, que a busca por referências

Básica, mais precisamente para o Nível Médio,

como docente em outros professores – aqueles

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Fábio Adriano Santos da Silva

com os quais se teve contato como aluno – é fruto

a elaboração de uma nova proposta pedagógica

da formação insuficiente que a racionalidade

para as Licenciaturas, tanto no direcionamento do

técnica fornece aos licenciandos, na qual se

profissional ao mercado de trabalho quanto numa

pode observar também que apenas o domínio de

formação geral mais sólida e adaptada ao exercício

conteúdo específico não é o bastante para atender

da profissão de professor. Uma outra orientação,

as particularidades das salas de aula da Educação

sendo uma das mais recentes, trata do decreto

Básica. Contudo, salienta-se que o domínio de

nº 6.755/09, de 29 de janeiro de 2009, que institui a

técnicas de ensino ou de conteúdos pedagógicos

Política Nacional de Formação de Profissionais do

também não conseguem, isoladamente, suprir às

Magistério da Educação Básica. Essas propostas

necessidades à formação considerada adequada

de ordem legal têm a mesma essência: superação

atualmente, como também a prática de sala sem

da formação simplesmente técnica, isto é,

fundamentação teórica. Sendo assim, far-se-á

alicerçada apenas no conhecimento dos conteúdos

necessário combinar o domínio de conhecimento

específicos.

específico, o conhecimento pedagógico e a prática

Como orientações para formar adequa-

e reflexão sobre esta. A esse conjunto os teóricos

damente os professores que atuarão na educação

denominam racionalidade prática.

básica, da Lei 6.775/09 destacam-se no art. 2º, os parágrafos III, V e VI:

3. Superando

a formação meramente técnica De acordo com o citado nas linhas acima,

a base das alterações e orientações que remetem à ordem legal e de políticas públicas para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da formação inicial de professores remete às leis 9.394/96 e 10.172/01, que tratam, respectivamente, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e Plano Nacional da Educação (PNE), sendo as referências à formulação de resoluções e decretos que orientam e norteiam o desenvolvimento e aperfeiçoamento da educação no País. Uma dessas resoluções, proposta em 2002 pelo MEC, tem como objetivo garantir uma formação adequada em Nível Superior aos Professores de Química para a Educação Básica, de acordo com o documento

12

Art. 2º – São princípios da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica: III – a colaboração constante entre os entes federados na consecução dos objetivos da Política Nacional de Formação de Profissionais da Educação Básica, articulada entre o Ministério da Educação, as instituições formadoras e redes de ensino; V – a articulação entre teoria e a prática no processo de formação docente, fundada no domínio de conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; VI – o reconhecimento da escola e demais instituições de educação básica como espaços necessários à formação inicial dos profissionais do magistério.

do Conselho Nacional de Educação – CNS e

Os pontos acima destacados estão de

Câmara de Educação Superior – CES, Resolução

acordo com os discutidos por diversos teóricos

CNE/CES nº 08, de 11 de março de 2002. Nessa

em educação que apontam como instrumento

se estabelecem as Diretrizes Curriculares para os

para superar a formação estritamente técnica a

cursos de Licenciatura em Química e se orienta

combinação de três mecanismos:

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Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso

1. Formação reflexiva e prática;

Para Tavares (2004), a universidade é o

2. Formação em nível superior, em Universidades;

locus privilegiado para a formação do educador. Segundo a autora, se a formação do professor se

3. Parceria entre os professores uni­

restringisse ao domínio de técnicas formuladas

versitários e os da educação básica,

por especialistas e à sua simples aplicação, não

aplicada à pesquisa.

haveria necessidade de um currículo teoricamente

O conjunto desses mecanismos visa superar a formação inicial técnica segundo o que Shön (1992) e Mizukami (2002) denominam racionalidade prática. Essa concepção é orientada pela reflexão na formação, na qual se considera a complexidade dos fenômenos educativos e os valores globais (éticos, políticos etc.) dos professores, norteados por uma reflexão na e sobre a ação, num processo contínuo de construção do professor (Mizukami, 2002, p. 14-21). Shulman (apud Gaspari, 2008, p. 24)

consistente e nem preparação em nível superior. E continua afirmando que [...] ao professor não basta conhecer o conteúdo específico de sua área, mas desenvolver competências que possibilitem a transposição desses con­ teúdos para situações educativas con­ cretas [...] (Tavares, 2004, p. 91-92).

Eis que surge a importância social da universidade como locus privilegiado para a formação desse educador.

defende a reflexão na formação citada por Shön

Conforme Kullok (2004), a licenciatura

e Mizukami quando discursa que a combinação

deve ser vista como um curso e não mais como

do conhecimento do conteúdo específico com

uma habilitação com terminalidade, em que

o conhecimento pedagógico desse conteúdo

uma formação adequada para que o exercício

e com o conhecimento curricular favorece o

profissional aconteça deve ser em nível superior,

desenvolvimento

prática.

na qual a formação não tenha um fim em si

Segundo o autor, apenas conhecendo e dominando

mesma, mas dê a competência para o exercício

o conteúdo específico não será possível ao

profissional, norteada pela relação teoria/prática e

professor prever e perceber as dificuldades que o

a pesquisa.

da

racionalidade

aluno poderá ter ao aprender o conteúdo.

Maldaner (2000, p. 45) resume o expresso

Conhecendo e dominando o conteúdo

por Tavares e Kullok quando afirma que a

específico, combinando-o com um conhecimento

universidade possui o contexto mais adequado

pedagógico desse conteúdo a ser ensinado

para conceber a formação dos professores para

e estabelecendo uma relação entre ele e os

todos os níveis de ensino. E ainda como forma de

objetivos do seu ensino, o professor estará

superação da formação apenas técnica, Maldaner

trilhando o caminho da racionalidade prática, pois

(2000), Tavares (2004) e Tardif (2002) comungam

também estará fornecendo novos significados

sobre a importante contribuição do professor

ao conhecimento específico quando exposto à

pesquisador na sua própria formação por meio de

realidade e necessidades escolares. Maldaner

parceria com os professores universitários.

(2000), Kullok (2004) e Tavares (2004) também

De acordo com Tardif (2002), a formação

concordam com essa orientação quando defendem

para o magistério deve ser repensada considerando

que a formação inicial reflexiva e prática deve

os saberes dos professores da educação básica,

ocorrer em nível superior nas universidades.

que ele denomina professores de profissão, e as

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Fábio Adriano Santos da Silva

realidades específicas de seu trabalho cotidiano, na busca por uma articulação e equilíbrio entre

superar esses obstáculos, pergunta-se: como está a Licenciatura em Química da Universidade

os conhecimentos produzidos nas universidades

Estadual de Feira de Santana – UEFS?

a respeito do ensino e os saberes desenvolvidos pelos professores em suas práticas cotidianas. E complementa dizendo que reconhecer que os professores de profissão são sujeitos do conhecimento é reconhecer, ao mesmo tempo, que deveriam ter o direito de dizer algo a respeito de sua própria formação profissional. Maldaner (2000) explicita essa observação de Tardif ao estabelecer um elo com a pesquisa em educação. Segundo ele, entre os pesquisadores educacionais, principalmente aqueles envolvidos diretamente com a formação de professores, cresce a convicção de que a pesquisa educacional deve ser realizada com a participação do próprio professor, tanto na formação inicial quanto continuada. Pereira (1999 apud Tavares, 2004) observa essa orientação antes de Maldaner ao afirmar que a universidade cumpre sua função social ao formar o professor investigador, um profissional com postura interrogativa, que se revela um pesquisador de sua própria ação docente. Tavares (2004) acrescenta que ao retirar da universidade a formação do professor, o governo desconhece sua identidade como pesquisador [...] e percebe o professor como tarefeiro a quem compete realizar um conjunto de procedimentos preestabelecidos (p. 93).

E complementa ao afirmar que se o professor no seu processo de formação acadêmica não for incentivado a pesquisar mediará uma aprendizagem empobrecida tendo como preocupação o domínio dos conteúdos. A par dos obstáculos que existem e resistem como barreiras à formação de professores considerada adequada e das propostas para

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4. O

curso de licenciatura em Química da UEFS

Como orientações para formar adequadamente os professores que atuarão na educação básica, o parágrafo VII do art. 2º, Lei 6.775/09, cita a importância do projeto formativo nas instituições de ensino superior que reflita a especificidade da formação docente, assegurando organicidade ao trabalho das diferentes unidades que concorrem para essa formação e garantindo sólida base teórica e interdisciplinar.

O curso de Licenciatura em Química ofertado pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS foi implantado em 2011, tendo sua primeira turma ingressado no período 2011.1, com funcionamento no turno noturno sob regime semestral, oferta 30 vagas por semestre, carga horária de 3281 horas, duração de 4 anos e meio, funcionando dentro do Departamento de Ciências Exatas – DEXA, e está fortemente ligado aos documentos de ordem legal, dentre os quais destacamos o Parecer CNE/CP nº 9/2001, Parecer CNE/CES nº 1303/2001, Resolução CNE/ CP nº 1/2002, Resolução CNE/CP nº 2/2002, e Resolução CNE/CES nº 8/2002. Conforme se destaca no Projeto Pedagógico do Curso, a criação da Licenciatura Plena em Química é imperiosa para suprir uma carência em Feira de Santana e regiões circunvizinhas no que diz respeito à formação de professores de Química. O Curso de Licenciatura em Química destinado à formação de professores de Química para a rede pública e privada de ensino visa atender às necessidades do Estado da Bahia quanto à formação de professores licenciados para exercer


Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso

as funções de Magistério no Ensino Básico

aos componentes de ensino são reservados apenas

(Fundamental e Médio), bem como contribuir para

27,55% da carga horária.

atuar junto às Secretarias Estaduais e Municipais

Evidentemente, existem outros componen­

nas áreas de Ensino, Pesquisa, Extensão, além de

tes curriculares ligados às abordagens pedagógicas,

tentar mudar, ou pelo menos amenizar, o quadro

dentre os quais se destacam no plano as disciplinas

atual no qual um grande número de professores

pedagógicas gerais (didática, psicologia etc), com

sem formação em Química já atuam nas redes

330h, estudos sobre as diretrizes curriculares

pública e particular como professores sem

nacionais – DCN e trabalho de conclusão de curso,

formação específica.

com 195h, e o estágio supervisionado com 400h.

Segundo o Projeto Pedagógico do Curso, o

Os conteúdos pedagógicos situam-se no

licenciado em Química tem formação generalista,

contexto da formação para a docência, nos seus

sólida e abrangente em conteúdos dos diversos

campos próprios como psicologia da educação,

campos da Química, motivo pelo qual se justifica

currículo, avaliação, conhecimento socioantro­

a seleção criteriosa de profissionais com formação

pológico dos fundamentos da pedagogia, didática,

específica em Química, para atuar de acordo com

gestão e políticas de educação e história do

as legislações pertinentes, pautado em princípios

conhecimento pedagógico.

éticos e na realidade econômica, política, social

Por sua vez, os conteúdos das DCN’s

e cultural, e pode atuar como professor no ensino

para a formação de professores de Química

fundamental, médio e superior, além de pesquisa.

referem-se aos conteúdos de Química previstos

Devido às reformas propostas pelo MEC

pelos documentos do Conselho Nacional de

nos cursos de licenciatura, observou-se no Projeto

Educação e sistema MEC, sob crivo dos princípios

Político-pedagógico da Química Licenciatura da

da

UEFS a proposta de implantação de um curso

assinalados pela Resolução CNE/CEB nº 2/1998,

atento ao descrito na legislação em vigor, voltado

que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais

a proposta de formação reflexiva, alicerçada na

para o Ensino Médio, em que cabe naturalmente os

Racionalidade Prática. Essas orientações são

pressupostos para o ensino de Ciências da Natureza

facilmente observadas já no início do curso e

no segundo segmento do ensino fundamental

fortalecidas no decorrer deste, onde se destacam

(5ª à 8ª Séries). Sublinham-se as competências e

diversos

habilidades para o campo da Química, como base

componentes

curriculares

ligados

ao Ensino de Química, Estágios e Educação.

interdisciplinaridade

e

contextualização

para o estudo desses Conteúdos.

Contudo, também é possível verificar que o

Em relação aos conteúdos das Atividades

curso ainda está fortemente ligado à proposta

Práticas Pedagógicas de Química, destaca-se

de um bacharelado, o que pode comprometer a

a integração e relação com a formação para a

proposta da formação alicerçada na racionalidade

docência. Sendo esses conteúdos essenciais para

prática/reflexiva acerca da docência, haja vista a

o desenvolvimento de competências e habilidades

carga horária disponível no curso referente aos

com vista à formação do perfil do licenciando em

componentes curriculares de Química Específica,

química que se almeja.

que somam 1065h, contra apenas 405h de Práticas

Para fortalecer a formação do licenciando,

Pedagógicas de Química. Se fossemos considerar

são disponibilizados os componentes ligados ao

apenas os conhecimentos químicos do curso, tanto

Estágio Curricular Supervisionado. Os conteúdos

específico quanto pedagógicos, verificaríamos que

de Estágio Supervisionado são desenvolvidos a

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Fábio Adriano Santos da Silva

partir do início da segunda metade do curso. Este

27,55% dos conhecimentos químicos abordados

momento possibilita ao licenciando vivenciar a

no curso.

prática do professor pelo exercício direto.

Em levantamentos e leituras de artigos e

Entre outros objetivos, pode se dizer que

trabalhos diversos sobre a formação em Química

o estágio curricular supervisionado pretende

Licenciatura (Maldaner, 2000; Mizukami, 2002;

oferecer ao futuro licenciado um conhecimento

Rosa, 2004), observa-se que o profissional deve

real em situação de trabalho, isto é, diretamente

estar preparado para lidar com as particularidades

nas unidades escolares do sistema de ensino

do ensino desta disciplina; e nos últimos anos os

médio. É também um momento para se verificar e

educadores da área vêm refletindo sobre o que

provar a realização das competências exigidas na

significa o ensino de Química para formar cidadãos

prática profissional dos formandos, especialmente

e sobre a necessidade dos conhecimentos químicos

quanto à regência de classe.

na formação acadêmica dos indivíduos.

O estágio curricular supervisionado é um

16

A formação de professores da educação

modo especial de atividade de capacitação em

básica

serviço e que só pode ocorrer em unidades escolares

modificações visando formar uma categoria de

em que o estagiário possa assumir efetivamente o

profissionais com competências, habilidades e

no

Brasil

vem

sofrendo

grandes

papel de professor. Para preservação da integridade

atitudes para realizar um ensino de qualidade e

do projeto pedagógico da escola que recepciona o

atender ao proposto nas linhas acima; situação

estagiário, exige-se que o tempo supervisionado

bem diferente daquela do Brasil de algumas

não seja fragmentado e sim contínuo. Nesse

décadas atrás, onde professor era todo aquele que,

sentido, é indispensável que o estágio curricular

por vocação ou necessidade, se dedicava a ensinar,

supervisionado, tal como proposto na LDB e

com ou sem preparação específica prévia. Todavia,

suas medidas regulamentadoras posteriores, se

essa proposta de formação não conseguiu ainda

consolide a partir dos semestres finais do curso de

ser aplicada nos cursos conforme Silva (2010),

graduação como coroamento formativo da relação

em estudo sobre as contribuições do laboratório

teoria e prática, conforme se descreve no Projeto

de química na formação dos licenciandos em

Pedagógico da Licenciatura em Química da UEFS.

Química, e apesar de sua recente implantação

Apesar de toda estruturação referente à

e da busca para atender a legislação em vigor,

formação de professores de química no tocante à

a Licenciatura em Química da UEFS parece já

docência, ao final, vemos que as cargas horárias

enfrentar esse mesmo obstáculo.

de conhecimentos específicos (Químicos, Mate­

Contudo, mesmo frente ao quadro atual,

máticos, Físicos e Geocientíficos) somam 1681h,

a busca por uma formação mais adequada na

o que disponibiliza para as disciplinas de cunho

Licenciatura em Química da UEFS já tiveram

pedagógico geral e de ensino de química 1600h

início: a adaptação dos componentes curricu­

da carga horária total do curso, o que representa

lares a um curso mais direcionado à formação de

48,75% da carga horária total.

professores (se compararmos com as propostas

Esse percentual representa menos da

anteriores à legislação em vigor), a proposta de

metade da carga horária da licenciatura, contudo

contratação de professores da área de Ensino

é bem maior que o percentual de componentes

de Química (descrita no projeto do curso), a

pedagógicos voltados ao conhecimento apenas

implantação de grupos de pesquisa em Ensino

de química, que vimos acima representar apenas

de Química, a participação e envolvimento dos

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Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso

licenciandos no desenvolvimento de atividades

incessante, constante e aparentemente objetiva

acadêmicas ligadas à formação de professores e

para oferecer uma formação mais ampla, rica e

ensino de química são indícios de que se busca

que atenda as necessidades atuais. A formação em

fortalecer um curso ligado realmente à Licencia-

Química Licenciatura não poderia estar fora dessa

tura e à formação reflexiva, conforme proposto

busca.

pelos estudos teóricos levantados, com destaque

Pesquisas, trabalhos em nível de graduação,

a Shön (1992), Maldaner (2000) e Mizukami

mestrado e doutorado, seguidos de apresentações e

(2002).

publicações em revistas e anais específicos, além

O conjunto das propostas apresentadas no

de livros sobre o tema comprovam a crescente

Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em

demanda para aperfeiçoar a formação nos cursos de

Química da UEFS citadas até o momento supõe

licenciaturas por parte dos teóricos em educação.

que a formação do licenciando dará competências

A promulgação de pareceres, resoluções, decretos

e habilidades para orientar e mediar o ensino

e leis, por sua vez, retratam a resposta por parte

visando à aprendizagem do aluno (nas escolas),

do governo em melhorar a qualidade do ensino e

e comprometendo-o com o sucesso dessa

formação de professores.

aprendizagem, buscando meios de contextualizar

No que remete a formação em Química

as aulas e atendendo as especificidades de cada

Licenciatura pela UEFS, vê-se a busca, ainda em

etapa e modalidade da educação básica e de

fase inicial e teórica, pela formação do profissional

cada área de conhecimento, principalmente o

de Educação em Química reflexivo, a partir da

conhecimento das Ciências da Natureza.

implantação de um Projeto Pedagógico do Curso

A preparação para o exercício profissional,

que deseja voltar-se a favor da Racionalidade

assim, considera a aprendizagem como processo

Prática, sendo esse plano pedagógico guia e

de construção de conhecimentos, habilidades e

norteador da formação que se almeja desde a

valores, em que ocorre interação com a realidade e

criação do curso de Licenciatura em Química da

com os demais indivíduos, num processo de ação-

UEFS, na qual se deseja acabar com a dicotomia

-reflexão-ação no qual o Licenciado em Química

que sempre esteve presente nos cursos de

deve adquirir competências e habilidades na

Licenciatura: a separação da teoria e prática, e da

área específica da Química, bem como na área

formação específica e pedagógica.

pedagógica, desenvolvendo esta formação para

No entanto, vemos a forte influência

exercer a profissão de professor e continuamente

da concepção de um curso direcionado aos

explorar esses conhecimentos para obter bons

conhecimentos específicos, haja vista a elevada

resultados nas escolas de Educação Básica,

carga horária em Química frente àqueles de Ensino

primando pela formação de cidadãos.

desta ciência. Dessa forma, observamos a necessidade de se avaliar constantemente a evolução do curso,

5. Considerações

finais

verificando os pontos positivos e as carências do curso, e reorganizando a proposta e organização

Observa-se que muitas são as discussões

curricular com o objetivo de oferecer um curso

sobre a formação de professores e muito mais

inicial atento não apenas aos pressupostos

tem a ser discutido. Todavia, os caminhos ainda

legais como obrigação, mas como meio para

obstruídos por muros e pedras demonstram a busca

disponibilizar aos licenciandos uma formação

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Fábio Adriano Santos da Silva

inicial que lhes dê a oportunidade de iniciar as discussões acerca da formação crítica e cidadã

simples reprodução daquilo que está posto.

KULLOK, Maísa Gomes Brandão. Formação de professores: política e profissionalização. In: MERCADO, Luis Paulo Leopoldo; KULLOK, Maísa Gomes Brandão (orgs.). Formação de professores: política e profissionalização. Maceió: EDUFAL, 2004. pp.13-22.

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BRASIL. Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009. Institui a política nacional de formação de profissionais do magistério da educação básica, disciplina a atuação da coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior – CAPES – no fomento a programas de formação inicial e continuada, e dá outras providências. Diário Oficial da União de 30 de janeiro de 2009. _______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. _______. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o plano nacional de educação e dá outras providências. _______. Parecer CNE/CP nº 9, de 8 de maio de 2001. Trata das diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. _______. Parecer CNE/CES nº 1.303, de 6 de novembro de 2001. Diretrizes curriculares nacionais para cursos de química, bacharelado e licenciatura. _______. Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de fevereiro de 2002. Institui as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. _______. Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação plena, de formação de professores da educação básica em nível superior. _______. Resolução CNE/CES nº 8, de 11 de março de 2002. Estabelece as diretrizes curriculares para os cursos de bacharelado e licenciatura em Química. GASPARI, Alexandre Rodrigues. A formação de professores de química em curso de licenciatura.

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2008. 86 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências). São Paulo: Universidade de São Paulo.

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Artigo 02 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011

p. 19-26

Uma Reflexão Sobre a Formação Didática do Professor de Química A Reflection on the Didatic Training of the Chemistry Teacher Puêbllo José Gomes Cruz1 Aldejaíse Cunha de Azevedo Ana Beatriz de Medeiros Simões Jackson da Silva Santos e Ilton Sávio Batista Martins

Resumo

Este artigo possibilita a reflexão sobre a significativa importância da didática na formação do professor de Química, em que o profissional tem que ter algumas competências e conhecimentos didáticos essenciais para o exercício da docência, mantendo uma visão crítica em relação à estrutura curricular dos cursos de formação, nos quais sobressaem as disciplinas específicas, enquanto as pedagógicas acabam esquecidas em detrimento da falta de valorização das mesmas. Domínio de conteúdo não fará do licenciando um bom profissional, se este não souber como lidar com os seus alunos no dia a dia, criando métodos de ensino e sendo capaz de observar as dificuldades destes e, juntos, tentarem amenizar as demais situações. Esse conhecimento apenas a disciplina didática irá proporcionar. Além de dominar o conteúdo lecionado o professor deverá possuir domínio sobre todas as técnicas de trabalho como também a troca de conhecimentos com os alunos. Um problema que nos preocupa é a evasão dos alunos do curso de licenciatura em química, que com a ausência de licenciados abrem-se portas para outros profissionais desta área. Estes não possuem, na maioria das vezes, competências didáticas, as que ocasionam a difícil compreensão dos conteúdos. A ausência da disciplina didática nos cursos de licenciatura em química prejudica a prática docente dos futuros professores. Palavras-chave: Didática. Química. Processo ensinar-aprender. 1

Instituto Federal do Rio Grande do Norte - Campus Currais Novos. E-mail: puebllojose@hotmail.com


AbSTRACT

This article offers a reflection on the significant importance of teaching in the formation of the teacher of Chemistry, in which he has to have some teaching skills and essential knowledge to the practice of teaching, maintaining a critical view regarding the curriculum of training courses, in which stands the specific disciplines as, on the other hand, teaching is kept aside over the lack of appreciation of the same. Content domain will not make a good professional licensing, if it does not know how to deal with their students daily, creating teaching methods and being able to observe those difficulties and, together, they try to soothe the other situations. This knowledge alone will provide didactic discipline. Besides the mastering of the content taught, the teacher should have dominion over all the technical work as well as the exchange of knowledge with students. One problem that concerns us is the escape of students of bachelor in chemistry, which with the lack of undergraduates opens up doors for other professionals. These have not, in most cases, teaching skills which cause the hard understanding of the contents. The lack of discipline in teaching undergraduate courses in chemistry undermine the teaching practice of future teachers. Key-words: Teaching. Chemistry. Teaching-learning process.

1. Introdução

A formação do professor para o ensino superior tem sido alvo de constantes discussões e preocupações, tornando-se preponderante o fato de muitos professores iniciarem suas atividades profissionais com poucos conhecimentos didáticos. A formação do profissional professor requer algumas competências e conhecimentos didáticos básicos e essenciais para o exercício da docência. Além do domínio do conteúdo, é preciso se possuir, também, o domínio dos métodos e técnicas do trabalho que se realiza, além de uma interação de troca com os alunos, mantendo, no processo de ensinar e aprender, uma relação de cumplicidade e de respeito. Sabemos, também, que a evasão de alunos do curso de licenciatura em química é outro problema real, em que com a ausência de licenciados abrem-se as portas das salas de aula para outros profissionais da área de Química, como engenheiros, bacharéis etc., os quais não possuem, na maioria das vezes, competências didáticas, ocasionando na difícil compreensão dos conteúdos por parte dos alunos. A didática insere nesse processo um importante papel como elemento estruturante do

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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

seu método, ora estudando, retomando, discutindo ou fazendo adaptação entre a teoria e a prática. Todo processo de formação de educadores especialistas e professores – inclui necessariamente componentes curriculares orientados para o trata­ mento sistemático do “que fazer” educativo, da prática pedagógica. Entre estes, a didática ocupa um lugar de destaque (Candau, 2001).

Dentro do processo de formação, a didática limita-se aos seguintes componentes básicos: o educador, o método a que se recorre, o educando, a matéria que se ensina e os objetivos a atingir para que se eduque. Luckesi (2001) afirma que a didática destina-se a atingir um fim: “a formação do educador”, que não se restringe apenas à escola, como também em todos os processos de aprendizagem estruturados num projeto histórico que manifesta as aspirações e o processo de crescimento de desenvolvimento do povo, onde a ação pedagógica não poderá ser então, um “quefazer neutral”, mas um “quefazer” ideologicamente definido.


Uma Reflexão Sobre a Formação Didática do Professor de Química

Todo educador deverá exercer as suas

2. Procedimentos

atividades consoante as suas opções teóricas, ou seja, uma opção filosófica-política pela opressão ou pela libertação; uma opção por uma teoria do conhecimento norteadora da prática educacional, pela repetição ou pela criação de maneiras de se compreender o mundo. Dessa forma, a prática educacional é vista como uma ação comprometida, ideológica e efetiva, capaz de formar o educador, criando condições para que ele se prepare filosoficamente, cientificamente e tecnicamente para que sirva de base efetiva ao tipo de ação que vai exercer fazendo-o reconhecer que um educador nunca estará definitivamente pronto, ao contrário, é o fazer do seu dia a dia que o tornará apto a

metodológicos

Do ponto de vista da forma de abordagem, o trabalho classifica-se como qualitativo, pois não requer o uso de métodos e de técnicas estatísticas. Quanto aos objetivos mais gerais, essa pesquisa qualifica-se como exploratória. No que diz respeito aos procedimentos técnicos, o estudo é classificado como bibliográfico, pois é elaborado, principalmente, por meio de livros, artigos de periódicos e materiais disponibilizados na internet com a observação dos seguintes parâmetros: a prática pedagógica do professor de química; adidática da química e a formação do professor; o ensino de química – uma preocupação atual.

meditar a teoria sobre a sua prática, fazendo-o compreender, globalmente, o seu objeto de ação, pois aprendemos bem aquilo que praticamos e teorizamos. Sobre a questão de que o educador deva reconhecer que nunca estar devidamente pronto, disse Freire (1977): Aqui chegamos ao ponto de que talvez devêssemos ter partido. O do inacabamento do ser humano. Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é própria da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento.

Objetiva-se, com este artigo, discutir a necessidade da disciplina da didática nos cursos de licenciatura em química, e como sua falta pode prejudicar a prática docente dos futuros professores. É missão dos educadores prepararem as novas gerações para um mundo em que terão de viver o que inclui se produzir conhecimentos e se proporcionar um ensino de qualidade com aprendizagens

significativas,

que

servirão

tanto para a vida pessoal, quanto para a vida profissional.

3. A

prática pedagógica do professor de Química Com relação ao ensino de química, Cardoso

e Colinvaux (2000) dizem: O estudo da química deve­se principalmente ao fato de possibilitar ao homem o desenvolvimento de uma visão critica do mundo que o cerca, podendo analisar, compreender e utilizar este conhecimento no cotidiano, tendo condições de perceber e interferir em situações que contribuem para a dete­ rioração de sua qualidade de vida. Cabe assinalar que o entendimento das razões e objetivos que justificam e motivam o ensino desta disciplina, poderá ser alcançado abandonando­se as aulas baseadas na simples memoriza­ ção de nomes de fórmulas, tornando­ ­as vinculadas aos conhecimentos e conceitos do dia­a­dia do aluno.

Portanto, é uma prática na qual podemos falar de uma Educação Química, que valorize

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Puêbllo José Gomes Cruz et al.

a construção do conhecimento pelo aluno e o processo

ensino-aprendizagem

intimamente

relacionado ao cotidiano, objetivando a formação de um cidadão para viver e atuar na Sociedade do Conhecimento. Assim, julga-se importante e necessário se tomar como objetivo de estudo da pesquisa a prática pedagógica do professor de Química do Ensino Médio. Para tanto uma questão fundamental se colocou: estariam esses professores desenvolvendo uma prática na perspectiva de articulação do conhecimento prévio do aluno com o conteúdo proposto pela Química? Segundo Chassot (2003): O discurso dos professores de Química parece se distinguir pela natureza hermética de seu conteúdo. O conhecimento químico, tal como é usualmente transmitido, desvinculado da realidade do aluno, significa muito pouco para ele. A transmissão-aquisição de conceitos de Química usa um discurso recontextualizado, que não é originado da prática dos professores que o usam na escola secundária, mas que foi produzido na distante Universidade.

Com isso, além do discurso descon­

a sensação de terem sido seduzidos pela academia e

textualizado, um dos fatores relevantes que levam

depois abandonados por ela.

os professores para a desconectividade do discurso

Para superar essa dicotomia presente na formação do professor, Marques (1992) propõe a introdução de novas categorias de disciplinas para que a formação científica e a formação do educador se complementem num processo de tessitura. Dentre as disciplinas ele destaca práticas de ensino, didáticas especiais e instrumentalização para o ensino. Por isso, é necessário se investir na for­ mação do professor para que os profissionais realmente articulem a teoria com a prática e o seu desejo de mudança não fique somente no discurso.

com a prática, é a formação que eles têm na universidade. A análise da prática pedagógica dos pro­ fessores de Química do Ensino Médio mostra uma contradição entre o que dizem e o que fazem. Alguns professores têm um discurso mais avan­ çado, refletinfo o desejo de se fazer uma prática mais avançada, porém, devido à falta de recursos e ou conhecimentos, suas ações são limitadas. Uma explicação para esse descompasso encontra-se

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professores, distante, muitas vezes, da realidade de suas salas de aula. Além disso, na maioria das vezes, as disciplinas de formação da área específica se dão de forma desarticulada das disciplinas pedagógicas. A estrutura curricular dos cursos de formação, muitas vezes, as coloca como dois blocos isolados. Acresce-se a isto o fato desses professores experimentarem certo tipo de relação pedagógica com seus professores, centrada no eixo da transmissão-assimilação de conteúdos, ainda que críticos. A propósito, Freire (1987) afirma que:“nós internalizamos as velhas formas tradicionais de ensino”. Essas formas podem estar relacionadas com os cursos de Formação de Professores de Química, nos quais os currículos estão calcados na racionalidade técnica derivada do positivismo e que tendem a separar o mundo acadêmico do mundo da prática. Nessa perspectiva, Schön (1992) lembra que esses currículos procuram proporcionar um conhecimento básico sólido no início do curso, com subsequentes disciplinas de ciências aplicadas desse conhecimento para, finalmente, chegarem à prática profissional, com os diferentes tipos de estágios. Nas palavras do autor: os profissionais têm

na

formação

acadêmica

desses

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Uma Reflexão Sobre a Formação Didática do Professor de Química

4. A

didática da Química e a formação de professores A literatura em didática indica que a

necessidade do docente de conhecer o conteúdo a ser ensinado ultrapassa o que é habitualmente contemplado nas disciplinas específicas, implicando conhecimentos profissionais rela cionados à história e à filosofia das ciências, às orientações metodológicas empregadas na construção de conhecimento, às interações ciência-tecnologia-sociedade-meio ambiente e às limitações e perspectivas do desenvolvimento científico. Dessa maneira, entende-se que: são esses conhecimentos que podem embasar um processo de ensino no qual o conteúdo não venha a ser abordado como pronto, verdadeiro, estático, inquestionável, neutro e des­ contextualizado social, histórica e culturalmente (Schnetzler, 2002b).

Então, no seio da didática, compreendeu-se a necessidade dos professores participarem da construção de novos conhecimentos didáticos. A estratégia potencialmente mais adequada

educação básica e professores universitários. Através dessas parcerias seria possível sugerir e discutir possibilidades de melho ria do ensino de química (ou de ciências, de forma geral), disponibilizando-se recursos didáticos apresentando-se propostas e projetos de ensino diferenciados. Assim, sugere Schnetzler (2002a): docentes universitários precisam viabi­ lizar, tornar acessíveis, de forma útil e substantiva aos professores, inúmeras contribuições epistemológicas e teóri­ co­metodológicas de pesquisas na área de Educação em Ciências.

Entre as ações possíveis dessas parcerias, Schnetzler (2002a) indica o desenvolvimento de: [...] propostas e recursos didáticos alternativos para o ensino médio de Química, possibilitando aos professores participantes o conhecimento de organi­ zações conceituais relacionadas a temas de vivência dos alunos, com articulações teórico­práticas e com propostas de exercícios e questões mais adequadas à promoção de aprendizagem significativa dos alunos.

para que os professores se apropriem dos resulta-

Em relação à Química, a produção de

dos da investigação didática e assumam as pro-

material didático por grupos de investigação

postas curriculares que daí derivam, consistiria

em didáticas das ciências, com a colaboração

em impli car os mesmos na investigação dos

de professores da escola básica que aplicam as

problemas de ensino/aprendizagem das ciências

propostas didáticas, pode ser encontrada, também,

que se apresentam na sua atividade docente. É

em trabalhos, artigos em GEPEQ – Grupo

claro que não se trata de cada professor ou grupo

de Pesquisa em Educação Química (1995), e

de professores terem de construir, isoladamente,

pesquisas como Santos e Mól (1998) e Mortimer

todos os conhecimentos didáticos elaborados pela

e Machado (2002).

comunidade científica, o que se pretende é propor-

Portanto, Schnetzler (2000a) e Cachapuz

cionar aos professores: o apoio e a reflexão necessária

et al. (2001) defendem que os professores

para que participem na reconstrução e na apropriação

chamem para si, através do diálogo com os seus

desses conhecimentos (Cachapuz et al., 2001). Nesse

pares e com os investigadores (universitários),

sentido, é estratégia para a formação continuada

maiores responsabilidades pela construção da

de professores da escola básica a constituição

sua identidade. Ou seja, que se desenvolva uma

de parcerias colaborativas entre professores da

perspectiva de professor-investigador.

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Puêbllo José Gomes Cruz et al.

5. O

ensino de Química: uma preocupação atual A investigação sobre o Ensino de Química

pode ser considerada recente. Na década de 1980, no Brasil, começaram a ser desenvolvidos vários projetos que tinham como objetivo melhorar o ensino de ciências, dentre eles, o ensino de Química. Krasilchik (1987), por sua vez, caracterizou os pesquisadores na área de educação em Química como “educadores em ciência”. Cada vez mais os educadores químicos estão se reunindo e formando grupos de estudo, vinculando pesquisadores de várias instituições de nível superior de ensino, como, por exemplo: UFRJ; UFGO; Universidade de Aveiro (Portugal); Unisinos (RS); UFSM (RS); UFMG; UERJ; Unijuí (RS); Unicamp; FURG (RS); PUCRS; UnB e Unimep (SP), com o objetivo de promover pesquisas com propostas inovadoras de ensino na área de Química – independentemente do grau de ensino a que se destinam – debates sobre o ensino e educação em Química (UNI revista – Vol. 1, n° 2: abril 2006). Isso mostra que os professores estão procurando fortalecer a luta por uma educação de melhor qualidade desde há muito tempo e de forma mais organizada e consensual, a partir da década de 1980. Nessa história recente, registram -se vários estudos voltados para a Educação em Química veiculados em livros, artigos e também em eventos científicos da área. A preocupação em se buscar um ensino de Química mais articulado com a prática social, tem sido, assim, uma constante entre os estudiosos da área. Nos dias atuais, portanto, o ensino da Química deve se voltar para a formação de cidadãos conscientes e críticos. Chassot (1990) explica o porquê: A Química é também uma linguagem. Assim, o ensino da Química deve ser um facilitador da leitura do

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mundo. Ensina­se Química, então, para permitir que o cidadão possa interagir melhor com o mundo.

