ReBEQ v.8 n.2 - Revista Brasileira de Ensino de Química

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ISSN 1809-6158

VOLUME 08 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2013


VOLUME 08 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 13 Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias – UFRN Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP

Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe­ cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali­ zação e otimização do Ensino de Química.

Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq Revisão

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional

Helena Moysés Capa e Editoração Eletrônica Fabio Diego da Silva

1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos.

Patrícia Lagoeiro

CDD 540

Indexada

Índice para Catálogo Sistemático 1. Química

A division of the American Chemical Society

540

Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.

Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br


Sumário 7

Editorial

Artigos

10

Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio Anna Paula Machado Cunha e Juliana do Nascimento Gomides

23

Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro, Daguia de Medeiros Silva, Ana de Fátima Costa da Silva

Relatos de Experiência

34

Heloisa Helena J. Ferreira e Carmem Lúcia C. Amaral

45

Marizete Barbosa da Silva, Anelise Maria Regiani e Aline Andreia Nicolli

58

Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida

Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente Kátia Dias Ferreira Ribeiro, Karla Amâncio Pinto Field’s e Sandra Cristina Marquez Araújo

Química Verde

69

A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso Vânia Gomes Zuin


Instrumentos e Criatividade

83

O picnômetro, o paquímetro e o ovo José de Alencar Simoni

História da Química

91

A conturbada descoberta do Háfnio José M.F. Bassalo e Robson F. de Farias

95 Resenha

97

Normas para Publicação


Contents 7

Editorial

Articles

10

Anna Paula Machado Cunha and Juliana do Nascimento Gomides

23

Chemical recycling of PET and its benefits to the society and to the Chemistry Teaching

Wine production as teaching sequence proposal for Chemistry classes

Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro, Daguia de Medeiros Silva and Ana de Fátima Costa da Silva

Experiences Account

Teaching 34 The description

of Quantitative Analytical Chemistry: a successful experience

Heloisa Helena J. Ferreira and Carmem Lúcia C. Amaral

45

Plastics and their economic and environmental impacts in the chemistry teaching Marizete Barbosa da Silva, Anelise Maria Regiani and Aline Andreia Nicolli

and implementation of proposed 58 Construction reflection on an activity in teacher formation

themes of Chemical education:

Kátia Dias Ferreira Ribeiro, Karla Amâncio Pinto Field’s and Sandra Cristina Marquez Araújo

Green Chemistry

69

The environmental dimension and Green Chemistry in the initial training of Chemistry teachers: reflections of a study case Vânia Gomes Zuin


Tools and Creativity

83

The pycnometer, pachymeter and the egg JosĂŠ de Alencar Simoni

Chemistry History

91

The troubled discovery of Hafnium JosĂŠ M.F. Bassalo e Robson F. de Farias

95 Review

97

Editorial Standards


Editorial As questões ambientais sempre ocuparam uma posição de destaque em nossas vidas e, atualmente, são tratadas de forma incisiva: se não aprendermos a preservar o meio ambiente, as futuras gerações não se sustentarão! Esta preocupação já é manifestada no ensino fundamental e nos acompanha ao longo de toda a nossa formação pessoal e profissional. Mantendo esta discussão sempre atual, a ReBEQ vem divulgando trabalhos que focalizam o gerenciamento de resíduos em laboratórios de ensino e pesquisa, bem como outras práticas dirigidas às questões ambientais. Neste número, encontramos mais dois trabalhos cujo enfoque é a reciclagem/reaproveitamento de polímeros em nosso cotidiano. A ideia é orientar os alunos sobre a importância que estes materiais têm em nossas vidas, ao mesmo tempo em que somos forçados a aprender a reaproveitá-los. Apesar de os polímeros estarem intimamente relacionados às questões ambientais, eles estão muito longe de serem a causa majoritária desta preocupação. Na verdade, todo e qualquer processo químico que gere resíduo, seja devido ao baixo rendimento, seja devido ao baixo aproveitamento de átomos, ou pela necessidade de quantidades apreciáveis de solvente, representa uma séria preocupação ambiental. Podemos dizer que, hoje, para que um produto ou processo seja importante, além de ele ter que ser economicamente viável, ele não pode agredir o meio ambiente. Ele tem que ser verde! Neste número da ReBEQ inauguramos a seção Química Verde – supervisionada pela Profª Drª Vânia Zuin –, que divulgará os trabalhos sobre este importante ramo da ciência, que tem ocupado, cada vez mais, uma posição de destaque no cenário mundial. Convidamos os leitores da ReBEQ que ainda não têm familiaridade com este assunto a se atualizarem, ao mesmo tempo em que convocamos aqueles que atuam nessa área a divulgarem seus trabalhos através da ReBEQ.

Coordenação Editorial



Artigos Articles

Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio Wine production as teaching sequence proposal for Chemistry classes Anna Paula Machado Cunha e Juliana do Nascimento Gomides

Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química Chemical recycling of PET and its benefits to the society and to the Chemistry Teaching Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro, Daguia de Medeiros Silva, Ana de Fátima Costa da Silva


Artigo 01 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013

p. 10-22

Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio Wine production as teaching sequence proposal for Chemistry classes Anna Paula Machado Cunha1 Juliana do Nascimento Gomides2

Resumo O presente trabalho teve como foco elaborar sequências didáticas sobre o processo de fabricação do vinho, relacionando-o com os conteúdos de química geral do ensino médio. Para a obtenção dos dados, realizaram-se pesquisas bibliográficas de caráter qualitativo, tendo como intuito a elaboração de uma proposta na forma de sequências didáticas, utilizando a temática da produção do vinho. Foi possível elaborar quatro (4) sequências didáticas através dos processos de fabricação do vinho, relacionando-as com os seguintes conteúdos químicos: conceitos de reações químicas, lei da conservação das massas, lei da velocidade das reações, transformação da matéria, separação de misturas: filtração e funções inorgânicas: ácidos e bases. Essas sequências didáticas são importantes no ensino desta disciplina, facilitando a ação do professor e contribuindo para a melhoria do entendimento dos conteúdos propostos. Palavras-chave: Fermentação; Contextualização; Destilação do vinho. Abstract The present work focused on preparing teaching sequences about the process of wine making, relating it to the contents of general high school chemistry classes. 1. Aluna do Curso de Química-Licenciatura do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara-GO. 2. Professora/Orientadora do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara-GO.


Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio

To obtain the data, qualitative literature searches were conducted, having as objective the development of a proposal of didactic sequences, using the wine production theme. It was possible to prepare four (4) teaching sequences through the wine making process, relating them to the following chemical contents: concepts of chemical reactions, law of mass conservation, law of reactions speed, transformation of substance, separation of mixtures - filtration and inorganic functions - acids and bases. These teaching sequences are important in this discipline, facilitating the teacher´s work and contributing to improve the comprehension of the content areas. Key-words: Fermentation; Contextualization; Wine distillation.

1

Introdução

madura, sendo gerado por meio do aprimoramento de Louis Pasteur. A fermentação alcoólica apre-

A química é a ciência que estuda as modifica-

senta dezenas de componentes –, produzidos por

ções e características das espécies que encontra-

vários tipos de leveduras que transformam os açú-

mos na natureza; em vista disso, aprender química

cares – além da água e do álcool (Liz, 2010).

é entender como a atividade humana tem se desen-

O vinho é uma bebida obtida através da extra-

volvido ao longo dos anos, como os conceitos

ção do fruto da videira, pertencente ao gênero

explicam os fenômenos que nos rodeiam e como é

Vitis spp, nome que se aplica a cerca de sessenta

possível fazer o uso de seu conhecimento na busca

espécies da família das vitáceas, com varieda-

de alternativas para melhorar as condições de vida

des que podem ser consumidas ao natural, como

do planeta (Salvadego, 2008).

frutas de mesa, dessecadas ou para a produção

A busca em fazer educação utilizando a con-

de suco ou vinho (Salgado, 2009). Diante desses

textualização de um tema, tal como a química do

fatos, a temática do vinho possibilita a compreen-

vinho, requer, portanto, pesquisas e interação com

são de conceitos químicos vivenciados em sala de

o assunto, utilizando materiais de ensino e técnicas

aula, de forma interdisciplinar e contextualizados

instrucionais que trazem avaliações de seus impac-

(Lobato, 2005).

tos, procurando identificar como os alunos enten-

Partindo desse princípio, levanta-se o seguinte

dem as idéias químicas e atribuem significados a

problema: é possível relacionar o tema vinho e

elas (Chassot, 2004).

seus processos de fabricação aos conteúdos da dis-

A compreensão do tema, como sequências

ciplina de química no ensino médio?

didáticas no ensino de química, pode se basear

Nessa perspectiva, Mello (2004) argumenta

no estudo do cotidiano do aluno, relacionando os

que o ensino de Química possibilita ao aluno a

conteúdos químicos de forma a facilitar a apren-

compreensão dos processos químicos no sentido

dizagem e, ainda, oportunizar a organização de

de construir o conhecimento científico, facilitando

informações e ampliação do conhecimento dos

o entendimento quanto à sua aplicação na socie-

conteúdos químicos.

dade, permitindo-lhe construir uma nova interpre-

O vinho pode ser caracterizado como uma bebida obtida pela fermentação da uva fresca e

tação do mundo, estando consciente de seu poder em transformar a sua realidade.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio

Em vista disso, este trabalho se justifica pela

tos químicos que permitam refazer essas leituras

necessidade de poder ampliar o conhecimento

do mundo, agora com fundamentação também na

dentro do próprio cotidiano do aluno, procurando

ciência (Chassot, 2004). Além disso, é importante

estabelecer um vínculo entre o ensino-aprendiza-

no estudo de ciências que o professor conduza o

gem e o tema proposto. Isso leva os alunos a uma

educando não somente a distinguir as mudanças

melhor compreensão do processo de fabricação

da natureza, mas, também, a sentir os efeitos que

do vinho para um estudo diferenciado, criando

podem influenciar a vida de cada indivíduo.

oportunidade de trabalhar a contextualização na

Dessa forma, espera-se um envolvimento muito

disciplina de química, possibilitando que o ensino

grande por parte dos alunos, por serem, eles mes-

torne-se de maior significado para o educando,

mos, os autores de seus conhecimentos, sendo o

favorecendo a reflexão e intervenção na realidade.

professor de tal construção (Schnetzler; Aragão,

Sendo assim, elaboramos sequências didá-

1995).

ticas sobre o processo de fabricação do vinho,

Assim, Zabala (1998) argumenta que o ensino

relacionando-o aos conteúdos de química geral

de química deve possibilitar ao aluno o seu envol-

do ensino médio. Nessa direção, cumpriram­‑se os

vimento numa visão crítica do mundo que o cerca,

seguintes objetivos específicos: abordar as etapas

podendo ainda analisar, compreender e utilizar este

do processo de fabricação do vinho; identificar os

conhecimento para reconhecer a química como

compostos químicos presentes no vinho e contex-

parte integrante de nossas vidas, sendo, assim, a

tualizá-los com conteúdos presentes na disciplina

melhor maneira de atrair a atenção dos alunos.

de química e propor uma oficina didática através da construção de um destilador para a fabricação do vinho. Em conexão com estas considerações, Sousa (2010) diz que fazer educação através da química significa um desenvolvimento constante em depositar a ciência a serviço da vida, na interdisciplinaridade, utilizando contextualização, servindo como instrumento para os alunos aumentarem sua capacidade de domínio sobre a natureza, tornando

Complementando a ideia anterior, Assis (2007) esclarece: O Ensino é definido como mediação do conhecimento com vista à aprendizagem do aluno e do professor, o que denota uma visão de ensino numa perspectiva relacional, acrescida da ética, da estética e da visão política, provavelmente direcionando-se a uma compreensão da prática educativa numa perspectiva crítica, transfor­ madora (p. 149).

Segundo Vasconcelos (1996), para aprender,

mais significativo o apren­dizado de química.

faz-se necessário capacitar para que a inteligência 2

do aprendiz aja sobre o que se quer explicar (p. 215),

O ensino de química de forma diferenciada através do tema ‘vinho’

isto é, a aprendizagem resulta da relação entre as estruturas do pensamento e o meio que necessita

Na educação moderna, o professor deve esta-

ser compreendido para adquirir o conhecimento.

belecer as condições para que o aluno faça, por

A integração dos conhecimentos pode criar,

si mesmo, a redescoberta das relações de consti-

portanto, as condições necessárias para uma apren-

tuição da realidade. O professor deve, em um pri-

dizagem motivadora. Logo, o currículo, enquanto

meiro momento, utilizar a vivência do aluno, os

instrumento da cidadania democrática, deve con-

fatos do dia a dia, a tradição cultural, a mídia e a

templar conteúdos e estratégias de aprendizagem

vida escolar, buscando reconstituir os conhecimen-

que capacitem o ser humano para a realização de

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio

atividades. Os Parâmetros Curriculares Nacionais

tas pedagógicas que busquem a contextualização

(PCN) constituem um referencial de qualidade

interdisciplinar dos conhecimentos. Deve-se pro-

para a educação no ensino.

duzir uma inter-relação dinâmica de conceitos coti-

Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educa­cional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual (Souza, 1997, p.13).

dianos e científicos diversificados, que incluem o universo cultural da ciência química, pois o conhecimento e saberes são construídos a partir das relações de troca de experiências, que são efetivados entre o educando e o educador (Assis, 2007). Assim, a contextualização se apresenta como um modo de ensinar conceitos das ciências ligados aos alunos; portanto, o conhecimento sobre o vinho

Nesse sentido, nota-se que o aprendizado em

e seu processo de fabricação possibilita entender o

química não é necessário apenas como forma de

que se está aprendendo e o motivo de se estar estu-

avaliar os alunos ao longo da carreira estudantil e,

dando tal assunto, passando, assim, a despertar o

a partir dos PCN+, revela-se ainda mais o âmbito

interesse pelo objeto estudado, em que o seu prin-

de se estudar a ciência química para um melhor

cipal foco é o uso do cotidiano para compreensão

desenvolvimento pessoal (Cortez et al., 2011).

dos conhecimentos. Os Parâmetros Curriculares

Nessa direção, Brasil (2006) revela que um

Nacionais (PCNs) e a Lei de Diretrizes e Bases

caminho citado no PCN+ para melhor entender o

da Educação (LDB nº 9394/96), exigem que os

papel da Química na sociedade, é compreender a

professores façam adaptações na sua maneira de

sua história para indicar que esta ciência não se

ensinar, de modo que se estruturem em dois eixos

limita a si mesma e nem é algo acabado, pois está

principais: a interdisciplinaridade e a contextuali-

em constante desenvolvimento.

zação (Brasil, 2006).

Leitinho (2009) ressalta que a proposta apre-

Em vista disso, para os alunos compre­enderem

sentada para o ensino de Química no PCN+ con-

a produção do vinho, esse conhecimento só ganha

trapõe uma ênfase na memorização de informa-

significado se conseguirem relacionar o dia a dia

ções, nomes, fórmulas e conhecimentos como

da escola com situações vividas em seu cotidiano,

fragmentos desligados da realidade dos alunos.

presentes na realidade e que possam facilitar a

Dessa forma, o professor pretende que o educando

aprendizagem, além de oportunizar a organização

reconheça e compreenda, de forma integrada e sig-

de informações e ampliação do conhecimento dos

nificativa, as transformações químicas que ocor-

conteúdos.

rem. Espera-se, também, que o ensino de química

Azevedo (2011) define o vinho como uma

seja valorizado, na especialidade de instrumento

bebida alcoólica, resultante da fermentação do mosto

cultural essencial na educação, como meio partici-

de uvas frescas e maduras por intermédio de microrga-

pante da explicação do mundo e da ação responsá-

nismos chamados leveduras (p. 2). Todo esse processo

vel na sociedade.

pode, portanto, possibilitar uma aprendizagem sig-

Sob essa ótica, é de fundamental importância

nificativa de conteúdos de química.

que as escolas, ao manterem a organização disci-

Partindo dessa premissa, Razaboni (2012)

plinar, pensem em organizações curriculares que

aponta que a fabricação do vinho é um processo

possibilitem o diálogo entre os professores das

longo e complexo em que se devem controlar todas

diferentes disciplinas, na construção de propos-

as etapas, desde o início, sendo todas importantes

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio

para a qualidade do vinho. As etapas dos processos de fabricação se resumem em:

3

Metodologia

• Esmagamento e desengaçamento: refere-

A elaboração desse estudo foi através de pes-

-se ao processo de trituração de uvas, resul-

quisa bibliográfica, com base na consulta de todas

tando na libertação de mosto pela ruptura

as fontes secundárias relativas ao tema escolhido

das películas, sem essa operação, a fermen-

para realização do trabalho, tais como livros didá-

tação não se iniciaria.

ticos, revistas, artigos científicos e monografias.

