ISSN 1809-6158
VOLUME 06 | NÚMERO 1/2 | JAN./DEZ. 2011
VOLUME 06 | NÚMERO 1/2 | JAN./DEZ. 2011
Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias – UFRN Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Ricardo Ferreira – UFPE Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP
Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali zação e otimização do Ensino de Química.
Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional
Revisão Bruna Oliveira Gonçalves Helena Moysés
1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos.
Capa e Editoração Eletrônica
CDD 540
Fabio Diego da Silva Indexada
Índice para Catálogo Sistemático 1. Química
540
Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.
Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br
VOLUME 06 | NÚMERO 1/2 | JAN./DEZ. 2011
Sumário
7 Editorial Artigos
9
Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso Fábio Adriano Santos da Silva
19 27
45
Uma Reflexão sobre a Formação Didática do Professor de Química Puêbllo José Gomes Cruz, Aldejaíse Cunha de Azevedo, Ana Beatriz de Medeiros Simões, Jackson da Silva Santos e Ilton Sávio Batista Martins
A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1 Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho
O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão: condições de oferta, desafios e perspectivas José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves
61 75
Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro
Polímeros: abordagem do tema na opinião de professores do ensino médio Denise Leal de Castro e Álvaro Figueiredo da Silva e Sá Júnior
Relatos de Experiência
83
Caracterizando Fenóis com Um Reagente Preparado com Esponja de Lã de Aço para Limpeza e Ácido Muriático Sebastião F. Fonseca, Karina S. Souza e Maria Cristina Santos
87
Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública Jackson da Silva Santos, Daguia de Medeiros Silva, Ana de Fátima Costa da Silva e Jeovane Jefferson Soares de Oliveira
99
Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas – Habilidade Metavisual no Ensino de Isomeria Geométrica Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio
Instrumentos e Criatividade
113
Um Equipamento Alternativo: ferro elétrico como chapa de aquecimento Aline Eiras Duarte, Matthieu Tubino, Amanda Carolina Covizzi Bertelli e José de Alencar Simoni
História da Química
117 127 133
Francisco de Paula Castelló i Aleu: um químico elevado à honra dos altares Luis Kosminsky
História Química e Afetiva do Chocolate Robson Fernandes de Farias e Deyse de Souza Dantas
Normas para Publicação
Contents
7 Editorial Articles
9
Degree in Chemistry of UEFS: proposals, challenges and prospects in the deployment of a course Fábio Adriano Santos da Silva
19 27
45
A Reflection on the Didatic Training of the Chemistry Teacher Puêbllo José Gomes Cruz, Aldejaíse Cunha de Azevedo, Ana Beatriz de Medeiros Simões, Jackson da Silva Santos e Ilton Sávio Batista Martins
The Evolution of the Chemistry Language and the Use of Animations in Teaching Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho
The Chemistry Course at the Universidade Federal do Maranhão: supply conditions, challenges and prospects José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves
61 75
An Overview on Composite Materials Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro
Polymers: high school teachers’ opinions about its approach Denise Leal de Castro e Álvaro Figueiredo da Silva e Sá Júnior
Experiences Account
83
Characterizing Phenol With a Reagent Prepared from Sponge Steel Wool and Commercial Hidrochloric Acid Sebastião F. Fonseca, Karina S. Souza e Maria Cristina Santos
87
A Metodological Proposal to Work Chemistry Contents with Public School Students from EJA Jackson da Silva Santos, Daguia de Medeiros Silva, Ana de Fátima Costa da Silva e Jeovane Jefferson Soares de Oliveira
99
Designing Molecules and Thinking About Them – Metavisual Skill in the Teaching of Geometrical Isomerism Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio
Tools and Creativity
113
An Alternative Device: clothes iron as a hot plate Aline Eiras Duarte, Matthieu Tubino, Amanda Carolina Covizzi Bertelli e José de Alencar Simoni
Chemistry History
117 127 133
Francisco de Paula Castelló i Aleu: a chemist raised to the honor of the altars Luis Kosminsky
Chemical and Emotional History of Chocolate Robson Fernandes de Farias e Deyse de Souza Dantas
Editorial Standards
Editorial
As grades curriculares dos cursos de graduação sempre representaram um desafio para os educadores; como adequá-las às necessidades da sociedade e dos alunos? Esse é um problema muito sério e que merece uma reflexão por parte de toda a comunidade acadêmica, uma vez que as necessidades e os anseios dos alunos estão em constante mudança e dependem do momento atual vivido pela sociedade. Infelizmente, as instituições de ensino superior acabam mudando e atualizando suas grades curriculares de forma isolada e sem uma reflexão em conjunto com outras instituições. Isso acaba levando a formações muito heterogêneas, nas diferentes regiões do país, para os egressos de um mesmo curso. Seria muito interessante se as propostas curriculares dos cursos de química das diferentes regiões do país fossem divulgadas, bem como o comportamento e o desempenho dos alunos ao longo de todo o curso. Isso permitiria que toda a comunidade refletisse sobre os mesmos problemas, e que todos se beneficiassem das boas experiências alcançadas, bem como que se evitassem as tentativas frustradas que já foram vividas por alguma instituição em particular. Este volume da ReBEQ apresenta artigos que mostram as condições de oferta do curso de química em uma universidade federal e outra estadual, bem como o desempenho dos alunos e os problemas encontrados ao longo do mesmo, em particular a evasão, que é um problema muito sério a ser superado na maioria das instituições de ensino superior. Para contornar tais problemas, muitas estratégias têm sido tentadas, incluindo-se alterações nas grades curriculares, mudanças nos pré‑requisitos e nas disciplinas de serviço, introdução de projetos já nos semestres iniciais e, particularmente, mudança na postura dos professores. Entretanto, se não houver a divulgação dos sucessos e fracassos das diferentes tentativas, a comunidade acadêmica não evoluirá como um todo. Por isso, incentivamos os leitores da ReBEQ, das diferentes regiões do país, a divulgarem suas propostas curriculares para os cursos de química, bem como as estratégias que têm sido desenvolvidas para se contornar os problemas encontrados ao longo do mesmo. Esse seria o passo inicial para se evitar distorções muito marcantes entre os cursos de química oferecidos em diferentes regiões do país.
Coordenação Editorial
Artigo 01 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011
p. 9-18
Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso Degree In Chemistry Of UEFS: proposals, challenges and prospects in the deployment of a course Fábio Adriano Santos da Silva1
Resumo
O levantamento e leitura de algumas produções que remetem à formação de pro fessores, algumas especificamente de professores de Ciências e Química, levaram à observação da insatisfação com a formação e o distanciamento da Licenciatura em Química com a realidade e as necessidades para uma atuação considerada satisfatória na educação básica atual. Frente a esse ponto, pretende-se demonstrar, no presente trabalho, alguns pressupostos teóricos que defendem o porquê de a formação não ser considerada apropriada ao mesmo tempo em que se propõe um modo de superar os obstáculos citados, além de apresentar orientações de ordem legal para alcançar esse objetivo. A partir desse norte, o levantamento bibliográfico demonstrou que a formação de professores é pautada na racionalidade técnica, isto é, no acúmulo de conhecimento teórico desvinculado da realidade e de necessidades educativas, concepção essa considerada inadequada na formação do futuro docente. Para superar essa linha, propõe-se que os cursos de licenciatura sejam alicerçados na racionalidade prática, que trilha pela reflexão na e sobre a ação docente como instrumento para fomentar a tão desejada formação do professor às necessidades atuais da educação brasileira. A par desses pressupostos, fez-se a leitura e a análise do Projeto Pedagógico da Licenciatura em Química da UEFS, objetivando verificar se a formação nesse curso propõe a base na racionalidade prática, atendendo às orientações de caráter legal, haja vista a recente implantação desse curso na supracitada universidade. Palavras-chave: Formação de professor de química. Racionalidade técnica. Projeto político pedagógico. 1
Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS; Departamento de Ciências Exatas – DEXA; Professor Assistente.
AbSTRACT
The lifting and reading of some productions that refer to the training of teachers, some specifically for teachers of Science and Chemistry, led to the observation of the dissatisfaction with the training and the distancing of the degree in Chemistry with the reality and needs for the performance considered satisfactory in basic education today. Before this point, we intend to demonstrate in the present work some theories that argue why learning should not be considered appropriate at the same time it proposes a way of overcoming the obstacles cited, and present guidelines to achieve a legal this goal. From north of the literature showed that teacher training is based in the technical rationality, that is, theoretical knowledge divorced from reality and educational needs, the design considered inappropriate in the training of future teachers. To overcome this idea, it is proposed that the undergraduate programs are grounded in practical rationality, which by reflection on track and on the teaching activities as a tool to foster the desired teacher training to the current needs of Brazilian education. Aware of these assumptions became the reading and analysis of the Educational Project of the Degree in Chemistry UEFS, in order that the training this course offers practical rationality in the base, meeting the guidelines of a legal nature, given the recent implementation of this course in aforementioned university. Key-words: Teacher training chemistry. Technical rationality. Political pedagogical project. 1. Introdução
O levantamento e leitura de artigos, dissertações, teses e livros de diferentes autores sobre a formação inicial de professores, a exemplo Maldaner (2000), Mizukami (2002), Rosa (2004), Gaspari (2008) e Silva (2010), alguns especificamente sobre formação de professores de Ciências e de Química, remetem, na maioria dos casos, a um mesmo ponto: à insatisfação com a organização curricular do curso e o distanciamento deste com as necessidades formativas para a atuação considerada satisfatória no Nível Médio já que os cursos de licenciatura são concebidos como uma extensão ou apêndice dos currículos dos cursos de bacharelado. A par dessa observação e compartilhando o mesmo sentimento de insatisfação, pretende-se, no presente, apresentarem-se argumentos sobre a formação de professores segundo alguns pressupostos teóricos, direcionando, na medida do possível, a formação de professores de Química.
2. Formação
10
inicial meramente técnica
no Brasil essa discussão vem se intensificando desde a década de 1980, quando muitas foram as alterações tanto de ordem legal quanto no meio acadêmico. No que se refere ao meio acadêmico, muitos são os artigos publicados em periódicos, anais e revistas especializadas, não apenas no ensino de Química, mas na educação de modo geral, além de dissertações, teses e livros desenvolvidos por todas as regiões do País. Algumas das alterações e orientações que remetem à ordem legal e de políticas públicas para o desenvolvimento e aper feiçoamento na formação inicial de professores remetem às leis 9.394/96 e 10.172/01, que tratam, respectivamente, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e Plano Nacional da Educação (PNE). A partir desse alicerce, muitas foram as resoluções e decretos para orientar e nortear o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da educação no País. Conforme PNE 10.172/01, por exemplo, na formação inicial é preciso superar a histórica dicotomia entre teoria e prática e o divórcio entre a formação pedagógica e a formação no campo dos conhecimentos específicos que serão trabalhados na sala de aula. Mas o PNE não é a única referência que cita essa característica nos cursos de
Segundo Kullok (2004, p. 13), a formação
licenciatura. Segundo os teóricos em educação, a
de professores é pauta de discussão mundial; e
formação inicial está enraizada em procedimentos
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso
técnicos ligados ao acúmulo de conhecimento
na qual se acrescentam algumas disciplinas ditas
teórico específico, desvinculados das necessidades
pedagógicas, não atende mais ao proposto pela
educacionais reais.
legislação em vigor. E diversos são os argumentos
De
acordo
com
Mizukami
(2002,
dos teóricos para modificar essa condição. Tardif
p. 12‑14), a formação de professores é pautada
(2002, p. 23) afirma essa observação quando diz
na racionalidade técnica, isto é, no acúmulo de
que a visão aplicacionista da formação não tem
conhecimentos teóricos para posterior aplicação.
mais sentido hoje em dia.
Segundo esse modelo, o professor é um técnico
Conforme Mizukami (2002, p. 12-14), o
especialista que aplica o conhecimento de modo
modelo de racionalidade técnica não mais atende
hierarquizado. Tardif (2002, p. 23) também
à formação de professores considerada apropriada,
comunga dessa concepção quando ressalta que
pois “aprender” a ser professor não é tarefa que
a formação para o magistério esteve dominada,
se conclui depois de estudar conteúdos e técnicas
sobretudo, pelos conhecimentos disciplinares
de transmissão destes. E vai além afirmando que
produzidos numa redoma de vidro, sem conexão
essa formação é inadequada ao contexto atual, pois
com a ação profissional, sendo aplicados a
no cotidiano da sala de aula há múltiplas situações
posteriori por meio de estágios ou de atividades do
divergentes com as quais o professor não aprende a
gênero. Kullok (2004, p. 13), por sua vez, observa
lidar durante um curso de formação.
a racionalidade técnica na formação de professores
Segundo estudos e levantamentos feitos
quando descreve que na graduação em licenciatura
por Reali e Lima (2002), a formação técnica é
plena aprofundam-se os conteúdos específicos e
irrelevante no processo de profissionalização
acrescentam-se algumas disciplinas pedagógicas
docente. De acordo com as autoras, os cursos de
no
organização
formação com essa base não mudam a dinâmica das
denominada 3+1, em que tal observação também
curso,
distribuídos
numa
aulas, tampouco o trabalho cotidiano do professor,
é descrita em diversos artigos que tratam da
e fazem com que os futuros docentes tomem como
formação de professores de Química.
referência sobre ensino o incorporado na formação
Rosa (2004, p. 18-24), direcionando o olhar
ambiental, ou seja, tenham como referência para
à formação de professores de Química, observa
a atuação docente professores com os quais estu
a racionalidade técnica e descontextualizada ao
daram quando se encontravam na condição de
descrever que na graduação as disciplinas são
alunos (Reali; Lima, 2002, p. 217-218). Rosa (2004,
estruturadas dividindo o conhecimento químico
p. 19) também tem essa visão quando afirma que
em teórico e prático, em que o conhecimento teórico é desenvolvido e verificado pela resolução de exercícios, e o prático por meio de roteiros experimentais preestabelecidos, mecânicos, or ganizados passo a passo, que em nada lembram uma investigação e primam pela eficiência, rendi mento e êxito. A formação alicerçada no acúmulo de conhecimento específico desvinculado das neces
ao término da formação inicial, os profes sores, em geral, acabam se apoiando em referências anteriores de professores e/ ou professoras que passaram pela sua vida escolar [...] e acabam se reportando ao seu tempo de aluno para tentar construir seu perfil docente,
em que conclui seu raciocínio denominando tal ação de formação ambiental.
sidades da educação que se deseja para a Educação
Vê-se, assim, que a busca por referências
Básica, mais precisamente para o Nível Médio,
como docente em outros professores – aqueles
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Fábio Adriano Santos da Silva
com os quais se teve contato como aluno – é fruto
a elaboração de uma nova proposta pedagógica
da formação insuficiente que a racionalidade
para as Licenciaturas, tanto no direcionamento do
técnica fornece aos licenciandos, na qual se
profissional ao mercado de trabalho quanto numa
pode observar também que apenas o domínio de
formação geral mais sólida e adaptada ao exercício
conteúdo específico não é o bastante para atender
da profissão de professor. Uma outra orientação,
as particularidades das salas de aula da Educação
sendo uma das mais recentes, trata do decreto
Básica. Contudo, salienta-se que o domínio de
nº 6.755/09, de 29 de janeiro de 2009, que institui a
técnicas de ensino ou de conteúdos pedagógicos
Política Nacional de Formação de Profissionais do
também não conseguem, isoladamente, suprir às
Magistério da Educação Básica. Essas propostas
necessidades à formação considerada adequada
de ordem legal têm a mesma essência: superação
atualmente, como também a prática de sala sem
da formação simplesmente técnica, isto é,
fundamentação teórica. Sendo assim, far-se-á
alicerçada apenas no conhecimento dos conteúdos
necessário combinar o domínio de conhecimento
específicos.
específico, o conhecimento pedagógico e a prática
Como orientações para formar adequa-
e reflexão sobre esta. A esse conjunto os teóricos
damente os professores que atuarão na educação
denominam racionalidade prática.
básica, da Lei 6.775/09 destacam-se no art. 2º, os parágrafos III, V e VI:
3. Superando
a formação meramente técnica De acordo com o citado nas linhas acima,
a base das alterações e orientações que remetem à ordem legal e de políticas públicas para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da formação inicial de professores remete às leis 9.394/96 e 10.172/01, que tratam, respectivamente, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e Plano Nacional da Educação (PNE), sendo as referências à formulação de resoluções e decretos que orientam e norteiam o desenvolvimento e aperfeiçoamento da educação no País. Uma dessas resoluções, proposta em 2002 pelo MEC, tem como objetivo garantir uma formação adequada em Nível Superior aos Professores de Química para a Educação Básica, de acordo com o documento
12
Art. 2º – São princípios da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica: III – a colaboração constante entre os entes federados na consecução dos objetivos da Política Nacional de Formação de Profissionais da Educação Básica, articulada entre o Ministério da Educação, as instituições formadoras e redes de ensino; V – a articulação entre teoria e a prática no processo de formação docente, fundada no domínio de conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; VI – o reconhecimento da escola e demais instituições de educação básica como espaços necessários à formação inicial dos profissionais do magistério.
do Conselho Nacional de Educação – CNS e
Os pontos acima destacados estão de
Câmara de Educação Superior – CES, Resolução
acordo com os discutidos por diversos teóricos
CNE/CES nº 08, de 11 de março de 2002. Nessa
em educação que apontam como instrumento
se estabelecem as Diretrizes Curriculares para os
para superar a formação estritamente técnica a
cursos de Licenciatura em Química e se orienta
combinação de três mecanismos:
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Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso
1. Formação reflexiva e prática;
Para Tavares (2004), a universidade é o
2. Formação em nível superior, em Universidades;
locus privilegiado para a formação do educador. Segundo a autora, se a formação do professor se
3. Parceria entre os professores uni
restringisse ao domínio de técnicas formuladas
versitários e os da educação básica,
por especialistas e à sua simples aplicação, não
aplicada à pesquisa.
haveria necessidade de um currículo teoricamente
O conjunto desses mecanismos visa superar a formação inicial técnica segundo o que Shön (1992) e Mizukami (2002) denominam racionalidade prática. Essa concepção é orientada pela reflexão na formação, na qual se considera a complexidade dos fenômenos educativos e os valores globais (éticos, políticos etc.) dos professores, norteados por uma reflexão na e sobre a ação, num processo contínuo de construção do professor (Mizukami, 2002, p. 14-21). Shulman (apud Gaspari, 2008, p. 24)
consistente e nem preparação em nível superior. E continua afirmando que [...] ao professor não basta conhecer o conteúdo específico de sua área, mas desenvolver competências que possibilitem a transposição desses con teúdos para situações educativas con cretas [...] (Tavares, 2004, p. 91-92).
Eis que surge a importância social da universidade como locus privilegiado para a formação desse educador.
defende a reflexão na formação citada por Shön
Conforme Kullok (2004), a licenciatura
e Mizukami quando discursa que a combinação
deve ser vista como um curso e não mais como
do conhecimento do conteúdo específico com
uma habilitação com terminalidade, em que
o conhecimento pedagógico desse conteúdo
uma formação adequada para que o exercício
e com o conhecimento curricular favorece o
profissional aconteça deve ser em nível superior,
desenvolvimento
prática.
na qual a formação não tenha um fim em si
Segundo o autor, apenas conhecendo e dominando
mesma, mas dê a competência para o exercício
o conteúdo específico não será possível ao
profissional, norteada pela relação teoria/prática e
professor prever e perceber as dificuldades que o
a pesquisa.
da
racionalidade
aluno poderá ter ao aprender o conteúdo.
Maldaner (2000, p. 45) resume o expresso
Conhecendo e dominando o conteúdo
por Tavares e Kullok quando afirma que a
específico, combinando-o com um conhecimento
universidade possui o contexto mais adequado
pedagógico desse conteúdo a ser ensinado
para conceber a formação dos professores para
e estabelecendo uma relação entre ele e os
todos os níveis de ensino. E ainda como forma de
objetivos do seu ensino, o professor estará
superação da formação apenas técnica, Maldaner
trilhando o caminho da racionalidade prática, pois
(2000), Tavares (2004) e Tardif (2002) comungam
também estará fornecendo novos significados
sobre a importante contribuição do professor
ao conhecimento específico quando exposto à
pesquisador na sua própria formação por meio de
realidade e necessidades escolares. Maldaner
parceria com os professores universitários.
(2000), Kullok (2004) e Tavares (2004) também
De acordo com Tardif (2002), a formação
concordam com essa orientação quando defendem
para o magistério deve ser repensada considerando
que a formação inicial reflexiva e prática deve
os saberes dos professores da educação básica,
ocorrer em nível superior nas universidades.
que ele denomina professores de profissão, e as
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Fábio Adriano Santos da Silva
realidades específicas de seu trabalho cotidiano, na busca por uma articulação e equilíbrio entre
superar esses obstáculos, pergunta-se: como está a Licenciatura em Química da Universidade
os conhecimentos produzidos nas universidades
Estadual de Feira de Santana – UEFS?
a respeito do ensino e os saberes desenvolvidos pelos professores em suas práticas cotidianas. E complementa dizendo que reconhecer que os professores de profissão são sujeitos do conhecimento é reconhecer, ao mesmo tempo, que deveriam ter o direito de dizer algo a respeito de sua própria formação profissional. Maldaner (2000) explicita essa observação de Tardif ao estabelecer um elo com a pesquisa em educação. Segundo ele, entre os pesquisadores educacionais, principalmente aqueles envolvidos diretamente com a formação de professores, cresce a convicção de que a pesquisa educacional deve ser realizada com a participação do próprio professor, tanto na formação inicial quanto continuada. Pereira (1999 apud Tavares, 2004) observa essa orientação antes de Maldaner ao afirmar que a universidade cumpre sua função social ao formar o professor investigador, um profissional com postura interrogativa, que se revela um pesquisador de sua própria ação docente. Tavares (2004) acrescenta que ao retirar da universidade a formação do professor, o governo desconhece sua identidade como pesquisador [...] e percebe o professor como tarefeiro a quem compete realizar um conjunto de procedimentos preestabelecidos (p. 93).
E complementa ao afirmar que se o professor no seu processo de formação acadêmica não for incentivado a pesquisar mediará uma aprendizagem empobrecida tendo como preocupação o domínio dos conteúdos. A par dos obstáculos que existem e resistem como barreiras à formação de professores considerada adequada e das propostas para
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4. O
curso de licenciatura em Química da UEFS
Como orientações para formar adequadamente os professores que atuarão na educação básica, o parágrafo VII do art. 2º, Lei 6.775/09, cita a importância do projeto formativo nas instituições de ensino superior que reflita a especificidade da formação docente, assegurando organicidade ao trabalho das diferentes unidades que concorrem para essa formação e garantindo sólida base teórica e interdisciplinar.
O curso de Licenciatura em Química ofertado pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS foi implantado em 2011, tendo sua primeira turma ingressado no período 2011.1, com funcionamento no turno noturno sob regime semestral, oferta 30 vagas por semestre, carga horária de 3281 horas, duração de 4 anos e meio, funcionando dentro do Departamento de Ciências Exatas – DEXA, e está fortemente ligado aos documentos de ordem legal, dentre os quais destacamos o Parecer CNE/CP nº 9/2001, Parecer CNE/CES nº 1303/2001, Resolução CNE/ CP nº 1/2002, Resolução CNE/CP nº 2/2002, e Resolução CNE/CES nº 8/2002. Conforme se destaca no Projeto Pedagógico do Curso, a criação da Licenciatura Plena em Química é imperiosa para suprir uma carência em Feira de Santana e regiões circunvizinhas no que diz respeito à formação de professores de Química. O Curso de Licenciatura em Química destinado à formação de professores de Química para a rede pública e privada de ensino visa atender às necessidades do Estado da Bahia quanto à formação de professores licenciados para exercer
Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso
as funções de Magistério no Ensino Básico
aos componentes de ensino são reservados apenas
(Fundamental e Médio), bem como contribuir para
27,55% da carga horária.
atuar junto às Secretarias Estaduais e Municipais
Evidentemente, existem outros componen
nas áreas de Ensino, Pesquisa, Extensão, além de
tes curriculares ligados às abordagens pedagógicas,
tentar mudar, ou pelo menos amenizar, o quadro
dentre os quais se destacam no plano as disciplinas
atual no qual um grande número de professores
pedagógicas gerais (didática, psicologia etc), com
sem formação em Química já atuam nas redes
330h, estudos sobre as diretrizes curriculares
pública e particular como professores sem
nacionais – DCN e trabalho de conclusão de curso,
formação específica.
com 195h, e o estágio supervisionado com 400h.
Segundo o Projeto Pedagógico do Curso, o
Os conteúdos pedagógicos situam-se no
licenciado em Química tem formação generalista,
contexto da formação para a docência, nos seus
sólida e abrangente em conteúdos dos diversos
campos próprios como psicologia da educação,
campos da Química, motivo pelo qual se justifica
currículo, avaliação, conhecimento socioantro
a seleção criteriosa de profissionais com formação
pológico dos fundamentos da pedagogia, didática,
específica em Química, para atuar de acordo com
gestão e políticas de educação e história do
as legislações pertinentes, pautado em princípios
conhecimento pedagógico.
éticos e na realidade econômica, política, social
Por sua vez, os conteúdos das DCN’s
e cultural, e pode atuar como professor no ensino
para a formação de professores de Química
fundamental, médio e superior, além de pesquisa.
referem-se aos conteúdos de Química previstos
Devido às reformas propostas pelo MEC
pelos documentos do Conselho Nacional de
nos cursos de licenciatura, observou-se no Projeto
Educação e sistema MEC, sob crivo dos princípios
Político-pedagógico da Química Licenciatura da
da
UEFS a proposta de implantação de um curso
assinalados pela Resolução CNE/CEB nº 2/1998,
atento ao descrito na legislação em vigor, voltado
que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais
a proposta de formação reflexiva, alicerçada na
para o Ensino Médio, em que cabe naturalmente os
Racionalidade Prática. Essas orientações são
pressupostos para o ensino de Ciências da Natureza
facilmente observadas já no início do curso e
no segundo segmento do ensino fundamental
fortalecidas no decorrer deste, onde se destacam
(5ª à 8ª Séries). Sublinham-se as competências e
diversos
habilidades para o campo da Química, como base
componentes
curriculares
ligados
ao Ensino de Química, Estágios e Educação.
interdisciplinaridade
e
contextualização
para o estudo desses Conteúdos.
Contudo, também é possível verificar que o
Em relação aos conteúdos das Atividades
curso ainda está fortemente ligado à proposta
Práticas Pedagógicas de Química, destaca-se
de um bacharelado, o que pode comprometer a
a integração e relação com a formação para a
proposta da formação alicerçada na racionalidade
docência. Sendo esses conteúdos essenciais para
prática/reflexiva acerca da docência, haja vista a
o desenvolvimento de competências e habilidades
carga horária disponível no curso referente aos
com vista à formação do perfil do licenciando em
componentes curriculares de Química Específica,
química que se almeja.
que somam 1065h, contra apenas 405h de Práticas
Para fortalecer a formação do licenciando,
Pedagógicas de Química. Se fossemos considerar
são disponibilizados os componentes ligados ao
apenas os conhecimentos químicos do curso, tanto
Estágio Curricular Supervisionado. Os conteúdos
específico quanto pedagógicos, verificaríamos que
de Estágio Supervisionado são desenvolvidos a
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Fábio Adriano Santos da Silva
partir do início da segunda metade do curso. Este
27,55% dos conhecimentos químicos abordados
momento possibilita ao licenciando vivenciar a
no curso.
prática do professor pelo exercício direto.
Em levantamentos e leituras de artigos e
Entre outros objetivos, pode se dizer que
trabalhos diversos sobre a formação em Química
o estágio curricular supervisionado pretende
Licenciatura (Maldaner, 2000; Mizukami, 2002;
oferecer ao futuro licenciado um conhecimento
Rosa, 2004), observa-se que o profissional deve
real em situação de trabalho, isto é, diretamente
estar preparado para lidar com as particularidades
nas unidades escolares do sistema de ensino
do ensino desta disciplina; e nos últimos anos os
médio. É também um momento para se verificar e
educadores da área vêm refletindo sobre o que
provar a realização das competências exigidas na
significa o ensino de Química para formar cidadãos
prática profissional dos formandos, especialmente
e sobre a necessidade dos conhecimentos químicos
quanto à regência de classe.
na formação acadêmica dos indivíduos.
O estágio curricular supervisionado é um
16
A formação de professores da educação
modo especial de atividade de capacitação em
básica
serviço e que só pode ocorrer em unidades escolares
modificações visando formar uma categoria de
em que o estagiário possa assumir efetivamente o
profissionais com competências, habilidades e
no
Brasil
vem
sofrendo
grandes
papel de professor. Para preservação da integridade
atitudes para realizar um ensino de qualidade e
do projeto pedagógico da escola que recepciona o
atender ao proposto nas linhas acima; situação
estagiário, exige-se que o tempo supervisionado
bem diferente daquela do Brasil de algumas
não seja fragmentado e sim contínuo. Nesse
décadas atrás, onde professor era todo aquele que,
sentido, é indispensável que o estágio curricular
por vocação ou necessidade, se dedicava a ensinar,
supervisionado, tal como proposto na LDB e
com ou sem preparação específica prévia. Todavia,
suas medidas regulamentadoras posteriores, se
essa proposta de formação não conseguiu ainda
consolide a partir dos semestres finais do curso de
ser aplicada nos cursos conforme Silva (2010),
graduação como coroamento formativo da relação
em estudo sobre as contribuições do laboratório
teoria e prática, conforme se descreve no Projeto
de química na formação dos licenciandos em
Pedagógico da Licenciatura em Química da UEFS.
Química, e apesar de sua recente implantação
Apesar de toda estruturação referente à
e da busca para atender a legislação em vigor,
formação de professores de química no tocante à
a Licenciatura em Química da UEFS parece já
docência, ao final, vemos que as cargas horárias
enfrentar esse mesmo obstáculo.
de conhecimentos específicos (Químicos, Mate
Contudo, mesmo frente ao quadro atual,
máticos, Físicos e Geocientíficos) somam 1681h,
a busca por uma formação mais adequada na
o que disponibiliza para as disciplinas de cunho
Licenciatura em Química da UEFS já tiveram
pedagógico geral e de ensino de química 1600h
início: a adaptação dos componentes curricu
da carga horária total do curso, o que representa
lares a um curso mais direcionado à formação de
48,75% da carga horária total.
professores (se compararmos com as propostas
Esse percentual representa menos da
anteriores à legislação em vigor), a proposta de
metade da carga horária da licenciatura, contudo
contratação de professores da área de Ensino
é bem maior que o percentual de componentes
de Química (descrita no projeto do curso), a
pedagógicos voltados ao conhecimento apenas
implantação de grupos de pesquisa em Ensino
de química, que vimos acima representar apenas
de Química, a participação e envolvimento dos
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
Licenciatura em Química da UEFS: propostas, desafios e perspectivas na implantação de um curso
licenciandos no desenvolvimento de atividades
incessante, constante e aparentemente objetiva
acadêmicas ligadas à formação de professores e
para oferecer uma formação mais ampla, rica e
ensino de química são indícios de que se busca
que atenda as necessidades atuais. A formação em
fortalecer um curso ligado realmente à Licencia-
Química Licenciatura não poderia estar fora dessa
tura e à formação reflexiva, conforme proposto
busca.
pelos estudos teóricos levantados, com destaque
Pesquisas, trabalhos em nível de graduação,
a Shön (1992), Maldaner (2000) e Mizukami
mestrado e doutorado, seguidos de apresentações e
(2002).
publicações em revistas e anais específicos, além
O conjunto das propostas apresentadas no
de livros sobre o tema comprovam a crescente
Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em
demanda para aperfeiçoar a formação nos cursos de
Química da UEFS citadas até o momento supõe
licenciaturas por parte dos teóricos em educação.
que a formação do licenciando dará competências
A promulgação de pareceres, resoluções, decretos
e habilidades para orientar e mediar o ensino
e leis, por sua vez, retratam a resposta por parte
visando à aprendizagem do aluno (nas escolas),
do governo em melhorar a qualidade do ensino e
e comprometendo-o com o sucesso dessa
formação de professores.
aprendizagem, buscando meios de contextualizar
No que remete a formação em Química
as aulas e atendendo as especificidades de cada
Licenciatura pela UEFS, vê-se a busca, ainda em
etapa e modalidade da educação básica e de
fase inicial e teórica, pela formação do profissional
cada área de conhecimento, principalmente o
de Educação em Química reflexivo, a partir da
conhecimento das Ciências da Natureza.
implantação de um Projeto Pedagógico do Curso
A preparação para o exercício profissional,
que deseja voltar-se a favor da Racionalidade
assim, considera a aprendizagem como processo
Prática, sendo esse plano pedagógico guia e
de construção de conhecimentos, habilidades e
norteador da formação que se almeja desde a
valores, em que ocorre interação com a realidade e
criação do curso de Licenciatura em Química da
com os demais indivíduos, num processo de ação-
UEFS, na qual se deseja acabar com a dicotomia
-reflexão-ação no qual o Licenciado em Química
que sempre esteve presente nos cursos de
deve adquirir competências e habilidades na
Licenciatura: a separação da teoria e prática, e da
área específica da Química, bem como na área
formação específica e pedagógica.
pedagógica, desenvolvendo esta formação para
No entanto, vemos a forte influência
exercer a profissão de professor e continuamente
da concepção de um curso direcionado aos
explorar esses conhecimentos para obter bons
conhecimentos específicos, haja vista a elevada
resultados nas escolas de Educação Básica,
carga horária em Química frente àqueles de Ensino
primando pela formação de cidadãos.
desta ciência. Dessa forma, observamos a necessidade de se avaliar constantemente a evolução do curso,
5. Considerações
finais
verificando os pontos positivos e as carências do curso, e reorganizando a proposta e organização
Observa-se que muitas são as discussões
curricular com o objetivo de oferecer um curso
sobre a formação de professores e muito mais
inicial atento não apenas aos pressupostos
tem a ser discutido. Todavia, os caminhos ainda
legais como obrigação, mas como meio para
obstruídos por muros e pedras demonstram a busca
disponibilizar aos licenciandos uma formação
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Fábio Adriano Santos da Silva
inicial que lhes dê a oportunidade de iniciar as discussões acerca da formação crítica e cidadã
simples reprodução daquilo que está posto.
KULLOK, Maísa Gomes Brandão. Formação de professores: política e profissionalização. In: MERCADO, Luis Paulo Leopoldo; KULLOK, Maísa Gomes Brandão (orgs.). Formação de professores: política e profissionalização. Maceió: EDUFAL, 2004. pp.13-22.
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18
2008. 86 f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências). São Paulo: Universidade de São Paulo.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Artigo 02 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011
p. 19-26
Uma Reflexão Sobre a Formação Didática do Professor de Química A Reflection on the Didatic Training of the Chemistry Teacher Puêbllo José Gomes Cruz1 Aldejaíse Cunha de Azevedo Ana Beatriz de Medeiros Simões Jackson da Silva Santos e Ilton Sávio Batista Martins
Resumo
Este artigo possibilita a reflexão sobre a significativa importância da didática na formação do professor de Química, em que o profissional tem que ter algumas competências e conhecimentos didáticos essenciais para o exercício da docência, mantendo uma visão crítica em relação à estrutura curricular dos cursos de formação, nos quais sobressaem as disciplinas específicas, enquanto as pedagógicas acabam esquecidas em detrimento da falta de valorização das mesmas. Domínio de conteúdo não fará do licenciando um bom profissional, se este não souber como lidar com os seus alunos no dia a dia, criando métodos de ensino e sendo capaz de observar as dificuldades destes e, juntos, tentarem amenizar as demais situações. Esse conhecimento apenas a disciplina didática irá proporcionar. Além de dominar o conteúdo lecionado o professor deverá possuir domínio sobre todas as técnicas de trabalho como também a troca de conhecimentos com os alunos. Um problema que nos preocupa é a evasão dos alunos do curso de licenciatura em química, que com a ausência de licenciados abrem-se portas para outros profissionais desta área. Estes não possuem, na maioria das vezes, competências didáticas, as que ocasionam a difícil compreensão dos conteúdos. A ausência da disciplina didática nos cursos de licenciatura em química prejudica a prática docente dos futuros professores. Palavras-chave: Didática. Química. Processo ensinar-aprender. 1
Instituto Federal do Rio Grande do Norte - Campus Currais Novos. E-mail: puebllojose@hotmail.com
AbSTRACT
This article offers a reflection on the significant importance of teaching in the formation of the teacher of Chemistry, in which he has to have some teaching skills and essential knowledge to the practice of teaching, maintaining a critical view regarding the curriculum of training courses, in which stands the specific disciplines as, on the other hand, teaching is kept aside over the lack of appreciation of the same. Content domain will not make a good professional licensing, if it does not know how to deal with their students daily, creating teaching methods and being able to observe those difficulties and, together, they try to soothe the other situations. This knowledge alone will provide didactic discipline. Besides the mastering of the content taught, the teacher should have dominion over all the technical work as well as the exchange of knowledge with students. One problem that concerns us is the escape of students of bachelor in chemistry, which with the lack of undergraduates opens up doors for other professionals. These have not, in most cases, teaching skills which cause the hard understanding of the contents. The lack of discipline in teaching undergraduate courses in chemistry undermine the teaching practice of future teachers. Key-words: Teaching. Chemistry. Teaching-learning process.