Através de uma nova organização do trabalho pedagógico, orientado por uma metodologia progressista, talvez seja possível se ter uma aceitação diferente por parte dos alunos, como observa Chassot, tornando o ensino inserido na realidade. É também importante que o perfil do professor dessa área de ensino seja redimensionado, pois: Poucos de nós somos experientes o suficiente para romper drasticamente com nossos velhos hábitos de ensino e aprendizagem. Nós ‘internalizamos’ as formas tradicionais, a velha arquitetura da transferência de conhecimento, os hábitos autoritários do discurso professoral em sala de aula (Freire; Schor, 1996).

Como ponto de partida, o trabalho docente implica num processo teórico-metodológico que seja articulado a uma concepção pedagógica que supere a dicotomização entre teoria e prática, pois, como afirma Vázquez (1990) a teoria depende da prática na medida em que a prática é fundamento da teoria e, como propõe Morin (2000), ao se defender

a incorporação dos problemas cotidianos ao currículo e a interligação dos saberes.

6. Considerações

finais

Conforme mostrado nesse trabalho, percebe-se ser de suma importância a implantação das disciplinas didáticas no curso de Licenciatura em Química, pois isso se faz necessário ao melhor desenvolvimento do ensino e da aprendizagem. Mostrou-se, ainda, que dominar os conteúdos não implica na produção de um trabalho eficiente, pois isso é apenas um dos elementos essenciais.


Uma Reflexão Sobre a Formação Didática do Professor de Química

O professor precisa ter consciência da utili­ zação da afetividade para com os alunos, fazer uso de recursos metodológicos, planejamentos, compreender o processo de avaliação e tudo o que for necessário para o desenvolvimento do seu trabalho. É preciso uma boa interação com a disciplina de didática para que, com as técnicas adquiridas, os assuntos cheguem aos alunos de forma simples e agradável, de maneira que eles percebam a sua utilidade e o seu significado. Porém, sabemos que a realidade é totalmente contrária, pois a disciplina não recebe seu devido valor nas salas de aula, o que acarreta em uma má compreensão por na parte dos licenciandos, gerando o abandono do curso de química e, por sua vez, abrindo portas das salas de aula para bacharéis, engenheiros etc., agravando mais a situação, pois, em sua maioria, estes não possuem nenhum treinamento pedagógico. Espera-se que o presente trabalho venha contribuir de maneira significativa para a for­ mação dos licenciandos e possibilitar a reflexão dos licenciados em química, tendo em vista as necessidades e as demandas atuais, o que, certamente, se refletirá na prática cotidiana das escolas. A partir de todas essas considerações é possível se perceber as implicações pedagógicas relativas às questões envolvidas nesse trabalho. Algumas questões são importantes em um momento de redefinição do trabalho pedagógico dos professores, quando estas possam servir para futuros trabalhos e/ou futuras reflexões, tais como: Onde deve ocorrer a formação do professor de química? Que tipo de formação esse professor necessita para atuar no mundo moderno? Os alunos das licenciaturas estão aptos para atuarem no mercado profissional, após saírem da universidade? Porque muitos professores praticam a forma mais tradicional de ensino? O que os leva a ficar nesta estagnação?

REFERÊNCIAS CACHAPUZ, A. et al. A emergência da didática das ciências como campo específico do conhecimento. Revista Portuguesa de Educação, v. 14, n. 1, p. 155‑195, 2001. CANDAU, V. M. Direitos Humanos, violência. In: CANDAU, V. M. (Org.). Reinventar a escola. Petrópolis: Vozes, 2001. CARDOSO, S. P.; COLINVAUX, D. Explorando a motivação para estudar química. Química Nova, Ijuí, 2000. CHASSOT, A. A educação no ensino de química. Ijuí: UNIJUÍ, 1990. _______. Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. 3. ed. Ijuí: UNIJUÍ, 2003. FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. (12ª Edição: 2002) _______. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. _______.; SHOR, I. Medo e ousadia: cotidiano do professor. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. INSTITUTO DE QUÍMICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Grupo de pesquisa em educação química. Disponível em: <http://gepeq.iq.usp.br/>. Acesso em: 15 set. 2011. KRASILCHIK, M. O professor e o currículo das ciências. São Paulo: EPU, 1987. LUCKESI, C. C. Filosofia da educação. São Paulo: Cortez, 2001. MARQUES, M. O. A formação do profissional da educação. Ijuí: UNIJUÍ, 1992. MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000. SCHNETZLER, R. P. A pesquisa em ensino de química no Brasil: conquistas e perspectivas. Química Nova, supl. 1, p.14-24, 2002. SCHÖN, D. A. Formar professores profissionais reflexivos. In: NÓVOA (Org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992. TREVISAN, T. S.; MARTINS, P. L. O. A prática pedagógica do professor de química: possibilidades e limites. UNIrevista, v. 1, n. 2, abr. 2006. Disponível em: <http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_ Trevisan_e_Martins.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2011. VÁSQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

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Artigo 03 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011

p. 27-44

A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1 The evolution of chemistry language and the use of animations in teaching Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho1

Resumo

O uso de uma linguagem própria, em qualquer área do conhecimento, é de fundamental importância. Ela permite que os profissionais se comuniquem de maneira apropriada e que as ideias sejam difundidas entre as pessoas. No caso específico da Química, a linguagem utilizada deveria permitir que se conseguissem difundir ideias acerca daquilo que não se enxerga, sem deixar dúvidas quanto ao seu significado. No ensino/aprendizagem de orbitais atômicos o entendimento é distorcido pela dificuldade de se representar aquilo que se está imaginando. Neste trabalho descrevemos a utilização do software BLENDER® para a aquisição de representações dos orbitais atômicos em 3D, bem como para a produção de animações a partir dessas imagens com a finalidade de eliminar distorções conceituais no modelo do orbital atômico. Palavras-chave: Animações. Linguagem química. Orbitais atômicos. Abstract

The use of a specific language in any area of the knowledge is of fundamental importance. It enables the appropriate communication between professionals and the convenient diffusion of ideas among them. In the case of Chemistry the language must enable the diffusion of ideas about the things the eyes can´t see, without misunderstandings about their meanings. In the teaching/learning of atomic orbitals the understanding is distorted in view of the difficulty to represent 1

Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Química, Campinas – SP. E-mails: m770596@hotmail.com e pfaria@iqm.unicamp.br


the things we are imagining. In this work we describe the use of BLENDER® software in the construction of 3D atomic orbitals representation, as well as animations production from these images, trying to avoid the normal conceptual distortions on the atomic orbital model. Key-words: Animations. Chemistry language. Atomic orbitals.

1. Introdução

numa tentativa de mostrar aos alunos a importância

Outra estratégia muito utilizada por professores de Química é a exploração de filmes, exibidos nos cinemas ou na televisão, em que tenta enfatizar a importância do conhecimento químico para o entendimento de partes ou da totalidade do filme. Entretanto, infelizmente, essas estratégias nem sempre são bem sucedidas porque os filmes não foram feitos para essa finalidade e a associação de imagens a algum conceito de Química fica muito dependente da interpretação pessoal do professor. Independentemente da estratégia utilizada pelos professores de Química, na busca por estratégias que facilitem o seu aprendizado, verifica-se que a busca por imagens ou visualizações tem se intensificado ao longo do tempo. Se os átomos são invisíveis ao olho humano, a busca por representações do mesmo sempre foi muito intensa e, por isso, ele já tomou os mais variados aspectos e formas. O maior argumento utilizado pelos professores de Química para enfatizar a dificuldade encontrada nas aulas desta disciplina, sempre foi a falta da capacidade de abstração, demonstrada pelos alunos do ensino médio. Sob esse aspecto, comenta-se que nem sempre o aluno consegue imaginar o que o professor está dizendo, ao mesmo

do conhecimento químico na vida das pessoas.

tempo em que o professor não sabe o que o aluno

O desafio de tornar o aprendizado de Química mais fácil para os alunos sempre acompanhou os professores dessa disciplina. Nesta busca por uma maior facilidade, desenvolveram-se fórmulas mnemônicas, músicas, jogos, desenhos e os mais diversos artifícios que permitissem ao aprendiz associar o conteúdo de Química a alguma coisa que lhe fosse familiar. Se a intenção dos professores era das melhores, o mesmo não acontecia com os resultados alcançados. E, com isso, o ensino de Química, particularmente no nível médio, foi se tornando cada vez mais distorcido e dependente das facilidades imaginadas pelos professores que atuam nesse nível. Ao longo do tempo, muitos recursos foram incorporados às aulas de química; as demonstra ções experimentais passaram a ser utilizadas mesmo em sala de aula, ao mesmo tempo em que jogos e gincanas educacionais passaram a fazer parte da rotina das escolas. Além disso, muitos professores passaram a comentar notícias veiculadas nos diver sos meios de comunicação para explorar algum conceito de Química. Isso sempre foi feito para aproximar o conteúdo dessa disciplina ao cotidiano dos alunos,

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A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1

está imaginando. Fatalmente, essa situação acaba

checagens e não mais para experimentações ou

levando às distorções do conhecimento, que são

tentativas. Em outras palavras aquele estereótipo

muito difíceis de serem corrigidas posteriormente.

do passado chega a ser folclórico nos dias de hoje.

Uma maneira de se minimizar essa

Com relação ao ensino de Química

dificuldade encontrada pelos professores seria se

praticado em todos os níveis, podemos dizer que

aprimorar as representações utilizadas nas aulas

também houve uma mudança radical de postura,

de Química. Atualmente, diante dos recursos

tanto de professores quanto de aprendizes. O

disponibilizados pelo avanço da informática,

giz, a lousa e o papel perderam lugar para os

aliado à sua inserção nas diferentes áreas

computadores e as pesquisas online na internet.

do conhecimento, esse aprimoramento das

A Química deixou de ser invisível e passou a se

representações parece ser cada vez mais possível

tornar, cada vez mais, visível, com a utilização

e factível. Entretanto, essa estratégia traz consigo

dos novos recursos de informática. E com isso, as

outra postura por parte dos profissionais, uma vez

aulas de laboratório foram deixando de despertar

que professores de Química nem sempre estão

o interesse e a curiosidade dos principiantes da

familiarizados com os recursos disponibilizados

Química, particularmente, no nível superior.

pela informática, ao mesmo tempo em que as

À medida que essas mudanças foram

pessoas que dominam esses recursos, fatalmente,

acontecendo, as habilidades requeridas dos

não têm o conhecimento químico necessário para

professores também foram mudando ao longo

bem empregá-los na melhoria do ensino dessa

do tempo. Eles, que sempre tiveram que se fazer

disciplina.

entender primeiro no papel e depois na lousa e nas transparências, agora se veem forçados a lidar com simulações e animações. Isso porque esses

2. Uma

reflexão sobre o ensino de química

recursos foram inseridos no cotidiano das pessoas de forma tão marcante e incisiva pelos meios de comunicação que, desde muito cedo, já se têm

Relembrando um passado não muito

certa familiaridade com os mesmos. E, com isso, o

distante, o estereótipo do pesquisador de Química

perfil dos alunos, tanto do nível médio quanto do

era o de um personagem mal cuidado, isolado em

superior, também mudou muito.

seu laboratório, buscando algo inimaginável para

Podemos constatar que, hoje, os profes-

a maioria das pessoas. Uma de suas características

sores, particularmente os de Química, vivenciam

era passar a maior parte de seu tempo tentando

a mesma necessidade que já se estabelecera em

e tentando. Muito provavelmente, de cada cem

outros tempos, ou seja, a de desenvolver uma

tentativas que eram levadas adiante, uma acabava

linguagem que atenda às necessidades e aos

indo de encontro à expectativa do pesquisador.

anseios dos alunos atuais, já familiarizados com os

Contrariamente a tudo isso, a situação atual é muito

recursos de informática. Esses jovens cresceram

diferente dessa. A evolução do conhecimento

acostumados a “enxergar” tudo: fotos da superfície

humano e dos recursos ao seu alcance tornou a

dos planetas, filmes das partes internas do corpo

postura do pesquisador de Química muito diferente.

humano, aspectos íntimos e transformações da

Ao invés de tentar, ele simula. E o laboratório é

matéria em detalhes etc. Esses alunos cresceram

o local onde ele passa apenas pequena parte de

assim e não podemos mudar sua natureza e muito

seu tempo, que é destinado, normalmente, para

menos fazer com que eles regridam em termos

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho

de recursos educacionais. Como fazer então

informática mais recentes em prol da melhoria do

para trazer esses novos recursos de imagem e

ensino em uma área do conhecimento específica,

movimento para o interior das salas de aula?

particularmente, a de Química.

Diferentemente

30

do

que

ocorrera

no

Atualmente,

estamos

diante

de

um

passado, temos hoje um verdadeiro arsenal de

contingente de alunos cada vez mais exigentes,

recursos técnicos, só que esses recursos não foram

ansiosos pela aplicação das novas tecnologias

desenvolvidos pensando-se em aulas de química.

e utilização do que existe de mais moderno no

Assim sendo, se os professores desejarem adequar

ensino. Nessa situação, podemos dizer que nos

e direcionar esses recursos para a melhoria de

encontramos em um cenário verdadeiramente

suas aulas, eles terão que aprender a utilizá-los e a

desafiador. Assim, o que podemos fazer para

adaptá-los às suas necessidades. Obviamente, isso

satisfazer os anseios desta nova geração de alunos?

requer um investimento precioso de um tempo que,

O que estamos buscando para melhorar o ensino

nem sempre, os professores dispõem. Na verdade,

de Química?

eles têm que aprender a superar suas dificuldades

Imaginamos que, baseados nos meios de

e empregar esses novos recursos para a produção

comunicação atuais, poderíamos criar uma nova

de material didático adequado e coerente com o

maneira de nos expressarmos, de modo que a

momento atual.

capacidade de abstração do aluno não fosse mais

No passado, os professores conseguiram

um fator limitante no aprendizado de química. Para

se adaptar muito facilmente ao retroprojetor e

eliminar um pouco a dependência da capacidade

desenvolveram a habilidade de produzir suas

de abstração do aluno, o recurso mais plausível

próprias transparências. Entretanto, atualmente, a

seria a utilização de imagens adequadas que não

situação é um pouco mais complicada porque os

distorçam os modelos consolidados no ensino

professores de química não tem o conhecimento

de Química, e que tornem o aprendizado mais

necessário para utilizar os recursos de informática e

acessível e prazeroso para os alunos. Obviamente,

os novos softwares que surgem a todo o momento.

atingir esses objetivos não é tarefa fácil de ser

Apesar dos recursos atuais estarem disponíveis,

executada.

em muitos casos, a toda a comunidade, serem

Um dos grandes obstáculos no início do

muito abrangentes e não terem uma finalidade

aprendizado de Química é a familiarização com

específica, eles requerem um conhecimento que

o invisível; átomos, moléculas, transformações,

está muito aquém da formação dos professores de

retículos cristalinos, organização espacial, etc.

química.

Tudo isso faz parte da linguagem utilizada na

Diante dessa situação, a atitude mais

comunicação entre instrutores e aprendizes, sendo

razoável seria buscar ajuda junto a profissionais

que, nem sempre, é possível para o instrutor

de outras áreas que, embora não tenham o

checar, inequivocamente, se a imaginação do

conhecimento químico apropriado, poderiam

aluno está sendo direcionada corretamente. Mas

auxiliar no emprego de alguma técnica ou recurso

como traduzir essas palavras em uma forma

específico. Essas parcerias são inevitáveis, pois

de representação que não dependa tanto da

é muito difícil, senão impossível, encontrar

imaginação do aluno?

profissionais que transitem facilmente nas várias

À primeira vista, a situação é muito

áreas do conhecimento e sejam potencialmente

alarmante porque o problema principal reside no

capazes de utilizar adequadamente os recursos de

professor e não no aluno. Como fazer com que

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A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1

o professor se familiarize com os novos recursos

iônico? Qual a finalidade de se fazer a distribuição

e os utilize para a melhoria de suas aulas e do

eletrônica se isso não passa de um exercício

entendimento dos alunos? Será que os professores,

numérico, totalmente artificial e sem nenhum

já no exercício de sua atividade, teriam que retornar

significado químico? Novamente, tal situação está

à universidade para aprender a utilizar esses novos

descrita em qualquer livro didático!

recursos? A universidade está preparada para atender a essa nova demanda? Uma

reflexão

mais

As questões colocadas no parágrafo anterior não são exemplos isolados de distorções

objetiva

remete

conceituais que se apresentam na maioria dos

todos os problemas à universidade, pois é lá

livros didáticos e repetidas, sistematicamente,

que o conhecimento é gerado e é lá o local mais

por professores e alunos de química. Em aulas

adequado para se testar e divulgar os novos

de química, tanto no nível médio quanto no

recursos educacionais que são gerados. Nesse

superior, é muito fácil perceber a dificuldade

sentido, a universidade deverá formar, neste

que os alunos têm para representar os átomos e

novo milênio, profissionais que, além de ter um

expor o seu entendimento sobre os mesmos. Além

domínio aprimorado dos conceitos básicos de

disso, percebe-se também que as moléculas só são

Química, estejam perfeitamente adaptados aos

familiares aos alunos se letras são utilizadas para

novos recursos e às novas tecnologias aplicadas ao

representá-las e, finalmente, as reações químicas

ensino. Por essas razões, essa reflexão deve fazer

somente são entendidas quando representadas

parte do dia a dia da universidade, buscando uma

pelas correspondentes equações, que não deixam

maneira mais atual e eficiente de formar as novas

de ser algébricas.

gerações de professores. Uma

análise

cuidadosa

Aparentemente, muitas distorções con­ da

evolução

ceituais

estão

associadas

as

representações

do ensino de Química revela que, ao longo do

inadequadas desses conceitos; estas representações

tempo, muitos conceitos importantes foram

vêm sendo utilizadas desde os tempos de Bohr e

sendo, gradativamente, distorcidos, generalizados,

perduram até os dias de hoje, sem uma reavaliação

simplificados e, assim, foram perdendo o seu

crítica de seu significado. O que nos leva a crer

significado. É o que aconteceu, voluntária ou

que deveríamos aprimorar ou desenvolver uma

involuntariamente, no ensino de tópicos como

linguagem química que contemplasse desde

estrutura atômica, interações eletrostáticas ou

os aspectos mais fundamentais do ensino de

mesmo das transformações Químicas, dentre

química (átomos, moléculas e transformações)

muitos outros. Provavelmente, a tentativa de

até os assuntos de vanguarda de nossa época.

facilitar a transmissão do conhecimento acabou

Assim, imaginamos que deveríamos transmitir

levando a muitas distorções consolidadas nos

aos alunos de química do nível superior uma ideia

livros didáticos e de muito difícil correção. Seria

menos confusa e mais bem aprimorada, que lhes

possível convencer um professor que atua junto ao

permitisse formular um melhor entendimento

ensino médio que o cloreto de sódio que existe na

desses aspectos fundamentais. Em outras palavras,

natureza não se formou a partir da transferência de

as “imagens” formuladas acerca de orbitais

elétron do átomo de sódio para o átomo de cloro,

atômicos e moleculares, de como seria um retículo

mesmo que isso esteja escrito na maioria dos livros

cristalino organizado no espaço tridimensional

didáticos? Como convencê-lo de que o retículo

e de como seriam as interações entre moléculas,

cristalino é muito mais importante que o par

considerando-se

seus

orbitais

de

fronteira,

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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho

deveriam ser melhoradas e adequadas a um melhor

medicina e até mesmo pelas ciências humanas.

entendimento destes tópicos.

Na Química, isso não poderia ser diferente; se

A partir do momento em que o aluno tives-

soubéssemos utilizar adequadamente os recursos,

se uma ideia mais bem formulada desses tópicos

poderíamos representar as moléculas destacando

imaginamos que o seu aprendizado seria mais

todos os aspectos espaciais, tão importantes na

significativo e que ele acabaria sendo seduzido

definição de suas propriedades, e ainda poderíamos

pelo seu próprio entendimento. Isso o estimularia

imaginar os seus movimentos vibracionais muito

a continuar seus estudos, aprofundando seu

mais facilmente, se conseguíssemos representá-las

conhecimento agora sobre uma base melhor

tridimensionalmente.

estruturada. Estes comentários acabam nos ajudando a responder a questão inicial, ou seja, o que estamos procurando? Na verdade, estamos buscando uma maneira mais conveniente de representar tudo aquilo que dizemos aos alunos e não temos certeza se eles entendem da maneira como explicamos. A resposta mais adequada a esta pergunta seria: “estamos querendo desenvolver uma linguagem Química mais adequada, que permita ao aluno imaginar, de uma maneira mais contundente, os modelos atuais que utilizamos na transmissão do conhecimento químico”.

Essas e muitas outras observações nos remetem

a

uma

necessidade

em

comum

para melhorar todos esses aspectos, ou seja, necessitamos de uma representação tridimensional factível, tanto para átomos, quanto para moléculas e retículos cristalinos, que seja facilmente acessível e fácil de ser entendida. Além disso, se desenvolvidos primeiramente nas universidades e ali testadas junto a alunos do nível superior, essa postura já determinará, a priori, a maneira de pensar sobre essas espécies (átomos, moléculas e retículos cristalinos). Do ponto de vista pedagógico, isso significa que devemos partir do pressuposto de que os modelos do orbital atômico e do orbital molecular

Assim como em qualquer outra área do

sejam aqueles mais adequados para esboçarmos

conhecimento, os profissionais da Química têm que

nossas ideias e o nosso entendimento acerca de

criar códigos e maneiras representacionais para se

átomos e de moléculas. Em outras palavras, esses

comunicarem e se fazerem entender. Ao longo do

modelos serão as âncoras que utilizaremos para

tempo, os químicos foram capazes de desenvolver

produzir um modo representacional para átomos e

maneiras próprias de representar ideias, teorias e,

moléculas.

principalmente, as transformações de que se ocupam a maior parte do tempo. Na verdade, na medida em que o conhecimento químico foi evoluindo, os químicos se viram obrigados a reformular e atualizar cada vez mais a sua linguagem.

32

3. A

evolução da linguagem química O modelo do orbital atômico começou a ser

Atualmente, os recursos de informática

desenvolvido a partir de um conjunto de ideias que

permitem criar imagens em 3D que são muito

nos remetem a personagens muito importantes do

mais esclarecedoras que qualquer outro recurso

século passado, tais como Bohr, Einstein, Planck,

de imagem já utilizado pelo homem. Isso pode

De Broglie e Schroedinger. Naquela época, a

ser verificado em todas as áreas do conhecimento,

conclusão a que se chegava a partir das ideias desse

desde as engenharias, passando pela arquitetura,

grupo de cientistas, era a de que os constituintes

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A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1

da matéria poderiam ser interpretados de uma

Em outras palavras, a partir dessa época, a

maneira bem distinta, em relação a tudo o que já

linguagem ou simbologia passou a ser familiar

havia sido feito antes de 1920.

para os químicos e estudantes de Química,

Após um período inicial de readequação da interpretação da matéria, à luz dessas novas

decorrente, dessa maneira, de se pensar o elétron e o átomo.

propostas, houve a necessidade de se adaptar a

Se isso representou um avanço im­

linguagem utilizada para representar essas novas

pressionante para a ciência, acabou trazendo um

ideias acerca da matéria. Como o modelo adotado

grande problema para professores e aprendizes

para a interpretação do átomo passou a ser o

de Química, uma vez que não é fácil olhar para

modelo do orbital atômico, a imaginação ainda

uma representação e imaginar o seu verdadeiro

representava um componente significativo para

significado. Caso contrário, será que é fácil

se tentar representar aquelas ideias através de

imaginar cada uma das representações mostradas

esquemas e formas orientadas no espaço. Havia

na Figura 1 em um espaço tridimensional, em que

agora uma ideia muito clara e substanciada de que

existe a dependência de uma parte radial e uma

a associação de um comportamento ondulatório

angular, em que dois ângulos são necessários para

ao elétron era muito razoável. Entretanto, surgia

descrever cada uma daquelas formas? A resposta

aqui a necessidade de se representar essa ideia

é previsível, ou seja, para os principiantes, além

através de um esquema, uma figura, um diagrama,

de ser difícil assimilar a ideia do comportamento

ou seja lá o que for. As primeiras tentativas

ondulatório associado ao elétron, é mais difícil

reproduzidas na literatura são mostradas na

ainda se entender a representação da densidade

Figura 1 (Pauling, 1931).

de probabilidade, ainda que explicada com outros argumentos no início de nossa carreira. Mesmo assim, com toda essa dificuldade, foi dessa forma que no introduzimos nessa questão. Ainda que com uma boa dose de boa vontade de nossos professores, eles tentaram nos passar a ideia de que as formas mostradas na Figura 1 são,

Figura 1. Representações utilizadas por Linus Pauling, em 1931, em um dos mais famosos livros de Química. Trata-se das primeiras tentativas de se representar as orbitas s, p e d.

na realidade, contornos arbitrários e que em cada um daqueles contornos existe apenas uma parte importante e que realmente tem significado. Além disso, deveríamos fazer o possível para imaginar, não cada uma daquelas formas independentemente,

Essas três representações aparecem, até hoje, nos livros didáticos, tanto nos direcionados

mas sim o conjunto daquelas representações, pois é ele que tem significado.

para o nível médio quanto nos utilizados no nível

Esse ensino ainda é praticado no mundo

superior. É inegável que qualquer profissional da

todo e traz consigo uma dose extra de dificuldade,

Química já reproduziu ou utilizou essas formas

tanto para professores quanto para alunos. Ele é

de se representar esses orbitais atômicos, da

abstrato demais para o principiante, inadequado

mesma forma que elas já foram, no passado, a

naquele estágio de formação e difícil de ser

melhor maneira de se traduzir o comportamento

imaginado por todos. Aí é que entra em cena

ondulatório do elétron no átomo de hidrogênio.

a chamada capacidade de abstração; sem ela,

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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho

dificilmente esse conteúdo poderia ser entendido,

ser minimizadas. Como o contorno arbitrário dos

pois a imaginação, além de limitada, não pode ser

orbitais é aquele mesmo que vem sendo utilizado

checada.

desde os tempos de Pauling, devemos pensar

Não haveria alguma possibilidade alter­ nativa para se representar esses orbitais, de forma

34

em uma maneira de se evitar os equívocos que a representação pode provocar.

a eliminar muitas dessas dúvidas? Na época de

Imaginamos que o contorno utilizado

Pauling provavelmente não. Com o conhecimento

para os orbitais possa ser o mesmo, mas que ele

que temos hoje, poderíamos pensar em algumas

deveria ser, além de tridimensional, translúcido,

alternativas; a primeira alternativa, e mais óbvia,

para deixar claro que o contorno mais externo é

seria construirmos um molde no formato de cada

mais signifi­cativo que todo o seu interior, além de

uma das representações mostradas na Figura 1.

que isso eliminaria qualquer associação daquela

Considerando o orbital p, se fizéssemos um molde

forma a algo sólido. Além disso, imaginamos que

tridimensional com aquele formato, a primeira

o orbital tridimensional e translúcido deveria ter o

impressão que o aluno teria, seria a de que a

seu con­torno mais externo ressaltado; realçando a

representação da Figura 1 corresponderia a um

sua maior importância em relação ao restante do

sólido. Seria muito difícil de imaginar que este

mesmo. Finalmente, a representação simultânea

molde tridimensional corresponderia, de fato, a

de um con­junto de orbitais, tal como o citado

um contorno arbitrário que tentaria descrever uma

anteriormente (1s, 2s e os três 2p) deveria ser

maior densidade de probabilidade.

inequívoca e todos os orbitais mais internos

Por outro lado, se fotografássemos o molde

deveriam ser diferenciados de alguma maneira

sólido descrito no parágrafo anterior, também

e perceptíveis ao observador, seja ele aluno ou

não teríamos como ressaltar a importância da

professor.

superfície daquele molde em relação ao seu

Infelizmente, uma representação com essas

restante. Em outras palavras, se a assimilação da

características é muito difícil de ser feita, tanto

ideia de orbitais p já é difícil, a sua representação

no papel quanto na lousa, durante uma aula de

inequívoca é igualmente difícil. Mais difícil ainda

química, isto torna a atividade docente difícil e

seria imaginar, simultaneamente, um conjunto

muito cautelosa, requerendo do professor uma dose

qualquer de orbitais, como por exemplo, os orbitais

extra de criatividade. Fazer uma representação

1s, 2s e os três orbitais 2p.

dessas

características,

utilizando

apenas

a

Além das dúvidas salientadas no parágrafo

habilidade manual do docente, tem resultado, na

anterior, deve se mencionar que devemos ter uma

maioria dos casos, em desenhos confusos que estão

maneira de diferenciar os orbitais vazios de seus

longe de transmitir o entendimento pretendido

correspondentes preenchidos. Isto é importante

pelo professor. Essa questão leva a uma situação

para que possamos entender as consequências

intrigante, pois o professor de química fala sobre

da ocupação de cada um desses orbitais nas

átomos a todo o momento e, no entanto, tem muita

características dos átomos.

dificuldade para representá-los.

Diante das mais diferentes tentativas

Atualmente, a fronteira entre o real e

de se representar orbitais atômicos vazios ou

o virtual tem se mostrado cada vez mais sutil.

preenchidos, pensamos na possibilidade de de­

Aparentemente, os recursos de informática

senvolvermos uma nova linguagem química, a

permitem representar qualquer ideia, seja ela real

partir da qual muitas dessas dúvidas pudessem

ou imaginária, possível ou impossível. Será que

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A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1

esses mesmos recursos não poderiam ser utilizados

linguagem que traduza melhor essa maneira

para melhorar as nossas representações em

de pensar dos professores? O grande problema

química? Quais seriam os requisitos necessários

reside em encontrar professores com sólida

para tal? De que necessitaríamos para levar essa

formação conceitual de química e que sejam

ideia adiante?

capazes de representar suas ideias utilizando

As respostas a essas perguntas são rela­

recursos computacionais. Deve se ressaltar, aqui,

tivamente simples, ou seja, necessitamos, antes de

que não haveria mudança de paradigmas ou

tudo, ter uma noção muito clara dos modelos que

modelos conceituais; a mudança seria apenas na

desejamos representar. Além disso, todos os anos

representação, o que facilitaria, sobremaneira, a

de experiência em sala de aula nos deram uma

exposição de ideias dos professores.

visão muito privilegiada do universo estudantil que recebemos todos os anos. É somente através da experiência que acumulamos ao longo de nossa atividade docente, que temos condições de estabelecer os inconvenientes de qualquer tentativa que já tenhamos feito, bem como dos perigos e das dificuldades de todas as tentativas já descritas na literatura. Os professores de química têm uma ideia muito clara das dificuldades dos alunos e conhecem

A solução é procurar parcerias junto a outros profissionais que, apesar de não terem o conhecimento químico necessário, são capazes de representar as idéias que lhes são transmitidas. A parceria é entre alguém que tem uma idéia, mas não sabe representá-la, e alguém que não tem essa idéia, mas sabe traduzir com uma imagem a idéia que lhe é transmitida.

as distorções de conhecimento provocadas por uma

Estas parcerias são necessárias porque,

imagem ou por um discurso inadequado, só não

atualmente, profissionais que transitem em mais

sabem como evitá-las. Se, por um lado, os professores

de uma área do conhecimento são muito escassos

têm todo o conhecimento necessário para saber o que

no mercado de trabalho. No caso específico da

deve e o que não deve ser feito ou mostrado para

química, é muito difícil se encontrar profissionais

o aluno, infelizmente, não sabem como contornar

com uma sólida formação conceitual, e que tenham

todas as dificuldades provocadas por imagens,

familiaridade com a concepção de imagens, com

textos ou representações inadequadas de alguma

ou sem movimento.

ideia. Normalmente, estas estão bem formuladas na

Voltando, então, ao problema inicial, o

imaginação do professor, porém, ele não sabe, ou não

que não dá para se imaginar e que deveria ser

tem recursos disponíveis, para transmiti-las aos seus

ressaltado nas representações de Pauling mostradas

alunos da maneira como as imagina.

na Figura 1? À primeira vista, poderíamos dizer

Será que os novos recursos de informática

que as relações espaciais, bem como os ângulos,

não poderiam ser inseridos neste ponto para

a orientação e a distância relativa entre os orbitais

melhorar o entendimento dos alunos? Não

passam despercebidas para a maioria dos alunos

seria essa a oportunidade de se criar uma

quando esse assunto lhes é apresentado.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho

4. A

Criação de Imagens Utilizando Recursos Computacionais Pensando na formação de professores e

nos argumentos utilizados no ensino de química no nível superior, a nossa necessidade determina que utilizemos o modelo do orbital atômico para pensarmos e argumentarmos sobre os átomos. Nesse sentido, é necessário que os professores que atuam nesse nível tenham uma formação básica muito sólida e uma clareza de ideias indiscutível sobre os argumentos utilizados nesse modelo. Isso é necessário para que eles consigam propor maneiras de se representar esses argumentos, que traduzam de forma inequívoca as ideias que sustentam essa maneira de pensar. Para se representar em uma mesma

se facilitar essa percepção foi ao se realçar, na coloração cinza mais intensa, as partes mais importantes de cada contorno, ou seja, as regiões espaciais de maior densidade de probabilidade de cada orbital. Na verdade, poderíamos utilizar essa imagem para representar um átomo de argônio, que apresente esse conjunto de orbitais ocupados, totalizando 18 elétrons. Acreditamos que uma representação, tal como a mostrada na Figura 2, apresente uma série de vantagens em relação a todas as demais descritas tanto na literatura quanto nos livros didáticos. Além de ressaltar, claramente, o aspecto espacial, o fato de se apresentar translúcida permite que se observe todo o conjunto de orbitais, simultaneamente.

ilustração, simultaneamente, um conjunto de nove orbitais atômicos, por exemplo, 1s, 2s, 2px, 2py,

2pz, 3s, 3px, 3py e 3pz, é necessário que se possua

uma habilidade excepcional. Qualquer professor de Química já passou por essa situação e sabe que é muito difícil fazê-lo; invariavelmente, sua representação acaba se tornando muito confusa. Isso ocorre porque é muito difícil registrar no papel ou na lousa o aspecto espacial tão importante nesse modelo. Além disso, ao longo de cada eixo existe mais de um orbital com o mesmo formato, diferenciando-se apenas no aspecto radial. Isso faz com seja muito difícil para o aluno entender ou perceber as diferentes regiões com diferentes

Figura 2. Imagem mostrando o conjunto de orbitais 1s, 2s, 2px, 2py, 2pz, 3s, 3px, 3py e 3pz. A coloração mais intensa indica a região de maior densidade de probabilidade em cada um dos orbitais.

densidades de probabilidade.

36

Uma representação adequada para esse

Um aspecto adicional que poderia auxi-

conjunto de orbitais é a mostrada na Figura 2. Na

liar, em muito, o entendimento de todas as

representação são mostrados, simultaneamente,

características desse conjunto de orbitais seria se

os nove orbitais atômicos citados anteriormente,

pudéssemos manipular essa imagem, ou seja, girá-

eliminando-se aquelas dúvidas tão características

-la em torno de qualquer um dos eixos, observá-

das tentativas de se representar esse conjunto.