• Encubagem: as uvas esmagadas e desen-

Segundo Thums (2001), essa pesquisa é feita

gaçadas são transferidas para as cubas de

em documentos escritos originais primários, para

vinificação para que o mosto obtido seja,

abrigar informações prévias acerca do problema,

então, parcialmente fermentado.

das hipóteses, dos métodos, bem como estudo inde-

• Fermentação: é utilizada para a obtenção de álcool a partir dos açúcares do suco de uva. Para isso, são utilizados os microrga-

pendente e autônomo, quer como trabalho científico original, quer como estudo recapitulativo. É importante ressaltar que, nesse processo para o desenvolvimento do trabalho, foi aplicado

nismos do tipo leveduras. • Fermentação tumultuosa: é uma etapa

o método qualitativo, que é caracterizado, basica-

que dura muitos dias e se caracteriza pelo

mente, na busca de entender um fenômeno especí-

grande desprendimento de gás carbônico e

fico em profundidade, a fim de mostrar aspectos

pela elevação da temperatura do meio.

subjetivos que alcançam motivações não explíci-

• Fermentação lenta: a fermentação lenta

tas, ou mesmo conscientes, de maneira espontâ-

inicia-se quando o líquido já está separado

nea. Esse método é utilizado quando se buscam

do bagaço. Nessa etapa, o que restou da gli-

percepções e entendimentos sobre a natureza geral

cose será transformado em álcool e demais

de uma questão, abrindo espaço para a interpreta-

componentes da fermentação.

ção (Lakatos; Marconi, 2010).

• Fermentação malolática: transformação

Partindo desse princípio, elaboraram-se quatro

de ácido málico (C4H6O5) em ácido lático

sequências didáticas, cada uma com duas horas-

(C3H6O3). O vinho adquire estabilidade,

-aula, para serem utilizadas como material didático

maior complexidade aromática, suavidade

complementar na disciplina de química da 1ª e 2ª

e maciez gustativa.

séries do ensino médio. O propósito era apresentar

• Filtração: as partículas em suspensão são

os processos de fabricação do vinho contextualizando-os com os conteúdos de química.

eliminadas. • Envelhecimento: é a obtenção do ponto

Foram utilizadas, nos recursos metodológicos,

máximo qualitativo através da lenta oxida-

as atividades experimentais, propondo-se uma ofi-

ção, provocando alterações de cor, aroma

cina didática através da construção de um destila-

e gosto das frutas para o vinho. Portanto,

dor para a fabricação do vinho, artigos sobre a his-

todo vinho deve passar por um período de

tória do vinho, vídeo, debates, jogos, questionários

repouso, a fim de se atingir esse ponto.

e livros didáticos. Tendo em vista esses aspectos, o

• Engarrafamento: a vedação da garrafa,

professor poderá trabalhar com os alunos a temá-

com a rolha de cortiça, tem como principal

tica como proposta de ensino de Química no nível

função proteger o vinho das contaminações

médio, de forma diferenciada, contextualizada e

microbianas e das oxidações.

interdisciplinar.

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio

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ao deus Dionísio, que os romanos chamavam de

Resultados e discussão Explorando as formas de produção de vinho, é possível a abordagem de vários conhecimentos, inclusive os químicos. Como exemplo, pode-se citar o trabalho desenvolvido por Belotti (2010), apontando que é possível trabalhar conteúdos tais como: funções orgânicas, reações químicas, transformações da matéria além de outros, de forma que se possa facilitar a aprendizagem e, ainda, oportunizar a organização de informações e ampliação do conhecimento. Assim, as sequências didáticas sugeridas têm o propósito de relacionar esses conteúdos com os processos de fabricação do vinho. 4.1

Baco. Para a história, foram os arianos do sul do Cáucaso que deixaram vestígios, evidenciando que já se produzia vinho 10 mil anos a.C. A ciência desempenhou durante toda a história do vinho um papel importante, visto que se desenvolveram programas de pesquisas sobre a vinha, fermentação e o envelhecimento, adequando os níveis de controle, produção e armazenamento. Portanto, o vinho representa uma série de descobertas ligadas às primeiras reações químicas encontradas pelo homem, nesse caso a fermentação (Carvalho, 2009). Na metade do século XIX, a produção do vinho ganhou requintes científicos, quando o quí-

Sequência Didática I: história do vinho extraído da uva

mico Louis Pasteur explicou a origem da química da fermentação e identificou os agentes respon-

Na primeira sequência didática, o professor

sáveis por esse processo. Pasteur concluiu que a

poderá introduzir na sala de aula o marco histórico

fermentação é o mecanismo utilizado pelos seres

do vinho, através da extração da uva e seus princípios

vivos para produzir energia na ausência de oxigê-

de fermentação, como representado na Tabela 1.

nio (Amarante, 1983). Portanto, a fermentação é

As primeiras videiras teriam sido encontradas

um conjunto de reações químicas controladas por

na Ásia Ocidental e na Europa. Nessas duas regi-

enzimas, em que uma molécula orgânica, no caso

ões, em cavernas pré-históricas, foram localizadas

a glicose, é degradada em composto mais simples,

folhas de videiras e sementes de uvas (Pacheco,

liberando energia. Por isso, o professor apresen-

2000). De acordo com a Bíblia, o primeiro a pro-

tará conceitos de reações químicas relacionando-

duzir vinho da uva foi Noé, personagem impor-

-os com o processo de fermentação do vinho; essa

tante da história do vinho, pois consta que, depois

reação resulta da transformação da matéria, na

de descer de sua Arca, após o dilúvio, nas terras

qual ocorrem mudanças na composição química

de Ararat (hoje Turquia), plantou a vinha, colheu

de uma substância (Reagente), gerando uma nova

as uvas e fez o vinho. Para a mitologia grega, o

substância (Produto). A Figura 1 poderá esclarecer

desenvolvimento da vinha e do vinho é atribuído

melhor este processo.

Tabela 1.  Sequência Didática I – História do vinho. Carga horária 2 horas-aula

Processos de fabricação do vinho

Conteúdos químicos

Objetivos

• Abordagem histórica da • Origem da química da • Descrever a origem do produção do vinho fermentação; vinho e explicar o pro• Reação Química. cesso de fermentação através de reação química.

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Recursos • Artigos sobre a história da uva; • Questionário; • Experimento; • Debates.

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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio

C6H12O6 Glicose

2 C2H5OH (levedura)

Álcool etílico

Reagentes

+

2 CO2

+

Gás carbônico

CALOR Energia

Produtos

Figura 1.  Reação 1.

Logo adiante, o professor poderá propor uma ati-

watch?v=fOqoOLx5W4Y>

(Carvalho,

2013),

vidade experimental para exemplificar por que houve

para que os alunos possam entender melhor as

o desprendimento do gás carbônico no processo de

reações químicas. Espera­‑se assim, possibilitar ao

fermentação, onde serão utilizadas duas garrafas

educando uma melhor compreensão das reações

transparentes do tipo PET, dois balões, água, açúcar e

químicas, podendo construir seu conhecimento

fermento biológico (utilizado para fazer pão).

associando-o ao processo de fermentação, já que,

Na primeira garrafa, coloca-se água e fermento

nesse processo, ocorre a reação de decomposição,

biológico fechando-se a boca da garrafa com um

em que um único reagente forma dois ou mais pro-

balão; na outra garrafa, coloca-se a mesma medida

dutos (Chang, 2006).

de água, acrescentando fermento biológico e açú-

Em vista disso, o professor pode fazer a aborda-

car e fechando-se com o balão. Após alguns minu-

gem de conceitos ligados ao cotidiano dos alunos,

tos, poderão ser analisados os resultados, sendo

fornecendo subsídios como a fermentação, sendo

que os alunos serão instigados pelo professor, para

importante que o aluno perceba a relação dos pro-

tentar explicar o que houve nessa reação, sendo

cessos de fabricação do vinho, articulando-o com

possível que cada um elabore seu próprio conhe-

os conteúdos de Química vistos em sala de aula.

cimento.

Chassot (2004) afirma que o ensino de quí-

Após as discussões sobre o experimento reali-

mica deve ter uma relação entre teoria e prática,

zado, o professor pode explicar que na fermentação

testando-se uma nova concepção de ensino, não

ocorre liberação de gás carbônico e que pode ser

dando uma resposta pronta ao aluno ou soluções

percebida pelo balão acoplado que se enche de gás,

dos problemas, mas orientando-o de forma a ali-

enfatizando que somente onde foi adicionado açú-

mentar o prazer da investigação, da descoberta

car houve fermentação, pois as leveduras precisam

pela pesquisa, pelos próprios esforços encontrando

de glicose para fermentar. A mistura água, fermento

suas próprias respostas.

e açúcar resulta na formação de gás carbônico pro-

Diante dessas considerações, o professor tam-

duzido pelos fungos, enquanto que, na outra gar-

bém poderá trabalhar, na primeira sequência em

rafa, não ocorreu o enchimento de balão, por não

forma de questionário, o conceito da história do

conter a glicose (açúcar), alimento dos fungos.

vinho e da fermentação. Por exemplo: quem aper-

Nesse momento, torna-se oportuno o professor

feiçoou o processo de fermentação? Qual o princi-

citar os tipos de reações químicas, relembrando

pal agente da fermentação? Esses questionamen-

conceitos sobre reações de síntese ou adição, aná-

tos permitirão uma participação ativa dos alunos,

lise ou decomposição, deslocamento ou simples

promovendo uma interação com o tema proposto.

troca. Para melhor compreensão desses concei-

Em seguida, poderá ser entregue aos alunos o

tos, o professor poderá propor o vídeo disponibi-

artigo de Fachini e Dallabona (2012), com o título

lizado na homepage: <http://www.youtube.com/

Contextualização histórica do vinho: a relação

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio

entre biologia e química, no qual é possível rela-

A primeira etapa é o do esmagamento da uva,

cionar o tema com conhecimentos químicos, além

de modo a provocar o rompimento das uvas por

de introduzir conhecimentos acerca do surgimento

compressão ou por choque para liberar o suco

do vinho e como a química interfere no aprimo-

o mais rápido possível sem, no entanto, causar o

ramento da tecnologia. Após a leitura do artigo, o

esmagamento das sementes (Embrapa, 2006).

professor poderá promover um debate em sala de

Nessa etapa, torna-se oportuno, o professor traba-

aula dando oportunidade para que os alunos pos-

lhar a “Lei da conservação das massas”. De acordo

sam expor suas ideias a respeito de conceitos his-

com Lavoisier, a massa total dos reagentes é igual

tóricos sobre o vinho.

à massa total dos produtos, assim: Na natureza nada

Maldaner e Zanon (2007) argumentam que

se cria e nada se perde tudo se conserva (Kotz; Treichel,

uma aula com a utilização de texto e diálogo, per-

2005). O professor poderá também propor um vídeo

mite que os alunos discutam ou expressem suas

do Telecurso 2000, aula nº 50, com o tema: Química

maneiras de pensar com seu próprio argumento,

– Lei de Lavoisie, com duração aproximada de

possibilitando a comparação de sua forma de refle-

15 minutos, para os alunos entenderem melhor a

tir e falar com a dos professores.

Lei de Conservação das Massas. O vídeo, que está

4.2

disponibilizado na homepage <http://www.you-

Sequência Didática II: a química e as etapas do processo de fabricação do vinho

tube.com/watch?v=x2V--OM4M_0>, trata da lei

A Tabela 2 apresenta as atividades que poderão ser propostas pelo professor. Nesta sequência, são esclarecidas as primeiras etapas da produção do vinho, destacando os conteúdos químicos que poderão ser explorados em sala de aula. Inicialmente, o professor abordará a definição de vinho, que se trata, de acordo com a legislação vitivinícola do Mercosul, de uma bebida que resulta da fermentação alcoólica completa ou parcial da uva fresca, esmagada ou não, ou do mosto simples ou virgem, em que o conteúdo mínimo de álcool adquirido é de 7% (v/v) a uma temperatura ambiente de 20 ºC (Guerra, 2004). A vinificação é o conjunto de procedimentos e processos empregados para a transformação da uva em vinho, englobando as fases de fermentação e de estabilização.

de Lavoisier, relacionando-a ao cotidiano dos alunos, destacando os tipos de reações químicas. Vale ressaltar que o uso de vídeos é eficaz e, por meio deles, o professor terá oportunidade de aproximar questões abordadas dentro da sala de aula com o cotidiano dos alunos, introduzindo novas questões no processo educacional (Morin, 2003). A segunda etapa trata-se da encubagem, em que as uvas maduras são portadoras de vários tipos de leveduras alcoólicas, fungos e bactérias, desejáveis e indesejáveis (Portelinha, 2006). No mosto encubado, esses microrganismos ficam misturados e podem ter seu desenvolvimento estimulado ou inibido conforme o tipo e condições de uva utilizada e da temperatura. Portanto, o professor poderá explicar o processo de encu­bagem utilizando argumentos de cinética química: “Lei da velocidade das

Tabela 2.  Sequência Didática – Processo de fabricação do vinho. Carga horária 2 horas-aula

Processos de fabricação do vinho

Conteúdos químicos

Objetivos

Recursos

• 1ª Etapa: esmagamento; • Lei da conservação da massa; • Demonstrar algumas • Vídeo; • 2ª Etapa: encubagem; • Lei da velocidade das reações; eta­pas do processo de • Experimentos; • 3ª Etapa: tipos de fermen­ • Transformação da matéria. fabri­cação do vinho. • Fluxograma. tação.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio

reações” aplicados na 2ª série do Ensino Médio.

envolvida e, no caso da fermentação, pode ocorrer

Esse procedimento está ligado diretamente com

liberação de gases e alteração na coloração.

processos químicos e os fatores que influenciam as concentrações dos reagentes (mosto encubado) e a velocidade da transformação. Os alunos poderão concluir que as reações

4.3

Sequência Didática III: a química e a continuação das etapas do processo de fabricação do vinho

químicas acontecem com velocidades diferentes,

A terceira sequência didática dará continuidade

podendo ser modificadas, ou seja, as velocidades

ao estudo das etapas do processo de fabricação do

das reações também dependem das concentrações

vinho (Tabela 3), em que o professor poderá apli-

de reagentes ou produtos. Para que ocorra uma rea-

car o restante das suas atividades propostas.

ção entre duas ou mais substâncias é necessário que

A quarta etapa de fabricação do vinho é a filtra-

as moléculas se choquem, havendo quebra das liga-

ção, uma técnica de clarificação que consiste em

ções formando outras novas (Atkins; Jones, 2011).

passar o vinho turvo através de uma camada ou

Dando sequência aos processos, na terceira etapa

meio filtrante, com porosidade reduzida. Através

ocorre a fermentação tumultuosa, lenta e malolática,

desse processo, o professor poderá abordar o

em que a fermentação é uma reação espontânea de

conteúdo químico sobre “Separação de mistu-

um corpo orgânico ante a presença de fermento que

ras: Filtração” para 1ª série do Ensino Médio. De

o decompõe (Portelinha, 2006). Portanto, a Figura 2

acordo com Chang (2006), a separação de mistu-

ajudará o professor a apresentar todas as etapas de

ras leva ao conceito de substância impura, feita de

fermentação presentes no vinho.

dois ou mais tipos de compostos, em que eles estão

Diante de todas as etapas de fermentações,

misturados em qualquer proporção. Para exempli-

poderão ser propostos conteúdos químicos sobre

ficar o processo de filtração do vinho, o professor

“Identificação das reações químicas e transforma-

poderá realizar um experimento de filtração em

ção da matéria” para a 2ª série do Ensino Médio,

sala de aula, utilizando uma mistura heterogênea

pois, segundo Kotz e Treichel (2005), a partir dos

de pó de café e água. Esse método permite reter a

materiais iniciais, formam-se outros materiais

parte sólida e deixar passar a parte líquida, sendo

diferentes, ou seja, ocorre alteração na matéria

que o filtro pode ser de algodão ou de papel.