1. Introdução
A formação do professor para o ensino superior tem sido alvo de constantes discussões e preocupações, tornando-se preponderante o fato de muitos professores iniciarem suas atividades profissionais com poucos conhecimentos didáticos. A formação do profissional professor requer algumas competências e conhecimentos didáticos básicos e essenciais para o exercício da docência. Além do domínio do conteúdo, é preciso se possuir, também, o domínio dos métodos e técnicas do trabalho que se realiza, além de uma interação de troca com os alunos, mantendo, no processo de ensinar e aprender, uma relação de cumplicidade e de respeito. Sabemos, também, que a evasão de alunos do curso de licenciatura em química é outro problema real, em que com a ausência de licenciados abrem-se as portas das salas de aula para outros profissionais da área de Química, como engenheiros, bacharéis etc., os quais não possuem, na maioria das vezes, competências didáticas, ocasionando na difícil compreensão dos conteúdos por parte dos alunos. A didática insere nesse processo um importante papel como elemento estruturante do
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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
seu método, ora estudando, retomando, discutindo ou fazendo adaptação entre a teoria e a prática. Todo processo de formação de educadores especialistas e professores – inclui necessariamente componentes curriculares orientados para o trata mento sistemático do “que fazer” educativo, da prática pedagógica. Entre estes, a didática ocupa um lugar de destaque (Candau, 2001).
Dentro do processo de formação, a didática limita-se aos seguintes componentes básicos: o educador, o método a que se recorre, o educando, a matéria que se ensina e os objetivos a atingir para que se eduque. Luckesi (2001) afirma que a didática destina-se a atingir um fim: “a formação do educador”, que não se restringe apenas à escola, como também em todos os processos de aprendizagem estruturados num projeto histórico que manifesta as aspirações e o processo de crescimento de desenvolvimento do povo, onde a ação pedagógica não poderá ser então, um “quefazer neutral”, mas um “quefazer” ideologicamente definido.
Uma Reflexão Sobre a Formação Didática do Professor de Química
Todo educador deverá exercer as suas
2. Procedimentos
atividades consoante as suas opções teóricas, ou seja, uma opção filosófica-política pela opressão ou pela libertação; uma opção por uma teoria do conhecimento norteadora da prática educacional, pela repetição ou pela criação de maneiras de se compreender o mundo. Dessa forma, a prática educacional é vista como uma ação comprometida, ideológica e efetiva, capaz de formar o educador, criando condições para que ele se prepare filosoficamente, cientificamente e tecnicamente para que sirva de base efetiva ao tipo de ação que vai exercer fazendo-o reconhecer que um educador nunca estará definitivamente pronto, ao contrário, é o fazer do seu dia a dia que o tornará apto a
metodológicos
Do ponto de vista da forma de abordagem, o trabalho classifica-se como qualitativo, pois não requer o uso de métodos e de técnicas estatísticas. Quanto aos objetivos mais gerais, essa pesquisa qualifica-se como exploratória. No que diz respeito aos procedimentos técnicos, o estudo é classificado como bibliográfico, pois é elaborado, principalmente, por meio de livros, artigos de periódicos e materiais disponibilizados na internet com a observação dos seguintes parâmetros: a prática pedagógica do professor de química; adidática da química e a formação do professor; o ensino de química – uma preocupação atual.
meditar a teoria sobre a sua prática, fazendo-o compreender, globalmente, o seu objeto de ação, pois aprendemos bem aquilo que praticamos e teorizamos. Sobre a questão de que o educador deva reconhecer que nunca estar devidamente pronto, disse Freire (1977): Aqui chegamos ao ponto de que talvez devêssemos ter partido. O do inacabamento do ser humano. Na verdade, o inacabamento do ser ou sua inconclusão é própria da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento.
Objetiva-se, com este artigo, discutir a necessidade da disciplina da didática nos cursos de licenciatura em química, e como sua falta pode prejudicar a prática docente dos futuros professores. É missão dos educadores prepararem as novas gerações para um mundo em que terão de viver o que inclui se produzir conhecimentos e se proporcionar um ensino de qualidade com aprendizagens
significativas,
que
servirão
tanto para a vida pessoal, quanto para a vida profissional.
3. A
prática pedagógica do professor de Química Com relação ao ensino de química, Cardoso
e Colinvaux (2000) dizem: O estudo da química devese principalmente ao fato de possibilitar ao homem o desenvolvimento de uma visão critica do mundo que o cerca, podendo analisar, compreender e utilizar este conhecimento no cotidiano, tendo condições de perceber e interferir em situações que contribuem para a dete rioração de sua qualidade de vida. Cabe assinalar que o entendimento das razões e objetivos que justificam e motivam o ensino desta disciplina, poderá ser alcançado abandonandose as aulas baseadas na simples memoriza ção de nomes de fórmulas, tornando as vinculadas aos conhecimentos e conceitos do diaadia do aluno.
Portanto, é uma prática na qual podemos falar de uma Educação Química, que valorize
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Puêbllo José Gomes Cruz et al.
a construção do conhecimento pelo aluno e o processo
ensino-aprendizagem
intimamente
relacionado ao cotidiano, objetivando a formação de um cidadão para viver e atuar na Sociedade do Conhecimento. Assim, julga-se importante e necessário se tomar como objetivo de estudo da pesquisa a prática pedagógica do professor de Química do Ensino Médio. Para tanto uma questão fundamental se colocou: estariam esses professores desenvolvendo uma prática na perspectiva de articulação do conhecimento prévio do aluno com o conteúdo proposto pela Química? Segundo Chassot (2003): O discurso dos professores de Química parece se distinguir pela natureza hermética de seu conteúdo. O conhecimento químico, tal como é usualmente transmitido, desvinculado da realidade do aluno, significa muito pouco para ele. A transmissão-aquisição de conceitos de Química usa um discurso recontextualizado, que não é originado da prática dos professores que o usam na escola secundária, mas que foi produzido na distante Universidade.
Com isso, além do discurso descon
a sensação de terem sido seduzidos pela academia e
textualizado, um dos fatores relevantes que levam
depois abandonados por ela.
os professores para a desconectividade do discurso
Para superar essa dicotomia presente na formação do professor, Marques (1992) propõe a introdução de novas categorias de disciplinas para que a formação científica e a formação do educador se complementem num processo de tessitura. Dentre as disciplinas ele destaca práticas de ensino, didáticas especiais e instrumentalização para o ensino. Por isso, é necessário se investir na for mação do professor para que os profissionais realmente articulem a teoria com a prática e o seu desejo de mudança não fique somente no discurso.
com a prática, é a formação que eles têm na universidade. A análise da prática pedagógica dos pro fessores de Química do Ensino Médio mostra uma contradição entre o que dizem e o que fazem. Alguns professores têm um discurso mais avan çado, refletinfo o desejo de se fazer uma prática mais avançada, porém, devido à falta de recursos e ou conhecimentos, suas ações são limitadas. Uma explicação para esse descompasso encontra-se
22
professores, distante, muitas vezes, da realidade de suas salas de aula. Além disso, na maioria das vezes, as disciplinas de formação da área específica se dão de forma desarticulada das disciplinas pedagógicas. A estrutura curricular dos cursos de formação, muitas vezes, as coloca como dois blocos isolados. Acresce-se a isto o fato desses professores experimentarem certo tipo de relação pedagógica com seus professores, centrada no eixo da transmissão-assimilação de conteúdos, ainda que críticos. A propósito, Freire (1987) afirma que:“nós internalizamos as velhas formas tradicionais de ensino”. Essas formas podem estar relacionadas com os cursos de Formação de Professores de Química, nos quais os currículos estão calcados na racionalidade técnica derivada do positivismo e que tendem a separar o mundo acadêmico do mundo da prática. Nessa perspectiva, Schön (1992) lembra que esses currículos procuram proporcionar um conhecimento básico sólido no início do curso, com subsequentes disciplinas de ciências aplicadas desse conhecimento para, finalmente, chegarem à prática profissional, com os diferentes tipos de estágios. Nas palavras do autor: os profissionais têm
na
formação
acadêmica
desses
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
Uma Reflexão Sobre a Formação Didática do Professor de Química
4. A
didática da Química e a formação de professores A literatura em didática indica que a
necessidade do docente de conhecer o conteúdo a ser ensinado ultrapassa o que é habitualmente contemplado nas disciplinas específicas, implicando conhecimentos profissionais rela cionados à história e à filosofia das ciências, às orientações metodológicas empregadas na construção de conhecimento, às interações ciência-tecnologia-sociedade-meio ambiente e às limitações e perspectivas do desenvolvimento científico. Dessa maneira, entende-se que: são esses conhecimentos que podem embasar um processo de ensino no qual o conteúdo não venha a ser abordado como pronto, verdadeiro, estático, inquestionável, neutro e des contextualizado social, histórica e culturalmente (Schnetzler, 2002b).
Então, no seio da didática, compreendeu-se a necessidade dos professores participarem da construção de novos conhecimentos didáticos. A estratégia potencialmente mais adequada
educação básica e professores universitários. Através dessas parcerias seria possível sugerir e discutir possibilidades de melho ria do ensino de química (ou de ciências, de forma geral), disponibilizando-se recursos didáticos apresentando-se propostas e projetos de ensino diferenciados. Assim, sugere Schnetzler (2002a): docentes universitários precisam viabi lizar, tornar acessíveis, de forma útil e substantiva aos professores, inúmeras contribuições epistemológicas e teóri cometodológicas de pesquisas na área de Educação em Ciências.
Entre as ações possíveis dessas parcerias, Schnetzler (2002a) indica o desenvolvimento de: [...] propostas e recursos didáticos alternativos para o ensino médio de Química, possibilitando aos professores participantes o conhecimento de organi zações conceituais relacionadas a temas de vivência dos alunos, com articulações teóricopráticas e com propostas de exercícios e questões mais adequadas à promoção de aprendizagem significativa dos alunos.
para que os professores se apropriem dos resulta-
Em relação à Química, a produção de
dos da investigação didática e assumam as pro-
material didático por grupos de investigação
postas curriculares que daí derivam, consistiria
em didáticas das ciências, com a colaboração
em impli car os mesmos na investigação dos
de professores da escola básica que aplicam as
problemas de ensino/aprendizagem das ciências
propostas didáticas, pode ser encontrada, também,
que se apresentam na sua atividade docente. É
em trabalhos, artigos em GEPEQ – Grupo
claro que não se trata de cada professor ou grupo
de Pesquisa em Educação Química (1995), e
de professores terem de construir, isoladamente,
pesquisas como Santos e Mól (1998) e Mortimer
todos os conhecimentos didáticos elaborados pela
e Machado (2002).
comunidade científica, o que se pretende é propor-
Portanto, Schnetzler (2000a) e Cachapuz
cionar aos professores: o apoio e a reflexão necessária
et al. (2001) defendem que os professores
para que participem na reconstrução e na apropriação
chamem para si, através do diálogo com os seus
desses conhecimentos (Cachapuz et al., 2001). Nesse
pares e com os investigadores (universitários),
sentido, é estratégia para a formação continuada
maiores responsabilidades pela construção da
de professores da escola básica a constituição
sua identidade. Ou seja, que se desenvolva uma
de parcerias colaborativas entre professores da
perspectiva de professor-investigador.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Puêbllo José Gomes Cruz et al.
5. O
ensino de Química: uma preocupação atual A investigação sobre o Ensino de Química
pode ser considerada recente. Na década de 1980, no Brasil, começaram a ser desenvolvidos vários projetos que tinham como objetivo melhorar o ensino de ciências, dentre eles, o ensino de Química. Krasilchik (1987), por sua vez, caracterizou os pesquisadores na área de educação em Química como “educadores em ciência”. Cada vez mais os educadores químicos estão se reunindo e formando grupos de estudo, vinculando pesquisadores de várias instituições de nível superior de ensino, como, por exemplo: UFRJ; UFGO; Universidade de Aveiro (Portugal); Unisinos (RS); UFSM (RS); UFMG; UERJ; Unijuí (RS); Unicamp; FURG (RS); PUCRS; UnB e Unimep (SP), com o objetivo de promover pesquisas com propostas inovadoras de ensino na área de Química – independentemente do grau de ensino a que se destinam – debates sobre o ensino e educação em Química (UNI revista – Vol. 1, n° 2: abril 2006). Isso mostra que os professores estão procurando fortalecer a luta por uma educação de melhor qualidade desde há muito tempo e de forma mais organizada e consensual, a partir da década de 1980. Nessa história recente, registram -se vários estudos voltados para a Educação em Química veiculados em livros, artigos e também em eventos científicos da área. A preocupação em se buscar um ensino de Química mais articulado com a prática social, tem sido, assim, uma constante entre os estudiosos da área. Nos dias atuais, portanto, o ensino da Química deve se voltar para a formação de cidadãos conscientes e críticos. Chassot (1990) explica o porquê: A Química é também uma linguagem. Assim, o ensino da Química deve ser um facilitador da leitura do
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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
mundo. Ensinase Química, então, para permitir que o cidadão possa interagir melhor com o mundo.
Através de uma nova organização do trabalho pedagógico, orientado por uma metodologia progressista, talvez seja possível se ter uma aceitação diferente por parte dos alunos, como observa Chassot, tornando o ensino inserido na realidade. É também importante que o perfil do professor dessa área de ensino seja redimensionado, pois: Poucos de nós somos experientes o suficiente para romper drasticamente com nossos velhos hábitos de ensino e aprendizagem. Nós ‘internalizamos’ as formas tradicionais, a velha arquitetura da transferência de conhecimento, os hábitos autoritários do discurso professoral em sala de aula (Freire; Schor, 1996).
Como ponto de partida, o trabalho docente implica num processo teórico-metodológico que seja articulado a uma concepção pedagógica que supere a dicotomização entre teoria e prática, pois, como afirma Vázquez (1990) a teoria depende da prática na medida em que a prática é fundamento da teoria e, como propõe Morin (2000), ao se defender
a incorporação dos problemas cotidianos ao currículo e a interligação dos saberes.
6. Considerações
finais
Conforme mostrado nesse trabalho, percebe-se ser de suma importância a implantação das disciplinas didáticas no curso de Licenciatura em Química, pois isso se faz necessário ao melhor desenvolvimento do ensino e da aprendizagem. Mostrou-se, ainda, que dominar os conteúdos não implica na produção de um trabalho eficiente, pois isso é apenas um dos elementos essenciais.
Uma Reflexão Sobre a Formação Didática do Professor de Química
O professor precisa ter consciência da utili zação da afetividade para com os alunos, fazer uso de recursos metodológicos, planejamentos, compreender o processo de avaliação e tudo o que for necessário para o desenvolvimento do seu trabalho. É preciso uma boa interação com a disciplina de didática para que, com as técnicas adquiridas, os assuntos cheguem aos alunos de forma simples e agradável, de maneira que eles percebam a sua utilidade e o seu significado. Porém, sabemos que a realidade é totalmente contrária, pois a disciplina não recebe seu devido valor nas salas de aula, o que acarreta em uma má compreensão por na parte dos licenciandos, gerando o abandono do curso de química e, por sua vez, abrindo portas das salas de aula para bacharéis, engenheiros etc., agravando mais a situação, pois, em sua maioria, estes não possuem nenhum treinamento pedagógico. Espera-se que o presente trabalho venha contribuir de maneira significativa para a for mação dos licenciandos e possibilitar a reflexão dos licenciados em química, tendo em vista as necessidades e as demandas atuais, o que, certamente, se refletirá na prática cotidiana das escolas. A partir de todas essas considerações é possível se perceber as implicações pedagógicas relativas às questões envolvidas nesse trabalho. Algumas questões são importantes em um momento de redefinição do trabalho pedagógico dos professores, quando estas possam servir para futuros trabalhos e/ou futuras reflexões, tais como: Onde deve ocorrer a formação do professor de química? Que tipo de formação esse professor necessita para atuar no mundo moderno? Os alunos das licenciaturas estão aptos para atuarem no mercado profissional, após saírem da universidade? Porque muitos professores praticam a forma mais tradicional de ensino? O que os leva a ficar nesta estagnação?
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Artigo 03 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011
p. 27-44
A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1 The evolution of chemistry language and the use of animations in teaching Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho1
Resumo
O uso de uma linguagem própria, em qualquer área do conhecimento, é de fundamental importância. Ela permite que os profissionais se comuniquem de maneira apropriada e que as ideias sejam difundidas entre as pessoas. No caso específico da Química, a linguagem utilizada deveria permitir que se conseguissem difundir ideias acerca daquilo que não se enxerga, sem deixar dúvidas quanto ao seu significado. No ensino/aprendizagem de orbitais atômicos o entendimento é distorcido pela dificuldade de se representar aquilo que se está imaginando. Neste trabalho descrevemos a utilização do software BLENDER® para a aquisição de representações dos orbitais atômicos em 3D, bem como para a produção de animações a partir dessas imagens com a finalidade de eliminar distorções conceituais no modelo do orbital atômico. Palavras-chave: Animações. Linguagem química. Orbitais atômicos. Abstract
The use of a specific language in any area of the knowledge is of fundamental importance. It enables the appropriate communication between professionals and the convenient diffusion of ideas among them. In the case of Chemistry the language must enable the diffusion of ideas about the things the eyes can´t see, without misunderstandings about their meanings. In the teaching/learning of atomic orbitals the understanding is distorted in view of the difficulty to represent 1
Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Química, Campinas – SP. E-mails: m770596@hotmail.com e pfaria@iqm.unicamp.br
the things we are imagining. In this work we describe the use of BLENDER® software in the construction of 3D atomic orbitals representation, as well as animations production from these images, trying to avoid the normal conceptual distortions on the atomic orbital model. Key-words: Animations. Chemistry language. Atomic orbitals.
1. Introdução
numa tentativa de mostrar aos alunos a importância
Outra estratégia muito utilizada por professores de Química é a exploração de filmes, exibidos nos cinemas ou na televisão, em que tenta enfatizar a importância do conhecimento químico para o entendimento de partes ou da totalidade do filme. Entretanto, infelizmente, essas estratégias nem sempre são bem sucedidas porque os filmes não foram feitos para essa finalidade e a associação de imagens a algum conceito de Química fica muito dependente da interpretação pessoal do professor. Independentemente da estratégia utilizada pelos professores de Química, na busca por estratégias que facilitem o seu aprendizado, verifica-se que a busca por imagens ou visualizações tem se intensificado ao longo do tempo. Se os átomos são invisíveis ao olho humano, a busca por representações do mesmo sempre foi muito intensa e, por isso, ele já tomou os mais variados aspectos e formas. O maior argumento utilizado pelos professores de Química para enfatizar a dificuldade encontrada nas aulas desta disciplina, sempre foi a falta da capacidade de abstração, demonstrada pelos alunos do ensino médio. Sob esse aspecto, comenta-se que nem sempre o aluno consegue imaginar o que o professor está dizendo, ao mesmo
do conhecimento químico na vida das pessoas.
tempo em que o professor não sabe o que o aluno
O desafio de tornar o aprendizado de Química mais fácil para os alunos sempre acompanhou os professores dessa disciplina. Nesta busca por uma maior facilidade, desenvolveram-se fórmulas mnemônicas, músicas, jogos, desenhos e os mais diversos artifícios que permitissem ao aprendiz associar o conteúdo de Química a alguma coisa que lhe fosse familiar. Se a intenção dos professores era das melhores, o mesmo não acontecia com os resultados alcançados. E, com isso, o ensino de Química, particularmente no nível médio, foi se tornando cada vez mais distorcido e dependente das facilidades imaginadas pelos professores que atuam nesse nível. Ao longo do tempo, muitos recursos foram incorporados às aulas de química; as demonstra ções experimentais passaram a ser utilizadas mesmo em sala de aula, ao mesmo tempo em que jogos e gincanas educacionais passaram a fazer parte da rotina das escolas. Além disso, muitos professores passaram a comentar notícias veiculadas nos diver sos meios de comunicação para explorar algum conceito de Química. Isso sempre foi feito para aproximar o conteúdo dessa disciplina ao cotidiano dos alunos,
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A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1
está imaginando. Fatalmente, essa situação acaba
checagens e não mais para experimentações ou
levando às distorções do conhecimento, que são
tentativas. Em outras palavras aquele estereótipo
muito difíceis de serem corrigidas posteriormente.
do passado chega a ser folclórico nos dias de hoje.
Uma maneira de se minimizar essa
Com relação ao ensino de Química
dificuldade encontrada pelos professores seria se
praticado em todos os níveis, podemos dizer que
aprimorar as representações utilizadas nas aulas
também houve uma mudança radical de postura,
de Química. Atualmente, diante dos recursos
tanto de professores quanto de aprendizes. O
disponibilizados pelo avanço da informática,
giz, a lousa e o papel perderam lugar para os
aliado à sua inserção nas diferentes áreas
computadores e as pesquisas online na internet.
do conhecimento, esse aprimoramento das
A Química deixou de ser invisível e passou a se
representações parece ser cada vez mais possível
tornar, cada vez mais, visível, com a utilização
e factível. Entretanto, essa estratégia traz consigo
dos novos recursos de informática. E com isso, as
outra postura por parte dos profissionais, uma vez
aulas de laboratório foram deixando de despertar
que professores de Química nem sempre estão
o interesse e a curiosidade dos principiantes da
familiarizados com os recursos disponibilizados
Química, particularmente, no nível superior.
pela informática, ao mesmo tempo em que as
À medida que essas mudanças foram
pessoas que dominam esses recursos, fatalmente,
acontecendo, as habilidades requeridas dos
não têm o conhecimento químico necessário para
professores também foram mudando ao longo
bem empregá-los na melhoria do ensino dessa
do tempo. Eles, que sempre tiveram que se fazer
disciplina.
entender primeiro no papel e depois na lousa e nas transparências, agora se veem forçados a lidar com simulações e animações. Isso porque esses
2. Uma
reflexão sobre o ensino de química
recursos foram inseridos no cotidiano das pessoas de forma tão marcante e incisiva pelos meios de comunicação que, desde muito cedo, já se têm
Relembrando um passado não muito
certa familiaridade com os mesmos. E, com isso, o
distante, o estereótipo do pesquisador de Química
perfil dos alunos, tanto do nível médio quanto do
era o de um personagem mal cuidado, isolado em
superior, também mudou muito.
seu laboratório, buscando algo inimaginável para
Podemos constatar que, hoje, os profes-
a maioria das pessoas. Uma de suas características
sores, particularmente os de Química, vivenciam
era passar a maior parte de seu tempo tentando
a mesma necessidade que já se estabelecera em
e tentando. Muito provavelmente, de cada cem
outros tempos, ou seja, a de desenvolver uma
tentativas que eram levadas adiante, uma acabava
linguagem que atenda às necessidades e aos
indo de encontro à expectativa do pesquisador.
anseios dos alunos atuais, já familiarizados com os
Contrariamente a tudo isso, a situação atual é muito
recursos de informática. Esses jovens cresceram
diferente dessa. A evolução do conhecimento
acostumados a “enxergar” tudo: fotos da superfície
humano e dos recursos ao seu alcance tornou a
dos planetas, filmes das partes internas do corpo
postura do pesquisador de Química muito diferente.
humano, aspectos íntimos e transformações da
Ao invés de tentar, ele simula. E o laboratório é
matéria em detalhes etc. Esses alunos cresceram
o local onde ele passa apenas pequena parte de
assim e não podemos mudar sua natureza e muito
seu tempo, que é destinado, normalmente, para
menos fazer com que eles regridam em termos
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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho
de recursos educacionais. Como fazer então
informática mais recentes em prol da melhoria do
para trazer esses novos recursos de imagem e
ensino em uma área do conhecimento específica,
movimento para o interior das salas de aula?
particularmente, a de Química.
Diferentemente
30
do
que
ocorrera
no
Atualmente,
estamos
diante
de
um
passado, temos hoje um verdadeiro arsenal de
contingente de alunos cada vez mais exigentes,
recursos técnicos, só que esses recursos não foram
ansiosos pela aplicação das novas tecnologias
desenvolvidos pensando-se em aulas de química.
e utilização do que existe de mais moderno no
Assim sendo, se os professores desejarem adequar
ensino. Nessa situação, podemos dizer que nos
e direcionar esses recursos para a melhoria de
encontramos em um cenário verdadeiramente
suas aulas, eles terão que aprender a utilizá-los e a
desafiador. Assim, o que podemos fazer para
adaptá-los às suas necessidades. Obviamente, isso
satisfazer os anseios desta nova geração de alunos?
requer um investimento precioso de um tempo que,
O que estamos buscando para melhorar o ensino
nem sempre, os professores dispõem. Na verdade,
de Química?
eles têm que aprender a superar suas dificuldades
Imaginamos que, baseados nos meios de
e empregar esses novos recursos para a produção
comunicação atuais, poderíamos criar uma nova
de material didático adequado e coerente com o
maneira de nos expressarmos, de modo que a
momento atual.
capacidade de abstração do aluno não fosse mais
No passado, os professores conseguiram
um fator limitante no aprendizado de química. Para
se adaptar muito facilmente ao retroprojetor e
eliminar um pouco a dependência da capacidade
desenvolveram a habilidade de produzir suas
de abstração do aluno, o recurso mais plausível
próprias transparências. Entretanto, atualmente, a
seria a utilização de imagens adequadas que não
situação é um pouco mais complicada porque os
distorçam os modelos consolidados no ensino
professores de química não tem o conhecimento
de Química, e que tornem o aprendizado mais
necessário para utilizar os recursos de informática e
acessível e prazeroso para os alunos. Obviamente,
os novos softwares que surgem a todo o momento.
atingir esses objetivos não é tarefa fácil de ser
Apesar dos recursos atuais estarem disponíveis,
executada.
em muitos casos, a toda a comunidade, serem
Um dos grandes obstáculos no início do
muito abrangentes e não terem uma finalidade
aprendizado de Química é a familiarização com
específica, eles requerem um conhecimento que
o invisível; átomos, moléculas, transformações,
está muito aquém da formação dos professores de
retículos cristalinos, organização espacial, etc.
química.
Tudo isso faz parte da linguagem utilizada na
Diante dessa situação, a atitude mais
comunicação entre instrutores e aprendizes, sendo
razoável seria buscar ajuda junto a profissionais
que, nem sempre, é possível para o instrutor
de outras áreas que, embora não tenham o
checar, inequivocamente, se a imaginação do
conhecimento químico apropriado, poderiam
aluno está sendo direcionada corretamente. Mas
auxiliar no emprego de alguma técnica ou recurso
como traduzir essas palavras em uma forma
específico. Essas parcerias são inevitáveis, pois
de representação que não dependa tanto da
é muito difícil, senão impossível, encontrar
imaginação do aluno?
profissionais que transitem facilmente nas várias
À primeira vista, a situação é muito
áreas do conhecimento e sejam potencialmente
alarmante porque o problema principal reside no
capazes de utilizar adequadamente os recursos de
professor e não no aluno. Como fazer com que
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A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1
o professor se familiarize com os novos recursos
iônico? Qual a finalidade de se fazer a distribuição
e os utilize para a melhoria de suas aulas e do
eletrônica se isso não passa de um exercício
entendimento dos alunos? Será que os professores,
numérico, totalmente artificial e sem nenhum
já no exercício de sua atividade, teriam que retornar
significado químico? Novamente, tal situação está
à universidade para aprender a utilizar esses novos
descrita em qualquer livro didático!
recursos? A universidade está preparada para atender a essa nova demanda? Uma
reflexão
mais
As questões colocadas no parágrafo anterior não são exemplos isolados de distorções
objetiva
remete
conceituais que se apresentam na maioria dos
todos os problemas à universidade, pois é lá
livros didáticos e repetidas, sistematicamente,
que o conhecimento é gerado e é lá o local mais
por professores e alunos de química. Em aulas
adequado para se testar e divulgar os novos
de química, tanto no nível médio quanto no
recursos educacionais que são gerados. Nesse
superior, é muito fácil perceber a dificuldade
sentido, a universidade deverá formar, neste
que os alunos têm para representar os átomos e
novo milênio, profissionais que, além de ter um
expor o seu entendimento sobre os mesmos. Além
domínio aprimorado dos conceitos básicos de
disso, percebe-se também que as moléculas só são
Química, estejam perfeitamente adaptados aos
familiares aos alunos se letras são utilizadas para
novos recursos e às novas tecnologias aplicadas ao
representá-las e, finalmente, as reações químicas
ensino. Por essas razões, essa reflexão deve fazer
somente são entendidas quando representadas
parte do dia a dia da universidade, buscando uma
pelas correspondentes equações, que não deixam
maneira mais atual e eficiente de formar as novas
de ser algébricas.
gerações de professores. Uma
análise
cuidadosa
Aparentemente, muitas distorções con da
evolução
ceituais
estão
associadas
as
representações
do ensino de Química revela que, ao longo do
inadequadas desses conceitos; estas representações
tempo, muitos conceitos importantes foram
vêm sendo utilizadas desde os tempos de Bohr e
sendo, gradativamente, distorcidos, generalizados,
perduram até os dias de hoje, sem uma reavaliação
simplificados e, assim, foram perdendo o seu
crítica de seu significado. O que nos leva a crer
significado. É o que aconteceu, voluntária ou
que deveríamos aprimorar ou desenvolver uma
involuntariamente, no ensino de tópicos como
linguagem química que contemplasse desde
estrutura atômica, interações eletrostáticas ou
os aspectos mais fundamentais do ensino de
mesmo das transformações Químicas, dentre
química (átomos, moléculas e transformações)
muitos outros. Provavelmente, a tentativa de
até os assuntos de vanguarda de nossa época.
facilitar a transmissão do conhecimento acabou
Assim, imaginamos que deveríamos transmitir
levando a muitas distorções consolidadas nos
aos alunos de química do nível superior uma ideia
livros didáticos e de muito difícil correção. Seria
menos confusa e mais bem aprimorada, que lhes
possível convencer um professor que atua junto ao
permitisse formular um melhor entendimento
ensino médio que o cloreto de sódio que existe na
desses aspectos fundamentais. Em outras palavras,
natureza não se formou a partir da transferência de
as “imagens” formuladas acerca de orbitais
elétron do átomo de sódio para o átomo de cloro,
atômicos e moleculares, de como seria um retículo
mesmo que isso esteja escrito na maioria dos livros
cristalino organizado no espaço tridimensional
didáticos? Como convencê-lo de que o retículo
e de como seriam as interações entre moléculas,
cristalino é muito mais importante que o par
considerando-se
seus
orbitais
de
fronteira,
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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho
deveriam ser melhoradas e adequadas a um melhor
medicina e até mesmo pelas ciências humanas.
entendimento destes tópicos.
Na Química, isso não poderia ser diferente; se
A partir do momento em que o aluno tives-
soubéssemos utilizar adequadamente os recursos,
se uma ideia mais bem formulada desses tópicos
poderíamos representar as moléculas destacando
imaginamos que o seu aprendizado seria mais
todos os aspectos espaciais, tão importantes na
significativo e que ele acabaria sendo seduzido
definição de suas propriedades, e ainda poderíamos
pelo seu próprio entendimento. Isso o estimularia
imaginar os seus movimentos vibracionais muito
a continuar seus estudos, aprofundando seu
mais facilmente, se conseguíssemos representá-las
conhecimento agora sobre uma base melhor
tridimensionalmente.
estruturada. Estes comentários acabam nos ajudando a responder a questão inicial, ou seja, o que estamos procurando? Na verdade, estamos buscando uma maneira mais conveniente de representar tudo aquilo que dizemos aos alunos e não temos certeza se eles entendem da maneira como explicamos. A resposta mais adequada a esta pergunta seria: “estamos querendo desenvolver uma linguagem Química mais adequada, que permita ao aluno imaginar, de uma maneira mais contundente, os modelos atuais que utilizamos na transmissão do conhecimento químico”.
Essas e muitas outras observações nos remetem
a
uma
necessidade
em
comum
para melhorar todos esses aspectos, ou seja, necessitamos de uma representação tridimensional factível, tanto para átomos, quanto para moléculas e retículos cristalinos, que seja facilmente acessível e fácil de ser entendida. Além disso, se desenvolvidos primeiramente nas universidades e ali testadas junto a alunos do nível superior, essa postura já determinará, a priori, a maneira de pensar sobre essas espécies (átomos, moléculas e retículos cristalinos). Do ponto de vista pedagógico, isso significa que devemos partir do pressuposto de que os modelos do orbital atômico e do orbital molecular
Assim como em qualquer outra área do
sejam aqueles mais adequados para esboçarmos
conhecimento, os profissionais da Química têm que
nossas ideias e o nosso entendimento acerca de
criar códigos e maneiras representacionais para se
átomos e de moléculas. Em outras palavras, esses
comunicarem e se fazerem entender. Ao longo do
modelos serão as âncoras que utilizaremos para
tempo, os químicos foram capazes de desenvolver
produzir um modo representacional para átomos e
maneiras próprias de representar ideias, teorias e,
moléculas.
principalmente, as transformações de que se ocupam a maior parte do tempo. Na verdade, na medida em que o conhecimento químico foi evoluindo, os químicos se viram obrigados a reformular e atualizar cada vez mais a sua linguagem.
32
3. A
evolução da linguagem química O modelo do orbital atômico começou a ser
Atualmente, os recursos de informática
desenvolvido a partir de um conjunto de ideias que
permitem criar imagens em 3D que são muito
nos remetem a personagens muito importantes do
mais esclarecedoras que qualquer outro recurso
século passado, tais como Bohr, Einstein, Planck,
de imagem já utilizado pelo homem. Isso pode
De Broglie e Schroedinger. Naquela época, a
ser verificado em todas as áreas do conhecimento,
conclusão a que se chegava a partir das ideias desse
desde as engenharias, passando pela arquitetura,
grupo de cientistas, era a de que os constituintes
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da matéria poderiam ser interpretados de uma
Em outras palavras, a partir dessa época, a
maneira bem distinta, em relação a tudo o que já
linguagem ou simbologia passou a ser familiar
havia sido feito antes de 1920.
para os químicos e estudantes de Química,
Após um período inicial de readequação da interpretação da matéria, à luz dessas novas
decorrente, dessa maneira, de se pensar o elétron e o átomo.
propostas, houve a necessidade de se adaptar a
Se isso representou um avanço im
linguagem utilizada para representar essas novas
pressionante para a ciência, acabou trazendo um
ideias acerca da matéria. Como o modelo adotado
grande problema para professores e aprendizes
para a interpretação do átomo passou a ser o
de Química, uma vez que não é fácil olhar para
modelo do orbital atômico, a imaginação ainda
uma representação e imaginar o seu verdadeiro
representava um componente significativo para
significado. Caso contrário, será que é fácil
se tentar representar aquelas ideias através de
imaginar cada uma das representações mostradas
esquemas e formas orientadas no espaço. Havia
na Figura 1 em um espaço tridimensional, em que
agora uma ideia muito clara e substanciada de que
existe a dependência de uma parte radial e uma
a associação de um comportamento ondulatório
angular, em que dois ângulos são necessários para
ao elétron era muito razoável. Entretanto, surgia
descrever cada uma daquelas formas? A resposta
aqui a necessidade de se representar essa ideia
é previsível, ou seja, para os principiantes, além
através de um esquema, uma figura, um diagrama,
de ser difícil assimilar a ideia do comportamento
ou seja lá o que for. As primeiras tentativas
ondulatório associado ao elétron, é mais difícil
reproduzidas na literatura são mostradas na
ainda se entender a representação da densidade
Figura 1 (Pauling, 1931).
de probabilidade, ainda que explicada com outros argumentos no início de nossa carreira. Mesmo assim, com toda essa dificuldade, foi dessa forma que no introduzimos nessa questão. Ainda que com uma boa dose de boa vontade de nossos professores, eles tentaram nos passar a ideia de que as formas mostradas na Figura 1 são,
Figura 1. Representações utilizadas por Linus Pauling, em 1931, em um dos mais famosos livros de Química. Trata-se das primeiras tentativas de se representar as orbitas s, p e d.
na realidade, contornos arbitrários e que em cada um daqueles contornos existe apenas uma parte importante e que realmente tem significado. Além disso, deveríamos fazer o possível para imaginar, não cada uma daquelas formas independentemente,
Essas três representações aparecem, até hoje, nos livros didáticos, tanto nos direcionados
mas sim o conjunto daquelas representações, pois é ele que tem significado.
para o nível médio quanto nos utilizados no nível
Esse ensino ainda é praticado no mundo
superior. É inegável que qualquer profissional da
todo e traz consigo uma dose extra de dificuldade,
Química já reproduziu ou utilizou essas formas
tanto para professores quanto para alunos. Ele é
de se representar esses orbitais atômicos, da
abstrato demais para o principiante, inadequado
mesma forma que elas já foram, no passado, a
naquele estágio de formação e difícil de ser
melhor maneira de se traduzir o comportamento
imaginado por todos. Aí é que entra em cena
ondulatório do elétron no átomo de hidrogênio.
a chamada capacidade de abstração; sem ela,
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dificilmente esse conteúdo poderia ser entendido,
ser minimizadas. Como o contorno arbitrário dos
pois a imaginação, além de limitada, não pode ser
orbitais é aquele mesmo que vem sendo utilizado
checada.
desde os tempos de Pauling, devemos pensar
Não haveria alguma possibilidade alter nativa para se representar esses orbitais, de forma
34
em uma maneira de se evitar os equívocos que a representação pode provocar.
a eliminar muitas dessas dúvidas? Na época de
Imaginamos que o contorno utilizado
Pauling provavelmente não. Com o conhecimento
para os orbitais possa ser o mesmo, mas que ele
que temos hoje, poderíamos pensar em algumas
deveria ser, além de tridimensional, translúcido,
alternativas; a primeira alternativa, e mais óbvia,
para deixar claro que o contorno mais externo é
seria construirmos um molde no formato de cada
mais significativo que todo o seu interior, além de
uma das representações mostradas na Figura 1.
que isso eliminaria qualquer associação daquela
Considerando o orbital p, se fizéssemos um molde
forma a algo sólido. Além disso, imaginamos que
tridimensional com aquele formato, a primeira
o orbital tridimensional e translúcido deveria ter o
impressão que o aluno teria, seria a de que a
seu contorno mais externo ressaltado; realçando a
representação da Figura 1 corresponderia a um
sua maior importância em relação ao restante do
sólido. Seria muito difícil de imaginar que este
mesmo. Finalmente, a representação simultânea
molde tridimensional corresponderia, de fato, a
de um conjunto de orbitais, tal como o citado
um contorno arbitrário que tentaria descrever uma
anteriormente (1s, 2s e os três 2p) deveria ser
maior densidade de probabilidade.
inequívoca e todos os orbitais mais internos
Por outro lado, se fotografássemos o molde
deveriam ser diferenciados de alguma maneira
sólido descrito no parágrafo anterior, também
e perceptíveis ao observador, seja ele aluno ou
não teríamos como ressaltar a importância da
professor.
superfície daquele molde em relação ao seu
Infelizmente, uma representação com essas
restante. Em outras palavras, se a assimilação da
características é muito difícil de ser feita, tanto
ideia de orbitais p já é difícil, a sua representação
no papel quanto na lousa, durante uma aula de
inequívoca é igualmente difícil. Mais difícil ainda
química, isto torna a atividade docente difícil e
seria imaginar, simultaneamente, um conjunto
muito cautelosa, requerendo do professor uma dose
qualquer de orbitais, como por exemplo, os orbitais
extra de criatividade. Fazer uma representação
1s, 2s e os três orbitais 2p.
dessas
características,
utilizando
apenas
a
Além das dúvidas salientadas no parágrafo
habilidade manual do docente, tem resultado, na
anterior, deve se mencionar que devemos ter uma
maioria dos casos, em desenhos confusos que estão
maneira de diferenciar os orbitais vazios de seus
longe de transmitir o entendimento pretendido
correspondentes preenchidos. Isto é importante
pelo professor. Essa questão leva a uma situação
para que possamos entender as consequências
intrigante, pois o professor de química fala sobre
da ocupação de cada um desses orbitais nas
átomos a todo o momento e, no entanto, tem muita
características dos átomos.
dificuldade para representá-los.