-la através de qualquer ângulo, usar o recurso da

Assim, o aspecto espacial é facilmente percebido,

cor para criar contraste, aproximá-la para observar

podendo se diferenciar as diferentes regiões ao

detalhes, mostrar os elementos da imagem passo

longo do mesmo eixo. O recurso utilizado para

a passo, entre inúmeras possibilidades. Em outras

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A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1

objetivo vai depender de nossa habilidade para

destaca dentre todos os outros profissionais, é que sabemos exatamente do que precisamos e o que queremos mostrar. Somente os profissionais da Química é que têm estas informações e, além disso, o contato com os alunos ao longo de muito tempo é que permite obtê-las. Navegando pela internet encontramos muitas figuras ou imagens criadas a partir da imaginação de alguém que as confeccionou, ou mesmo, que se tratam de alguma imitação de alguma coisa conhecida e familiar. Como já dissemos, essas imagens são das mais variadas e sua qualidade pode variar drasticamente, indo de verdadeiros rascunhos até desenhos que apresentam a mesma qualidade de fotos digitais. Isso pode ser observado analisando-se a Figura 3. A primeira impressão que temos é que se trata de uma foto de um conjunto de ovos com colorações diferentes depositados sobre um suporte, na qual um dos quais se encontra quebrado, aparecendo a sua parte interna na qual se destaca a gema do ovo. A clareza no aspecto de profundidade é marcante, as posições de cada um dos ovos é muito nítida e a perspectiva é perfeita. Se tivéssemos formulado essa imagem em nossa mente e tivéssemos que explicá-la para alguém que nunca tivesse visto um dispositivo dessa natureza para armazenar ovos em diferentes posições, certamente teríamos uma tarefa muito difícil de ser executada. Além disso, não teríamos certeza se a imaginação de quem estivesse ouvindo nossa explicação seria capaz de formular essa mesma imagem mostrada na Figura 3.

escolher a ferramenta mais adequada diante de todo

Por outro lado, se tentássemos desenhar

o arsenal que temos à nossa disposição. Entretanto, como já dissemos anteriormente, nossa formação não foi direcionada para esse tipo de atividade e, além disso, não temos o conhecimento necessário para selecionar determinada ferramenta. O diferencial que temos ao nosso favor, e que nos

essa mesma imagem, mesmo tendo muita

palavras, se a imagem apresentasse movimento ela teria uma série de vantagens em relação às representações estáticas que aparecem em toda a literatura Química. Diante de todas essas possibilidades, as questões que, fatalmente, se apresentam, são: • Por que imagens ou figuras desse tipo não aparecem nos livros didáticos e, muito menos, na literatura? • Como produzir imagens desse tipo e dotá-las de movimento para se eliminar qualquer dúvida com relação a todas as suas características? A primeira resposta é relativamente fácil, ou seja, representações desse tipo não apare cem na literatura porque não são fáceis de serem feitas e, também, porque necessitam de recursos com os quais os professores de química, ou os autores de livros de química, não estão familiarizados. A segunda questão, por outro lado, é mais complicada porque, tanto a produção de imagens desse tipo quanto a animação das mesmas requerem um conhecimento específico e particular de profissionais de outras áreas, que não a Química.

5. Ferramentas

disponíveis para se criar representações e animações em 3D O universo de opções disponíveis na

internet, para as mais diferentes finalidades, é interminável. O sucesso em se atingir determinado

habilidade, dificilmente conseguiríamos um resultado tão claro, nítido e rico em detalhes como os mostrados na Figura 3. Entretanto, a imagem mostrada na Figura 3 não se trata de uma foto, mas sim de uma criação a partir da

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho

imaginação de alguém, criativo o suficiente para

palavras, desejamos que o aluno deixe de imaginar

mostrar todos os detalhes enfatizados. Em outras

a representação mostrada na Figura 4a, que é

palavras, a imagem só existia na imagina­ção

aquela que aparece nos livros didáticos, e passe a

de quem a criou e teve a capacidade de repre­

imaginar aquela mostrada em 4b, também obtida

sentá-la.

utilizando-se o BLENDER como recurso.

Figura 4. A representação mostrada no lado esquerdo (a) é aquela que, normalmente, aparece nos livros didáticos como parte de um orbital atômico. Essa representação poderia ser substituída por aquela do lado direito (b). Figura 3. Imagem disponibilizada na internet mostrando um conjunto de ovos. Fonte: Disponível em: <http://www.blender.org>.

Foi pensando dessa maneira que ini­ciamos o trabalho de criar um conjunto de representações, que correspondessem mais de perto àquilo que

38

Esse resultado mostrado na Figura 3 foi

imaginamos quando explicamos determinado

conseguido utilizando-se o software BLENDER®,

assunto para os alunos. Inspirados em detalhes

um recurso disponibilizado livremente na internet

como os mostrados na Figura 3, e imaginando os

e atualizado segundo sugestões dos próprios

argumentos da teoria do orbital atômico, o nosso

usuários. Ele apresenta elevado potencial para

passo inicial foi tentar fazer uma representação

se produzir imagens que, posteriormente, podem

tridimensional do conjunto de orbitais atômicos,

ser animadas. Na verdade, esse software não foi

inicialmente isolados e posteriormente associados

desenvolvido com uma finalidade específica,

ao conjunto de todos os orbitais para determinado

mas sim apresenta uma gama de recursos tal

número de elétrons.

que o fazem intensamente utilizado para as mais

Devemos ter sempre em mente que não é

diferentes finalidades. Isso pode ser facilmente

fácil imaginar um conjunto de orbitais atômicos.

constatado no endereço www.blender.org.

Isso ocorre porque eles apresentam componentes

Avaliando-se a riqueza de detalhes da

que coincidem ao longo das mesmas direções

Figura 3, imaginamos se não seríamos capazes

e fazem com que a primeira impressão daqueles

de produzir imagens direcionadas para o ensino

desavisados seja a de que um orbital contém ou

de química, e que pudessem contornar todos

está contido em outro. Se lembrarmos que os

os problemas comentados anteriormente. Isso

orbitais do mesmo tipo diferem-se entre si na

eliminaria um dos grandes problemas dos

energia e/ou distância de maior distribuição de

professores de química, que é ter que contar com

probabilidade, poder-se-ia mesmo pensar que o 1s

a capacidade de abstração do aluno em uma época

está contido no 2s e que ambos estão contidos no

muito prematura de sua formação. Em outras

3s e assim por diante.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1

Como a melhor representação para o orbital

esferas concêntricas, adotando-se essa mesma

é aquela que corresponde ao quadrado da função

convenção ou código, teríamos a superfície de

de onda, que mostra como a mesma é definida

cada uma delas mais escura de modo que a ideia

no espaço ao redor do núcleo, cada orbital deve

de que existe uma região que seja comum às

ser imaginado como aquela região que apresenta

duas é abandonada completamente. Isso ocorre

a maior concentração de pontos ou densidade

porque não existiriam duas regiões escuras que

eletrônica. Assim, como poderíamos diferenciar

se misturassem. Por outro lado, as regiões que

os orbitais 1s e 2s se ambos têm o mesmo tipo

poderiam, aparentemente, comuns a ambas seriam

de contorno? Normalmente, os livros didáticos

claras; isto é um indicativo de que, contrariamente

apresentam duas circunferências concêntricas,

ao que foi imaginado inicialmente, nenhuma das

de raios diferentes, cada uma representando

duas funções é definida naquelas regiões mais

um orbital atômico do tipo s. Na verdade, a

claras.

representação aqui é muito menos significativa

Diante de todas essas considerações, ima­

que o discurso do professor. Ele é que têm a

ginamos que a representação mostrada na Figura 5

responsabilidade de fazer o aluno entender que,

apresenta uma série de vantagens em relação a

apesar de estar desenhando duas circunferências,

todas aquelas que aparecem na literatura ou nos

cada uma delas deve ser entendida como uma

livros didáticos. Ela elimina todas as dificuldades

esfera, e que uma não está contida dentro da outra,

de entendimento citadas anteriormente e, associada

ou seja, não existe uma região que seja comum a

ao discurso do professor, auxilia sobremaneira o

ambas.

entendimento do modelo do orbital atômico. Utilizando o software BLENDER e ado­ ®

tando-se alguns códigos, pode se tentar produzir uma representação para os dois orbitais s, que elimine essas confusões que acabamos de identificar. O que se pretende mostrar é que cada esfera tem uma região em que o quadrado da função de onda é mais bem definido. Imaginamos que poderíamos representar uma melhor defi­ nição do quadrado da função de onda por um escurecimento da região correspondente, enquanto aquelas regiões nas quais a função não é definida, e o contorno é apenas para facilitar a representação, poderiam permanecer bem claras em relação ao restante do contorno. Dessa maneira, cada esfera seria repre­ sentada com a sua superfície mais escura,

Figura 5. Representação dos orbitais 1s e 2s (em corte), ressaltando as regiões de maior densidade de probabilidade. Os contornos dos dois orbitais são arbitrários e o que realmente importa em cada um deles são as regiões mais escuras.

enquanto o seu interior permaneceria bem claro, representando que a parte que realmente interessa

Outra dificuldade encontrada pelos alunos

desse contorno é apenas a sua superfície e que a

no entendimento do modelo do orbital atômico

função não é definida na parte mais interna da

surge na familiarização com o conjunto de orbitais

esfera. Assim sendo, quando desenhamos duas

p. Superada essa primeira dificuldade o problema

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho

seguinte é semelhante àquele que se manifestou nos

uma mesma representação, aparecem os orbitais d.

orbitais s, ou seja, como imaginar simultaneamente

A dificuldade aumenta agora porque temos tanto

seis orbitais p, sendo três 2p e três 3p? Novamente,

a possibilidade de o orbital coincidir com dois

existe a falsa impressão de que os orbitais 2p estariam

eixos, quanto de ele estar situado entre esses

contidos nos 3p, ou que existiriam regiões comuns a

mesmos dois eixos. Superada a questão de existir

ambos. Felizmente, podemos fazer aqui as mesmas

apenas cinco orbitais d, ao invés de seis2, o

considerações que fizemos para os orbitais s, acerca

próximo passo é encontrar um recurso adequado

das regiões de maior densidade de probabilidade.

para representá­‑los de uma maneira que o aluno

Podemos utilizar os contornos arbitrários

consiga entendê-los.

para os orbitais p descritos na literatura,

Mesmo com o auxílio do software

destacando, agora, as regiões de maior densidade

BLENDER® a representação mostrada na Figura 7

de

é de difícil entendimento. Isso ocorre porque o

probabilidade

através

do

escurecimento

das regiões correspondentes, da mesma forma

número de orbitais agora é maior, ao mesmo tempo

que fizemos com os orbitais s. Isso torna a

em que o seu formato também é mais “complicado”

representação tridimensional mais fácil de ser

que aquele dos orbitais discutidos anteriormente. É

entendida porque todas as regiões que poderiam

muito difícil observar a Figura 7, pronta e acabada,

ficar confusas são claras, ou seja, as funções

e imaginar todo o conjunto de orbitais orientado no

não são definidas naquelas regiões. Além disso,

espaço. Mesmo que tenha sido utilizado o recurso

quando representamos o conjunto dos seis orbitais

de se representá-los translúcidos, como as formas

p, translúcidos, sendo três de cada nível, pode se

e orientações mais diversas, o entendimento torna-

identificar facilmente cada um dos componentes e,

se mais difícil.

novamente, a ideia de que existem regiões comuns a mais de um orbital é eliminada. A Figura 6 mostra a representação 3D proposta para esse conjunto de seis orbitais p, utilizando-se os recursos do software BLENDER®.

Figura 7. Representação do conjunto dos cinco orbitais d. Figura 6. Representação dos orbitais 2p e 3p através do software BLENDER®. A Figura do lado esquerdo (a) mostra os orbitais translúcidos e a do lado direito (b) mostra um corte dos orbitais para enfatizar que não existe uma região comum aos orbitais 2p e 3p.

Na sequência de dificuldade para se imaginar um conjunto de orbitais atômicos, em

40

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

2

Existem seis possibilidades de se representar orbitais d, orientando-os através de três eixos. Três deles coincidiriam com dois eixos enquanto os outros três se situariam entre dois eixos quaisquer. Entretanto, dessas seis possibilidades, apenas cinco delas têm significado físico.


A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1

Felizmente, esse mesmo software que

orbitais, é preferível que se utilizem animações

estamos utilizando apresenta outro recurso muito

ou representações confeccionadas com o software

importante. Ele permite que se crie movimento a

BLENDER®, para garantir um melhor entendimento

partir das representações geradas por ele mesmo.

por parte dos alunos. Imaginemos, por exemplo, a

Isso significa que podemos agora “montar”, passo

tentativa de representar, em uma mesma figura, os

a passo, a Figura 7. A partir do conjunto de eixos,

orbitais 3p e 3d. Quanto aos orbitais 3p, já vimos

podemos inserir um orbital d de cada vez, girá­

anteriormente como contornar os problemas

‑lo livremente para mostrar o seu formato e a sua

inerentes à sua representação. Entretanto, a

orientação, e, a partir de determinado momento,

representação dos orbitais d na mesma figura pode

inserir outro orbital d. Essa sequência pode ser

gerar alguma confusão porque, em todos os eixos,

repetida até que se atinja todo o conjunto dos

existe agora a coincidência de uma mesma forma,

cinco orbitais d, o que resultaria, finalmente, na

que corresponde aos orbitais p e d. Por exemplo,

Figura 7. O diferencial é que, agora, o aluno tem

as representações dos orbitais px e py coincidem

o recurso de imaginar, isoladamente, cada um dos

com os eixos x e y, bem como a representação

orbitais, ao mesmo tempo em que pode reuni­

do orbital dx2 – y2. Para representarmos apenas os

‑los, gradativamente, na medida em que consegue identificá-los isoladamente.

três orbitais, utilizaríamos o mesmo recurso que utilizamos para representar os orbitais 2p e 3p,

Essa descrição que acabamos de fazer resulta

descrito anteriormente. Entretanto, restam ainda,

em um conjunto de imagens vistas sequencialmente,

mais quatro orbitais d para serem representados

gerando uma animação. Como nos livros impressos

na mesma figura, o que resulta na representação

a única possibilidade que existe é a descrição das

mostrada na Figura 8.

imagens e as suas correspondentes representações, resta-nos a alternativa de disponibilizar essa sequência de imagens em um endereço na internet e direcionar o aluno para o mesmo. Nesse caso, toda a descrição dos orbitais d, bem como a animação que os representa, pode ser encontrada nos endereços: www.quimica3d.com e www.youtube.com/user/ m770596. Atualmente, isso já é uma realidade. Endereços na internet são partes integrantes do material didático de que os estudantes dispõem e a sua consulta já é uma rotina de estudo. Antes que os livros digitais sejam disponibilizados, essa terá sido a prática adotada por estudantes de todos os

Figura 8. Representação de todos orbitais 3p e 3d.

níveis. Quanto maior a dificuldade de entendimen­

Novamente, a representação de uma ima­

to ou de representação de uma ideia, maior é a

gem pronta e acabada pode não trazer o escla­

contribuição de uma animação. Sob esse aspecto,

recimento pretendido pelo professor e, assim,

sempre que tivermos que representar orbitais

podemos utilizar o recurso da animação para tentar

d, isoladamente ou acompanhados de outros

proporcionar o esclarecimento não alcançado

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho

através da Figura 8. Imaginamos que, após a

È muito importante esclarecer que, quando

representação dos três orbitais p, poderíamos

representamos uma configuração eletrônica, como

inserir, na mesma figura, um a um, todos os orbitais

aquela mostrada na Figura 9, isso não significa que

d daquele mesmo nível. Ainda que a representação

foi atingida através da adição gradual dos orbitais

isolada de cada um dos cinco orbitais d seja

necessários, em ordem crescente de energia,

um tanto quanto hipotética ou imaginária, ela

até atingir-se aquela situação. Na verdade, essa

é acompanhada do discurso do professor que

é uma grande distorção que se comete no início

corrige, simultaneamente, qualquer distorção do

do aprendizado em Química. O exercício de se

entendimento pretendido. Isso significa que as

praticar a distribuição eletrônica de um elemento é

animações, por si só, não se sustentam e devem,

imaginário! Ele foi fruto da imaginação de alguém

sempre que possível, serem acompanhadas de um

que soube divulgar esta ideia distorcida, com muita

texto de apoio ou do discurso do professor. Para

propriedade, e isso permaneceu até os dias de hoje.

esse exemplo específico, a utilização do recurso

Não podemos pensar que o exercício de

de animações pode ser conferida nos endereços

se adicionar elétrons, um de cada vez, até atingir­

www.quimica3d.com e www.youtube.com/user/

‑se determinado número de elétrons é a maneira

m770596.

segundo a qual aquele determinado átomo foi

Quando juntamos todas as representações

atingido. Na verdade, isso não passa de um

que comentamos nas Figuras 5-8, dispomos da

exercício imaginário, que serve apenas e tão

representação simultânea dos orbitais 1s, 2s,

somente para enfatizar uma sequência de ocupação

2p, 3s, 3p e 3d, ou seja, dispomos de orbitais

de um conjunto de orbitais atômicos, que é muito

suficientes para acomodar até 28 elétrons. Em

restrita e não é válida para todos os elementos.

outras palavras, somos capazes de representar

É por isso que enfatizamos a ideia de que

qualquer configuração eletrônica até este número

as imagens devem ser acompanhadas de um texto,

de elétrons. A Figura 9 mostra uma possível

ou do discurso do professor, para se eliminar,

representação para o átomo do elemento químico

justamente, essas confusões conceituais que

de número atômico 21.

perduram na literatura, desde os tempos de Pauling até os dias de hoje. Isso significa que a configuração eletrônica3 do elemento de número atômico 21 pode ser representada como na Figura 9 e não nos interessa saber a maneira como ela foi atingida ou como a natureza se encarregou de atingir aquela situação. Qualquer outro artifício que se utilize, como aquele de se adicionar os orbitais, um a um, para se melhorar o entendimento da representação, não passa de uma distorção do modelo utilizado para se facilitar o aprendizado. 3

Figura 9. Possível representação do átomo ou da confi­ guração eletrônica do elemento de número atômico 21.

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Deve se observar que, da maneira como estamos procedendo, as expressões configuração eletrônica e distribuição ele­ trônica não devem ser usadas indistintamente, e têm aqui significados diferentes.


A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1

6. Comentários

finais

O software BLENDER® permite modelar e animar qualquer objeto tridimensional que for

As figuras apresentadas, bem como as

imaginado. Dessa maneira, a imaginação passa a

animações citadas, são os primeiros exemplos

ser o limite para a criação de imagens. Se, por um

da utilização de recursos computacionais, que

lado, isso facilita o esforço na abstração, ele induz

permitem gerar imagens em 3D, aplicadas na

nos alunos a capacidade de formular perguntas

produção de material didático direcionado para

mais complexas, tornando-os mais críticos e for-

a melhoria do ensino de química. Entretanto,

çando os professores a se adequarem a novos

apesar de auxiliarem no entendimento de muitos

ques tionamentos, aos quais ainda não estão

pontos difíceis de serem explicados, apresentam

habituados.

também alguns detalhes que merecem uma

As imagens e as animações devem estimular

reflexão por parte dos usuários. Se, por um lado,

a reflexão e não diminuí-las ou aboli-las. Se elas não

um entendimento distorcido, gerado por uma

estimularem a reflexão elas podem destruir todo

interpretação inadequada de um texto, pode

o conhecimento acumulado ao longo do tempo.

ser facilmente corrigido e melhorado, com as

Atualmente, temos um conjunto de 64 animações,

imagens o problema é muito mais sério. Uma

confeccionadas com o software BLENDER®, que

imagem, uma vez observada pelo ser humano, é

serão discutidas futuramente nesta revista, mas

armazenada em seu subconsciente e, dificilmente,

que já se encontram disponibilizadas para toda a

pode ser esquecida ou apagada. Isso significa que

comunidade acadêmica, tanto do Brasil quanto do

a confecção e divulgação de imagens devem ser

exterior.

cercadas de muito cuidado, ao mesmo tempo em que elas devem refletir muito fielmente o modelo científico que se está utilizando. Da mesma forma, as imagens devem estimular o raciocínio e gerar condições para uma argumentação mais profunda sobre qualquer assunto, descartando a falsa impressão de que elas podem eliminar o esforço para o entendimento daquilo que não se enxerga, mas faz parte do dia a dia do químico.

REFERÊNCIAS PAULING, L. The nature of the chemical bond. Application of results obtained from the quantum mechanics and from a theory of paramagnetic susceptibility to the structure of molecules. Journal of the American Chemical Society, v. 53, n. 4, 1367-1400 (1931).

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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Artigo 04 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011

p. 45-60

O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão: condições de oferta, desafios e perspectivas The Chemistry Course at the Universidade Federal do Maranhão: supply conditions, challenges and prospects José Inaldo Belfort de Oliveira1, Cícero Wellington Brito Bezerra1,2 e José Alberto Pestana Chaves3,4

Resumo

Este trabalho está preocupado em examinar a graduação, a retenção e a desistência no curso de Graduação em Química da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, no período de 2005,1 - 2009,2, bem como índices de fracasso relativo aos dois últimos períodos. De 226 estudantes ingressantes que foram investigados, 99 (43,8%) deles estavam preocupados com 2005 e 2006, quando se formariam. No entanto, o índice de graduação para este grupo foi de apenas 20,2%. A evasão escolar, índices de ativos e retenção para o intervalo de 2005-2006 eram de 29,3%, 43,4% e 7,1%, respectivamente. Durante todo o tempo investigado (2005,1-2009,2) os índices observados foram os seguintes: 11% (graduação), 57% (ativos), 20% (desistências) e 12% (retenção). Esses números foram comparados com a literatura e eles estavam de acordo com as outras universidades brasileiras. Das modalidades de evasão, o abandono do curso mostrou maior índice, 86%. Conteúdos de diversas áreas, por sua vez, apresentaram índices de insucesso escolar. Entre eles, em ordem crescente de fracasso: Didático (40%); Química Inorgânica II, Físico-química I, Física II, Química Inorgânica I, Física I, Química Analítica I, Cálculo I, Álgebra Linear e Química Orgânica II (64%). Palavras-chave: Curso de graduação de química. Graduação. Retenção. Desistência. 1

Departamento de Química – Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, Universidade Federal do Maranhão.

2

E-mail: cicero@ufma.br

3

Colégio Universitário – Universidade Federal do Maranhão, Campus do Bacanga, São Luís, MA.

4

Os autores agradecem à Universidade Federal do Maranhão e à CAPES, através do Programa Institucional de Incentivo à Docência, o apoio para a realização deste trabalho.


AbSTRACT

This work is concerned in examining the graduate, retention and dropout in the Chemistry undergraduate Course at Universidade Federal do Maranhão – UFMA, in the periods from 2005.1 to 2009.2, as well as failure indexes relative to the last two periods. From 226 fresh students that were investigated, 99 (43.8%) were concerned with 2005 and 2006 years, which would be graduate now. However, the graduation index for this group was only 20.2%. The dropout, active and retention indexes for the 2005 – 2006 interval were 29.3%, 43.4% and 7.1%, respectively. For the whole investigated time (2005.1 – 2009.2) the observed indexes were: 11% (graduate), 57% (actives), 20% (dropout) e 12% (retention). These numbers were compared with the literature and they were in accordance with the other Brazilian universities. From the dropout modalities, abandon showed highest index, 86%. Subjects from several areas showed high failure indexes. Among them, in crescent order of failure: Didactic (40%), Inorganic chemistry II, Physical chemistry I, Physic II, Organic chemistry I, Inorganic chemistry I, Physic I, Analytical chemistry I, Calculus I, Linear algebra and Organic chemistry II (64%). Key-words: Chemistry undergraduate course. Graduate. Retention. Dropout.

1. Introdução

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) trouxe mudanças profundas na concepção e na política da educação brasileira. Estas mudanças, em linhas gerais, foram consolidadas para acomodar um novo cenário que se descortinava diante da sociedade, caracterizado pela globalização da informação, das tecnologias, da economia etc., exigindo um mercado mais produtivo e competitivo, mas ao mesmo tempo, com profissionais mais qualificados e éticos, isto é, comprometidos com o progresso, com o ser humano e com o meio em que vivem. Esse novo cenário apresenta enormes desafios educacionais que, nas últimas décadas, têm motivado a mobilização da sociedade como um todo. Obviamente que, dentre as tantas dificul dades que precisarão ser superadas para a im plantação e consolidação dessa nova ‘filosofia educacional’, está o despreparo dos atuais pro fessores que tiveram uma formação nos moldes tradicionais. Algumas pesquisas sobre formação de pro fessores no Brasil, em especial sobre as licenciaturas (Dourado, 2009; Correa, 2008; Braga

46

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

et al., 1997; Cunha et al. 2001), têm levantado problemas vividos por tais cursos, que ainda não foram devidamente equacionados. Há ainda, por exemplo, a tendência de supervalorizar o conhecimento técnico, em detrimento da formação pedagógica, como se apenas aquele fosse suficiente e necessário para o exercício do magistério. Não bastasse isso, as licenciaturas, não ocupam lugar privilegiado nas políticas das instituições de ensino (Braga et al., 1997), nem conseguem atrair, possivelmente pelos baixos índices de remuneração e status social, as melhores mentes do ensino médio. Merecem destaques alguns esforços recentes do Governo que buscam vitalizar a área do ensino, tais como: o Programa de Estímulo a Docência (PIBID) e o Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI). O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão existe há mais de 40 anos e foi criado pela Resolução nº 79/69-CD, de 04 de Janeiro de 1969. Esse curso funciona nos turnos vespertino e noturno, com carga horária de 3.105 h (160 a 165 créditos) e duração mínima de 8 e máxima de 12 semestres (PROEN/UFMA, 2010). Os professores do Departamento de Química


O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão...

responsáveis pelas disciplinas da área são, na sua maioria, doutores (~70%) ou mestres (~30%), o que indica uma elevada titulação docente. Porém, o conceito do curso, de acordo com o último Exame Nacional de Desempenho do Estudante

uma atuação ativa, autônoma, orientada para

(ENADE/2005), é considerado baixo (03), e as causas

sua utilidade para a formação de mão de obra

para este fato precisam ser mais bem investigadas.

qualificada; isso mostra que o processo de evasão

Alguns trabalhos publicados anteriormente (Dourado, 2009; Braga et al., 1997;

uma política peda gógica institucional. A atitude do aluno que aban dona o curso, optando pelo mercado de trabalho, põe em questionamento conhecimentos adquiridos na universidade e

dos cursos de graduação está inserido nas crises de hegemonia e legitimidade das universidades.

Silva et al., 1995; Santos, 2007; Zucco, 1997;

Como base em tudo isso que foi abordado

Cunha et al., 2001; Moreira; Santos, 2007; Vidigal

sobre o processo de permanência dos discentes

et al., 2002; Nascimento; Franco Jr., 1990; Vianna

nas universidades, este trabalho tem por objetivo

et al., 1997; Mazzetto; Carneiro, 2002) mostram

central conhecer mais de perto a realidade do

a crescente preocu pação com os elevados índices

Curso de Química Licenciatura (QL) da UFMA,

de evasão, de re provação, retenção, na avaliação

e contribuir com algumas reflexões sobre os novos

negativa do curso etc., que comprometem a efi-

rumos que precisam ser tomados. Portanto, é

ciência do ensino superior e a formação discente.

oportuna uma avaliação estatística do curso durante

É preciso ressaltar que o momento histórico,

os últimos anos (2005.1 a 2009.2), contemplando,

caracterizado por profundas mudanças tecnoló-

por exemplo: índices de graduação, retenção,

gicas, sociais, econômicas, políticas e culturais,

evasão, reprovação etc., para que possamos refletir

impõe desafios para a profissão e para o ensino da

sobre os problemas e fragilidades da estrutura

Química. Diferentes países promovem reformas

atual, de forma a não os perpetuar no modelo que,

em seus sistemas educacionais, com a finalidade de

necessariamente, deverá lhe seguir.

torná-los mais eficientes (Mello, 1996). Assim, um novo ensino deve enfatizar questões como globalização, ética, flexibilidade intelectual, diversi dade treinamento para o trabalho em equipe interdis ci plinar, necessidade de atualização e am pliação cons tante dos conhecimentos, incluindo aspectos regionais.

2. Metodologia

Os dados relativos ao número de alunos ingressantes, titulados, evadidos e retidos foram

Dessa forma, a missão da Universidade

obtidos junto à Coordenadoria do Curso de

deverá se cumprir à medida que gerar, sistematizar

Química Licenciatura (QL), modalidade presencial

e socializar o conhecimento e o saber, formando

(pólo de São Luís). As percentagens de aprovação

profissionais e cidadãos capazes de contribuir para

e reprovação nas disciplinas do Curso de Química

o projeto de uma sociedade justa e igualitária, sendo

Licenciatura foram obtidas junto ao DEOAC/Pró-

a ciência uma mola propulsora para o crescimento

-reitoria de Ensino.

do país e tendo a Química como um dos elementos

O período de abrangência do trabalho com-

principais de tal crescimento tecnológico (Zucco,

preendeu o intervalo 2005 – 2009, que corres-

2007).

ponde ao tempo mínimo para integralização dos Tentar compreender a evasão e a retenção

créditos. Os dados relativos quanto às reprovações

pode significar repensar o modelo de atuação

e aprovações nas disciplinas foram pesquisados

universi tária, e propor enfrentá-la dentro de

para os dois últimos semestres (2009.1 e 2009.2).

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

47


José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves

3. Resultados

Algumas definições são necessárias para compreensão e análise do tema. Neste trabalho,

e discussão

3.1. Ingressos

denominamos de alunos Ingressantes, os alunos matriculados no primeiro período do Curso de

Atualmente, 40 alunos são passíveis

QL no intervalo de estudo: 2005.1 a 2009.2.

de admissão no Curso Química Licenciatura

Nesse período, as formas de ingresso no curso

(QL), por ano. Essas vagas estão distribuídas

foram: vestibular tradicional, gradual (PSG),

nas seguintes categorias: Universal (18); Escola

cotas e transferências externa e interna, sendo

Pública Geral (10); Escola Pública Negro (10);

todas consideradas no presente estudo. Os alunos

Especial Índio (1); Especial Deficiente (1). Além

Formados, Egressos, Titulados ou Graduados são

dessas vagas, existem as ‘sobras de vagas’, as

aqueles que concluíram o curso; os Ativos, aqueles

quais são gera das pelo não preenchimento das

regularmente ou oficialmente matriculados,

disponibilizadas anualmente. Tais vagas são ge-

mas não necessariamente em período normal;

renciadas pela Pró -reitoria de Ensino e as res-

os Evadidos, aqueles que abandonaram (não

pectivas Coordenadorias e têm edital próprio para

matri culados por dois semestres consecutivos)

o seu preenchimento. Dessa forma, em 2008, o

ou pediram transferência do curso; os Retidos

quantitativo de ingresso foi superior a 40 vagas.

são aqueles não matriculados no curso, que

O Projeto REUNI (Reestruturação e Ex-

solicitaram trancamento ou que abandonaram em

pansão das Universidades Federais), instituído

um prazo inferior a 01 ano. É bom lembrar que

pelo Decreto nº 6.096 (2007), tem por objetivo

os ativos envolvem também alunos retidos por

criar condições para a ampliação do acesso e

reprovação.

permanência na educação superior, no nível de

Os índices de reprovação foram coletados

graduação, considerando o melhor aproveitamento

de todas as disciplinas do atual currículo do Curso,

da estrutura física e de recursos humanos existentes

mas durante os últimos dois semestres letivos

nas universidades federais. A UFMA passou a

(2009.1 e 2009.2).

integrar o REUNI já na primeira chamada, em

Tabela 1. Percentagem de alunos formados, evadidos, ativos e retidos por semestre de ingresso. Alunos (No / %) Período 2005.1

48

Ingressos 30

Graduados N

o

09

Ativos

%

o

N

30

05

Evadidos %

o

N

17

14

Retidos %

o

N

%

46

02

07

2005.2

31

05

16

13

43

11

35

02

06

2006.1

30

01

03

24

80

03

10

02

07

2006.2

08

05

63

01

13

01

12

01

12

2007.1

30

00

00

20

67

07

23

03

10

2007.2

05

01

20

01

20

01

20

02

40

2008.1

44

05

11

24

55

05

11

10

23

2008.2

11

00

00

08

73

02

18

01

09

2009.1

31

00

00

26

84

00

00

05

16

2009.2

06

00

00

06

100

00

00

00

00

Total

226

26

11

128

57

44

20

28

12

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão...

29/10/2007. Mas não houve uma ampliação das

2005.1, 2005.2 e 2006.1. Os dados de diplomação

vagas para o Curso de QL (relatório REUNI

posterior a 2006.1, isto é, com um tempo

primeiro ano), uma vez que tal aumento ainda

inferior ao da integralização dos créditos, são de

não se justifica, pois não há o preenchimento da

alunos transferidos ou de vagas para graduados

totalidade das vagas disponibilizadas (ver 2009,

e, portanto, envolvem o aproveitamento de

Tabela 1).

disciplinas. Por exemplo, dos alunos ingressantes

De acordo com as informações do site da PROEN/UFMA (2010) para a integralização curricular do Curso de QL a duração mínima é de

em 2008.1, 05 já se graduaram, por terem solicitado aproveitamento de disciplinas. Os valores observados para o Curso Licen­

09 e a máxima é de 12 semestres (3105 h - Créditos:

ciatura em Química da UFMA não são díspares com

160 a 165). Entretanto, conforme fluxograma

os apresentados na literatura (Silva et al., 1995; Cunha

curricular, o Curso pode ser finalizado em apenas

et al., 2001; Vidigal et al., 2002; Nascimento;

08 períodos. Esse tempo mínimo de titulação (04

Franco Jr., 1990; Machado et al., 2005). Assim,

anos), como será discutido posteriormente, está

diplomação e evasão, apesar das peculiaridades

coerente com os tempos curriculares de outras

regionais, parecem ser comuns aos Cursos de

Instituições de Ensino (Passo; Pino, 2009).

Química. Cunha et al. (2001), analisando a questão, comentam uma pesquisa conduzida em

3.2. Graduados

1996 pela Secretaria da Educação Superior do

Considerando o tempo mínimo para inte­

Ministério de Educação – SeSu/MEC, através da

gralização dos créditos de 04 anos, a Tabela 1

Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas

nos fornece apenas os dados de 2005.1 e 2006.1

Universidade Públicas Brasileiras. Nessa pesquisa,

para uma análise e reflexão. De acordo com esses

o curso de Química aparece em quatro diferentes

dados, podemos afirmar que a quantidade de

modalidades: Bacharelado em Química; Química

alunos que se formam semestralmente é baixa,

Bacharelado e Licenciatura; Química Industrial e

em relação ao número de ingressantes, e variável

Licenciatura em Química. Os dados demonstraram

semestralmente. Um parâmetro que pode ser

que a Licenciatura em Química, em termos de

útil para quantificar a eficiência deste processo

diplomação, estava abaixo da expectativa nacional,

é a razão: N de formados/N de ingressantes

ou seja, a média nacional (28,21%) menos o

(Nascimento; Franco Jr., 1990). Em uma situação

desvio padrão (15,9% versus 18,58%), enquanto

o

o

ideal, casos em que não ocorram evasões e

que os demais cursos da área mantinham-se acima

retenções, esse número é 01. Portanto, situações

(Bacharelado – 38,1%, Bacharelado e Licenciatura

favoráveis apresentam um valor para esta razão

– 33,12% e Química Industrial – 25,69%). Como

próxima da unidade. Para o 1º e 2º períodos de

se observa, o problema ainda persiste.

2005 e 1º período de 2006, as razões observadas foram de 0,30; 0,16 e 0,03 respectivamente, equivalentes a percentuais de diplomação de 30, 16 e 3%. Para o caso da UFMA esta razão poderia ser um pouco maior, desde que levássemos em conta os alunos diplomados até 2009, mas que não correspondem às turmas de ingresso de

3.3. Ativos

Sob essa denominação, designamos os alunos matriculados no Curso. Dentre eles, aqueles que estão em período normal e os que estão retidos por reprovações, desistências de disciplinas e os que não cumpriram os créditos regulares dos

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves

períodos. Dos 61 alunos que ingressaram em

(Machado et al., 2005) e desconhecimento prévio

2005, mostrados na Tabela 1, os quais poderiam

da profissão (Zucco, 2007; Machado et al., 2005).

já ter diplomados, 29,5% permanecem no Curso.

Assim, deve ser delineada uma política voltada

Esse número de ativos para 2005.2 e 2006.1 é

para a fixação do estudante na Instituição durante

expressivamente alto: 43 e 80%, respectivamente.

o período de Curso em atividades intelectuais extra-

Na nossa análise, como já esgotou o tempo de

classe, remuneradas e compatíveis com a natureza do

integralização mínimo do Curso para esse período

Curso. Exemplos de tais atividades são: monitoria;

(2005.1-2006.1), tais alunos passam a constituir

iniciação científica; estágios em laboratórios de

um grupo especial de retenção. Estão presentes,

pesquisas; bolsas de estímulo a docência; bolsas de

cursam algumas disciplinas, mas aumentam o

extensão etc. Outra medida urgente é a atualização

tempo de residência no Curso (ver Tabela 2). De

curricular. Geralmente, os discentes de licenciatura

acordo com os resultados de Mazzetto e Carneiro

acompanham as disciplinas de química juntamente

(2002) para uma mesma turma de ingressante, há

com estudantes de outros cursos (bacharelado,

um aumento na percentagem de evadidos com o

química industrial, engenharia química). Assim, os

tempo, apesar de alguns estudos apontarem que o

conteúdos não são trabalhos de um ponto de vista da

período crítico da evasão é no primeiro ano uni­

mediação pedagógica.

versitário (Machado et al., 2005).