Fermentação tumultuosa

Fermentação lenta

Fermentação malolática

Esta etapa dura poucos dias e se manifesta por um grande desprendimento de gás carbônico e pela elevação da temperatura do meio. O desdobramento do açúcar indica-se menos lentamente e vai, pouco a pouco, aumentando de intensidade (Ferreira et al., 2010).

A fermentação tumultuosa persiste por alguns dias, apesar de diminuir a intensidade gradativamente devido a falta de açúcar consumido na fase anterior.

Os agentes desta fermentação são as bactérias láticas que transformam o ácido málico em ácido lático, com liberação de gás (Liz, 2010). Esta fermentação pode ocorrer tanto em aerobiose (na presença de oxigênio) como anaerobiose (com ausência de oxigênio).

Figura 2.  Processo de Fermentação.

18

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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio

Tabela 3.  Sequência Didática – Etapas do processo de fabricação do vinho. Carga horária

Processos de fabricação do vinho

2 horas-aula • 4ª Etapa: Filtração; • 5ª Etapa: Envelhecimento; • 6ª Etapa: Engarrafamento.

Conteúdos químicos

Objetivos

Recursos

• Separação de Mistura: • Aplicar conteúdos químicos • Experimento; Filtração; de forma diferenciada; • Visita à fábrica de • Funções inorgânicas: • Destilar o suco da uva para vinho ou estação de Ácidos e Bases. estudar as etapas de fabritratamento de água; cação do vinho. • Jogo Lúdico.

Para que a aula fique mais interessante para os

O ácido acético é um dos principais componentes

alunos e facilite o aprendizado, o professor poderá

que determinam a acidez do vinho; uma quanti-

desenvolver uma estratégia de ensino contextua-

dade deste ácido superior a 0,48 g/L significa que

lizada, apresentando as principais etapas envolvi-

o vinho pode estar com presença de bactérias,

das nas Estações de Tratamento de Água (ETAs).

prejudicando, assim, a sua qualidade (Ferreira;

Além disso, havendo a possibilidade, o professor

Damacedo; Mochiutti, 2010). O professor poderá, ainda, aplicar um jogo

poderá programar uma visita à ETA mais próxima da sua escola.

lúdico de baralho (Figura 3), envolvendo ácidos e

Nesse sentido, a busca do conhecimento, a

bases, para viabilizar, de maneira contextualizada

partir de situações que façam parte do dia a dia,

e motivadora, a abordagem da força de ácidos e

geralmente leva o aluno a compreender melhor

bases inorgânicos, associada à análise das estru-

e permite-lhe saber aplicar e entender os fatos,

turas e aos valores das constantes de equilíbrio,

relacionando-os a tendências e fenômenos que o

visando uma compreensão e discussão mais com-

cercam diariamente (Wartha, 2005).

pleta do assunto tratado.

Na quinta e sexta etapas do processo de fabricação do vinho, será abordado o processo de enve-

H+

OH-

lhecimento, pelo qual muitos vinhos têm o sabor melhorado. Durante esse processo, a acidez dimi-

H

AgOH

nui e várias substâncias pouco solúveis acabam

Kg = 2,0.10-3

precipitando-se e vários componentes formam

H2S

OH-

S

H

Kg = 1,3.10-7 Kp = 7,1.10-15

H+

complexos, afetando o sabor e o odor (Pavesi, 2002). No engarrafamento, o vinho ainda passa por

Qual o nome do seu composto

algumas etapas, que visam corrigir o pH, a cor ou a concentração de O2 dissolvido (Carvalheira, 2010).

O meio resultante é ácido ou basico

Qual o composto formado

Diante dessas etapas do processo, o professor trabalhará o tópico “Funções Inorgânicas: Ácidos e Bases”, abordando o pH das substâncias presen-

Figura 3.  Imagem ilustrativa do baralho a ser utilizado na Sequência Didática III.

tes no vinho, que estão relacionadas à quantidade de ácidos dissociados e não dissociados e à quan-

Para iniciar esse jogo lúdico, três jogadores

tidade relativa desses ácidos presentes. Em vista

deverão ficar com cinco cartas e um com seis. Em

disso, o professor poderá explicar que a acidez

cada rodada, o jogador que estiver com seis cartas

do vinho é provocada por alguns ácidos orgâni-

passará uma de suas cartas para o jogador à sua

cos, como o tartárico, acético, málico e láctico.

esquerda, sendo que a carta coringa uma vez rece-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio

bida só será passada adiante na rodada seguinte.

papel, 50 cm de mangueira plástica transparente, 1

Ganha o jogo quem conseguir reunir, primeiro, as

elástico e 1 rolha.

cinco cartas referentes a uma das funções inorgânicas que optou por formar.

Coloque a uva no liquidificador e bata o tempo que for necessário para produzir o suco de uva ou

O objetivo do jogo em sala de aula é buscar

amasse bem com as mãos e, juntamente com o

e propor situações que despertem o interesse dos

bagaço, transfira essa mistura para o garrafão de

alunos de modo a incentivá-los no processo de

vidro. Se desejar uma fermentação mais rápida,

aprendizagem. Assim, eles poderão obter o sucesso

adicione o fermento. A mangueira com água deve

vinculado com o prazer de se fazerem descobertas

ser acoplada à rolha do garrafão e dobrada como

como próprio esforço (Lucchini; Colling, 2008).

na Figura 4. Deixe o sistema em repouso por, apro-

4.4

ximadamente, dez dias. Após esse tempo, filtre o

Sequência Didática IV: oficina didática através da fabricação do vinho da uva

conteúdo do garrafão e o vinho estará pronto.

Sabe-se que atividades experimentais, em

mangueira

geral, atraem o interesse dos alunos e, concomitantemente, oferecem uma situação de descoberta e indagações. Quando consideramos o ensino de ciências como um processo de instrução de caráter

rolha

elástico

teórico-prático, a interação entre esses dois aspectos deve ser encarada de forma íntegra pelo educador (Wartha, 2005). Portanto, na quarta sequên-

água

frasco de vidro

cia didática proposta neste trabalho, o professor poderá propor aos alunos a construção de um dispositivo para fabricar o vinho, a partir de material alternativo (Tabela 4). Sabe-se que a falta de material para laboratório nas escolas públicas é uma realidade nacional.

suco de uva

Figura 4.  Dispositivo simples para a fermentação. Fonte:  Adaptado de Usberco e Salvador (2005) e Química Orgânica (vol. 3, p. 333).

Nessa perspectiva, o professor poderá criar um dispositivo simples, utilizando materiais do coti-

A partir dessa oficina didática, espera­‑se que

diano e de baixo custo, com vistas a aprimorar o

cada aluno seja capaz de rever todas as etapas do

ensino-aprendizagem.

processo de fabricação do vinho, vistas anterior-

Para a construção do dispositivo será utilizado:

mente, e que também possa construir, individu-

1 Kg de uvas, 1 garrafão de vidro de 5 ou 2,5 litros,

almente, seus próprios conhecimentos diante da

0,5 g de fermento biológico, 1 coador de pano ou

experiência vivenciada.

Tabela 4.  Sequência Didática IV – Oficina didática. Carga horária 1hora-aula

20

Processos de fabricação do vinho

Conteúdos químicos

Objetivos

Recursos

• Construção de um dis- • Separação de mistura. • Construir um dispositivo • Material alternativo positivo para a fabricacom materiais alternativos; para a construção ção de vinho. • Fabricar vinho. do dispositivo.

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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio

5

Considerações finais Este estudo auxiliará o professor a desenvolver em seus alunos um aprendizado dinâmico e interativo e, também, a descobrir o mundo envolvente e complexo da Química nos processos de fabricação do vinho. Essa abordagem reforça e valoriza o estudo da química no ensino, contribuindo para a formação de cidadãos mais críticos, reflexivos e conscientes. Através do processo de fabricação do vinho foi possível propor uma sequência didática pela qual se podem relacionar conceitos químicos para auxiliar professores no desenvolvimento de seu trabalho em sala de aula e contribuir para a melhoria do ensino de Química no nível médio, possibilitando uma interação entre o discurso científico da Química e o cotidiano dos alunos. Diante do exposto foi possível perceber que propostas didáticas poderão auxiliar o professor no processo ensino-aprendizagem, utilizando­‑se da contextualização para abordar conceitos químicos de grande relevância na vida dos alunos. Dessa forma, o professor tem a oportunidade de utilizar a química a seu favor, uma vez que ela será trabalhada como uma disciplina de descobertas.

6

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Artigo 02 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013

p. 23-32

Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química Chemical recycling of PET and its benefits to the society and to the Chemistry Teaching Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro Daguia de Medeiros Silva Ana de Fátima Costa da Silva1

Resumo O elevado consumo de PET no Brasil é seguido de uma geração de resíduo plástico que não tem sido totalmente absorvida pelo modelo de reciclagem mecânica, predominante no país. O presente artigo descreve esse cenário abordando a necessidade de implementação de outras rotas, como a reciclagem química, apresentando seus benefícios sociais, econômicos, ambientais e tecnológicos, bem como a relevância do tema no Ensino de Química. Palavras-chave: PET; Reciclagem química; Contextualização. Abstract The high consumption of PET in Brazil is responsible for producing some plastic residue that has not been properly absorbed by the mechanical recycling model, the one which is the most common in our country. This article describes this matter dealing with the necessity of implementation of other possibilities, such as chemical recycling, and it also presents its social, economic, environmental and technological benefits, as well as the relevance of the subject to the Chemistry Teaching. Key-words: PET; Chemical recycling; Contextualization.

1. Graduadas de Licenciatura em Química – IFRN – Campus Currais Novos.


Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química

1

Introdução

3

Os plásticos

O desenvolvimento tecnológico e industrial

A palavra ‘plástico’ é empregada em várias

nos trouxe a praticidade dos materiais plásticos,

áreas do conhecimento humano, em um amplo

os quais agregam vantagens tais como custo/

espectro de significados, mas, no geral, se refere a

benefício, estética, eficiência e durabilidade. Mas,

algo moldável (Piatti; Rodrigues, 2005). Algumas

em contrapartida, temos a geração de resíduo e

definições encontradas nos dicionários indicam que

a exploração de recursos naturais não renová-

plástico é o que tem propriedade de adquirir deter-

veis que colocam em risco a sustentabilidade de

minadas formas sensíveis, por efeito de uma ação

nosso planeta. Por essa razão, torna-se necessário

exterior. De acordo com as origens grega (plástikos,

desenvolver práticas que evitem e/ou minimizem

‘relativo às dobras de argila’) e latina (plastiku, ‘que

tais impactos, o que se tornou mais efetivo com

modela’) desta palavra, é exatamente isso que plás-

a aprovação da Lei n° 12.305/2010, que instituiu

tico significa: próprio para ser moldado ou mode-

a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

lado. Na linguagem química, segundo o Dicionário de Polímeros, plástico é o termo geral dado a materiais

2

macromoleculares que podem ser moldados por ação de

Os polímeros

calor e/ou pressão (Andrade et al., 2001).

A palavra ‘polímero’ tem origem no vocábulo

A matéria-prima dos plásticos é o petróleo, que

grego poli, que pode ser traduzido como “muitas”

é formado por uma complexa mistura de compos-

e mero que significa “partes”, sendo os átomos

tos. Pelo fato de estes compostos possuírem diferen-

de carbono, hidrogênio, oxigênio e Nitrogênio os

tes temperaturas de ebulição, é possível separá-los

principais constituintes dessas macromoléculas. As

através de um processo conhecido como destila-

proteínas, o DNA e os polissacarídeos são exem-

ção ou ainda por craqueamento, que é o processo

plos de moléculas poliméricas naturais existentes

de refino que permite a quebra de hidrocarbonetos

em nosso organismo; entretanto, tal conceito não

mais complexos em hidrocarbonetos mais simples

era de nosso domínio intelectual até pouco tempo

ou em monômeros. A fração nafta, que é constitu-

atrás. Foi apenas no século XX que o químico

ída por hidrocarbonetos contendo de 5 a 9 átomos

Staudinger formulou a hipótese macromolecular,

de carbono, de baixa densidade, é fornecida para as

afirmando que existem moléculas muito grandes,

centrais petroquímicas, onde passa por uma série de

as quais foram denominadas de macromoléculas

processos, dando origem aos principais monômeros

(Wan; Galembeck; Galembeck, 2001).

formadores dos polímeros, como, por exemplo, eti-

Os autores Wan, Galembeck e Galembeck

leno, propileno, butadieno e estireno.

(2001) afirmam que devido à aceitação da existência

Os plásticos são obtidos por reações de poli-

de macromoléculas, foi possível a descoberta, inten-

merização, em que ocorrem as ligações químicas

cional ou acidental, através de reações químicas, de

entre os monômeros formadores do polímero. O

muitas substâncias que fazem parte do nosso coti-

número de unidades de monômeros da cadeia poli-

diano, como os plásticos, as borrachas, as tintas e os

mérica chama-se grau de polimerização, simboli-

vernizes que, por serem sintetizados pelo homem,

zado por n ou pelas iniciais em inglês DP (degree

constituem a classe dos polímeros sintéticos.

of polymerization) (Mano; Mendes, 1999).

24

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química

4

rante representa a maior parte da utilização do PET

O politereftalato de etileno (PET) O politereftalato de etileno (PET) (Figura 1) é um polímero termoplástico que foi preparado, pela primeira vez, em 1941, pelos químicos britânicos John Rex Whinfield e James Tennant Dickson. Este poliéster é preparado através da reação de condensação entre o ácido tereftálico (um diácido) e o etileno glicol (um diálcool), produzindo grãos brancos e opacos.

(61%), seguido pela água mineral (14%) e óleo comestível (12%). O fato de as garrafas PET serem translúcidas é uma das suas características atrativas, pois passa ao consumidor a ideia de pureza e higiene. Outra de suas propriedades físicas vantajosas é sua resistência mecânica, não sendo quebradiças como as garrafas de vidro. Sendo o PET um polímero semicristalino, possui em sua estrutura tanto cristais como uma forma menos organizada, chamada amorfa e é justamente a estrutura

O C O

menos cristalina (amorfa) que confere ao produto

O C

a transparência e flexibilidade observadas. A baixa

CH2 O

CH2 n

Figura 1.  Estrutura química do politereftalato de etila, onde n indica o grau de polimerização.

permeabilidade a gases, especialmente o gás carbônico, faz do PET o plástico mais indicado para bebidas carbonatadas. O PET nem sempre foi utilizado na indústria alimentícia. Após a II Guerra Mundial (1939-

A reação do ácido tereftálico (TPA) purificado

1945), a Indústria Têxtil foi a que mais sofreu desa-

com o etilenoglicol (EG) é a forma mais utilizada

bastecimento devido à destruição de seus campos

no Brasil para a síntese de PET, porém, existem, no

de algodão, linho e lã e por essa razão, nos anos

país, plantas que operam a polimerização do poli-

50, as produções em larga escala tanto nos Estados

éster a partir da transesterificação do tereftalato

Unidos como na Europa visavam a produção de

de dimetila (DMT) com o glicol. O DMT é obtido

fibras que substituíssem as anteriormente usadas.

da esterificação do TPA com metanol (Mancini;

A utilização do PET pela indústria de embalagens

Zanin, 2002).

iniciou-se apenas na década de 1970, precisamente

O PET é um dos plásticos mais utilizados no

no ano de 1973, quando a empresa Du Pont desen-

mundo e, atualmente, sua maior utilização é na

volveu o processo de injeção e sopro com biorien-

fabricação de garrafas para bebidas; isso ocorre

tação, lançando, então, o PET como garrafa. A pri-

porque ele apresenta em sua estrutura apenas áto-

meira utilização desse material no Brasil ocorreu

mos de carbono, hidrogênio e oxigênio, não pro-

na indústria têxtil a partir de 1988, igualmente ao

duzindo nenhum produto tóxico, e também devido

que vinha acontecendo no resto do mundo, e ape-

à facilidade de ser moldado, devido à sua caracte-

nas em 1993 passou a ser utilizado no mercado de

rística termoplástica. Tal propriedade também lhe

embalagens, mais expressivamente para os refri-

permite reprocessamento por algumas vezes, pelo

gerantes. Embora o maior domínio atual seja em

mesmo ou por outro processo de transformação. O

embalagens para refrigerantes, o PET tem tido sua

processo consiste em aquecimentos a temperaturas

utilização em outros produtos como medicamen-

adequadas, nas quais os plásticos amolecem, fun-

tos, cosméticos, produtos de higiene e limpeza

dem e podem ser novamente moldados.