Diante das mais diferentes tentativas
Atualmente, a fronteira entre o real e
de se representar orbitais atômicos vazios ou
o virtual tem se mostrado cada vez mais sutil.
preenchidos, pensamos na possibilidade de de
Aparentemente, os recursos de informática
senvolvermos uma nova linguagem química, a
permitem representar qualquer ideia, seja ela real
partir da qual muitas dessas dúvidas pudessem
ou imaginária, possível ou impossível. Será que
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esses mesmos recursos não poderiam ser utilizados
linguagem que traduza melhor essa maneira
para melhorar as nossas representações em
de pensar dos professores? O grande problema
química? Quais seriam os requisitos necessários
reside em encontrar professores com sólida
para tal? De que necessitaríamos para levar essa
formação conceitual de química e que sejam
ideia adiante?
capazes de representar suas ideias utilizando
As respostas a essas perguntas são rela
recursos computacionais. Deve se ressaltar, aqui,
tivamente simples, ou seja, necessitamos, antes de
que não haveria mudança de paradigmas ou
tudo, ter uma noção muito clara dos modelos que
modelos conceituais; a mudança seria apenas na
desejamos representar. Além disso, todos os anos
representação, o que facilitaria, sobremaneira, a
de experiência em sala de aula nos deram uma
exposição de ideias dos professores.
visão muito privilegiada do universo estudantil que recebemos todos os anos. É somente através da experiência que acumulamos ao longo de nossa atividade docente, que temos condições de estabelecer os inconvenientes de qualquer tentativa que já tenhamos feito, bem como dos perigos e das dificuldades de todas as tentativas já descritas na literatura. Os professores de química têm uma ideia muito clara das dificuldades dos alunos e conhecem
A solução é procurar parcerias junto a outros profissionais que, apesar de não terem o conhecimento químico necessário, são capazes de representar as idéias que lhes são transmitidas. A parceria é entre alguém que tem uma idéia, mas não sabe representá-la, e alguém que não tem essa idéia, mas sabe traduzir com uma imagem a idéia que lhe é transmitida.
as distorções de conhecimento provocadas por uma
Estas parcerias são necessárias porque,
imagem ou por um discurso inadequado, só não
atualmente, profissionais que transitem em mais
sabem como evitá-las. Se, por um lado, os professores
de uma área do conhecimento são muito escassos
têm todo o conhecimento necessário para saber o que
no mercado de trabalho. No caso específico da
deve e o que não deve ser feito ou mostrado para
química, é muito difícil se encontrar profissionais
o aluno, infelizmente, não sabem como contornar
com uma sólida formação conceitual, e que tenham
todas as dificuldades provocadas por imagens,
familiaridade com a concepção de imagens, com
textos ou representações inadequadas de alguma
ou sem movimento.
ideia. Normalmente, estas estão bem formuladas na
Voltando, então, ao problema inicial, o
imaginação do professor, porém, ele não sabe, ou não
que não dá para se imaginar e que deveria ser
tem recursos disponíveis, para transmiti-las aos seus
ressaltado nas representações de Pauling mostradas
alunos da maneira como as imagina.
na Figura 1? À primeira vista, poderíamos dizer
Será que os novos recursos de informática
que as relações espaciais, bem como os ângulos,
não poderiam ser inseridos neste ponto para
a orientação e a distância relativa entre os orbitais
melhorar o entendimento dos alunos? Não
passam despercebidas para a maioria dos alunos
seria essa a oportunidade de se criar uma
quando esse assunto lhes é apresentado.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho
4. A
Criação de Imagens Utilizando Recursos Computacionais Pensando na formação de professores e
nos argumentos utilizados no ensino de química no nível superior, a nossa necessidade determina que utilizemos o modelo do orbital atômico para pensarmos e argumentarmos sobre os átomos. Nesse sentido, é necessário que os professores que atuam nesse nível tenham uma formação básica muito sólida e uma clareza de ideias indiscutível sobre os argumentos utilizados nesse modelo. Isso é necessário para que eles consigam propor maneiras de se representar esses argumentos, que traduzam de forma inequívoca as ideias que sustentam essa maneira de pensar. Para se representar em uma mesma
se facilitar essa percepção foi ao se realçar, na coloração cinza mais intensa, as partes mais importantes de cada contorno, ou seja, as regiões espaciais de maior densidade de probabilidade de cada orbital. Na verdade, poderíamos utilizar essa imagem para representar um átomo de argônio, que apresente esse conjunto de orbitais ocupados, totalizando 18 elétrons. Acreditamos que uma representação, tal como a mostrada na Figura 2, apresente uma série de vantagens em relação a todas as demais descritas tanto na literatura quanto nos livros didáticos. Além de ressaltar, claramente, o aspecto espacial, o fato de se apresentar translúcida permite que se observe todo o conjunto de orbitais, simultaneamente.
ilustração, simultaneamente, um conjunto de nove orbitais atômicos, por exemplo, 1s, 2s, 2px, 2py,
2pz, 3s, 3px, 3py e 3pz, é necessário que se possua
uma habilidade excepcional. Qualquer professor de Química já passou por essa situação e sabe que é muito difícil fazê-lo; invariavelmente, sua representação acaba se tornando muito confusa. Isso ocorre porque é muito difícil registrar no papel ou na lousa o aspecto espacial tão importante nesse modelo. Além disso, ao longo de cada eixo existe mais de um orbital com o mesmo formato, diferenciando-se apenas no aspecto radial. Isso faz com seja muito difícil para o aluno entender ou perceber as diferentes regiões com diferentes
Figura 2. Imagem mostrando o conjunto de orbitais 1s, 2s, 2px, 2py, 2pz, 3s, 3px, 3py e 3pz. A coloração mais intensa indica a região de maior densidade de probabilidade em cada um dos orbitais.
densidades de probabilidade.
36
Uma representação adequada para esse
Um aspecto adicional que poderia auxi-
conjunto de orbitais é a mostrada na Figura 2. Na
liar, em muito, o entendimento de todas as
representação são mostrados, simultaneamente,
características desse conjunto de orbitais seria se
os nove orbitais atômicos citados anteriormente,
pudéssemos manipular essa imagem, ou seja, girá-
eliminando-se aquelas dúvidas tão características
-la em torno de qualquer um dos eixos, observá-
das tentativas de se representar esse conjunto.
-la através de qualquer ângulo, usar o recurso da
Assim, o aspecto espacial é facilmente percebido,
cor para criar contraste, aproximá-la para observar
podendo se diferenciar as diferentes regiões ao
detalhes, mostrar os elementos da imagem passo
longo do mesmo eixo. O recurso utilizado para
a passo, entre inúmeras possibilidades. Em outras
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A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1
objetivo vai depender de nossa habilidade para
destaca dentre todos os outros profissionais, é que sabemos exatamente do que precisamos e o que queremos mostrar. Somente os profissionais da Química é que têm estas informações e, além disso, o contato com os alunos ao longo de muito tempo é que permite obtê-las. Navegando pela internet encontramos muitas figuras ou imagens criadas a partir da imaginação de alguém que as confeccionou, ou mesmo, que se tratam de alguma imitação de alguma coisa conhecida e familiar. Como já dissemos, essas imagens são das mais variadas e sua qualidade pode variar drasticamente, indo de verdadeiros rascunhos até desenhos que apresentam a mesma qualidade de fotos digitais. Isso pode ser observado analisando-se a Figura 3. A primeira impressão que temos é que se trata de uma foto de um conjunto de ovos com colorações diferentes depositados sobre um suporte, na qual um dos quais se encontra quebrado, aparecendo a sua parte interna na qual se destaca a gema do ovo. A clareza no aspecto de profundidade é marcante, as posições de cada um dos ovos é muito nítida e a perspectiva é perfeita. Se tivéssemos formulado essa imagem em nossa mente e tivéssemos que explicá-la para alguém que nunca tivesse visto um dispositivo dessa natureza para armazenar ovos em diferentes posições, certamente teríamos uma tarefa muito difícil de ser executada. Além disso, não teríamos certeza se a imaginação de quem estivesse ouvindo nossa explicação seria capaz de formular essa mesma imagem mostrada na Figura 3.
escolher a ferramenta mais adequada diante de todo
Por outro lado, se tentássemos desenhar
o arsenal que temos à nossa disposição. Entretanto, como já dissemos anteriormente, nossa formação não foi direcionada para esse tipo de atividade e, além disso, não temos o conhecimento necessário para selecionar determinada ferramenta. O diferencial que temos ao nosso favor, e que nos
essa mesma imagem, mesmo tendo muita
palavras, se a imagem apresentasse movimento ela teria uma série de vantagens em relação às representações estáticas que aparecem em toda a literatura Química. Diante de todas essas possibilidades, as questões que, fatalmente, se apresentam, são: • Por que imagens ou figuras desse tipo não aparecem nos livros didáticos e, muito menos, na literatura? • Como produzir imagens desse tipo e dotá-las de movimento para se eliminar qualquer dúvida com relação a todas as suas características? A primeira resposta é relativamente fácil, ou seja, representações desse tipo não apare cem na literatura porque não são fáceis de serem feitas e, também, porque necessitam de recursos com os quais os professores de química, ou os autores de livros de química, não estão familiarizados. A segunda questão, por outro lado, é mais complicada porque, tanto a produção de imagens desse tipo quanto a animação das mesmas requerem um conhecimento específico e particular de profissionais de outras áreas, que não a Química.
5. Ferramentas
disponíveis para se criar representações e animações em 3D O universo de opções disponíveis na
internet, para as mais diferentes finalidades, é interminável. O sucesso em se atingir determinado
habilidade, dificilmente conseguiríamos um resultado tão claro, nítido e rico em detalhes como os mostrados na Figura 3. Entretanto, a imagem mostrada na Figura 3 não se trata de uma foto, mas sim de uma criação a partir da
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho
imaginação de alguém, criativo o suficiente para
palavras, desejamos que o aluno deixe de imaginar
mostrar todos os detalhes enfatizados. Em outras
a representação mostrada na Figura 4a, que é
palavras, a imagem só existia na imaginação
aquela que aparece nos livros didáticos, e passe a
de quem a criou e teve a capacidade de repre
imaginar aquela mostrada em 4b, também obtida
sentá-la.
utilizando-se o BLENDER como recurso.
Figura 4. A representação mostrada no lado esquerdo (a) é aquela que, normalmente, aparece nos livros didáticos como parte de um orbital atômico. Essa representação poderia ser substituída por aquela do lado direito (b). Figura 3. Imagem disponibilizada na internet mostrando um conjunto de ovos. Fonte: Disponível em: <http://www.blender.org>.
Foi pensando dessa maneira que iniciamos o trabalho de criar um conjunto de representações, que correspondessem mais de perto àquilo que
38
Esse resultado mostrado na Figura 3 foi
imaginamos quando explicamos determinado
conseguido utilizando-se o software BLENDER®,
assunto para os alunos. Inspirados em detalhes
um recurso disponibilizado livremente na internet
como os mostrados na Figura 3, e imaginando os
e atualizado segundo sugestões dos próprios
argumentos da teoria do orbital atômico, o nosso
usuários. Ele apresenta elevado potencial para
passo inicial foi tentar fazer uma representação
se produzir imagens que, posteriormente, podem
tridimensional do conjunto de orbitais atômicos,
ser animadas. Na verdade, esse software não foi
inicialmente isolados e posteriormente associados
desenvolvido com uma finalidade específica,
ao conjunto de todos os orbitais para determinado
mas sim apresenta uma gama de recursos tal
número de elétrons.
que o fazem intensamente utilizado para as mais
Devemos ter sempre em mente que não é
diferentes finalidades. Isso pode ser facilmente
fácil imaginar um conjunto de orbitais atômicos.
constatado no endereço www.blender.org.
Isso ocorre porque eles apresentam componentes
Avaliando-se a riqueza de detalhes da
que coincidem ao longo das mesmas direções
Figura 3, imaginamos se não seríamos capazes
e fazem com que a primeira impressão daqueles
de produzir imagens direcionadas para o ensino
desavisados seja a de que um orbital contém ou
de química, e que pudessem contornar todos
está contido em outro. Se lembrarmos que os
os problemas comentados anteriormente. Isso
orbitais do mesmo tipo diferem-se entre si na
eliminaria um dos grandes problemas dos
energia e/ou distância de maior distribuição de
professores de química, que é ter que contar com
probabilidade, poder-se-ia mesmo pensar que o 1s
a capacidade de abstração do aluno em uma época
está contido no 2s e que ambos estão contidos no
muito prematura de sua formação. Em outras
3s e assim por diante.
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A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1
Como a melhor representação para o orbital
esferas concêntricas, adotando-se essa mesma
é aquela que corresponde ao quadrado da função
convenção ou código, teríamos a superfície de
de onda, que mostra como a mesma é definida
cada uma delas mais escura de modo que a ideia
no espaço ao redor do núcleo, cada orbital deve
de que existe uma região que seja comum às
ser imaginado como aquela região que apresenta
duas é abandonada completamente. Isso ocorre
a maior concentração de pontos ou densidade
porque não existiriam duas regiões escuras que
eletrônica. Assim, como poderíamos diferenciar
se misturassem. Por outro lado, as regiões que
os orbitais 1s e 2s se ambos têm o mesmo tipo
poderiam, aparentemente, comuns a ambas seriam
de contorno? Normalmente, os livros didáticos
claras; isto é um indicativo de que, contrariamente
apresentam duas circunferências concêntricas,
ao que foi imaginado inicialmente, nenhuma das
de raios diferentes, cada uma representando
duas funções é definida naquelas regiões mais
um orbital atômico do tipo s. Na verdade, a
claras.
representação aqui é muito menos significativa
Diante de todas essas considerações, ima
que o discurso do professor. Ele é que têm a
ginamos que a representação mostrada na Figura 5
responsabilidade de fazer o aluno entender que,
apresenta uma série de vantagens em relação a
apesar de estar desenhando duas circunferências,
todas aquelas que aparecem na literatura ou nos
cada uma delas deve ser entendida como uma
livros didáticos. Ela elimina todas as dificuldades
esfera, e que uma não está contida dentro da outra,
de entendimento citadas anteriormente e, associada
ou seja, não existe uma região que seja comum a
ao discurso do professor, auxilia sobremaneira o
ambas.
entendimento do modelo do orbital atômico. Utilizando o software BLENDER e ado ®
tando-se alguns códigos, pode se tentar produzir uma representação para os dois orbitais s, que elimine essas confusões que acabamos de identificar. O que se pretende mostrar é que cada esfera tem uma região em que o quadrado da função de onda é mais bem definido. Imaginamos que poderíamos representar uma melhor defi nição do quadrado da função de onda por um escurecimento da região correspondente, enquanto aquelas regiões nas quais a função não é definida, e o contorno é apenas para facilitar a representação, poderiam permanecer bem claras em relação ao restante do contorno. Dessa maneira, cada esfera seria repre sentada com a sua superfície mais escura,
Figura 5. Representação dos orbitais 1s e 2s (em corte), ressaltando as regiões de maior densidade de probabilidade. Os contornos dos dois orbitais são arbitrários e o que realmente importa em cada um deles são as regiões mais escuras.
enquanto o seu interior permaneceria bem claro, representando que a parte que realmente interessa
Outra dificuldade encontrada pelos alunos
desse contorno é apenas a sua superfície e que a
no entendimento do modelo do orbital atômico
função não é definida na parte mais interna da
surge na familiarização com o conjunto de orbitais
esfera. Assim sendo, quando desenhamos duas
p. Superada essa primeira dificuldade o problema
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho
seguinte é semelhante àquele que se manifestou nos
uma mesma representação, aparecem os orbitais d.
orbitais s, ou seja, como imaginar simultaneamente
A dificuldade aumenta agora porque temos tanto
seis orbitais p, sendo três 2p e três 3p? Novamente,
a possibilidade de o orbital coincidir com dois
existe a falsa impressão de que os orbitais 2p estariam
eixos, quanto de ele estar situado entre esses
contidos nos 3p, ou que existiriam regiões comuns a
mesmos dois eixos. Superada a questão de existir
ambos. Felizmente, podemos fazer aqui as mesmas
apenas cinco orbitais d, ao invés de seis2, o
considerações que fizemos para os orbitais s, acerca
próximo passo é encontrar um recurso adequado
das regiões de maior densidade de probabilidade.
para representá‑los de uma maneira que o aluno
Podemos utilizar os contornos arbitrários
consiga entendê-los.
para os orbitais p descritos na literatura,
Mesmo com o auxílio do software
destacando, agora, as regiões de maior densidade
BLENDER® a representação mostrada na Figura 7
de
é de difícil entendimento. Isso ocorre porque o
probabilidade
através
do
escurecimento
das regiões correspondentes, da mesma forma
número de orbitais agora é maior, ao mesmo tempo
que fizemos com os orbitais s. Isso torna a
em que o seu formato também é mais “complicado”
representação tridimensional mais fácil de ser
que aquele dos orbitais discutidos anteriormente. É
entendida porque todas as regiões que poderiam
muito difícil observar a Figura 7, pronta e acabada,
ficar confusas são claras, ou seja, as funções
e imaginar todo o conjunto de orbitais orientado no
não são definidas naquelas regiões. Além disso,
espaço. Mesmo que tenha sido utilizado o recurso
quando representamos o conjunto dos seis orbitais
de se representá-los translúcidos, como as formas
p, translúcidos, sendo três de cada nível, pode se
e orientações mais diversas, o entendimento torna-
identificar facilmente cada um dos componentes e,
se mais difícil.
novamente, a ideia de que existem regiões comuns a mais de um orbital é eliminada. A Figura 6 mostra a representação 3D proposta para esse conjunto de seis orbitais p, utilizando-se os recursos do software BLENDER®.
Figura 7. Representação do conjunto dos cinco orbitais d. Figura 6. Representação dos orbitais 2p e 3p através do software BLENDER®. A Figura do lado esquerdo (a) mostra os orbitais translúcidos e a do lado direito (b) mostra um corte dos orbitais para enfatizar que não existe uma região comum aos orbitais 2p e 3p.
Na sequência de dificuldade para se imaginar um conjunto de orbitais atômicos, em
40
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Existem seis possibilidades de se representar orbitais d, orientando-os através de três eixos. Três deles coincidiriam com dois eixos enquanto os outros três se situariam entre dois eixos quaisquer. Entretanto, dessas seis possibilidades, apenas cinco delas têm significado físico.
A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1
Felizmente, esse mesmo software que
orbitais, é preferível que se utilizem animações
estamos utilizando apresenta outro recurso muito
ou representações confeccionadas com o software
importante. Ele permite que se crie movimento a
BLENDER®, para garantir um melhor entendimento
partir das representações geradas por ele mesmo.
por parte dos alunos. Imaginemos, por exemplo, a
Isso significa que podemos agora “montar”, passo
tentativa de representar, em uma mesma figura, os
a passo, a Figura 7. A partir do conjunto de eixos,
orbitais 3p e 3d. Quanto aos orbitais 3p, já vimos
podemos inserir um orbital d de cada vez, girá
anteriormente como contornar os problemas
‑lo livremente para mostrar o seu formato e a sua
inerentes à sua representação. Entretanto, a
orientação, e, a partir de determinado momento,
representação dos orbitais d na mesma figura pode
inserir outro orbital d. Essa sequência pode ser
gerar alguma confusão porque, em todos os eixos,
repetida até que se atinja todo o conjunto dos
existe agora a coincidência de uma mesma forma,
cinco orbitais d, o que resultaria, finalmente, na
que corresponde aos orbitais p e d. Por exemplo,
Figura 7. O diferencial é que, agora, o aluno tem
as representações dos orbitais px e py coincidem
o recurso de imaginar, isoladamente, cada um dos
com os eixos x e y, bem como a representação
orbitais, ao mesmo tempo em que pode reuni
do orbital dx2 – y2. Para representarmos apenas os
‑los, gradativamente, na medida em que consegue identificá-los isoladamente.
três orbitais, utilizaríamos o mesmo recurso que utilizamos para representar os orbitais 2p e 3p,
Essa descrição que acabamos de fazer resulta
descrito anteriormente. Entretanto, restam ainda,
em um conjunto de imagens vistas sequencialmente,
mais quatro orbitais d para serem representados
gerando uma animação. Como nos livros impressos
na mesma figura, o que resulta na representação
a única possibilidade que existe é a descrição das
mostrada na Figura 8.
imagens e as suas correspondentes representações, resta-nos a alternativa de disponibilizar essa sequência de imagens em um endereço na internet e direcionar o aluno para o mesmo. Nesse caso, toda a descrição dos orbitais d, bem como a animação que os representa, pode ser encontrada nos endereços: www.quimica3d.com e www.youtube.com/user/ m770596. Atualmente, isso já é uma realidade. Endereços na internet são partes integrantes do material didático de que os estudantes dispõem e a sua consulta já é uma rotina de estudo. Antes que os livros digitais sejam disponibilizados, essa terá sido a prática adotada por estudantes de todos os
Figura 8. Representação de todos orbitais 3p e 3d.
níveis. Quanto maior a dificuldade de entendimen
Novamente, a representação de uma ima
to ou de representação de uma ideia, maior é a
gem pronta e acabada pode não trazer o escla
contribuição de uma animação. Sob esse aspecto,
recimento pretendido pelo professor e, assim,
sempre que tivermos que representar orbitais
podemos utilizar o recurso da animação para tentar
d, isoladamente ou acompanhados de outros
proporcionar o esclarecimento não alcançado
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Manuel Moreira Baptista e Pedro Faria dos Santos Filho
através da Figura 8. Imaginamos que, após a
È muito importante esclarecer que, quando
representação dos três orbitais p, poderíamos
representamos uma configuração eletrônica, como
inserir, na mesma figura, um a um, todos os orbitais
aquela mostrada na Figura 9, isso não significa que
d daquele mesmo nível. Ainda que a representação
foi atingida através da adição gradual dos orbitais
isolada de cada um dos cinco orbitais d seja
necessários, em ordem crescente de energia,
um tanto quanto hipotética ou imaginária, ela
até atingir-se aquela situação. Na verdade, essa
é acompanhada do discurso do professor que
é uma grande distorção que se comete no início
corrige, simultaneamente, qualquer distorção do
do aprendizado em Química. O exercício de se
entendimento pretendido. Isso significa que as
praticar a distribuição eletrônica de um elemento é
animações, por si só, não se sustentam e devem,
imaginário! Ele foi fruto da imaginação de alguém
sempre que possível, serem acompanhadas de um
que soube divulgar esta ideia distorcida, com muita
texto de apoio ou do discurso do professor. Para
propriedade, e isso permaneceu até os dias de hoje.
esse exemplo específico, a utilização do recurso
Não podemos pensar que o exercício de
de animações pode ser conferida nos endereços
se adicionar elétrons, um de cada vez, até atingir
www.quimica3d.com e www.youtube.com/user/
‑se determinado número de elétrons é a maneira
m770596.
segundo a qual aquele determinado átomo foi
Quando juntamos todas as representações
atingido. Na verdade, isso não passa de um
que comentamos nas Figuras 5-8, dispomos da
exercício imaginário, que serve apenas e tão
representação simultânea dos orbitais 1s, 2s,
somente para enfatizar uma sequência de ocupação
2p, 3s, 3p e 3d, ou seja, dispomos de orbitais
de um conjunto de orbitais atômicos, que é muito
suficientes para acomodar até 28 elétrons. Em
restrita e não é válida para todos os elementos.
outras palavras, somos capazes de representar
É por isso que enfatizamos a ideia de que
qualquer configuração eletrônica até este número
as imagens devem ser acompanhadas de um texto,
de elétrons. A Figura 9 mostra uma possível
ou do discurso do professor, para se eliminar,
representação para o átomo do elemento químico
justamente, essas confusões conceituais que
de número atômico 21.
perduram na literatura, desde os tempos de Pauling até os dias de hoje. Isso significa que a configuração eletrônica3 do elemento de número atômico 21 pode ser representada como na Figura 9 e não nos interessa saber a maneira como ela foi atingida ou como a natureza se encarregou de atingir aquela situação. Qualquer outro artifício que se utilize, como aquele de se adicionar os orbitais, um a um, para se melhorar o entendimento da representação, não passa de uma distorção do modelo utilizado para se facilitar o aprendizado. 3
Figura 9. Possível representação do átomo ou da confi guração eletrônica do elemento de número atômico 21.
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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
Deve se observar que, da maneira como estamos procedendo, as expressões configuração eletrônica e distribuição ele trônica não devem ser usadas indistintamente, e têm aqui significados diferentes.
A Evolução da Linguagem Química e o Uso de Animações no Ensino – parte 1
6. Comentários
finais
O software BLENDER® permite modelar e animar qualquer objeto tridimensional que for
As figuras apresentadas, bem como as
imaginado. Dessa maneira, a imaginação passa a
animações citadas, são os primeiros exemplos
ser o limite para a criação de imagens. Se, por um
da utilização de recursos computacionais, que
lado, isso facilita o esforço na abstração, ele induz
permitem gerar imagens em 3D, aplicadas na
nos alunos a capacidade de formular perguntas
produção de material didático direcionado para
mais complexas, tornando-os mais críticos e for-
a melhoria do ensino de química. Entretanto,
çando os professores a se adequarem a novos
apesar de auxiliarem no entendimento de muitos
ques tionamentos, aos quais ainda não estão
pontos difíceis de serem explicados, apresentam
habituados.
também alguns detalhes que merecem uma
As imagens e as animações devem estimular
reflexão por parte dos usuários. Se, por um lado,
a reflexão e não diminuí-las ou aboli-las. Se elas não
um entendimento distorcido, gerado por uma
estimularem a reflexão elas podem destruir todo
interpretação inadequada de um texto, pode
o conhecimento acumulado ao longo do tempo.
ser facilmente corrigido e melhorado, com as
Atualmente, temos um conjunto de 64 animações,
imagens o problema é muito mais sério. Uma
confeccionadas com o software BLENDER®, que
imagem, uma vez observada pelo ser humano, é
serão discutidas futuramente nesta revista, mas
armazenada em seu subconsciente e, dificilmente,
que já se encontram disponibilizadas para toda a
pode ser esquecida ou apagada. Isso significa que
comunidade acadêmica, tanto do Brasil quanto do
a confecção e divulgação de imagens devem ser
exterior.
cercadas de muito cuidado, ao mesmo tempo em que elas devem refletir muito fielmente o modelo científico que se está utilizando. Da mesma forma, as imagens devem estimular o raciocínio e gerar condições para uma argumentação mais profunda sobre qualquer assunto, descartando a falsa impressão de que elas podem eliminar o esforço para o entendimento daquilo que não se enxerga, mas faz parte do dia a dia do químico.
REFERÊNCIAS PAULING, L. The nature of the chemical bond. Application of results obtained from the quantum mechanics and from a theory of paramagnetic susceptibility to the structure of molecules. Journal of the American Chemical Society, v. 53, n. 4, 1367-1400 (1931).
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Artigo 04 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011
p. 45-60
O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão: condições de oferta, desafios e perspectivas The Chemistry Course at the Universidade Federal do Maranhão: supply conditions, challenges and prospects José Inaldo Belfort de Oliveira1, Cícero Wellington Brito Bezerra1,2 e José Alberto Pestana Chaves3,4
Resumo
Este trabalho está preocupado em examinar a graduação, a retenção e a desistência no curso de Graduação em Química da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, no período de 2005,1 - 2009,2, bem como índices de fracasso relativo aos dois últimos períodos. De 226 estudantes ingressantes que foram investigados, 99 (43,8%) deles estavam preocupados com 2005 e 2006, quando se formariam. No entanto, o índice de graduação para este grupo foi de apenas 20,2%. A evasão escolar, índices de ativos e retenção para o intervalo de 2005-2006 eram de 29,3%, 43,4% e 7,1%, respectivamente. Durante todo o tempo investigado (2005,1-2009,2) os índices observados foram os seguintes: 11% (graduação), 57% (ativos), 20% (desistências) e 12% (retenção). Esses números foram comparados com a literatura e eles estavam de acordo com as outras universidades brasileiras. Das modalidades de evasão, o abandono do curso mostrou maior índice, 86%. Conteúdos de diversas áreas, por sua vez, apresentaram índices de insucesso escolar. Entre eles, em ordem crescente de fracasso: Didático (40%); Química Inorgânica II, Físico-química I, Física II, Química Inorgânica I, Física I, Química Analítica I, Cálculo I, Álgebra Linear e Química Orgânica II (64%). Palavras-chave: Curso de graduação de química. Graduação. Retenção. Desistência. 1
Departamento de Química – Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, Universidade Federal do Maranhão.
2
E-mail: cicero@ufma.br
3
Colégio Universitário – Universidade Federal do Maranhão, Campus do Bacanga, São Luís, MA.
4
Os autores agradecem à Universidade Federal do Maranhão e à CAPES, através do Programa Institucional de Incentivo à Docência, o apoio para a realização deste trabalho.
AbSTRACT
This work is concerned in examining the graduate, retention and dropout in the Chemistry undergraduate Course at Universidade Federal do Maranhão – UFMA, in the periods from 2005.1 to 2009.2, as well as failure indexes relative to the last two periods. From 226 fresh students that were investigated, 99 (43.8%) were concerned with 2005 and 2006 years, which would be graduate now. However, the graduation index for this group was only 20.2%. The dropout, active and retention indexes for the 2005 – 2006 interval were 29.3%, 43.4% and 7.1%, respectively. For the whole investigated time (2005.1 – 2009.2) the observed indexes were: 11% (graduate), 57% (actives), 20% (dropout) e 12% (retention). These numbers were compared with the literature and they were in accordance with the other Brazilian universities. From the dropout modalities, abandon showed highest index, 86%. Subjects from several areas showed high failure indexes. Among them, in crescent order of failure: Didactic (40%), Inorganic chemistry II, Physical chemistry I, Physic II, Organic chemistry I, Inorganic chemistry I, Physic I, Analytical chemistry I, Calculus I, Linear algebra and Organic chemistry II (64%). Key-words: Chemistry undergraduate course. Graduate. Retention. Dropout.
1. Introdução
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) trouxe mudanças profundas na concepção e na política da educação brasileira. Estas mudanças, em linhas gerais, foram consolidadas para acomodar um novo cenário que se descortinava diante da sociedade, caracterizado pela globalização da informação, das tecnologias, da economia etc., exigindo um mercado mais produtivo e competitivo, mas ao mesmo tempo, com profissionais mais qualificados e éticos, isto é, comprometidos com o progresso, com o ser humano e com o meio em que vivem. Esse novo cenário apresenta enormes desafios educacionais que, nas últimas décadas, têm motivado a mobilização da sociedade como um todo. Obviamente que, dentre as tantas dificul dades que precisarão ser superadas para a im plantação e consolidação dessa nova ‘filosofia educacional’, está o despreparo dos atuais pro fessores que tiveram uma formação nos moldes tradicionais. Algumas pesquisas sobre formação de pro fessores no Brasil, em especial sobre as licenciaturas (Dourado, 2009; Correa, 2008; Braga
46
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et al., 1997; Cunha et al. 2001), têm levantado problemas vividos por tais cursos, que ainda não foram devidamente equacionados. Há ainda, por exemplo, a tendência de supervalorizar o conhecimento técnico, em detrimento da formação pedagógica, como se apenas aquele fosse suficiente e necessário para o exercício do magistério. Não bastasse isso, as licenciaturas, não ocupam lugar privilegiado nas políticas das instituições de ensino (Braga et al., 1997), nem conseguem atrair, possivelmente pelos baixos índices de remuneração e status social, as melhores mentes do ensino médio. Merecem destaques alguns esforços recentes do Governo que buscam vitalizar a área do ensino, tais como: o Programa de Estímulo a Docência (PIBID) e o Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI). O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão existe há mais de 40 anos e foi criado pela Resolução nº 79/69-CD, de 04 de Janeiro de 1969. Esse curso funciona nos turnos vespertino e noturno, com carga horária de 3.105 h (160 a 165 créditos) e duração mínima de 8 e máxima de 12 semestres (PROEN/UFMA, 2010). Os professores do Departamento de Química
O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão...
responsáveis pelas disciplinas da área são, na sua maioria, doutores (~70%) ou mestres (~30%), o que indica uma elevada titulação docente. Porém, o conceito do curso, de acordo com o último Exame Nacional de Desempenho do Estudante
uma atuação ativa, autônoma, orientada para
(ENADE/2005), é considerado baixo (03), e as causas
sua utilidade para a formação de mão de obra
para este fato precisam ser mais bem investigadas.
qualificada; isso mostra que o processo de evasão
Alguns trabalhos publicados anteriormente (Dourado, 2009; Braga et al., 1997;
uma política peda gógica institucional. A atitude do aluno que aban dona o curso, optando pelo mercado de trabalho, põe em questionamento conhecimentos adquiridos na universidade e
dos cursos de graduação está inserido nas crises de hegemonia e legitimidade das universidades.
Silva et al., 1995; Santos, 2007; Zucco, 1997;
Como base em tudo isso que foi abordado
Cunha et al., 2001; Moreira; Santos, 2007; Vidigal
sobre o processo de permanência dos discentes
et al., 2002; Nascimento; Franco Jr., 1990; Vianna
nas universidades, este trabalho tem por objetivo
et al., 1997; Mazzetto; Carneiro, 2002) mostram
central conhecer mais de perto a realidade do
a crescente preocu pação com os elevados índices
Curso de Química Licenciatura (QL) da UFMA,
de evasão, de re provação, retenção, na avaliação
e contribuir com algumas reflexões sobre os novos
negativa do curso etc., que comprometem a efi-
rumos que precisam ser tomados. Portanto, é
ciência do ensino superior e a formação discente.
oportuna uma avaliação estatística do curso durante
É preciso ressaltar que o momento histórico,
os últimos anos (2005.1 a 2009.2), contemplando,
caracterizado por profundas mudanças tecnoló-
por exemplo: índices de graduação, retenção,
gicas, sociais, econômicas, políticas e culturais,
evasão, reprovação etc., para que possamos refletir
impõe desafios para a profissão e para o ensino da
sobre os problemas e fragilidades da estrutura
Química. Diferentes países promovem reformas
atual, de forma a não os perpetuar no modelo que,
em seus sistemas educacionais, com a finalidade de
necessariamente, deverá lhe seguir.
torná-los mais eficientes (Mello, 1996). Assim, um novo ensino deve enfatizar questões como globalização, ética, flexibilidade intelectual, diversi dade treinamento para o trabalho em equipe interdis ci plinar, necessidade de atualização e am pliação cons tante dos conhecimentos, incluindo aspectos regionais.
2. Metodologia
Os dados relativos ao número de alunos ingressantes, titulados, evadidos e retidos foram
Dessa forma, a missão da Universidade
obtidos junto à Coordenadoria do Curso de
deverá se cumprir à medida que gerar, sistematizar
Química Licenciatura (QL), modalidade presencial
e socializar o conhecimento e o saber, formando
(pólo de São Luís). As percentagens de aprovação
profissionais e cidadãos capazes de contribuir para
e reprovação nas disciplinas do Curso de Química
o projeto de uma sociedade justa e igualitária, sendo
Licenciatura foram obtidas junto ao DEOAC/Pró-
a ciência uma mola propulsora para o crescimento
-reitoria de Ensino.
do país e tendo a Química como um dos elementos
O período de abrangência do trabalho com-
principais de tal crescimento tecnológico (Zucco,
preendeu o intervalo 2005 – 2009, que corres-
2007).
ponde ao tempo mínimo para integralização dos Tentar compreender a evasão e a retenção
créditos. Os dados relativos quanto às reprovações
pode significar repensar o modelo de atuação
e aprovações nas disciplinas foram pesquisados
universi tária, e propor enfrentá-la dentro de
para os dois últimos semestres (2009.1 e 2009.2).