3.4. Evadidos

Acreditamos que são urgentes e necessárias

A quantidade de evadidos é composta pelo

algumas ações acadêmicas que promovam a

número de alunos que mudaram de curso (falsa

diminuição do número de ativos em situações de

evasão ou mobilidade) ou que abandonaram os

retenção. Embora as causas não tenham sido in­

estudos. É, certamente, o parâmetro mais estudado

vestigadas diretamente por este trabalho, a não

em termos de eficiência do Ensino Superior e,

ser reprovações, a literatura aponta como causas o

talvez, o mais complexo.

desestímulo do aluno com o Curso (Zucco, 2007; Machado et al., 2005), necessidades financeiras

Tabela 2. Tempo de permanência dos graduados no curso de Química Licenciatura no período entre 2005.1 e 2009.2.

50

Graduados

Vias de ingresso

No de semestres cursados

%

VEST

PSG

IMCU

GRAD

3

01

04

01

4

08

30

02

04

02

5

6

01

04

01

7

02

08

02

8

08

30

07

01

9

04

16

02

02

10

02

08

01

01

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão...

Segundo Cunha et al. (2001), não existe consenso em como estimar e entender a evasão, porém Zucco (2007) aponta duas metodologias distintas para tal: a primeira é comparar o número de concludentes com o de ingressantes quatro anos antes (tempo mínimo de integralização dos créditos), e a outra é estimativa anual e leva em conta o número de estudantes que já estavam no sistema no ano anterior e o número de estudantes que permaneceram estudando no ano seguinte. Braga et al. (1997) empregaram metodo­ logia diferente. A expressão utilizada por eles foi: %Evasão = 100% - %Formandos - 0,006 (100%Formandos) a em que 0,06 é um peso de 6% da redução da evasão em virtude das vagas geradas por transferência e readmissão de evadidos na UFMG. Entretanto, muitos trabalhos não descrevem detalhadamente a metodologia do cálculo. No presente trabalho, para o cálculo da evasão, utilizamos a primeira indicação de Zucco (2007), a qual é bastante simples e de pronta exe­ cução, mas estudamos também as modalidades de evasão, como será constatado a seguir.

Machado et al. (2005) citam como alguns dos fatores responsáveis pela evasão a escolha incorreta do curso pelos alunos, razões financeiras e falta de informações sobre o curso. Algumas medidas foram relatadas que minimizaram a eva­ são no primeiro ano do Curso, o qual, segundo os autores, é a etapa crítica da evasão. Dentre tais medidas, comentam: divulgação da profissão do químico nas Escolas de Ensino Médio e a visita de estudantes na Universidade; recepção dos ingressos na Universidade (Semana de recepção, com Aula Magna, premiação para estudantes, professores e funcionários, além de atividades culturais); bolsas de IC para alunos iniciantes e; flexibilização de transferência interna de curso ou turno. Somos da opinião de que essas medidas, aliadas a uma reforma curricular inteligente, podem, também, surtir efeitos positivos no nosso curso, inclusive, com alteração no conceito do curso, atualmente, 03. Ressaltam, ainda, que esse item é crítico e deve ser contabilizado e encarado como despesa e não como simples indecisão dos alunos. De fato, com a evasão há toda uma estrutura que permanecerá semiociosa acarretando ônus aos cofres públicos.

Cunha et al. (2001), refletindo sobre as causas

Na Figura 1 estão apresentadas as taxas de

da evasão na UnB, segundo a visão dos evadidos,

evasão por semestre durante o intervalo de estudo.

pontuam: i) má acolhida aos calouros e falta de

Como pode ser observado, o período de 2005.1

informação quanto a matrícula e registros do curso;

foi o mais crítico, com 46% de evasão. Embora a

ii) despreparo para lidar com os desníveis entre os ensinos médio e superior (metodologias, sistemas de pré-requisitos etc.); iii) falta de interação discente-docente-administração universitária, e; iv) impossibilidade de estabelecimento de víncu­ los pessoais significantes.

tendência represente um decréscimo, ainda assim é elevada e preocupante a quantidade de evadidos. Para todo o período de estudo, a média foi de 20% de evasão e, desconsiderando o último ano de estudo, período em que o aluno poderia apenas trancar o curso (retenção), a taxa sobe para 23,2%.

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José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves

50%

Evasão (%)

40% 30% 20% 10%

2009.2

2009.1

2008.2

2008.1

2007.2

2007.1

2006.2

2006.1

2005.2

2005.1

0%

Semestre de Ingresso

Figura 1. Taxas de evasão de alunos por semestre de ingresso no Curso de Química Licenciatura.

Em comparação com dados de outras

taxa de 86% acumulado no período de 2009.1 a

Instituições, embora haja diferenças quanto ao

2009.2. Observação semelhante é encontrada nos

período do estudo, o que implica em diferenças na

estudos de Moreira e Santos (2007): 85% para

estrutura curricular e infraestrutura, os resultados

alunos ingressantes por vestibular e 91% para os

observados para a UFMA são modestos, como

transferidos (aproveitamento de estudos). Silva et.

pode ser constatado a partir da Tabela 3.

al. (1995) constataram que de 283 alunos evadidos,

Dentre as principais formas de evasão

86,2% o fizeram por abandono (desligamento

observadas, destacam-se: abandono, mudança de

voluntário, abandono do curso e não cumprimento

curso e transferência. A Tabela 4 resume estes dados.

das condições da UnB), 9,9% por mudança de curso

Verifica-se que abandono é a forma mais comum

(mudança e vestibular para outro curso) e 3,9% por

de evasão para o curso de QL na UFMA, com uma

transferência para outra IES.

Tabela 3. Índice de evasão nos Cursos de Química. IES

Curso

Período

N° Ingressos

Evasão (%)

Ref.

UFMG

Química

1990-1995

~60

Braga et al. (1997)

Química

1985.1-1992.2

487

58,1

Silva et al. (1995)

165

57,4

368

30,71

481

46,16

UnB

QL–diurno QL–noturno

1996.1-2001.2

QB UERJ

QL

1999.1-2000.2

QL Média Nacional

QB QBL

1992.2-1994.2

QI UFMA

QL

2005.1-2008.1

Vestibular

51,3

111 Transferência

76,6

1.160

74,83

189

32,28

1.993

51,68

615

48,94

189

23,3

Vidigal et al. (2002)

Machado et al. (2005)

Cunha et al. (2001)

a*

QL: Química Licenciatura; QB: Química Bacharelado; QBL: Química Bacharelado e Licenciatura; QI: Química Industrial; EQ: Engenharia Química; a*: Este Trabalho.

52

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O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão...

Tabela 4. Modalidades de evasão no curso de Química Licenciatura da UFMA durante o período 2005.1-2009.2. Período

Tipos de Evasão – No de alunos Abandono

Mudança de curso

Transferência

2005.1

14

2005.2

10

01

2006.1

03

2006.2

01

2007.1

05

01

01

2007.2

01

2008.1

03

02

2008.2

02

2009.1

2009.2

Total

38

04

02

(%)

(86)

(9)

(5)

De acordo com a legislação CONSEPE da

Os dados analisados demonstram que todos

UFMA (1999), fica caracterizado como abandono

os períodos, exceção 2009.2, são afetados por

o aluno que deixar de efetivar sua inscrição em

alguma forma de retenção, isto sem ponderar as

disciplina na Coordenadoria do Curso, em dois ou

reprovações que obviamente aumentam o tempo

mais semestres letivos consecutivos ou não. Outra

de permanência do aluno no Curso. Os alunos

forma de exclusão do cadastro de discente da

retidos são fortes candidatos a evasão e merecem,

UFMA é por transferência. Nessa modalidade, o

portanto, uma análise delicada por parte da

aluno, por iniciativa própria e mediante solicitação

administração da UFMA.

formal, é transferido para outro Curso (turno ou modalidade) da mesma Instituição ou para outra Instituição de Ensino Superior. 3.5. Retidos

Neste trabalho, retidos são os alunos que efetuaram o trancamento do curso, ou que não se matricularam em até 02 semestres, consecutivos ou não, conforme a legislação CONSEPE/UFMA (1999).

Tabela 5. Modalidades de retenção ocorridas no curso de Química Licenciatura da UFMA, período de 2005.1 a 2009.2. Período

No de alunos Trancamento

Não matriculados

2005.1

01

01

2005.2

01

01

2006.1

02

Na Tabela 5 estão apresentados os resul­tados

2006.2

01

obtidos para as modalidades de retenção, conforme

2007.1

02

01

a legislação da UFMA (1999). Em outros trabalhos,

2007.2

01

01

como o de Cunha et al. (2001), alunos que sofrem

2008.1

03

07

reprovações, mas que continuam no curso são con­

2008.2

01

siderados retidos. A diferença na conceituação

2009.1

03

02

de retidos impossibilita comparações entre os re­ sultados observados e os reportados na literatura.

2009.2

Total

12

16

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

53


José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves

Os dados estatísticos, os quais deveriam

3.6. Desempenho

dos alunos nas disciplinas: uma análise das taxas de reprovação

ser encaminhados continuamente para os Depar­

Como dito anteriormente, reprovação é

tamentos para orientar discussões, são produzidos

um elemento importante no item retenção e, em

somente mediante solicitações. Reprovações e

alguns casos, forte motivador da evasão. Muitos

apro­vações em massa, turmas com poucos alunos,

fatores contribuem para o insucesso de um

docentes e discentes ausentes, avaliações mal exe­

aluno em uma disciplina, dentre estes, podemos

cutadas etc., são problemas atuais e que dizem

identificar aqueles ligados às condições de

respeito a todos, já que refletem na formação

entrada do aluno na universidade (conhecimento,

profissional, no conceito do Curso e nas taxas

habilidades, hábitos de estudo já formados pelo

de evasão, retenção e no aumento do tempo de

aluno etc.); condições Institucionais (tamanho

residência do aluno no Curso.

de turma, quantidade de créditos, sistema de ins­

Neste ponto do estudo, foram considerados

crição em disciplinas, fluxo do currículo, pré­

apenas os dois últimos períodos, para que tenhamos

‑requisitos etc.) e; condições de ensino (formulação

uma ideia instantânea do problema. Além dos

de objetivos, material instrucional, avaliação,

mais, os índices dizem respeito apenas aos alunos

atividades promovidas pelo professor, conteúdo

de licenciatura. Assim, se em uma dada disciplina

abordado etc.). Esses três conjuntos precisam ser

coexistiram alunos de bacharelado, química in­

considerados, simultaneamente, na solução do

dustrial e licenciatura, apenas a população deste

problema. Obviamente que alguns outros fatores

último Curso foi considerada.

fogem à competência docente e esfera de ação

Na Tabela 6, temos a percentagem de

administrativa, como a afinidade e in­teresse do

reprovações das disciplinas do Curso de QL

aluno, problemas pessoais etc.; en­tretanto, os fatores

comparada com o número de inscritos. Das 40

que dependem do professor e da administração

disciplinas do Curso, conforme a estrutura cur­

devem ser conhecidos e mini­mizados ao máximo.

ricular dos períodos analisados, 12 disciplinas se

É lamentável não haver reu­niões pedagógicas antes

mostraram mais críticas, isto é, com percentagem

e após o período letivo para que sejam lembradas,

de reprovação maior que, ou em torno de 40%.

planejadas e tomadas medidas eficazes de ensino.

Estas disciplinas estão apresentadas na Figura

70% Reprovações (%)

60% 50% 40% 30% 20% 10%

a át ic Di d

. In or g. II

rg . II

im Qu

im

.O

rg .I Qu

.O

im

.I Qu im

Qu

Fís .

. In or g. I

r

im

in ea

Qu

lit .I

Qu

Al g. L

II

.A na

ca

I

ím

Fís i

ca Fís i

Ca l

c. I

0%

Disciplinas

Figura 2. Índices de reprovação mais críticos no Curso de Química Licenciatura da UFMA durante os períodos 2009.1 e 2009.2.

54

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão...

2 e estão, assim, distribuídas: Matemática – 02

pela Administração Superior. A literatura, apesar

(Cálculo I < Álgebra Linear); Física – 02 (Física

de antiga, mostra um elevado índice de reprovação

II < Física I); Química – 06 (Físico-química I

nos 04 primeiros períodos do Curso de Engenharia

~Química Inorgânica II < Química Orgânica I

Química da UFU (Nascimento; Franco Jr., 1990),

< Química Inorgânica I < Química Analítica I <

cujas disciplinas são semelhantes às apresentadas na

Química Orgânica II).

Figura 2. Em estudo mais recente, e com alunos de

Poucos trabalhos em química dão ênfase

Licenciatura em Química, Moreira e Santos (2007)

ao estudo da reprovação. Entretanto, os que a

mostram que as disciplinas de Matemática (Cálculo

contemplam são unânimes em declarar que o

I e Álgebra Linear) são as que mais reprovam os

problema é grave o suficiente para ser ignorado

alunos iniciantes do Curso, com 32% em ambas.

Tabela 6. Índice de reprovações por conteúdo e falta nas disciplinas do curso de Química Licenciatura da UFMA durante os períodos de 2009.1 e 2009.2. Disciplinas

Reprovações – No de alunos / %

Inscritos

Conteúdo

Falta

Total

No

%

No

%

%

32

17

55

0

0

55

Cálculo. Vetorial

31

5

16

5

16

32

Cálculo II

28

5

24

2

9

33

Cálculo III

12

0

0

2

17

17

Álgebra Linear

31

4

13

13

42

55

Int. Est. Quím

36

4

11

10

28

39

Quím. Geral I

36

3

8

7

20

28

Quím. Geral. Exp

29

1

3

4

14

17

Quím. Geral II

24

2

8

3

13

21

Quím. Analit. I

25

12

48

1

4

52

Quím. Inorg. I

13

6

46

0

0

46

Quím. Analít. II

13

0

0

3

23

23

Fís. Quím. I

31

6

19

7

23

42

Quím. Org. I

27

7

26

5

18

44

Fís.Quím. II

47

8

17

10

21

38

Quím. Org. II

31

12

38

8

26

64

Quím. Inorg. II

24

8

34

2

8

42

Quím. Analít. III

24

3

12

5

21

33

Fís. Quím. III

22

3

14

0

0

14

Cálculo I

Qm. Org. III

41

14

34

0

0

34

Inst. Anal. Quím.

22

0

0

2

9

9

Quím. Meio. Amb.

14

1

7

0

0

7

Mineralogia

17

2

12

0

0

12

Inst. Ens. Quím

43

0

0

5

12

12

Estágio I

33

0

0

5

15

15

Estágio Superv.

32

3

9

0

0

9

Física I

41

16

39

3

7

46

Física II

32

14

44

0

0

44

Met. Científica

43

7

16

7

16

32

Fund. Filosofia

49

3

6

5

10

16

Sociologia

09

1

11

0

0

11

Psicol. Ed. I

20

7

35

0

0

35

Psicol. Ed II

14

2

14

0

0

14

Est. Func. Ensino

41

16

39

0

0

39

Didática

37

4

11

11

29

40

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

55


José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves

Mazzetto e Carneiro (2002) estudaram

as maiores percentagens foram para as desistências

o rendimento dos alunos de Geral I e II. Os resultados

mostraram

uma

diminuição

por falta (32 a 69,2%).

na

Nas Figuras 3 e 4 são apresentadas as

percentagem de reprovação de 38%, em 1995,

percentagens de reprovação discriminadas nas

para 21,7% em 2000, índices semelhantes aos

modalidades conteúdo e falta, paras as disciplinas

apresentados atualmente no Curso de Química da

dos Departamentos de Matemática (DEMAT) e

UFMA. Vianna et. al. (1997) também mostram

Química (DEQUI), respectivamente. Como se

elevados índices de reprovação nas disciplinas de

pode constatar, a desistência é um componente

Física, Matemática e Química Geral para alunos

importante no fenômeno da reprovação.

de licenciatura e bacharelado, em 1993, sendo que

60%

falta conteúdo

Reprovação

50% 40% 30% 20% 10% 0%

Cálc. I

Cálc. Vetorial

Cálc. II

Cálc. III

Álg. Linear

Disciplinas DEMAT

Figura 3. Percentagem de reprovação por conteúdo e falta nas disciplinas obrigatórias do Curso de Química Licenciatura, no período de 2009.1 e 2009.2, oferecidas pelo DEMAT.

70%

Reprovações

60% falta conteúdo

50% 40% 30% 20%

Estágio Superv

Estágio I

Inst. Ens. Quím

Mineralogia

Quím Meio Amb.

Quím Org. III

Fís. Quím III

Quím Analít III

Quím inorg II

Quím Org II

Fís. Quím II

Quím Org I

Fís. Quím I

Quím Analít. II

Quím Inorg. I

Quím. analít. I

Quím Geral II

Qm Geral Exp.

Qm. Geral I

Int. Est. Qm

0%

Inst. Anal. Quím

10%

Figura 4. Percentagem de reprovação por conteúdo e falta nas disciplinas obrigatórias do Curso de Química Licenciatura, no período de 2009.1 e 2009.2, oferecidas pelo DEQUI.

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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão...

falta conteúdo

50%

Reprovações

40% 30% 20%

Sociologia

Didática

Psic. Educ. II

Psic. Educ I

Física II

Física I

Est. Func. Ens.

Fund. Filosofia

0%

Met. Cient.

10%

Outras Disciplinas

Figura 5. Percentagem de reprovação por conteúdo e falta em diversas disciplinas obrigatórias do Curso de Química Licenciatura, no período de 2009.1 e 2009.2.

As disciplinas oferecidas no primeiro e

cionamento do ensino (39%) proposta para o

segundo períodos do Curso: Cálculo Vetorial

segundo período do Curso de Química e psicologia

e Geometria Analítica; Introdução ao Estudo

da educação I (35%) para o quarto período. A

da Química; Química Geral e Química Geral

disciplina de MTEPB não foi disponibilizada nos

Experimental, já apresentam problemas de

dois últimos períodos (2009.1 e 2009.2).

reprovação por desistência. Nota-se também que a maior dificuldade foi encontrada em uma disciplina específica. É comum pensar que as disciplinas de Cálculo ou

4. Conclusão

Física são as que mais reprovam. Entretanto, para

O Curso de Química Licenciatura da

o ano investigado (2009), a disciplina que mais

Universidade Federal do Maranhão, apesar

reteve aluno foi a Química Orgânica II. Foram 64%

de apresentar médias de evasão e reprovação

(26% por falta e 38% por conteúdo) que ficaram

abaixo da expectativa nacional, passa por uma

reprovados. Discussões de áreas devem aprofundar

reforma curricular. Ainda são elevados os

o assunto e verificar as causas do problema.

índices de reprovação e evasão e o conceito

A disciplina Monografia está ausente

ainda é baixo, conforme avaliação do MEC. Um

nas citações do trabalho, porque ela não é uma

projeto pedagógico voltado para uma formação

disciplina regular no sentido de aulas periódicas

técnica e pedagógica consistentes e atuais, com

e tomadas de frequência, e a disciplina Química

possibilidades de atividades extra-classe para

Biológica também não foi mencionada, devido à

os alunos poderia revitalizar o Curso e melhorar

ausência de reprovações. As demais disciplinas

os indicadores dos processos de avaliação. Os

estão mostradas na Figura 5.

conteúdos precisam ser pensados de forma sis-

Nas disciplinas chamadas pedagógicas

temática e trabalhados de modo a permitir que

ascende um elevado percentual de reprovações

as competências elaboradas para o Curso sejam

por conteúdo, o que ocorre em estrutura e fun-

desenvolvidas nos alunos.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

57


José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves

Diversas são as disciplinas com elevados índices de reprovação. Pensar na redução do índice de reprovação é meta estratégica para diminuir a retenção de alunos, aumentar a diplomação e evi­ tar a evasão. O ingresso está aquém das vagas oferecidas. Medidas para divulgar a profissão entre os estu­ dantes do Ensino Médio poderiam não apenas reverter este problema, mas favorecer o ingresso de alunos mais interessados e que tenham afi­ nidade pela área. Isso terá reflexos positivos na diminuição das taxas de evasão e reprovação.

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Artigo 05 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011

p. 61-74

Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos An Overview on Composite Materials Daniel Tiago Alves Ribeiro1 e Diana Vilas Boas Malheiro1

Resumo

Num mundo repleto de ciência e tecnologia, todos devem ter consciência de que a Química abrange diversas áreas. A Química dos Materiais tem sido uma temática ligeiramente desconsiderada na formação basilar de professores e outros profissionais de ciência. No que diz respeito aos vários tipos de materiais, os compósitos talvez tenham sido os menos abordados num contexto genérico, facilmente inteligível e aplicável em sala de aula. Este artigo consiste numa análise cuidadosa, detalhada e diligente acerca deste tipo de materiais. O leitor será conduzido numa abordagem que fará referência à origem e aos tipos de classificação dos principais materiais compósitos. Palavras-chave: Química dos Materiais. Materiais compósitos. Abstract

In a world filled with Science and Technology, everyone should be aware that Chemistry covers several areas. Materials Chemistry has been a somewhat overlooked issue in the basic training of teachers and other science professionals. With regard to the various types of materials, the composites were perhaps the least lectured in a generic context, easily understandable and applicable in the classroom. This article is a careful, detailed and diligent analysis about this type of materials. The reader will be conducted on an approach that will refer to the origin and classification of the main types of composite materials. Key-words: Materials Chemistry. Composite materials.

1

Departamento de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.


1.

Introdução Os materiais estão provavelmente mais arrai-

gados na nossa cultura do que nos apercebemos. Transporte, habitação, vestuário, comunicações, recreação e produção alimentar – virtualmente, todos os segmentos do nosso dia a dia são influenciados, em grau menor ou maior, pelos materiais que utilizamos. Historicamente, o desenvolvimento e o avanço das sociedades estiveram sempre intimamente ligados com a habilidade dos seus indivíduos para a produção e manipulação de materiais, com vista a suprir as suas necessidades e melhorar a sua qualidade de vida (Callister; Rethwisch, 2011, Callister, 2001). Os materiais sólidos foram convenientemente agrupados em três categorias básicas: metais, cerâmicas e polímeros. Essas três categorias foram criadas com base na constituição química e na estrutura atómica e molecular (Gay; Hoa; Tsai, 2003), pelo que, normalmente, cada material faz parte apenas de uma

62

os de metais e cerâmicas, ou os de polímeros e cerâmicas (Chung, 2010). A utilização de materiais compósitos expande-se desde objetos elementares, empregues no nosso dia a dia, até aplicações para indústrias de ponta, como é o caso das indústrias aeronáutica e aeroespacial. O objetivo principal na criação de um material compósito é atingir uma combinação de propriedades que não são conseguidas pelos materiais individualizados. A Tabela 1 mostra como as propriedades mecânicas de um policarbonato variam com a adição de sucessivas percentagens de reforço. Em particular, a elaboração de um compósito tem como intuito incorporar as melhores características de cada componente individual numa estrutura mais complexa (Chung, 2010). Apesar da maioria dos compósitos resultarem de uma combinação elaborada entre polímeros, metais e cerâmicas, alguns materiais que surgem naturalmente são também compósitos. Um dos exemplos é a madeira, que resulta de

categoria específica. No entanto, além dessas três

uma combinação predominante de fibras de celu-

categorias básicas, existe uma categoria de ma-

lose e hemicelulose unidas por lenhina (Bledzki,

teriais designada compósitos.

1999). Os ossos são outro exemplo de compósitos

Um compósito é um material constituído

naturais formados por estruturas de hidroxiapatite

por dois (ou mais) materiais singulares, do tipo dos

unidas por colagénio. Contudo, este artigo propõe

anteriormente referidos. Os tipos de compósitos

desen volver a temática dos compósitos fabricados,

mais difundidos são os de metais e polímeros,

em detrimento dos compósitos naturais.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos

Tabela 1. Propriedades mecânicas de policarbonatos reforçados e não reforçados com fibra de vidro. Propriedade Densidade relativa Tensão limite (MPa) Módulo de elasticidade (GPa) Deformação linear (%)

Reforço em Fibra de Vidro (% vol)

Sem reforço 1,19-1,22

20

30

40

1,35

1,43

1,52

59-62

110

131

159

2,24-2,345

5,93

8,62

11,6

90-115

4-6

3-5

3-5

Fonte: Adaptada de Callister (2001).

Historicamente, os compósitos foram utili-

2.

zados desde sempre pelos humanos. A primeira referência documental feita acerca de um compósito está na Bíblia, no seu segundo livro, onde reza: “Não deveis ajuntar palha para dar ao povo, para fazerem tijolos, como anteriormente. Que eles mesmos vão e ajuntem palha para si. Ademais, tereis de impor-lhes além disso a quantidade exigida de tijolos que faziam anteriormente” (Êxodo 5:7, 8). A verdade é que os tijolos referenciados nessa escritura – denominados tijolos de adobe – evidenciam um material compósito precursor dos tijolos de barro atualmente utilizados. Os adobes eram constituídos por terra, água, palha e, algumas vezes, outras fibras naturais. Os materiais que constituem um material compósito são de dois tipos: matriz e reforço. O material usado como matriz é o que confere

Classificação tendo em conta a origem A fase matricial de um compósito é, nor-

malmente, elaborada a partir de um metal ou de um polímero. Geralmente, isso acontece porque é conveniente que os materiais compósitos tenham alguma ductilidade3. Naturalmente, quando se necessita de produzir um compósito com uma maior resistência mecânica, a matriz deverá ser composta por uma cerâmica. A matriz de um compósito é muito importante, dado que é a fase primária da elaboração do novo material; além disso, a sua natureza contínua auxilia na coesão do compósito. A matriz é, amiúde, o material mais dúctil e com menor resistência a trações, daí a necessidade do reforço. As funções comuns de uma matriz são (Hull; Clyne, 1996): • Transmitir forças entre as fibras;

estrutura ao compósito, preenchendo os espaços

• Suprimir o espalhamento de falhas nas

vazios que ficam entre os reforços e mantendo-os

fibras;

nas suas posições relativas. Os reforços são, grosso

• Sustentar as fibras de enchimento na

modo, os materiais que determinam as proprie-

orientação necessária;

dades mecânicas, eletromagnéticas e químicas do

• Proteger as fibras do desgaste provocado

compósito como um todo (Peters, 1998).2 Poderá,

pelo ambiente.

ainda, ocorrer uma sinergia entre a matriz e o reforço, que poderá fazer com que propriedades não existentes nos materiais originais sejam verificadas no compósito produzido (Chung, 2010). 2

SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).

3

A ductilidade é a propriedade que representa o grau de deformação que um material suporta até ao momento da sua fratura. Um material dúctil é aquele que se deforma quando submetido a tensões de cisalhamento ao passo que o oposto, um material frágil, quebra sem sofrer grande deformação.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

63


Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro

No entanto, obviamente, nem todo o

Reforço

material pode ser utilizado como matriz de um compósito. Existe um conjunto básico de exi-

Termoendurecíveis

gências que uma matriz tem que cumprir: é ne-

Composição

Interface

cessário que resista eficazmente a tensões de cisalhamento4, possua tenacidade5 e resistência, tanto

mitam trabalhar a temperaturas elevadas e a sua produção deverá ser de baixo custo (Chung, 2010).

Metálica Cerâmica

mecânica como à oxidação; além disso, deverá possuir, preferencialmente, propriedades que per-

Termoplásticos Polimérica

Matriz

Figura 1. Categorização dos compósitos quanto à origem do material utilizado na matriz.

Devido ao fato de existirem diversas possibilidades de combinações de materiais, foram es tabelecidos alguns sistemas de classificação

3.

para tentar ordenar o complexo mundo dos materiais compósitos. Num sistema, tendo-se em conta o tipo de materiais usados nos compósitos, estabeleceram-se três categorias base: compósitos de matriz polimérica, compósitos de matriz cerâmica e compósitos de matriz metálica. Essa classificação está esquematizada na Figura 1, que subdivide os compósitos de matriz polimérica nos elaborados a partir de termoplásticos e de plásticos termoendurecíveis. Está claro que essa classificação é demasiado purista e existem compósitos que não podem ser incluídos em nenhuma dessas categorias. Por isso, analisando os casos mais relevantes desse tipo, constituíram-se duas subcategorias mas não

Os compósitos de matriz polimérica consistem basicamente em misturas de polímeros de elevada massa molecular (matriz) com fibras (reforço). Esse tipo de material é bastante utilizado em toda a diversidade de aplicações dos compósitos. Devido ao fato das propriedades requeridas ocorrerem à temperatura ambiente e da facilidade e baixo custo de produção, este tipo de compósitos é amplamente utilizado (Thoppul; Finegan; Gibson, 2009). Por isso, apresenta-se a seguir um panorama sobre alguns dos compósitos de matriz polimérica mais comuns (Chung, 2010).7 Tabela 2. Composição química das fibras de vidro.

de somenos importância: compósitos carbono-

Tipo de vidro

-carbono e compósitos híbridos (Gay; Hoa;

Fibra de vidro

Tsai, 2003).6 Far-se-á, a seguir, uma descrição individualizada de cada tipo de compósito, tendo

5

6

64

Composição (% m/m) SiO2

CaO

Al2O3

B2O3

MgO

55

16

15

10

4

Fonte: Adaptada de Callister (2001).

em conta a origem do material que serve de matriz. 4

Compósitos de matriz polimérica

Os polímeros reforçados com fibra de

Tensão de cisalhamento, tensão tangencial ou tensão de corte, é um tipo de tensão gerado por forças aplicadas na mesma direção mas em sentidos opostos. É a tensão responsável pelo corte em tesouras.

vidro (PRFV), vulgarmente conhecidos por fibras

Tenacidade é uma medida da quantidade de energia que um material pode absorver antes de uma fratura. Essa quantidade pode ser obtida por integração do gráfico de tensão – deformação do material.

numa matriz polimérica. Esse tipo de compósito

SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).

7

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

de vidro, são compósitos que consistem de fibras de vidro contínuas ou descontínuas imbuídas é amplamente produzido em escala mundial, SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).


Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos

podendo ser utilizado quer em sapatos, quer

meros de alta temperatura, como, por exemplo, as

em estruturas de caravanas, por exemplo. Parte

resinas de poliamida (Callister; Rethwisch, 2011).

integrante do reforço deste compósito, as fibras

Os polímeros reforçados com fibra de

de vidro, também denominadas E-vidro, têm

carbono, popularmente conhecidos simplesmente

uma composição química definida (Tabela 2) e o

como fibras de carbono, são compósitos que con­

diâmetro das mesmas variam entre 3 e 20 μm.

sistem em fibras de carbono contínuas ou des­

Os compósitos de fibra de vidro são

contínuas imbuídas numa matriz polimérica. A

bastante populares, dado que as fibras de alta

exploração técnica, no que diz respeito a este tipo de material, foi tão exaustiva que sua produção, nesse momento, é considerada relativamente barata. Em Portugal, por exemplo, uma peça de fibra de carbono ronda 1520 €/m3. As fibras de carbono são materiais de alta performance que fazem com que os compósitos de fibras de carbono com matriz polimérica sejam os mais utilizados em indústrias em que se exigem compostos de resistência mecânica e térmica bastante elevada. Isso acontece porque, de todas as fibras utilizáveis como reforço em compósitos, as fibras de carbono possuem módulo de Young9 e resistência mecânica superiores. Além disso, as fibras de carbono conservam estas propriedades mesmo a temperaturas elevadas o que, por outro lado, faz com que a oxidação térmica10 das fibras de carbono seja bastante difícil.11 As fibras de carbono também possuem a grande vantagem de não serem afetadas quando colocadas na presença de uma grande variedade de solventes, ácidos ou bases. A variedade de fibras de carbono disponíveis para a utilização em compósitos promove a diversidade e especificidade das propriedades que

resistência podem ser facilmente fabricadas a partir do vidro derretido (com composição química idêntica à referida acima). Além disso, o processo de fabricação de compósitos de matriz polimérica reforçados com fibra de vidro é relativamente barato, existindo várias técnicas para a elaboração dos mesmos.8 A popularidade desse tipo de compósito advém do facto das suas fibras serem resistentes e, por isso, quando envolvidas numa matriz polimérica, produzirem um compósito com uma resistência específica à tração bastante elevada. Uma última vantagem resulta do fato de este tipo de compósito poder ser utilizado numa grande variedade de ambientes corrosivos, dado serem bastante inertes do ponto de vista químico (Gay; Hoa; Tsai, 2003). Todavia, apesar de possuírem elevada re­ sistência específica à tração, este tipo de com­ pósito revela várias limitações. Uma delas é não possuírem a rigidez necessária para certas aplicações (por exemplo, como partes estruturais de aviões ou pontes). Além disso, os materiais que utilizam fibras de vidro, normalmente, estão limitados a uma temperatura útil de 200 oC. Acrescente-se a isso o facto de que, a temperaturas

9

O módulo de Young é um parâmetro mecânico que proporciona uma medida da rigidez de um material sólido. É uma propriedade intrínseca aos materiais que pode ser obtida a partir da razão entre a tensão exercida e a deformação sofrida pelo material.

10

A oxidação térmica consiste em destruir as moléculas pela ação da temperatura e do oxigénio, normalmente proveniente do ar, de forma que as moléculas resultantes não sejam agressivas ao homem ou ao meio ambiente.

11

SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).

mais elevadas, os polímeros começam a fluidificar­ ‑se ou a deteriorar-se. A temperatura útil deste tipo de compósito pode ser elevada a um máximo de aproximadamente 300 oC utilizando, para isso, sílica fundida de elevado grau de pureza e polí­ 8

SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).

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cada compósito pode ter. O diâmetro das fibras de carbono varia entre 4 e 10 μm (Chung, 2010). Os compósitos de matriz polimérica reforçada com fibra de carbono estão a ser bastante utilizados nos mais variados campos, por exemplo: na indústria do desporto e da recreação (varas de pesca, tacos de golf, mastros de barcos), na indústria militar (chassis e hélices de helicópteros militares), também na indústria do armazenamento (reservatórios de pressão), entre muitas outras indústrias, o que significa que, atualmente, a utilização de compósitos de fibras de carbono é elevada. Os polímeros reforçados com fibra de aramida foram introduzidos no início dos anos 70 e revelaram-se muito úteis dado que possuem uma elevada resistência mecânica e um módulo de Young igualmente elevado. Desde o início, eles foram muito utilizados, dado que possuem uma razão resistência/massa muito elevada, superior às dos metais. Esse fato é importante dado que a indústria procura sempre encontrar materiais com elevada resistência mas com a menor densidade possível. Quimicamente, este subgrupo é conhecido como poli-(parafenileno tereftalamida). Existem diferentes compostos de aramida que, normalmente, são conhecidos pelos seus nomes comerciais (por exemplo, Kevlar® e Nomex®). Existem diversos tipos de polímeros reforçados com fibra de aramida (por exemplo, Kevlar® 49, Kevlar® 119 e Kevlar® 129), cujas propriedades mecânicas variam. Nesses materiais, as moléculas são alinhadas e repetidas sucessivamente, resultando numa estrutura forte e coesa.12 É de notar que o alinhamento das fibras é sempre correspondente ao alinhamento da cadeia polimérica. Do ponto de vista mecânico, as fibras de aramida possuem a mais elevada resistência à 12

66

SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).

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tra ção longitudinal dentre todos os compósitos de matriz polimérica, porém são relativamente frágeis no que respeita à sua capacidade de resistirem a for ças de compressão. Além disso, esses materiais são bastante utilizados pela sua tenacidade, resistência ao choque e resistência ao stress cíclico13. Apesar das fibras de aramida serem termoplásticas, elas são resistentes à combustão e estáveis a temperatu ras relativamente altas, conseguindo manter a sua performance num intervalo de temperaturas que varia entre os – 200 ºC e 200 ºC. Do ponto de vista da degradação, as fibras de aramida são dete rioradas por ácidos e bases fortes, sendo, contudo, praticamente inertes em outros solventes químicos. As fibras de aramida são o reforço por excelência dos melhores compósitos de matriz polimérica; os principais polímeros utilizados na sua produção são as resinas epóxi e as resinas de poliésteres. Como as fibras são relativamente flexíveis e algo dúcteis, elas podem ser processadas na indústria têxtil (por exemplo, na produção de coletes à prova de bala) (Chung, 2010).

4.

Compósitos de matriz metálica Como o nome indica, os compósitos de

matriz metálica possuem uma matriz metálica dúctil. Esses compósitos podem ser utilizados a uma temperatura superior à que o metal isolado suportaria; além disso, o reforço pode aumentar a rigidez e a resistência do material (Chawla; Shen, 2001; Clyne, 1993).14 As vantagens desses materiais sobre os compósitos de matriz 13

O stress cíclico refere-se a uma distribuição interna de forças que muda com o tempo de forma repetitiva. A capacidade de um corpo resistir às sucessivas tensões que lhe são exercidas diminui com o tempo.

14

SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).


Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos

Tabela 3. Propriedades de alguns compósitos de matriz metálica. Fibra

Matriz

Composição em fibra (% V/V)

Massa volúmica (g/cm3)

Módulo de Young longitudinal (GPa)

Resistência à tração longitudinal (MPa)

Carbono

6061 Al

41

2,44

320

620

Boro

6061 Al

48

207

1515

SiC

6061 Al

50

2,93

230

1480

Al2O3

380.0 Al

24

120

340

Carbono

AZ31 Mg

38

1,83

300

510

Fonte: Adaptada de Weeton (1987).

polimérica incluem a possibilidade de utilização

5.

a uma temperatura mais elevada, a não inflamabilidade e uma maior resistência à degra dação por reagentes orgânicos. Os compósitos de matriz metálica são, grosso modo, bastante mais caros do que os compósitos de matriz polimérica, razão pela qual a sua utilização é restrita (Kainer, 2006). O reforço empregado numa matriz metálica pode ser constituído por fibras cuja quantidade relativa pode se fixar entre os 10 e os 60% V/V (Callister; Rethwisch, 2011). A Tabela 3 apresenta as propriedades de vários compósitos de matriz metálica. Recentemente, a indústria automobilística tem investido na utilização de compósitos de matriz metálica. Por exemplo, têm sido produzidos alguns componentes do motor a partir de compósitos de alumínio reforçados com óxido de alumínio e fibras de carbono, obtendo-se, assim, motores mais leves e mais resistentes a elevações de temperatura. Esses compósitos são igualmente, utilizados na indústria aeroespacial; os vaivéns espaciais utilizam compósitos de matriz de alumínio e reforço de fibras de boro, enquanto o telescópio espacial Hubble utiliza compósitos com a mesma matriz mas reforçados com fibras de grafite.15 15

We Energies. Disponível em: <http://www.we-energies.com/ environmental/ccp_handbook_ch8.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2012).

Compósitos de matriz cerâmica As cerâmicas sempre foram conhecidas pela

sua elevada resistência à oxidação e deterioração. Não fossem esses materiais suscetíveis à fratura e poderiam ser utilizados nas mais diversas indústrias como materiais de alta performance.16 No entanto, com o avanço da tecnologia, criaramse novos materiais que respondem a outras exigências17 do mercado: os compósitos de matriz cerâmica. O fato de serem reforçados fez com que a sua resistência à fratura fosse melhorada. Uma técnica de reforço muito utilizada nesse tipo de compósitos é o reforço com outras cerâmicas em fibras ou em partículas (Marshall; Cox, 2008). Enquanto para as cerâmicas não reforçadas a resistência máxima à fratura se situa entre 1 a 5 MPa m , em cerâmicas reforçadas esse valor pode elevar-se a aproximadamente, 6 a 20 MPa m (Callister; Rethwisch, 2011). Algumas das grandes vantagens desse tipo de materiais são a elevada rigidez, resistência a altas temperaturas, baixa compressibilidade e uma densidade relativamente baixa, ao passo que apresentam como desvantagens uma baixa resis tência ao impacto, uma baixa tensão máxima de alongamento e suscetibilidade a falhas 16

SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).

17

Nessas exigências podem incluir-se a necessidade de produção de materiais com elevada resistência a temperaturas elevadas.

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Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro

por va­riações bruscas de temperatura. Algumas

substituição de um disco de freio de ferro fundido

proprie­dades de matrizes cerâmicas normalmente

ou aço por um compósito de matriz cerâmica

utiliza­das em compósitos são apresentadas na

conduz a um ganho na distância de frenagem.

Tabela 4.

A discussão neste capítulo permitiu escla­

Apesar de apresentarem diversas vanta­

recer a importância da matriz na elaboração de

gens, os compósitos de matriz cerâmica não são

um compósito. Foram salientadas as principais

muito utilizados devido ao seu custo e dificuldade de produção. Contudo, esse tipo de compósito

é

categorias existentes para classificar os materiais compósitos quanto à origem da sua matriz. Porém, o

bastante utilizado nos discos de freio de automóveis

que dizer das suas estruturas? Será que existe apenas

de elevada performance. Isso acontece porque a

uma classificação segundo o material de reforço?

Tabela 4. Propriedades de algumas matrizes cerâmicas. Matriz

Módulo de Young (GPa)

Resistência máxima à fratura (MPa)

Densidade (g/cm3)

LAS

117

2,42

2,61

5,76

Pyrex

48

0,08

2,23

3,24

1252

Ponto de fusão (ºC)

Al2O3

345

3,52

3,97

8,64

2050

Mulite

145

2,20

3,30

5,76

1850

ZrO2 PS

207

8,46

5,75

7,92

2460

ZrO2 FS

207

2,75

5,56

13,5

TiO2

283

2,53

4,25

9,36

1849

Si3N4 SN

310

5,60

3,18

3,06

1870

Si3N4 RB

165

3,41

Si3N4 HP

310

5,60

3,19

3,06

1870

SiO2

76

0,77

2,20

0,54

1610

SiC Sn

331

4,94

3,21

4,32

1980

SiC HP

414

4,94

3,21

4,32

1980

B4C

290

2,41

3,06

2350

TiB2

552

6,92

4,62

8,10

2900

TiC

427

4,92

8,46

3140

TaC

283

14,50

6,66

3880

BeO

359

3,00

5,76

2530

WC

669

15,80

4,50

2870

Cr2O3

103

3,85

5,21

7,56

2435

Cr3C2

386

6,70

9,67

1890

BN┴

34

1,94

6,66

2982

BN║

76

1,94

0,36

2982

NbC

448

7,82

6,66

3499

Fonte: Adaptada de Peters (1998).

68

Coeficiente de expansão térmica 10-6 (ºC)-1

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Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos

6.

Classificação levando em conta a estrutura

enchimento: estruturados, particulados e fibrosos (Figura 2).

É de enorme importância estudarem-se as Laminares

es truturas dos materiais que constituem o reforço do compósito, visto que são estas que vão regular

Estruturas

as propriedades mais específicas do novo material.

Sandwich

Além disso, se existe uma matriz e um reforço, tem

Compósitos

Particulados

que existir uma zona de fronteira entre as duas fases, que também se revela muito importante: a interface (Gay; Hoa; Tsai, 2003). A interface, por ser a fronteira entre as duas fases do compósito, proporciona a transferência

Fibrosos

Figura 2. Esquema com a classificação dos compósitos quanto à estrutura.

de tensões aplicadas no material. A adesão entre a matriz e o enchimento é essencial para o material atingir o mais alto nível de rendimento no que respeita, muito particularmente, às propriedades mecânicas (Nogueira; Paiva; Rezende, 2005). A ligação entre a matriz e o reforço pode ser de três tipos (Chung, 2010): • Ligação direta entre as duas fases; • Ligação através duma camada extra (interfase); • Ligação através de uma terceira fase acrescentada ao compósito. É óbvio que tanto a matriz como o enchimento contribuem para as propriedades do compósito elaborado. A quantidade relativa de reforço e o tamanho do reforço também são fatores a ter em consideração, mas talvez o fator de maior importância se prenda com as micro e macroestruturas presentes no compósito (Chung, 2010).18 Daí, torna-se necessário categorizar os compósitos tendo em conta a sua estrutura e a disposição do reforço na matriz, sendo realizada em seguida uma análise individual das três principais categorias, tendo em consideração a estrutura do 18

SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).

7.

Compósitos estruturados Um compósito estruturado é, normalmente,

composto por fases homogéneas. As suas propriedades dependem tanto dos materiais que o compõem, como também da disposição geométrica das fases estruturais. Os dois tipos de compósitos estruturados mais comuns são os laminares e os sandwich. Os compósitos laminares são elaborados a partir de folhas ou painéis que possuem elevada resistência mecânica numa determinada direção. As várias camadas são sobrepostas e consolidadas, de tal forma que a direção preferencial de elevada resistência mecânica varie de camada para camada, formando assim um material que não possui apenas uma direção preferencial de maximização de propriedades mecânicas. Esse tipo de compósito pode ser, por exemplo, elaborado utilizando-se madeira contraplacada. Basicamente, as folhas de contraplacado, com as fibras de madeira orientadas segundo uma direção, são sobrepostas de forma a produzir uma peça de madeira contraplacada com fibras em diferentes orientações. Devido a esse fato, um compósito produzido com essa técnica possuirá uma resistência mecânica relativamente elevada em diversas

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Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro

direções. Contudo, a resistência mecânica em

que a matriz. As partículas do reforço tendem

cada direção será, obviamente, menor que a

a restringir o movimento da fase matricial na

resistência mecânica registada se todas as fibras

vizinhança de cada partícula.19 Essencialmente, a

estivessem orientadas nessa mesma direção. Um

matriz do compósito transfere a tensão aplicada

exemplo de uma estrutura laminar relativamente

para as partículas que constituem o reforço. O grau

complexa é um esqui moderno (Gay; Hoa; Tsai,

de reforço ou melhoramento das propriedades

2003). Diversos materiais podem ser utilizados na

mecânicas do material depende essencialmente

elaboração dos painéis utilizados nos compósitos

de uma forte ligação na interface entre a matriz e

laminares: algodão, papel, tecidos de fibra de vidro

as partículas que constituem o reforço (Chawla;

envolvidos numa matriz polimé rica, entre outros.

Shen, 2001).

Por outro lado, os compósitos sandwich são

As partículas envolvidas no reforço podem

elaborados para possuírem o mínimo de massa e

ser de dimensões muito distintas. Apesar de as par-

o máximo de rigidez. Basicamente, consistem em

tículas mais utilizadas serem do tipo macroscópico

duas folhas exteriores coladas a um núcleo mais

(na ordem de grandeza do micrómetro), existem

espesso. Os painéis exteriores são, grosso modo,

compósitos particulados que são elaborados a partir

constituídos por um material rígido e com elevada

de fragmentos com diâmetro médio aproximado de

resistência mecânica (ligas de alumínio, plástico

10 a 100 nm. A esse nível, o reforço ocorre ao nível

reforçado com fibras, titânio, aço ou contraplacado).

molecular, ou, até mesmo, atómico. Nesse tipo de

Essas folhas externas são as responsáveis pela

compósito, a tensão mecânica é suportada quase

resistência mecânica da estrutura e devem ser

exclusivamente pela matriz, porém, o reforço mi-

suficientemente espessas para suportarem tanto

croscópico tem a principal e importante tarefa

tensões de distensão como de compressão. O

de impedir o movimento ou deslocamento das

material que constitui o núcleo deve ser o mais leve

moléculas/átomos da matriz. Com base nesse prin-

possível e, normalmente, possui um baixo módulo

cípio, a deformação plástica pode ser limitada,

de elasticidade. São constituídas, na sua maioria,

melhorando assim a resistência do material bem

por espumas poliméricas rígidas, balsa (uma

como a sua rigidez.

madeira de baixa densidade) ou estruturas idênticas

As matrizes dos compósitos particulados

aos favos de mel. O núcleo desses com pósitos

podem ser elaboradas a partir de todos os três tipos

proporciona suporte contínuo às faces e, além

base de materiais (metais, cerâmicas e polímeros).

disso, deve ser o responsável por prover resistência

Um dos principais compósitos dessa categoria é

mecânica a tensões transversais e de cisalhamento,

vulgarmente conhecido como metal duro. Metal

sendo que o núcleo é mais compressível do que as

duro é o nome dado a uma liga de carbeto de

faces (Gay; Hoa; Tsai, 2003).

tungsténio, produzida por metalurgia. O produto é obtido pela prensagem e sinterização de uma mistura de pós de carbeto e outros materiais de menor ponto

8.

Compósitos particulados Um compósito particulado possui estruturas

muito diferentes dos compósitos anteriores. Na sua grande maioria, esses compósitos possuem uma fase de reforço particulada mais rígida do

70

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

de fusão, chamados aglomerantes (cobalto, crómio, níquel ou uma combinação deles). O resultado é um material de dureza elevada, dependendo do teor de 19

SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).


Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos

aglomerante e do tamanho do grão de carbeto. As

de fibras, que podem ser longas ou curtas (Chung,

maiores durezas são conseguidas com baixos teores

2010; Nogueira; Paiva; Rezende, 2005).

de aglomerante e tamanho de grão reduzido. Por

Nesse tipo de compósitos, as fibras revelam-

outro lado, é obtida maior tenacidade aumentando o

-se exímias no melhoramento da rigidez e da

teor de aglomerante e/ou aumentando o tamanho de

resistência do material a tensões mecânicas. A

grão (Gay; Hoa; Tsai, 2003).

grande vantagem do melhoramento de um material

A principal utilização desse tipo de com-

pela adição de fibras ordenadas está na minimização

pósito é em ferramentas de corte ou em discos de

das falhas na direção normal às fibras. Contudo,

laminação. As ferramentas de corte, nas quais a

interessa, aqui, salientar a importância de uma

propriedade desejada é a elevada dureza, têm teo res

outra característica sobre este tipo de compósitos:

baixos de aglomerante, menos de 5%. Já em discos

a dimensão da fase fibrosa.

de laminação, em que a resistência ao impacto

Uma importante característica a se levar em

passa a ser vital, é admissível perder um pouco da

consideração na elaboração de fibras é que, para

dureza para conseguir um mínimo de tenacidade.

a maioria dos materiais, especialmente os mais

Nesse caso, dependendo da aplicação, o teor de

frágeis, uma fibra de pequeno diâmetro é muito

aglomerante pode chegar a 30 ou 35%. A grande

mais resistente do que um bloco desse mesmo

aplicação dos metais duros deve-se ao fato de eles

material. Isso acontece porque a probabilidade de

possuírem a combinação de resistência ao desgaste,

ocorrência de falhas críticas na superfície de um

resistência mecânica e tenacidade em altos níveis.

material diminui com a diminuição do seu volume

Por outro lado, existe um compósito par-

e é com base nessa premissa elementar que se

ticulado cujos fragmentos possuem dimensão

conseguiu tirar vantagem dos compósitos fibrosos.

muito superior: o betão. O betão é um material

Em face do seu diâmetro e características, as

formado pela mistura de cimento, agregados gros-

fibras são agrupadas em três diferentes categorias:

sos e finos (por exemplo, areias) e água. Neste

wiskers (capilares fibrosos), fibras e fios.

compósito, tanto a matriz como o enchimento são

Os wiskers são cristais extremamente finos

elaborados a partir de materiais cerâmicos. Dois

com comprimentos muitíssimo superiores ao seu

dos tipos de betão mais conhecidos são o betão

diâmetro. Como consequência do seu baixo calibre,

de cimento Portland (utilizado na estrutura das

eles têm um elevado grau de perfeição ao nível da

habitações) e o asfalto (utilizado como pavimento

estrutura cristalina e, por isso, não possuem virtual-

rodoviário).

mente qualquer falha estrutural. Esse tipo de estrutura possibilita que os compósitos elaborados a partir dessas fibras possuam uma elevadíssima resistência

9.

Compósitos fibrosos

mecânica e estejam entre os materiais mais resistentes de que há registo (Tabela 5). Contudo, o custo na

Tecnologicamente, os compósitos mais im-

elaboração desse tipo de compósito é muito elevado,

portantes pertencem à categoria dos compósitos

dado que é extremamente difícil, ou, até mesmo,

reforçados com fibras. A elaboração de compósitos

impraticável, envolver wiskers numa matriz. Nos

fibrosos tem, normalmente, como principal objetivo

materiais comumente utilizados nestes capilares fi-

melhorar a resistência mecânica do material. Nesse

brosos, incluem-se a grafite, o carbeto de silício, o

tipo de compósitos, o enchimento é uma fase,

nitreto de silício e o óxido de alumínio (Gay; Hoa;

dispersa aleatoriamente ou ordenada, sob a forma

Tsai, 2003).

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Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro

Tabela 5. Propriedades de algumas fibras consoante o seu diâmetro médio. Fibra Wiskers Grafite Nitreto de silício Óxido de alumínio Carboneto de silício Fibras Óxido de alumínio Aramida (Kevlar 49) Carbono E-vidro Boro Carboneto de silício Polietileno Fios metálicos Aço de elevada resistência Molibdénio Tungsténio

Densidade relativa

Resistência à tração (GPa)

Resistência específica à tração (GPa)

Módulo de elasticidade (GPa)

2,2 3,2 4,0 3,2

20 5-7 10-20 20

9,1 1,56-2,2 2,5-5,0 6,25

700 350-380 700-1500 480

3,95 1,44 1,78-2,15 2,58 2,57 3,0 0,97

1,38 3,6-4,1 1,5-4,8 3,45 3,6 3,9 2,6

0,35 2,5-2,85 0,70-2,70 1,34 1,40 1,30 2,68

379 131 228-724 72,5 400 400 117

7,9 10,2 19,3

2,39 2,2 2,89

0,30 0,22 0,15

210 324 407

Fonte: Adaptada de Callister e Rethwisch (2011).

Os materiais classificados apenas como

mais tecno -científico ao mundo. Esses materiais

fibras possuem pequenos diâmetros, porém não

resultam da combinação entre um material que

tão pequenos quanto os wiskers. Neste grupo

serve de matriz e outro material que serve de

incluem-se, geralmente, tanto os polímeros fibro-

reforço ou enchimento. Os compósitos podem

sos como as cerâmicas fibrosas (por exemplo ara-

ser classificados quanto à origem da sua matriz

mida, vidro, carbono, boro, óxido de alumínio e

como: matriz cerâmica, matriz polimérica e

carbeto de silício), alguns deles já comentados na

matriz metálica. Além disso, podem ser, também

abordagem dos compósitos de matriz polimérica.

categorizados de acordo com o tipo de reforço

Por outro lado, os fios possuem diâmetros

que possuem: compósitos laminares, sandwich,

relativamente grandes. Os materiais que são, essen-

particulados e fibrosos. A ciência, por vezes, segue

cialmente, utilizados nesse tipo de fibras são o aço,

diferentes abordagens quando se depara com um

molibdénio e tungsténio. Esses fios são utilizados

novo problema. Na área da Química dos Materiais

como reforço radial em pneus de automóveis ou

existem duas grandes correntes de investigação:

enrolados no revestimento de mangueiras de alta

a investigação técnica e a investigação científica.

pressão. Na Tabela 5 apresentam-se algumas pro-

Apesar de a técnica ser bastante importante na

priedades de vários tipos de fibras consoante o seu

ciência, a investigação não pode subsistir à custa de

diâmetro médio.

abordagens puramente tecnicistas. Um olhar atento aos livros, revisões, artigos e outros materiais de pesquisa da especialidade provou que a abordagem

10. Considerações

72

finais

que tem sido tomada para investigar em Química dos Materiais é quase exclusivamente tecnicista.

Os compósitos fazem parte do grupo

Isso levanta uma dificuldade acrescida para o

dos novos materiais que aportam um aspeto

investigador/pesquisador que, antes de desenvolver

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos

um novo trabalho, quer analisar o estado da arte de um determinado tema. Discutindo especificamente a divulgação científica de materiais compósitos, pode dizer-se que existem imensos artigos que desenvolvem as potencialidades de um deter­ minado compósito, porém, é raro o artigo de pes­ quisa que forneça uma visão globalizante do que é um compósito e quais as suas generalidades.

Referências BLEDZKI, A. K. e GASSAN, J. Progress in Polymer Science, v. 24, p. 221-274, 1999. CALLISTER, W. D. Fundamentals of Materials Science and Engineering, John Wiley & Sons, Inc., United States of America, 2001. ______.; RETHWISCH, D. G. Materials Science and Engineering, John Wiley & Sons, Inc., Asia, 2011. CHAWLA, N. e SHEN, Y. L. Advanced Engineering Materials, v. 3 p. 357-370, 2001.

CLYNE, T. W. An introduction to metal matrix composites, Cambridge University Press, New York, 1993. CHUNG, D. D. L. Composite Materials - Science and Applications, Springer-Verlag London Limited, Buffalo, 2010. GAY, D.; HOA, S. V. E TSAI, S. W. Composite Materials - Design and Applications, CRC Press LLC, 2003. HULL, D. e CLYNE, T. W. An Introduction to Composite Materials, Cambridge University Press, 1996. KAINER, K. Metal matrix composites, Wiley-VCH, Weinheim, 2006. MARSHALL, D. B. e COX, B. N. Annual Review of Materials Research, v. 38, p. 425-443, 2008. NOGUEIRA, C. L.; PAIVA, J. M. F. D. e REZENDE, M. C. Materials Research, v. 8, p. 81-89, 2005. PETERS, S. T. Handbook of Composites, Chapman & Hall, London, 1998. THOPPUL, S. D.; FINEGAN, J. e GIBSON, R. F. Composites Science and Technology, v. 69 p. 301‑329, 2009. WEETON, J. Engineers’ guide to composite materials, American Society for Metals, Ohio, 1987.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

73



Artigo 06 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011

p. 75-82

Polímeros: abordagem do tema na opinião de professores do ensino médio Polymers: high school teachers´ opinions about its approach Denise Leal de Castro1 e Álvaro Figueiredo da Silva e Sá Júnior1

Resumo

A contextualização no ensino busca trazer o cotidiano para a sala de aula, ao mesmo tempo em que procura aproximar o dia a dia dos alunos do conhecimento científico. Tais ações, em disciplinas complexas como a Química, são extremamente importantes, O polímero, por sua vez, é um assunto em evidência e muitas pessoas sabem da sua importância para a sociedade; mas o que poucos conhecem é a enorme variedade de conceitos que podem ser desenvolvidos, em sala de aula, a partir desse tema. O presente estudo descreve a pesquisa feita com professores de colégios públicos estaduais do Rio de Janeiro, além de sugerir uma atividade experimental para o Ensino Médio na perspectiva de rompimento com a fragmentação e a linearidade dos conteúdos químicos. Trata-se de uma abordagem temática dirigida à con­textualização e à significação das aprendizagens na formação escolar. Palavras-chave: Polímeros. Ensino de química. Livro didático. Contextualização. Abstract

The contextualization in teaching seeks to bring the everyday into the classroom, while seeking to bring the day-to-day student of scientific knowledge. Such actions in complex disciplines such as chemistry are extremely important. Polymer, for example, is a matter of evidence and many people know its importance to society. But what few know is the huge variety of concepts that can be developed in the classroom, based on this theme. The present study describes a survey of teachers in public schools in Rio de Janeiro state, and suggests an experimental activity for high school to prospect the 1

Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ.


breaking with the fragmentation, the linearity of the chemical contents. It is addressed to a thematic approach to meaning and context of learning in education. Key-words: Polymers. Chemistry teaching. Textbook. Contextualization.

1. Introdução

químicos auxiliassem na compreensão e resolução dos problemas (MEC, 1999).

Embora reconhecida a importância de ensinar

A necessidade de mudança é indiscutível, e

conhecimentos químicos inseridos em um contexto

muitas propostas sobre ensinar Química através de

social, político, econômico e cultural, o cenário que

eixos temáticos tem sido apresentadas nos vários

se apresenta não é satisfatório com relação a esse

grupos de Ensino de Química distribuídos pelo

aspecto. Observa-se com frequência que a seleção,

país e publicadas em revistas especializadas.

a sequenciação e a profundidade dos conteúdos

Possivelmente, com a hipótese de que o

estão orientadas de forma estanque, acrítica, o que

pensamento químico se paute pela reflexão sobre

mantém o ensino descontextualizado, dogmático,

o mundo material, os eixos temáticos têm sido

distante e alheio às necessidades e anseios da

propostos como tentativa de que, ao refletir sobre

comunidade escolar.

as coisas do meio, tais como ar, água, seres vivos

As aulas de Química ainda são desenvol-

e outros que tenham relação com a vivência do

vidas, em muitas escolas, por meio de atividades

aluno, contemplem, também, o conteúdo mínimo

nas quais há predominância de um verbalismo

da disciplina de Química, levando o aluno a sentir

teórico/conceitual desvinculado das vivências dos

necessidade do conhecimento químico, perceber

alunos, contribuindo para a formação de ideias/

sua importância e gostar desse conhecimento

conceitos em que parece não haver relações entre

(Chassot, 1995).

ambiente, ser humano e tecnologia (Lopes, 2004). Da problemática acima levantada deriva a ideia de contextualização. Contextualização é entendida aqui como um dos recursos para realizar aproximações/inter-relações entre conhecimentos

76

2. Polímeros

como ferramenta de contextualização

escolares e fatos/situações presentes no dia a dia

É de fundamental importância que o ensino

dos alunos. Contextualizar seria problematizar, in-

de Química seja relevante ao estudante. Isto é, que

vestigar e interpretar situações/fatos significativos

possa ser relacionado com o seu dia a dia, com

para os alunos de forma que os conhecimentos

assuntos que afetam a sua vida e a sociedade em

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


Polímeros: abordagem do tema na opinião de professores do ensino médio

que ele se insere. Como questiona Chassot (1990),

relevante para a sua vida e para a sociedade, este

em seu livro A educação no ensino de química,

trabalho teve como objetivos: tratar dos conceitos

Por que não ensinar química partindo da realidade dos

da Química dos Polímeros, utilizando-o como tema

alunos, escolhendo (ou deixando os alunos escolherem)

contextualizador, ressaltando o significado cien-

temas que são de seu interesse?

tífico e o contexto tecnológico e social nos quais

Neste contexto, os polímeros constituem

estão inseridos; fornecer conhecimentos relevantes

um tema de indiscutível importância para o homem

ao assunto, que possam servir de ferramenta cul-

moderno. Quando pensamos em polímeros vemos

tural para o jovem participar ativamente da socie-

que, sem dúvida, dificilmente desfrutaríamos do

dade moderna e; desenvolver novas estratégias que

mesmo conforto que temos atualmente se eles não

possam ser utilizadas em sala de aula para a dis-

estivessem presentes em nosso dia a dia. Tubos de

cussão de conceitos fundamentais na compre ensão

encanamento, canetas, lapiseiras, sacos de lixo e

da química dos polímeros.

sacolas de compra, colchões, cobertores de fibras acrílicas, roupas de náilon e de poliéster, guarda-chuvas e guarda-sóis, válvulas, tintas, borrachas,

3. Metodologia

espumas sintéticas, eletrodomésticos em geral,

3.1. Dados

computadores, carros, bicicletas, próteses etc. são objetos ou materiais pertencentes ao grupo dos polímeros. Como se não bastasse, são praticamente insubstituíveis. Não sem razão que já se convencionou chamar o nosso tempo de A Era dos Polímeros. Além disso, o polímero é um assunto constantemente discutido na televisão e nos jornais devido à sua influência na economia, sendo um tema de fácil abordagem interdisciplinar. Outro aspecto importante no ensino de química é a experimentação, quase sempre ausente em nossas escolas, mesmo sendo a química uma ciência experimental por definição. Entretanto, a falta de laboratórios, equipamentos e reagentes é obstáculo bem conhecido à viabilização de aulas práticas. Neste trabalho, o assunto polímeros é proposto como tema incentivador na aprendizagem de tópicos do programa de Química, como o estudo de hidrocarbonetos, propriedades físicas das substâncias (ponto de ebulição e solubilidade) e reciclagem. A sugestão para o uso desse tema, descrita neste trabalho, pode ser aplicada com os alunos da 3ª série do Ensino Médio Partindo do pressuposto de que o ensino médio deve oferecer ao educando um aprendizado

para análise da abordagem pelos professores

O material utilizado, para levantamento de dados em relação à abordagem do tema polímeros pelos professores do ensino médio, é o questionário direto, respondido por profissionais das áreas de Química e Biologia. Na FAETEC – Centro de Ensino Integrado de Quintino – foram entrevistados 18 professores de Química e 7 de Biologia, enquanto no IERP – Instituto de Educação Rangel Pestana – foram entrevistados 7 professores de Química e 3 de Biologia. Para a coleta de dados foi elaborado um questionário contendo as sete questões específicas, descritas a seguir, que foram respondidas através de entrevistas individuais. i) O tema polímero é abordado pelo professor? ii) Há a tentativa de trabalhar o tema junta mente com professores de outras disciplinas? iii) Esta tentativa é efetivada? iv) O livro didático é usado como guia para a abordagem do tema na sala de aula? v) O livro didático supre plenamente a sua necessidade no tema polímeros?

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

77


Denise Leal de Castro e Álvaro Figueiredo da Silva e Sá Júnior

vi) É realizada a contextualização do tema

3.4. Análise

com o cotidiano do aluno?

de dados

1. Explique o que você observou quando

vii) É realizada alguma prática ou demons-

misturou as duas soluções.

tração para o ensino do tema?

2. Que tipo de material foi formado? Que material deste tipo existe no nosso

Após a coleta de dados, a proposta de um

cotidiano?

experimento simples e de baixo custo foi feita aos professores e aplicada aos alunos. O experimento escolhido foi “Como se faz um polímero em casa” (Mól, 2005), cujo procedimento é descrito a seguir. 3.2. Material

utilizado e reagentes

• bórax (Na2B4O7 – pode ser comprado

4. Resultados 4.1. O

tema polímeros é abordado pelo professor?

em farmácia);

• cola branca; • anilina (corante para bolo); • 2 Béqueres de 250 mL; • proveta de 50 mL ou copo de café de 50 mL; • bastão de vidro (ou palito de picolé). 3.3. Procedimento

1. Prepare a solução diluindo 1 colher de sobremesa (4 gramas) de bórax em 100mL de água em um béquer; 2. Em outro béquer coloque 50 mL de cola branca e adicione 50 mL de água; misture bem com um bastão de vidro; 3. Adicione um pouco de corante à mistura da cola e misture bem;

se o tema polímeros era abordado em suas aulas, 32 professores responderam positivamente e 3 professores responderam negativamente. Das 3 respostas negativas, 2 respostas são de professores de Biologia e 1 resposta é de professor de Química. Os 3 professores que não abordam o tema em suas aulas, justificaram esse fato com a falta de tempo, uma vez que possuem apenas 2 tempos de 45 minutos cada, por semana. Ressaltam, ainda, que muitos tópicos que julgam de elevada importância para o aluno, ficam pendentes pelo mesmo motivo. 4.2. Há

a tentativa de trabalhar o tema juntamente com professores de outras disciplinas?

4. Adicione a solução de bórax à mistura

Quando questionados se ocorre alguma ten-

da cola e agite bem o bastão de vidro.

tativa de trabalhar o tema polímeros de forma inte-

Observe;

grada com outras disciplinas, buscando a interdis-

5. Separe o material formado e manipule-o com as mãos; 6. Lave bem as mãos depois de manipular os materiais; 7. Se quiser você pode fazer o experimento com outro tipo de cola.

78

Quando os professores foram questionados

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

ciplinaridade, apenas 13 dos 32 professores que trabalham com o tema polímeros afirmam promover essa integração. Dos 19 professores que negaram buscar a interdisciplinaridade, 6 deles justificam pela falta de colaboração dos profissionais de outras disciplinas, 9 deles justificam com a falta de tempo


Polímeros: abordagem do tema na opinião de professores do ensino médio

para planejamento em conjunto com outros profis­ sionais e 4 deles alegam nunca ter tentado tal ação. 4.3. Esta

tentativa é efetivada?

Entre os 13 professores que deram uma resposta positiva quando questionados sobre a pro­ moção da interdisciplinaridade, apenas 1 professor conseguiu efetivar tal tentativa. O único professor que conseguiu promo­ ver a interdisciplinaridade, com o tema polímeros, afirma que isso foi possível devido a um projeto de toda instituição, que tinha como tema gerador a reciclagem, logo todas as disciplinas tinham que trabalhar ao redor deste tema. Esse professor afirmou, também, que tal tema foi abordado durante 4 meses letivos e, posteriormente, essa interdisciplinaridade não foi mais alcançada. O restante dos professores, que afirmaram não conseguir efetivar tal interdisciplinaridade, alegaram encontrar grandes obstáculos quando propuseram tal ação coletiva às direções das ins­ tituições. Analisando tal alegação desses professores, houve, então, um questionamento extra: Há chance de uma nova proposta buscando a interdiscipli­ naridade? A resposta unânime foi a de que na mesma instituição não haveria chance de uma nova pro­posta por parte do profissional. 4.4. O

livro didático é usado como guia para a abordagem do tema na sala de aula?

Quando os 32 professores foram questio­ nados se o livro didático era usado como guia para abordar o tema polímeros em sala de aula, 30 responderam positivamente e apenas 2 respon­ deram negativamente. Os 2 professores que responderam negati­ vamente a essa questão, afirmam que usam os livros didáticos como meio para relembrar os tópicos principais do assunto, mas planejam suas aulas através de fontes diversas, dentre elas, a internet.

Quando foi solicitado que esses professores mos­ trassem o plano das aulas, um deles respondeu não possuir um planejamento de aula forma­lizado enquanto outro apresentou um plano de aula datado de 2002. Quando questionado sobre a necessidade de apresentar um plano de curso atualizado para aprovação pela instituição, o primeiro professor informou que apresenta um mesmo plano de curso já aprovado no ano anterior, mas não o segue em sala. Já o segundo, alega que, embora a data seja de 10 anos passados, o mesmo ainda se encontra atualizado; ele informa, também, que antes de ministrar a aula sobre o tema, se atualiza com informações retiradas da internet e livros mais recentes. 4.5. O

livro didático supre plenamente a sua necessidade no tema polímeros?

Os 30 professores que responderam à questão (4), responderam de forma concordante, que embora usem o livro didático como guia, ele não atende plenamente as ne­cessidades para abordar o tema polímeros. Isso acontece porque se trata de um tema em constante mudança e avanço e pela razão da maioria dos livros didáticos encontrados serem da década de 1990. Então, aproximadamente 80% desses profes­sores dizem que, antes de aplicar um tópico em sala de aula, seja ele qual for, as informações retiradas dos livros didáticos devem ser atualizadas e com­ plementadas com informações retiradas de meios mais dinâmicos, como internet e revistas. 4.6. É

realizada a contextualização do tema com o cotidiano do aluno?

Quando os professores entrevistados fo­ ram questionados se quando abordam o assunto polímeros em suas aulas, procuram contextualizar o tema com o cotidiano do aluno, foi obtida em 100 % dos casos a resposta positiva.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

79


Denise Leal de Castro e Álvaro Figueiredo da Silva e Sá Júnior

Eles justificam suas respostas com a facilidade de obtenção de informações nos diversos meios de comunicação, assim como na variedade de formas com as quais os polímeros estão presentes no cotidiano do aluno, facilitando, assim, a contextualização sem muito esforço por parte do

6. Discussão

Com os resultados obtidos pode-se verificar que a maioria dos professores percebe o tema polímeros como um assunto de grande importância para a formação dos alunos. Este fato se confirma

professor.

com a fração significante de professores de

4.7. É

de aula, embora muitas vezes não aproveitassem

química e biologia que abordam o tema em sala

realizada alguma prática ou demonstração para o ensino do tema? Dos 32 professores que trabalham com o

assunto, 7 afirmam que levam materiais dos diferentes polímeros para mostrar para a turma e 2 deles dizem que, ao final do período letivo, trabalham o tema com seminários apresentados pelos alunos, nos quais cada grupo trata de um material diferente. O restante, ou seja, 26 professores afirmam que trabalham apenas com aulas expositivas.

o pleno potencial do tema em momentos diversos dentro destas disciplinas. Outro fator que afeta de forma impactante o potencial do tema é a não promoção da interdisciplinaridade, fator de grande importância para que os alunos do ensino médio percebam que a química não é uma disciplina isolada e que esta caminha com outras disciplinas de forma integrada, mostrando, assim, a importância das disciplinas no seu dia a dia, objetivando o aumento do interesse do aluno nos estudos. Com essa pesquisa foi pos-

5. Análise

dos dados do experimento

A maioria dos alunos respondeu que foi muito interessante participar do experimento e que gostariam de fazer mais atividades deste tipo. Seguem algumas falas dos alunos: “... muito legal, a mistura ia ficando mais dura e difícil de mexer...” “... dá para fazer artesanato com este polímero?” “Todo polímero é feito de cola?” Foi explicado que a cola é um polímero chamado PVA (poli acetato de vinila), cujo monômero é o etanoato de etenila (acetato de vinila). Entretanto, ao adicionarmos o bórax, promovemos novas reações de polimerização, unindo os polímeros já existentes por meio de novas ligações feitas com o íon borato. Dessa forma, obtemos um novo polímero, com propriedades físicas diferentes das existentes nas substâncias inicias.