(Pereira; Machado; Silva, 2002).

Segundo a Associação Brasileira da Indústria

Dada a grande demanda pelo PET, seu con-

do PET (ABIPET), o armazenamento de refrige-

sumo no Brasil chegou a duplicar nos últimos

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

25


Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química

dez anos, passando de 255 Ktons para 522 Ktons,

flocos ou grãos por processos mecânicos, os quais

sendo 1Kton igual a 1000 toneladas. Dados publi-

são reutilizados na produção de novos materiais,

cados pela ABIPET, em parceria com a Nous

iguais, ou não, ao do material de partida; por isso,

Consulting, nos mostram que o consumo da resina

é também conhecida como reciclagem mecânica.

PET aumentou 7,4% entre os anos de 2008 e 2009,

Alguns exemplos são sacos de lixo, mangueiras,

passando de 486 para 522 Ktons.

baldes, garrafas para produtos de limpeza, dentre

Uma das melhores características deste mate-

outros. Este processo requer um pré-tratamento

rial, bem como de alguns outros plásticos, é a

que é realizado nas centrais de reciclagem mecâ-

durabilidade; por isso mesmo, este também é um

nica. As etapas são basicamente: separação,

dos principais problemas para a natureza, pois leva

moagem, lavagem, secagem e reprocessamento.

muitos anos para ser degradado, gerando grande

Maiores detalhes sobre o pré­‑tratamento da reci-

poluição e comprometendo a sustentabilidade do

clagem mecânica podem ser encontrados no artigo

planeta. Por este motivo, processos de reciclagem

de revisão de Silva Spinacé e De Paoli (2005).

vêm sendo desenvolvidos ao longo dos anos para

A reciclagem química ou terciária submete os

que o polímero seja reaproveitado, diminuindo seu

resíduos plásticos às reações químicas de despo-

acúmulo no lixo.

limerização para a obtenção dos monômeros de partida ou apenas a redução da cadeia polimérica

5

visando a repolimerização e/ou sua transformação

A reciclagem

em subprodutos para a produção de outros materiais, como, por exemplo, tintas e/ou vernizes.

A reciclagem é o retorno da matéria-prima ao ciclo de produção através de um conjunto de téc-

A reciclagem quaternária faz uso do conteúdo

nicas. É, portanto, o resultado de uma série de ati-

energético obtido dos resíduos plásticos de dife-

vidades, pelas quais os materiais que se tornariam

rentes origens através de tratamento térmico (ou

lixo, ou estão no lixo, são desviados, coletados,

incineração) para produção de energia elétrica,

separados e processados para serem usados como

vapor ou calor.

matéria-prima na manufatura de novos produtos. O termo teve sua origem na década de 1970 quando se percebeu que a fonte de petróleo e outras maté-

6

A reciclagem do PET

rias-primas não renováveis estavam se esgotando,

A reciclagem de embalagens PET no Brasil só

somado ao aumento de resíduo dos produtos obti-

veio a ser mensurada pela ABIPET a partir de 2004,

dos a partir destas fontes e da diminuição ener-

embora haja dados estatísticos desde 1994. Em

gética entre a produção a partir de matéria-prima

2011 (294 Kton), houve um aumento de 4,25% em

virgem e da recuperação do produto pós-consumo.

relação ao ano de 2010 (282 Kton) de reciclagem

Por isso, reciclar ganhou importância estratégica.

destas embalagens, correspondendo a 57,1% do

Existem quatro categorias de reciclagem: primária, secundária, terciária e quaternária.

que é descartado pelo consumidor contra 55,8% do ano anterior, o que mantém o Brasil em 2° lugar no

A reciclagem primária consiste da reintrodu-

ranking mundial nessa atividade, perdendo apenas

ção de peças provenientes da linha de produção da

para o Japão, que reciclou 72,1% no ano de 2010,

indústria, como, por exemplo, as aparas.

e à frente da Europa e EUA. Devido à crescente

A reciclagem secundária utiliza-se de diversos

eficiência nos processos industriais, estes acabam

tipos de resíduos plásticos transformando­‑os em

gerando pouco resíduo sólido (PET pós-industrial)

26

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química

e por essa razão a maior fonte de PET para reci-

pós-consumo. Conforme se pode observar na

clagem demanda do pós-consumo (90%). O Brasil

Tabela 1, a qual traz, em Ktons, a quantidade de

se destaca ainda mais por aproveitar praticamente

resina virgem de PET consumida, a quantidade de

todo o PET reciclado pós-consumo, exportando

PET reciclada e a quantidade de PET que perma-

muito pouco, o que potencializa o mercado da

nece no lixo (obtido pela diferença entre os outros

reciclagem do PET e tendo como maior mercado o

dois dados), um volume muito alto de PET pós-

setor têxtil e, em segundo lugar, os setores de emba-

-consumo ainda precisa ser recuperado.

lagens (18%) e de resinas insaturadas e alquídicas

Embora a reciclagem seja uma realidade, o

(18,7%). Economicamente, a reciclagem do PET é

aumento da quantidade de PET reciclado é seguido

responsável por 36% dos R$ 3,3 bilhões faturados

pelo aumento do consumo (e da produção), o que,

na sua indústria, o que corresponde a um terço do

praticamente, anula o efeito da reciclagem na

faturamento e, assim, a reciclagem torna-se não só

diminuição de resíduo (PET que permanece no

uma demanda ambiental, como econômica e social,

lixo). Tal cenário aponta para a necessidade de

ao gerar mais emprego e renda e menos lixo no

investimentos em outros processos de reciclagem,

meio ambiente. Entretanto, o Brasil só explora uma

visando a redução da quantidade de resíduo (PET

rota de reciclagem, que é a reciclagem mecânica e

pós-consumo) no Brasil.

os fatores determinantes são custo e mão de obra,

O gráfico da Figura 2 foi obtido a partir dos

baixo investimento para instalação de uma planta

dados da Tabela 1. Nele, é possível visualizar que

de reciclagem, pois necessita de pouca tecnolo-

a reciclagem no Brasil ainda não surte efeito na

gia, e grande volume de polímero pós-consumo,

redução de resíduo gerado pelo PET pós-consumo.

enquanto que, na Europa e no Japão, predominam as reciclagens química e energética. Tabela 1.  Dados da quantidade de resina virgem de PET consumida, da quantidade de PET reciclado e da quantidade de PET que permanece no lixo, em Ktons. Ano

PET consumido PET reciclado (Ktons) (Ktons)

PET no lixo (Ktons)

Quantidade de PET (Ktons)

600 550

PET consumido PET reciclado PET lixo

500 450 400 350 300 250

2000

255

67

188

2001

270

89

181

2002

300

105

195

100

2003

330

142

188

50

2004

360

167

193

2005

374

174

200

2006

406

194

212

2007

471

231

240

2008

486

253

233

2009

522

262

260

Figura 2.  Dados da quantidade de resina virgem de PET consumida, da quantidade de PET reciclada e a quantidade de PET que permanece no lixo, em Ktons, entre os anos de 2000 e 2011.

2010

565

282

283

Fonte:  ABIPET.

200 150

2000

2002

2004

2006

2008

2010

2012

Anos

Fonte:  ABIPET.

Vale, ainda, salientar que os polímeros apreComo já citado, a quantidade de PET produ-

sentam um limite de reutilização para que suas

zida e consumida só aumenta, aumentando com

propriedades mecânicas sejam mantidas. O PET

ela a preocupação com o que se fazer com o PET

torna-se duro e quebradiço e, portanto inutilizável

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

27


Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química

para as mesmas aplicações do polímero virgem

material é tratado com excesso de metanol, requer

após três ciclos de processamento por recicla-

um catalisador, temperatura elevada e altas pres-

gem mecânica por extrusão convencional (Silva

sões. A glicólise ocorre quando do tratamento do

Spinacé, 2000), mostrando ser necessária a sua

polímero com excesso de glicol em uma reação de

reciclagem por rota química ou, ainda, energética.

transesterificação, sob atmosfera inerte de nitrogênio, a alta pressão e presença de catalisador.

7

Nos métodos térmicos, a degradação é dirigida

A reciclagem química

pelo calor. A pirólise à baixa temperatura é a degra-

A reciclagem química permite o tratamento de

dação térmica do polímero na ausência ou defici-

misturas de plásticos e, dessa forma, há redução

ência de oxigênio, ocorrendo a despolimerização e

nos custos de pré-tratamento, custos de coleta e

produzindo pequenas quantidades de hidrocarbo-

seleção. Os novos processos desenvolvidos na

netos (compostos aromáticos e gases leves) para

área permitem a reciclagem de misturas de plásti-

refinarias, como o gás metano. Na pirólise à alta

cos diferentes, com aceitação de determinado grau

temperatura, a degradação também se processa na

de contaminantes (ex.: tintas, papéis etc.). Além

ausência de oxigenação e os produtos da reação

disso, a reciclagem química permite produzir plás-

são óleos e gases. Na gaseificação, os plásticos

ticos novos com a mesma qualidade de um polí-

são aquecidos com ar ou oxigênio, recuperando-

mero original. O custo das plantas de reciclagem

-se gases como CO, H2, CH4, CO2 e alguns gases

química é muito elevado, o que justifica o redu-

inertes. Na hidrogenação, as cadeias são quebra-

zido número de plantas em operação no mundo.

das mediante o tratamento com hidrogênio e calor,

Por isso, sua implantação deve levar em conta não

gerando hidrocarbonetos que podem ser reaprovei-

só questões econômicas de custo-benefício, mas

tados em refinarias.

questões relacionadas à sustentabilidade, agora

Nos métodos térmicos/catalíticos têm-se as

reforçada com a Política Nacional de Resíduos

reações de pirólise a baixa e alta temperaturas,

Sólidos aprovada em 2010. Como a reciclagem

ocorrendo na presença de catalisadores específicos

química emprega reações químicas, é necessário

e/ou seletivos.

um maior controle do processo. A reciclagem química ocorre através de processos de despolimerização por solvólise (hidró-

7.1

A reciclagem química do PET Na Indústria

lise, alcoólise, glicólise), ou por métodos térmicos

7.1.1

(pirólise a baixa e alta temperaturas, gaseificação,

O crescimento no consumo de ácido tereftá-

hidrogenação), ou, ainda, métodos térmicos/cata-

lico tem sido impulsionado pela forte demanda

líticos (pirólise e a utilização de catalisadores sele-

da resina PET e também para produção de fio de

tivos) como descrito por Silva Spinacé e De Paoli

poliéster (setor têxtil) e, atualmente, essa matéria-

(2005).

-prima é importada por questão de desabaste-

No processo de solvólise, como o próprio nome

cimento e, por isso, com isenção da alíquota do

sugere, a despolimerização se processa no solvente

imposto de importação. Por essa razão, a obtenção

que origina o nome da reação. A hidrólise é a rea-

de TPA em escala industrial através da reciclagem

ção de recuperação dos monômeros do polímero

química do PET pós­‑consumo é uma forma de

de partida em excesso de água, na presença de um

suprimento a partir de matéria-prima abundante e

catalisador e temperatura elevada. Na alcoólise, o

relativamente barata quando comparada à produ-

28

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química

zida pela oxidação do p-xileno nas petroquímicas,

ria-prima de fonte não renovável. Por essa razão,

além de minimizar os malefícios ambientais que os

acredita-se que mais indústrias deveriam investir

resíduos plásticos acarretam. Tal atitude irá gerar

no uso de PET reciclado para a obtenção de suas

uma maior demanda de coleta, o que aumentará as

resinas alquídicas e insaturadas.

possibilidades de renda para catadores (os maiores

A Recepte, unidade de revalorização do PET do

responsáveis pela coleta do PET pós-consumo) e

Grupo M&G, o maior fabricante mundial de resinas

cooperativas, e aumentando o mercado para pro-

PET, foi criada em 1995 e é um das pioneiras em

fissionais das áreas de Engenharia de Produção,

reciclagem de PET no Brasil. Seus produtos recicla-

Engenharia Química, Química, Técnicos em

dos abastecem, principalmente, o mercado químico,

Química, dentre outras.

têxtil e de embalagem. A empresa Braskem está

Outra forma de redução do PET pós­‑consumo

envolvida na implantação de uma planta de recicla-

é através de sua utilização na obtenção das resi-

gem química de PET pós-consumo em escala indus-

nas alquídicas, usadas na produção de tintas, e das

trial para obtenção do PTA, matéria-prima para pro-

resinas insaturadas usadas na produção de adesi-

dução de novos produtos (Braskem).

vos e resinas poliéster. Dados estatísticos obtidos

A implantação da reciclagem química do PET

da ABIPET e Nous Consulting mostram que o uso

pós-consumo em escala industrial é uma das for-

de PET reciclado na obtenção de resinas alquídicas

mas para que as indústrias do setor se adéquem à

e insaturadas apresentou um aumento a partir de

Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS),

2008, mas vem se mostrando razoavelmente está-

aprovada em 2010. A PNRS estabeleceu prazo até

vel conforme Figura 3.

2014 para a implantação da logística reversa e de outros pontos relativos à reciclagem e reutiliza-

20

%PET pós-consumo

18

ção de resíduos sólidos, como o fim dos lixões. A Produção de resinas insaturadas e alquídicas

logística reversa prevê o retorno para a indústria de materiais para que possam ser novamente aprovei-

16

tados pelo fabricante. A ideia é reaproveitar tudo o

14

que puder ser reaproveitado e descartar adequada-

12

mente o que não tiver mais utilidade, de maneira

10

que não agrida o meio ambiente.

8

7.1.2

6 2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

O desenvolvimento de novos processos para

2012

Anos

Figura 3.  Dados percentuais de PET pós-consumo utilizado na produção de resinas insaturadas e alquídicas entre os anos de 2004 e 2011. Fonte:  ABIPET.

Na pesquisa acadêmica

reciclagem de po­límeros é, atualmente, uma área relevante de pesquisa acadêmica e tecnológica devido a duas necessidades importantes: (I) a redução do volume crescente de rejeitos de polímeros originados de diferentes fontes e (II) a conversão de fontes de baixo custo, como, por exemplo, os rejei-

O uso do PET pós-consumo na produção das resinas supracitadas leva à diminuição do custo do

tos plás­ticos, em materiais de valor agregado com aplicações tecnológicas (Rosminho et al., 2009).

produto final, economia de energia, diminuição da

Existem grupos de pesquisa que buscam o

poluição ambiental e diminui o consumo de maté-

desenvolvimento de novos copolímeros, polímeros

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química

que apresentam dois ou mais tipos de monômeros,

resistência à oxidação e à temperatura, transporte

com propriedades biodegradáveis, através da reci-

elétrico, elevada resistência mecânica e à ruptura,

clagem química do PET pós-consumo. Estes estu-

além de flexibilidade, o que lhes confere inúmeras

dos mostram que a decomposição dos novos mate-

possibilidades de aplicações tecnológicas. Logo, a

riais leva meses ou apenas dias (Silva et al., 2006;

obtenção de nanotubos de carbono através de PET

Melo et al., 2009). A obtenção de plásticos bio-

pós-consumo é economicamente promissora, pois

degradáveis a partir do PET pós­‑consumo retira-

parte de material de baixo custo associado à produ-

-o do ciclo de geração de resíduo, constituindo-se,

ção de energia no processo que pode ser utilizado

assim, em uma forma promissora para diminuição

na forma de energia elétrica, calor ou vapor.

da quantidade de PET pós­‑consumo.

O Brasil tem avançado em pesquisas acadêmi-

Rosmaninho et al. (2009) estudou a hidrólise

cas que visam aplicações tecnológicas para o apro-

catalítica superficial (parcial) do PET pós-con-

veitamento do PET pós-consumo, mostrando que

sumo para obtenção de resina trocadora de cátions.

tem potencial para diminuir seu volume de resí-

Tais resinas podem ser utilizadas na remoção de

duo nos grandes centros urbanos e, também, para

metais pesados de efluentes urbanos que também

promover maior movimentação na economia e na

representam uma grande preocupação ambiental.

indústria química.