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves
3. Resultados
Algumas definições são necessárias para compreensão e análise do tema. Neste trabalho,
e discussão
3.1. Ingressos
denominamos de alunos Ingressantes, os alunos matriculados no primeiro período do Curso de
Atualmente, 40 alunos são passíveis
QL no intervalo de estudo: 2005.1 a 2009.2.
de admissão no Curso Química Licenciatura
Nesse período, as formas de ingresso no curso
(QL), por ano. Essas vagas estão distribuídas
foram: vestibular tradicional, gradual (PSG),
nas seguintes categorias: Universal (18); Escola
cotas e transferências externa e interna, sendo
Pública Geral (10); Escola Pública Negro (10);
todas consideradas no presente estudo. Os alunos
Especial Índio (1); Especial Deficiente (1). Além
Formados, Egressos, Titulados ou Graduados são
dessas vagas, existem as ‘sobras de vagas’, as
aqueles que concluíram o curso; os Ativos, aqueles
quais são gera das pelo não preenchimento das
regularmente ou oficialmente matriculados,
disponibilizadas anualmente. Tais vagas são ge-
mas não necessariamente em período normal;
renciadas pela Pró -reitoria de Ensino e as res-
os Evadidos, aqueles que abandonaram (não
pectivas Coordenadorias e têm edital próprio para
matri culados por dois semestres consecutivos)
o seu preenchimento. Dessa forma, em 2008, o
ou pediram transferência do curso; os Retidos
quantitativo de ingresso foi superior a 40 vagas.
são aqueles não matriculados no curso, que
O Projeto REUNI (Reestruturação e Ex-
solicitaram trancamento ou que abandonaram em
pansão das Universidades Federais), instituído
um prazo inferior a 01 ano. É bom lembrar que
pelo Decreto nº 6.096 (2007), tem por objetivo
os ativos envolvem também alunos retidos por
criar condições para a ampliação do acesso e
reprovação.
permanência na educação superior, no nível de
Os índices de reprovação foram coletados
graduação, considerando o melhor aproveitamento
de todas as disciplinas do atual currículo do Curso,
da estrutura física e de recursos humanos existentes
mas durante os últimos dois semestres letivos
nas universidades federais. A UFMA passou a
(2009.1 e 2009.2).
integrar o REUNI já na primeira chamada, em
Tabela 1. Percentagem de alunos formados, evadidos, ativos e retidos por semestre de ingresso. Alunos (No / %) Período 2005.1
48
Ingressos 30
Graduados N
o
09
Ativos
%
o
N
30
05
Evadidos %
o
N
17
14
Retidos %
o
N
%
46
02
07
2005.2
31
05
16
13
43
11
35
02
06
2006.1
30
01
03
24
80
03
10
02
07
2006.2
08
05
63
01
13
01
12
01
12
2007.1
30
00
00
20
67
07
23
03
10
2007.2
05
01
20
01
20
01
20
02
40
2008.1
44
05
11
24
55
05
11
10
23
2008.2
11
00
00
08
73
02
18
01
09
2009.1
31
00
00
26
84
00
00
05
16
2009.2
06
00
00
06
100
00
00
00
00
Total
226
26
11
128
57
44
20
28
12
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão...
29/10/2007. Mas não houve uma ampliação das
2005.1, 2005.2 e 2006.1. Os dados de diplomação
vagas para o Curso de QL (relatório REUNI
posterior a 2006.1, isto é, com um tempo
primeiro ano), uma vez que tal aumento ainda
inferior ao da integralização dos créditos, são de
não se justifica, pois não há o preenchimento da
alunos transferidos ou de vagas para graduados
totalidade das vagas disponibilizadas (ver 2009,
e, portanto, envolvem o aproveitamento de
Tabela 1).
disciplinas. Por exemplo, dos alunos ingressantes
De acordo com as informações do site da PROEN/UFMA (2010) para a integralização curricular do Curso de QL a duração mínima é de
em 2008.1, 05 já se graduaram, por terem solicitado aproveitamento de disciplinas. Os valores observados para o Curso Licen
09 e a máxima é de 12 semestres (3105 h - Créditos:
ciatura em Química da UFMA não são díspares com
160 a 165). Entretanto, conforme fluxograma
os apresentados na literatura (Silva et al., 1995; Cunha
curricular, o Curso pode ser finalizado em apenas
et al., 2001; Vidigal et al., 2002; Nascimento;
08 períodos. Esse tempo mínimo de titulação (04
Franco Jr., 1990; Machado et al., 2005). Assim,
anos), como será discutido posteriormente, está
diplomação e evasão, apesar das peculiaridades
coerente com os tempos curriculares de outras
regionais, parecem ser comuns aos Cursos de
Instituições de Ensino (Passo; Pino, 2009).
Química. Cunha et al. (2001), analisando a questão, comentam uma pesquisa conduzida em
3.2. Graduados
1996 pela Secretaria da Educação Superior do
Considerando o tempo mínimo para inte
Ministério de Educação – SeSu/MEC, através da
gralização dos créditos de 04 anos, a Tabela 1
Comissão Especial de Estudos sobre a Evasão nas
nos fornece apenas os dados de 2005.1 e 2006.1
Universidade Públicas Brasileiras. Nessa pesquisa,
para uma análise e reflexão. De acordo com esses
o curso de Química aparece em quatro diferentes
dados, podemos afirmar que a quantidade de
modalidades: Bacharelado em Química; Química
alunos que se formam semestralmente é baixa,
Bacharelado e Licenciatura; Química Industrial e
em relação ao número de ingressantes, e variável
Licenciatura em Química. Os dados demonstraram
semestralmente. Um parâmetro que pode ser
que a Licenciatura em Química, em termos de
útil para quantificar a eficiência deste processo
diplomação, estava abaixo da expectativa nacional,
é a razão: N de formados/N de ingressantes
ou seja, a média nacional (28,21%) menos o
(Nascimento; Franco Jr., 1990). Em uma situação
desvio padrão (15,9% versus 18,58%), enquanto
o
o
ideal, casos em que não ocorram evasões e
que os demais cursos da área mantinham-se acima
retenções, esse número é 01. Portanto, situações
(Bacharelado – 38,1%, Bacharelado e Licenciatura
favoráveis apresentam um valor para esta razão
– 33,12% e Química Industrial – 25,69%). Como
próxima da unidade. Para o 1º e 2º períodos de
se observa, o problema ainda persiste.
2005 e 1º período de 2006, as razões observadas foram de 0,30; 0,16 e 0,03 respectivamente, equivalentes a percentuais de diplomação de 30, 16 e 3%. Para o caso da UFMA esta razão poderia ser um pouco maior, desde que levássemos em conta os alunos diplomados até 2009, mas que não correspondem às turmas de ingresso de
3.3. Ativos
Sob essa denominação, designamos os alunos matriculados no Curso. Dentre eles, aqueles que estão em período normal e os que estão retidos por reprovações, desistências de disciplinas e os que não cumpriram os créditos regulares dos
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves
períodos. Dos 61 alunos que ingressaram em
(Machado et al., 2005) e desconhecimento prévio
2005, mostrados na Tabela 1, os quais poderiam
da profissão (Zucco, 2007; Machado et al., 2005).
já ter diplomados, 29,5% permanecem no Curso.
Assim, deve ser delineada uma política voltada
Esse número de ativos para 2005.2 e 2006.1 é
para a fixação do estudante na Instituição durante
expressivamente alto: 43 e 80%, respectivamente.
o período de Curso em atividades intelectuais extra-
Na nossa análise, como já esgotou o tempo de
classe, remuneradas e compatíveis com a natureza do
integralização mínimo do Curso para esse período
Curso. Exemplos de tais atividades são: monitoria;
(2005.1-2006.1), tais alunos passam a constituir
iniciação científica; estágios em laboratórios de
um grupo especial de retenção. Estão presentes,
pesquisas; bolsas de estímulo a docência; bolsas de
cursam algumas disciplinas, mas aumentam o
extensão etc. Outra medida urgente é a atualização
tempo de residência no Curso (ver Tabela 2). De
curricular. Geralmente, os discentes de licenciatura
acordo com os resultados de Mazzetto e Carneiro
acompanham as disciplinas de química juntamente
(2002) para uma mesma turma de ingressante, há
com estudantes de outros cursos (bacharelado,
um aumento na percentagem de evadidos com o
química industrial, engenharia química). Assim, os
tempo, apesar de alguns estudos apontarem que o
conteúdos não são trabalhos de um ponto de vista da
período crítico da evasão é no primeiro ano uni
mediação pedagógica.
versitário (Machado et al., 2005).
3.4. Evadidos
Acreditamos que são urgentes e necessárias
A quantidade de evadidos é composta pelo
algumas ações acadêmicas que promovam a
número de alunos que mudaram de curso (falsa
diminuição do número de ativos em situações de
evasão ou mobilidade) ou que abandonaram os
retenção. Embora as causas não tenham sido in
estudos. É, certamente, o parâmetro mais estudado
vestigadas diretamente por este trabalho, a não
em termos de eficiência do Ensino Superior e,
ser reprovações, a literatura aponta como causas o
talvez, o mais complexo.
desestímulo do aluno com o Curso (Zucco, 2007; Machado et al., 2005), necessidades financeiras
Tabela 2. Tempo de permanência dos graduados no curso de Química Licenciatura no período entre 2005.1 e 2009.2.
50
Graduados
Vias de ingresso
No de semestres cursados
N°
%
VEST
PSG
IMCU
GRAD
3
01
04
–
–
01
–
4
08
30
02
–
04
02
5
–
–
–
–
–
–
6
01
04
01
–
–
–
7
02
08
02
–
–
–
8
08
30
07
01
–
–
9
04
16
02
02
–
–
10
02
08
01
01
–
–
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O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão...
Segundo Cunha et al. (2001), não existe consenso em como estimar e entender a evasão, porém Zucco (2007) aponta duas metodologias distintas para tal: a primeira é comparar o número de concludentes com o de ingressantes quatro anos antes (tempo mínimo de integralização dos créditos), e a outra é estimativa anual e leva em conta o número de estudantes que já estavam no sistema no ano anterior e o número de estudantes que permaneceram estudando no ano seguinte. Braga et al. (1997) empregaram metodo logia diferente. A expressão utilizada por eles foi: %Evasão = 100% - %Formandos - 0,006 (100%Formandos) a em que 0,06 é um peso de 6% da redução da evasão em virtude das vagas geradas por transferência e readmissão de evadidos na UFMG. Entretanto, muitos trabalhos não descrevem detalhadamente a metodologia do cálculo. No presente trabalho, para o cálculo da evasão, utilizamos a primeira indicação de Zucco (2007), a qual é bastante simples e de pronta exe cução, mas estudamos também as modalidades de evasão, como será constatado a seguir.
Machado et al. (2005) citam como alguns dos fatores responsáveis pela evasão a escolha incorreta do curso pelos alunos, razões financeiras e falta de informações sobre o curso. Algumas medidas foram relatadas que minimizaram a eva são no primeiro ano do Curso, o qual, segundo os autores, é a etapa crítica da evasão. Dentre tais medidas, comentam: divulgação da profissão do químico nas Escolas de Ensino Médio e a visita de estudantes na Universidade; recepção dos ingressos na Universidade (Semana de recepção, com Aula Magna, premiação para estudantes, professores e funcionários, além de atividades culturais); bolsas de IC para alunos iniciantes e; flexibilização de transferência interna de curso ou turno. Somos da opinião de que essas medidas, aliadas a uma reforma curricular inteligente, podem, também, surtir efeitos positivos no nosso curso, inclusive, com alteração no conceito do curso, atualmente, 03. Ressaltam, ainda, que esse item é crítico e deve ser contabilizado e encarado como despesa e não como simples indecisão dos alunos. De fato, com a evasão há toda uma estrutura que permanecerá semiociosa acarretando ônus aos cofres públicos.
Cunha et al. (2001), refletindo sobre as causas
Na Figura 1 estão apresentadas as taxas de
da evasão na UnB, segundo a visão dos evadidos,
evasão por semestre durante o intervalo de estudo.
pontuam: i) má acolhida aos calouros e falta de
Como pode ser observado, o período de 2005.1
informação quanto a matrícula e registros do curso;
foi o mais crítico, com 46% de evasão. Embora a
ii) despreparo para lidar com os desníveis entre os ensinos médio e superior (metodologias, sistemas de pré-requisitos etc.); iii) falta de interação discente-docente-administração universitária, e; iv) impossibilidade de estabelecimento de víncu los pessoais significantes.
tendência represente um decréscimo, ainda assim é elevada e preocupante a quantidade de evadidos. Para todo o período de estudo, a média foi de 20% de evasão e, desconsiderando o último ano de estudo, período em que o aluno poderia apenas trancar o curso (retenção), a taxa sobe para 23,2%.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves
50%
Evasão (%)
40% 30% 20% 10%
2009.2
2009.1
2008.2
2008.1
2007.2
2007.1
2006.2
2006.1
2005.2
2005.1
0%
Semestre de Ingresso
Figura 1. Taxas de evasão de alunos por semestre de ingresso no Curso de Química Licenciatura.
Em comparação com dados de outras
taxa de 86% acumulado no período de 2009.1 a
Instituições, embora haja diferenças quanto ao
2009.2. Observação semelhante é encontrada nos
período do estudo, o que implica em diferenças na
estudos de Moreira e Santos (2007): 85% para
estrutura curricular e infraestrutura, os resultados
alunos ingressantes por vestibular e 91% para os
observados para a UFMA são modestos, como
transferidos (aproveitamento de estudos). Silva et.
pode ser constatado a partir da Tabela 3.
al. (1995) constataram que de 283 alunos evadidos,
Dentre as principais formas de evasão
86,2% o fizeram por abandono (desligamento
observadas, destacam-se: abandono, mudança de
voluntário, abandono do curso e não cumprimento
curso e transferência. A Tabela 4 resume estes dados.
das condições da UnB), 9,9% por mudança de curso
Verifica-se que abandono é a forma mais comum
(mudança e vestibular para outro curso) e 3,9% por
de evasão para o curso de QL na UFMA, com uma
transferência para outra IES.
Tabela 3. Índice de evasão nos Cursos de Química. IES
Curso
Período
N° Ingressos
Evasão (%)
Ref.
UFMG
Química
1990-1995
–
~60
Braga et al. (1997)
Química
1985.1-1992.2
487
58,1
Silva et al. (1995)
165
57,4
368
30,71
481
46,16
UnB
QL–diurno QL–noturno
1996.1-2001.2
QB UERJ
QL
1999.1-2000.2
QL Média Nacional
QB QBL
1992.2-1994.2
QI UFMA
QL
2005.1-2008.1
Vestibular
51,3
111 Transferência
76,6
1.160
74,83
189
32,28
1.993
51,68
615
48,94
189
23,3
Vidigal et al. (2002)
Machado et al. (2005)
Cunha et al. (2001)
a*
QL: Química Licenciatura; QB: Química Bacharelado; QBL: Química Bacharelado e Licenciatura; QI: Química Industrial; EQ: Engenharia Química; a*: Este Trabalho.
52
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Tabela 4. Modalidades de evasão no curso de Química Licenciatura da UFMA durante o período 2005.1-2009.2. Período
Tipos de Evasão – No de alunos Abandono
Mudança de curso
Transferência
2005.1
14
–
–
2005.2
10
01
–
2006.1
03
–
–
2006.2
01
–
–
2007.1
05
01
01
2007.2
–
–
01
2008.1
03
02
–
2008.2
02
–
–
2009.1
–
–
–
2009.2
–
–
–
Total
38
04
02
(%)
(86)
(9)
(5)
De acordo com a legislação CONSEPE da
Os dados analisados demonstram que todos
UFMA (1999), fica caracterizado como abandono
os períodos, exceção 2009.2, são afetados por
o aluno que deixar de efetivar sua inscrição em
alguma forma de retenção, isto sem ponderar as
disciplina na Coordenadoria do Curso, em dois ou
reprovações que obviamente aumentam o tempo
mais semestres letivos consecutivos ou não. Outra
de permanência do aluno no Curso. Os alunos
forma de exclusão do cadastro de discente da
retidos são fortes candidatos a evasão e merecem,
UFMA é por transferência. Nessa modalidade, o
portanto, uma análise delicada por parte da
aluno, por iniciativa própria e mediante solicitação
administração da UFMA.
formal, é transferido para outro Curso (turno ou modalidade) da mesma Instituição ou para outra Instituição de Ensino Superior. 3.5. Retidos
Neste trabalho, retidos são os alunos que efetuaram o trancamento do curso, ou que não se matricularam em até 02 semestres, consecutivos ou não, conforme a legislação CONSEPE/UFMA (1999).
Tabela 5. Modalidades de retenção ocorridas no curso de Química Licenciatura da UFMA, período de 2005.1 a 2009.2. Período
No de alunos Trancamento
Não matriculados
2005.1
01
01
2005.2
01
01
2006.1
–
02
Na Tabela 5 estão apresentados os resultados
2006.2
–
01
obtidos para as modalidades de retenção, conforme
2007.1
02
01
a legislação da UFMA (1999). Em outros trabalhos,
2007.2
01
01
como o de Cunha et al. (2001), alunos que sofrem
2008.1
03
07
reprovações, mas que continuam no curso são con
2008.2
01
–
siderados retidos. A diferença na conceituação
2009.1
03
02
de retidos impossibilita comparações entre os re sultados observados e os reportados na literatura.
2009.2
–
–
Total
12
16
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José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves
Os dados estatísticos, os quais deveriam
3.6. Desempenho
dos alunos nas disciplinas: uma análise das taxas de reprovação
ser encaminhados continuamente para os Depar
Como dito anteriormente, reprovação é
tamentos para orientar discussões, são produzidos
um elemento importante no item retenção e, em
somente mediante solicitações. Reprovações e
alguns casos, forte motivador da evasão. Muitos
aprovações em massa, turmas com poucos alunos,
fatores contribuem para o insucesso de um
docentes e discentes ausentes, avaliações mal exe
aluno em uma disciplina, dentre estes, podemos
cutadas etc., são problemas atuais e que dizem
identificar aqueles ligados às condições de
respeito a todos, já que refletem na formação
entrada do aluno na universidade (conhecimento,
profissional, no conceito do Curso e nas taxas
habilidades, hábitos de estudo já formados pelo
de evasão, retenção e no aumento do tempo de
aluno etc.); condições Institucionais (tamanho
residência do aluno no Curso.
de turma, quantidade de créditos, sistema de ins
Neste ponto do estudo, foram considerados
crição em disciplinas, fluxo do currículo, pré
apenas os dois últimos períodos, para que tenhamos
‑requisitos etc.) e; condições de ensino (formulação
uma ideia instantânea do problema. Além dos
de objetivos, material instrucional, avaliação,
mais, os índices dizem respeito apenas aos alunos
atividades promovidas pelo professor, conteúdo
de licenciatura. Assim, se em uma dada disciplina
abordado etc.). Esses três conjuntos precisam ser
coexistiram alunos de bacharelado, química in
considerados, simultaneamente, na solução do
dustrial e licenciatura, apenas a população deste
problema. Obviamente que alguns outros fatores
último Curso foi considerada.
fogem à competência docente e esfera de ação
Na Tabela 6, temos a percentagem de
administrativa, como a afinidade e interesse do
reprovações das disciplinas do Curso de QL
aluno, problemas pessoais etc.; entretanto, os fatores
comparada com o número de inscritos. Das 40
que dependem do professor e da administração
disciplinas do Curso, conforme a estrutura cur
devem ser conhecidos e minimizados ao máximo.
ricular dos períodos analisados, 12 disciplinas se
É lamentável não haver reuniões pedagógicas antes
mostraram mais críticas, isto é, com percentagem
e após o período letivo para que sejam lembradas,
de reprovação maior que, ou em torno de 40%.
planejadas e tomadas medidas eficazes de ensino.
Estas disciplinas estão apresentadas na Figura
70% Reprovações (%)
60% 50% 40% 30% 20% 10%
a át ic Di d
. In or g. II
rg . II
im Qu
im
.O
rg .I Qu
.O
im
.I Qu im
Qu
Fís .
. In or g. I
r
im
in ea
Qu
lit .I
Qu
Al g. L
II
.A na
ca
I
ím
Fís i
ca Fís i
Ca l
c. I
0%
Disciplinas
Figura 2. Índices de reprovação mais críticos no Curso de Química Licenciatura da UFMA durante os períodos 2009.1 e 2009.2.
54
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão...
2 e estão, assim, distribuídas: Matemática – 02
pela Administração Superior. A literatura, apesar
(Cálculo I < Álgebra Linear); Física – 02 (Física
de antiga, mostra um elevado índice de reprovação
II < Física I); Química – 06 (Físico-química I
nos 04 primeiros períodos do Curso de Engenharia
~Química Inorgânica II < Química Orgânica I
Química da UFU (Nascimento; Franco Jr., 1990),
< Química Inorgânica I < Química Analítica I <
cujas disciplinas são semelhantes às apresentadas na
Química Orgânica II).
Figura 2. Em estudo mais recente, e com alunos de
Poucos trabalhos em química dão ênfase
Licenciatura em Química, Moreira e Santos (2007)
ao estudo da reprovação. Entretanto, os que a
mostram que as disciplinas de Matemática (Cálculo
contemplam são unânimes em declarar que o
I e Álgebra Linear) são as que mais reprovam os
problema é grave o suficiente para ser ignorado
alunos iniciantes do Curso, com 32% em ambas.
Tabela 6. Índice de reprovações por conteúdo e falta nas disciplinas do curso de Química Licenciatura da UFMA durante os períodos de 2009.1 e 2009.2. Disciplinas
Reprovações – No de alunos / %
Inscritos
Conteúdo
Falta
Total
No
%
No
%
%
32
17
55
0
0
55
Cálculo. Vetorial
31
5
16
5
16
32
Cálculo II
28
5
24
2
9
33
Cálculo III
12
0
0
2
17
17
Álgebra Linear
31
4
13
13
42
55
Int. Est. Quím
36
4
11
10
28
39
Quím. Geral I
36
3
8
7
20
28
Quím. Geral. Exp
29
1
3
4
14
17
Quím. Geral II
24
2
8
3
13
21
Quím. Analit. I
25
12
48
1
4
52
Quím. Inorg. I
13
6
46
0
0
46
Quím. Analít. II
13
0
0
3
23
23
Fís. Quím. I
31
6
19
7
23
42
Quím. Org. I
27
7
26
5
18
44
Fís.Quím. II
47
8
17
10
21
38
Quím. Org. II
31
12
38
8
26
64
Quím. Inorg. II
24
8
34
2
8
42
Quím. Analít. III
24
3
12
5
21
33
Fís. Quím. III
22
3
14
0
0
14
Cálculo I
Qm. Org. III
41
14
34
0
0
34
Inst. Anal. Quím.
22
0
0
2
9
9
Quím. Meio. Amb.
14
1
7
0
0
7
Mineralogia
17
2
12
0
0
12
Inst. Ens. Quím
43
0
0
5
12
12
Estágio I
33
0
0
5
15
15
Estágio Superv.
32
3
9
0
0
9
Física I
41
16
39
3
7
46
Física II
32
14
44
0
0
44
Met. Científica
43
7
16
7
16
32
Fund. Filosofia
49
3
6
5
10
16
Sociologia
09
1
11
0
0
11
Psicol. Ed. I
20
7
35
0
0
35
Psicol. Ed II
14
2
14
0
0
14
Est. Func. Ensino
41
16
39
0
0
39
Didática
37
4
11
11
29
40
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves
Mazzetto e Carneiro (2002) estudaram
as maiores percentagens foram para as desistências
o rendimento dos alunos de Geral I e II. Os resultados
mostraram
uma
diminuição
por falta (32 a 69,2%).
na
Nas Figuras 3 e 4 são apresentadas as
percentagem de reprovação de 38%, em 1995,
percentagens de reprovação discriminadas nas
para 21,7% em 2000, índices semelhantes aos
modalidades conteúdo e falta, paras as disciplinas
apresentados atualmente no Curso de Química da
dos Departamentos de Matemática (DEMAT) e
UFMA. Vianna et. al. (1997) também mostram
Química (DEQUI), respectivamente. Como se
elevados índices de reprovação nas disciplinas de
pode constatar, a desistência é um componente
Física, Matemática e Química Geral para alunos
importante no fenômeno da reprovação.
de licenciatura e bacharelado, em 1993, sendo que
60%
falta conteúdo
Reprovação
50% 40% 30% 20% 10% 0%
Cálc. I
Cálc. Vetorial
Cálc. II
Cálc. III
Álg. Linear
Disciplinas DEMAT
Figura 3. Percentagem de reprovação por conteúdo e falta nas disciplinas obrigatórias do Curso de Química Licenciatura, no período de 2009.1 e 2009.2, oferecidas pelo DEMAT.
70%
Reprovações
60% falta conteúdo
50% 40% 30% 20%
Estágio Superv
Estágio I
Inst. Ens. Quím
Mineralogia
Quím Meio Amb.
Quím Org. III
Fís. Quím III
Quím Analít III
Quím inorg II
Quím Org II
Fís. Quím II
Quím Org I
Fís. Quím I
Quím Analít. II
Quím Inorg. I
Quím. analít. I
Quím Geral II
Qm Geral Exp.
Qm. Geral I
Int. Est. Qm
0%
Inst. Anal. Quím
10%
Figura 4. Percentagem de reprovação por conteúdo e falta nas disciplinas obrigatórias do Curso de Química Licenciatura, no período de 2009.1 e 2009.2, oferecidas pelo DEQUI.
56
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O Curso de Química Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão...
falta conteúdo
50%
Reprovações
40% 30% 20%
Sociologia
Didática
Psic. Educ. II
Psic. Educ I
Física II
Física I
Est. Func. Ens.
Fund. Filosofia
0%
Met. Cient.
10%
Outras Disciplinas
Figura 5. Percentagem de reprovação por conteúdo e falta em diversas disciplinas obrigatórias do Curso de Química Licenciatura, no período de 2009.1 e 2009.2.
As disciplinas oferecidas no primeiro e
cionamento do ensino (39%) proposta para o
segundo períodos do Curso: Cálculo Vetorial
segundo período do Curso de Química e psicologia
e Geometria Analítica; Introdução ao Estudo
da educação I (35%) para o quarto período. A
da Química; Química Geral e Química Geral
disciplina de MTEPB não foi disponibilizada nos
Experimental, já apresentam problemas de
dois últimos períodos (2009.1 e 2009.2).
reprovação por desistência. Nota-se também que a maior dificuldade foi encontrada em uma disciplina específica. É comum pensar que as disciplinas de Cálculo ou
4. Conclusão
Física são as que mais reprovam. Entretanto, para
O Curso de Química Licenciatura da
o ano investigado (2009), a disciplina que mais
Universidade Federal do Maranhão, apesar
reteve aluno foi a Química Orgânica II. Foram 64%
de apresentar médias de evasão e reprovação
(26% por falta e 38% por conteúdo) que ficaram
abaixo da expectativa nacional, passa por uma
reprovados. Discussões de áreas devem aprofundar
reforma curricular. Ainda são elevados os
o assunto e verificar as causas do problema.
índices de reprovação e evasão e o conceito
A disciplina Monografia está ausente
ainda é baixo, conforme avaliação do MEC. Um
nas citações do trabalho, porque ela não é uma
projeto pedagógico voltado para uma formação
disciplina regular no sentido de aulas periódicas
técnica e pedagógica consistentes e atuais, com
e tomadas de frequência, e a disciplina Química
possibilidades de atividades extra-classe para
Biológica também não foi mencionada, devido à
os alunos poderia revitalizar o Curso e melhorar
ausência de reprovações. As demais disciplinas
os indicadores dos processos de avaliação. Os
estão mostradas na Figura 5.
conteúdos precisam ser pensados de forma sis-
Nas disciplinas chamadas pedagógicas
temática e trabalhados de modo a permitir que
ascende um elevado percentual de reprovações
as competências elaboradas para o Curso sejam
por conteúdo, o que ocorre em estrutura e fun-
desenvolvidas nos alunos.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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José Inaldo Belfort de Oliveira, Cícero Wellington Brito Bezerra e José Alberto Pestana Chaves
Diversas são as disciplinas com elevados índices de reprovação. Pensar na redução do índice de reprovação é meta estratégica para diminuir a retenção de alunos, aumentar a diplomação e evi tar a evasão. O ingresso está aquém das vagas oferecidas. Medidas para divulgar a profissão entre os estu dantes do Ensino Médio poderiam não apenas reverter este problema, mas favorecer o ingresso de alunos mais interessados e que tenham afi nidade pela área. Isso terá reflexos positivos na diminuição das taxas de evasão e reprovação.
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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Artigo 05 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011
p. 61-74
Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos An Overview on Composite Materials Daniel Tiago Alves Ribeiro1 e Diana Vilas Boas Malheiro1
Resumo
Num mundo repleto de ciência e tecnologia, todos devem ter consciência de que a Química abrange diversas áreas. A Química dos Materiais tem sido uma temática ligeiramente desconsiderada na formação basilar de professores e outros profissionais de ciência. No que diz respeito aos vários tipos de materiais, os compósitos talvez tenham sido os menos abordados num contexto genérico, facilmente inteligível e aplicável em sala de aula. Este artigo consiste numa análise cuidadosa, detalhada e diligente acerca deste tipo de materiais. O leitor será conduzido numa abordagem que fará referência à origem e aos tipos de classificação dos principais materiais compósitos. Palavras-chave: Química dos Materiais. Materiais compósitos. Abstract
In a world filled with Science and Technology, everyone should be aware that Chemistry covers several areas. Materials Chemistry has been a somewhat overlooked issue in the basic training of teachers and other science professionals. With regard to the various types of materials, the composites were perhaps the least lectured in a generic context, easily understandable and applicable in the classroom. This article is a careful, detailed and diligent analysis about this type of materials. The reader will be conducted on an approach that will refer to the origin and classification of the main types of composite materials. Key-words: Materials Chemistry. Composite materials.
1
Departamento de Química e Bioquímica, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
1.
Introdução Os materiais estão provavelmente mais arrai-
gados na nossa cultura do que nos apercebemos. Transporte, habitação, vestuário, comunicações, recreação e produção alimentar – virtualmente, todos os segmentos do nosso dia a dia são influenciados, em grau menor ou maior, pelos materiais que utilizamos. Historicamente, o desenvolvimento e o avanço das sociedades estiveram sempre intimamente ligados com a habilidade dos seus indivíduos para a produção e manipulação de materiais, com vista a suprir as suas necessidades e melhorar a sua qualidade de vida (Callister; Rethwisch, 2011, Callister, 2001). Os materiais sólidos foram convenientemente agrupados em três categorias básicas: metais, cerâmicas e polímeros. Essas três categorias foram criadas com base na constituição química e na estrutura atómica e molecular (Gay; Hoa; Tsai, 2003), pelo que, normalmente, cada material faz parte apenas de uma
62
os de metais e cerâmicas, ou os de polímeros e cerâmicas (Chung, 2010). A utilização de materiais compósitos expande-se desde objetos elementares, empregues no nosso dia a dia, até aplicações para indústrias de ponta, como é o caso das indústrias aeronáutica e aeroespacial. O objetivo principal na criação de um material compósito é atingir uma combinação de propriedades que não são conseguidas pelos materiais individualizados. A Tabela 1 mostra como as propriedades mecânicas de um policarbonato variam com a adição de sucessivas percentagens de reforço. Em particular, a elaboração de um compósito tem como intuito incorporar as melhores características de cada componente individual numa estrutura mais complexa (Chung, 2010). Apesar da maioria dos compósitos resultarem de uma combinação elaborada entre polímeros, metais e cerâmicas, alguns materiais que surgem naturalmente são também compósitos. Um dos exemplos é a madeira, que resulta de
categoria específica. No entanto, além dessas três
uma combinação predominante de fibras de celu-
categorias básicas, existe uma categoria de ma-
lose e hemicelulose unidas por lenhina (Bledzki,
teriais designada compósitos.
1999). Os ossos são outro exemplo de compósitos
Um compósito é um material constituído
naturais formados por estruturas de hidroxiapatite
por dois (ou mais) materiais singulares, do tipo dos
unidas por colagénio. Contudo, este artigo propõe
anteriormente referidos. Os tipos de compósitos
desen volver a temática dos compósitos fabricados,
mais difundidos são os de metais e polímeros,
em detrimento dos compósitos naturais.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos
Tabela 1. Propriedades mecânicas de policarbonatos reforçados e não reforçados com fibra de vidro. Propriedade Densidade relativa Tensão limite (MPa) Módulo de elasticidade (GPa) Deformação linear (%)
Reforço em Fibra de Vidro (% vol)
Sem reforço 1,19-1,22
20
30
40
1,35
1,43
1,52
59-62
110
131
159
2,24-2,345
5,93
8,62
11,6
90-115
4-6
3-5
3-5
Fonte: Adaptada de Callister (2001).
Historicamente, os compósitos foram utili-
2.
zados desde sempre pelos humanos. A primeira referência documental feita acerca de um compósito está na Bíblia, no seu segundo livro, onde reza: “Não deveis ajuntar palha para dar ao povo, para fazerem tijolos, como anteriormente. Que eles mesmos vão e ajuntem palha para si. Ademais, tereis de impor-lhes além disso a quantidade exigida de tijolos que faziam anteriormente” (Êxodo 5:7, 8). A verdade é que os tijolos referenciados nessa escritura – denominados tijolos de adobe – evidenciam um material compósito precursor dos tijolos de barro atualmente utilizados. Os adobes eram constituídos por terra, água, palha e, algumas vezes, outras fibras naturais. Os materiais que constituem um material compósito são de dois tipos: matriz e reforço. O material usado como matriz é o que confere
Classificação tendo em conta a origem A fase matricial de um compósito é, nor-
malmente, elaborada a partir de um metal ou de um polímero. Geralmente, isso acontece porque é conveniente que os materiais compósitos tenham alguma ductilidade3. Naturalmente, quando se necessita de produzir um compósito com uma maior resistência mecânica, a matriz deverá ser composta por uma cerâmica. A matriz de um compósito é muito importante, dado que é a fase primária da elaboração do novo material; além disso, a sua natureza contínua auxilia na coesão do compósito. A matriz é, amiúde, o material mais dúctil e com menor resistência a trações, daí a necessidade do reforço. As funções comuns de uma matriz são (Hull; Clyne, 1996): • Transmitir forças entre as fibras;
estrutura ao compósito, preenchendo os espaços
• Suprimir o espalhamento de falhas nas
vazios que ficam entre os reforços e mantendo-os
fibras;
nas suas posições relativas. Os reforços são, grosso
• Sustentar as fibras de enchimento na
modo, os materiais que determinam as proprie-
orientação necessária;
dades mecânicas, eletromagnéticas e químicas do
• Proteger as fibras do desgaste provocado
compósito como um todo (Peters, 1998).2 Poderá,
pelo ambiente.
ainda, ocorrer uma sinergia entre a matriz e o reforço, que poderá fazer com que propriedades não existentes nos materiais originais sejam verificadas no compósito produzido (Chung, 2010). 2
SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).
3
A ductilidade é a propriedade que representa o grau de deformação que um material suporta até ao momento da sua fratura. Um material dúctil é aquele que se deforma quando submetido a tensões de cisalhamento ao passo que o oposto, um material frágil, quebra sem sofrer grande deformação.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro
No entanto, obviamente, nem todo o
Reforço
material pode ser utilizado como matriz de um compósito. Existe um conjunto básico de exi-
Termoendurecíveis
gências que uma matriz tem que cumprir: é ne-
Composição
Interface
cessário que resista eficazmente a tensões de cisalhamento4, possua tenacidade5 e resistência, tanto
mitam trabalhar a temperaturas elevadas e a sua produção deverá ser de baixo custo (Chung, 2010).
Metálica Cerâmica
mecânica como à oxidação; além disso, deverá possuir, preferencialmente, propriedades que per-
Termoplásticos Polimérica
Matriz
Figura 1. Categorização dos compósitos quanto à origem do material utilizado na matriz.
Devido ao fato de existirem diversas possibilidades de combinações de materiais, foram es tabelecidos alguns sistemas de classificação
3.
para tentar ordenar o complexo mundo dos materiais compósitos. Num sistema, tendo-se em conta o tipo de materiais usados nos compósitos, estabeleceram-se três categorias base: compósitos de matriz polimérica, compósitos de matriz cerâmica e compósitos de matriz metálica. Essa classificação está esquematizada na Figura 1, que subdivide os compósitos de matriz polimérica nos elaborados a partir de termoplásticos e de plásticos termoendurecíveis. Está claro que essa classificação é demasiado purista e existem compósitos que não podem ser incluídos em nenhuma dessas categorias. Por isso, analisando os casos mais relevantes desse tipo, constituíram-se duas subcategorias mas não
Os compósitos de matriz polimérica consistem basicamente em misturas de polímeros de elevada massa molecular (matriz) com fibras (reforço). Esse tipo de material é bastante utilizado em toda a diversidade de aplicações dos compósitos. Devido ao fato das propriedades requeridas ocorrerem à temperatura ambiente e da facilidade e baixo custo de produção, este tipo de compósitos é amplamente utilizado (Thoppul; Finegan; Gibson, 2009). Por isso, apresenta-se a seguir um panorama sobre alguns dos compósitos de matriz polimérica mais comuns (Chung, 2010).7 Tabela 2. Composição química das fibras de vidro.
de somenos importância: compósitos carbono-
Tipo de vidro
-carbono e compósitos híbridos (Gay; Hoa;
Fibra de vidro
Tsai, 2003).6 Far-se-á, a seguir, uma descrição individualizada de cada tipo de compósito, tendo
5
6
64
Composição (% m/m) SiO2
CaO
Al2O3
B2O3
MgO
55
16
15
10
4
Fonte: Adaptada de Callister (2001).
em conta a origem do material que serve de matriz. 4
Compósitos de matriz polimérica
Os polímeros reforçados com fibra de
Tensão de cisalhamento, tensão tangencial ou tensão de corte, é um tipo de tensão gerado por forças aplicadas na mesma direção mas em sentidos opostos. É a tensão responsável pelo corte em tesouras.
vidro (PRFV), vulgarmente conhecidos por fibras
Tenacidade é uma medida da quantidade de energia que um material pode absorver antes de uma fratura. Essa quantidade pode ser obtida por integração do gráfico de tensão – deformação do material.
numa matriz polimérica. Esse tipo de compósito
SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).
7
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de vidro, são compósitos que consistem de fibras de vidro contínuas ou descontínuas imbuídas é amplamente produzido em escala mundial, SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).
Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos
podendo ser utilizado quer em sapatos, quer
meros de alta temperatura, como, por exemplo, as
em estruturas de caravanas, por exemplo. Parte
resinas de poliamida (Callister; Rethwisch, 2011).
integrante do reforço deste compósito, as fibras
Os polímeros reforçados com fibra de
de vidro, também denominadas E-vidro, têm
carbono, popularmente conhecidos simplesmente
uma composição química definida (Tabela 2) e o
como fibras de carbono, são compósitos que con
diâmetro das mesmas variam entre 3 e 20 μm.
sistem em fibras de carbono contínuas ou des
Os compósitos de fibra de vidro são
contínuas imbuídas numa matriz polimérica. A
bastante populares, dado que as fibras de alta
exploração técnica, no que diz respeito a este tipo de material, foi tão exaustiva que sua produção, nesse momento, é considerada relativamente barata. Em Portugal, por exemplo, uma peça de fibra de carbono ronda 1520 €/m3. As fibras de carbono são materiais de alta performance que fazem com que os compósitos de fibras de carbono com matriz polimérica sejam os mais utilizados em indústrias em que se exigem compostos de resistência mecânica e térmica bastante elevada. Isso acontece porque, de todas as fibras utilizáveis como reforço em compósitos, as fibras de carbono possuem módulo de Young9 e resistência mecânica superiores. Além disso, as fibras de carbono conservam estas propriedades mesmo a temperaturas elevadas o que, por outro lado, faz com que a oxidação térmica10 das fibras de carbono seja bastante difícil.11 As fibras de carbono também possuem a grande vantagem de não serem afetadas quando colocadas na presença de uma grande variedade de solventes, ácidos ou bases. A variedade de fibras de carbono disponíveis para a utilização em compósitos promove a diversidade e especificidade das propriedades que
resistência podem ser facilmente fabricadas a partir do vidro derretido (com composição química idêntica à referida acima). Além disso, o processo de fabricação de compósitos de matriz polimérica reforçados com fibra de vidro é relativamente barato, existindo várias técnicas para a elaboração dos mesmos.8 A popularidade desse tipo de compósito advém do facto das suas fibras serem resistentes e, por isso, quando envolvidas numa matriz polimérica, produzirem um compósito com uma resistência específica à tração bastante elevada. Uma última vantagem resulta do fato de este tipo de compósito poder ser utilizado numa grande variedade de ambientes corrosivos, dado serem bastante inertes do ponto de vista químico (Gay; Hoa; Tsai, 2003). Todavia, apesar de possuírem elevada re sistência específica à tração, este tipo de com pósito revela várias limitações. Uma delas é não possuírem a rigidez necessária para certas aplicações (por exemplo, como partes estruturais de aviões ou pontes). Além disso, os materiais que utilizam fibras de vidro, normalmente, estão limitados a uma temperatura útil de 200 oC. Acrescente-se a isso o facto de que, a temperaturas
9
O módulo de Young é um parâmetro mecânico que proporciona uma medida da rigidez de um material sólido. É uma propriedade intrínseca aos materiais que pode ser obtida a partir da razão entre a tensão exercida e a deformação sofrida pelo material.
10
A oxidação térmica consiste em destruir as moléculas pela ação da temperatura e do oxigénio, normalmente proveniente do ar, de forma que as moléculas resultantes não sejam agressivas ao homem ou ao meio ambiente.
11
SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).
mais elevadas, os polímeros começam a fluidificar ‑se ou a deteriorar-se. A temperatura útil deste tipo de compósito pode ser elevada a um máximo de aproximadamente 300 oC utilizando, para isso, sílica fundida de elevado grau de pureza e polí 8
SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).
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cada compósito pode ter. O diâmetro das fibras de carbono varia entre 4 e 10 μm (Chung, 2010). Os compósitos de matriz polimérica reforçada com fibra de carbono estão a ser bastante utilizados nos mais variados campos, por exemplo: na indústria do desporto e da recreação (varas de pesca, tacos de golf, mastros de barcos), na indústria militar (chassis e hélices de helicópteros militares), também na indústria do armazenamento (reservatórios de pressão), entre muitas outras indústrias, o que significa que, atualmente, a utilização de compósitos de fibras de carbono é elevada. Os polímeros reforçados com fibra de aramida foram introduzidos no início dos anos 70 e revelaram-se muito úteis dado que possuem uma elevada resistência mecânica e um módulo de Young igualmente elevado. Desde o início, eles foram muito utilizados, dado que possuem uma razão resistência/massa muito elevada, superior às dos metais. Esse fato é importante dado que a indústria procura sempre encontrar materiais com elevada resistência mas com a menor densidade possível. Quimicamente, este subgrupo é conhecido como poli-(parafenileno tereftalamida). Existem diferentes compostos de aramida que, normalmente, são conhecidos pelos seus nomes comerciais (por exemplo, Kevlar® e Nomex®). Existem diversos tipos de polímeros reforçados com fibra de aramida (por exemplo, Kevlar® 49, Kevlar® 119 e Kevlar® 129), cujas propriedades mecânicas variam. Nesses materiais, as moléculas são alinhadas e repetidas sucessivamente, resultando numa estrutura forte e coesa.12 É de notar que o alinhamento das fibras é sempre correspondente ao alinhamento da cadeia polimérica. Do ponto de vista mecânico, as fibras de aramida possuem a mais elevada resistência à 12
66
SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).
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tra ção longitudinal dentre todos os compósitos de matriz polimérica, porém são relativamente frágeis no que respeita à sua capacidade de resistirem a for ças de compressão. Além disso, esses materiais são bastante utilizados pela sua tenacidade, resistência ao choque e resistência ao stress cíclico13. Apesar das fibras de aramida serem termoplásticas, elas são resistentes à combustão e estáveis a temperatu ras relativamente altas, conseguindo manter a sua performance num intervalo de temperaturas que varia entre os – 200 ºC e 200 ºC. Do ponto de vista da degradação, as fibras de aramida são dete rioradas por ácidos e bases fortes, sendo, contudo, praticamente inertes em outros solventes químicos. As fibras de aramida são o reforço por excelência dos melhores compósitos de matriz polimérica; os principais polímeros utilizados na sua produção são as resinas epóxi e as resinas de poliésteres. Como as fibras são relativamente flexíveis e algo dúcteis, elas podem ser processadas na indústria têxtil (por exemplo, na produção de coletes à prova de bala) (Chung, 2010).
4.
Compósitos de matriz metálica Como o nome indica, os compósitos de
matriz metálica possuem uma matriz metálica dúctil. Esses compósitos podem ser utilizados a uma temperatura superior à que o metal isolado suportaria; além disso, o reforço pode aumentar a rigidez e a resistência do material (Chawla; Shen, 2001; Clyne, 1993).14 As vantagens desses materiais sobre os compósitos de matriz 13
O stress cíclico refere-se a uma distribuição interna de forças que muda com o tempo de forma repetitiva. A capacidade de um corpo resistir às sucessivas tensões que lhe são exercidas diminui com o tempo.
14
SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).
Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos
Tabela 3. Propriedades de alguns compósitos de matriz metálica. Fibra
Matriz
Composição em fibra (% V/V)
Massa volúmica (g/cm3)
Módulo de Young longitudinal (GPa)
Resistência à tração longitudinal (MPa)
Carbono
6061 Al
41
2,44
320
620
Boro
6061 Al
48
–
207
1515
SiC
6061 Al
50
2,93
230
1480
Al2O3
380.0 Al
24
–
120
340
Carbono
AZ31 Mg
38
1,83
300
510
Fonte: Adaptada de Weeton (1987).
polimérica incluem a possibilidade de utilização
5.
a uma temperatura mais elevada, a não inflamabilidade e uma maior resistência à degra dação por reagentes orgânicos. Os compósitos de matriz metálica são, grosso modo, bastante mais caros do que os compósitos de matriz polimérica, razão pela qual a sua utilização é restrita (Kainer, 2006). O reforço empregado numa matriz metálica pode ser constituído por fibras cuja quantidade relativa pode se fixar entre os 10 e os 60% V/V (Callister; Rethwisch, 2011). A Tabela 3 apresenta as propriedades de vários compósitos de matriz metálica. Recentemente, a indústria automobilística tem investido na utilização de compósitos de matriz metálica. Por exemplo, têm sido produzidos alguns componentes do motor a partir de compósitos de alumínio reforçados com óxido de alumínio e fibras de carbono, obtendo-se, assim, motores mais leves e mais resistentes a elevações de temperatura. Esses compósitos são igualmente, utilizados na indústria aeroespacial; os vaivéns espaciais utilizam compósitos de matriz de alumínio e reforço de fibras de boro, enquanto o telescópio espacial Hubble utiliza compósitos com a mesma matriz mas reforçados com fibras de grafite.15 15
We Energies. Disponível em: <http://www.we-energies.com/ environmental/ccp_handbook_ch8.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2012).
Compósitos de matriz cerâmica As cerâmicas sempre foram conhecidas pela
sua elevada resistência à oxidação e deterioração. Não fossem esses materiais suscetíveis à fratura e poderiam ser utilizados nas mais diversas indústrias como materiais de alta performance.16 No entanto, com o avanço da tecnologia, criaramse novos materiais que respondem a outras exigências17 do mercado: os compósitos de matriz cerâmica. O fato de serem reforçados fez com que a sua resistência à fratura fosse melhorada. Uma técnica de reforço muito utilizada nesse tipo de compósitos é o reforço com outras cerâmicas em fibras ou em partículas (Marshall; Cox, 2008). Enquanto para as cerâmicas não reforçadas a resistência máxima à fratura se situa entre 1 a 5 MPa m , em cerâmicas reforçadas esse valor pode elevar-se a aproximadamente, 6 a 20 MPa m (Callister; Rethwisch, 2011). Algumas das grandes vantagens desse tipo de materiais são a elevada rigidez, resistência a altas temperaturas, baixa compressibilidade e uma densidade relativamente baixa, ao passo que apresentam como desvantagens uma baixa resis tência ao impacto, uma baixa tensão máxima de alongamento e suscetibilidade a falhas 16
SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).
17
Nessas exigências podem incluir-se a necessidade de produção de materiais com elevada resistência a temperaturas elevadas.
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67
Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro
por variações bruscas de temperatura. Algumas
substituição de um disco de freio de ferro fundido
propriedades de matrizes cerâmicas normalmente
ou aço por um compósito de matriz cerâmica
utilizadas em compósitos são apresentadas na
conduz a um ganho na distância de frenagem.
Tabela 4.
A discussão neste capítulo permitiu escla
Apesar de apresentarem diversas vanta
recer a importância da matriz na elaboração de
gens, os compósitos de matriz cerâmica não são
um compósito. Foram salientadas as principais
muito utilizados devido ao seu custo e dificuldade de produção. Contudo, esse tipo de compósito
é
categorias existentes para classificar os materiais compósitos quanto à origem da sua matriz. Porém, o
bastante utilizado nos discos de freio de automóveis
que dizer das suas estruturas? Será que existe apenas
de elevada performance. Isso acontece porque a
uma classificação segundo o material de reforço?
Tabela 4. Propriedades de algumas matrizes cerâmicas. Matriz
Módulo de Young (GPa)
Resistência máxima à fratura (MPa)
Densidade (g/cm3)
LAS
117
2,42
2,61
5,76
−
Pyrex
48
0,08
2,23
3,24
1252
Ponto de fusão (ºC)
Al2O3
345
3,52
3,97
8,64
2050
Mulite
145
2,20
3,30
5,76
1850
ZrO2 PS
207
8,46
5,75
7,92
2460
ZrO2 FS
207
2,75
5,56
13,5
−
TiO2
283
2,53
4,25
9,36
1849
Si3N4 SN
310
5,60
3,18
3,06
1870
Si3N4 RB
165
3,41
−
−
−
Si3N4 HP
310
5,60
3,19
3,06
1870
SiO2
76
0,77
2,20
0,54
1610
SiC Sn
331
4,94
3,21
4,32
1980
SiC HP
414
4,94
3,21
4,32
1980
B4C
290
−
2,41
3,06
2350
TiB2
552
6,92
4,62
8,10
2900
TiC
427
−
4,92
8,46
3140
TaC
283
−
14,50
6,66
3880
BeO
359
−
3,00
5,76
2530
WC
669
−
15,80
4,50
2870
Cr2O3
103
3,85
5,21
7,56
2435
Cr3C2
386
−
6,70
9,67
1890
BN┴
34
−
1,94
6,66
2982
BN║
76
−
1,94
0,36
2982
NbC
448
−
7,82
6,66
3499
Fonte: Adaptada de Peters (1998).
68
Coeficiente de expansão térmica 10-6 (ºC)-1
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Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos
6.
Classificação levando em conta a estrutura
enchimento: estruturados, particulados e fibrosos (Figura 2).
É de enorme importância estudarem-se as Laminares
es truturas dos materiais que constituem o reforço do compósito, visto que são estas que vão regular
Estruturas
as propriedades mais específicas do novo material.
Sandwich
Além disso, se existe uma matriz e um reforço, tem
Compósitos
Particulados
que existir uma zona de fronteira entre as duas fases, que também se revela muito importante: a interface (Gay; Hoa; Tsai, 2003). A interface, por ser a fronteira entre as duas fases do compósito, proporciona a transferência
Fibrosos
Figura 2. Esquema com a classificação dos compósitos quanto à estrutura.
de tensões aplicadas no material. A adesão entre a matriz e o enchimento é essencial para o material atingir o mais alto nível de rendimento no que respeita, muito particularmente, às propriedades mecânicas (Nogueira; Paiva; Rezende, 2005). A ligação entre a matriz e o reforço pode ser de três tipos (Chung, 2010): • Ligação direta entre as duas fases; • Ligação através duma camada extra (interfase); • Ligação através de uma terceira fase acrescentada ao compósito. É óbvio que tanto a matriz como o enchimento contribuem para as propriedades do compósito elaborado. A quantidade relativa de reforço e o tamanho do reforço também são fatores a ter em consideração, mas talvez o fator de maior importância se prenda com as micro e macroestruturas presentes no compósito (Chung, 2010).18 Daí, torna-se necessário categorizar os compósitos tendo em conta a sua estrutura e a disposição do reforço na matriz, sendo realizada em seguida uma análise individual das três principais categorias, tendo em consideração a estrutura do 18
SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).
7.
Compósitos estruturados Um compósito estruturado é, normalmente,
composto por fases homogéneas. As suas propriedades dependem tanto dos materiais que o compõem, como também da disposição geométrica das fases estruturais. Os dois tipos de compósitos estruturados mais comuns são os laminares e os sandwich. Os compósitos laminares são elaborados a partir de folhas ou painéis que possuem elevada resistência mecânica numa determinada direção. As várias camadas são sobrepostas e consolidadas, de tal forma que a direção preferencial de elevada resistência mecânica varie de camada para camada, formando assim um material que não possui apenas uma direção preferencial de maximização de propriedades mecânicas. Esse tipo de compósito pode ser, por exemplo, elaborado utilizando-se madeira contraplacada. Basicamente, as folhas de contraplacado, com as fibras de madeira orientadas segundo uma direção, são sobrepostas de forma a produzir uma peça de madeira contraplacada com fibras em diferentes orientações. Devido a esse fato, um compósito produzido com essa técnica possuirá uma resistência mecânica relativamente elevada em diversas
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69
Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro
direções. Contudo, a resistência mecânica em
que a matriz. As partículas do reforço tendem
cada direção será, obviamente, menor que a
a restringir o movimento da fase matricial na
resistência mecânica registada se todas as fibras
vizinhança de cada partícula.19 Essencialmente, a
estivessem orientadas nessa mesma direção. Um
matriz do compósito transfere a tensão aplicada
exemplo de uma estrutura laminar relativamente
para as partículas que constituem o reforço. O grau
complexa é um esqui moderno (Gay; Hoa; Tsai,
de reforço ou melhoramento das propriedades
2003). Diversos materiais podem ser utilizados na
mecânicas do material depende essencialmente
elaboração dos painéis utilizados nos compósitos
de uma forte ligação na interface entre a matriz e
laminares: algodão, papel, tecidos de fibra de vidro
as partículas que constituem o reforço (Chawla;
envolvidos numa matriz polimé rica, entre outros.
Shen, 2001).
Por outro lado, os compósitos sandwich são
As partículas envolvidas no reforço podem
elaborados para possuírem o mínimo de massa e
ser de dimensões muito distintas. Apesar de as par-
o máximo de rigidez. Basicamente, consistem em
tículas mais utilizadas serem do tipo macroscópico
duas folhas exteriores coladas a um núcleo mais
(na ordem de grandeza do micrómetro), existem
espesso. Os painéis exteriores são, grosso modo,
compósitos particulados que são elaborados a partir
constituídos por um material rígido e com elevada
de fragmentos com diâmetro médio aproximado de
resistência mecânica (ligas de alumínio, plástico
10 a 100 nm. A esse nível, o reforço ocorre ao nível
reforçado com fibras, titânio, aço ou contraplacado).
molecular, ou, até mesmo, atómico. Nesse tipo de
Essas folhas externas são as responsáveis pela
compósito, a tensão mecânica é suportada quase
resistência mecânica da estrutura e devem ser
exclusivamente pela matriz, porém, o reforço mi-
suficientemente espessas para suportarem tanto
croscópico tem a principal e importante tarefa
tensões de distensão como de compressão. O
de impedir o movimento ou deslocamento das
material que constitui o núcleo deve ser o mais leve
moléculas/átomos da matriz. Com base nesse prin-
possível e, normalmente, possui um baixo módulo
cípio, a deformação plástica pode ser limitada,
de elasticidade. São constituídas, na sua maioria,
melhorando assim a resistência do material bem
por espumas poliméricas rígidas, balsa (uma
como a sua rigidez.
madeira de baixa densidade) ou estruturas idênticas
As matrizes dos compósitos particulados
aos favos de mel. O núcleo desses com pósitos
podem ser elaboradas a partir de todos os três tipos
proporciona suporte contínuo às faces e, além
base de materiais (metais, cerâmicas e polímeros).
disso, deve ser o responsável por prover resistência
Um dos principais compósitos dessa categoria é
mecânica a tensões transversais e de cisalhamento,
vulgarmente conhecido como metal duro. Metal
sendo que o núcleo é mais compressível do que as
duro é o nome dado a uma liga de carbeto de
faces (Gay; Hoa; Tsai, 2003).
tungsténio, produzida por metalurgia. O produto é obtido pela prensagem e sinterização de uma mistura de pós de carbeto e outros materiais de menor ponto
8.
Compósitos particulados Um compósito particulado possui estruturas
muito diferentes dos compósitos anteriores. Na sua grande maioria, esses compósitos possuem uma fase de reforço particulada mais rígida do
70
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de fusão, chamados aglomerantes (cobalto, crómio, níquel ou uma combinação deles). O resultado é um material de dureza elevada, dependendo do teor de 19
SubsTech. Disponível em: <http://www.substech.com/ dokuwiki/doku.php?id=composites> (Acesso em: 03 mar. 2012).
Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos
aglomerante e do tamanho do grão de carbeto. As
de fibras, que podem ser longas ou curtas (Chung,
maiores durezas são conseguidas com baixos teores
2010; Nogueira; Paiva; Rezende, 2005).
de aglomerante e tamanho de grão reduzido. Por
Nesse tipo de compósitos, as fibras revelam-
outro lado, é obtida maior tenacidade aumentando o
-se exímias no melhoramento da rigidez e da
teor de aglomerante e/ou aumentando o tamanho de
resistência do material a tensões mecânicas. A
grão (Gay; Hoa; Tsai, 2003).
grande vantagem do melhoramento de um material
A principal utilização desse tipo de com-
pela adição de fibras ordenadas está na minimização
pósito é em ferramentas de corte ou em discos de
das falhas na direção normal às fibras. Contudo,
laminação. As ferramentas de corte, nas quais a
interessa, aqui, salientar a importância de uma
propriedade desejada é a elevada dureza, têm teo res
outra característica sobre este tipo de compósitos:
baixos de aglomerante, menos de 5%. Já em discos
a dimensão da fase fibrosa.
de laminação, em que a resistência ao impacto
Uma importante característica a se levar em
passa a ser vital, é admissível perder um pouco da
consideração na elaboração de fibras é que, para
dureza para conseguir um mínimo de tenacidade.
a maioria dos materiais, especialmente os mais
Nesse caso, dependendo da aplicação, o teor de
frágeis, uma fibra de pequeno diâmetro é muito
aglomerante pode chegar a 30 ou 35%. A grande
mais resistente do que um bloco desse mesmo
aplicação dos metais duros deve-se ao fato de eles
material. Isso acontece porque a probabilidade de
possuírem a combinação de resistência ao desgaste,
ocorrência de falhas críticas na superfície de um
resistência mecânica e tenacidade em altos níveis.
material diminui com a diminuição do seu volume
Por outro lado, existe um compósito par-
e é com base nessa premissa elementar que se
ticulado cujos fragmentos possuem dimensão
conseguiu tirar vantagem dos compósitos fibrosos.
muito superior: o betão. O betão é um material
Em face do seu diâmetro e características, as
formado pela mistura de cimento, agregados gros-
fibras são agrupadas em três diferentes categorias:
sos e finos (por exemplo, areias) e água. Neste
wiskers (capilares fibrosos), fibras e fios.
compósito, tanto a matriz como o enchimento são
Os wiskers são cristais extremamente finos
elaborados a partir de materiais cerâmicos. Dois
com comprimentos muitíssimo superiores ao seu
dos tipos de betão mais conhecidos são o betão
diâmetro. Como consequência do seu baixo calibre,
de cimento Portland (utilizado na estrutura das
eles têm um elevado grau de perfeição ao nível da
habitações) e o asfalto (utilizado como pavimento
estrutura cristalina e, por isso, não possuem virtual-
rodoviário).
mente qualquer falha estrutural. Esse tipo de estrutura possibilita que os compósitos elaborados a partir dessas fibras possuam uma elevadíssima resistência
9.
Compósitos fibrosos
mecânica e estejam entre os materiais mais resistentes de que há registo (Tabela 5). Contudo, o custo na
Tecnologicamente, os compósitos mais im-
elaboração desse tipo de compósito é muito elevado,
portantes pertencem à categoria dos compósitos
dado que é extremamente difícil, ou, até mesmo,
reforçados com fibras. A elaboração de compósitos
impraticável, envolver wiskers numa matriz. Nos
fibrosos tem, normalmente, como principal objetivo
materiais comumente utilizados nestes capilares fi-
melhorar a resistência mecânica do material. Nesse
brosos, incluem-se a grafite, o carbeto de silício, o
tipo de compósitos, o enchimento é uma fase,
nitreto de silício e o óxido de alumínio (Gay; Hoa;
dispersa aleatoriamente ou ordenada, sob a forma
Tsai, 2003).
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Daniel Tiago Alves Ribeiro e Diana Vilas Boas Malheiro
Tabela 5. Propriedades de algumas fibras consoante o seu diâmetro médio. Fibra Wiskers Grafite Nitreto de silício Óxido de alumínio Carboneto de silício Fibras Óxido de alumínio Aramida (Kevlar 49) Carbono E-vidro Boro Carboneto de silício Polietileno Fios metálicos Aço de elevada resistência Molibdénio Tungsténio
Densidade relativa
Resistência à tração (GPa)
Resistência específica à tração (GPa)
Módulo de elasticidade (GPa)
2,2 3,2 4,0 3,2
20 5-7 10-20 20
9,1 1,56-2,2 2,5-5,0 6,25
700 350-380 700-1500 480
3,95 1,44 1,78-2,15 2,58 2,57 3,0 0,97
1,38 3,6-4,1 1,5-4,8 3,45 3,6 3,9 2,6
0,35 2,5-2,85 0,70-2,70 1,34 1,40 1,30 2,68
379 131 228-724 72,5 400 400 117
7,9 10,2 19,3
2,39 2,2 2,89
0,30 0,22 0,15
210 324 407
Fonte: Adaptada de Callister e Rethwisch (2011).
Os materiais classificados apenas como
mais tecno -científico ao mundo. Esses materiais
fibras possuem pequenos diâmetros, porém não
resultam da combinação entre um material que
tão pequenos quanto os wiskers. Neste grupo
serve de matriz e outro material que serve de
incluem-se, geralmente, tanto os polímeros fibro-
reforço ou enchimento. Os compósitos podem
sos como as cerâmicas fibrosas (por exemplo ara-
ser classificados quanto à origem da sua matriz
mida, vidro, carbono, boro, óxido de alumínio e
como: matriz cerâmica, matriz polimérica e
carbeto de silício), alguns deles já comentados na
matriz metálica. Além disso, podem ser, também
abordagem dos compósitos de matriz polimérica.
categorizados de acordo com o tipo de reforço
Por outro lado, os fios possuem diâmetros
que possuem: compósitos laminares, sandwich,
relativamente grandes. Os materiais que são, essen-
particulados e fibrosos. A ciência, por vezes, segue
cialmente, utilizados nesse tipo de fibras são o aço,
diferentes abordagens quando se depara com um
molibdénio e tungsténio. Esses fios são utilizados
novo problema. Na área da Química dos Materiais
como reforço radial em pneus de automóveis ou
existem duas grandes correntes de investigação:
enrolados no revestimento de mangueiras de alta
a investigação técnica e a investigação científica.
pressão. Na Tabela 5 apresentam-se algumas pro-
Apesar de a técnica ser bastante importante na
priedades de vários tipos de fibras consoante o seu
ciência, a investigação não pode subsistir à custa de
diâmetro médio.
abordagens puramente tecnicistas. Um olhar atento aos livros, revisões, artigos e outros materiais de pesquisa da especialidade provou que a abordagem
10. Considerações
72
finais
que tem sido tomada para investigar em Química dos Materiais é quase exclusivamente tecnicista.
Os compósitos fazem parte do grupo
Isso levanta uma dificuldade acrescida para o
dos novos materiais que aportam um aspeto
investigador/pesquisador que, antes de desenvolver
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
Uma Visão Geral Sobre Materiais Compósitos
um novo trabalho, quer analisar o estado da arte de um determinado tema. Discutindo especificamente a divulgação científica de materiais compósitos, pode dizer-se que existem imensos artigos que desenvolvem as potencialidades de um deter minado compósito, porém, é raro o artigo de pes quisa que forneça uma visão globalizante do que é um compósito e quais as suas generalidades.
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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
73
Artigo 06 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011
p. 75-82
Polímeros: abordagem do tema na opinião de professores do ensino médio Polymers: high school teachers´ opinions about its approach Denise Leal de Castro1 e Álvaro Figueiredo da Silva e Sá Júnior1
Resumo
A contextualização no ensino busca trazer o cotidiano para a sala de aula, ao mesmo tempo em que procura aproximar o dia a dia dos alunos do conhecimento científico. Tais ações, em disciplinas complexas como a Química, são extremamente importantes, O polímero, por sua vez, é um assunto em evidência e muitas pessoas sabem da sua importância para a sociedade; mas o que poucos conhecem é a enorme variedade de conceitos que podem ser desenvolvidos, em sala de aula, a partir desse tema. O presente estudo descreve a pesquisa feita com professores de colégios públicos estaduais do Rio de Janeiro, além de sugerir uma atividade experimental para o Ensino Médio na perspectiva de rompimento com a fragmentação e a linearidade dos conteúdos químicos. Trata-se de uma abordagem temática dirigida à contextualização e à significação das aprendizagens na formação escolar. Palavras-chave: Polímeros. Ensino de química. Livro didático. Contextualização. Abstract
The contextualization in teaching seeks to bring the everyday into the classroom, while seeking to bring the day-to-day student of scientific knowledge. Such actions in complex disciplines such as chemistry are extremely important. Polymer, for example, is a matter of evidence and many people know its importance to society. But what few know is the huge variety of concepts that can be developed in the classroom, based on this theme. The present study describes a survey of teachers in public schools in Rio de Janeiro state, and suggests an experimental activity for high school to prospect the 1
Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ.
breaking with the fragmentation, the linearity of the chemical contents. It is addressed to a thematic approach to meaning and context of learning in education. Key-words: Polymers. Chemistry teaching. Textbook. Contextualization.
1. Introdução
químicos auxiliassem na compreensão e resolução dos problemas (MEC, 1999).
Embora reconhecida a importância de ensinar
A necessidade de mudança é indiscutível, e
conhecimentos químicos inseridos em um contexto
muitas propostas sobre ensinar Química através de
social, político, econômico e cultural, o cenário que
eixos temáticos tem sido apresentadas nos vários
se apresenta não é satisfatório com relação a esse
grupos de Ensino de Química distribuídos pelo
aspecto. Observa-se com frequência que a seleção,
país e publicadas em revistas especializadas.
a sequenciação e a profundidade dos conteúdos
Possivelmente, com a hipótese de que o
estão orientadas de forma estanque, acrítica, o que
pensamento químico se paute pela reflexão sobre
mantém o ensino descontextualizado, dogmático,
o mundo material, os eixos temáticos têm sido
distante e alheio às necessidades e anseios da
propostos como tentativa de que, ao refletir sobre
comunidade escolar.
as coisas do meio, tais como ar, água, seres vivos
As aulas de Química ainda são desenvol-
e outros que tenham relação com a vivência do
vidas, em muitas escolas, por meio de atividades
aluno, contemplem, também, o conteúdo mínimo
nas quais há predominância de um verbalismo
da disciplina de Química, levando o aluno a sentir
teórico/conceitual desvinculado das vivências dos
necessidade do conhecimento químico, perceber
alunos, contribuindo para a formação de ideias/
sua importância e gostar desse conhecimento
conceitos em que parece não haver relações entre
(Chassot, 1995).
ambiente, ser humano e tecnologia (Lopes, 2004). Da problemática acima levantada deriva a ideia de contextualização. Contextualização é entendida aqui como um dos recursos para realizar aproximações/inter-relações entre conhecimentos
76
2. Polímeros
como ferramenta de contextualização
escolares e fatos/situações presentes no dia a dia
É de fundamental importância que o ensino
dos alunos. Contextualizar seria problematizar, in-
de Química seja relevante ao estudante. Isto é, que
vestigar e interpretar situações/fatos significativos
possa ser relacionado com o seu dia a dia, com
para os alunos de forma que os conhecimentos
assuntos que afetam a sua vida e a sociedade em
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
Polímeros: abordagem do tema na opinião de professores do ensino médio
que ele se insere. Como questiona Chassot (1990),
relevante para a sua vida e para a sociedade, este
em seu livro A educação no ensino de química,
trabalho teve como objetivos: tratar dos conceitos
Por que não ensinar química partindo da realidade dos
da Química dos Polímeros, utilizando-o como tema
alunos, escolhendo (ou deixando os alunos escolherem)
contextualizador, ressaltando o significado cien-
temas que são de seu interesse?
tífico e o contexto tecnológico e social nos quais
Neste contexto, os polímeros constituem
estão inseridos; fornecer conhecimentos relevantes
um tema de indiscutível importância para o homem
ao assunto, que possam servir de ferramenta cul-
moderno. Quando pensamos em polímeros vemos
tural para o jovem participar ativamente da socie-
que, sem dúvida, dificilmente desfrutaríamos do
dade moderna e; desenvolver novas estratégias que
mesmo conforto que temos atualmente se eles não
possam ser utilizadas em sala de aula para a dis-
estivessem presentes em nosso dia a dia. Tubos de
cussão de conceitos fundamentais na compre ensão
encanamento, canetas, lapiseiras, sacos de lixo e
da química dos polímeros.
sacolas de compra, colchões, cobertores de fibras acrílicas, roupas de náilon e de poliéster, guarda-chuvas e guarda-sóis, válvulas, tintas, borrachas,
3. Metodologia
espumas sintéticas, eletrodomésticos em geral,
3.1. Dados
computadores, carros, bicicletas, próteses etc. são objetos ou materiais pertencentes ao grupo dos polímeros. Como se não bastasse, são praticamente insubstituíveis. Não sem razão que já se convencionou chamar o nosso tempo de A Era dos Polímeros. Além disso, o polímero é um assunto constantemente discutido na televisão e nos jornais devido à sua influência na economia, sendo um tema de fácil abordagem interdisciplinar. Outro aspecto importante no ensino de química é a experimentação, quase sempre ausente em nossas escolas, mesmo sendo a química uma ciência experimental por definição. Entretanto, a falta de laboratórios, equipamentos e reagentes é obstáculo bem conhecido à viabilização de aulas práticas. Neste trabalho, o assunto polímeros é proposto como tema incentivador na aprendizagem de tópicos do programa de Química, como o estudo de hidrocarbonetos, propriedades físicas das substâncias (ponto de ebulição e solubilidade) e reciclagem. A sugestão para o uso desse tema, descrita neste trabalho, pode ser aplicada com os alunos da 3ª série do Ensino Médio Partindo do pressuposto de que o ensino médio deve oferecer ao educando um aprendizado
para análise da abordagem pelos professores
O material utilizado, para levantamento de dados em relação à abordagem do tema polímeros pelos professores do ensino médio, é o questionário direto, respondido por profissionais das áreas de Química e Biologia. Na FAETEC – Centro de Ensino Integrado de Quintino – foram entrevistados 18 professores de Química e 7 de Biologia, enquanto no IERP – Instituto de Educação Rangel Pestana – foram entrevistados 7 professores de Química e 3 de Biologia. Para a coleta de dados foi elaborado um questionário contendo as sete questões específicas, descritas a seguir, que foram respondidas através de entrevistas individuais. i) O tema polímero é abordado pelo professor? ii) Há a tentativa de trabalhar o tema junta mente com professores de outras disciplinas? iii) Esta tentativa é efetivada? iv) O livro didático é usado como guia para a abordagem do tema na sala de aula? v) O livro didático supre plenamente a sua necessidade no tema polímeros?
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
77
Denise Leal de Castro e Álvaro Figueiredo da Silva e Sá Júnior
vi) É realizada a contextualização do tema
3.4. Análise
com o cotidiano do aluno?
de dados
1. Explique o que você observou quando
vii) É realizada alguma prática ou demons-
misturou as duas soluções.
tração para o ensino do tema?
2. Que tipo de material foi formado? Que material deste tipo existe no nosso
Após a coleta de dados, a proposta de um
cotidiano?
experimento simples e de baixo custo foi feita aos professores e aplicada aos alunos. O experimento escolhido foi “Como se faz um polímero em casa” (Mól, 2005), cujo procedimento é descrito a seguir. 3.2. Material
utilizado e reagentes
• bórax (Na2B4O7 – pode ser comprado
4. Resultados 4.1. O
tema polímeros é abordado pelo professor?
em farmácia);
• cola branca; • anilina (corante para bolo); • 2 Béqueres de 250 mL; • proveta de 50 mL ou copo de café de 50 mL; • bastão de vidro (ou palito de picolé). 3.3. Procedimento
1. Prepare a solução diluindo 1 colher de sobremesa (4 gramas) de bórax em 100mL de água em um béquer; 2. Em outro béquer coloque 50 mL de cola branca e adicione 50 mL de água; misture bem com um bastão de vidro; 3. Adicione um pouco de corante à mistura da cola e misture bem;
se o tema polímeros era abordado em suas aulas, 32 professores responderam positivamente e 3 professores responderam negativamente. Das 3 respostas negativas, 2 respostas são de professores de Biologia e 1 resposta é de professor de Química. Os 3 professores que não abordam o tema em suas aulas, justificaram esse fato com a falta de tempo, uma vez que possuem apenas 2 tempos de 45 minutos cada, por semana. Ressaltam, ainda, que muitos tópicos que julgam de elevada importância para o aluno, ficam pendentes pelo mesmo motivo. 4.2. Há
a tentativa de trabalhar o tema juntamente com professores de outras disciplinas?
4. Adicione a solução de bórax à mistura
Quando questionados se ocorre alguma ten-
da cola e agite bem o bastão de vidro.
tativa de trabalhar o tema polímeros de forma inte-
Observe;
grada com outras disciplinas, buscando a interdis-
5. Separe o material formado e manipule-o com as mãos; 6. Lave bem as mãos depois de manipular os materiais; 7. Se quiser você pode fazer o experimento com outro tipo de cola.
78
Quando os professores foram questionados
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
ciplinaridade, apenas 13 dos 32 professores que trabalham com o tema polímeros afirmam promover essa integração. Dos 19 professores que negaram buscar a interdisciplinaridade, 6 deles justificam pela falta de colaboração dos profissionais de outras disciplinas, 9 deles justificam com a falta de tempo
Polímeros: abordagem do tema na opinião de professores do ensino médio
para planejamento em conjunto com outros profis sionais e 4 deles alegam nunca ter tentado tal ação. 4.3. Esta
tentativa é efetivada?
Entre os 13 professores que deram uma resposta positiva quando questionados sobre a pro moção da interdisciplinaridade, apenas 1 professor conseguiu efetivar tal tentativa. O único professor que conseguiu promo ver a interdisciplinaridade, com o tema polímeros, afirma que isso foi possível devido a um projeto de toda instituição, que tinha como tema gerador a reciclagem, logo todas as disciplinas tinham que trabalhar ao redor deste tema. Esse professor afirmou, também, que tal tema foi abordado durante 4 meses letivos e, posteriormente, essa interdisciplinaridade não foi mais alcançada. O restante dos professores, que afirmaram não conseguir efetivar tal interdisciplinaridade, alegaram encontrar grandes obstáculos quando propuseram tal ação coletiva às direções das ins tituições. Analisando tal alegação desses professores, houve, então, um questionamento extra: Há chance de uma nova proposta buscando a interdiscipli naridade? A resposta unânime foi a de que na mesma instituição não haveria chance de uma nova proposta por parte do profissional. 4.4. O
livro didático é usado como guia para a abordagem do tema na sala de aula?
Quando os 32 professores foram questio nados se o livro didático era usado como guia para abordar o tema polímeros em sala de aula, 30 responderam positivamente e apenas 2 respon deram negativamente. Os 2 professores que responderam negati vamente a essa questão, afirmam que usam os livros didáticos como meio para relembrar os tópicos principais do assunto, mas planejam suas aulas através de fontes diversas, dentre elas, a internet.