80

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

sível se verificar que, mesmo com carga horária curta e sem motivação, alguns professores ainda assim, tentam buscar a interdisciplinaridade, mas esses esbarram, algumas vezes, com a falta de interesse de outros professores ou, quando não é isso, com a estrutura administrativa da instituição de ensino, fazendo com que estes profissionais se revoltem e não procurem mais promover tal ação. Embora a interdisciplinaridade não seja promovida pelos professores, a contextualização, por sua vez, é amplamente utilizada na abordagem do tema polímeros, o que é extremamente positivo para a melhoria do aprendizado do aluno. Esse fato ocorre devido à facilidade de obtenção de materiais, informações e a constante presença do assunto nos diversos meios de comunicação, o que permite aos professores promover tal ação mesmo existindo tantas barreiras a serem ultrapassadas por estes profissionais. Uma ferramenta muito útil para a contextualização em sala de aula é o uso de aulas


Polímeros: abordagem do tema na opinião de professores do ensino médio

experimentais, uma vez que se estabelece um es-

o tema é usado pela maioria dos professores de

paço para a experimentação, pré-requisito funda-

forma contextualizada, ajudando na aprendizagem

mental e ponto de partida do concreto para o

dos alunos. Entretanto, devido à deficiência de

abstrato, do prático para o teórico, trazendo para

recursos materiais e humanos, o assunto polímeros

a vida do aluno uma experiência prática sobre

não é explorado de forma plenamente satisfatória,

um assunto. Segundo o que observamos neste

podendo render muito mais do que hoje rende

trabalho, essa ferramenta ainda não é utilizada por

como ferramenta de contextualização.

falta de recursos financeiros ou humanos.

Finalmente, constatamos, também, que a

A receptividade ao experimento foi muito

realização de experimentos é um método facili-

grande e a maioria dos alunos reconheceu que

tador e motivador para despertar o interesse dos

existem vários polímeros entre os objetos que eles

alunos sobre determinados temas, entre eles o

usam diariamente. Entre os alunos, a vontade de ter

tema polímeros.

aula práticas que abordem outros temas é unânime.

REFERÊNCIAS 7. Conclusão

Os resultados deste trabalho indicam que os professores de ensino médio, dentro de suas condições, estão interessados na temática relacionada com os polímeros, pois o tema tem sido bastante discutido, embora não com a ênfase merecida. Observa-se, também, que não há diferença significativa de visão entre professores de diferentes escolas. De uma forma geral, eles mostraram-se interessados em ter uma ferramenta de apoio ao ensino de Química e Biologia. Contudo, esses professores, por encontrarem diversas barreiras em sua vida profissional, se baseiam nos livros didáticos para planejar suas aulas. Diante do objetivo proposto, de avaliar se o tema polímeros é abordado de forma contextualizada, a fim de favorecer a ampliação da aprendizagem do aluno do ensino médio, conclui-se que

CHASSOT A. I. A Educação no Ensino de Química. Ijuí, UNIJUÍ ed., 1990. CHASSOT, A. I. Para que(m) é útil o ensino? Alternativas para um ensino (de Química) mais crítico. Canoas: ULBRA, 1995. DIAS, R. E. Competências: um conceito recontextualizado no currículo para a formação de professores no Brasil. 2002. 160f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Educação, UFRJ, Rio de Janeiro. LOPES, A. C. Interpretando e produzindo políticas curriculares para o ensino médio. In: Frigotto, G. & Ciavatta, M.(org.) Ensino Médio: Ciência, Cultura e Trabalho. Brasília, MEC, 2004. LOPES, A. R. C. Livros didáticos: Obstáculos ao aprendizado da ciência química. Química Nova, v. 15, p. 254-281, 1992. MEC, Secretaria de Educação Média e Tecnológica - SEMTEC. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio. In: Reforma do Ensino Médio. Brasília, MEC/SEMTEC, 1999, CDROM. MOL, G. S. e SANTOS, W. L. P. Química e Sociedade, Nova geração, p. 579-580, 2005.

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Relato 01 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011

p. 83-86

Caracterizando Fenóis com Um Reagente Preparado com Esponja de Lã de Aço para Limpeza e Ácido Muriático Characterizing phenol with a reagent prepared from sponge steel wool and commercial hidrochloric acid Sebastião F. Fonseca1, Karina S. Souza e Maria Cristina Santos2

Resumo

Neste trabalho relatamos a preparação de um reagente usando esponja de lã de aço para limpeza e ácido muriático (ácido clorídrico comercial), sua reação com cinco substâncias fenólicas e a formação de complexos coloridos. O experimento descrito pode ser executado em um período normal de aula ministrada no ensino médio com materiais comercialmente acessíveis e de baixo custo. Palavras-chave: Fenóis. Esponja de lã de aço. Ácido muriático. Abstract

This work reports the preparation of a reagent, by the use of steel wool sponge for cleaning and commercial hydrochloric acid, its reaction with five phenolic substances and the formation of colored complexes. The described experiment can be executed in an usual class period with low prices and commercially accessible materials. Key-words: Phenols. Steel wool sponge. Commercial hydrochloric acid.

1

Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas (IQ-UNICAMP), Campinas-SP. E-mail: sfonseca@iqm.unicamp.br

2

Os autores agradecem o apoio e o incentivo dos Grupos de Ensino de Química do Instituto de Química da UNICAMP.


1. Introdução

Um reagente que produz complexos coloridos com fenóis pode ser preparado facilmente

A caracterização de grupos funcionais

a partir do ácido muriático (HCl comercial) e da

empregando reações típicas é um dos aspectos

esponja de lã de aço para limpeza. As substâncias

mais

Orgânica,

a serem testadas são comercialmente acessíveis e

especificamente, da parte referente à Análise

o experimento pode ser realizado em um período

Orgânica. Essas reações, geralmente, são pouco

normal de aula.

importantes

da

Química

executadas em laboratórios do ensino médio pela

As substâncias contendo grupo hidroxila

não disponibilidade de reagentes. No entanto,

fenólico utilizadas no experimento foram ácido

materiais acessíveis e baratos podem oferecer

salicílico (1) preparado por hidrólise básica do

alternativas interessantes (Fonseca; Gonçalves,

ácido acetilsalicílico; 1a), eugenol; (2) óleo de

2006; Fonseca; Gonçalves, 2004; Hess, 1997).

cravo, vanilina; (3) aromatizante de alimentos,

O

O

OH

C

CH3O

CH3O

HO

HO

C H

OH 1

2

3

O

H

O CH3

C O

O

OH

C OH

N

C

C

OCH3

O

HO 1a

4

Figura 1. Estruturas das substâncias fenólicas 1-5.

84

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

5

CH3


Caracterizando Fenóis com Um Reagente Preparado com Esponja de Lã de Aço para Limpeza e Ácido Muriático

salicilato de metila; (4) medicamento e paracetamol

3. Resultados

(5) medicamentos, mostrados na Figura 1.

e discussão

Ferro metálico em presença de HCl é transformado em íons Fe

2. Parte

2+

com liberação de 2+

hidrogênio (Esquema 1). Os íons Fe são oxidados

experimental

a Fe 3+

3+

pelo oxigênio do ar (Hess, 1997). Fe

2+

e

do reagente (FeCl2/FeCl3)

Fe formam complexos coloridos com moléculas

Colocar em um béquer de 50 mL metade

que possuem grupos substituintes “doadores”

2.1. Preparação

de uma esponja de lã de aço e adicionar, cuidadosamente, 10 mL de uma solução de HCl comercial/água (1:1). Deixar a reação se processar durante 15 minutos (agitar ocasionalmente a mistura, com cuidado, através de um pequeno bastão de vidro) e depois verter a solução obtida em outro recipiente. Diluir a solução resultante com 20 mL de água destilada, neutralizar com solução aquosa de bicarbonato de sódio (10%) e filtrar usando um chumaço de algodão. Utilizar essa solução para os testes com fenóis.

de elétrons ou ânions com essa característica (ligantes). Os fenóis estão entre as substâncias que produzem esses complexos (Mahan, 1970; Mano, 1987). Fe + 2H+ Fe2+ + 1 O2 + 2H+ 2 Fe2+ + Fe3+ +

Fe2+ + H2 Fe3+ + H2O OH complexo de cor azul

Esquema 1. Formação dos íons Fe2+/Fe3+ e do complexo colorido.

2.2. Reações

dos fenóis com solução de FeCl2/FeCl3

O reagente para detecção de fenóis foi

Preparar em cinco tubos de ensaio, ou

preparado com metade de uma esponja de lã

em frascos de vidro transparente, as soluções

de aço e 20 mL de uma solução aquosa 1:1 de

das substâncias fenólicas – ácido salicílico (1)

ácido muriático (HCl comercial), em béquer

preparado pela hidrólise de 1a, ácido acetilsalicílico

(ou outro recipiente compatível). A reação se

(Aspirina , Melhoral

ou AAS ); eugenol (2)

processou durante 15 minutos, sob agitação

ou

cuidadosa com um bastão de vidro. A solução foi

similar); (4) paracetamol; (5) – dissolvidas em

vertida para outro recipiente, diluída com 10 mL de

1 mL de etanol comercial ou em 1 mL de solução

água, neutralizada com solução saturada de NaHCO3

de acetona-etanol (1:1).

e filtrada sobre um chumaço de algodão. A solução

vanilina; (3) salicilato de metila (Gelol

Utilizar cerca de 4-5 gotas de cada

resultante, contendo FeCl2/FeCl3), foi utilizada nos

substância líquida (1-4) e a metade de um

testes para substâncias fenólicas. A detecção de

comprimido triturado de (5). Adicionar a cada

fenóis foi realizada com soluções (cerca de 1 mL)

solução de substância fenólica algumas gotas da

das substâncias 1, 2, 3, 4 e 5 (4-5 gotas ou meio

solução aquosa de FeCl2/FeCl3, agitar, observar a

comprimido), dissolvidas em etanol ou etanol-acetona

mudança de coloração e comparar os resultados

(1:1) comerciais e adição de 1-3 gotas da solução

obtidos.

aquosa de FeCl2/FeCl3. A coloração azul-violeta

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

85


Sebastião F. Fonseca, Karina S. Souza e Maria Cristina Santos

característica de complexos de íons Fe2+/Fe3+ com

lado, com exceção do ácido muriático para

fenóis foi bem visualizada para o ácido salicílico (1),

limpeza, os reagentes utilizados não apresentam

o eugenol (2) e a vanilina (3), mas não foi tão eviden-

qualquer risco para a saúde e podem ser

te para o salicilato de metila (4), além de não causar

manipulados no interior das salas de aula. Apesar

nenhuma mudança significativa no paracetamol (5).

dessa simplicidade, esses testes permitem que o

É provável que a presença de grupos substituintes

professor faça uma série de considerações sobre

como –COOCH3 e – NHCOCH3 interfira na comple-

procedimentos experimentais e sua importância

xação do grupo hidroxila fenólico com os íons

na Química e em nosso cotidiano.

de ferro. REFERÊNCIAS 4. Considerações

finais

Além da caracterização de substâncias

______. Química Nova na Escola. n. 20, p. 55-58, 2004.

que apresentam grupo hidroxila fenólico, o

HESS, S. Experimentos de Química com materiais domésticos. São Paulo: Editora Moderna, 1997.

experimento permite abordagens sobre reações de metais com ácidos minerais e conceitos relacionados e pode ser realizado em um período normal de aula. A facilidade de obtenção dos insumos necessários para a realização desses testes permite que eles sejam aplicados em qualquer estabelecimento de ensino. Por outro

86

FONSECA, S. F.; GONÇALVES, C. C. S. Revista Brasileira de Ensino de Química, v. 1, n. 1, p. 9-12, 2006.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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Relato 02 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011

p. 87-98

Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública A Methodological Proposal to Work Chemistry Contents with Public School Students from EJA Jackson da Silva Santos1, Daguia de Medeiros Silva, Ana de Fátima Costa da Silva e Jeovane Jefferson Soares de Oliveira Resumo

A disciplina de química não é fácil de ser compreendida pelos alunos, principal­mente pelos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Despertar o interesse e a curiosidade desses alunos em relação à Química requer do professor muita criatividade. Foi a partir dessa observação que notamos uma necessidade de se fazer uma mudança na proposta metodológica para os professores da EJA que lecionam na Escola Estadual Instituto Vivaldo Pereira, em RN. Foram entrevistados, através de um questionário, 41(quarenta e um) alunos, no qual os mesmos puderam responder a 09 (nove) perguntas objetivas, sobre como estavam acontecendo as aulas, e 01(uma) discursiva, em que eles deram sugestões para melhorar as aulas de química. Com os resultados obtidos, através dos questionários, observamos que apesar da maioria dos alunos gostar de química, suas dificuldades são acentuadas pela não utilização de laboratório, o que dificulta a relação entre a teoria e a prática. Percebemos também que tanto o professor quanto os alunos consideram que a carga horária da disciplina de química é insuficiente e que seriam necessárias mais aulas de laboratório. Palavras-chave: Proposta metodológica. EJA. Laboratório. Motivação.

1

Mestre em ensino de Química e doutorando em química na área de eletroquímica e corrosão – PPGQUFRN.


AbSTRACT

The discipline of chemistry is not easy to be understood by students, especially for the Education of Youth and Adults (EJA). Arousing the interest and curiosity of these students requires of the chemistry teacher a lot of creativity. It is from this point that we see the need to make a change in methodology for the teachers who teach in EJA, in the public school Vivaldo Pereira Institute, RN. Were interviewed using a questionnaire, 41 (forty-one) students, in which they could respond to 09 (nine) objective questions about how they were the classes going, and 01 (a) discursive, giving suggestions to improve Chemistry classes. With the results obtained through the questionnaires, we discovered that although most students like chemistry, their difficulties are accentuated by the non-use of the laboratory, which difficult the relationship between theory and practice. We also realize that both the teacher and the students feel that the workload of the discipline of chemistry is insufficient and that would be required more lab classes. Key-words: Methodological proposal. Youth and Adults’ Education. Laboratory. Motivation.

1. Introdução

A Educação de Jovens e Adultos, EJA, é o segmento de ensino da rede escolar pública brasileira que recebe os alunos que não concluíram os estudos referentes à Educação Básica em idade apropriada e querem voltar a estudar. A EJA tem o objetivo de restaurar o direito à educação, uma vez negado a estes jovens e adultos, oferecendo a eles igualdade de oportunidades para entrada e permanência no mercado de trabalho e qualificação para uma educação permanente.2 Aprender química parece ser um desafio muito grande para os alunos, principalmente, para os que fazem parte da modalidade EJA. A forma com que a disciplina de química é ministrada pode possibilitar uma significativa aprendizagem por parte desses estudantes, fazendo com que eles se sintam motivados a estudar e a aprender química. Podemos observar que, em geral, o público que frequenta a EJA é formado de pessoas que,

do trabalho e/ou motivados pelo compromisso de sustento da família), e depois de adultos estão tentando recuperar o tempo perdido. Por isso, esses estudantes têm dificuldades de acompanhar e de absorver o conteúdo visto em sala de aula. Esse fato é agravado pela própria jornada de trabalho e por uma rotina cansativa que faz com que tenham pouco tempo para estudar. O processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado, e pode enriquecer­se com qualquer experiência. Neste sentido, liga­se cada vez mais à experiência do trabalho, à medida que este se torna menos rotineiro. A educação primária pode ser considerada bem sucedida se conseguir transmitir às pessoas o impulso e as bases que façam com que continuem a aprender ao longo de toda a vida, no trabalho, mas também fora dele (Delors, 2011).

por algum motivo, não tiveram oportunidade de

Com isso, este trabalho pretende apresentar

se inserir em uma escola na idade adequada, ou

uma proposta metodológica para trabalhar as-

que tiveram que sair dela (muitas vezes, em razão

suntos do cotidiano com esses alunos, fazendo com que aprendam química com seu próprio dia

2

88

Disponível em: <http://viviane.meister-gamer.tripod.com/ id15.html>. Acesso em: 06 set. 2011.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

a dia, e tornando o ensino de química significativo para esse público.


Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública

Para que a aprendizagem seja significativa

tudo, as aulas sejam produtivas e agradáveis. No

para os jovens e adultos, o ensino de química

ensino regular, a maioria dos alunos é adolescente,

precisa estar de acordo com a sua realidade, ou

dependentes de pais e/ou responsáveis, e muitos

seja, é preciso fazer uma adequação metodológica,

acabam frequentando a escola por obrigação. Na

correlacionando os conteúdos aplicados em sala de

EJA, estes alunos já são adultos, na maioria das

aula com os seus cotidianos, utilizando o material

vezes independentes e, por isso, a escola precisa

didático voltado e direcionado como meio de

ser alegre e prazerosa.

educação para a vida de cada um. A metodologia precisa interagir com atividades que envolvam o aluno e que façam com que ele se sinta um ser capaz de pensar e de criar suas próprias construções, pois, quando o aluno começar a ver e observar que a Química é fascinante de se aprender, ele irá se sentir motivado a estudá-la e aprendê-la. Este trabalho traz uma nova proposta metodológica para os professores das turmas de EJA da escola estadual Instituto Vivaldo Pereira, localizada na Rua Candido Mendes nº 511, Centro, na cidade de Currais Novos-RN.

No ensino de química para adultos constata­se que esta disciplina oferece uma série de dificuldades ao estudante, começando pela necessidade de se fazer relações, inferências e, também, de se recorrer a modelos muito teóricos, que muitas vezes parecem desinteressantes para o adulto, que não vendo interesse e relação com seu cotidiano, acabam por abandoná­los (Lima, 2009).

Podemos observar que, quando a química é trabalhada com o cotidiano do aluno, as aulas se tornam mais proveitosas e interessantes para o estudante da EJA, pois, quando é trabalhada

2. Fundamentação

teórica

A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade de ensino que busca desenvolver o nível fundamental e médio com competência e qualidade para aqueles que estão fora de faixa ou que não tiveram oportunidade e continuidade de

a junção entre teoria e prática, esses sentem se motivados a estudar. Num outro sentido, os cálculos que a referida disciplina requer, costumam ser um grande problema, pois as dificuldades acumuladas na disciplina de matemática acabam por interferir na compreensão dos cálculos necessários à química.

estudo na idade adequada. Os alunos da EJA são,

O Parecer CNE/CEB 11/2000 propõe que

geralmente, trabalhadores (as), empregados (as)

a duração e o limite de idade dos cursos sejam

e desempregados (as) que não tiveram acesso à

nacionalmente definidos, especialmente porque

cultura letrada (Letelier, 1999).

com o incremento de projetos de Educação à

Frequentemente, é observado nos alunos

Distância, exige-se este regramento (Brasil, 2000).

da EJA, além da baixa autoestima, o desinteresse,

Desde 2000, os cursos oficiais que culminam

atrasos e, na maioria das vezes, a baixa frequência

com a expedição de certificados, devem ter a

às aulas. Com isso, pode ser que alguns professores

duração mínima de 02 anos e 01 ano e meio,

percebam que, o que é feito no ensino regular não

respectivamente, para o Ensino Fundamental e para

traz os mesmos benefícios na modalidade em

o Ensino Médio. Observa-se que, em comparação

questão. Nesse sentido, o risco de se perder um

com o tempo numa turma regular, há uma redução

aluno da EJA é grande, e é preciso que, acima de

pela metade ou até menos, algo provavelmente

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

89


Jackson da Silva Santos et al.

implicativo no desenvolvimento do professor e ,

importante

se

pensar

o

trabalho

consequentemente, no aprendizado do aluno. Do

pedagógico da EJA de forma que o educando

ponto de vista pedagógico esse tempo é o que

participe do desenvolvimento da sociedade

se considera para que jovens e adultos iniciem

(Santos, 2007). Por isso, os educadores, devem

e concluam os estudos, independentemente da

ter a responsabilidade de criar ou de modelar

forma de oferta (presencial ou à distância) ou das

metodologias que venham a alcançar o interesse

características dos diversos projetos pedagógicos.

do aluno, de forma que a escola atinja seu objetivo

Dessa maneira, tratando-se de cursos formatados

social e tenha sucesso, sem evasão e repetência nas

para alunos que não tiveram acesso a esses, o

séries que compõem o currículo.

parecer CNE\CEB 11/ 2000 propõe parâmetros

A disciplina de química, muitas vezes, se

em relação à idade mínima, em nível nacional, ao

torna difícil de ensinar para os jovens e adultos;

início do curso, sendo para o ensino fundamental

com isso, eles ficam sujeitos a não aprender os

de 15 anos e, para o ensino médio, de 18 anos.

conteúdos, pois muitos educadores vão para sala

A vontade de aprender do adulto é grande

de aula transferir conteúdos teóricos, fazendo

e, por isso mesmo, deve se cuidar para que esse

com que seja dificultada a aprendizagem para

aluno permaneça na instituição escolar (Peluso,

esses indivíduos. Os métodos tradicionais e as

2003). O aluno da EJA traz consigo uma bagagem

abordagens de transferência de conhecimento são

de experiências que envolvem conhecimentos

penosos, precisamente porque não funcionam! Por

e saberes vividos ao longo dos anos, por isso,

essa razão, geram enorme resistência estudantil

o aluno espera um acolhimento da escola e do

que temos que contornar na sala de aula (Freire,

professor ao assistir uma aula. O educador deve

1986).

aproveitar o conhecimento de vida (comum) que

Os professores têm dificuldades para

esses alunos têm para valorizar e unir o senso

entender o porquê de seus alunos não com­

comum à Ciência.

preenderem o que lhes é ensinado (Bachelard,

É preciso planejar aulas motivadoras para

1996). Possivelmente, isso acontece por falta de

ajudar o aluno a identificar o valor e a utilidade

organização, de falta de interesse em se conhecer

do estudo, pois estamos lidando com diferentes

seu aluno e o ambiente escolar em que está inserido

grupos sociais e de realidades distintas; por isso,

para poder enfrentar os obstáculos encontrados por

a motivação implementada pelo professor é uma

cada aluno em sala de aula.

estratégia bastante eficaz, levando-se em conta os saberes que esses alunos já têm, fazendo-os reconhecer esses múltiplos saberes, sua validade para a vida e seus limites. Paulo Freire diz em seu livro A pedagogia do oprimido que não há nada melhor para o desenvolvimento dos alunos do que o respeito aos conhecimentos com os quais o aluno já chega ao adentrar a escola, sendo o dever do professor e mesmo da instituição o de instigar para

90

É

Para ser um ato de conhecimento, o processo de alfabetização de adultos demanda, entre educadores e educandos, uma relação de autêntico diálogo. Aquela em que os sujeitos do ato de conhecer (educador-educando; educando-educador) se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhe­ cido (Freire, 2002).

que esses conhecimentos sejam ampliados e até

Como podemos observar, o estudante

mesmo melhor entendidos em um contexto amplo

aprende melhor e prioriza seus conhecimentos

(Freire, 1996).

quando há uma relação de diálogo entre professor

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública

e aluno; assim, eles se sentem capazes de por em

vão se sentindo desmotivados e impossibilitados

prática seus próprios conhecimentos e isso faz

de absorver tais conteúdos. Dessa maneira, diante

com que esses alunos se sintam preparados para

de tantos obstáculos encontrados por estes alunos,

enfrentar as mudanças ocorridas ao seu redor.

a evasão acaba se tornando frequente nessa

A prática pedagógica deve preo­cupar-se em desenvolver quatro apren­ dizagens fundamentais: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas. Finalmente, aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes (Delors, 2011).

As ações na EJA ainda estão muito isoladas e a organização do trabalho pedagógico muito disperso, sendo a carência de formação dos educadores um dos motivos principais. A EJA tem, entretanto, um admirável potencial, com sua flexibilidade curricular, com profissionais crescente­

modalidade. Nesse sentido, é preciso se considerar que a evasão escolar é uma situação problemática, que se produz por uma série de determinantes (Ceratti, 2008). Os motivos para o abandono escolar podem ser ilustrados quando o jovem ou o adulto deixam a escola para trabalhar; quando as condições de acesso e segurança são precárias; os horários são incompatíveis com as responsabilidades que se viram obrigados a assumir; evadem por motivo de vaga, de falta de professor, da falta de material didático e, também, abandonam a escola por considerarem que a formação que recebem não se dá de forma significativa para eles (Campos; Oliveira, 2003).

mente cons­cientes da necessidade de mudança

É nesse sentido que enxergamos a

e em busca da diminuição da evasão provocada

necessidade de aulas mais dinâmicas, ou seja,

pela lacuna preparatória e pelos con­teúdos ocos de

de aulas experimentais que sejam uma fonte de

significado. Considera-se que transformações nessa

estímulo para os educandos. No entanto, aulas

modalidade poderão desem­bocar em modificações

práticas no laboratório seriam uma forma didática

na educação em geral e, assim, na sociedade em que

de que o professor deve lançar mão, fazendo a

vivemos (Muenchen; Auler, 2007).

junção entre teoria e prática, consequentemente,

Tendo em vista que, nesta escola, o número

o uso dessa ferramenta será positivo quando

de aulas por semana é de quatro por turma, e

os experimentos químicos lhes propuserem

que a química só é vista no primeiro semestre de

conhecimento do que foi visto em sala de aula.

cada ano, é como se fossem duas aulas por semana

Para que a aprendizagem aconteça entre

por um período de doze meses. Dessa maneira,

os alunos de química a metodologia aplicada na

fica impossibilitada uma abordagem completa

sala de aula precisa ser criativa e envolvente,

de todos os conteúdos, compreendendo as difi­

pois, quanto mais experimentos são trabalhados

culdades na interpretação de questões, execução

com o estudante, maior será o seu aprendizado.

de exercícios, atividades em grupo e aulas práticas

Quando esses experimentos são trabalhados com o

em laboratório. Além disso, deve se levar em conta

cotidiano do aluno, e o mesmo é envolvido nessas

a carga horária de trabalho do dia a dia desses

atividades, eles se sentem realizados e motivados a

alunos que, muitas vezes, cheios de ocupações,

aprender e a continuar a estudar.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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Jackson da Silva Santos et al.

A maioria das pessoas aprende melhor de maneira experimental, quando envolve participação pessoal, física, mental e emocional em atividades e oportunidades para a descoberta e realização pessoal. Aprende­se melhor quando são apre­ sentados conceitos em um contexto no qual são envolvidas relações que estão próximas dos alunos (Piconez, 2003).

Vivaldo Pereira, em Currais Novos, RN, no período noturno. Primeiramente, aplicamos um questionário para os alunos e, em seguida, fizemos uma entrevista com o professor. O questionário foi aplicado durante a chegada dos alunos à escola. Antes da sua aplicação, foi explicado qual era o objetivo dele e que o mesmo não obrigava respostas ou identificação, já que não estava vinculado à atividade escolar. A pesquisa foi feita com 41 (quarenta e

3. Metodologia

um) alunos da EJA, que puderam responder a 09 (nove) perguntas objetivas, que questionavam

Com o intuito de se observarem os

como estavam ocorrendo as aulas de química

motivos de tais problemas, envolvendo desde a

na escola e 01 (uma) pergunta discursiva, em que

estrutura curricular até a absorção dos conteúdos,

os mesmos se posicionaram e deram sugestões

uma pesquisa foi realizada com significativo

para a melhoria dessas aulas. Em seguida, foi

número de alunos e com o professor de química

entregue a cada aluno uma cópia do questionário

das turmas da EJA da Escola Estadual Instituto

a seguir:

Questionário para os alunos da EJA da Escola Estadual Instituto Vivaldo Pereira 1. Você gosta de estudar química? Sim ( ) Não ( ) 2. Você está estudando química? Sim ( ) Não ( ) 3. Seu professor é licenciado em química? Sim ( ) Não ( ) 4. Você tem dificuldade em química? Sim ( ) Não ( ) 5. Você consegue entender química com a metodologia aplicada pelo professor? Sim ( ) Não ( ) 6. A escola disponibiliza livros didáticos de química para você estudar? Sim ( ) Não ( ) 7. Na sua escola tem laboratório de química? Sim ( ) Não ( ) 8. O professor faz a junção teoria e prática na sala de aula? Sim ( ) Não ( ) 9. Você considera que a carga horária é suficiente para aprender os assuntos de química? Sim ( ) Não ( ) 10. Como você gostaria que fossem as aulas de química?

92

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública

O presente questionário tinha como objeti-

Na primeira pergunta, 78% dos alunos

vo mostrar como estão sendo aplicadas as aulas

entrevistados responderam gostar de estudar

de química e como os allunos gostariam que elas

química, porém, 22% responderam não gostar. Com

ocorressem. A explicação ao docente do objetivo

a segunda pergunta, buscou-se saber se o aluno

da entrevista foi realizada durante o intervalo entre

está estudando química e 90% deles responderam

a segunda e a terceira aulas. Essa se baseou na

que sim enquanto 10% responderam que não. A

forma como estavam sendo ministradas as aulas

terceira pergunta do questionário buscou conhecer

em que foram respondidas as seguintes perguntas:

a formação do professor que leciona química na

1. Quantas aulas de química são dadas em cada turma?

escola, na qual 98% responderam que o professor era licenciado em química e 2% afirmaram o

2. Qual a porcentagem de conteúdos que

contrário. Na quarta pergunta, buscamos saber se

devem ser ministrados estabelecidos no

o aluno tinha dificuldade em química e 73% deles

projeto pedagógico? E qual a porcentagem

responderam que sim enquanto 27% disseram

que você consegue, de fato, trabalhar?

não ter dificuldade em química. Para que a

3. Você acha a carga horária suficiente

pesquisa fosse ainda mais precisa perguntou-se aos

para os alunos aprenderem química?

estudantes se eles conseguiam entender química

4. Você utiliza algum recurso para trabalhar

com a metodologia aplicada pelo professor e

com seus alunos, por exemplo, laboratório?

66% deles responderam que sim e 34% deles não

Nessa pesquisa, utilizamos dois tipos de ferramentas, ambos elaborados por nós: a entrevista e o questionário. O primeiro necessita de uma relação direta entre pessoas, enquanto o último é constituído por uma série ordenada de questões, respondidas por escrito, sem a necessidade de um pesquisador (Oliveira; Maia, 2005). Notou-se que as duas ferramentas foram bem aceitas, tanto pelos alunos quanto pelo professor.

conseguiram entender com a metodologia aplicada pelo professor. A pergunta seguinte foi se a escola disponibilizava livros didáticos de química para os alunos, 68% deles responderam que sim e 32% afirmaram que não. Houve, também, a preocupação de se saber se a escola tinha laboratório de química; 78% deles responderam que sim e 22% que não havia laboratório de química na escola. Logo depois foi questionado se o professor costumava fazer a junção da teoria com a prática na sala de aula e 32% deles responderam que sim

4. Resultados

e discussão

enquanto 68% deles afirmaram que não. Por fim, perguntamos se eles consideravam a carga horária

A tabela apresentada, a seguir, refere-se a

suficiente para aprender os conteúdos de química;

valores médios, visto que os resultados dos alunos

51% responderam que sim e 49% disseram que

analisados foram semelhantes. No entanto, esses

não. Esses dados podem ser confirmados na tabela

valores foram colocados em gráficos e tabelas.

a seguir.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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Jackson da Silva Santos et al.

Tabela 1. Perfil do discente dos alunos da EJA da escola estadual Instituto Vivaldo Pereira. Currais Novos – RN. Resposta do discente, quantidade.

Perguntas para os alunos da EJA.

SIM

NÂO

Porcentagem SIM

NÂO

Você gosta de estudar química?

32

09

78%

22%

Você está estudando química?

37

04

90%

10%

Seu professor é licenciado em química?

40

01

98%

2%

Você tem dificuldade em química?

30

11

73%

27%

Você consegue entender química com a metodologia aplicada pelo professor?

27

14

66%

34%

A escola disponibiliza livros didáticos de química para você estudar?

28

13

68%

32%

Na sua escola tem laboratório de química?

32

09

78%

22%

O professor faz a junção teoria e prática na sala de aula?

13

28

32%

68%

Você considera que a carga horária é suficiente para aprender os assuntos de química?

21

20

51%

49%

Fonte: Dados de pesquisa (2011).

afirmaram ter aulas de química na escola enquanto

Avaliando-se a formação do professor de química da escola Instituto Vivaldo Pereira, pode se observar que é satisfatório o resultado encontrado, pois 98% dos alunos responderam que o professor que leciona química é licenciado em química e apenas 2% deles afirmaram que não. Quando o professor é licenciado ele se adéqua mais a trabalhar com turmas da EJA, pois ele sabe quando e como intervir em sala de aula, quando for preciso, e consegue trabalhar fazendo interrelações de maneira mais precisa. A disciplina de Química oferece uma série de dificuldades ao estudante (Lima, 2009). A pesquisa feita confirma as palavras do autor, pois 73% dos alunos que responderam o questionário afirmam sentir dificuldade de compreender a disciplina de química e 27% deles responderam que não sentir essas dificuldades mencionadas pelos demais estudantes. Com isso, pode se observar que são grandes as dificuldades encontradas pelos alunos da EJA, principalmente, quando a metodologia aplicada pelo professor não favorece o entendimento do aluno, fazendo com que este se sinta desmotivado a compreender o que o professor está ensinando.

10% deles responderam que não.

A pesquisa nos mostra que 66% dos alunos

Sim

Nao

120% 100% 80% 60% 40%

sco

Vo cê

con

seg

ue

cul

da

de em ... e nte la d nd isp er.. on . ibi liza livr Na os. sua .. esc Op ola rof tem ess or ... Vo faz cê a ju con nç sid ão era ... qu ea car ga ...

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0%

do ...

20%

Figura 1. Percentagem de respostas ao questionário. Os seres humanos possuem uma curiosi­dade sobre o mundo natural que o conhecimento científico pode satisfazer (Millar, 1998). Possivelmente, essa

curiosidade que os alunos têm faz com que gostem de estudar química, como pudemos observar na pesquisa, 78% deles responderam gostar de estudar química e a minoria, 22%, respondeu que não. Porém, foi relatado em nossa análise que 90%

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Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública

conseguem aprender com a metodologia aplicada pelo professor e 34% certificam não conseguir compreender os conteúdos com essa metodologia. Cabe ressaltar que a Escola Estadual Instituto Vivaldo Pereira fornece meios para o aluno estudar e aprender a disciplina de química, pois 68% deles mencionaram que a escola disponibiliza livros para os mesmos estudarem e 38% responderam não ter acesso a livros didáticos. O uso do laboratório poderia contribuir muito para mostrar, na prática, a teoria vista em sala de aula. A pesquisa mostra que 78% dos alunos sabem da existência do laboratório na escola, embora os outros 22% desconheçam completamente esse fato. Notamos, também, que apenas 32% desses estudantes consideram que o professor está conseguindo fazer a junção, de teoria e prática, enquanto os 68% restantes afirmaram não estar havendo tal junção. Para se trabalhar com isso o professor precisaria de uma maior carga horária para poder ministrar essas aulas de maneira dinâmica e atrativa para esse público. Nesse sentido, 51% dos alunos responderam que a carga horária é suficiente para aprender os assuntos de química e 49% responderam que precisariam de mais horas de aula para que os conteúdos fossem

não possuírem, ou não utilizarem laboratórios, nos quais deveriam ser realizadas as aulas experimentais, não explorarem as bibliotecas, e/ou não fazerem uso de recursos multimídia e métodos interativos de aprendizagem (Carvalho; Batista; Ribeiro, 2007).

Os estudantes sugeriram que os professores trabalhassem mais com a junção da teoria e da prática em sala de aula, para que pudessem ver e ter conhecimento do que está sendo explicado pelo professor e também que acontecessem aulas no laboratório e, para isso acontecer, os discentes precisariam de uma maior carga horária. Durante a entrevista com o professor ele respondeu que consegue atingir somente 70% dos conteúdos previstos pelo Ministério da Educação, visto que a carga horária é insuficiente e, segundo ele, seriam necessárias pelo menos 01 (uma) ou 02 (duas) aulas a mais por semana. Quanto ao uso de outros recursos didáticos, o entrevistado nos falou que utiliza vídeo, no entanto, o uso do laboratório se torna inviável, pois as aulas teriam que ter maior duração e o laboratório necessita de um monitor para auxiliar o professor.

melhor compreendidos. Para que a pesquisa ficasse ainda mais rigorosa, foi feita uma pergunta discursiva na qual os alunos da EJA puderam dar sugestões para a melhoria das aulas de química. A disciplina de química [...] por diversas vezes é vista como um assunto que não desperta o interesse dos estudantes, apesar de possuir um conteúdo vasto e que se encontra extremamente presente em nosso cotidiano [...] Pode­se atribuir o citado desinteresse pelos discentes a diversos fatores endógenos e exógenos. Dentre estes, podemos destacar o fato de grande parte das escolas públicas e/ou privadas

5. Considerações

finais

Sabemos que o número de estudantes entrevistados é relativamente pequeno, porém, com os resultados obtidos podemos concluir que a metodologia aplicada pelo professor em sala de aula pode ser uma importante ferramenta na facilitação da aprendizagem de jovens e adultos, principalmente quando o professor trabalha os conteúdos de química fazendo relação com o cotidiano dos estudantes, considerando suas experiências de vida. A metodologia adotada pelo professor em sala de aula faz toda a diferença na aprendi za-

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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Jackson da Silva Santos et al.

gem do aluno; quando o docente procura conhecer sua sala de aula e começa a mudar sua forma de ensinar levando entusiasmo e aulas dinâmicas (experimentos químicos, aulas em laboratório etc.), o aluno passa a ver os conteúdos de química de maneira curiosa e interessante de aprender. Isso pode se notar com base nas respostas dos estudantes, obtidas através dos questionários que foram aplicados e nos vários diálogos es­ tabelecidos enquanto eles respondiam os ques­ tionários. O estudo mostrou que os alunos da EJA têm grande vontade de aprender os conteúdos de química, porém ,a metodologia aliada às condições estruturais físicas e até o número de aulas dificulta essa aprendizagem. Compreendemos que é difícil trabalhar com os alunos da EJA, pelo fato de serem jovens e adultos que, muitas vezes, trabalham e são responsáveis pelo sustento de suas famílias, além de terem uma rotina cansativa em seu lar por serem donos (as) de casa. Isso faz com que, ao chegarem à sala de aula, necessitem de uma metodologia motivadora que os envolva e faça com que o espaço escolar seja prazeroso. O trabalho aqui apresentado não pretende ser

conclusivo,

mas

sim,

apresentar

uma

contribuição para os professores da EJA, para que possam buscar uma nova metodologia de ensino de química.