A redução de lixo por meio do uso de incine-

No ensino de química

radores leva a uma redução no seu volume, bem

7.1.3

como destrói a maioria do material orgânico e do

Experimentos de aplicação da Química na

material perigoso que, no aterro, causam proble-

transformação de resíduos plásticos para obtenção

mas e podem gerar energia através do calor. Mas,

dos materiais de origem (por exemplo, PET reci-

paralelamente, pode lançar diversos gases poluen-

clado para produção de um novo PET) ou de novos

tes e fuligem na atmosfera (dioxinas, furanos) e

produtos tornam-se interessantes no ensino desta

suas cinzas concentram substâncias tóxicas com

ciência, nas suas diversas modalidades. Dentre os

potencial de contaminação do ambiente. Visando

aspectos importantes que podem ser explorados,

minimizar essa desvantagem da queima do lixo,

podemos destacar a relação da Química com o

Pacheco et al. (2009) avaliaram o uso do PET pós-

cotidiano, uma vez que os plásticos são produtos

-consumo via extrusão como matriz de imobiliza-

constantes em nosso dia a dia, tornando a aprendi-

ção de cinzas de incineradores, mostrando que sua

zagem atraente e significativa. Além disso, devido

utilização é aplicável nessa área, que já faz uso da

à sua relação com aspectos de educação ambiental,

extrusão de rejeitos com matrizes de polietileno de

associado ao fato da obtenção do TPA ser a par-

alta e baixa densidade, sendo necessárias algumas

tir de derivado do petróleo, um recurso não reno-

melhorias nas condições operacionais, conforme

vável, os estudantes precisam ser cada vez mais

indicou o estudo.

conscientizados da importância da reciclagem

Alves et al. (2012) estudaram a obtenção de

química do PET. Além disso, pode-se explorar a

nanomateriais, materiais com graus estruturais

aprendizagem de conceitos relacionados à síntese

na ordem de 10 m, a partir dos gases gerados

orgânica e de técnicas de caracterização de mate-

quando da combustão do PET pós-consumo, atra-

riais de forma interdisciplinar, despertando o inte-

vés da adição de um sistema catalisador. Os nano-

resse para pesquisas nessa área.

-9

tubos de carbono obtidos são interessantes, pois

Rosmaninho et al. (2009) propôs um experi-

apresentam resistência química, baixa densidade,

mento baseado na hidrólise catalítica parcial das

30

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química

cadeias superficiais do PET pós-consumo visando

tais, a reciclagem tem sido foco de estudos acadê-

contextualizar temas da Química a nível de gra-

micos visando o desenvolvimento tecnológico para

duação, tais como: a reação de hidrólise e sua

a sua implementação/ampliação industrial. A reci-

cinética, o efeito da natureza e da concentração

clagem química do PET pós­‑consumo é um tema

do catalisador, área superficial exposta do PET, a

atual e motivador, que promove a interligação de

ca­racterização da superfície do PET por titulação

várias disciplinas no ensino superior de Química.

simples e a aplicação do PET parcialmente hidrolisado como adsorvente de contaminantes catiônicos em água. Os alunos de graduação precisam ter um bom embasamento teórico e prático em análise instrumental, por isso é importante a realização de experimentos que contribuam nessa direção. Bannach et al. (2011) propuseram o uso do PET no ensino de análise térmica, devido à sua presença no cotidiano do estudante. Além disso, esse polímero apresenta curvas de análises térmicas bem definidas e um comportamento térmico bem conhecido, o que propicia um melhor entendimento dos conceitos envolvidos. A interdisciplinaridade e a contextualização são importantes e necessárias no ensino de Química em graduação. Neste contexto, Alves et al. (2012) propuseram um projeto temático interdisciplinar “Reciclagem de embalagens de PET” para o Ensino de Química na Universidade, envolvendo as aulas práticas de Química para os cursos de Química, Farmácia e Engenharia visando a articulação das disciplinas de Química Analítica (Quantitativa e Instrumental), Química Orgânica e Físico-química a partir da caracterização do ácido tereftálico (TPA). A proposta mostra que o ensino de Química dessa forma é menos fragmentado e mais motivador. 8

Considerações finais A reciclagem química do PET pós­‑consumo é uma rota viável de ser praticada frente à proposta de sustentabilidade, agora reforçada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Tendo em vista seus benefícios econômicos, sociais e ambien-

9

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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32

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Relatos de Experiência Experiences Account

Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida The Teaching of Quantitative Analytical Chemistry: a successful experience description Heloisa Helena J. Ferreira e Carmem Lúcia C. Amaral

Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química Plastics and their economic and environmental impacts in the chemistry teaching Marizete Barbosa da Silva, Anelise Maria Regiani e Aline Andreia Nicolli

A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente Construction and implementation of proposed themes of Chemical education: reflection on an activity in teacher formation Kátia Dias Ferreira Ribeiro, Karla Amâncio Pinto Field’s e Sandra Cristina Marquez Araújo


Relato de Experiência 01 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013

p. 34-44

O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida The Teaching of Quantitative Analytical Chemistry: a successful experience description Heloisa Helena J. Ferreira1 e Carmem Lúcia C. Amaral2 Resumo Neste trabalho analisamos o ensino de Química Analítica Quantitativa Experimental, especialmente as ações didáticas e suas contribuições para o desenvolvimento dos saberes, atitudes e valores do bacharel em química tecnológica. Trata-se de um estudo de caso de abordagem qualitativa e, com base nas observações, fizemos uma caracterização das práticas pedagógico­‑didáticas empregadas nas aulas sobre volumetria de neutralização. Os dados foram organizados por categorização, enfatizando as ações de planejamento, as estratégias de ensino, o acompanhamento e a avaliação. Com base nos resultados encontrados, é possível evidenciar que as ações didáticas utilizadas no ensino dessa disciplina favorecem a aquisição dos saberes e atitudes como a conquista da autonomia e segurança. Palavras-chave: Ensino de Química Analítica; Ações didáticas; Atividades experimentais. Abstract In this work we analyze the quantitative analytical chemistry teaching, specially the didactic actions and it’s contributions to the knowledge, attitudes and values​​ acquisition of the bachelor in technological chemistry. This is a qualitative study approach case, and based on the observations, it is made a characterization of the pedagogical-didactic practices used in volumetric neutralization classes. The data were organized by categorization, emphasizing the planning actions, teaching strategies, monitoring and evaluation. Based on these results, it is possible 1. Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG. 2. Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL.


O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida

to show that the didactic shares used in this discipline teaching promote the acquisition of knowledge and the conquest of autonomy and security. Key-words: Teaching Analytical Chemistry; Didactic actions; Experimental activities.

1

Introdução

o comportamento interativo do professor e dos alunos, bem como acerca do espaço, do tempo e da

No desenvolvimento deste trabalho investi-

cultura em que esses comportamentos se manifes-

gamos as ações didáticas no ensino de Química

taram, e nos fundamentos teóricos apresentados e

Analítica Quantitativa e suas consequências na

por Candau (1992, 2009) sobre as ações didáticas,

formação profissional dos estudantes do bachare-

buscando uma interlocução com todos os dados

lado em Química Tecnológica. A química analítica

coletados na pesquisa.

quantitativa foi escolhida por reunir conhecimen-

Para Candau (1992), toda pro­ posta didática

tos de outras disciplinas, servindo de base para o

está impregnada, implícita ou explicitamente, de

desempenho profissional dos estudantes dessa área

uma concepção do processo de ensino-aprendiza-

do conhecimento. Trata-se de um pequeno recorte

gem. Para que esse processo seja compreendido,

das observações realizadas durante o 1º semestre

é preciso que ele seja analisado de modo que se

letivo de 2013, no laboratório dessa disciplina, no

articulem as dimensões humana, técnica e político-

Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas

-social.

Gerais (CEFET-MG), mais especificamente no

Segundo Libâneo (2008), a didática investiga

episódio das aulas práticas sobre volumetria de

as condições e formas de ensino considerando os

neutralização.

fatores sociais, políticos e culturais que interferem

Para compreender o discurso do professor e

nas relações entre ensino e aprendizagem; esse

todas as ações e intenções presentes por trás desse

processo é capaz de traduzir os objetivos sociais e

discurso, era necessário conhecer o significado

políticos em objetivos de ensino, além de selecio-

da didática empregada e, a partir disso, identifi-

nar e organizar os conteúdos e métodos, estabele-

car quais os elementos impregnados no discurso

cendo conexões entre ensino e aprendizagem, bem

dão significado às suas ações didáticas. Como a

como regulando a ação didática.

temática norteadora desta pesquisa é a prática

De acordo com Mazza (1993), as ações didáti-

docente de sala aula, mais especificamente em um

cas constituem um conjunto de fatores ou elemen-

laboratório de Química, além desse conhecimento,

tos presentes na situação de sala de aula, em um

era necessário conhecer, também, as pesquisas

tempo e espaço determinado.

em classes bem-sucedidas e as pesquisas sobre o

Segundo Oliveira (1995), a situação geral da

ensino experimental de química analítica quan-

integração na sala de aula analisada deve ser des-

titativa, caso existissem. Assim, este estudo foi

crita e compreendida nos seus múltiplos significa-

ancorado nos pressupostos teóricos apresentados

dos que estão presentes na dinâmica de uma dada

por Libâneo (2008) sobre o objeto de estudo da

situação. Essa pesquisadora explica como ocorre

didática, por André (1992) e Oliveira (1995) sobre

essa integração e define a sala de aula como:

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

35


O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida

Segundo Tardif (1991), o saber, na prática

[...] uma situação de atuação conjunta de professores e alunos- atores reflexivos- e que diz respeito à realização de um trabalho [...]. A interação desenvolve-se num dado contexto que interfere sobre ela e que envolve os aspectos de instalação temporal, física, institucional e educativa (p. 50).

docente, é apresentado como algo amplo, que envolve os conhecimentos, as competências, as habilidades e as atitudes do professor, representando, assim, um estilo de ensinar, expressando

Assim, para saber qual a contribuição da didática utilizada para esse ensino, é preciso conhecer a dimensão institucional na qual essa pesquisa estava inserida, de maneira a avaliar as condições e possibilidades de desenvolvimento das ações pedagógicas pretendidas. Para tanto, foi investigado: o curso, a disciplina, a professora, os alunos, as condições de infraestrutura do laboratório e as atitudes e valores adquiridos pelo bacharel em Química Tecnológica. Os químicos precisam compreender de forma crítica o mundo do trabalho e, para tal, o preparo dos professores pressupõe a capacitação para intervir na prática e na metodologia de ensino, com uma didática apropriada para formar cidadãos educados científica, tecnológica e ambientalmente e assim, preparados para o mundo do trabalho. Nessa perspectiva, é desejável que o professor consiga relacionar os conteúdos do estudo das tecnologias da indústria química e suas aplicações aos fundamentos dos métodos de análise química. Para isso, é necessário um saber pedagógico do conteúdo para que os conceitos científicos, princípios tecnológicos, leis e teorias sejam relacionados às produções químicas e ao controle de qualidade, propiciando a ligação da teoria com a prática. Mas o que são conteúdos do saber escolar? De acordo com Libâneo (2008): [...] São os conhecimentos siste­matizados, selecionados das bases das ciências e dos modos de ação acumulados pela experiência social da humanidade e organizados para serem ensinados na escola; são habilidades e hábitos, vinculados aos conhecimentos, incluindo métodos e procedimentos e aprendizagem e de estudo; são atitudes e convicções, envolvendo modos de agir, de sentir e de enfrentar o mundo (p. 80).

36

um saber ser e um saber fazer na ação do docente. Para Oliveira (1995), o saber didático deve ser entendido como um saber de mediação que trata de princípios, essencialmente metodológicos, do processo pedagógico escolar, entendidos à luz do estreito relacionamento entre conteúdo e forma, no contexto das condições concretas do trabalho didático, o qual possui sua expressão nuclear na sala de aula. Candau (2009) acredita que os professores têm criado um modo de atuar enfrentando toda diversidade e multiplicidade. Ainda, segundo André (1992), as pesquisas que analisam as práticas bem-sucedidas têm mostrado que o saber do professor vai sendo construído a partir de situações de trabalho que eles encontram e que orientam sua prática e que decorre de suas experiências, bem como do seu meio cultural, sua prática social, sua origem familiar e social, sua formação acadêmica. Portanto, os objetivos desta pesquisa foram verificar quais as condições desse ensino, especialmente as ações didáticas utilizadas e as implicações dessas ações, para a aquisição dos saberes, atitudes e valores necessários à formação desse profissional. 2

Procedimento metodológico Trata-se de uma pesquisa qualitativa, um estudo de caso, realizada por meio da observação da ação didática do professor e do comportamento dos alunos em interação durante as atividades práticas, no laboratório de Química Analítica Quantitativa. A especificidade dessas atividades práticas foi tratada levando-se em conta as dimensões sociais, culturais e institucionais que cercaram cada atividade desenvolvida no laboratório e

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O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida

os diferentes comportamentos dos alunos da turma

laboratório, as estratégias de ensino e acompanha-

avaliada. Era preciso questionar a importância

mento das atividades práticas desenvolvidas pela

desse ensino, seus desafios e suas vinculações aos

turma e as formas de interações sociais entre os

objetivos sociopolíticos que determinam a forma-

alunos e entre os alunos e a professora.

ção desejada para esse profissional. Segundo André (2005), o contato direto do pesquisador durante todas as aulas e, portanto, em

3

Resultados

todas as situações investigadas, possibilita descrever ações e comportamentos, analisar interações, compreender e interpretar linguagens e significados, mantendo-os dentro do contexto e das circunstâncias em que se manifestaram. As atividades práticas se desenvolveram em uma instituição pública de educação tecnológica com quatorze alunos do 6º período do curso de Química Tecnológica do CEFET­‑MG, durante as aulas práticas de Análise Química Quantitativa, realizadas no primeiro semestre letivo de 2013.

Inicialmente, foi feita uma caracterização das práticas pedagógico-didáticas empregadas pela professora e, em seguida, para facilitar a análise, os dados foram organizados e registrados por categorização. Essa forma de organização foi ancorada nos referenciais teóricos que orientaram a escolha das categorias de análise, considerando as características específicas desse objeto de estudo. Essas categorias enfatizaram a questão-problema e os objetivos desta pesquisa: • Categoria 1: as ações didáticas explícitas;

Esse curso foi criado em 2006 para formar pro-

• Categoria 2: as ações didáticas implícitas;

fissionais preparados para atuação nos diferentes

• Categoria 3: as ações didáticas diante dos

campos da indústria e em centros de pesquisas. A

saberes profissionais demandados;

duração do curso é de quatro anos e meio ou nove

• Categoria 4: as ações didáticas diante das

períodos.

atitudes e valores demandados.

A disciplina de Química Analítica Quantitativa é ofertada, semanalmente, com quatro aulas teó-

O planejamento dessas aulas práticas compre-

ricas e três aulas práticas de laboratório nas quais

endia o estudo dos seguintes métodos de análise:

se trabalham os métodos gravimétricos e volu-

gravimetria de volatilização e precipitação; volu-

métricos de análise química. O laboratório inves-

metria de precipitação/métodos argentométricos

tigado tem uma área de 66m incluindo uma sala

Mohr e Volhard; volumetria de neutralização, de

de balanças. Sob as bancadas, existem armários

complexação e de oxirredução.

2

em número suficiente para todos os alunos e cada

No presente trabalho, o foco de estudo foi a

aluno se responsabiliza por um armário e toda a

análise das ações didáticas explícitas e implícitas,

vidraria existente, possibilitando desenvolverem

categorias 1 e 2, para a atividade prática incluída

suas atividades individualmente. A turma é divi-

na décima semana de aula. A professora esperava

dida em dois subgrupos, para haver, no máximo,

que as estratégias de ensino empregadas gerassem

12 alunos no laboratório por vez.

oportunidades para que o envolvimento dos alu-

Foram pesquisados e analisados os seguintes

nos nas atividades propostas e a aprendizagem dos

documentos: programa da disciplina, plano de

métodos e técnicas de análise química desenvol-

curso e planejamento das aulas. Para os registros

vidos, ao longo do semestre letivo, acontecessem

da prática pedagógica da professora, foram consi-

de alguma forma. Entretanto, em função das difi-

derados o conteúdo abordado, a infraestrutura do

culdades apresentadas pelos alunos nas avaliações

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

37


O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida

feitas na nona semana de aula, a professora decidiu

orientando cada um. Essa conduta visava obter as

fazer uma intervenção e incluiu uma atividade que

condições ideais para o desenvolvimento do expe-

não tinha sido planejada. A professora repensou

rimento e a redução das possíveis fontes de erros,

todo o seu planejamento e decidiu incluir uma

além da aprendizagem.

prática simples com o objetivo de dar aos alunos

Como introdução ao estudo sobre análises volu-

uma oportunidade de desenvolverem uma análise

métricas, foi planejada uma atividade sobre o uso e

com a responsabilidade de emissão de um laudo,

a calibração das buretas. Nessa aula, a professora

sem um roteiro orientativo e considerando todo o

explicou, por meio de demonstração, sobre a utiliza-

conhecimento adquirido nas aulas anteriores.