Quando foi solicitado que esses professores mos trassem o plano das aulas, um deles respondeu não possuir um planejamento de aula formalizado enquanto outro apresentou um plano de aula datado de 2002. Quando questionado sobre a necessidade de apresentar um plano de curso atualizado para aprovação pela instituição, o primeiro professor informou que apresenta um mesmo plano de curso já aprovado no ano anterior, mas não o segue em sala. Já o segundo, alega que, embora a data seja de 10 anos passados, o mesmo ainda se encontra atualizado; ele informa, também, que antes de ministrar a aula sobre o tema, se atualiza com informações retiradas da internet e livros mais recentes. 4.5. O
livro didático supre plenamente a sua necessidade no tema polímeros?
Os 30 professores que responderam à questão (4), responderam de forma concordante, que embora usem o livro didático como guia, ele não atende plenamente as necessidades para abordar o tema polímeros. Isso acontece porque se trata de um tema em constante mudança e avanço e pela razão da maioria dos livros didáticos encontrados serem da década de 1990. Então, aproximadamente 80% desses professores dizem que, antes de aplicar um tópico em sala de aula, seja ele qual for, as informações retiradas dos livros didáticos devem ser atualizadas e com plementadas com informações retiradas de meios mais dinâmicos, como internet e revistas. 4.6. É
realizada a contextualização do tema com o cotidiano do aluno?
Quando os professores entrevistados fo ram questionados se quando abordam o assunto polímeros em suas aulas, procuram contextualizar o tema com o cotidiano do aluno, foi obtida em 100 % dos casos a resposta positiva.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
79
Denise Leal de Castro e Álvaro Figueiredo da Silva e Sá Júnior
Eles justificam suas respostas com a facilidade de obtenção de informações nos diversos meios de comunicação, assim como na variedade de formas com as quais os polímeros estão presentes no cotidiano do aluno, facilitando, assim, a contextualização sem muito esforço por parte do
6. Discussão
Com os resultados obtidos pode-se verificar que a maioria dos professores percebe o tema polímeros como um assunto de grande importância para a formação dos alunos. Este fato se confirma
professor.
com a fração significante de professores de
4.7. É
de aula, embora muitas vezes não aproveitassem
química e biologia que abordam o tema em sala
realizada alguma prática ou demonstração para o ensino do tema? Dos 32 professores que trabalham com o
assunto, 7 afirmam que levam materiais dos diferentes polímeros para mostrar para a turma e 2 deles dizem que, ao final do período letivo, trabalham o tema com seminários apresentados pelos alunos, nos quais cada grupo trata de um material diferente. O restante, ou seja, 26 professores afirmam que trabalham apenas com aulas expositivas.
o pleno potencial do tema em momentos diversos dentro destas disciplinas. Outro fator que afeta de forma impactante o potencial do tema é a não promoção da interdisciplinaridade, fator de grande importância para que os alunos do ensino médio percebam que a química não é uma disciplina isolada e que esta caminha com outras disciplinas de forma integrada, mostrando, assim, a importância das disciplinas no seu dia a dia, objetivando o aumento do interesse do aluno nos estudos. Com essa pesquisa foi pos-
5. Análise
dos dados do experimento
A maioria dos alunos respondeu que foi muito interessante participar do experimento e que gostariam de fazer mais atividades deste tipo. Seguem algumas falas dos alunos: “... muito legal, a mistura ia ficando mais dura e difícil de mexer...” “... dá para fazer artesanato com este polímero?” “Todo polímero é feito de cola?” Foi explicado que a cola é um polímero chamado PVA (poli acetato de vinila), cujo monômero é o etanoato de etenila (acetato de vinila). Entretanto, ao adicionarmos o bórax, promovemos novas reações de polimerização, unindo os polímeros já existentes por meio de novas ligações feitas com o íon borato. Dessa forma, obtemos um novo polímero, com propriedades físicas diferentes das existentes nas substâncias inicias.
80
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
sível se verificar que, mesmo com carga horária curta e sem motivação, alguns professores ainda assim, tentam buscar a interdisciplinaridade, mas esses esbarram, algumas vezes, com a falta de interesse de outros professores ou, quando não é isso, com a estrutura administrativa da instituição de ensino, fazendo com que estes profissionais se revoltem e não procurem mais promover tal ação. Embora a interdisciplinaridade não seja promovida pelos professores, a contextualização, por sua vez, é amplamente utilizada na abordagem do tema polímeros, o que é extremamente positivo para a melhoria do aprendizado do aluno. Esse fato ocorre devido à facilidade de obtenção de materiais, informações e a constante presença do assunto nos diversos meios de comunicação, o que permite aos professores promover tal ação mesmo existindo tantas barreiras a serem ultrapassadas por estes profissionais. Uma ferramenta muito útil para a contextualização em sala de aula é o uso de aulas
Polímeros: abordagem do tema na opinião de professores do ensino médio
experimentais, uma vez que se estabelece um es-
o tema é usado pela maioria dos professores de
paço para a experimentação, pré-requisito funda-
forma contextualizada, ajudando na aprendizagem
mental e ponto de partida do concreto para o
dos alunos. Entretanto, devido à deficiência de
abstrato, do prático para o teórico, trazendo para
recursos materiais e humanos, o assunto polímeros
a vida do aluno uma experiência prática sobre
não é explorado de forma plenamente satisfatória,
um assunto. Segundo o que observamos neste
podendo render muito mais do que hoje rende
trabalho, essa ferramenta ainda não é utilizada por
como ferramenta de contextualização.
falta de recursos financeiros ou humanos.
Finalmente, constatamos, também, que a
A receptividade ao experimento foi muito
realização de experimentos é um método facili-
grande e a maioria dos alunos reconheceu que
tador e motivador para despertar o interesse dos
existem vários polímeros entre os objetos que eles
alunos sobre determinados temas, entre eles o
usam diariamente. Entre os alunos, a vontade de ter
tema polímeros.
aula práticas que abordem outros temas é unânime.
REFERÊNCIAS 7. Conclusão
Os resultados deste trabalho indicam que os professores de ensino médio, dentro de suas condições, estão interessados na temática relacionada com os polímeros, pois o tema tem sido bastante discutido, embora não com a ênfase merecida. Observa-se, também, que não há diferença significativa de visão entre professores de diferentes escolas. De uma forma geral, eles mostraram-se interessados em ter uma ferramenta de apoio ao ensino de Química e Biologia. Contudo, esses professores, por encontrarem diversas barreiras em sua vida profissional, se baseiam nos livros didáticos para planejar suas aulas. Diante do objetivo proposto, de avaliar se o tema polímeros é abordado de forma contextualizada, a fim de favorecer a ampliação da aprendizagem do aluno do ensino médio, conclui-se que
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Relato 01 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011
p. 83-86
Caracterizando Fenóis com Um Reagente Preparado com Esponja de Lã de Aço para Limpeza e Ácido Muriático Characterizing phenol with a reagent prepared from sponge steel wool and commercial hidrochloric acid Sebastião F. Fonseca1, Karina S. Souza e Maria Cristina Santos2
Resumo
Neste trabalho relatamos a preparação de um reagente usando esponja de lã de aço para limpeza e ácido muriático (ácido clorídrico comercial), sua reação com cinco substâncias fenólicas e a formação de complexos coloridos. O experimento descrito pode ser executado em um período normal de aula ministrada no ensino médio com materiais comercialmente acessíveis e de baixo custo. Palavras-chave: Fenóis. Esponja de lã de aço. Ácido muriático. Abstract
This work reports the preparation of a reagent, by the use of steel wool sponge for cleaning and commercial hydrochloric acid, its reaction with five phenolic substances and the formation of colored complexes. The described experiment can be executed in an usual class period with low prices and commercially accessible materials. Key-words: Phenols. Steel wool sponge. Commercial hydrochloric acid.
1
Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas (IQ-UNICAMP), Campinas-SP. E-mail: sfonseca@iqm.unicamp.br
2
Os autores agradecem o apoio e o incentivo dos Grupos de Ensino de Química do Instituto de Química da UNICAMP.
1. Introdução
Um reagente que produz complexos coloridos com fenóis pode ser preparado facilmente
A caracterização de grupos funcionais
a partir do ácido muriático (HCl comercial) e da
empregando reações típicas é um dos aspectos
esponja de lã de aço para limpeza. As substâncias
mais
Orgânica,
a serem testadas são comercialmente acessíveis e
especificamente, da parte referente à Análise
o experimento pode ser realizado em um período
Orgânica. Essas reações, geralmente, são pouco
normal de aula.
importantes
da
Química
executadas em laboratórios do ensino médio pela
As substâncias contendo grupo hidroxila
não disponibilidade de reagentes. No entanto,
fenólico utilizadas no experimento foram ácido
materiais acessíveis e baratos podem oferecer
salicílico (1) preparado por hidrólise básica do
alternativas interessantes (Fonseca; Gonçalves,
ácido acetilsalicílico; 1a), eugenol; (2) óleo de
2006; Fonseca; Gonçalves, 2004; Hess, 1997).
cravo, vanilina; (3) aromatizante de alimentos,
O
O
OH
C
CH3O
CH3O
HO
HO
C H
OH 1
2
3
O
H
O CH3
C O
O
OH
C OH
N
C
C
OCH3
O
HO 1a
4
Figura 1. Estruturas das substâncias fenólicas 1-5.
84
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
5
CH3
Caracterizando Fenóis com Um Reagente Preparado com Esponja de Lã de Aço para Limpeza e Ácido Muriático
salicilato de metila; (4) medicamento e paracetamol
3. Resultados
(5) medicamentos, mostrados na Figura 1.
e discussão
Ferro metálico em presença de HCl é transformado em íons Fe
2. Parte
2+
com liberação de 2+
hidrogênio (Esquema 1). Os íons Fe são oxidados
experimental
a Fe 3+
3+
pelo oxigênio do ar (Hess, 1997). Fe
2+
e
do reagente (FeCl2/FeCl3)
Fe formam complexos coloridos com moléculas
Colocar em um béquer de 50 mL metade
que possuem grupos substituintes “doadores”
2.1. Preparação
de uma esponja de lã de aço e adicionar, cuidadosamente, 10 mL de uma solução de HCl comercial/água (1:1). Deixar a reação se processar durante 15 minutos (agitar ocasionalmente a mistura, com cuidado, através de um pequeno bastão de vidro) e depois verter a solução obtida em outro recipiente. Diluir a solução resultante com 20 mL de água destilada, neutralizar com solução aquosa de bicarbonato de sódio (10%) e filtrar usando um chumaço de algodão. Utilizar essa solução para os testes com fenóis.
de elétrons ou ânions com essa característica (ligantes). Os fenóis estão entre as substâncias que produzem esses complexos (Mahan, 1970; Mano, 1987). Fe + 2H+ Fe2+ + 1 O2 + 2H+ 2 Fe2+ + Fe3+ +
Fe2+ + H2 Fe3+ + H2O OH complexo de cor azul
Esquema 1. Formação dos íons Fe2+/Fe3+ e do complexo colorido.
2.2. Reações
dos fenóis com solução de FeCl2/FeCl3
O reagente para detecção de fenóis foi
Preparar em cinco tubos de ensaio, ou
preparado com metade de uma esponja de lã
em frascos de vidro transparente, as soluções
de aço e 20 mL de uma solução aquosa 1:1 de
das substâncias fenólicas – ácido salicílico (1)
ácido muriático (HCl comercial), em béquer
preparado pela hidrólise de 1a, ácido acetilsalicílico
(ou outro recipiente compatível). A reação se
(Aspirina , Melhoral
ou AAS ); eugenol (2)
processou durante 15 minutos, sob agitação
ou
cuidadosa com um bastão de vidro. A solução foi
similar); (4) paracetamol; (5) – dissolvidas em
vertida para outro recipiente, diluída com 10 mL de
1 mL de etanol comercial ou em 1 mL de solução
água, neutralizada com solução saturada de NaHCO3
de acetona-etanol (1:1).
e filtrada sobre um chumaço de algodão. A solução
vanilina; (3) salicilato de metila (Gelol
Utilizar cerca de 4-5 gotas de cada
resultante, contendo FeCl2/FeCl3), foi utilizada nos
substância líquida (1-4) e a metade de um
testes para substâncias fenólicas. A detecção de
comprimido triturado de (5). Adicionar a cada
fenóis foi realizada com soluções (cerca de 1 mL)
solução de substância fenólica algumas gotas da
das substâncias 1, 2, 3, 4 e 5 (4-5 gotas ou meio
solução aquosa de FeCl2/FeCl3, agitar, observar a
comprimido), dissolvidas em etanol ou etanol-acetona
mudança de coloração e comparar os resultados
(1:1) comerciais e adição de 1-3 gotas da solução
obtidos.
aquosa de FeCl2/FeCl3. A coloração azul-violeta
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Sebastião F. Fonseca, Karina S. Souza e Maria Cristina Santos
característica de complexos de íons Fe2+/Fe3+ com
lado, com exceção do ácido muriático para
fenóis foi bem visualizada para o ácido salicílico (1),
limpeza, os reagentes utilizados não apresentam
o eugenol (2) e a vanilina (3), mas não foi tão eviden-
qualquer risco para a saúde e podem ser
te para o salicilato de metila (4), além de não causar
manipulados no interior das salas de aula. Apesar
nenhuma mudança significativa no paracetamol (5).
dessa simplicidade, esses testes permitem que o
É provável que a presença de grupos substituintes
professor faça uma série de considerações sobre
como –COOCH3 e – NHCOCH3 interfira na comple-
procedimentos experimentais e sua importância
xação do grupo hidroxila fenólico com os íons
na Química e em nosso cotidiano.
de ferro. REFERÊNCIAS 4. Considerações
finais
Além da caracterização de substâncias
______. Química Nova na Escola. n. 20, p. 55-58, 2004.
que apresentam grupo hidroxila fenólico, o
HESS, S. Experimentos de Química com materiais domésticos. São Paulo: Editora Moderna, 1997.
experimento permite abordagens sobre reações de metais com ácidos minerais e conceitos relacionados e pode ser realizado em um período normal de aula. A facilidade de obtenção dos insumos necessários para a realização desses testes permite que eles sejam aplicados em qualquer estabelecimento de ensino. Por outro
86
FONSECA, S. F.; GONÇALVES, C. C. S. Revista Brasileira de Ensino de Química, v. 1, n. 1, p. 9-12, 2006.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Relato 02 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011
p. 87-98
Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública A Methodological Proposal to Work Chemistry Contents with Public School Students from EJA Jackson da Silva Santos1, Daguia de Medeiros Silva, Ana de Fátima Costa da Silva e Jeovane Jefferson Soares de Oliveira Resumo
A disciplina de química não é fácil de ser compreendida pelos alunos, principalmente pelos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Despertar o interesse e a curiosidade desses alunos em relação à Química requer do professor muita criatividade. Foi a partir dessa observação que notamos uma necessidade de se fazer uma mudança na proposta metodológica para os professores da EJA que lecionam na Escola Estadual Instituto Vivaldo Pereira, em RN. Foram entrevistados, através de um questionário, 41(quarenta e um) alunos, no qual os mesmos puderam responder a 09 (nove) perguntas objetivas, sobre como estavam acontecendo as aulas, e 01(uma) discursiva, em que eles deram sugestões para melhorar as aulas de química. Com os resultados obtidos, através dos questionários, observamos que apesar da maioria dos alunos gostar de química, suas dificuldades são acentuadas pela não utilização de laboratório, o que dificulta a relação entre a teoria e a prática. Percebemos também que tanto o professor quanto os alunos consideram que a carga horária da disciplina de química é insuficiente e que seriam necessárias mais aulas de laboratório. Palavras-chave: Proposta metodológica. EJA. Laboratório. Motivação.
1
Mestre em ensino de Química e doutorando em química na área de eletroquímica e corrosão – PPGQUFRN.
AbSTRACT
The discipline of chemistry is not easy to be understood by students, especially for the Education of Youth and Adults (EJA). Arousing the interest and curiosity of these students requires of the chemistry teacher a lot of creativity. It is from this point that we see the need to make a change in methodology for the teachers who teach in EJA, in the public school Vivaldo Pereira Institute, RN. Were interviewed using a questionnaire, 41 (forty-one) students, in which they could respond to 09 (nine) objective questions about how they were the classes going, and 01 (a) discursive, giving suggestions to improve Chemistry classes. With the results obtained through the questionnaires, we discovered that although most students like chemistry, their difficulties are accentuated by the non-use of the laboratory, which difficult the relationship between theory and practice. We also realize that both the teacher and the students feel that the workload of the discipline of chemistry is insufficient and that would be required more lab classes. Key-words: Methodological proposal. Youth and Adults’ Education. Laboratory. Motivation.
1. Introdução
A Educação de Jovens e Adultos, EJA, é o segmento de ensino da rede escolar pública brasileira que recebe os alunos que não concluíram os estudos referentes à Educação Básica em idade apropriada e querem voltar a estudar. A EJA tem o objetivo de restaurar o direito à educação, uma vez negado a estes jovens e adultos, oferecendo a eles igualdade de oportunidades para entrada e permanência no mercado de trabalho e qualificação para uma educação permanente.2 Aprender química parece ser um desafio muito grande para os alunos, principalmente, para os que fazem parte da modalidade EJA. A forma com que a disciplina de química é ministrada pode possibilitar uma significativa aprendizagem por parte desses estudantes, fazendo com que eles se sintam motivados a estudar e a aprender química. Podemos observar que, em geral, o público que frequenta a EJA é formado de pessoas que,
do trabalho e/ou motivados pelo compromisso de sustento da família), e depois de adultos estão tentando recuperar o tempo perdido. Por isso, esses estudantes têm dificuldades de acompanhar e de absorver o conteúdo visto em sala de aula. Esse fato é agravado pela própria jornada de trabalho e por uma rotina cansativa que faz com que tenham pouco tempo para estudar. O processo de aprendizagem do conhecimento nunca está acabado, e pode enriquecerse com qualquer experiência. Neste sentido, ligase cada vez mais à experiência do trabalho, à medida que este se torna menos rotineiro. A educação primária pode ser considerada bem sucedida se conseguir transmitir às pessoas o impulso e as bases que façam com que continuem a aprender ao longo de toda a vida, no trabalho, mas também fora dele (Delors, 2011).
por algum motivo, não tiveram oportunidade de
Com isso, este trabalho pretende apresentar
se inserir em uma escola na idade adequada, ou
uma proposta metodológica para trabalhar as-
que tiveram que sair dela (muitas vezes, em razão
suntos do cotidiano com esses alunos, fazendo com que aprendam química com seu próprio dia
2
88
Disponível em: <http://viviane.meister-gamer.tripod.com/ id15.html>. Acesso em: 06 set. 2011.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
a dia, e tornando o ensino de química significativo para esse público.
Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública
Para que a aprendizagem seja significativa
tudo, as aulas sejam produtivas e agradáveis. No
para os jovens e adultos, o ensino de química
ensino regular, a maioria dos alunos é adolescente,
precisa estar de acordo com a sua realidade, ou
dependentes de pais e/ou responsáveis, e muitos
seja, é preciso fazer uma adequação metodológica,
acabam frequentando a escola por obrigação. Na
correlacionando os conteúdos aplicados em sala de
EJA, estes alunos já são adultos, na maioria das
aula com os seus cotidianos, utilizando o material
vezes independentes e, por isso, a escola precisa
didático voltado e direcionado como meio de
ser alegre e prazerosa.
educação para a vida de cada um. A metodologia precisa interagir com atividades que envolvam o aluno e que façam com que ele se sinta um ser capaz de pensar e de criar suas próprias construções, pois, quando o aluno começar a ver e observar que a Química é fascinante de se aprender, ele irá se sentir motivado a estudá-la e aprendê-la. Este trabalho traz uma nova proposta metodológica para os professores das turmas de EJA da escola estadual Instituto Vivaldo Pereira, localizada na Rua Candido Mendes nº 511, Centro, na cidade de Currais Novos-RN.
No ensino de química para adultos constatase que esta disciplina oferece uma série de dificuldades ao estudante, começando pela necessidade de se fazer relações, inferências e, também, de se recorrer a modelos muito teóricos, que muitas vezes parecem desinteressantes para o adulto, que não vendo interesse e relação com seu cotidiano, acabam por abandonálos (Lima, 2009).
Podemos observar que, quando a química é trabalhada com o cotidiano do aluno, as aulas se tornam mais proveitosas e interessantes para o estudante da EJA, pois, quando é trabalhada
2. Fundamentação
teórica
A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade de ensino que busca desenvolver o nível fundamental e médio com competência e qualidade para aqueles que estão fora de faixa ou que não tiveram oportunidade e continuidade de
a junção entre teoria e prática, esses sentem se motivados a estudar. Num outro sentido, os cálculos que a referida disciplina requer, costumam ser um grande problema, pois as dificuldades acumuladas na disciplina de matemática acabam por interferir na compreensão dos cálculos necessários à química.
estudo na idade adequada. Os alunos da EJA são,
O Parecer CNE/CEB 11/2000 propõe que
geralmente, trabalhadores (as), empregados (as)
a duração e o limite de idade dos cursos sejam
e desempregados (as) que não tiveram acesso à
nacionalmente definidos, especialmente porque
cultura letrada (Letelier, 1999).
com o incremento de projetos de Educação à
Frequentemente, é observado nos alunos
Distância, exige-se este regramento (Brasil, 2000).
da EJA, além da baixa autoestima, o desinteresse,
Desde 2000, os cursos oficiais que culminam
atrasos e, na maioria das vezes, a baixa frequência
com a expedição de certificados, devem ter a
às aulas. Com isso, pode ser que alguns professores
duração mínima de 02 anos e 01 ano e meio,
percebam que, o que é feito no ensino regular não
respectivamente, para o Ensino Fundamental e para
traz os mesmos benefícios na modalidade em
o Ensino Médio. Observa-se que, em comparação
questão. Nesse sentido, o risco de se perder um
com o tempo numa turma regular, há uma redução
aluno da EJA é grande, e é preciso que, acima de
pela metade ou até menos, algo provavelmente
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
89
Jackson da Silva Santos et al.
implicativo no desenvolvimento do professor e ,
importante
se
pensar
o
trabalho
consequentemente, no aprendizado do aluno. Do
pedagógico da EJA de forma que o educando
ponto de vista pedagógico esse tempo é o que
participe do desenvolvimento da sociedade
se considera para que jovens e adultos iniciem
(Santos, 2007). Por isso, os educadores, devem
e concluam os estudos, independentemente da
ter a responsabilidade de criar ou de modelar
forma de oferta (presencial ou à distância) ou das
metodologias que venham a alcançar o interesse
características dos diversos projetos pedagógicos.
do aluno, de forma que a escola atinja seu objetivo
Dessa maneira, tratando-se de cursos formatados
social e tenha sucesso, sem evasão e repetência nas
para alunos que não tiveram acesso a esses, o
séries que compõem o currículo.
parecer CNE\CEB 11/ 2000 propõe parâmetros
A disciplina de química, muitas vezes, se
em relação à idade mínima, em nível nacional, ao
torna difícil de ensinar para os jovens e adultos;
início do curso, sendo para o ensino fundamental
com isso, eles ficam sujeitos a não aprender os
de 15 anos e, para o ensino médio, de 18 anos.
conteúdos, pois muitos educadores vão para sala
A vontade de aprender do adulto é grande
de aula transferir conteúdos teóricos, fazendo
e, por isso mesmo, deve se cuidar para que esse
com que seja dificultada a aprendizagem para
aluno permaneça na instituição escolar (Peluso,
esses indivíduos. Os métodos tradicionais e as
2003). O aluno da EJA traz consigo uma bagagem
abordagens de transferência de conhecimento são
de experiências que envolvem conhecimentos
penosos, precisamente porque não funcionam! Por
e saberes vividos ao longo dos anos, por isso,
essa razão, geram enorme resistência estudantil
o aluno espera um acolhimento da escola e do
que temos que contornar na sala de aula (Freire,
professor ao assistir uma aula. O educador deve
1986).
aproveitar o conhecimento de vida (comum) que
Os professores têm dificuldades para
esses alunos têm para valorizar e unir o senso
entender o porquê de seus alunos não com
comum à Ciência.
preenderem o que lhes é ensinado (Bachelard,
É preciso planejar aulas motivadoras para
1996). Possivelmente, isso acontece por falta de
ajudar o aluno a identificar o valor e a utilidade
organização, de falta de interesse em se conhecer
do estudo, pois estamos lidando com diferentes
seu aluno e o ambiente escolar em que está inserido
grupos sociais e de realidades distintas; por isso,
para poder enfrentar os obstáculos encontrados por
a motivação implementada pelo professor é uma
cada aluno em sala de aula.
estratégia bastante eficaz, levando-se em conta os saberes que esses alunos já têm, fazendo-os reconhecer esses múltiplos saberes, sua validade para a vida e seus limites. Paulo Freire diz em seu livro A pedagogia do oprimido que não há nada melhor para o desenvolvimento dos alunos do que o respeito aos conhecimentos com os quais o aluno já chega ao adentrar a escola, sendo o dever do professor e mesmo da instituição o de instigar para
90
É
Para ser um ato de conhecimento, o processo de alfabetização de adultos demanda, entre educadores e educandos, uma relação de autêntico diálogo. Aquela em que os sujeitos do ato de conhecer (educador-educando; educando-educador) se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhe cido (Freire, 2002).
que esses conhecimentos sejam ampliados e até
Como podemos observar, o estudante
mesmo melhor entendidos em um contexto amplo
aprende melhor e prioriza seus conhecimentos
(Freire, 1996).
quando há uma relação de diálogo entre professor
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública
e aluno; assim, eles se sentem capazes de por em
vão se sentindo desmotivados e impossibilitados
prática seus próprios conhecimentos e isso faz
de absorver tais conteúdos. Dessa maneira, diante
com que esses alunos se sintam preparados para
de tantos obstáculos encontrados por estes alunos,
enfrentar as mudanças ocorridas ao seu redor.
a evasão acaba se tornando frequente nessa
A prática pedagógica deve preocupar-se em desenvolver quatro apren dizagens fundamentais: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas. Finalmente, aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes (Delors, 2011).
As ações na EJA ainda estão muito isoladas e a organização do trabalho pedagógico muito disperso, sendo a carência de formação dos educadores um dos motivos principais. A EJA tem, entretanto, um admirável potencial, com sua flexibilidade curricular, com profissionais crescente
modalidade. Nesse sentido, é preciso se considerar que a evasão escolar é uma situação problemática, que se produz por uma série de determinantes (Ceratti, 2008). Os motivos para o abandono escolar podem ser ilustrados quando o jovem ou o adulto deixam a escola para trabalhar; quando as condições de acesso e segurança são precárias; os horários são incompatíveis com as responsabilidades que se viram obrigados a assumir; evadem por motivo de vaga, de falta de professor, da falta de material didático e, também, abandonam a escola por considerarem que a formação que recebem não se dá de forma significativa para eles (Campos; Oliveira, 2003).
mente conscientes da necessidade de mudança
É nesse sentido que enxergamos a
e em busca da diminuição da evasão provocada
necessidade de aulas mais dinâmicas, ou seja,
pela lacuna preparatória e pelos conteúdos ocos de
de aulas experimentais que sejam uma fonte de
significado. Considera-se que transformações nessa
estímulo para os educandos. No entanto, aulas
modalidade poderão desembocar em modificações
práticas no laboratório seriam uma forma didática
na educação em geral e, assim, na sociedade em que
de que o professor deve lançar mão, fazendo a
vivemos (Muenchen; Auler, 2007).
junção entre teoria e prática, consequentemente,
Tendo em vista que, nesta escola, o número
o uso dessa ferramenta será positivo quando
de aulas por semana é de quatro por turma, e
os experimentos químicos lhes propuserem
que a química só é vista no primeiro semestre de
conhecimento do que foi visto em sala de aula.
cada ano, é como se fossem duas aulas por semana
Para que a aprendizagem aconteça entre
por um período de doze meses. Dessa maneira,
os alunos de química a metodologia aplicada na
fica impossibilitada uma abordagem completa
sala de aula precisa ser criativa e envolvente,
de todos os conteúdos, compreendendo as difi
pois, quanto mais experimentos são trabalhados
culdades na interpretação de questões, execução
com o estudante, maior será o seu aprendizado.
de exercícios, atividades em grupo e aulas práticas
Quando esses experimentos são trabalhados com o
em laboratório. Além disso, deve se levar em conta
cotidiano do aluno, e o mesmo é envolvido nessas
a carga horária de trabalho do dia a dia desses
atividades, eles se sentem realizados e motivados a
alunos que, muitas vezes, cheios de ocupações,
aprender e a continuar a estudar.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Jackson da Silva Santos et al.
A maioria das pessoas aprende melhor de maneira experimental, quando envolve participação pessoal, física, mental e emocional em atividades e oportunidades para a descoberta e realização pessoal. Aprendese melhor quando são apre sentados conceitos em um contexto no qual são envolvidas relações que estão próximas dos alunos (Piconez, 2003).
Vivaldo Pereira, em Currais Novos, RN, no período noturno. Primeiramente, aplicamos um questionário para os alunos e, em seguida, fizemos uma entrevista com o professor. O questionário foi aplicado durante a chegada dos alunos à escola. Antes da sua aplicação, foi explicado qual era o objetivo dele e que o mesmo não obrigava respostas ou identificação, já que não estava vinculado à atividade escolar. A pesquisa foi feita com 41 (quarenta e
3. Metodologia
um) alunos da EJA, que puderam responder a 09 (nove) perguntas objetivas, que questionavam
Com o intuito de se observarem os
como estavam ocorrendo as aulas de química
motivos de tais problemas, envolvendo desde a
na escola e 01 (uma) pergunta discursiva, em que
estrutura curricular até a absorção dos conteúdos,
os mesmos se posicionaram e deram sugestões
uma pesquisa foi realizada com significativo
para a melhoria dessas aulas. Em seguida, foi
número de alunos e com o professor de química
entregue a cada aluno uma cópia do questionário
das turmas da EJA da Escola Estadual Instituto
a seguir:
Questionário para os alunos da EJA da Escola Estadual Instituto Vivaldo Pereira 1. Você gosta de estudar química? Sim ( ) Não ( ) 2. Você está estudando química? Sim ( ) Não ( ) 3. Seu professor é licenciado em química? Sim ( ) Não ( ) 4. Você tem dificuldade em química? Sim ( ) Não ( ) 5. Você consegue entender química com a metodologia aplicada pelo professor? Sim ( ) Não ( ) 6. A escola disponibiliza livros didáticos de química para você estudar? Sim ( ) Não ( ) 7. Na sua escola tem laboratório de química? Sim ( ) Não ( ) 8. O professor faz a junção teoria e prática na sala de aula? Sim ( ) Não ( ) 9. Você considera que a carga horária é suficiente para aprender os assuntos de química? Sim ( ) Não ( ) 10. Como você gostaria que fossem as aulas de química?
92
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública
O presente questionário tinha como objeti-
Na primeira pergunta, 78% dos alunos
vo mostrar como estão sendo aplicadas as aulas
entrevistados responderam gostar de estudar
de química e como os allunos gostariam que elas
química, porém, 22% responderam não gostar. Com
ocorressem. A explicação ao docente do objetivo
a segunda pergunta, buscou-se saber se o aluno
da entrevista foi realizada durante o intervalo entre
está estudando química e 90% deles responderam
a segunda e a terceira aulas. Essa se baseou na
que sim enquanto 10% responderam que não. A
forma como estavam sendo ministradas as aulas
terceira pergunta do questionário buscou conhecer
em que foram respondidas as seguintes perguntas:
a formação do professor que leciona química na
1. Quantas aulas de química são dadas em cada turma?
escola, na qual 98% responderam que o professor era licenciado em química e 2% afirmaram o
2. Qual a porcentagem de conteúdos que
contrário. Na quarta pergunta, buscamos saber se
devem ser ministrados estabelecidos no
o aluno tinha dificuldade em química e 73% deles
projeto pedagógico? E qual a porcentagem
responderam que sim enquanto 27% disseram
que você consegue, de fato, trabalhar?
não ter dificuldade em química. Para que a
3. Você acha a carga horária suficiente
pesquisa fosse ainda mais precisa perguntou-se aos
para os alunos aprenderem química?
estudantes se eles conseguiam entender química
4. Você utiliza algum recurso para trabalhar
com a metodologia aplicada pelo professor e
com seus alunos, por exemplo, laboratório?
66% deles responderam que sim e 34% deles não
Nessa pesquisa, utilizamos dois tipos de ferramentas, ambos elaborados por nós: a entrevista e o questionário. O primeiro necessita de uma relação direta entre pessoas, enquanto o último é constituído por uma série ordenada de questões, respondidas por escrito, sem a necessidade de um pesquisador (Oliveira; Maia, 2005). Notou-se que as duas ferramentas foram bem aceitas, tanto pelos alunos quanto pelo professor.
conseguiram entender com a metodologia aplicada pelo professor. A pergunta seguinte foi se a escola disponibilizava livros didáticos de química para os alunos, 68% deles responderam que sim e 32% afirmaram que não. Houve, também, a preocupação de se saber se a escola tinha laboratório de química; 78% deles responderam que sim e 22% que não havia laboratório de química na escola. Logo depois foi questionado se o professor costumava fazer a junção da teoria com a prática na sala de aula e 32% deles responderam que sim
4. Resultados
e discussão
enquanto 68% deles afirmaram que não. Por fim, perguntamos se eles consideravam a carga horária
A tabela apresentada, a seguir, refere-se a
suficiente para aprender os conteúdos de química;
valores médios, visto que os resultados dos alunos
51% responderam que sim e 49% disseram que
analisados foram semelhantes. No entanto, esses
não. Esses dados podem ser confirmados na tabela
valores foram colocados em gráficos e tabelas.
a seguir.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Jackson da Silva Santos et al.
Tabela 1. Perfil do discente dos alunos da EJA da escola estadual Instituto Vivaldo Pereira. Currais Novos – RN. Resposta do discente, quantidade.
Perguntas para os alunos da EJA.
SIM
NÂO
Porcentagem SIM
NÂO
Você gosta de estudar química?
32
09
78%
22%
Você está estudando química?
37
04
90%
10%
Seu professor é licenciado em química?
40
01
98%
2%
Você tem dificuldade em química?
30
11
73%
27%
Você consegue entender química com a metodologia aplicada pelo professor?
27
14
66%
34%
A escola disponibiliza livros didáticos de química para você estudar?
28
13
68%
32%
Na sua escola tem laboratório de química?
32
09
78%
22%
O professor faz a junção teoria e prática na sala de aula?
13
28
32%
68%
Você considera que a carga horária é suficiente para aprender os assuntos de química?
21
20
51%
49%
Fonte: Dados de pesquisa (2011).
afirmaram ter aulas de química na escola enquanto
Avaliando-se a formação do professor de química da escola Instituto Vivaldo Pereira, pode se observar que é satisfatório o resultado encontrado, pois 98% dos alunos responderam que o professor que leciona química é licenciado em química e apenas 2% deles afirmaram que não. Quando o professor é licenciado ele se adéqua mais a trabalhar com turmas da EJA, pois ele sabe quando e como intervir em sala de aula, quando for preciso, e consegue trabalhar fazendo interrelações de maneira mais precisa. A disciplina de Química oferece uma série de dificuldades ao estudante (Lima, 2009). A pesquisa feita confirma as palavras do autor, pois 73% dos alunos que responderam o questionário afirmam sentir dificuldade de compreender a disciplina de química e 27% deles responderam que não sentir essas dificuldades mencionadas pelos demais estudantes. Com isso, pode se observar que são grandes as dificuldades encontradas pelos alunos da EJA, principalmente, quando a metodologia aplicada pelo professor não favorece o entendimento do aluno, fazendo com que este se sinta desmotivado a compreender o que o professor está ensinando.
10% deles responderam que não.
A pesquisa nos mostra que 66% dos alunos
Sim
Nao
120% 100% 80% 60% 40%
sco
Vo cê
con
seg
ue
cul
da
de em ... e nte la d nd isp er.. on . ibi liza livr Na os. sua .. esc Op ola rof tem ess or ... Vo faz cê a ju con nç sid ão era ... qu ea car ga ...
cia cen
é li
difi
or
tem
Vo cê
fes s
pro
Seu
Ae
o... nd
da stu
de sta
est
go
Vo cê
Vo cê
áe
est
ud
ar..
.
0%
do ...
20%
Figura 1. Percentagem de respostas ao questionário. Os seres humanos possuem uma curiosidade sobre o mundo natural que o conhecimento científico pode satisfazer (Millar, 1998). Possivelmente, essa
curiosidade que os alunos têm faz com que gostem de estudar química, como pudemos observar na pesquisa, 78% deles responderam gostar de estudar química e a minoria, 22%, respondeu que não. Porém, foi relatado em nossa análise que 90%
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Uma Proposta Metodológica para Trabalhar Conteúdos de Química com Alunos da EJA em uma Escola Pública
conseguem aprender com a metodologia aplicada pelo professor e 34% certificam não conseguir compreender os conteúdos com essa metodologia. Cabe ressaltar que a Escola Estadual Instituto Vivaldo Pereira fornece meios para o aluno estudar e aprender a disciplina de química, pois 68% deles mencionaram que a escola disponibiliza livros para os mesmos estudarem e 38% responderam não ter acesso a livros didáticos. O uso do laboratório poderia contribuir muito para mostrar, na prática, a teoria vista em sala de aula. A pesquisa mostra que 78% dos alunos sabem da existência do laboratório na escola, embora os outros 22% desconheçam completamente esse fato. Notamos, também, que apenas 32% desses estudantes consideram que o professor está conseguindo fazer a junção, de teoria e prática, enquanto os 68% restantes afirmaram não estar havendo tal junção. Para se trabalhar com isso o professor precisaria de uma maior carga horária para poder ministrar essas aulas de maneira dinâmica e atrativa para esse público. Nesse sentido, 51% dos alunos responderam que a carga horária é suficiente para aprender os assuntos de química e 49% responderam que precisariam de mais horas de aula para que os conteúdos fossem
não possuírem, ou não utilizarem laboratórios, nos quais deveriam ser realizadas as aulas experimentais, não explorarem as bibliotecas, e/ou não fazerem uso de recursos multimídia e métodos interativos de aprendizagem (Carvalho; Batista; Ribeiro, 2007).