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Relato 03 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011

p. 99-112

Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas: habilidade metavisual no ensino de Isomeria Geométrica Designing Molecules and Thinking About Them: metavisual skill in the teaching of Geometrical Isomerism Solange Wagner Locatelli1 e Agnaldo Arroio2 Resumo

A Química pode ser compreendida através de três níveis representacionais que aparecem na forma de modelos expressos publicamente de variadas maneiras, dentre elas, as visualizações. Essas são importantes na compreensão dos conceitos químicos e, neste sentido, é fundamental que o aluno se torne metacognitivo com relação às habilidades visuais de decodificação de imagens, ou seja, que se torne metavisual, para que haja a possibilidade de monitoramento e de regulação da aprendizagem. O estudo em questão é uma pesquisa de caráter qualitativo, em que se procurou identificar elementos de metavisualização manifestados por oito estudantes de uma turma de 2º ano do Ensino Médio de um colégio particular na Grande São Paulo. Para isso, foi proposto a esses alunos a realização de uma atividade com o objetivo de verificar se eles eram capazes de distinguir espacialmente moléculas distintas, levando à construção do conceito inicial de isomeria geométrica, visto que esse é um importante tópico a ser estudado em química orgânica. A partir da elaboração de uma categoria para as falas dos alunos, procedeu­ ‑se à análise dos resultados em que se constatou incidente metavisual em todos os grupos, mas com diferente incidência, e que a natureza do incidente de monitoramento foi significativa. Além disso, alguns fatores possivelmente envolvidos na construção desse conhecimento foram identificados, entre eles as habilidades visuais. Finalizando, 1

Graduada em Química pela USP – Bacharel e Licenciatura. Mestranda no Programa de Pós-graduação Interunidades no Ensino de Ciências – USP. Coordenadora e Professora de Química do Colégio Rio Branco. E-mail: solangewl@hotmail.com

2

Bacharel em Química pela USP e em Imagem e Som pela UFSCAR, Mestre e Doutor em Físicoquímica pela USP, Pós-doutorado em Educação pela USP, Professor Doutor na Faculdade de Educação da USP. E-mail: agnaldoarroio@yahoo.com


ressalta-se aqui, que ainda há poucos estudos sobre metacognição, especialmente, sobre metavisualização no ensino de Química, então, reafirma-se a grande importância de investimentos nessa área do conhecimento. Palavras-chave: Ensino de química. Metacognição. Habilidades visuais. Metavi sualização. Isomeria geométrica. AbSTRACT

Chemistry can be understood through three levels that appear in the representational form of models and publicly expressed in various ways, including views that are important in understanding the chemical concepts and in this sense, it is essential that students become metacognitive about the visual skills of decoding images, or becoming metavisual, so there is the possibility of monitoring and regulation of learning. The study in question is a qualitative research study, which sought to identify metavisualization elements expressed by eight students in a class of second year of high school to a private school in Greater Sao Paulo. During the research, was proposed for these students to carry out an activity with the aim of investigating whether they could distinguish between similar and different molecules spatially, leading them to build the initial concept of geometrical isomerism, since this is a important topic to be studied in organic chemistry. From the establishment of a category for the speech of students, the analysis was done, and metavisual incident was noted in all groups, but with a different focus, and that the nature of the monitoring incident was significant. Furthermore, some factors possibly involved in the construction of knowledge were identified, among them we highlight the visual skills. Finally, we stress here that there are few studies about metacognition and especially metavisualization on the teaching of chemistry and so, we reaffirm the great importance of investments in this area of knowledge. Key-words: Chemistry education. Metacognition. Visual skills. Metavisualization. Geometrical isomerism.

1. Os

níveis de representação, visualização, metacognição e metavisualização no ensino de Química O ensino no Brasil vem sofrendo profundas

e necessárias modificações nas últimas décadas. A partir da LDB, da Lei 9394 de diretrizes e bases da educação de 20/12/1996, da criação do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) em 1998 e do aprimoramento deste, denominado Novo-ENEM em 2009, muito do ensino vem sendo repensado e mudanças se tornaram fundamentais ao processo com uma visão mais humanística, citando-se, entre outras, a seguinte finalidade do Ensino Médio: Art. 35 – O Ensino Médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá com finalidades [...] III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia

100

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intelectual e do pensamento crítico [...] (Brasil, 1996, artigo 35).

Nessa concepção da formação básica do cidadão, torna-se mais visível uma demanda por um ensino de ciências com caráter não só conteudista, mas também reflexivo e significativo para os estudantes, que ofereça não só a possibilidade de se compreender melhor os fenômenos químicos do seu dia a dia, como também a capacidade de interferir nele com ações. Um ensino voltado ao trabalho de habilidades específicas para compor competências necessárias à compreensão dos fenômenos e à tomada de decisões. Pesquisas na área da psicologia educacional e do ensino de Ciências (Novak, 1990; Gil-Pérez et al., 2002) apontam a necessidade da busca por novas metodologias em que a construção do conhecimento seja fruto de uma reflexão e interação do aprendiz com o novo conhecimento apresentado. O modelo de mudança conceitual e a perspectiva construtivista


Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas: habilidade metavisual no ensino de Isomeria Geométrica

indicam que a aprendizagem com compreensão

formular perguntas e encontrar respostas. Assim,

real ocorre quando o aprendiz constrói e trans-

torna-se crucial que o estudante reflita sobre seus

forma ativamente seus próprios significados e

saberes e sobre a forma como ele produz seus

não quando ele acumula, passivamente, conhe-

conhecimentos, algo que se chama metacognição

cimentos transmitidos (Posner et al., 1982).

(Parolo; Barbieri; Chrobak, 2004). Num primeiro

Nesse sentido, torna-se cada vez mais importante

momento, podemos nos referir à metacognição

que as ideias prévias dos estudantes sejam

como algo que leva o aluno a refletir sobre o

consideradas nessa nova construção de um saber

que está fazendo ou aprendendo, assim, ele irá

científico e que seja feita de forma dinâmica,

pensar sobre o seu pensamento, pensar sobre

num processo de construção e de desconstrução.

qualquer coisa referente ao seu processo cognitivo,

A partir dessa interação, que é idiossincrática, se

monitorando e possibilitando a regulação do seu

torna possível fazer o aprendizado significativo

aprendizado.

para cada estudante. Segundo Ausubel (2000), a

Mais especificamente, com relação ao

aprendizagem significativa não é um sinônimo de

ensino/ aprendizagem de química, como se ensinar

aprendizagem com material significativo, visto que a aprendizagem significativa requer, além do material significativo, ainda mais duas importantes condições para que possa ocorrer: conhecimento prévio relevante que irá interagir com o novo conhecimento e a escolha e consciência do aprendiz em aprender de forma significativa, não aleatória (Novak, 2010). Já um material dito significativo pode ser aprendido mecanicamente, não havendo interação e não fazendo sentido com a ecologia cultural do

ou aprender essa disciplina? O que é necessário? De acordo com Johnstone (1993), uma das dificuldades encontradas na aprendizagem de química é a necessidade da compreensão dos conteúdos em três níveis de representação assim denominados: macroscópico, submicroscópico e representacional. Por exemplo, para se ter a compreensão adequada do derretimento de uma barra de ouro, seria necessário transitar nesses três níveis de representação (Figura 1).

indivíduo, sendo arbitrário para ele e, assim, não resultando em aprendizado.

Macroscópico

A aprendizagem sendo significativa poderá permitir o desenvolvimento pleno do indivíduo como cidadão atuante e agente modificador, uma competência desejável a ser desenvolvida pelos estudantes, em particular, no que se refere à disciplina de química. Competência de área 7 – Apropriar­ ­se de conhecimentos da química para, em situações­problema, interpretar, avaliar ou planejar intervenções cien­ tífico­tecnológicas (ENEM, 2009, p. 10).

Para que isso seja possível, a educação deve visar formar um estudante que seja capaz de

Ouro derretendo Submicroscópico

Representacional

Au(s)

Átomos de ouro

Au(I)

Equação química que representa a fusão do ouro

Figura 1. Um exemplo de um fenômeno nos três níveis de representação.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio

O nível macroscópico refere-se, basi­

um monitora­mento e uma possível regulação

camente, a observação de um fenômeno, nesse

dessa imagem de forma constante, assim, o

exemplo, uma pequena barra de ouro derretendo.

estudante poderá aprender a regular seu processo

Já em nível microscópico são representados

de aprendizagem. No exemplo dado, o aluno

os átomos, as moléculas, íons e espécies

poderia ter armazenado uma primeira imagem da

químicas presentes nesse sistema, assim como

molécula de água como tendo a geometria linear,

seus movimentos e rearranjos associados, no

ou seja, os três átomos dispostos em uma linha

caso, átomos de ouro com diferentes conteúdos

reta. Essa imagem fica retida em sua memória.

energéticos. E, finalmente, o representacional

Adiante, ao se considerar sobre repulsão

ou simbólico refere-se às representações através

de pares eletrônicos, ele poderia repensar

de fórmulas, equações químicas e estruturas dos

sobre isso, a geometria da molécula de água, e

compostos.

concluir que não é possível que seja linear porque

Especialmente os níveis submicroscópico

a repulsão entre os pares eletrônicos seria maior

e simbólico são de difícil compreensão aos

ao se considerar a geometria linear em detrimento

estudantes (Chittleborough; Treagust, 2008), pois

da geometria angular. Sendo plausível para

as representações concretas ou pseudoconcretas

o aluno, ele poderá modificar a imagem que

parecem ser mais acessíveis do que representações

estava retida e agora, produzir outra, que seria a

abstratas (Ferk et al., 2003). O aluno demonstra

molécula de água na geometria angular. Esse

dificuldade em abstrair os conceitos (imaginar),

movimento de pensar sobre a sua visualização é o

já na observação do fenômeno (concreto) ele

que pode ser chamado de metavisualização. Vale

está vendo algo acontecendo ou que aconteceu.

salientar que o processo de metavisualizar nem

Entretanto, é desejável que o aluno transite

sempre leva a uma modificação da imagem, pois

entre esses três níveis representacionais para a

muitos fatores estão envolvidos na construção

compreensão adequada dos conteúdos em química.

do conhecimento, sendo que a referida imagem

Nesse sentido, para a compreensão dos

poderá ser mantida, modificada, ou, até mesmo,

fenômenos nesses três níveis representacionais, a

102

substituída por outra.

química lança mão de modelos que são construções

No trabalho de pesquisa realizado, parte­

humanas e requerem a visualização de entidades,

‑se do estudo do entendimento inicial da isomeria

suas relações, causas e efeitos.

geométrica pelos alunos. O entendimento de

Por exemplo, o aluno poderá conhecer a

isomeria geométrica pressupõe e requer do aluno

geometria da molécula de água. Nesse instante,

algumas habilidades visuais importantes, como a

ele produzirá uma representação interna dessa

formação de imagens que representam átomos,

molécula através de uma imagem que ficará retida

ligações, moléculas, o reconhecimento ou não de

na sua memória, podendo essa representação estar

que moléculas são iguais, apesar de desenhadas

ou não de acordo com o que se considera correto

em 2D de maneiras diferentes, a formação

do ponto de vista científico.

de imagens no que diz respeito a imaginar as

Então, é desejável que esse aluno de­

moléculas sofrendo movimentos de rotação no

senvolva uma capacidade metacognitiva com

espaço, etc. Esse pensamento todo poderia ou não

relação a essa imagem, a que chamamos nesse

ser monitorado ou modificado por eles durante

artigo de habilidade metavisual (Gilbert, 2007),

a atividade proposta para a pesquisa, levando­

o que pode ser entendido, nesse caso, como

‑os a uma correta ou incorreta interpretação,

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas: habilidade metavisual no ensino de Isomeria Geométrica

já que a compreensão de isomeria geométrica

considerada um ramo específico da metacognição

requer que eles sejam capazes de perceber que

que diz respeito, especificamente, a se pensar sobre

uma molécula cis é espacialmente diferente

as visualizações, diferindo da metacognição nesse

de uma molécula trans e que o conjunto dessas

aspecto, pois a metacognição refere-se a pensar

moléculas, separadamente, representa substâncias

sobre qualquer processo cognitivo, incluindo a

químicas diferentes. Então, nessa atividade,

visualização. Como o interesse nessa pesquisa

eles foram convidados a refletir se moléculas

foi o de verificar o pensamento do aluno sobre

desenhadas por eles com diferentes disposições

as representações externas e suas representações

correspondiam ou não a moléculas iguais, ao

internas (imagens), será utilizado o termo, nesse

considerarem ou não movimentos de rotação

caso, de metavisualização. Assim, para um

(habilidade de visualização). A ideia inicial foi

desempenho fluente em visualização é necessária,

a de, num primeiro momento, se verificar se os

a partir da habilidade de aquisição de uma

alunos manifestariam metacognição com relação

representação, outras habilidades para monitorar,

à visualização, à metavisualização. O que instigou

integrar e extrapolar essa aprendizagem, ou seja,

essa pesquisa foi justamente que, se isso ocorresse

requer metavisualização (Gilbert, 2008).

(os alunos manifestassem a metavisualização), em

Ainda, podemos apontar como importante

que medida essa habilidade poderia controlar e/ou

nesse processo, duas condições necessárias

regular suas representações internas a respeito de

para

alguma visualização e assim, de forma mais geral,

metacognitivo com relação às suas habilidades

sua aprendizagem durante o desenvolvimento

visuais: o conhecimento das convenções das

dessa atividade.

representações que ele irá encontrar suas

que

um

estudante

possa

se

tornar

Verificaríamos, assim, como a manifes-

abrangências e limitações (Gilbert, 2007). Em

tação da metavisualização poderia ou não auxiliar

química é bastante comum, por exemplo, uma

no aprendizado desta ou de outras atividades si-

bolinha assumir diferentes significados, podendo

milares de química em que visualizações estejam

representar um átomo, um íon, uma molécula,

envolvidas, e que outros fatores deveriam ser

uma substância, ou qualquer outra entidade.

considerados nessa análise para propiciar a ma-

Então, ao se analisar uma figura contendo uma

nifestação de metavisualização pelos estu dantes

dessas representações, precisa ficar claro para

para que se possibilite o pensar e o repensar da

o leitor ou estudante de qual delas se trata, pois

atividade. No caso específico da pesquisa, verificou-

isso irá depender sua correta interpretação

-se a possibilidade de auxílio na diferenciação de

e consequentemente a sua possibilidade de

moléculas que repre sentam a substância cis ou a

desenvolvimento metavisual.

substância trans correspondentes.

Segundo Barnea (2000) existem mais três habilidades que são complementares, as quais Gilbert (2007) denominou também de

2. Metavisualização

habilidades metavisuais complementando as duas citadas acima, que são: a de compreender um

A metacognição refere-se, entre outras

objeto representado em duas ou três dimensões,

coisas, ao monitoramento ativo e consequente

a habilidade de imaginar uma representação

regulação e orquestramento desses processos

em três dimensões de diferentes perspectivas,

(Flavell, 1976). Já a metavisualização pode ser

ou seja, fazer a rotação no objeto e a terceira,

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103


Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio

visualizar os efeitos da reflexão e inversão

meta (B). Nesse modelo, há um fluxo a ser seguido

(Barnea, 2000).

no qual a informação do nível objeto leva ao nível

Ao se desenvolver essas habilidades metavisuais, o estudante se tornará consciente do mo-

meta (monitoramento) que exerce controle no nível objeto (Nelson; Narens, 1994).

nitoramento, controlando a aquisição, retenção,

Então, ao considerarmos a visualização

recuperação e modificação de uma imagem

como fundamental na compreensão de fenômenos

(Gilbert, 2007).

químicos, a habilidade de pensar sobre a visua-

Podemos imaginar um exemplo de como

lização, em pensar sobre a imagem produzida

uma imagem pode ser adquirida, monitorada

sobre algum processo, a habilidade metavisual,

e modificada supondo que um estudante possa

a ação de metavisualizar, torna-se fundamental

ter retido em sua memória, uma imagem visual

na construção desse conhecimento (Locatelli;

de átomos como sendo bolinhas todas iguais. Desta

Ferreira; Arroio, 2010).

maneira, havendo três átomos de hidro gênio e três átomos de oxigênio, todos os seis átomos teriam a mesma representação – Figura 2(A). Outras novas informações apresentadas, como por exemplo, de

3. Estudo

da isomeria geométrica

que átomos diferentes têm tamanhos diferentes,

Segundo Raupp et al. (2010), substâncias

sendo o hidrogênio o menor deles, poderá fazer

isômeras podem possuir propriedades muito

com que o estudante possa refletir sobre essa ideia

diferentes e, assim sendo, isso poderia ser um fator

– Figura 2(B), levando-o a modificar a imagem

instrucional e também motivacional relevante aos

que ele havia retido previamente, gerando

estudantes de química.

uma nova imagem, em que, das 6 bolinhas que

Por exemplo, dois ácidos graxos cis

representariam os átomos, 3 seriam menores –

e trans possuem mesma fórmula molecular,

Figura 2(C).

entretanto, diferem espacialmente e, com isso, suas propriedades físicas e químicas passam a ser distintas, já que são duas substâncias químicas

B - Nível meta Pensamento sobre o pensamento de A Monitoramento

diferentes. Assim, um exemplo do cotidiano, Controle (regulacao)

próximo à realidade dos estudantes, é a existência das gorduras cis e gorduras trans, sendo que essas últimas têm despertado o interesse dos cientistas quanto à investigação de suas propriedades

A - Nível objeto I Imagem retida

C - Nível objeto II Imagem recuperada

Figura 2. Exemplo da metavisualização interferindo e modificando a aprendizagem.

associadas à saúde. Estudos realizados sobre as gorduras saturadas, cis e trans, indicaram que pessoas submetidas à ingestão de ácidos graxos trans não só aumentam o nível da lipoproteína de baixa

104

Esse exemplo que acabamos de descrever

densidade – o LDL-colesterol – como também

exemplifica o Modelo Geral da Memória proposto

diminuem os níveis da lipoproteína de alta

por Nelson e Narens (1994), em que existem

densidade – o HDL-colesterol; o problema é que o

dois diferentes níveis de pensamento, um sendo

LDL-colesterol poderia contribuir para o risco de

chamado de nível objeto (A e C) o outro o nível

doenças cardiovasculares (Merçon, 2010).

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Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas: habilidade metavisual no ensino de Isomeria Geométrica

Portanto, sendo o assunto relevante e importante, pode se tomar como ponto de partida para o estudo da isomeria geométrica, mostrando ao aluno a diferença de comportamento entre as gorduras cis e as gorduras trans pelo simples fato de seus arranjos espaciais serem diferentes, apesar de possuírem mesma fórmula molecular. Entretanto, a habilidade dos estudantes em distinguir representações de moléculas espacialmente diferentes é difícil de ser alcançada. Essa representação geométrica, que é essencial para a compreensão dos diferentes isômeros, parece não ser dominada por eles (Keig; Rubba, 1993); em especial a transição 2D (fórmula estrutural plana) para 3D (forma geométrica) (Barnea, 2000; Raupp et al., 2010; Copolo; Hounshell, 1995). Para que os alunos identifiquem isômeros geométricos, eles terão que transitar de uma fórmula química para a sua estrutura molecular e visualizar as possibilidades de configuração em 3D e compará-las; entretanto, a habilidade de compreender e de mentalmente manipular essas representações é crítica para os estudantes (Wu; Shah, 2004). Tuckey, Selvaratnam e Bradley (1991) enfatizam que, mesmo para alunos universitários, é difícil o pensamento em três dimensões e que essa habilidade deveria ser melhor treinada no Ensino Médio. O objetivo da atividade proposta é, justamente, iniciar a construção do conceito de que moléculas com mesma fórmula podem

4. Metodologia

Neste item, trata-se de dar um panorama geral do contexto em que a pesquisa foi realizada, a caracterização da amostra, uma breve descrição dos instrumentos de coleta, da atividade proposta para a pesquisa e da análise de dados. A coleta de dados foi feita com 8 alunos do 2º ano de Ensino Médio de um colégio de ensino particular na Grande São Paulo. Com a preocupação da questão das visualizações dentro do conteúdo de química orgânica, a proposta foi de se introduzir o conceito de isomeria geométrica, levando os alunos a discutirem sobre suas ideias prévias sobre esse assunto por meio dessa atividade para, posteriormente, ser feito o desenvolvimento e a construção coletiva do conceito em sala de aula. Assim, a pergunta que se tinha da pesquisa era: será que atividades assim, de química, raciocinando com representações de moléculas, movimentos de rotação, faladas em voz alta por duplas poderiam favorecer a manifestação da metacognição, nesse caso, por se tratar de imagens e habilidades visuais, mais especificamente, da metavisualização? Se favorecesse, isso poderia ajudar no aprendizado dos alunos, direcionando suas ideias prévias? Em que medida? Daí a necessidade de se pesquisar a respeito e a atividade foi proposta com o intuito de se compreender mais a fundo essas relações. A atividade consistiu no objeto pesquisado nesse trabalho, sendo o objetivo do material o de iniciar o estudo de isomeria geométrica. Assim, os alunos gravaram seus pensamentos ditos em voz alta, e depois transcreveram a elaboração

diferir espacialmente, no caso, representações de

dessa atividade, que consistiu, basicamente, em

moléculas cis e trans do 1,2-dicloroeteno. A partir

se fazer desenhos de moléculas (1,1-dicloroeteno,

disso, pode se extrapolar o conceito para moléculas

1,2-dicloroeteno e cloroeteno, parte I, II e III

maiores e também diretamente associadas ao

respectivamente) e reconhecer espacialmente

cotidiano do estudante, como as gorduras trans,

se eram moléculas iguais ou diferentes, sendo a

por exemplo.

diferença, quando existente, na geometria espacial.

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Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio

Para a análise do material, primeiramente, as transcrições da atividade foram lidas várias vezes para se identificar pontos comuns (Bogdan;

Tabela 1. Categoria binária utilizada para classificar os incidentes em não metavisuais (não) ou metavisuais (sim) – 3 exemplos. Exemplo

Biklen, 1994) e uma categoria para análise precisou

Incidente Metavisual

Descrição do Indício

Não

Não há, pois aqui o aluno pensa espacialmente, não metavisualmente, pois ele apenas está concluindo um raciocínio e não pensando sobre o pensamento visual.

Sim

Aluno olhando e referindo-se a dois desenhos de moléculas, pensando sobre esses desenhos, perguntando, monitorando seu pensamento visual.

Sim

Aluno pensando sobre o que haviam visualizado com relação à molécula, mudança de foco do visual para o metavisual, vendo e levando em conta agora a dupla ligação e assim, regulando a aprendizagem.

ser elaborada para se verificar a manifestação ou não da metavisualização. Para isso, utilizou-se como suporte o trabalho de Larkin (2009) que define uma categoria chamada de incidente

A2: É só girar, 1 colocar esta aqui.

de metacognição, adaptando-se aqui para o que chamamos de incidente metavisual. INCIDENTE METAVISUAL Aquele em que ocorre indício de uma mudança observável na cognição de um foco na tarefa em um nível chamado cognitivo para um foco da própria cognição (meta) ou um foco sobre o monitoramento, a regulação e controle do pensamento que se refere especificamente a alguma habilidade visual, ou seja, questionamento sobre o que foi feito, pensando sobre o que foi feito referente a alguma habilidade de visualização.

2

A1: São duas diferentes não é?

A1: Acho que não porque tem 3 essa dupla aqui no meio.

Figura 3. Definição de incidente metavisual utilizado para categorizar as falas das transcrições.

Dessa forma, pretendeu-se verificar se 5. Incidente

metavisual

Aquele em que ocorre indício de uma

de que forma eles interfeririam na construção do conceito de isomeria geométrica.

mudança observável na cognição de um foco

Então, a partir disso, as falas da atividade

na tarefa em um nível chamado cognitivo para

foram categorizadas para os 4 grupos de alunos,

um foco da própria cognição (meta) ou um foco

sendo feitos os seguintes questionamentos ou

sobre o monitoramento, a regulação e controle

proposições:

do pensamento que se refere, especificamente, a alguma habilidade visual, ou seja, questionamento sobre o que foi feito, pensando sobre o que foi feito referente a alguma habilidade de visualização. A partir dessas definições, foi elaborada uma

106

havia a ocorrência de incidentes metavisuais e

• O aluno desenhou corretamente as moléculas? • O aluno conseguiu ou não concluir que as moléculas eram idênticas ou que eram diferentes?

categoria binária nesse trabalho de pesquisa sendo:

• Nesse pensamento houve ou não

“não” referente a um incidente não metavisual e

indícios de manifestação metavisual, ou

“sim” a um incidente metavisual, Tabela 1.

seja, de incidente metavisual?

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Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas: habilidade metavisual no ensino de Isomeria Geométrica

6. Resultados

O estudo tem metodologia interpretativa e procurou analisar indícios de manifestação de metavisualização durante a realização da atividade e suas implicações, com o intuito de pesquisar e analisar possíveis incidentes metavisuais manifestados pelos alunos no desenvolvimento dessa atividade colaborativa e em que medida isso interferiu na construção do conceito inicial de isomeria geométrica. Por ser o estudo de isomeria de natureza visual, isso contribui para a investigação de possíveis indícios de que o estudante esteja pensando sobre suas representações internas (imagens na sua mente). Então, parte-se do pressuposto de que é pos sível afirmar que, ao menos parte do raciocínio utilizado para fazer essa atividade, poderá envolver o pensamento sobre imagens (metavisualizar), por isso, utiliza-se o termo indício, pois é possível que haja indício da manifestação da metavisualização, mas não é possível se afirmar isso totalmente, pois, mesmo quando se perguntaria ao aluno o que ele estaria pensando num determinado momento, muitas vezes ele não se recordaria e não saberia ao certo se utilizou raciocínio espacial o tempo todo ou não. Em certa medida, porém, poderia ter utilizado esse raciocínio espacial, pois teria feito desenhos das moléculas e os utilizado para pensar, por isso, a palavra “indício”. 6.1. Análise

do grupo 1

A análise de todas as partes I, II e III da atividade sugere que houve indícios de pensamento espacial em muitos trechos dessa resolução, assim como o pensamento metavisual em alguns, e por ambos os alunos. De um total de 48 falas, 13 foram categorizadas como incidentes metavisuais. Os alunos desse grupo conseguiram desenhar, corre tamente, todas as moléculas e reconhecer os dois grupos distintos de moléculas cis e trans, na parte II.

Os incidentes metavisuais podem ter contribuído em alguma medida no desenvolvimento da atividade, sendo que a contribuição possa ter sido de: confirmação de um raciocínio, monitoramento (pergunta), mudança de opinião favorável ao aprendizado (+) e, ainda, mudança de opinião desfavorável ao aprendizado (-): não houve (Figura 4): 7 6 5 4 3 2 1 0

Confirmação Monitoramento

Mudança (+)

Mudança (-)

Figura 4. Os treze incidentes metavisuais do Grupo 1 e sua relação com o desenvolvimento da atividade 1: confirmando um raciocínio, monitorando (perguntando) ou mudando a opinião.

6.2. Análise

do grupo 2

A análise de todas as partes I, II e III da atividade sugere que o pensamento espacial também esteve presente em muitos trechos dessa resolução, assim como o pensamento metavisual em outros por ambos alunos, demonstrado com ênfase pela aluna A4. De um total de 35 falas, 10 foram categorizadas como incidentes metavisuais. Os alunos desse grupo conseguiram desenhar corretamente todas as moléculas, entretanto não conseguiram reconhecer os dois grupos distintos de moléculas cis e trans, na parte II, verificando-se, nesse caso, que outros fatores possam ter interferido de forma a levá-los ao erro, sendo que a conclusão errada foi conduzida pelo aluno A3, pois A4 demonstrou ter ficado na dúvida. Ainda assim, os incidentes metavisuais podem ter contribuído em alguma medida, conforme Figura 5:

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

107


Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio

4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0

6.4. Análise

do grupo 4

A análise de todas as partes I, II e III da atividade sugere que o pensamento espacial e metavisual não estiveram presentes na maior parte da resolução, tanto da aluna A7 quanto da A8, praticamente, não havendo indícios de Confirmação Monitoramento

Mudança (+)

Mudança (-)

Figura 5. Os dez incidentes metavisuais do Grupo 2 e sua relação com o desenvolvimento da atividade 1: confirmando um raciocínio, monitorando (perguntando) ou mudando a opinião.

pensamento visual ou metavisual. De um total de 29 falas, apenas 3 foram categorizadas como incidentes metavisuais. As alunas conseguiram desenhar corretamente todas as moléculas, mas não conseguiram reconhecer os dois grupos distintos de moléculas cis e trans, na parte II. Ainda assim,

6.3. Análise

os incidentes metavisuais podem ter contribuído

do grupo 3

A análise de todas as partes I, II e III da atividade sugere que o pensamento espacial e metavisual estiveram presentes em muitos trechos dessa resolução, entretanto, tendo mais indícios de pensamento visual do aluno A5, e pouco do A6. De um total de 17 falas, 6 foram categorizadas como incidentes metavisuais. As alunas conseguiram desenhar corretamente todas as moléculas e conseguiram reconhecer os dois grupos distintos de moléculas cis e trans, na parte II. Assim, os incidentes metavisuais podem ter contribuído em alguma medida, ressaltando-se o caráter de monitoramento desse grupo, conforme

em alguma medida, conforme Figura 7: 1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0

Confirmação Monitoramento

Mudança (+)

Mudança (-)

Figura 7. Os três incidentes metavisuais do Grupo 4 e sua relação com o desenvolvimento da atividade 1: confirmando um raciocínio, monitorando (perguntando) ou mudando de opinião.

Figura 6: 6

7. Conclusões

5

Neste tópico, procurou-se responder as

4

perguntas propostas desse trabalho com base

3

no que foi observado durante a pesquisa junto

2

a esses oito alunos. O objetivo da pesquisa

1

em questão era o de se verificar, em primeiro

0

Confirmação Monitoramento

Mudança (+)

Mudança (-)

Figura 6. Os seis incidentes metavisuais do Grupo 3 e sua relação com o desenvolvimento da atividade 1: confirmando um raciocínio ou monitorando (perguntando).

108

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

lugar, se os alunos desenhariam corretamente as moléculas e se conseguiriam identificar dois grupos diferentes, o cis e o trans. Em segundo lugar, se eles manifestariam indícios da habilidade de metavisualização durante a realização dessa


Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas: habilidade metavisual no ensino de Isomeria Geométrica

atividade, o que se denominou nesse trabalho de

metavisual pode auxiliar na construção do co­

incidente metavisual e, em que medida, isso poderia

nhecimento de variadas formas como: confirmação

auxiliá-los ou não na execução da tarefa proposta

de algum raciocínio, monitoramento (perguntas)

que, no caso, seria a introdução ao entendimento

e mudança de opinião, podendo essa última ser

da isomeria geométrica, com o reconhecimento de

positiva ou negativa. Além disso, foi constatado

grupos de moléculas que diferem espacialmente.

que a atividade promoveu um maior número de

Em outras palavras, em que medida a habilidade

indícios metavisuais de caráter de monitoramento

metavisual poderia auxiliar no aprendizado

(perguntas) em 50% dos inci­dentes metavisuais,

desses alunos, interferindo na construção e na

correspondendo a 16/32 inci­dentes metavisuais

reformulação de modelos mentais necessários à

no total dos quatro grupos. Vale ressaltar que o

compreensão desse conteúdo.

monitoramento é um processo metacognitivo

Respondendo à primeira pergunta, conclui­

básico e fundamental para que sejam alcançados

‑se que todos os alunos (100%) conseguiram

outros níveis mais avançados de metacognição,

desenhar corretamente as representações de

como avaliar, selecionar estratégias e planejar

moléculas, mas dos quatro grupos, apenas 2/4

para permitir a possibilidade de re­gulação da

(50%) conseguiram distinguir dois grupos distintos

aprendizagem, pois o aluno sendo capaz de

de moléculas na parte II, as cis e as trans.

discernir entre o que ele sabe e o que ele não sabe,

Segundo a categorização proposta, nessa

poderá auxiliá-lo a planejar seu aprendizado. Com

atividade houve o indício da manifestação da

relação à razão pelo alto índice de monitoramento

metavisualização em 9/12 (75%) das atividades,

na forma de perguntas, pode­ se pensar na

ou seja, das 3 atividades realizadas por cada uma

possibilidade dos questionamentos terem sido

das 4 duplas, em 9 delas observou-se incidente

favorecidos pelo fato do trabalho ter sido realizado

metavisual. Logo, esse dado dá suporte para se

em duplas, ou seja, um trabalho colaborativo,

responder ao questionamento da pesquisa de que

apontado espontaneamente como um fator po­

a atividade pode possibilitar a manifestação da

sitivo pelos próprios alunos dos grupos 2, 3 e 4.

habilidade de metavisualização.

Pode se sugerir pelas conclusões até o

Quanto à incidência, temos que, de um

momento que a metavisualização pode con­

total de 129 falas de todos os grupos, 32 delas

tribuir positivamente no aprendizado, mas que

foram categorizadas como incidentes metavisuais

outros fatores, possivelmente, se agregaram a

(25%) e que, portanto, as falas, de forma geral, se

essa construção e que precisariam ser melhor

concentram mais em nível cognitivo (75%) do que

investigados como: o aluno ter a compreensão dos

em nível metacognitivo (25%), o que poderia ser

procedimentos, o conhecimento das convenções

o esperado já que o status “meta” é considerado

e conceitos das representações, a natureza do

um raciocínio mais elaborado. Isso foi constatado

trabalho colaborativo, as ideias prévias, a presença

(nível cognitivo > que o nível metacognitivo)

de um mediador e, especialmente, as habilidades

mesmo sendo analisados individualmente os

visuais, pois, caso o aluno não consiga pensar

grupos, tendo-se a seguinte porcentagem de

visualmente,

provavelmente

sua

habilidade

indícios de falas metavisuais: 27% (13/48), 29%

metavisual estará prejudicada, o que foi observado

(10/35), 35%(6/17) e 10%(3/29), respectivamente.

fortemente no grupo 4.

Quanto à natureza da manifestação da

Com isso tudo, todos esses fatores citados

metavisualização, foi observado que o incidente

deveriam ser melhor investigados, pois há indícios

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

109


Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio

de que podem estar envolvidos, em alguma medida, no processo de maior ou de menor manifestação da metavisualização e, consequentemente, no complexo fenômeno de construção de conhe­ cimento, sendo que a me­tavisualização é apenas uma das facetas, ainda pouco explorada. Portanto, ressalta-se aqui que ainda existe muito campo há ser pesquisado com relação à metacognição e, principalmente, metavisualização no ensino de ciências, em particular, no ensino de química, o que indica que esse é um assunto de grande possibilidade e necessidade de pesquisas futuras para maiores esclarecimentos.

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110

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

111



Instrumentos e Criatividade 01 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011 | p. 113-116

Um Equipamento Alternativo: ferro elétrico como chapa de aquecimento An alternative device: clothes iron as a hot plate Aline Eiras Duarte, Matthieu Tubino, Amanda Carolina Covizzi Bertelli e José de Alencar Simoni1

1. Introdução

2. Construção

do dispositivo

Muitos experimentos exigem, em alguma

Uma base de madeira foi construída para

etapa, a utilização de aquecimento sem a

servir de suporte a um ferro elétrico, conforme

necessidade de agitação magnética. Hoje em dia,

mostram as Figuras 1 e 2. Esse suporte acomoda

nos laboratórios químicos de ensino ou pesquisa,

o ferro elétrico na posição invertida e constitui-se,

o uso de gás para aquecimento, devido à sua alta

basicamente, de uma caixa de madeira com uma de

periculosidade (vazamentos constantes, princípios

suas bases voltada para cima, possuindo um rasgo

de incêndio a que estão sujeitos e os acidentes

onde se encaixa o ferro de cabeça para baixo. Essa

pessoais), está diminuindo drasticamente. No

face é formada por uma parte fixa (madeira mais

Instituto de Química da Unicamp, por exemplo, é

clara) e outra (madeira mais escura) que se move

praticamente nulo o uso de gases no aquecimento.

no sentido longitudinal do corpo da caixa principal.