ção das buretas e quais as soluções de limpeza mais

Antes de analisar as ações didáticas dessa

usadas. Ela distribuiu um cartão branco com uma

semana, é necessário apresentar uma análise geral

tarja preta, que funcionaria como cartão de contraste,

de todas as atividades desenvolvidas nas aulas ante-

para facilitar a visualização do menisco e a leitura

riores, por serem pré-requisitos indispensáveis para

do volume gasto numa titulação. Cada aluno recebeu

que a inclusão da nova atividade fosse possível.

um cartão com o seu nome gravado e foi informado

Observou-se que, em todas as aulas, a professora apresentava os fundamentos teóricos para os

de que deveriam guardá-lo para ser usado em todas as análises a serem realizadas durante a disciplina.

procedimentos práticos e explicava que os proce-

Na semana seguinte, o tema tratado foi volu-

dimentos tinham sido planejados de forma a gas-

metria de neutralização de sistemas complexos e

tar menores quantidades de reagentes e para gerar

a amostra escolhida foi um produto de limpeza

menores quantidades de resíduos. Em seguida,

desencrustante alcalino comercial. A professora

ela distribuía um roteiro das atividades práticas,

iniciou a aula dizendo que os alunos já conheciam

falava do objetivo da aula, da análise química a

os fundamentos da volumetria de neutralização e

ser realizada e chamava a atenção dos alunos para

o foco da aula seria a titulação de sistemas com-

o uso dos equipamentos de proteção individual e

plexos. A volumetria de neutralização por retroti-

do caderno de laboratório. Também discutia sobre

tulação foi tratada, posteriormente, analisando um

a quantidade de amostra a ser utilizada, explicando

fertilizante contendo cloreto de amônio.

e demonstrando a técnica de tomada das amostras

O Quadro 1 apresenta as categorias das ações

líquidas e sólidas, bem como os cuidados de como

didáticas explícitas e implícitas subdivididas em

medir, como diluir, como homogeneizar a solu-

subcategorias com as respectivas ações observadas

ção a ser analisada e, se fosse uma amostra sólida

nas aulas práticas para a determinação do teor de

heterogênea, como é a técnica do quarteamento.

ácido acético no vinagre.

Ela sempre fez o acompanhamento das aulas

As ações didáticas explícitas observadas em

questionando e relembrando o porquê de cada

cada subcategoria serão descritas incluindo, ao

procedimento, do ponto de vista químico, com-

mesmo tempo, as ações didáticas implícitas, visto

plementando as explicações com a fundamentação

que essas estão interligadas, perpassando por toda

teórica, chamando a atenção do que era preciso

a prática pedagógica do professor. Isso facilitará a

fazer em cada etapa do procedimento, corrigindo e

compreensão e análise delas.

38

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida

Quadro 1.  Categorização das ações didáticas explícitas e implícitas. Categoria Ações didáticas explícitas

Ações observadas nas aulas sobre análise volumétrica para determinação do teor de ácido acético no vinagre

Subcategoria

Programação do conteúdo e planeja- A professora justificou que havia repensado todo o planejamento mento das atividades. das aulas práticas e decidido incluir “[...] qualidade analítica dos resultados”. Estratégias de ensino para o desenvol- Cada dupla recebeu um pacote enumerado contendo uma vimento das atividades. amostra de vinagre [...] Eles demonstravam satisfação por estarem desempenhando o papel de muita responsabilidade.

Ações didáticas implícitas

Acompanhamento e avaliação.

A professora interferiu [...] Assim, toda a equipe conseguiu compreender onde estava o erro.

Proposições

Inclusão de uma situação real: “Cada dupla de alunos representa uma empresa que recebeu uma solicitação de análise [...]”.

Estratégias de intervenção

Promoção de um momento de reflexão sobre as vantagens e desvantagens de se diluir uma amostra [...] para avaliar a escolha dos procedimentos mais adequados para redução dos possíveis erros.

Concepções sobre ensino e a aprendi- “Eu acredito que o aluno se sentirá mais seguro para fazer o zagem, avaliação e a crença na capaci- relatório depois que ele repetir os procedimentos práticos [...]”. dade de transformação social. “Ele precisa gostar de fazer relatório”. “As atitudes mais positivas e incentivadoras do gerente devem ser valorizadas”.

3.1

fabricante de vinagre. Ele pretende contratar o

Programação do conteúdo e planejamento das atividades

serviço de uma das empresas e por isso vai acompanhar o desenvolvimento dessa análise para

A professora justificou para os alunos que

avaliar a qualidade do trabalho de cada empresa

havia repensado todo o planejamento das aulas

para poder decidir qual delas será a selecionada.

práticas e decidido incluir uma análise simples na

Os aspectos a serem avaliados serão: organiza-

qual eles deveriam emitir um laudo técnico com

ção; higiene; boas práticas; uso de EPIs; trabalho

o resultado dessa análise, assinado por eles como

em equipe; celeridade; capacidade para resolver

responsáveis. Os procedimentos para a análise

problemas e a qualidade analítica dos resultados”.

seriam propostos por cada dupla e não seria distribuído roteiro prático como de costume. Eles utilizariam seus conhecimentos e habilidades adquiridas até o momento, além de observarem as normas técnicas legais específicas para a análise. Segundo ela, seria uma oportunidade para a tomada de decisões e solicitou aos alunos que se organizassem e planejassem as etapas da análise. Em seguida, ela distribuiu um texto contendo a solicitação da análise, a descrição do que é um fermentado acético e

Para facilitar os registros das observações, as equipes foram identificadas por números. Cada equipe recebeu um pacote enumerado contendo uma amostra de fermentado acético e a orientação de que todos os reagentes, as vidrarias e os aces­ sórios estavam disponíveis no laboratório e que eles deveriam procurar tudo o que necessitassem para a análise.

os parâmetros a serem analisados e simulou uma

3.2

situação real dizendo:

Estratégias de ensino para o desenvolvimento das atividades práticas

“Cada dupla de alunos representa uma empresa

As ações didáticas usadas pela professora

que recebeu uma solicitação de análise de um

como estratégias de ensino levaram os alunos a

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida

uma tomada de decisão sobre a sequência de ati-

sobre as vantagens e desvantagens desse proce-

vidades que eles julgassem mais adequada. Foi

dimento. Inicialmente, ela discutiu com as equi-

possível observar que cada equipe dividiu as tare-

pes 4 e 5, e cada aluno teve a oportunidade de se

fas para a realização da análise e, em seguida, os

manifestar antes de concluir sobre o melhor pro-

alunos se movimentaram por todo o laboratório

cedimento. Em seguida, a mesma discussão foi

procurando os materiais necessários para cada pro-

promovida com as equipes 1 e 2. A equipe 1 fez a

cedimento definido por eles. Nesse momento, um

diluição na proporção de 5:50 mL e a equipe 2 usou

deles disse: “O hidrogenoftalato de potássio deve

a mesma proporção, mas com os volumes 10:100

estar no dessecador”, demonstrando um conheci-

mL. A professora perguntou o que eles ganharam

mento adquirido nas aulas anteriores. De modo

diluindo as amostras. Caso a opção fosse não diluir

geral, as equipes se preocuparam em padronizar a

as amostras, qual volume de amostra seria consi-

solução de hidróxido de sódio e só depois cuidar

derado ideal. Eles concluíram que 2 mL seria um

da amostra de vinagre.

bom volume porque gastariam cerca de 15 mL da

A equipe número 1 trouxe para a bancada

solução titulante de hidróxido de sódio, utilizando

dois vidros de relógio contendo hidrogenoftalato

uma bureta de 25 mL. Mas a professora questio-

de potássio. A intenção era transferir cada massa

nou sobre a possibilidade de um erro relativamente

diretamente para o frasco do tipo Erlenmeyer cor-

maior ao se medir um volume pequeno como os

respondente e solubilizar com quantidade sufi-

2 mL e perguntou como eles fariam se tivessem

ciente de água destilada. Depois de algum tempo,

uma rotina com 50 amostras para analisar. Nesse

a equipe percebeu que, para diminuir as chances

momento, eles compreenderam a importância de

de erros, deveria ter feito tal procedimento ainda

avaliar a escolha dos procedimentos mais adequa-

na sala de balanças e que deveria fazer triplicatas

dos, considerando a vivência da prática profissio-

e não duplicatas de amostras, como planejado.

nal e, ao mesmo tempo, a preocupação com a redu-

A equipe 2 ficou parada, aguardando a liberação

ção dos possíveis erros.

das balanças para a medida das massas do rea-

A equipe 5 chamou a professora para discutir

gente padrão primário. A professora disse: “Vocês

sobre o resultado encontrado e para compreender

precisam ficar esperando? Vocês podem medir o

onde haviam errado. Eles não sabiam explicar o

volume das amostras de vinagre e, dessa forma, o

aparente erro de cerca de 10 vezes menor do que

trabalho vai sendo adiantado; vocês não acham?”

o valor esperado. A professora conduziu a realiza-

As bancadas de trabalho estavam muito orga-

ção dos cálculos, passo a passo, a partir do experi-

nizadas o tempo todo e as equipes foram desenvol-

mento executado para determinar a massa de ácido

vendo suas atividades com tranquilidade, trocando

acético em miligramas. Ela ficou aguardando

ideias sobre o que deveriam fazer e discutindo

enquanto eles faziam os cálculos. Em seguida, ela

sobre os cálculos. Eles demonstravam interesse e

foi acompanhando e questionando os resultados

satisfação por estarem desempenhando o papel de

encontrados em cada etapa relacionando com a

muita responsabilidade.

massa de amostra tomada. Nesse momento, foram

3.3

revistos os cálculos estequiométricos e enfatizado

Acompanhamento e avaliação

que essa é a base da análise química. A discussão

A equipe 3 optou por analisar a amostra pura

inicial foi sobre a diluição feita. Nesse momento,

de vinagre e as outras equipes diluíram a amostra.

ela pegou um balão volumétrico de 100 mL e foi

A professora promoveu um momento de reflexão

repetindo o procedimento adotado para a diluição

40

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida

dos 10 mL de fermentado acético, conforme a

ceu. Para isso, foram estabelecidos critérios para

equipe ia descrevendo. Assim, toda a equipe con-

a análise desses dados, permitindo relacioná-los

seguiu compreender onde estava o erro.

com os referenciais teóricos que fundamentaram

No final da aula, a professora fez uma breve

a pesquisa.

entrevista com cada equipe, separadamente, sobre

Ao analisar o papel da professora diante das

o trabalho desenvolvido na aula, destacando os

proposições e estratégias de intervenção utiliza-

pontos positivos e negativos da atividade proposta.

das, foram identificadas suas concepções sobre

Seguem os relatos de alguns alunos:

ensino e aprendizagem, avaliação e crença na

“Hoje tivemos mais confiança...” (Aluno A). “Planejamos

e

ganhamos

autonomia”

capacidade de transformação social. A professora acompanhava o trabalho de cada aluno, fazendo considerações sobre a técnica mais adequada. À

(Aluno B).

medida que percebia o desempenho de cada um,

“Sabemos o método, mas temos insegu­

principalmente dos alunos que apresentavam mais

rança” (Aluno C). “Foi prazeroso, porque foi mais tranquilo e

procurava acompanhar mais de perto o trabalho, dificuldades. Ela interferia ajudando, corrigindo, orientando e elogiando os acertos de cada equipe.

por isso não foi cansativo” (Aluno D).

Nesse momento, o seu papel era de professora,

“Conseguimos maior autonomia e maior

cliente, avaliando o trabalho dos analistas.

confiança... É importante saber que eu consigo” (Aluno E). “Um dos pontos positivos foi a possibilidade de trabalhar em equipe, de organizar e de planejar as atividades” (Aluno F).

mas, em alguns momentos, ela exercia o papel de Segundo Mazzioni (2009), a atividade docente é caracterizada pelo estabelecimento das relações interpessoais com os alunos, de modo que o processo de ensino-aprendizagem seja articulado e que os métodos utilizados cumpram os objetivos a que se propõem.

E a professora perguntou: “Teve desafios?” A equipe 3 respondeu: “Sim, planejar cada etapa, pensar sozinho e

Para Libâneo (2008), para um estudo ativo, o professor precisa dar explicações, orientando sobre os procedimentos para a resolução de problemas, promovendo e incentivando o aluno para o estudo, e afirma ser necessário que:

tomar decisões”.

4

Análise dos resultados Segundo Bardin (2007), a organização e o tratamento dos dados são passos necessários para a compreensão e produção de conhecimento sobre o tema pesquisado. A análise dos dados coletados foi feita considerando as ações didáticas do professor nas condições em que esse ensino aconte-

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[...] o professor esteja atento para que o estudo ativo seja fonte de auto-satisfação para o aluno, de modo que sinta que ele está progredindo, animando-se para novas aprendizagens (p. 105).

Segundo esse pesquisador: o envolvimento do aluno no estudo ativo depende de que o ensino seja organizado de tal forma que as dificuldades tornem­‑se problemas subjetivos na mente do aluno, provoquem nele uma tensão e vontade de superá-las (p. 95).

41


O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida

Nas observações das aulas práticas, ficou evidente que a estratégia de intervenção utilizada tinha a intenção de criar um ambiente agradável para que todos os alunos pudessem desenvolver suas atividades. Ela incentivava o trabalho em equipe e, ao mesmo tempo, propunha atividades diferenciadas para atender aos alunos em diferentes níveis de aprendizagem. As relações da professora com os alunos e entre os próprios alunos eram harmoniosas, e a existência de um clima de confiança era facilmente perceptível. O jeito alegre, entusiasmado e atento da professora para conduzir as atividades propostas tornava o ambiente ainda mais propício à aprendizagem. Os alunos se sentiam encorajados a fazer o procedimento utilizando a técnica que julgavam ser a mais acertada e se sentiam à vontade para pedir ajuda e explicações. Era evidente que as orientações da professora apresentavam uma intenção em incentivar e promover a confiança crescente dos alunos e uma satisfação à medida que eles conseguiam realizar a atividade proposta. Até suas brincadeiras tinham o mesmo propósito de fazer com que eles ficassem mais motivados e seguros para realizar uma análise. A participação ativa dos alunos nas aulas, assim como o interesse e envolvimento deles em todas as atividades, sinalizou que a ação de uma professora comprometida com os problemas da sala de aula e com as necessidades dos alunos pode contribuir para a construção de uma prática docente efetiva. Para ilustrar essa prática, destacamos a explicação dada pela professora na quarta semana de aula, quando, em particular, ela disse que os alunos não precisariam fazer relatório para aquela aula e completou dizendo: “Eu acredito que o aluno se sentirá mais seguro para fazer o relatório depois que ele repetir os procedimentos práticos e isso vai facilitar a elaboração do seu relatório. Ele precisa gostar de fazer relatório”.

42

[...] a prática pedagógica só se aperfeiçoa, por quem a realiza, a partir de sua história de vida e saberes de referência, das experiências e aspirações [e que] é na prática e na reflexão sobre ela que o professor consolida ou revê ações, encontra novas bases e descobre novos conhecimentos (Ribas, 2000, p. 62).