Os estudantes sugeriram que os professores trabalhassem mais com a junção da teoria e da prática em sala de aula, para que pudessem ver e ter conhecimento do que está sendo explicado pelo professor e também que acontecessem aulas no laboratório e, para isso acontecer, os discentes precisariam de uma maior carga horária. Durante a entrevista com o professor ele respondeu que consegue atingir somente 70% dos conteúdos previstos pelo Ministério da Educação, visto que a carga horária é insuficiente e, segundo ele, seriam necessárias pelo menos 01 (uma) ou 02 (duas) aulas a mais por semana. Quanto ao uso de outros recursos didáticos, o entrevistado nos falou que utiliza vídeo, no entanto, o uso do laboratório se torna inviável, pois as aulas teriam que ter maior duração e o laboratório necessita de um monitor para auxiliar o professor.
melhor compreendidos. Para que a pesquisa ficasse ainda mais rigorosa, foi feita uma pergunta discursiva na qual os alunos da EJA puderam dar sugestões para a melhoria das aulas de química. A disciplina de química [...] por diversas vezes é vista como um assunto que não desperta o interesse dos estudantes, apesar de possuir um conteúdo vasto e que se encontra extremamente presente em nosso cotidiano [...] Podese atribuir o citado desinteresse pelos discentes a diversos fatores endógenos e exógenos. Dentre estes, podemos destacar o fato de grande parte das escolas públicas e/ou privadas
5. Considerações
finais
Sabemos que o número de estudantes entrevistados é relativamente pequeno, porém, com os resultados obtidos podemos concluir que a metodologia aplicada pelo professor em sala de aula pode ser uma importante ferramenta na facilitação da aprendizagem de jovens e adultos, principalmente quando o professor trabalha os conteúdos de química fazendo relação com o cotidiano dos estudantes, considerando suas experiências de vida. A metodologia adotada pelo professor em sala de aula faz toda a diferença na aprendi za-
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Jackson da Silva Santos et al.
gem do aluno; quando o docente procura conhecer sua sala de aula e começa a mudar sua forma de ensinar levando entusiasmo e aulas dinâmicas (experimentos químicos, aulas em laboratório etc.), o aluno passa a ver os conteúdos de química de maneira curiosa e interessante de aprender. Isso pode se notar com base nas respostas dos estudantes, obtidas através dos questionários que foram aplicados e nos vários diálogos es tabelecidos enquanto eles respondiam os ques tionários. O estudo mostrou que os alunos da EJA têm grande vontade de aprender os conteúdos de química, porém ,a metodologia aliada às condições estruturais físicas e até o número de aulas dificulta essa aprendizagem. Compreendemos que é difícil trabalhar com os alunos da EJA, pelo fato de serem jovens e adultos que, muitas vezes, trabalham e são responsáveis pelo sustento de suas famílias, além de terem uma rotina cansativa em seu lar por serem donos (as) de casa. Isso faz com que, ao chegarem à sala de aula, necessitem de uma metodologia motivadora que os envolva e faça com que o espaço escolar seja prazeroso. O trabalho aqui apresentado não pretende ser
conclusivo,
mas
sim,
apresentar
uma
contribuição para os professores da EJA, para que possam buscar uma nova metodologia de ensino de química.
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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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Relato 03 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011
p. 99-112
Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas: habilidade metavisual no ensino de Isomeria Geométrica Designing Molecules and Thinking About Them: metavisual skill in the teaching of Geometrical Isomerism Solange Wagner Locatelli1 e Agnaldo Arroio2 Resumo
A Química pode ser compreendida através de três níveis representacionais que aparecem na forma de modelos expressos publicamente de variadas maneiras, dentre elas, as visualizações. Essas são importantes na compreensão dos conceitos químicos e, neste sentido, é fundamental que o aluno se torne metacognitivo com relação às habilidades visuais de decodificação de imagens, ou seja, que se torne metavisual, para que haja a possibilidade de monitoramento e de regulação da aprendizagem. O estudo em questão é uma pesquisa de caráter qualitativo, em que se procurou identificar elementos de metavisualização manifestados por oito estudantes de uma turma de 2º ano do Ensino Médio de um colégio particular na Grande São Paulo. Para isso, foi proposto a esses alunos a realização de uma atividade com o objetivo de verificar se eles eram capazes de distinguir espacialmente moléculas distintas, levando à construção do conceito inicial de isomeria geométrica, visto que esse é um importante tópico a ser estudado em química orgânica. A partir da elaboração de uma categoria para as falas dos alunos, procedeu ‑se à análise dos resultados em que se constatou incidente metavisual em todos os grupos, mas com diferente incidência, e que a natureza do incidente de monitoramento foi significativa. Além disso, alguns fatores possivelmente envolvidos na construção desse conhecimento foram identificados, entre eles as habilidades visuais. Finalizando, 1
Graduada em Química pela USP – Bacharel e Licenciatura. Mestranda no Programa de Pós-graduação Interunidades no Ensino de Ciências – USP. Coordenadora e Professora de Química do Colégio Rio Branco. E-mail: solangewl@hotmail.com
2
Bacharel em Química pela USP e em Imagem e Som pela UFSCAR, Mestre e Doutor em Físicoquímica pela USP, Pós-doutorado em Educação pela USP, Professor Doutor na Faculdade de Educação da USP. E-mail: agnaldoarroio@yahoo.com
ressalta-se aqui, que ainda há poucos estudos sobre metacognição, especialmente, sobre metavisualização no ensino de Química, então, reafirma-se a grande importância de investimentos nessa área do conhecimento. Palavras-chave: Ensino de química. Metacognição. Habilidades visuais. Metavi sualização. Isomeria geométrica. AbSTRACT
Chemistry can be understood through three levels that appear in the representational form of models and publicly expressed in various ways, including views that are important in understanding the chemical concepts and in this sense, it is essential that students become metacognitive about the visual skills of decoding images, or becoming metavisual, so there is the possibility of monitoring and regulation of learning. The study in question is a qualitative research study, which sought to identify metavisualization elements expressed by eight students in a class of second year of high school to a private school in Greater Sao Paulo. During the research, was proposed for these students to carry out an activity with the aim of investigating whether they could distinguish between similar and different molecules spatially, leading them to build the initial concept of geometrical isomerism, since this is a important topic to be studied in organic chemistry. From the establishment of a category for the speech of students, the analysis was done, and metavisual incident was noted in all groups, but with a different focus, and that the nature of the monitoring incident was significant. Furthermore, some factors possibly involved in the construction of knowledge were identified, among them we highlight the visual skills. Finally, we stress here that there are few studies about metacognition and especially metavisualization on the teaching of chemistry and so, we reaffirm the great importance of investments in this area of knowledge. Key-words: Chemistry education. Metacognition. Visual skills. Metavisualization. Geometrical isomerism.
1. Os
níveis de representação, visualização, metacognição e metavisualização no ensino de Química O ensino no Brasil vem sofrendo profundas
e necessárias modificações nas últimas décadas. A partir da LDB, da Lei 9394 de diretrizes e bases da educação de 20/12/1996, da criação do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) em 1998 e do aprimoramento deste, denominado Novo-ENEM em 2009, muito do ensino vem sendo repensado e mudanças se tornaram fundamentais ao processo com uma visão mais humanística, citando-se, entre outras, a seguinte finalidade do Ensino Médio: Art. 35 – O Ensino Médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá com finalidades [...] III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
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intelectual e do pensamento crítico [...] (Brasil, 1996, artigo 35).
Nessa concepção da formação básica do cidadão, torna-se mais visível uma demanda por um ensino de ciências com caráter não só conteudista, mas também reflexivo e significativo para os estudantes, que ofereça não só a possibilidade de se compreender melhor os fenômenos químicos do seu dia a dia, como também a capacidade de interferir nele com ações. Um ensino voltado ao trabalho de habilidades específicas para compor competências necessárias à compreensão dos fenômenos e à tomada de decisões. Pesquisas na área da psicologia educacional e do ensino de Ciências (Novak, 1990; Gil-Pérez et al., 2002) apontam a necessidade da busca por novas metodologias em que a construção do conhecimento seja fruto de uma reflexão e interação do aprendiz com o novo conhecimento apresentado. O modelo de mudança conceitual e a perspectiva construtivista
Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas: habilidade metavisual no ensino de Isomeria Geométrica
indicam que a aprendizagem com compreensão
formular perguntas e encontrar respostas. Assim,
real ocorre quando o aprendiz constrói e trans-
torna-se crucial que o estudante reflita sobre seus
forma ativamente seus próprios significados e
saberes e sobre a forma como ele produz seus
não quando ele acumula, passivamente, conhe-
conhecimentos, algo que se chama metacognição
cimentos transmitidos (Posner et al., 1982).
(Parolo; Barbieri; Chrobak, 2004). Num primeiro
Nesse sentido, torna-se cada vez mais importante
momento, podemos nos referir à metacognição
que as ideias prévias dos estudantes sejam
como algo que leva o aluno a refletir sobre o
consideradas nessa nova construção de um saber
que está fazendo ou aprendendo, assim, ele irá
científico e que seja feita de forma dinâmica,
pensar sobre o seu pensamento, pensar sobre
num processo de construção e de desconstrução.
qualquer coisa referente ao seu processo cognitivo,
A partir dessa interação, que é idiossincrática, se
monitorando e possibilitando a regulação do seu
torna possível fazer o aprendizado significativo
aprendizado.
para cada estudante. Segundo Ausubel (2000), a
Mais especificamente, com relação ao
aprendizagem significativa não é um sinônimo de
ensino/ aprendizagem de química, como se ensinar
aprendizagem com material significativo, visto que a aprendizagem significativa requer, além do material significativo, ainda mais duas importantes condições para que possa ocorrer: conhecimento prévio relevante que irá interagir com o novo conhecimento e a escolha e consciência do aprendiz em aprender de forma significativa, não aleatória (Novak, 2010). Já um material dito significativo pode ser aprendido mecanicamente, não havendo interação e não fazendo sentido com a ecologia cultural do
ou aprender essa disciplina? O que é necessário? De acordo com Johnstone (1993), uma das dificuldades encontradas na aprendizagem de química é a necessidade da compreensão dos conteúdos em três níveis de representação assim denominados: macroscópico, submicroscópico e representacional. Por exemplo, para se ter a compreensão adequada do derretimento de uma barra de ouro, seria necessário transitar nesses três níveis de representação (Figura 1).
indivíduo, sendo arbitrário para ele e, assim, não resultando em aprendizado.
Macroscópico
A aprendizagem sendo significativa poderá permitir o desenvolvimento pleno do indivíduo como cidadão atuante e agente modificador, uma competência desejável a ser desenvolvida pelos estudantes, em particular, no que se refere à disciplina de química. Competência de área 7 – Apropriar se de conhecimentos da química para, em situaçõesproblema, interpretar, avaliar ou planejar intervenções cien tíficotecnológicas (ENEM, 2009, p. 10).
Para que isso seja possível, a educação deve visar formar um estudante que seja capaz de
Ouro derretendo Submicroscópico
Representacional
Au(s)
Átomos de ouro
Au(I)
Equação química que representa a fusão do ouro
Figura 1. Um exemplo de um fenômeno nos três níveis de representação.
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Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio
O nível macroscópico refere-se, basi
um monitoramento e uma possível regulação
camente, a observação de um fenômeno, nesse
dessa imagem de forma constante, assim, o
exemplo, uma pequena barra de ouro derretendo.
estudante poderá aprender a regular seu processo
Já em nível microscópico são representados
de aprendizagem. No exemplo dado, o aluno
os átomos, as moléculas, íons e espécies
poderia ter armazenado uma primeira imagem da
químicas presentes nesse sistema, assim como
molécula de água como tendo a geometria linear,
seus movimentos e rearranjos associados, no
ou seja, os três átomos dispostos em uma linha
caso, átomos de ouro com diferentes conteúdos
reta. Essa imagem fica retida em sua memória.
energéticos. E, finalmente, o representacional
Adiante, ao se considerar sobre repulsão
ou simbólico refere-se às representações através
de pares eletrônicos, ele poderia repensar
de fórmulas, equações químicas e estruturas dos
sobre isso, a geometria da molécula de água, e
compostos.
concluir que não é possível que seja linear porque
Especialmente os níveis submicroscópico
a repulsão entre os pares eletrônicos seria maior
e simbólico são de difícil compreensão aos
ao se considerar a geometria linear em detrimento
estudantes (Chittleborough; Treagust, 2008), pois
da geometria angular. Sendo plausível para
as representações concretas ou pseudoconcretas
o aluno, ele poderá modificar a imagem que
parecem ser mais acessíveis do que representações
estava retida e agora, produzir outra, que seria a
abstratas (Ferk et al., 2003). O aluno demonstra
molécula de água na geometria angular. Esse
dificuldade em abstrair os conceitos (imaginar),
movimento de pensar sobre a sua visualização é o
já na observação do fenômeno (concreto) ele
que pode ser chamado de metavisualização. Vale
está vendo algo acontecendo ou que aconteceu.
salientar que o processo de metavisualizar nem
Entretanto, é desejável que o aluno transite
sempre leva a uma modificação da imagem, pois
entre esses três níveis representacionais para a
muitos fatores estão envolvidos na construção
compreensão adequada dos conteúdos em química.
do conhecimento, sendo que a referida imagem
Nesse sentido, para a compreensão dos
poderá ser mantida, modificada, ou, até mesmo,
fenômenos nesses três níveis representacionais, a
102
substituída por outra.
química lança mão de modelos que são construções
No trabalho de pesquisa realizado, parte
humanas e requerem a visualização de entidades,
‑se do estudo do entendimento inicial da isomeria
suas relações, causas e efeitos.
geométrica pelos alunos. O entendimento de
Por exemplo, o aluno poderá conhecer a
isomeria geométrica pressupõe e requer do aluno
geometria da molécula de água. Nesse instante,
algumas habilidades visuais importantes, como a
ele produzirá uma representação interna dessa
formação de imagens que representam átomos,
molécula através de uma imagem que ficará retida
ligações, moléculas, o reconhecimento ou não de
na sua memória, podendo essa representação estar
que moléculas são iguais, apesar de desenhadas
ou não de acordo com o que se considera correto
em 2D de maneiras diferentes, a formação
do ponto de vista científico.
de imagens no que diz respeito a imaginar as
Então, é desejável que esse aluno de
moléculas sofrendo movimentos de rotação no
senvolva uma capacidade metacognitiva com
espaço, etc. Esse pensamento todo poderia ou não
relação a essa imagem, a que chamamos nesse
ser monitorado ou modificado por eles durante
artigo de habilidade metavisual (Gilbert, 2007),
a atividade proposta para a pesquisa, levando
o que pode ser entendido, nesse caso, como
‑os a uma correta ou incorreta interpretação,
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Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas: habilidade metavisual no ensino de Isomeria Geométrica
já que a compreensão de isomeria geométrica
considerada um ramo específico da metacognição
requer que eles sejam capazes de perceber que
que diz respeito, especificamente, a se pensar sobre
uma molécula cis é espacialmente diferente
as visualizações, diferindo da metacognição nesse
de uma molécula trans e que o conjunto dessas
aspecto, pois a metacognição refere-se a pensar
moléculas, separadamente, representa substâncias
sobre qualquer processo cognitivo, incluindo a
químicas diferentes. Então, nessa atividade,
visualização. Como o interesse nessa pesquisa
eles foram convidados a refletir se moléculas
foi o de verificar o pensamento do aluno sobre
desenhadas por eles com diferentes disposições
as representações externas e suas representações
correspondiam ou não a moléculas iguais, ao
internas (imagens), será utilizado o termo, nesse
considerarem ou não movimentos de rotação
caso, de metavisualização. Assim, para um
(habilidade de visualização). A ideia inicial foi
desempenho fluente em visualização é necessária,
a de, num primeiro momento, se verificar se os
a partir da habilidade de aquisição de uma
alunos manifestariam metacognição com relação
representação, outras habilidades para monitorar,
à visualização, à metavisualização. O que instigou
integrar e extrapolar essa aprendizagem, ou seja,
essa pesquisa foi justamente que, se isso ocorresse
requer metavisualização (Gilbert, 2008).
(os alunos manifestassem a metavisualização), em
Ainda, podemos apontar como importante
que medida essa habilidade poderia controlar e/ou
nesse processo, duas condições necessárias
regular suas representações internas a respeito de
para
alguma visualização e assim, de forma mais geral,
metacognitivo com relação às suas habilidades
sua aprendizagem durante o desenvolvimento
visuais: o conhecimento das convenções das
dessa atividade.
representações que ele irá encontrar suas
que
um
estudante
possa
se
tornar
Verificaríamos, assim, como a manifes-
abrangências e limitações (Gilbert, 2007). Em
tação da metavisualização poderia ou não auxiliar
química é bastante comum, por exemplo, uma
no aprendizado desta ou de outras atividades si-
bolinha assumir diferentes significados, podendo
milares de química em que visualizações estejam
representar um átomo, um íon, uma molécula,
envolvidas, e que outros fatores deveriam ser
uma substância, ou qualquer outra entidade.
considerados nessa análise para propiciar a ma-
Então, ao se analisar uma figura contendo uma
nifestação de metavisualização pelos estu dantes
dessas representações, precisa ficar claro para
para que se possibilite o pensar e o repensar da
o leitor ou estudante de qual delas se trata, pois
atividade. No caso específico da pesquisa, verificou-
isso irá depender sua correta interpretação
-se a possibilidade de auxílio na diferenciação de
e consequentemente a sua possibilidade de
moléculas que repre sentam a substância cis ou a
desenvolvimento metavisual.
substância trans correspondentes.
Segundo Barnea (2000) existem mais três habilidades que são complementares, as quais Gilbert (2007) denominou também de
2. Metavisualização
habilidades metavisuais complementando as duas citadas acima, que são: a de compreender um
A metacognição refere-se, entre outras
objeto representado em duas ou três dimensões,
coisas, ao monitoramento ativo e consequente
a habilidade de imaginar uma representação
regulação e orquestramento desses processos
em três dimensões de diferentes perspectivas,
(Flavell, 1976). Já a metavisualização pode ser
ou seja, fazer a rotação no objeto e a terceira,
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Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio
visualizar os efeitos da reflexão e inversão
meta (B). Nesse modelo, há um fluxo a ser seguido
(Barnea, 2000).
no qual a informação do nível objeto leva ao nível
Ao se desenvolver essas habilidades metavisuais, o estudante se tornará consciente do mo-
meta (monitoramento) que exerce controle no nível objeto (Nelson; Narens, 1994).
nitoramento, controlando a aquisição, retenção,
Então, ao considerarmos a visualização
recuperação e modificação de uma imagem
como fundamental na compreensão de fenômenos
(Gilbert, 2007).
químicos, a habilidade de pensar sobre a visua-
Podemos imaginar um exemplo de como
lização, em pensar sobre a imagem produzida
uma imagem pode ser adquirida, monitorada
sobre algum processo, a habilidade metavisual,
e modificada supondo que um estudante possa
a ação de metavisualizar, torna-se fundamental
ter retido em sua memória, uma imagem visual
na construção desse conhecimento (Locatelli;
de átomos como sendo bolinhas todas iguais. Desta
Ferreira; Arroio, 2010).
maneira, havendo três átomos de hidro gênio e três átomos de oxigênio, todos os seis átomos teriam a mesma representação – Figura 2(A). Outras novas informações apresentadas, como por exemplo, de
3. Estudo
da isomeria geométrica
que átomos diferentes têm tamanhos diferentes,
Segundo Raupp et al. (2010), substâncias
sendo o hidrogênio o menor deles, poderá fazer
isômeras podem possuir propriedades muito
com que o estudante possa refletir sobre essa ideia
diferentes e, assim sendo, isso poderia ser um fator
– Figura 2(B), levando-o a modificar a imagem
instrucional e também motivacional relevante aos
que ele havia retido previamente, gerando
estudantes de química.
uma nova imagem, em que, das 6 bolinhas que
Por exemplo, dois ácidos graxos cis
representariam os átomos, 3 seriam menores –
e trans possuem mesma fórmula molecular,
Figura 2(C).
entretanto, diferem espacialmente e, com isso, suas propriedades físicas e químicas passam a ser distintas, já que são duas substâncias químicas
B - Nível meta Pensamento sobre o pensamento de A Monitoramento
diferentes. Assim, um exemplo do cotidiano, Controle (regulacao)
próximo à realidade dos estudantes, é a existência das gorduras cis e gorduras trans, sendo que essas últimas têm despertado o interesse dos cientistas quanto à investigação de suas propriedades
A - Nível objeto I Imagem retida
C - Nível objeto II Imagem recuperada
Figura 2. Exemplo da metavisualização interferindo e modificando a aprendizagem.
associadas à saúde. Estudos realizados sobre as gorduras saturadas, cis e trans, indicaram que pessoas submetidas à ingestão de ácidos graxos trans não só aumentam o nível da lipoproteína de baixa
104
Esse exemplo que acabamos de descrever
densidade – o LDL-colesterol – como também
exemplifica o Modelo Geral da Memória proposto
diminuem os níveis da lipoproteína de alta
por Nelson e Narens (1994), em que existem
densidade – o HDL-colesterol; o problema é que o
dois diferentes níveis de pensamento, um sendo
LDL-colesterol poderia contribuir para o risco de
chamado de nível objeto (A e C) o outro o nível
doenças cardiovasculares (Merçon, 2010).
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Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas: habilidade metavisual no ensino de Isomeria Geométrica
Portanto, sendo o assunto relevante e importante, pode se tomar como ponto de partida para o estudo da isomeria geométrica, mostrando ao aluno a diferença de comportamento entre as gorduras cis e as gorduras trans pelo simples fato de seus arranjos espaciais serem diferentes, apesar de possuírem mesma fórmula molecular. Entretanto, a habilidade dos estudantes em distinguir representações de moléculas espacialmente diferentes é difícil de ser alcançada. Essa representação geométrica, que é essencial para a compreensão dos diferentes isômeros, parece não ser dominada por eles (Keig; Rubba, 1993); em especial a transição 2D (fórmula estrutural plana) para 3D (forma geométrica) (Barnea, 2000; Raupp et al., 2010; Copolo; Hounshell, 1995). Para que os alunos identifiquem isômeros geométricos, eles terão que transitar de uma fórmula química para a sua estrutura molecular e visualizar as possibilidades de configuração em 3D e compará-las; entretanto, a habilidade de compreender e de mentalmente manipular essas representações é crítica para os estudantes (Wu; Shah, 2004). Tuckey, Selvaratnam e Bradley (1991) enfatizam que, mesmo para alunos universitários, é difícil o pensamento em três dimensões e que essa habilidade deveria ser melhor treinada no Ensino Médio. O objetivo da atividade proposta é, justamente, iniciar a construção do conceito de que moléculas com mesma fórmula podem
4. Metodologia
Neste item, trata-se de dar um panorama geral do contexto em que a pesquisa foi realizada, a caracterização da amostra, uma breve descrição dos instrumentos de coleta, da atividade proposta para a pesquisa e da análise de dados. A coleta de dados foi feita com 8 alunos do 2º ano de Ensino Médio de um colégio de ensino particular na Grande São Paulo. Com a preocupação da questão das visualizações dentro do conteúdo de química orgânica, a proposta foi de se introduzir o conceito de isomeria geométrica, levando os alunos a discutirem sobre suas ideias prévias sobre esse assunto por meio dessa atividade para, posteriormente, ser feito o desenvolvimento e a construção coletiva do conceito em sala de aula. Assim, a pergunta que se tinha da pesquisa era: será que atividades assim, de química, raciocinando com representações de moléculas, movimentos de rotação, faladas em voz alta por duplas poderiam favorecer a manifestação da metacognição, nesse caso, por se tratar de imagens e habilidades visuais, mais especificamente, da metavisualização? Se favorecesse, isso poderia ajudar no aprendizado dos alunos, direcionando suas ideias prévias? Em que medida? Daí a necessidade de se pesquisar a respeito e a atividade foi proposta com o intuito de se compreender mais a fundo essas relações. A atividade consistiu no objeto pesquisado nesse trabalho, sendo o objetivo do material o de iniciar o estudo de isomeria geométrica. Assim, os alunos gravaram seus pensamentos ditos em voz alta, e depois transcreveram a elaboração
diferir espacialmente, no caso, representações de
dessa atividade, que consistiu, basicamente, em
moléculas cis e trans do 1,2-dicloroeteno. A partir
se fazer desenhos de moléculas (1,1-dicloroeteno,
disso, pode se extrapolar o conceito para moléculas
1,2-dicloroeteno e cloroeteno, parte I, II e III
maiores e também diretamente associadas ao
respectivamente) e reconhecer espacialmente
cotidiano do estudante, como as gorduras trans,
se eram moléculas iguais ou diferentes, sendo a
por exemplo.
diferença, quando existente, na geometria espacial.
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Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio
Para a análise do material, primeiramente, as transcrições da atividade foram lidas várias vezes para se identificar pontos comuns (Bogdan;
Tabela 1. Categoria binária utilizada para classificar os incidentes em não metavisuais (não) ou metavisuais (sim) – 3 exemplos. Exemplo
Biklen, 1994) e uma categoria para análise precisou
Incidente Metavisual
Descrição do Indício
Não
Não há, pois aqui o aluno pensa espacialmente, não metavisualmente, pois ele apenas está concluindo um raciocínio e não pensando sobre o pensamento visual.
Sim
Aluno olhando e referindo-se a dois desenhos de moléculas, pensando sobre esses desenhos, perguntando, monitorando seu pensamento visual.
Sim
Aluno pensando sobre o que haviam visualizado com relação à molécula, mudança de foco do visual para o metavisual, vendo e levando em conta agora a dupla ligação e assim, regulando a aprendizagem.
ser elaborada para se verificar a manifestação ou não da metavisualização. Para isso, utilizou-se como suporte o trabalho de Larkin (2009) que define uma categoria chamada de incidente
A2: É só girar, 1 colocar esta aqui.
de metacognição, adaptando-se aqui para o que chamamos de incidente metavisual. INCIDENTE METAVISUAL Aquele em que ocorre indício de uma mudança observável na cognição de um foco na tarefa em um nível chamado cognitivo para um foco da própria cognição (meta) ou um foco sobre o monitoramento, a regulação e controle do pensamento que se refere especificamente a alguma habilidade visual, ou seja, questionamento sobre o que foi feito, pensando sobre o que foi feito referente a alguma habilidade de visualização.
2
A1: São duas diferentes não é?
A1: Acho que não porque tem 3 essa dupla aqui no meio.
Figura 3. Definição de incidente metavisual utilizado para categorizar as falas das transcrições.
Dessa forma, pretendeu-se verificar se 5. Incidente
metavisual
Aquele em que ocorre indício de uma
de que forma eles interfeririam na construção do conceito de isomeria geométrica.
mudança observável na cognição de um foco
Então, a partir disso, as falas da atividade
na tarefa em um nível chamado cognitivo para
foram categorizadas para os 4 grupos de alunos,
um foco da própria cognição (meta) ou um foco
sendo feitos os seguintes questionamentos ou
sobre o monitoramento, a regulação e controle
proposições:
do pensamento que se refere, especificamente, a alguma habilidade visual, ou seja, questionamento sobre o que foi feito, pensando sobre o que foi feito referente a alguma habilidade de visualização. A partir dessas definições, foi elaborada uma
106
havia a ocorrência de incidentes metavisuais e
• O aluno desenhou corretamente as moléculas? • O aluno conseguiu ou não concluir que as moléculas eram idênticas ou que eram diferentes?
categoria binária nesse trabalho de pesquisa sendo:
• Nesse pensamento houve ou não
“não” referente a um incidente não metavisual e
indícios de manifestação metavisual, ou
“sim” a um incidente metavisual, Tabela 1.
seja, de incidente metavisual?
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6. Resultados
O estudo tem metodologia interpretativa e procurou analisar indícios de manifestação de metavisualização durante a realização da atividade e suas implicações, com o intuito de pesquisar e analisar possíveis incidentes metavisuais manifestados pelos alunos no desenvolvimento dessa atividade colaborativa e em que medida isso interferiu na construção do conceito inicial de isomeria geométrica. Por ser o estudo de isomeria de natureza visual, isso contribui para a investigação de possíveis indícios de que o estudante esteja pensando sobre suas representações internas (imagens na sua mente). Então, parte-se do pressuposto de que é pos sível afirmar que, ao menos parte do raciocínio utilizado para fazer essa atividade, poderá envolver o pensamento sobre imagens (metavisualizar), por isso, utiliza-se o termo indício, pois é possível que haja indício da manifestação da metavisualização, mas não é possível se afirmar isso totalmente, pois, mesmo quando se perguntaria ao aluno o que ele estaria pensando num determinado momento, muitas vezes ele não se recordaria e não saberia ao certo se utilizou raciocínio espacial o tempo todo ou não. Em certa medida, porém, poderia ter utilizado esse raciocínio espacial, pois teria feito desenhos das moléculas e os utilizado para pensar, por isso, a palavra “indício”. 6.1. Análise
do grupo 1
A análise de todas as partes I, II e III da atividade sugere que houve indícios de pensamento espacial em muitos trechos dessa resolução, assim como o pensamento metavisual em alguns, e por ambos os alunos. De um total de 48 falas, 13 foram categorizadas como incidentes metavisuais. Os alunos desse grupo conseguiram desenhar, corre tamente, todas as moléculas e reconhecer os dois grupos distintos de moléculas cis e trans, na parte II.
Os incidentes metavisuais podem ter contribuído em alguma medida no desenvolvimento da atividade, sendo que a contribuição possa ter sido de: confirmação de um raciocínio, monitoramento (pergunta), mudança de opinião favorável ao aprendizado (+) e, ainda, mudança de opinião desfavorável ao aprendizado (-): não houve (Figura 4): 7 6 5 4 3 2 1 0
Confirmação Monitoramento
Mudança (+)
Mudança (-)
Figura 4. Os treze incidentes metavisuais do Grupo 1 e sua relação com o desenvolvimento da atividade 1: confirmando um raciocínio, monitorando (perguntando) ou mudando a opinião.
6.2. Análise
do grupo 2
A análise de todas as partes I, II e III da atividade sugere que o pensamento espacial também esteve presente em muitos trechos dessa resolução, assim como o pensamento metavisual em outros por ambos alunos, demonstrado com ênfase pela aluna A4. De um total de 35 falas, 10 foram categorizadas como incidentes metavisuais. Os alunos desse grupo conseguiram desenhar corretamente todas as moléculas, entretanto não conseguiram reconhecer os dois grupos distintos de moléculas cis e trans, na parte II, verificando-se, nesse caso, que outros fatores possam ter interferido de forma a levá-los ao erro, sendo que a conclusão errada foi conduzida pelo aluno A3, pois A4 demonstrou ter ficado na dúvida. Ainda assim, os incidentes metavisuais podem ter contribuído em alguma medida, conforme Figura 5:
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
107
Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio
4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0
6.4. Análise
do grupo 4
A análise de todas as partes I, II e III da atividade sugere que o pensamento espacial e metavisual não estiveram presentes na maior parte da resolução, tanto da aluna A7 quanto da A8, praticamente, não havendo indícios de Confirmação Monitoramento
Mudança (+)
Mudança (-)
Figura 5. Os dez incidentes metavisuais do Grupo 2 e sua relação com o desenvolvimento da atividade 1: confirmando um raciocínio, monitorando (perguntando) ou mudando a opinião.
pensamento visual ou metavisual. De um total de 29 falas, apenas 3 foram categorizadas como incidentes metavisuais. As alunas conseguiram desenhar corretamente todas as moléculas, mas não conseguiram reconhecer os dois grupos distintos de moléculas cis e trans, na parte II. Ainda assim,
6.3. Análise
os incidentes metavisuais podem ter contribuído
do grupo 3
A análise de todas as partes I, II e III da atividade sugere que o pensamento espacial e metavisual estiveram presentes em muitos trechos dessa resolução, entretanto, tendo mais indícios de pensamento visual do aluno A5, e pouco do A6. De um total de 17 falas, 6 foram categorizadas como incidentes metavisuais. As alunas conseguiram desenhar corretamente todas as moléculas e conseguiram reconhecer os dois grupos distintos de moléculas cis e trans, na parte II. Assim, os incidentes metavisuais podem ter contribuído em alguma medida, ressaltando-se o caráter de monitoramento desse grupo, conforme
em alguma medida, conforme Figura 7: 1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0
Confirmação Monitoramento
Mudança (+)
Mudança (-)
Figura 7. Os três incidentes metavisuais do Grupo 4 e sua relação com o desenvolvimento da atividade 1: confirmando um raciocínio, monitorando (perguntando) ou mudando de opinião.
Figura 6: 6
7. Conclusões
5
Neste tópico, procurou-se responder as
4
perguntas propostas desse trabalho com base
3
no que foi observado durante a pesquisa junto
2
a esses oito alunos. O objetivo da pesquisa
1
em questão era o de se verificar, em primeiro
0
Confirmação Monitoramento
Mudança (+)
Mudança (-)
Figura 6. Os seis incidentes metavisuais do Grupo 3 e sua relação com o desenvolvimento da atividade 1: confirmando um raciocínio ou monitorando (perguntando).
108
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
lugar, se os alunos desenhariam corretamente as moléculas e se conseguiriam identificar dois grupos diferentes, o cis e o trans. Em segundo lugar, se eles manifestariam indícios da habilidade de metavisualização durante a realização dessa
Desenhando Moléculas e Pensando Sobre Elas: habilidade metavisual no ensino de Isomeria Geométrica
atividade, o que se denominou nesse trabalho de
metavisual pode auxiliar na construção do co
incidente metavisual e, em que medida, isso poderia
nhecimento de variadas formas como: confirmação
auxiliá-los ou não na execução da tarefa proposta
de algum raciocínio, monitoramento (perguntas)
que, no caso, seria a introdução ao entendimento
e mudança de opinião, podendo essa última ser
da isomeria geométrica, com o reconhecimento de
positiva ou negativa. Além disso, foi constatado
grupos de moléculas que diferem espacialmente.
que a atividade promoveu um maior número de
Em outras palavras, em que medida a habilidade
indícios metavisuais de caráter de monitoramento
metavisual poderia auxiliar no aprendizado
(perguntas) em 50% dos incidentes metavisuais,
desses alunos, interferindo na construção e na
correspondendo a 16/32 incidentes metavisuais
reformulação de modelos mentais necessários à
no total dos quatro grupos. Vale ressaltar que o
compreensão desse conteúdo.
monitoramento é um processo metacognitivo
Respondendo à primeira pergunta, conclui
básico e fundamental para que sejam alcançados
‑se que todos os alunos (100%) conseguiram
outros níveis mais avançados de metacognição,
desenhar corretamente as representações de
como avaliar, selecionar estratégias e planejar
moléculas, mas dos quatro grupos, apenas 2/4
para permitir a possibilidade de regulação da
(50%) conseguiram distinguir dois grupos distintos
aprendizagem, pois o aluno sendo capaz de
de moléculas na parte II, as cis e as trans.
discernir entre o que ele sabe e o que ele não sabe,
Segundo a categorização proposta, nessa
poderá auxiliá-lo a planejar seu aprendizado. Com
atividade houve o indício da manifestação da
relação à razão pelo alto índice de monitoramento
metavisualização em 9/12 (75%) das atividades,
na forma de perguntas, pode se pensar na
ou seja, das 3 atividades realizadas por cada uma
possibilidade dos questionamentos terem sido
das 4 duplas, em 9 delas observou-se incidente
favorecidos pelo fato do trabalho ter sido realizado
metavisual. Logo, esse dado dá suporte para se
em duplas, ou seja, um trabalho colaborativo,
responder ao questionamento da pesquisa de que
apontado espontaneamente como um fator po
a atividade pode possibilitar a manifestação da
sitivo pelos próprios alunos dos grupos 2, 3 e 4.
habilidade de metavisualização.
Pode se sugerir pelas conclusões até o
Quanto à incidência, temos que, de um
momento que a metavisualização pode con
total de 129 falas de todos os grupos, 32 delas
tribuir positivamente no aprendizado, mas que
foram categorizadas como incidentes metavisuais
outros fatores, possivelmente, se agregaram a
(25%) e que, portanto, as falas, de forma geral, se
essa construção e que precisariam ser melhor
concentram mais em nível cognitivo (75%) do que
investigados como: o aluno ter a compreensão dos
em nível metacognitivo (25%), o que poderia ser
procedimentos, o conhecimento das convenções
o esperado já que o status “meta” é considerado
e conceitos das representações, a natureza do
um raciocínio mais elaborado. Isso foi constatado
trabalho colaborativo, as ideias prévias, a presença
(nível cognitivo > que o nível metacognitivo)
de um mediador e, especialmente, as habilidades
mesmo sendo analisados individualmente os
visuais, pois, caso o aluno não consiga pensar
grupos, tendo-se a seguinte porcentagem de
visualmente,
provavelmente
sua
habilidade
indícios de falas metavisuais: 27% (13/48), 29%
metavisual estará prejudicada, o que foi observado
(10/35), 35%(6/17) e 10%(3/29), respectivamente.
fortemente no grupo 4.
Quanto à natureza da manifestação da
Com isso tudo, todos esses fatores citados
metavisualização, foi observado que o incidente
deveriam ser melhor investigados, pois há indícios
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
109
Solange Wagner Locatelli e Agnaldo Arroio
de que podem estar envolvidos, em alguma medida, no processo de maior ou de menor manifestação da metavisualização e, consequentemente, no complexo fenômeno de construção de conhe cimento, sendo que a metavisualização é apenas uma das facetas, ainda pouco explorada. Portanto, ressalta-se aqui que ainda existe muito campo há ser pesquisado com relação à metacognição e, principalmente, metavisualização no ensino de ciências, em particular, no ensino de química, o que indica que esse é um assunto de grande possibilidade e necessidade de pesquisas futuras para maiores esclarecimentos.