Tendo em vista o custo relativamente

Ao abrir, em forma de uma tampa deslizante, a

elevado de uma chapa de aquecimento, podendo

abertura em madeira mais escura permite modificar

chegar a até três mil reais, dependendo do modelo,

a posição do botão do ferro para a seleção da

estudou-se a possibilidade da utilização de um ferro

temperatura desejada.

elétrico doméstico convencional, para substituir

As dimensões da caixa, assim como do

a chapa de aquecimento, principalmente, em

rasgo onde se assenta o ferro, foram feitas de

laboratórios didáticos.

acordo com o modelo de ferro utilizado e assim

1

Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP. E-mail: caja@iqm.unicamp.br


Aline Eiras Duarte et al.

deve ser na construção de qualquer dispositivo com outro modelo de ferro. O aquecimento da parte superior do ferro em contato com a madeira é insignificante para provocar queima da madeira. Esse dispositivo foi exibido no XIII ENEQUI em 2006 (Duarte et al) e na literatura há outra possibilidade de construção da referida chapa sem o uso da madeira (Pacheco; Ribas; Matsumoto, 2008).

3. Testes

do dispositivo

O desempenho desse dispositivo foi avaliado aquecendo-se 200 mL de água em um béquer de 400 mL, comparando-o ao de uma chapa de aquecimento convencional (980 W, marca Fisaton) Os resultados indicam que esse dispositivo pode substituir o modelo específico de chapa para aquecimento de soluções em temperaturas de até 90 °C. As chapas de aquecimento possuem seleção de temperaturas que variam entre 100 e 350 °C. A seleção de temperatura na chapa de aquecimento convencional não corresponde ao valor real da temperatura do que está sendo nela aquecida. Para que a água, por exemplo, entre em ebulição, a temperatura de uma chapa de aquecimento deve ser bem superior a 100 °C. Se o volume de água for bem elevado, algo como 1 litro, algumas chapas de menor potência, como a usada como comparação neste

Figura 1. Vista lateral do ferro elétrico adaptado como chapa de aquecimento.

artigo, não conseguem, inclusive, levar a água à ebulição. Neste trabalho, um dos nossos objetivos era a comparação do desempenho do ferro elétrico com o de uma chapa de aquecimento mais simples, de baixa potência e de menor custo, já que pretendíamos desenvolver um dispositivo de preço acessível. No ferro elétrico utilizado, as escalas de seleções de temperaturas são diferentes. Ali, não há referências às temperaturas e a escala aparece como: “1, 2, 3, lã, algodão e linho” o que significa ir da temperatura mais baixa (1) até a mais elevada (linho). As Tabelas 1 e 2 mostram os valores máximos de temperatura alcançados

Figura 2. Vista superior do ferro elétrico adaptado como chapa de aquecimento.

114

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

pela água para as diferentes seleções de temperatura.


Um Equipamento Alternativo: ferro elétrico como chapa de aquecimento

Tabela 1. Temperatura máxima atingida pelo aqueci­ mento da água na chapa de aquecimento convencional. Temperatura selecionada / ºC

Temperatura atingida pela água / ºC

100

54,0

150

64,0

200

85,0

250

91,0

300

97,5

350

97,5

em Maio de 2010. Fonte: FURLAB), enquanto a nova proposta utilizando o ferro elétrico custa em torno de 6 % desse valor, R$ 44,00 (www. walmart.com.br/ acessado às 9h em: 22 abr. 2010).

Tabela 2. Temperatura máxima atingida pela água aque­ cida no ferro elétrico adaptado. Temperatura atingida pela água /°C

1

74,0

2

73,0

3

72,0

82,0

Algodão

88,0

Linho

91,0

Temperatura Selecionada = 250°C

Temperatura Selecionada = 150°C

Temperatura Selecionada = 300°C

Temperatura Selecionada = 200°C

Temperatura Selecionada = 350°C

100 90 Temperatura (°C)

Escala selecionada no ferro elétrico

Temperatura Selecionada = 100°C

80 70 60 50 40 30 20

0

6

12

As Figuras 3 e 4 mostram a variação da temperatura da água em função do tempo de aquecimento para as diversas seleções de temperatura. As temperaturas máximas nos di­

18

24

30

36

42

48

Tempo (min)

Figura 3. Curvas de aquecimento da água em tem­ peraturas variadas selecionadas na chapa de aque­ cimento convencional.

versos aquecimentos, para os dois dispositivos, mantêm-se estáveis em ± 3 ºC por cerca de uma

Algodão

hora seguida. novo dispositivo está no custo, que é inferior ao de uma chapa de aquecimento convencio­nal. Como dito anteriormente, o objetivo foi possibilitar que instituições de ensino que não se disponibilizam de recursos financeiros suficientes para a aquisição de muitas chapas e que desejem eliminar o aquecimento por gases, possam fazer uso de um substituto mais barato. No mercado, a chapa convencional utilizada é vendida por cerca de R$ 680,00 (preço avaliado

Temperatura (°C)

A grande vantagem da utilização desse

Linho

100 90 80 70 60 50 40 30 20 0

6

12

18

24

30

36

42

48

Tempo (min)

Figura 4. Curvas de aquecimento da água, em diferentes seleções de temperatura (lã, algodão e linho) no ferro elétrico adaptado.

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

115


Aline Eiras Duarte et al.

4. Cuidados

necessários no uso

• Como em qualquer chapa de aquecimento, utilize apenas materiais em vidro apropriados para aquecimento; • Observe se o fio de conexão não está tocando na superfície aquecida do

• Em caso de acidentes com quebras do suporte de vidro, dê orientações sobre como desconectar o dispositivo da rede elétrica; • O uso não é recomendável para menores de 15 anos.

ferro, o que pode levar a um curto circuito. Esse acidente é muito comum, também, com chapas de aquecimento convencionais; • Coloque uma etiqueta no fio de conexão, informando a voltagem correta; • Coloque um aviso informando que o dispositivo pode estar quente; • Não limpe a superfície do ferro utilizando dispositivos abra sivos como lixas ou elementos cortantes; • Não aqueça líquidos inflamáveis ou corrosivos;

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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

REFERÊNCIAS DUARTE, A. E. et al. Experimentos de Química Geral – Desenvolvimento de uma Chapa de Aquecimento a Partir de um Ferro Elétrico – Redução de Custo em Laboratórios de Ensino. XIII Encontro Nacional de Química (XIII-ENEQUI), Unicamp, 24 a 27 de Julho de 2006. Campinas/SP. PACHECO, J.R.; RIBAS, A. S.; MATSUMOTO, F.M. Equipamentos Alternativos para Laboratório de Ensino de Química: Chapa de Aquecimento e Calorímetro. XIV Encontro Nacional de Química (XIV-ENEQUI), UFPR, 21 a 24 de Julho de 2008. Curitiba/PR.


História da Química 01 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011 | p. 117-126

Francisco de Paula Castelló i Aleu: um químico elevado à honra dos altares Francisco de Paula Castelló i Aleu: a chemist raised to the honor of the altars Luis Kosminsky1

1. Traços

biográficos de um jovem químico

Francisco de Paula Castelló i Aleu nasceu em Alicante (Espanha) aos 19 de abril de 1914. Aos três meses de idade, perdeu seu pai. A mãe e seus três filhos (Teresa, Maria e Francisco) mudaram-se para Lleida, onde encontrava-se sua família (Sol; Torres, s/d.; Carbonell, 2001). O jovem Francisco iniciou seus estudos com a própria mãe, que era professora em Juneda. Continuou-os no Colégio dos Irmãos Maristas de Lleida (1924-1930), fazendo o assim denominado “bacharelado”. Mais tarde, transferiu-se para Barcelona, onde realizou estudos superiores no Instituto Químico de Sarriá (1930-1933), licenciando-se em Química pela Universidade de Oviedo em 1934. Seus estudos foram também validados pela Universidade de Barcelona. A partir de 1935, trabalhou na área química da Casa Cros, fábrica estabelecida em Lleida (Sol; Torres, s/d.; Carbonell, 2001). Francisco Castelló era inteligente e dedicava-se, continuamente, à reflexão científica e tecnológica, tendo a Química em mente em todas as circunstâncias e momentos de sua vida. Seus escritos evidenciam um espírito inventivo à busca de soluções para problemas químicos com que se deparara nos estudos e na vivência profissional. Direcionava, também, grande atenção e esforços ao planejamento e desenvolvimento de plantas de processos químicos, bem como se aplicava com afinco ao registro de equipamentos e vidrarias de laboratório através de desenhos minuciosos em seus projetos e “inventos” (Sol; Torres, s/d.; Carbonell, 2001). Na época dos estudos, Francisco dedicava seu tempo livre aos pobres e carentes em Barcelona, auxiliando-os espiritualmente e caritativamente na busca por 1

É Graduado, Mestre, Doutor e Pós-doutor em Química (USP), especializado em Engenharia Ambiental (UNICAMP) e tem capacitação em auditoria de SGI. É docente da FAAP e da Fundação Santo André, atuando em pesquisas relacionadas a Eletroanalítica, Desenvolvimento de equipamentos eletroquímicos e Meio Ambiente e sobre o Beato Químico Francisco Castelló Aleu.


Luis Kosminsky

melhores condições de vida. Mais tarde, atuou junto aos trabalhadores da indústria que o empregava, em Lleida, participando ativamente em suas necessidades e na defesa de seus direitos (Sol; Torres, s/d.; Carbonell, 2001). Demonstrava grande amor por Maria Pelegrí, de quem era noivo e a quem dirigiu uma carta de despedida, manifestando a retidão de suas intenções, após sua condenação. Como seu país passasse por tempos politicamente difíceis, inclusive com a supressão de muitos direitos individuais e perseguição religiosa, em julho de 1936, Francisco foi obrigado a ingressar no exército, lugar em que permaneceu por dez semanas. Não compactuou com a violência do regime nem da oposição. Foi preso e apresentado ao Tribunal Popular, sendo condenado à morte. A pena foi-lhe imputada no mesmo dia (29/09/1936), de fuzilamento marcado às 23h30min no cemitério local de Lleida, quando contava apenas 22 anos de idade. A Figura 1 é uma fotografia de Francisco tirada pouco tempo antes de sua morte. Uma testemunha do fuzilamento relatou que outros quatro jovens foram fuzilados com Francisco e que este, no momento derradeiro, disse aos algozes: Por favor, um momento! Os perdoo a todos e aguardo na eternidade (Carbonell, 2001).

2. O

“testamento intelectual” de Francisco Nas poucas horas decorridas entre a condenação e a execução de Francisco,

este escreveu uma carta ao seu colega de estudos de Química, Román Galán. Impressiona verificar que, ao escolher os temas a que se referiria em sua última mensagem em vida, Francisco ocupa mais da metade da carta tratando sobre Química, o que demonstra que esse assunto se encontrava fortemente arraigado em seus pensamentos e ocupações. Os relatos químicos na carta são como uma solicitação para que o amigo desse continuidade aos experimentos iniciados por Francisco. Versando sobre o desenvolvimento de uma bomba de amônia, com características eminentemente tecnológicas e de aplicação prática no desenvolvimento da indústria de refrigera ção, o texto põe em destaque o desejo de Francisco em contribuir para a melhoria das condições de vida e, portanto, do mundo, pela Química. É certo que Francisco já não esperava haurir frutos para si mesmo de sua Ciência, mas desejou contribuir com seus conhecimentos pelo bem da humanidade e para o avanço da própria Ciência. Merece destaque na carta o fato de que Francisco quis legar seu “livreto” com apontamentos químicos como seu testamento intelectual, o que denota possuir uma visão bastante favorável acerca da ciência química. Muito importante, também, é encontrar orientações práticas sobre os procedimentos para a realização dos ensaios descritos no livreto, o que demonstra que o Químico Francisco nutria o desejo de que a Química progredisse mesmo após a sua morte. Pode-se perceber, através disso, que Francisco possuía uma visão de avanço contínuo da Ciência,

118

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


Francisco de Paula Castelló i Aleu: um químico elevado à honra dos altares

através da soma de fatos e conhecimentos ao longo do tempo, para o qual ele próprio quis oferecer tudo o que acumulara em suas reflexões e buscas científicas ao longo da própria vida. A seguir, encontra-se a tradução da referida carta: Querido Padre: Escrevo estas letras estando condenado à morte e faltando umas horas para ser fuzilado. Estou tranquilo e contente, muito contente. Espero estar na glória dentro de pouco tempo. Renuncio aos laços e prazeres que me pode dar o mundo e ao carinho dos meus. Dou graças a Deus porque me dá uma morte com muitas possibilidades de salvar-me. Tenho um livreto, no qual apontava as ideias que me ocorriam (meus inventos). Farei que o mandem a você. É o meu pobre testamento intelectual. Trata-se de um compressor de amoníaco. O Hg pode ser substituído por um líquido qualquer, em circuito fechado, as válvulas por válvulas metálicas e a pressão por uma simples bomba centrífuga com pressão.

Lhe sou muito grato. Rogarei por você. Lembranças aos de Pravia. Francisco Castelló.

Ao que parece, o “livreto” mencionado na carta consiste de um caderno pequeno, com propostas inventivas e vários desenhos de equipamentos feitos pelo próprio Químico Francisco. Trata-se de uma coletânea dos inventos contemporâneos a ele e que mais lhe chamaram a atenção, além de conter suas propostas pessoais para o aperfeiçoamento deles. Existem, também, propostas inovadoras de Francisco elencadas e, algumas vezes, testadas. O material começa com um índice contendo 17 itens, sem a respectiva numeração de página. A seguir, cada item é ricamente descrito com orientações de procedimentos e ilustrações. O desenho feito na carta parece ser parte de um conjunto maior de equipamentos (Figura 2), presente no item 3 do caderno, sob o título de Compresor de mercuri (compressor de mercúrio). O texto sobre o equipamento na carta

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2

119


Luis Kosminsky

diz “compressor de amônia” e propõe a substituição do Hg por “outro líquido”. Precisamente por isso, reconhece-se o livreto como herança, pois, ao final do item 3, encontra-se o texto: La gran dificultat del compresor d’ NH3 a Hg es l’elevat press del Hg (14 ptes el Kg) que el fa prácticamente inacalisable.

É significativo o fato de a atenção do Químico Francisco estar voltada sobremaneira para o experimento referente à bomba de amônia. Isso demonstra tratar-se de um rapaz atualizado sobre os desenvolvimentos da área científica de sua época e sobre o que se desenvolvia de novas tecnologias na indústria Química. Cabe ressaltar, que o livreto de Francisco foi escrito na década de 1930, exatamente o momento histórico em que foram descobertos e sugeridos como refrigerantes os CFCs, gerando discussões e intensificando as experimentações sobre o emprego

120

REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2


Francisco de Paula Castelló i Aleu: um químico elevado à honra dos altares

dos ciclos de expansão-compressão de gases na indústria de refrigeração. Sem dúvida, o uso da bomba de amônia foi importantíssimo para a conservação de alimentos e para a indústria química do século XX, o que revela o quão adiantado era o tipo de pensamento desse jovem químico.

Além disso, as páginas que trazem a proposta de Francisco sobre a bomba de amônia contêm dados precisos de sua operação, como pode ser visto no topo da Figura 2, em que são apontados os valores de pressão de aspiração (3 atmosferas) e de compressão (5 atmosferas) a serem empregados, com a significativa expressão calculat (calculados). Ao longo da descrição dos procedimentos, esses valores são mencionados novamente na mesma página. Mais adiante, logo após a constatação da dificuldade de elevar muito a pressão de Hg requerida no uso da amônia, Francisco propõe a elaboração de uma Bomba de SO2, o que era justamente a pesquisa corrente na época. Como

vantagens, o pesquisador Francisco apresenta o fato de poder trabalhar em pressões inferiores à atmosférica e reduzir a quantidade de Hg utilizada. Na sequência, é apresentada no livreto uma tabela manuscrita de dados sobre o SO2 (Figura 3). De ambos os conjuntos de dados, conclui-se que Francisco não apenas idealizava seus

“inventos”, mas também desenvolvia cálculos numéricos, pesquisas bibliográficas de parâmetros físico-químicos e ensaios práticos com os mesmos, em vista de poder aplicá-los na prática. Existem no livreto algumas citações de revistas científicas, sobretudo da Chemie & Industrie, periódico que foi publicado pela Société de Chimie Industrielle, da França, entre 1918 e 1966. São citados, explicitamente, os volumes 32 e 33, publicados, provavelmente, entre 1934 e 1936, o que comprova que o jovem Francisco mantinha-se continuamente atualizado sobre o universo químico, embora não conste que tenha mantido vínculo com a academia ou com a Universidade após concluir sua graduação. Francisco possuía um típico espírito de pesquisador e cientista, interessado em acompanhar, ainda que por conta própria, os desenvolvimentos da comunidade científica, mesmo estando na jovial idade de 20/21 anos. A expressão “consultes a Ibérica” inicia outro ponto do material, seguida de questionamentos terminados com interrogações, indicando tratar-se de lembretes sobre consultas que precisaria realizar nessa fonte para subsidiar suas

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pesquisas em andamento. Os questionamentos versam sobre os experimentos 13, 3 e 7, respectivamente, de seu índice de inventos e são assim numerados. Após as questões, esta seção é encerrada pela frase La adresse de la revista cientifica francesa ‘La Nature’ (o endereço da revista cientifica francesa La Nature). Esta revista foi publicada semestralmente entre os anos 1873 e 1962, e continha seções dedicadas à Química. A questão relacionada ao invento 3 refere-se à busca de uma forma de atingir “14 ptes” com mercúrio, concordando com o que é apresentado na seção do livreto que trata sobre o compressor, conforme apresentado anteriormente. No volume referente ao primeiro semestre de 1934 da revista La Nature, encontra­ ‑se um extenso artigo sobre as dificuldades de obtenção e usos do mercúrio. Provavelmente, Francisco intencionava escrever ao autor do artigo solicitando sugestões e para realizar trocas de informações sobre seus experimentos, por isso buscou o endereço da revista. Examinando-se os artigos da La Nature dos anos de 1933 a 1936, é possível concluir que a revista serviu como uma das fontes de pesquisa e de inspiração a Francisco Castelló na elaboração de seus “inventos”, trazendo temas similares aos de seu interesse, como a exploração de minas, o desenvolvimento de aparatos físicos, o uso da eletricidade e de campos magnéticos e, sobretudo, a química tecnológica. No mesmo “livreto herança” de Francisco, existem outras propostas de vanguarda de equipamentos e instrumentação. Como exemplo, pode-se citar a “Roda de bicicleta magneto”, que consistia de uma bicicleta com dois imãs, sendo um atado à estrutura fixa e outro a um dos aros da roda. Lê-se nessa página, também ricamente ilustrada, que a corrente induzida seria “suficiente para gerar iluminação”. Os outros apontamentos são, em sua grande maioria, químicos e versam sobre estabilização de gases, uso e extração de minérios e minerais e análises de materiais. Merece destaque uma página intitulada Petites idees (pequenas ideias), na qual são listadas 23 ideias que, provavelmente, Francisco pretendia desenvolver melhor futuramente. Uma delas salta aos olhos, pois diz, textualmente, “uso de etanodiol em radiadores”. Ora, a primeira planta de produção industrial dessa substância data de 1926 e, ao que consta, seu emprego em escala para evitar o congelamento em radiadores iniciou-se apenas a partir de 1937, com o desenvolvimento de uma nova rota sintética que permitiu sua obtenção em grande quantidade. Nota-se que Francisco, mais do que um visionário, era um cientista com raciocínio de ponta para seu tempo, acompa­ nhando as ciências básicas e prevendo seu emprego no desenvolvimento de tecnologias. Além de uma cópia desse livreto, felizmente, foi possível conseguir cópias dos outros escritos científicos e escolares recolhidos do Químico Francisco. Entre eles, encontram-se dois espessos Diários de Laboratório, sendo um correspondente aos anos 1930 a 1931, versando sobre o Curso de Química

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Mineral e outro aos anos 1931 a 1932, referente ao Curso de Análisis Químico. Cada experimento realizado é minuciosamente descrito de forma manuscrita, com vários apontamentos pessoais e anotações de dados obtidos. Algumas dessas páginas são ricamente ilustradas com desenhos feitos a mão dos equi­ pamentos. Há, também, um conjunto de folhas contendo rascunhos de contas e equipamentos, apontamentos sobre o que parecem ter sido trabalhos realizados em grupo, anotações sobre palestras que assistiu e desenhos de peças com cotas e figuras que parecem ter sido produzidas em aulas de desenho técnico. Particularmente interessante, neste material, é a citação de uma palestra sobre o uso de energia térmica dos oceanos. As anotações manuscritas de Francisco são minuciosas sobre as informações que foram proferidas na ocasião, tanto sobre o arcabouço teórico, de funcionamento do mecanismo de aproveitamento das diferenças de temperatura da água, quanto com relação aos testes que foram realizados sem obter sucesso pelo seu proponente. As anotações seguem com uma reflexão do cientista Francisco, que diz aqueles repetidos fracassos não significam a impossibilidade de pôr em prática o método. A sua experiência servirá para que outro triunfe.

Essa colocação mostra o espírito de persistência de Francisco, deixando transparecer sua concepção metodológica da Ciência, que o envolvia em uma contínua busca de adaptações e planejamentos dos experimentos, em vista de se atingir os objetivos almejados, sobretudo quando estes eram tecnológicos. A inscrição reforça também a percepção já relatada, de que Francisco concebia a Ciência como capaz de contínuos avanços pelo acúmulo de experimentações e reflexões. Esse estudo de caso é, também, significativo, porque nele encontra­ ‑se uma análise de conjunto feita por Francisco no último parágrafo. Ali, são exaltadas as vantagens potenciais da técnica como a geração de energia e o eventual fornecimento de água fria para irrigação, iniciando-o com a frase As possibilidades deste invento são grandiosas. Assim, observa-se que Francisco

não se portava como mero espectador dos projetos de seu tempo, mas se envolvia pessoalmente com eles, acompanhando seus resultados e opinando sobre eles. Contudo, o que melhor representa a capacidade de Francisco de tecer análises tecnológicas de dados com visão de futuro é o comentário que registra, ao final do estudo de caso, dizendo o homem terá que recorrer a estes imensos depósitos de energia, porque lhe serão insuficientes os de que atualmente dispõe. Tal conclusão foi

tirada décadas antes da crise do petróleo, bem como do advento das discussões de matiz ambiental sobre fontes renováveis de energia. Em outro caderno localizado e bem conservado, encontram-se exercícios resolvidos, descrições sobre a química de alguns elementos e anotações , aparentemente, de aulas de química analítica qualitativa. Há, ainda, desenhos de equipamentos, outros rascunhos de contas, algumas páginas referentes à geometria

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analítica (estudo de parábolas) e outras escritas em Inglês sobre o estudo desse idioma. Por fim, existem duas folhas avulsas de caderno, uma com informações trigonométricas e medidas experimentais de ângulos, e outra com anotações de alguns comprimentos. Da análise de todo esse material, observa-se que Francisco era um aluno dedicado, interessado desde o geral até cada detalhe do que aprendia em aula, preocupando-se em registrar tudo em seu caderno. A ciência Química é vista com muito apreço por ele e, cada informação obtida, é elencada como que em uma anotação de lembretes para usos posteriores e sistematizações que fazia em seus estudos, com o cruzamento das mesmas. Como a vida de Francisco, apesar de breve, foi intensa e produtiva em diferentes segmentos, pretende-se prosseguir os estudos sobre os escritos desse ilustre Químico, tanto sobre os aspectos científicos de sua vida, quanto sobre suas reflexões humanas. Para tanto, almeja-se pesquisar o contexto em que seus inventos foram registrados no livreto, bem como acerca da eventual viabilidade de suas propostas científicas. Paralelamente, outros estudos sobre a personalidade e o contexto histórico da vida de Francisco serão também conduzidos.

3. O

aspecto humano do químico Francisco Graças a vivência de Francisco em grau heroico de suas virtudes, em 1958

teve início sua Causa de Canonização (http://www.bisbatlleida.org). Em 11 de março de 2001, Francisco foi declarado Beato (última etapa antes de ser declarado Santo) pelo Papa João Paulo II. Na ocasião, o Papa disse a seu respeito: Não menos edificante foi o testemunho dos demais mártires, como o jovem Francisco Castelló i Aleu, de vinte e dois anos, químico de profissão e membro da Ação Católica que, consciente da gravidade do momento não se escondeu, mas ofereceu a sua juventude em sacrifício de amor a Deus e aos irmãos (http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/homilies/2001/ documents/hf_jp­ii_hom_20010311_beatification_po.html).

A citação da profissão de Francisco no dia de sua Beatificação vincula-o, indelevelmente, à classe dos Químicos, e tem proporcionado uma visibilidade deste segmento em diferentes setores sociais, creditando-lhe aspectos positivos e deixando transparecer a existência do aspecto humano nos executores da ciência. Algumas frases ditas por Francisco em suas reflexões e militâncias pessoais celebrizaram-se como a cada contrariedade, um sorriso e não murmurar mais, e sim ver as coisas boas; e há tantas coisas maravilhosas a se contemplar na vida! Olhar o firmamento, as aves, as árvores e as plantas... Sem dúvida, essas reflexões servem também de

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inspiração aos homens e mulheres de todos os tempos que, comparti lhando a mesma formação acadêmica ou atuação profissional de Francisco, buscam atuar na construção de um mundo melhor (http://www.franciscocastello.com.br).

4. Conclusões

O lema do AIQ, Química por um mundo melhor, foi um ideal vivido intensamente por Francisco de Paula Castelló i Aleu. Seu desejo de que a Química progredisse, mesmo após a sua morte, como manifestado em sua última carta, e o empenho de sua juventude pela Ciência que amava, tornam Francisco um excelente modelo para os Profissionais da Área Química. A jovialidade de Francisco é também um estímulo de persistência nos estudos para os jovens, e sua coragem decidida diante de um mundo conturbado é um encorajamento aos Químicos de todos os tempos. Além disso, nota-se em seus escritos ter sido ele um pesquisador nato, com autodeterminação para a atuação junto à comunidade científica, desejando legar a esta tudo que suas reflexões e experimentações pudessem agregar ao conhecimento útil.

REFERÊNCIAS SOL, R.; TORRES, C.; Francesc de P. Castello i Aleu, Mártir de Crist. In: CRISTIANES, A. Presencia i significació Del cristianisme em la História i la societat de Lleida. Material de divulgação da Comissió Diocesana Pro Canonitzacio Del Beat Francesc Castello, s/d. CARBONELL, R. M. D. Francesc de P. Castello i Aleu. Servent de Deu fins a la mort. 2. ed. ampl. Barcelona: Abadia de Montserrat, 2001. FRANCISCO DE PAULA Castelló i Aleu. Químico e Bem-Aventurado. Disponível em: <http://www.franciscocastello.com.br>. Acesso em: 21 abr. 2011. HOMILIA DO SANTO padre na Beatificação de José Aparício Sanz e de 232 companheiros mártires na Espanha. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/ homilies/2001/documents/hf_jp-ii_hom_20010311_beatification_po.html>. Acesso em: 21 abr. 2011.

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História da Química 02 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011 | p. 127-132

História Química e Afetiva do Chocolate Chemical and Emotional History of Chocolate Robson Fernandes de Farias1 e Deyse de Souza Dantas2

O chocolate3 foi descoberto no México, pelos espanhóis, onde já era consumido pelas populações nativas (os astecas). A contribuição original dos espanhóis foi a de acrescentar ao chocolate o açúcar, em vez da apimentá-lo, como faziam os astecas. Em 1527, Hernán Cortés4, brutal conquistador, enviou uma amostra de sementes de cacau ao imperador Carlos V, devido à “conquista” da Espanha pelo chocolate verificando-se já ao final do século XVI. Contudo, no restante da Europa sua aceitação foi bem mais lenta, sendo preciso esperar até o século XIX para que o chocolate (ou antes, o cacau) viesse a se tornar um dos significativos produtos do comércio internacional. O chocolate desempenhava importante papel nas cerimônias religiosas astecas, tendo sua importância refletida no uso das sementes de cacau como moeda de troca entre aquele povo. Com esse grãos tudo podia ser adquirido, desde ouro e escravos até prostitutas.

Cortés 1

E-mail: robsonfarias@pq.cnpq.br

2

Bacharel em Farmácia-Bioquímica e Mestre em Biologia Molecular pela UFRN. Doutora em Biologia Molecular pela UNICAMP. Profa. das Faculdades Maurício de Nassau em Natal-RN. Desenvolve pesquisas na área de resolução de proteínas.

3

Define-se como chocolate o produto obtido a partir da mistura de derivados de cacau: massa (ou pasta ou liquor) de cacau, cacau em pó e/ou manteiga de cacau, com outros ingredientes, contendo, no mínimo, 25 % (g/100 g) de sólidos totais de cacau. O chocolate branco deve conter, no mínimo, 20% (g/100 g) de sólidos totais de manteiga de cacau.

4

Hernán Cortés Monroy Pizarro Altamirano (1485-1547). Embora tenha entrado para os livros de história como Hernán Cortés, o próprio Cortés denominava-se Hernando Cortés ou ainda Fernando Cortés.


História Química e Afetiva do Chocolate

Frutos e sementes do cacau

O fruto do cacaueiro (Theobroma5 cacao) tem cerca de 20 a 50 sementes, a partir das quais se prepara um manteiga à qual os astecas acrescentavam diversos produtos, a depender da preparação, como o pimentão, o urucum e cogumelos alucinógenos, estando estes entre os ingredientes mais comuns. A depender do que fosse adicionado, o chocolate terminava por adquirir a função de medicamento, de afrodisíaco, de alimento etc6. A fabricação do chocolate pelos astecas7 seguia as seguintes etapas: as sementes eram esmagadas e trituradas com pimentão, depois fervidas até que a mistura se tornasse espumosa. A beberagem assim obtida era considerada pelos espanhóis demasiado amarga e picante, imprópria para consumo humano. Tal fato apenas ilustra o quanto as diferenças culturais influenciam profundamente não apenas nossos padrões estéticos, mas também os gustativos. Algumas versões apontam para o fato de que a adição de açúcar ao chocolate teria sido iniciativa (com data incerta) dos próprios mexicanos, com a expansão das plantações de cana de açúcar naquele país tendo contribuído para essa inovação. Na Espanha, após uma resistência inicial, o chocolate passou a ser consumido por todos, desde as mulheres da camada aristocrática da população até os eclesiásticos. O progressivo aumento do consumo levaria os espanhóis a promover o plantio do cacau na Venezuela, somando-se às que há existiam no México e na Guatemala. Entre o final do século XVI e início do XVII, o consumo de chocolate se estenderia, da Espanha, para Florença, Veneza, Nápoles (que então eram reinos independentes, uma vez que ainda não ocorrera a unificação da Itália),

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5

Theobroma, significa, em grego, “alimento dos deuses”. A planta foi assim batizada por Linneu, o célebre criador da classificação sistemática botânica.

6

Cada semente possui elevado teor de gordura e água. Por isso, nas fazendas de cacau, elas ficam secando ao sol durante oito dias.

7

Os astecas bebiam o tchocolalt, uma mistura de grãos de cacau e mel, a qual era considerada uma bebida afrodisíaca e sagrada. Na língua astaca, tchocolalt significa “água amarga”.

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História Química e Afetiva do Chocolate

Alemanha, Inglaterra e Holanda, sendo holandeses, nessa época, os navios que transportavam o cacau da Venezuela para a Espanha8. Na França, seria durante o reinado de Luís XIV que o consumo do chocolate se disseminaria entre os aristocratas. O rei concederia a David Chaillon, em 1659, licença para que uma versão mais popular do chocolate fosse vendida a todos. Contudo, uma xícara de chocolate ainda era apreciavelmente mais cara (o dobro ou triplo do preço) do que uma xícara de café ou de chá. Entre 1730 e 1734, cerca de 43 mil toneladas de cacau venezuelano seriam levadas para a Espanha, demonstrando o grande aumento do consumo do chocolate, que, a essa altura, tornava-se bebida conhecida em toda a Europa. Coenraad Van Houten, em 1825, desenvolveria, por sua vez, uma maneira de separar o licor da manteiga de cacau. A partir do licor, obteria-se chocolate em pó de melhor qualidade, permitindo a criação do que seria o primeiro chocolate em barra.

Van Houten

8

O não plantio do caucaueiro na Europa justifica-se pelas características da planta, visto que o cacaueiro é uma árvore equatorial e tropical, a qual adapta-se melhor em altitudes entre 400 - 700 metros, e que necessita de chuvas regulares, solo profundo e fértil. Sua altura atinge entre 5 e 10 metros, com os primeiros frutos podendo ser colhidos de dois a três anos do plantio. É uma árvore frágil, sensível a extremos climáticos e muito vulnerável às pragas como a chamada “vassoura de bruxa”, que devastou os cacaueiros baianos em passado recente. A vassoura de bruxa é a principal doença do cacaueiro, tendo sido detectada, pela primeira vez no Brasil, em 1989. Existem basicamente três variedades de cacau: Forastero, Criollo e Trinitário. A variedade forastero é encontrada nas lavouras brasileiras, sendo mais resistente a doenças. É responsável por cerca de 80% da produção mundial de cacau.

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História Química e Afetiva do Chocolate

Em 1847, J. S. Fry & Sons, em Bristol, na Inglaterra, passaram a produzir o chocolate na forma sólida, obtido ao pressionar o chocolate fundido (retirando­‑se, assim, boa parte da manteiga de cacau). Na Suíça, atualmente célebre pela excelência de seu chocolate, a primeira chocolateria seria construída na cidade de Vevey, em 1819. O famoso “chocolate ao leite”, tão apreciado atualmente, foi uma contribuição suíça, introduzida por Henry Nestlé, em 1876, quando teve-se a ideia de acrescentar, além do açúcar, leite condensado na preparação do chocolate. Progressivamente, o chocolate seria cada vez menos consumido como uma bebida e, cada vez mais, na forma sólida, sob forma de barras9.

Henry Nestlé

Os principais componentes do cacau são os açúcares, amido, lipídios (presentes na manteiga de cacau), protídios, teobromina, cafeína, taninos, corantes naturais (antocianinas) e substâncias inorgânicas (tais como sais de potássio e fosforo). No chocolate10, encontramos a teobromina11, também encontrada nas sementes do guaraná. A teobromina, assim como a cafeína, é um alcaloide do grupo das metil-xantinas. Do ponto de vista médico-farmacológico, um dos usos modernos da teobromina é como vasodilatador.

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9

O cacau elaborado gera três produtos: manteiga de cacau, cacau ou chocolate em pó e chocolate em barra. Os diferentes tipos de chocolate contêm diferentes percentuais de açúcar: 60% no chocolate ao leite, 59,4 % no chocolate branco e 51,4 % no chocolate meio amargo.

10

O chamado “chocolate branco”, praticamente, não contém teobromina. O chocolate branco, invenção suíca (pós primeira guerra mundial) é feito com manteiga de cacau, leite em pó, açúcar e essência de baunilha. A manteiga de cacau possui formas cristalinas diferentes, cada uma com diferentes pontos de fusão.

11

3,7-dimetilxantina, ou 3,7-diidro-3,7-dimetil-1H-purina-2,6-diona.

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História Química e Afetiva do Chocolate

Algumas pesquisas apontam a teobromina como a substância responsável pelo vício em chocolate que acomete determinadas pessoas. O

CH3 N

HN O

Teobromina

N

N CH3

Além dos carboidratos e das gorduras, o cacau é rico em minerais essenciais, como magnésio, cobre, potássio e manganês. Os efeitos afrodisíacos do chocolate possivelmente podem estar relacionados à ação vasodilatadora da teobromina, além de estarem comprovados os efeitos do chocolate no aumento da produção da serotonina, substância responsável pela sensação de prazer, aliviando a depressão e a ansiedade (isso também explicaria o vício de algumas pessoas em chocolate). NH2

Serotonina

HO N H

No Brasil, o cultivo de cacau teve o seu início no século 19, em Ilhéus, Bahia, ainda hoje principal região produtora do país. Tal cultivo teria significativas consequências socioeconômicas, como o surgimento dos senhores e “coronéis” do cacau na Bahia, fenômeno eternizado em alguns romances de Jorge Amado como o conhecido “Terra do sem fim”, o qual foi também transformado em telenovela, pela rede Globo. O romance é de 1943, e a novela, de 1981.

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