Foi possível perceber, ainda, a concepção da professora sobre ensino e aprendizagem quando ela, considerando uma oportunidade para aperfeiçoar sua prática pedagógica, fez uma entrevista com cada equipe de alunos sobre os pontos positivos e negativos da atividade desenvolvida. Da mesma forma, a sua concepção de avaliação foi identificada quando ela discutiu o resultado da avaliação com cada um dos alunos, acreditando que essa atitude contribui para a concretização da aprendizagem. Além do papel da professora, foi analisado também o contexto institucional em que atuou para saber se contou com o apoio pedagógico e de infraestrutura para o funcionamento das aulas práticas e as formas de organização do trabalho realizado no laboratório. Foi constatado que o laboratório em questão tem uma boa infraestrutura e conta com o apoio de um monitor para preparar as aulas práticas e para auxiliar o professor. Foi observada uma preocupação da professora com a organização e limpeza do laboratório. As razões desse ambiente propício ao trabalho escolar parecem estar relacionadas também à existência de um projeto político­‑pedagógico, que estabelece os fins a alcançar com esse ensino e as estratégias para sua concretização. Esse clima parecia afetar positivamente o ensino e a aprendizagem, já que se notava uma grande disposição dos alunos em aprender. Ela cobrava dos alunos a organização da bancada e a postura profissional, repetindo sempre: “Se organizem, retirem o material do armário e preparem os materiais para análise. Tudo muito organizado. Separem o escritório do laboratório”.

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O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida

Outra dimensão estudada foi a instrucional,

aulas, procurou analisar amostras de substâncias que

incorporando uma análise da representação da

foram produzidas em outro laboratório da instituição,

professora sobre a sua própria prática, assim como

economizando recursos na compra dessas amostras

sobre a escola, o aluno e as empresas que os con-

e valorizando o trabalho desenvolvido por outros

tratam. Ficou evidente que a abordagem teórico-

alunos nas aulas práticas de Química Inorgânica.

-metodológica usada tinha como proposição uma

Quanto à crença na capacidade de transformação

prática escolar relacionada ao mundo do trabalho,

social, foram identificados indícios de ações preten-

tornando possível construir relações que se for-

didas pela professora, visando valorização profis-

mam no processo da aquisição dos saberes.

sional e aumento da auto-estima por parte dos alu-

Cunha (1995) afirma que:

nos, conforme constatados no próprio depoimento dela, por uma ocasião em que a turma foi dividida

Dialogar com a realidade resulta em competência técnica e científica, mas acima de tudo, ensina a pensar e a alcançar a independência intelectual, objetivo principal do processo educativo (p. 105).

em dois grupos e cada um tinha um gerente como responsável. Ela disse: “As atitudes mais positivas e incentivadoras do gerente devem ser valorizadas”. Foi possível perceber que as mudanças de

Segundo Haydt (2006), o planejamento didá-

atitudes foram se tornando visíveis ao longo do

tico é um processo mental que envolve a operação

semestre letivo e os próprios alunos relataram as

de analisar, refletir, definir, selecionar e estruturar

modificações em suas posturas durante as ativida-

o conteúdo para distribuí­‑lo ao longo do tempo,

des individuais e coletivas. Essa evidência foi cons-

prevendo as formas de agir e organizar. Portanto, o

tatada quando a aluna da equipe 5 disse: “No início,

processo de planejamento da ação docente é o plano

cada um estava fazendo uma atividade e só depois

didático, que é um instrumento de referência; o pla-

a equipe seguiu unida e afinada. Foi uma oportuni-

nejamento dessas ações didáticas prevê as ações e os

dade para adquirir segurança e nós gostamos”.

procedimentos que o professor vai realizar com seus

Ficou evidente que os alunos gostaram muito

alunos e a organização dessas atividades visando

da atividade proposta pela professora. Alguns

atingir os objetivos educacionais esperados. O plano

disseram que ficaram felizes com o resultado, e a

didático terá vida própria no momento de sua execu-

professora também ficou satisfeita, pois percebeu

ção e ficará impregnado com a personalidade, habi-

que essa foi uma oportunidade de crescimento e

lidade e entusiasmo de cada professor. Nesse sentido,

aprendizagens significativas.

o planejamento de ensino ou didático é a especificação e operacionalização do plano curricular (p. 98).

Assim, uma preocupação demonstrada pela

5

Conclusões

professora ao planejar suas aulas foi a utilização

Este estudo possibilitou analisar a complexi-

proposital de amostras de produtos mais consumi-

dade da prática educativa porque levou em con-

dos no mercado, como soro fisiológico, fertilizante,

sideração todas as ações didáticas do professor e

água sanitária, produto de limpeza alcalino, vinagre,

o comportamento dos alunos, dentro de um labo-

dentre outros. Nessa oportunidade, os alunos emi-

ratório de Química Analítica Quantitativa de uma

tiram laudos com os resultados das análises. Outra

instituição de ensino tecnológico, em determinado

constatação do planejamento didático efetivo foi o

tempo, levando em consideração também o con-

aproveitamento de amostras produzidas localmente,

junto de fatores individuais e sociais que cada um

revelando, ainda, que a professora, ao planejar suas

trouxe consigo.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

43


O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida

Os dados coletados permitiram concluir que a maneira como a professora planejou suas atividades de aula foi determinante para que seus alunos tivessem maior interesse nessas aulas. Outra constatação foi que o planejamento foi feito com muito critério, levando-se em conta o desenvolvimento da iniciativa e a capacidade dos alunos na resolução de problemas. Houve planejamento da atividade com a preparação prévia do material e a orientação clara aos alunos sobre a tarefa a ser realizada. Observando o comportamento dos alunos ao longo das semanas e, em especial, na semana em questão, foi possível perceber que o desempenho

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2007. CANDAU, V. M. (Org.). A didática em questão. Petrópolis: Vozes, 1992. CANDAU, V. M. Didática: questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Forma & Ação, 2009. CUNHA, M. I. A pesquisa qualitativa e a didática. In: OLIVEIRA, M. R. N. S. (Org.). Didática: ruptura, compromisso e pesquisa. Campinas: Papirus, 1995. p. 99-108.

deles na realização dos procedimentos analíticos

HAYDT, R. C. C. Curso de didática geral. 8. ed. São Paulo: Ática, 2006.

havia evoluído. Eles estavam mais ágeis, mais

LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortêz, 1994.

seguros e confiantes. A organização e o funcio-

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namento do espaço do laboratório foi um importante fator que contribuiu para criar um ambiente mais apropriado e mais agradável, que favoreceu o aprender a trabalhar, estimulando a participação e a cooperação entre os alunos. Assim, com base nos resultados encontrados, é possível evidenciar que as ações didáticas utilizadas no ensino dessa disciplina favoreceram a conquista do conhecimento, da autonomia e da segurança por parte desses alunos, e seus desempenhos no laboratório lhes conferiam um sentimento de pertencer a um grupo de profissionais que serão

MAZZIONI, S. As estratégias utilizadas no processo de ensino-aprendizagem: concepções de alunos e professores de ciências contábeis. Universidade de Chapecó. In: CONGRESSO USP CONTROLADORIA E CONTABILIDADE, 9, 2009, São Paulo. Anais... São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.congressousp.fipecafi.org/artigos92009/283.pdf>. Acesso em: 12 set. 2013. OLIVEIRA, M. R. N. S. (Org.). Didática: ruptura, compromisso e pesquisa. Campinas: Papirus, 1995. OLIVEIRA, M. R. N. S. A reconstrução da didática: elementos teórico­‑metodológicos. Campinas: São Paulo: Papirus, 2002.

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6

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44

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Relato de Experiência 02 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013

p. 45-57

Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química Plastics and their economic and environmental impacts in the chemistry teaching Marizete Barbosa da Silva1, Anelise Maria Regiani2 e Aline Andreia Nicolli3

Resumo Descreve-se, aqui, uma sequência de aulas de Química ministradas no ensino médio em uma turma do terceiro ano de uma escola pública. O plano de ensino foi construído através da perspectiva de abordagem de temas em aulas dialogadas. Durante o trabalho desenvolvido na escola, os discentes foram convidados a desenvolver várias atividades e, ao término de cinco aulas, responderam um questionário onde expressaram suas opiniões individuais sobre o tema, as aulas e a atuação da docente. Estas atividades e o diário do professor foram objetos de investigação através de uma abordagem qualitativa. Foi possível observar que a metodologia contribuiu na construção de um ensino mais significativo sobre os conceitos químicos relacionados com a temática dos plásticos, proporcionando aos alunos uma reflexão não só sobre como os plásticos revolucionaram a vida do homem moderno, mas, também, quais são as implicações ambientais, sociais e econômicas da utilização deste material na sociedade moderna. Palavras-chave: CTS; Meio ambiente; Abordagem de temas; Polímeros; Plásticos.

1. Licenciada em Química pela Universidade Federal do Acre. 2. Docente e pesquisadora no Centro de Ciências Biológicas e da Natureza, CCBN, da Universidade Federal do Acre, UFAC. Bacharel em Química com Habilitação Tecnológica pelo Instituto de Química de São Carlos, USP. Mestre e doutora em físico-química pela mesma instituição. 3. Docente e pesquisadora no Centro de Educação Letras e Artes, CELA, da Universidade Federal do Acre, UFAC. Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade do Contestado com mestrado em educação pela UNICAMP e doutorado em educação pela UFMG.


Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

Abstract We describe here a set of chemistry classes directed to students of the third year of a public high school. The teaching plan was built from the perspective of thematic approach and dialogue in class. During the classes, the students were asked to develop various activities and, at the end of five classes, they answered a questionnaire where they expressed their individual opinions about the subject, the classes and the performance of the teacher. These activities and the teacher diary were objects of a research through a qualitative approach. It was observed that the methodology contributed in building a more meaningful education about chemical concepts related to the theme plastic, allowing the students a reflection on not only how plastics have revolutionized the modern life, but also what are the environmental, social and economic implications on the use of this material in the modern society. Key-words: STS; Environment; Thematic approach; Polymers; Plastics.

1

Introdução Os discentes do ensino médio, em sua maioria, não gostam da disciplina de Química. Esse descontentamento pode ser decorrente do fato de os alunos não conseguirem relacionar a Química com suas vidas e contextos socioculturais. Por sua vez, a falta de relação entre os conteúdos de química e as situações do cotidiano pode ser um dificultador na atribuição de significados aos temas abordados e ser resultado da postura tradicional do professor, que ministra os conteúdos preocupado, exclusivamente, com a memorização de fórmulas, estruturas, classificações, regras e cálculos, desconsiderando a participação efetiva do discente no diálogo mediador da construção do conhecimento.

situações problemáticas e reais de forma crítica, permitindo ao aluno desenvolver capacidades como interpretar e analisar dados, argumentar, tirar conclusões, avaliar e tomar decisões (Brasil, 2002, p. 88).

Em outras palavras, o professor de química tem a função de auxiliar na formação cidadã do educando, relacionando os conceitos químicos com a realidade do aluno, favorecendo a sua compreensão em relação aos conteúdos abordados e ao exercício da cidadania. A educação científica deverá assim contribuir para preparar o cidadão a tomar decisões, com consciência do seu papel na sociedade, como indivíduo capaz de provocar mudanças sociais na busca de melhor qualidade de vida para todos (Santos; Schnetzler, 2003, p. 56).

Para além da simples memorização, o aprendizado de conteúdos de química deve acontecer de

Em situações de ensino e aprendizagem, o pro-

forma construtiva, favorecendo o desenvolvimento

fessor deve promover o diálogo em sala de aula,

de atitudes que vão muito além da sala de aula, nas

pois é através do processo dialógico que ocorre

quais o aluno possa usar o conhecimento constru-

a troca de conhecimentos a respeito do objeto de

ído enquanto cumpre o seu papel como cidadão.

estudo. Tanto o professor quanto o aluno detêm

Para que isso aconteça, é necessário que o ensino

conhecimentos e práticas, porém, o primeiro, con-

e a aprendizagem de química sejam sustentados no

forme o conhecimento científico sistematizado e o

desenvolvimento de competências e habilidades e

segundo, conforme seu senso comum (Delizoicov

sejam ministrados na escola em aulas que enfati-

et al., 2009). O docente precisa se apropriar do

zem a abordagem de

conhecimento que o aluno já tem, porque é a par-

46

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

tir dele que se deve iniciar o processo educativo

2

(Delizoicov et al., 2009; Freire, 1987). Ao proble-

Delineamento metodológico Este estudo foi desenvolvido no primeiro

matizar os conhecimentos dos alunos, que não são

semestre de 2013, como Trabalho de Conclusão

suficientes para explicar a questão proposta pelo

de Curso de Licenciatura em Química, em uma

docente, o professor suscita nos discentes o inte-

turma de 39 alunos de uma escola pública, em Rio

resse por se apropriarem de outros conhecimentos,

Branco, Acre, que acolhe alunos de diversos bair-

que, no caso, é o conhecimento científico. Assim

ros e de diferentes níveis sociais e culturais.

sendo,

O referencial teórico utilizado para constru-

Problematiza-se de um lado o conhe­cimento sobre as situações significativas que vai sendo explicitado pelos alunos. De outro, identificam­ ‑se e formulam­‑se adequadamente os problemas que levam à consciência e necessidade de introduzir, abordar e apropriar conhecimentos científicos. Daí ocorre o diálogo entre o conhecimento, com consequente possibilidade de estabelecer uma dialogicidade tradutora no processo de ensino/aprendizagem das Ciências (Delizoicov et al., 2009, p. 197).

ção do plano de ensino foi a abordagem de temas (Santos; Schnetzler, 2003) em aulas dialogadas (Freire, 1987). Nesta perspectiva, foi elaborado um plano de ensino que contemplava cinco aulas de 50 minutos. Os recursos didáticos foram escolhidos pressupondo que deveriam estimular o aluno à pesquisa e à busca de novos conhecimentos. Assim, foram utilizados recursos como texto (Lana, 2006), vídeos (De Onde, 2010; Um Oceano, 2009; Documentário, 2012; Matéria, 2012) e

Mediante o exposto, este trabalho é um relato

experimentos (Sarquis et al., 1995; Marconato;

de experiência sobre o ensino de química por meio

Franchetti, 2002).

do desenvolvimento de uma sequência didática

Durante o trabalho desenvolvido na escola,

referenciada na concepção educacional do diálogo

os discentes do ensino médio foram convidados

(Freire, 1987) e na abordagem de temas proposta

a desenvolver várias atividades e, ao término das

pelo movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade

cinco aulas, responderam a um questionário onde

(CTS) (Santos; Schnetzler, 2003). O tema esco-

expressaram suas opiniões individuais sobre o

lhido foi o estudo dos polímeros, com ênfase nos

tema, as aulas e a atuação da docente. Estas ativida-

aspectos que circundam questões sobre sua impor-

des e o diário do professor foram objetos de investi-

tância em no nosso cotidiano e seus impactos

gação através de uma abordagem qualitativa.

ambientais. A relevância do tema escolhido está no fato de os plásticos fazerem parte de nosso cotidiano,

3

Relato de experiência

estando presentes, de diversas formas, em nossas

Descreve-se, aqui, uma sequência de ensino,

casas, hospitais, escolas, indústrias e comércio,

desenvolvida em aulas de química que foram plane-

tendo se tornado um item indispensável na vida do

jadas conforme caracterização preliminar, e desen-

homem moderno. No entanto, ao longo dos anos,

volvidas sob supervisão do docente da escola. As

atribuiu-se aos plásticos o valor de grandes ini-

aulas foram desenvolvidas da seguinte forma:

migos do meio ambiente. Por isso, o estudo deste

Aula 1

tema se faz necessário porque ele permite que o

3.1

discente, em reflexões coletivas, pondere sobre o

Após a exposição inicial da temática e da meto-

uso e o descarte desses materiais.

dologia do conjunto de aulas proposto, foram fei-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

47


Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

tas cinco perguntas com o objetivo de avaliar os

primeiro uso, sem processamento adicional, como

conhecimentos prévios dos alunos, em termos de

nos exemplos citados pelo aluno: fabricar brin-

conteúdo de Química, e o que eles pensavam sobre

quedos alternativos e artesanatos. O processo de

o tema deste trabalho. Ao se perguntar por que os

reciclagem, segundo Santos e Mol (2010), começa

plásticos são considerados um problema ambien-

primeiro com o destino correto através da coleta

tal, somente dois estudantes responderam, indi-

seletiva. Posteriormente, os materiais são lavados,

cando que: (a) É porque o plástico demora muitos

triturados, fundidos e remodelados para se obter

anos para desaparecer do meio ambiente e (b) As

um novo material plástico (Albuquerque, 2000).