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110
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
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REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
111
Instrumentos e Criatividade 01 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011 | p. 113-116
Um Equipamento Alternativo: ferro elétrico como chapa de aquecimento An alternative device: clothes iron as a hot plate Aline Eiras Duarte, Matthieu Tubino, Amanda Carolina Covizzi Bertelli e José de Alencar Simoni1
1. Introdução
2. Construção
do dispositivo
Muitos experimentos exigem, em alguma
Uma base de madeira foi construída para
etapa, a utilização de aquecimento sem a
servir de suporte a um ferro elétrico, conforme
necessidade de agitação magnética. Hoje em dia,
mostram as Figuras 1 e 2. Esse suporte acomoda
nos laboratórios químicos de ensino ou pesquisa,
o ferro elétrico na posição invertida e constitui-se,
o uso de gás para aquecimento, devido à sua alta
basicamente, de uma caixa de madeira com uma de
periculosidade (vazamentos constantes, princípios
suas bases voltada para cima, possuindo um rasgo
de incêndio a que estão sujeitos e os acidentes
onde se encaixa o ferro de cabeça para baixo. Essa
pessoais), está diminuindo drasticamente. No
face é formada por uma parte fixa (madeira mais
Instituto de Química da Unicamp, por exemplo, é
clara) e outra (madeira mais escura) que se move
praticamente nulo o uso de gases no aquecimento.
no sentido longitudinal do corpo da caixa principal.
Tendo em vista o custo relativamente
Ao abrir, em forma de uma tampa deslizante, a
elevado de uma chapa de aquecimento, podendo
abertura em madeira mais escura permite modificar
chegar a até três mil reais, dependendo do modelo,
a posição do botão do ferro para a seleção da
estudou-se a possibilidade da utilização de um ferro
temperatura desejada.
elétrico doméstico convencional, para substituir
As dimensões da caixa, assim como do
a chapa de aquecimento, principalmente, em
rasgo onde se assenta o ferro, foram feitas de
laboratórios didáticos.
acordo com o modelo de ferro utilizado e assim
1
Instituto de Química, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP. E-mail: caja@iqm.unicamp.br
Aline Eiras Duarte et al.
deve ser na construção de qualquer dispositivo com outro modelo de ferro. O aquecimento da parte superior do ferro em contato com a madeira é insignificante para provocar queima da madeira. Esse dispositivo foi exibido no XIII ENEQUI em 2006 (Duarte et al) e na literatura há outra possibilidade de construção da referida chapa sem o uso da madeira (Pacheco; Ribas; Matsumoto, 2008).
3. Testes
do dispositivo
O desempenho desse dispositivo foi avaliado aquecendo-se 200 mL de água em um béquer de 400 mL, comparando-o ao de uma chapa de aquecimento convencional (980 W, marca Fisaton) Os resultados indicam que esse dispositivo pode substituir o modelo específico de chapa para aquecimento de soluções em temperaturas de até 90 °C. As chapas de aquecimento possuem seleção de temperaturas que variam entre 100 e 350 °C. A seleção de temperatura na chapa de aquecimento convencional não corresponde ao valor real da temperatura do que está sendo nela aquecida. Para que a água, por exemplo, entre em ebulição, a temperatura de uma chapa de aquecimento deve ser bem superior a 100 °C. Se o volume de água for bem elevado, algo como 1 litro, algumas chapas de menor potência, como a usada como comparação neste
Figura 1. Vista lateral do ferro elétrico adaptado como chapa de aquecimento.
artigo, não conseguem, inclusive, levar a água à ebulição. Neste trabalho, um dos nossos objetivos era a comparação do desempenho do ferro elétrico com o de uma chapa de aquecimento mais simples, de baixa potência e de menor custo, já que pretendíamos desenvolver um dispositivo de preço acessível. No ferro elétrico utilizado, as escalas de seleções de temperaturas são diferentes. Ali, não há referências às temperaturas e a escala aparece como: “1, 2, 3, lã, algodão e linho” o que significa ir da temperatura mais baixa (1) até a mais elevada (linho). As Tabelas 1 e 2 mostram os valores máximos de temperatura alcançados
Figura 2. Vista superior do ferro elétrico adaptado como chapa de aquecimento.
114
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
pela água para as diferentes seleções de temperatura.
Um Equipamento Alternativo: ferro elétrico como chapa de aquecimento
Tabela 1. Temperatura máxima atingida pelo aqueci mento da água na chapa de aquecimento convencional. Temperatura selecionada / ºC
Temperatura atingida pela água / ºC
100
54,0
150
64,0
200
85,0
250
91,0
300
97,5
350
97,5
em Maio de 2010. Fonte: FURLAB), enquanto a nova proposta utilizando o ferro elétrico custa em torno de 6 % desse valor, R$ 44,00 (www. walmart.com.br/ acessado às 9h em: 22 abr. 2010).
Tabela 2. Temperatura máxima atingida pela água aque cida no ferro elétrico adaptado. Temperatura atingida pela água /°C
1
74,0
2
73,0
3
72,0
Lã
82,0
Algodão
88,0
Linho
91,0
Temperatura Selecionada = 250°C
Temperatura Selecionada = 150°C
Temperatura Selecionada = 300°C
Temperatura Selecionada = 200°C
Temperatura Selecionada = 350°C
100 90 Temperatura (°C)
Escala selecionada no ferro elétrico
Temperatura Selecionada = 100°C
80 70 60 50 40 30 20
0
6
12
As Figuras 3 e 4 mostram a variação da temperatura da água em função do tempo de aquecimento para as diversas seleções de temperatura. As temperaturas máximas nos di
18
24
30
36
42
48
Tempo (min)
Figura 3. Curvas de aquecimento da água em tem peraturas variadas selecionadas na chapa de aque cimento convencional.
versos aquecimentos, para os dois dispositivos, mantêm-se estáveis em ± 3 ºC por cerca de uma
Algodão
hora seguida. novo dispositivo está no custo, que é inferior ao de uma chapa de aquecimento convencional. Como dito anteriormente, o objetivo foi possibilitar que instituições de ensino que não se disponibilizam de recursos financeiros suficientes para a aquisição de muitas chapas e que desejem eliminar o aquecimento por gases, possam fazer uso de um substituto mais barato. No mercado, a chapa convencional utilizada é vendida por cerca de R$ 680,00 (preço avaliado
Temperatura (°C)
A grande vantagem da utilização desse
Lã
Linho
100 90 80 70 60 50 40 30 20 0
6
12
18
24
30
36
42
48
Tempo (min)
Figura 4. Curvas de aquecimento da água, em diferentes seleções de temperatura (lã, algodão e linho) no ferro elétrico adaptado.
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
115
Aline Eiras Duarte et al.
4. Cuidados
necessários no uso
• Como em qualquer chapa de aquecimento, utilize apenas materiais em vidro apropriados para aquecimento; • Observe se o fio de conexão não está tocando na superfície aquecida do
• Em caso de acidentes com quebras do suporte de vidro, dê orientações sobre como desconectar o dispositivo da rede elétrica; • O uso não é recomendável para menores de 15 anos.
ferro, o que pode levar a um curto circuito. Esse acidente é muito comum, também, com chapas de aquecimento convencionais; • Coloque uma etiqueta no fio de conexão, informando a voltagem correta; • Coloque um aviso informando que o dispositivo pode estar quente; • Não limpe a superfície do ferro utilizando dispositivos abra sivos como lixas ou elementos cortantes; • Não aqueça líquidos inflamáveis ou corrosivos;
116
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
REFERÊNCIAS DUARTE, A. E. et al. Experimentos de Química Geral – Desenvolvimento de uma Chapa de Aquecimento a Partir de um Ferro Elétrico – Redução de Custo em Laboratórios de Ensino. XIII Encontro Nacional de Química (XIII-ENEQUI), Unicamp, 24 a 27 de Julho de 2006. Campinas/SP. PACHECO, J.R.; RIBAS, A. S.; MATSUMOTO, F.M. Equipamentos Alternativos para Laboratório de Ensino de Química: Chapa de Aquecimento e Calorímetro. XIV Encontro Nacional de Química (XIV-ENEQUI), UFPR, 21 a 24 de Julho de 2008. Curitiba/PR.
História da Química 01 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011 | p. 117-126
Francisco de Paula Castelló i Aleu: um químico elevado à honra dos altares Francisco de Paula Castelló i Aleu: a chemist raised to the honor of the altars Luis Kosminsky1
1. Traços
biográficos de um jovem químico
Francisco de Paula Castelló i Aleu nasceu em Alicante (Espanha) aos 19 de abril de 1914. Aos três meses de idade, perdeu seu pai. A mãe e seus três filhos (Teresa, Maria e Francisco) mudaram-se para Lleida, onde encontrava-se sua família (Sol; Torres, s/d.; Carbonell, 2001). O jovem Francisco iniciou seus estudos com a própria mãe, que era professora em Juneda. Continuou-os no Colégio dos Irmãos Maristas de Lleida (1924-1930), fazendo o assim denominado “bacharelado”. Mais tarde, transferiu-se para Barcelona, onde realizou estudos superiores no Instituto Químico de Sarriá (1930-1933), licenciando-se em Química pela Universidade de Oviedo em 1934. Seus estudos foram também validados pela Universidade de Barcelona. A partir de 1935, trabalhou na área química da Casa Cros, fábrica estabelecida em Lleida (Sol; Torres, s/d.; Carbonell, 2001). Francisco Castelló era inteligente e dedicava-se, continuamente, à reflexão científica e tecnológica, tendo a Química em mente em todas as circunstâncias e momentos de sua vida. Seus escritos evidenciam um espírito inventivo à busca de soluções para problemas químicos com que se deparara nos estudos e na vivência profissional. Direcionava, também, grande atenção e esforços ao planejamento e desenvolvimento de plantas de processos químicos, bem como se aplicava com afinco ao registro de equipamentos e vidrarias de laboratório através de desenhos minuciosos em seus projetos e “inventos” (Sol; Torres, s/d.; Carbonell, 2001). Na época dos estudos, Francisco dedicava seu tempo livre aos pobres e carentes em Barcelona, auxiliando-os espiritualmente e caritativamente na busca por 1
É Graduado, Mestre, Doutor e Pós-doutor em Química (USP), especializado em Engenharia Ambiental (UNICAMP) e tem capacitação em auditoria de SGI. É docente da FAAP e da Fundação Santo André, atuando em pesquisas relacionadas a Eletroanalítica, Desenvolvimento de equipamentos eletroquímicos e Meio Ambiente e sobre o Beato Químico Francisco Castelló Aleu.
Luis Kosminsky
melhores condições de vida. Mais tarde, atuou junto aos trabalhadores da indústria que o empregava, em Lleida, participando ativamente em suas necessidades e na defesa de seus direitos (Sol; Torres, s/d.; Carbonell, 2001). Demonstrava grande amor por Maria Pelegrí, de quem era noivo e a quem dirigiu uma carta de despedida, manifestando a retidão de suas intenções, após sua condenação. Como seu país passasse por tempos politicamente difíceis, inclusive com a supressão de muitos direitos individuais e perseguição religiosa, em julho de 1936, Francisco foi obrigado a ingressar no exército, lugar em que permaneceu por dez semanas. Não compactuou com a violência do regime nem da oposição. Foi preso e apresentado ao Tribunal Popular, sendo condenado à morte. A pena foi-lhe imputada no mesmo dia (29/09/1936), de fuzilamento marcado às 23h30min no cemitério local de Lleida, quando contava apenas 22 anos de idade. A Figura 1 é uma fotografia de Francisco tirada pouco tempo antes de sua morte. Uma testemunha do fuzilamento relatou que outros quatro jovens foram fuzilados com Francisco e que este, no momento derradeiro, disse aos algozes: Por favor, um momento! Os perdoo a todos e aguardo na eternidade (Carbonell, 2001).
2. O
“testamento intelectual” de Francisco Nas poucas horas decorridas entre a condenação e a execução de Francisco,
este escreveu uma carta ao seu colega de estudos de Química, Román Galán. Impressiona verificar que, ao escolher os temas a que se referiria em sua última mensagem em vida, Francisco ocupa mais da metade da carta tratando sobre Química, o que demonstra que esse assunto se encontrava fortemente arraigado em seus pensamentos e ocupações. Os relatos químicos na carta são como uma solicitação para que o amigo desse continuidade aos experimentos iniciados por Francisco. Versando sobre o desenvolvimento de uma bomba de amônia, com características eminentemente tecnológicas e de aplicação prática no desenvolvimento da indústria de refrigera ção, o texto põe em destaque o desejo de Francisco em contribuir para a melhoria das condições de vida e, portanto, do mundo, pela Química. É certo que Francisco já não esperava haurir frutos para si mesmo de sua Ciência, mas desejou contribuir com seus conhecimentos pelo bem da humanidade e para o avanço da própria Ciência. Merece destaque na carta o fato de que Francisco quis legar seu “livreto” com apontamentos químicos como seu testamento intelectual, o que denota possuir uma visão bastante favorável acerca da ciência química. Muito importante, também, é encontrar orientações práticas sobre os procedimentos para a realização dos ensaios descritos no livreto, o que demonstra que o Químico Francisco nutria o desejo de que a Química progredisse mesmo após a sua morte. Pode-se perceber, através disso, que Francisco possuía uma visão de avanço contínuo da Ciência,
118
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
Francisco de Paula Castelló i Aleu: um químico elevado à honra dos altares
através da soma de fatos e conhecimentos ao longo do tempo, para o qual ele próprio quis oferecer tudo o que acumulara em suas reflexões e buscas científicas ao longo da própria vida. A seguir, encontra-se a tradução da referida carta: Querido Padre: Escrevo estas letras estando condenado à morte e faltando umas horas para ser fuzilado. Estou tranquilo e contente, muito contente. Espero estar na glória dentro de pouco tempo. Renuncio aos laços e prazeres que me pode dar o mundo e ao carinho dos meus. Dou graças a Deus porque me dá uma morte com muitas possibilidades de salvar-me. Tenho um livreto, no qual apontava as ideias que me ocorriam (meus inventos). Farei que o mandem a você. É o meu pobre testamento intelectual. Trata-se de um compressor de amoníaco. O Hg pode ser substituído por um líquido qualquer, em circuito fechado, as válvulas por válvulas metálicas e a pressão por uma simples bomba centrífuga com pressão.
Lhe sou muito grato. Rogarei por você. Lembranças aos de Pravia. Francisco Castelló.
Ao que parece, o “livreto” mencionado na carta consiste de um caderno pequeno, com propostas inventivas e vários desenhos de equipamentos feitos pelo próprio Químico Francisco. Trata-se de uma coletânea dos inventos contemporâneos a ele e que mais lhe chamaram a atenção, além de conter suas propostas pessoais para o aperfeiçoamento deles. Existem, também, propostas inovadoras de Francisco elencadas e, algumas vezes, testadas. O material começa com um índice contendo 17 itens, sem a respectiva numeração de página. A seguir, cada item é ricamente descrito com orientações de procedimentos e ilustrações. O desenho feito na carta parece ser parte de um conjunto maior de equipamentos (Figura 2), presente no item 3 do caderno, sob o título de Compresor de mercuri (compressor de mercúrio). O texto sobre o equipamento na carta
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
119
Luis Kosminsky
diz “compressor de amônia” e propõe a substituição do Hg por “outro líquido”. Precisamente por isso, reconhece-se o livreto como herança, pois, ao final do item 3, encontra-se o texto: La gran dificultat del compresor d’ NH3 a Hg es l’elevat press del Hg (14 ptes el Kg) que el fa prácticamente inacalisable.
É significativo o fato de a atenção do Químico Francisco estar voltada sobremaneira para o experimento referente à bomba de amônia. Isso demonstra tratar-se de um rapaz atualizado sobre os desenvolvimentos da área científica de sua época e sobre o que se desenvolvia de novas tecnologias na indústria Química. Cabe ressaltar, que o livreto de Francisco foi escrito na década de 1930, exatamente o momento histórico em que foram descobertos e sugeridos como refrigerantes os CFCs, gerando discussões e intensificando as experimentações sobre o emprego
120
REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE química | Volume 06 | Número 1/2
Francisco de Paula Castelló i Aleu: um químico elevado à honra dos altares
dos ciclos de expansão-compressão de gases na indústria de refrigeração. Sem dúvida, o uso da bomba de amônia foi importantíssimo para a conservação de alimentos e para a indústria química do século XX, o que revela o quão adiantado era o tipo de pensamento desse jovem químico.
Além disso, as páginas que trazem a proposta de Francisco sobre a bomba de amônia contêm dados precisos de sua operação, como pode ser visto no topo da Figura 2, em que são apontados os valores de pressão de aspiração (3 atmosferas) e de compressão (5 atmosferas) a serem empregados, com a significativa expressão calculat (calculados). Ao longo da descrição dos procedimentos, esses valores são mencionados novamente na mesma página. Mais adiante, logo após a constatação da dificuldade de elevar muito a pressão de Hg requerida no uso da amônia, Francisco propõe a elaboração de uma Bomba de SO2, o que era justamente a pesquisa corrente na época. Como
vantagens, o pesquisador Francisco apresenta o fato de poder trabalhar em pressões inferiores à atmosférica e reduzir a quantidade de Hg utilizada. Na sequência, é apresentada no livreto uma tabela manuscrita de dados sobre o SO2 (Figura 3). De ambos os conjuntos de dados, conclui-se que Francisco não apenas idealizava seus
“inventos”, mas também desenvolvia cálculos numéricos, pesquisas bibliográficas de parâmetros físico-químicos e ensaios práticos com os mesmos, em vista de poder aplicá-los na prática. Existem no livreto algumas citações de revistas científicas, sobretudo da Chemie & Industrie, periódico que foi publicado pela Société de Chimie Industrielle, da França, entre 1918 e 1966. São citados, explicitamente, os volumes 32 e 33, publicados, provavelmente, entre 1934 e 1936, o que comprova que o jovem Francisco mantinha-se continuamente atualizado sobre o universo químico, embora não conste que tenha mantido vínculo com a academia ou com a Universidade após concluir sua graduação. Francisco possuía um típico espírito de pesquisador e cientista, interessado em acompanhar, ainda que por conta própria, os desenvolvimentos da comunidade científica, mesmo estando na jovial idade de 20/21 anos. A expressão “consultes a Ibérica” inicia outro ponto do material, seguida de questionamentos terminados com interrogações, indicando tratar-se de lembretes sobre consultas que precisaria realizar nessa fonte para subsidiar suas
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pesquisas em andamento. Os questionamentos versam sobre os experimentos 13, 3 e 7, respectivamente, de seu índice de inventos e são assim numerados. Após as questões, esta seção é encerrada pela frase La adresse de la revista cientifica francesa ‘La Nature’ (o endereço da revista cientifica francesa La Nature). Esta revista foi publicada semestralmente entre os anos 1873 e 1962, e continha seções dedicadas à Química. A questão relacionada ao invento 3 refere-se à busca de uma forma de atingir “14 ptes” com mercúrio, concordando com o que é apresentado na seção do livreto que trata sobre o compressor, conforme apresentado anteriormente. No volume referente ao primeiro semestre de 1934 da revista La Nature, encontra ‑se um extenso artigo sobre as dificuldades de obtenção e usos do mercúrio. Provavelmente, Francisco intencionava escrever ao autor do artigo solicitando sugestões e para realizar trocas de informações sobre seus experimentos, por isso buscou o endereço da revista. Examinando-se os artigos da La Nature dos anos de 1933 a 1936, é possível concluir que a revista serviu como uma das fontes de pesquisa e de inspiração a Francisco Castelló na elaboração de seus “inventos”, trazendo temas similares aos de seu interesse, como a exploração de minas, o desenvolvimento de aparatos físicos, o uso da eletricidade e de campos magnéticos e, sobretudo, a química tecnológica. No mesmo “livreto herança” de Francisco, existem outras propostas de vanguarda de equipamentos e instrumentação. Como exemplo, pode-se citar a “Roda de bicicleta magneto”, que consistia de uma bicicleta com dois imãs, sendo um atado à estrutura fixa e outro a um dos aros da roda. Lê-se nessa página, também ricamente ilustrada, que a corrente induzida seria “suficiente para gerar iluminação”. Os outros apontamentos são, em sua grande maioria, químicos e versam sobre estabilização de gases, uso e extração de minérios e minerais e análises de materiais. Merece destaque uma página intitulada Petites idees (pequenas ideias), na qual são listadas 23 ideias que, provavelmente, Francisco pretendia desenvolver melhor futuramente. Uma delas salta aos olhos, pois diz, textualmente, “uso de etanodiol em radiadores”. Ora, a primeira planta de produção industrial dessa substância data de 1926 e, ao que consta, seu emprego em escala para evitar o congelamento em radiadores iniciou-se apenas a partir de 1937, com o desenvolvimento de uma nova rota sintética que permitiu sua obtenção em grande quantidade. Nota-se que Francisco, mais do que um visionário, era um cientista com raciocínio de ponta para seu tempo, acompa nhando as ciências básicas e prevendo seu emprego no desenvolvimento de tecnologias. Além de uma cópia desse livreto, felizmente, foi possível conseguir cópias dos outros escritos científicos e escolares recolhidos do Químico Francisco. Entre eles, encontram-se dois espessos Diários de Laboratório, sendo um correspondente aos anos 1930 a 1931, versando sobre o Curso de Química
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Mineral e outro aos anos 1931 a 1932, referente ao Curso de Análisis Químico. Cada experimento realizado é minuciosamente descrito de forma manuscrita, com vários apontamentos pessoais e anotações de dados obtidos. Algumas dessas páginas são ricamente ilustradas com desenhos feitos a mão dos equi pamentos. Há, também, um conjunto de folhas contendo rascunhos de contas e equipamentos, apontamentos sobre o que parecem ter sido trabalhos realizados em grupo, anotações sobre palestras que assistiu e desenhos de peças com cotas e figuras que parecem ter sido produzidas em aulas de desenho técnico. Particularmente interessante, neste material, é a citação de uma palestra sobre o uso de energia térmica dos oceanos. As anotações manuscritas de Francisco são minuciosas sobre as informações que foram proferidas na ocasião, tanto sobre o arcabouço teórico, de funcionamento do mecanismo de aproveitamento das diferenças de temperatura da água, quanto com relação aos testes que foram realizados sem obter sucesso pelo seu proponente. As anotações seguem com uma reflexão do cientista Francisco, que diz aqueles repetidos fracassos não significam a impossibilidade de pôr em prática o método. A sua experiência servirá para que outro triunfe.
Essa colocação mostra o espírito de persistência de Francisco, deixando transparecer sua concepção metodológica da Ciência, que o envolvia em uma contínua busca de adaptações e planejamentos dos experimentos, em vista de se atingir os objetivos almejados, sobretudo quando estes eram tecnológicos. A inscrição reforça também a percepção já relatada, de que Francisco concebia a Ciência como capaz de contínuos avanços pelo acúmulo de experimentações e reflexões. Esse estudo de caso é, também, significativo, porque nele encontra ‑se uma análise de conjunto feita por Francisco no último parágrafo. Ali, são exaltadas as vantagens potenciais da técnica como a geração de energia e o eventual fornecimento de água fria para irrigação, iniciando-o com a frase As possibilidades deste invento são grandiosas. Assim, observa-se que Francisco
não se portava como mero espectador dos projetos de seu tempo, mas se envolvia pessoalmente com eles, acompanhando seus resultados e opinando sobre eles. Contudo, o que melhor representa a capacidade de Francisco de tecer análises tecnológicas de dados com visão de futuro é o comentário que registra, ao final do estudo de caso, dizendo o homem terá que recorrer a estes imensos depósitos de energia, porque lhe serão insuficientes os de que atualmente dispõe. Tal conclusão foi
tirada décadas antes da crise do petróleo, bem como do advento das discussões de matiz ambiental sobre fontes renováveis de energia. Em outro caderno localizado e bem conservado, encontram-se exercícios resolvidos, descrições sobre a química de alguns elementos e anotações , aparentemente, de aulas de química analítica qualitativa. Há, ainda, desenhos de equipamentos, outros rascunhos de contas, algumas páginas referentes à geometria
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analítica (estudo de parábolas) e outras escritas em Inglês sobre o estudo desse idioma. Por fim, existem duas folhas avulsas de caderno, uma com informações trigonométricas e medidas experimentais de ângulos, e outra com anotações de alguns comprimentos. Da análise de todo esse material, observa-se que Francisco era um aluno dedicado, interessado desde o geral até cada detalhe do que aprendia em aula, preocupando-se em registrar tudo em seu caderno. A ciência Química é vista com muito apreço por ele e, cada informação obtida, é elencada como que em uma anotação de lembretes para usos posteriores e sistematizações que fazia em seus estudos, com o cruzamento das mesmas. Como a vida de Francisco, apesar de breve, foi intensa e produtiva em diferentes segmentos, pretende-se prosseguir os estudos sobre os escritos desse ilustre Químico, tanto sobre os aspectos científicos de sua vida, quanto sobre suas reflexões humanas. Para tanto, almeja-se pesquisar o contexto em que seus inventos foram registrados no livreto, bem como acerca da eventual viabilidade de suas propostas científicas. Paralelamente, outros estudos sobre a personalidade e o contexto histórico da vida de Francisco serão também conduzidos.
3. O
aspecto humano do químico Francisco Graças a vivência de Francisco em grau heroico de suas virtudes, em 1958
teve início sua Causa de Canonização (http://www.bisbatlleida.org). Em 11 de março de 2001, Francisco foi declarado Beato (última etapa antes de ser declarado Santo) pelo Papa João Paulo II. Na ocasião, o Papa disse a seu respeito: Não menos edificante foi o testemunho dos demais mártires, como o jovem Francisco Castelló i Aleu, de vinte e dois anos, químico de profissão e membro da Ação Católica que, consciente da gravidade do momento não se escondeu, mas ofereceu a sua juventude em sacrifício de amor a Deus e aos irmãos (http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/homilies/2001/ documents/hf_jpii_hom_20010311_beatification_po.html).
A citação da profissão de Francisco no dia de sua Beatificação vincula-o, indelevelmente, à classe dos Químicos, e tem proporcionado uma visibilidade deste segmento em diferentes setores sociais, creditando-lhe aspectos positivos e deixando transparecer a existência do aspecto humano nos executores da ciência. Algumas frases ditas por Francisco em suas reflexões e militâncias pessoais celebrizaram-se como a cada contrariedade, um sorriso e não murmurar mais, e sim ver as coisas boas; e há tantas coisas maravilhosas a se contemplar na vida! Olhar o firmamento, as aves, as árvores e as plantas... Sem dúvida, essas reflexões servem também de
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inspiração aos homens e mulheres de todos os tempos que, comparti lhando a mesma formação acadêmica ou atuação profissional de Francisco, buscam atuar na construção de um mundo melhor (http://www.franciscocastello.com.br).
4. Conclusões
O lema do AIQ, Química por um mundo melhor, foi um ideal vivido intensamente por Francisco de Paula Castelló i Aleu. Seu desejo de que a Química progredisse, mesmo após a sua morte, como manifestado em sua última carta, e o empenho de sua juventude pela Ciência que amava, tornam Francisco um excelente modelo para os Profissionais da Área Química. A jovialidade de Francisco é também um estímulo de persistência nos estudos para os jovens, e sua coragem decidida diante de um mundo conturbado é um encorajamento aos Químicos de todos os tempos. Além disso, nota-se em seus escritos ter sido ele um pesquisador nato, com autodeterminação para a atuação junto à comunidade científica, desejando legar a esta tudo que suas reflexões e experimentações pudessem agregar ao conhecimento útil.
REFERÊNCIAS SOL, R.; TORRES, C.; Francesc de P. Castello i Aleu, Mártir de Crist. In: CRISTIANES, A. Presencia i significació Del cristianisme em la História i la societat de Lleida. Material de divulgação da Comissió Diocesana Pro Canonitzacio Del Beat Francesc Castello, s/d. CARBONELL, R. M. D. Francesc de P. Castello i Aleu. Servent de Deu fins a la mort. 2. ed. ampl. Barcelona: Abadia de Montserrat, 2001. FRANCISCO DE PAULA Castelló i Aleu. Químico e Bem-Aventurado. Disponível em: <http://www.franciscocastello.com.br>. Acesso em: 21 abr. 2011. HOMILIA DO SANTO padre na Beatificação de José Aparício Sanz e de 232 companheiros mártires na Espanha. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/ homilies/2001/documents/hf_jp-ii_hom_20010311_beatification_po.html>. Acesso em: 21 abr. 2011.
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História da Química 02 | Volume 06 | Número 1/2 | Jan./Dez. 2011 | p. 127-132
História Química e Afetiva do Chocolate Chemical and Emotional History of Chocolate Robson Fernandes de Farias1 e Deyse de Souza Dantas2
O chocolate3 foi descoberto no México, pelos espanhóis, onde já era consumido pelas populações nativas (os astecas). A contribuição original dos espanhóis foi a de acrescentar ao chocolate o açúcar, em vez da apimentá-lo, como faziam os astecas. Em 1527, Hernán Cortés4, brutal conquistador, enviou uma amostra de sementes de cacau ao imperador Carlos V, devido à “conquista” da Espanha pelo chocolate verificando-se já ao final do século XVI. Contudo, no restante da Europa sua aceitação foi bem mais lenta, sendo preciso esperar até o século XIX para que o chocolate (ou antes, o cacau) viesse a se tornar um dos significativos produtos do comércio internacional. O chocolate desempenhava importante papel nas cerimônias religiosas astecas, tendo sua importância refletida no uso das sementes de cacau como moeda de troca entre aquele povo. Com esse grãos tudo podia ser adquirido, desde ouro e escravos até prostitutas.
Cortés 1
E-mail: robsonfarias@pq.cnpq.br
2
Bacharel em Farmácia-Bioquímica e Mestre em Biologia Molecular pela UFRN. Doutora em Biologia Molecular pela UNICAMP. Profa. das Faculdades Maurício de Nassau em Natal-RN. Desenvolve pesquisas na área de resolução de proteínas.
3
Define-se como chocolate o produto obtido a partir da mistura de derivados de cacau: massa (ou pasta ou liquor) de cacau, cacau em pó e/ou manteiga de cacau, com outros ingredientes, contendo, no mínimo, 25 % (g/100 g) de sólidos totais de cacau. O chocolate branco deve conter, no mínimo, 20% (g/100 g) de sólidos totais de manteiga de cacau.
4
Hernán Cortés Monroy Pizarro Altamirano (1485-1547). Embora tenha entrado para os livros de história como Hernán Cortés, o próprio Cortés denominava-se Hernando Cortés ou ainda Fernando Cortés.
História Química e Afetiva do Chocolate
Frutos e sementes do cacau
O fruto do cacaueiro (Theobroma5 cacao) tem cerca de 20 a 50 sementes, a partir das quais se prepara um manteiga à qual os astecas acrescentavam diversos produtos, a depender da preparação, como o pimentão, o urucum e cogumelos alucinógenos, estando estes entre os ingredientes mais comuns. A depender do que fosse adicionado, o chocolate terminava por adquirir a função de medicamento, de afrodisíaco, de alimento etc6. A fabricação do chocolate pelos astecas7 seguia as seguintes etapas: as sementes eram esmagadas e trituradas com pimentão, depois fervidas até que a mistura se tornasse espumosa. A beberagem assim obtida era considerada pelos espanhóis demasiado amarga e picante, imprópria para consumo humano. Tal fato apenas ilustra o quanto as diferenças culturais influenciam profundamente não apenas nossos padrões estéticos, mas também os gustativos. Algumas versões apontam para o fato de que a adição de açúcar ao chocolate teria sido iniciativa (com data incerta) dos próprios mexicanos, com a expansão das plantações de cana de açúcar naquele país tendo contribuído para essa inovação. Na Espanha, após uma resistência inicial, o chocolate passou a ser consumido por todos, desde as mulheres da camada aristocrática da população até os eclesiásticos. O progressivo aumento do consumo levaria os espanhóis a promover o plantio do cacau na Venezuela, somando-se às que há existiam no México e na Guatemala. Entre o final do século XVI e início do XVII, o consumo de chocolate se estenderia, da Espanha, para Florença, Veneza, Nápoles (que então eram reinos independentes, uma vez que ainda não ocorrera a unificação da Itália),
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5
Theobroma, significa, em grego, “alimento dos deuses”. A planta foi assim batizada por Linneu, o célebre criador da classificação sistemática botânica.
6
Cada semente possui elevado teor de gordura e água. Por isso, nas fazendas de cacau, elas ficam secando ao sol durante oito dias.
7
Os astecas bebiam o tchocolalt, uma mistura de grãos de cacau e mel, a qual era considerada uma bebida afrodisíaca e sagrada. Na língua astaca, tchocolalt significa “água amarga”.
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História Química e Afetiva do Chocolate
Alemanha, Inglaterra e Holanda, sendo holandeses, nessa época, os navios que transportavam o cacau da Venezuela para a Espanha8. Na França, seria durante o reinado de Luís XIV que o consumo do chocolate se disseminaria entre os aristocratas. O rei concederia a David Chaillon, em 1659, licença para que uma versão mais popular do chocolate fosse vendida a todos. Contudo, uma xícara de chocolate ainda era apreciavelmente mais cara (o dobro ou triplo do preço) do que uma xícara de café ou de chá. Entre 1730 e 1734, cerca de 43 mil toneladas de cacau venezuelano seriam levadas para a Espanha, demonstrando o grande aumento do consumo do chocolate, que, a essa altura, tornava-se bebida conhecida em toda a Europa. Coenraad Van Houten, em 1825, desenvolveria, por sua vez, uma maneira de separar o licor da manteiga de cacau. A partir do licor, obteria-se chocolate em pó de melhor qualidade, permitindo a criação do que seria o primeiro chocolate em barra.
Van Houten
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O não plantio do caucaueiro na Europa justifica-se pelas características da planta, visto que o cacaueiro é uma árvore equatorial e tropical, a qual adapta-se melhor em altitudes entre 400 - 700 metros, e que necessita de chuvas regulares, solo profundo e fértil. Sua altura atinge entre 5 e 10 metros, com os primeiros frutos podendo ser colhidos de dois a três anos do plantio. É uma árvore frágil, sensível a extremos climáticos e muito vulnerável às pragas como a chamada “vassoura de bruxa”, que devastou os cacaueiros baianos em passado recente. A vassoura de bruxa é a principal doença do cacaueiro, tendo sido detectada, pela primeira vez no Brasil, em 1989. Existem basicamente três variedades de cacau: Forastero, Criollo e Trinitário. A variedade forastero é encontrada nas lavouras brasileiras, sendo mais resistente a doenças. É responsável por cerca de 80% da produção mundial de cacau.
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Em 1847, J. S. Fry & Sons, em Bristol, na Inglaterra, passaram a produzir o chocolate na forma sólida, obtido ao pressionar o chocolate fundido (retirando‑se, assim, boa parte da manteiga de cacau). Na Suíça, atualmente célebre pela excelência de seu chocolate, a primeira chocolateria seria construída na cidade de Vevey, em 1819. O famoso “chocolate ao leite”, tão apreciado atualmente, foi uma contribuição suíça, introduzida por Henry Nestlé, em 1876, quando teve-se a ideia de acrescentar, além do açúcar, leite condensado na preparação do chocolate. Progressivamente, o chocolate seria cada vez menos consumido como uma bebida e, cada vez mais, na forma sólida, sob forma de barras9.
Henry Nestlé
Os principais componentes do cacau são os açúcares, amido, lipídios (presentes na manteiga de cacau), protídios, teobromina, cafeína, taninos, corantes naturais (antocianinas) e substâncias inorgânicas (tais como sais de potássio e fosforo). No chocolate10, encontramos a teobromina11, também encontrada nas sementes do guaraná. A teobromina, assim como a cafeína, é um alcaloide do grupo das metil-xantinas. Do ponto de vista médico-farmacológico, um dos usos modernos da teobromina é como vasodilatador.
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9
O cacau elaborado gera três produtos: manteiga de cacau, cacau ou chocolate em pó e chocolate em barra. Os diferentes tipos de chocolate contêm diferentes percentuais de açúcar: 60% no chocolate ao leite, 59,4 % no chocolate branco e 51,4 % no chocolate meio amargo.
10
O chamado “chocolate branco”, praticamente, não contém teobromina. O chocolate branco, invenção suíca (pós primeira guerra mundial) é feito com manteiga de cacau, leite em pó, açúcar e essência de baunilha. A manteiga de cacau possui formas cristalinas diferentes, cada uma com diferentes pontos de fusão.
11
3,7-dimetilxantina, ou 3,7-diidro-3,7-dimetil-1H-purina-2,6-diona.
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História Química e Afetiva do Chocolate
Algumas pesquisas apontam a teobromina como a substância responsável pelo vício em chocolate que acomete determinadas pessoas. O
CH3 N
HN O
Teobromina
N
N CH3
Além dos carboidratos e das gorduras, o cacau é rico em minerais essenciais, como magnésio, cobre, potássio e manganês. Os efeitos afrodisíacos do chocolate possivelmente podem estar relacionados à ação vasodilatadora da teobromina, além de estarem comprovados os efeitos do chocolate no aumento da produção da serotonina, substância responsável pela sensação de prazer, aliviando a depressão e a ansiedade (isso também explicaria o vício de algumas pessoas em chocolate). NH2
Serotonina
HO N H
No Brasil, o cultivo de cacau teve o seu início no século 19, em Ilhéus, Bahia, ainda hoje principal região produtora do país. Tal cultivo teria significativas consequências socioeconômicas, como o surgimento dos senhores e “coronéis” do cacau na Bahia, fenômeno eternizado em alguns romances de Jorge Amado como o conhecido “Terra do sem fim”, o qual foi também transformado em telenovela, pela rede Globo. O romance é de 1943, e a novela, de 1981.
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