pessoas não têm consciência e jogam os plásticos

A outra resposta mostra a preocupação do aluno

nas ruas, nos esgotos, e é por isso que, quando

com a possibilidade de reciclagem e o seu des-

chove, muitos lugares da cidade alagam devido às

conhecimento de como fazê-lo, sugerindo que o

bueiras estarem entulhadas com tanto lixo, princi-

esclarecimento da população e o incentivo a esse

palmente na cidade de São Paulo.

procedimento ambientalmente correto deveria ser

Uma breve análise nos permite perceber que

política pública.

ambas as respostas concordam com a literatura

Ao comentar sobre os diversos tipos de mate-

(Santos; Mól, 2010): devido à durabilidade do

riais plásticos que fazem parte de nosso cotidiano,

plástico, seu consumo é em larga escala e ele pode

pediu-se que os alunos descrevessem o que per-

permanecer no meio ambiente por mais de 500

cebiam sobre as características dos plásticos.

anos; o descarte inadequado desse material pode

Mais uma vez, somente os mesmos dois alunos

levar à obstrução dos rios e córregos e à poluição

participaram, enquanto que os demais escutavam,

das águas, sendo que os animais que vivem nesses

quando não se distraíam com os outros colegas,

meios também são ameaçados, pois podem ingerir

sendo necessária a intervenção do professor da

os plásticos e se asfixiarem.

escola. Um dos alunos respondeu que os plásticos

Indagados sobre a possibilidade de os mate-

podem ser duros ou moles, o outro afirmou que

riais plásticos serem reciclados, e de que forma

existem diversos tipos de plástico, exemplificando

isso poderia ser feito, os mesmos alunos se mani-

com o copo descartável e a garrafa pet. A primeira

festaram e os demais estudantes da turma perma-

resposta remete a algumas características físicas

neceram somente como expectadores. As mani-

dos plásticos, a segunda exemplifica essas mesmas

festações apontaram na seguinte direção: (a) Os

características na utilização final para confecção

plásticos podem se reciclados sim, muitas pessoas

de objetos diferentes.

utilizam o plástico para fabricar brinquedos, arte-

A quarta pergunta tinha como objetivo saber se

sanatos e (b) Os plásticos podem ser reciclados

os alunos reconheciam a relação entre os termos

sim, mas o governo deveria fazer mais projetos

“plástico” e “polímero”. Para esta questão não foi

para incentivar as pessoas a terem essa iniciativa,

obtida resposta, o que pode indicar o não estabe-

deveria divulgar mais na televisão de como isso

lecimento de relações entre os dois termos pelos

poderia ser feito.

discentes. Mesmo sem a resposta da quarta ques-

Na fala de um dos estudantes percebe­‑se a con-

tão, foi feita a seguinte, em que se pedia aos alunos

fusão comum entre as pessoas sobre os significa-

citar os polímeros que poderiam ser encontrados

dos dos termos reciclagem e reuso. A reutilização

naquela sala de aula. Mediante novo silêncio, a

pressupõe a utilização para uma segunda finali-

palavra “polímero” foi trocada pela palavra “plás-

dade de um material descartado após o término do

tico” e, mediante participação um pouco maior da

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

turma, porém ainda pequena, citaram os objetos

matando-os. Após terem assistido o vídeo, apenas

caneta, computador, apagador, tênis, óculos, forro

um aluno expressou a sua indignação.

da sala e o suporte da luminária. Observa-se, então,

Questionados sobre os tipos de lixo que con-

que as palavras são múltiplas, mas os silêncios também

seguiram identificar no vídeo, contou-se com a

o são (Orlandi, 2007, p. 28), já que o silêncio, neste

participação de um grupo maior de alunos que res-

caso, estava indicando o não conhecimento/reco-

pondeu ter visto pneus, baldes, sacolas plásticas e

nhecimento do termo. Cenário que foi logo resol-

embalagens de xampus. A partir do vídeo, os alu-

vido com a simples substituição da palavra “polí-

nos foram provocados a novas reflexões sobre a

mero” pela palavra “plástico”. Neste caso, temos

quantidade e tipo de lixo produzido em suas casas,

o silêncio que significa, já que indica a ignorância

o destino do lixo e a responsabilidade individual

em relação à terminologia/linguagem científica.

sobre a situação de poluição ambiental apresen-

Sendo assim, aprender química pressupõe

tada. Sobre essa responsabilidade, um aluno res-

aprender a linguagem da Ciência, ou seja, a lin-

pondeu: “Todos nós temos culpa, porque as pes-

guagem científica verbal – oral e/ou escrita – ou

soas jogam lixo em todo lugar e, com as chuvas,

gestual – os movimentos, a interação com o outro,

esse lixo é levado para os esgotos, dos esgotos vão

a realização de experimentos, a interpretação e/ou

para os rios e de lá são despejados no mar”.

construção de modelos, as imagens, dentre outros.

A discussão foi finalizada pela docente na

A linguagem científica é uma ferramenta funda-

perspectiva de que os alunos refletissem sobre o

mental que permite a classificação, a decomposi-

fato de que a quantidade de lixo produzido, diaria-

ção, a explicação e a (re)construção de fenômenos

mente, nas residências é influenciada por muitas

que compõem o mundo.

variáveis, como o número de pessoas que moram

A professora enfatizou que o plástico é tão pre-

na casa, os hábitos de consumo e o poder aquisi-

sente em nossas vidas que em um pequeno espaço,

tivo da família. Continuando, foi proposta a refle-

como o da sala de aula, foram identificados, rapi-

xão que considerasse também o quanto, mesmo

damente, vários materiais de plástico. Também foi

que inconscientemente, cada um de nós tem par-

demandado que os alunos imaginassem a quan-

cela de culpa com relação ao lixo acumulado no

tidade de objetos feitos de plástico presentes nas

Oceano Pacífico. O comentário foi finalizado

casas, nos hospitais e nas indústrias, dentre outros

com uma nova questão: “Os plásticos apresentam

espaços.

somente desvantagens para o homem moderno?”

Após essas discussões, foi apresentado um

Diante desse novo questionamento, foi verifi-

vídeo de sete minutos intitulado Oceano de plás-

cado um aumento significativo da participação

ticos, a sujeira se acumulada no lixão do Pacífico.

dos alunos. As vantagens apontadas pelos discen-

O vídeo é uma reportagem veiculada na televisão,

tes relacionavam-se com a utilização de objetos

que denuncia a agressão do Oceano Pacífico pela

feitos de plástico como escova de dente, caneta,

humanidade. Levadas pela corrente marítima,

pneus, brinquedos e embalagens para alimentos.

toneladas de sujeira produzidas pelo homem em

As novas reflexões foram finalizadas quando a

diversas partes do mundo se acumulam em um

docente informou que o plástico substituiu muitos

lugar que já foi um paraíso. Os plásticos, mistu-

outros materiais na confecção de objetos de uso

rados ao alimento, confundem as aves e outros

cotidiano, como os baldes para carregar água.

animais que acabam se alimentando destes mate-

Na sequência, foi distribuído para os alunos o

riais, criando anomalias em seus organismos e/ou

texto: Polímeros e resinas sintéticas: um mundo

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

sem plásticos hoje seria um pesadelo, de Carlos

no lixo, os conceitos de reciclagem e de coleta

Roberto de Lana (2006). O texto mostra a impor-

seletiva. São destacadas algumas falas dos alunos:

tância dos polímeros sintéticos, popular­ mente

“Os plásticos podem ser reaproveitados

conhecidos como plásticos, em nossas vidas. O

através da reciclagem”.

texto foi lido de forma compartilhada, com a par-

“Da mesma forma que se recicla o papel,

ticipação de vários alunos, e após a leitura, foram

o plástico também pode ser reciclado na

perguntadas aos alunos as percepções sobre o texto. De modo geral, os alunos expressaram ter

fabricação de novos produtos”.

gostado do texto e que “não tinham parado para

“É por isso que em alguns lugares existe a

pensar em como a presença dos plásticos é bas-

coleta seletiva separando o plástico e o papel”.

tante marcante no nosso dia a dia”.

“Reciclagem é o reaproveitamento de

A partir dessa leitura, começaram a relacio-

alguns produtos descartados no lixo para a

nar o termo “plástico” com o termo “polímeros”

fabricação de novos produtos”.

e observaram que existem diversos tipos de polí-

“Não se podem reciclar conjuntamente

meros. Foi, então, solicitado que citassem os dife-

todos os tipos de plástico; pelo fato de

rentes plásticos apontados no texto, ao que vários

serem diferentes não daria certo e o correto

alunos responderam prontamente. Após a discus-

é reciclar junto só os que forem iguais”.

são, foi questionado, novamente, o que seriam os polímeros. Baseados no texto, alguns alunos dis-

Encerrando a discussão, foi consenso que a

cutiram entre si e chegaram a um consenso de que

reciclagem é o reaproveitamento dos plásticos des-

polímeros são plásticos diferentes, com diferentes

cartados no lixo e que não se pode reciclar diversos

utilizações.

tipos de plásticos conjuntamente devido às dife-

3.2

renças de estruturas entre os tipos de polímeros.

Aula 2

Foi, ainda, explicitado que, se a reciclagem acon-

A aula foi iniciada relembrando o conceito de

tecer sem a separação dos diferentes plásticos, será

polímeros e questionando quem havia feito a tarefa

obtido um material de aplicações limitadas devido

de identificar os nomes dos polímeros no texto for-

às qualidades do produto final. Perguntou-se como

necido na aula anterior. Infelizmente, somente três

seria feita a separação dos plásticos, questão que

alunos responderam afirmativamente. O conteúdo

ninguém respondeu. Procedeu-se, então, à explica-

foi, então, sistematizado através da apresentação

ção sobre os códigos estampados em objetos plás-

de slides previamente preparados. A definição de

ticos a fim de orientar a reciclagem.

polímero foi retomada. Outros conceitos foram abordados, como reações de polimerização, estru-

3.3

Aula 3

turas químicas e funções orgânicas dos polímeros

Esta aula aconteceu no laboratório da escola.

identificados no texto. Optou-se por ensinar como

A experimentação no ensino de Química constitui

fazer o reconhecimento dos grupos funcionais nas

um recurso pedagógico importante que pode auxi-

moléculas, explicando que eles correspondem à

liar na construção de conceitos, além de despertar

parte da estrutura que determina as propriedades

a curiosidade e a motivação do aluno. A aula foi

químicas e físicas do composto.

iniciada com a explicação sobre a viabilidade da

Na sequência, foi iniciada uma discussão sobre

reciclagem dos plásticos dos pontos de vista da

o reaproveitamento dos plásticos após o descarte

economia e da preservação do meio ambiente. Foi

50

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

explicado o que é coleta seletiva do lixo, com a

lato (PET), polietileno de alta densidade (PEAD)

separação e identificação dos diferentes materiais

e poliestireno (PS), respectivamente obtidos e

plásticos descartados. Explicou-se, também, que a

recortados de garrafas plásticas de refrigerantes,

separação pode ser possível empregando-se uma

embalagens plásticas de água sanitária e copos des-

das propriedades físicas do plástico: a densidade.

cartáveis. O foco desta atividade era utilizar a pro-

Ao serem questionados sobre qual seria o conceito

priedade física densidade para diferenciar os três

de densidade, responderam prontamente “que era

plásticos. O roteiro experimental foi lido junto com

a relação entre a massa e o volume de uma subs-

os alunos e todas as orientações de como proceder

tância”. Ao perguntar o que acontece com o mate-

na investigação foram dadas durante a realização

rial mais denso quando colocado, por exemplo,

do experimento. Diferentemente das outras aulas

na água, eles responderem prontamente que “iria

em que os alunos se silenciavam quando questio-

afundar” e que o menos denso “iria flutuar”.

nados, nesta aula mostraram­‑se envolvidos, anima-

Para a aula experimental, os alunos foram divi-

dos e participativos com as observações. No final

didos em grupos de quatro, e cada grupo recebeu

do experimento, os resultados anotados pelos alu-

o roteiro do experimento (Quadro 1). Os grupos

nos foram discutidos e foi solicitado aos mesmos

de alunos receberam, ainda, amostras de cada um

que pesquisassem as estruturas dos três polímeros

dos plásticos em observação: polietileno terefta-

investigados no experimento e suas utilizações.

Quadro 1.  Roteiro de experimento sobre a diferenciação dos plásticos por meio da densidade. Roteiro do Experimento “Plásticos são diferentes” Resumo: propriedades físicas são usadas para distinguir três plásticos disponíveis em embalagens de uso cotidiano: polietileno de alta densidade, polietileno tereftalato e poliestireno. Competências discentes a serem desenvolvidas: coleta e interpretação de dados e investigação. Materiais: (por grupo de 4 alunos) • 01 amostra de polietileno de alta densidade (PEAD); 01 amostra polietileno tereftalato (PET); 01 amostra de poliestireno (PS); 03 copos transparentes; 250 mL de água destilada; 250 mL de solução de sacarose; 250 mL solução saturada de cloreto de sódio. Para preparar a solução de sacarose pode-se dissolver 125g de açúcar em 250 mL de água e para preparar a solução saturada de cloreto de sódio pode-se dissolver 90 g de sal de cozinha em 250 mL de água. Procedimento experimental: 1. Investigue as propriedades físicas dos pedaços de plástico e registre as suas observações: a) Aparência visual (transparente ou translúcido, colorido ou incolor, brilhante ou fosco); b) Textura (escorregadia, lisa, rugosa); c) Flexibilidade (pode ser dobrado facilmente, permanece dobrado ou retorna a sua forma original, quebra quando submetido à dobra) e: d) O som feito quando cai sobre uma superfície sólida. 2. Determine a densidade relativa das peças de plástico para água, submergindo um pedaço de cada plástico e observando se irá afundar (mais denso) ou flutuar (menos denso). Se as peças de plástico não afundarem imediatamente, toque nelas levemente com um lápis. 3. Densidade relativa das peças de plástico para solução saturada de sal. 4. Substitua a solução saturada de sal por uma solução de açúcar e faça as mesmas observações. Anote tudo na folha de observação. Atividade: Pesquise as estruturas dos três polímeros, quais são as suas utilizações no cotidiano e suas densidades. Pesquise também as densidades das soluções de sal e açúcar. Relacione os valores das densidades encontrados com o experimento de flutuação realizado. Fonte:  Experimento adaptado de Sarquis, Sarquis e Williams (1995).

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

51


Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

3.4

foram abordados os conceitos de plasticidade e de

Aula 4

No início da aula, foi perguntado quem havia

estabilidade.

feito a pesquisa solicitada. Ninguém fez o traba-

Aula 5

lho. As estruturas foram, então, apresentadas e

3.5

discutidas. O objetivo desta aula era permitir que

Esta aula se iniciou com a explicação da ver-

os alunos reconhecessem que as propriedades dos

satilidade de uso dos polímeros. Para enfatizar o

plásticos estão diretamente relacionadas às estru-

uso desses materiais no cotidiano, foi utilizado

turas das macromoléculas e às interações entre

um experimento com polímeros superabsorven-

elas. Então, no processo dialógico, novas questões

tes (Quadro 2). Mesmo se optando pela metodo-

foram propostas.

logia do experimento demonstrativo, o mesmo foi

Questionou-se por que o ovo não gruda na fri-

conduzido através do processo dialógico, organi-

gideira de teflon e obteve-se a resposta: “É porque

zando o conhecimento científico com o auxílio

tem na panela um material que a reveste que não

de slides.

deixa os alimentos grudarem nela”. Indagou­‑se,

Ao final, com o intuito de facilitar ainda mais a

então, porque o polietileno de baixa densidade

compreensão do tema estudado, foram apresenta-

(PEBD) pode se empregado em sacolas, enquanto

dos novos vídeos:

que o polietileno de alta densidade (PEAD) é

1. De onde vem – O plástico (De onde,

empregado em canetas. Após o silêncio dos alu-

2009). Este vídeo é uma animação apre-

nos, avaliou-se que a pergunta foi complexa, pois

sentada pelo canal TV Escola, na qual uma

eles ainda não tinham se apropriado do signifi-

criança muito curiosa procura entender

cado dos termos “alta densidade” e “baixa den-

a origem dos plásticos de forma prática

sidade” e, portanto, não conseguiriam relacionar

e bem humorada, resgatando a origem

essas definições com “sacola flexível” e “caneta

do plástico, sua aplicação, implicações

rígida”. Esse mesmo questionamento poderia ter

ambientais e descarte adequado;

sido feito de outra maneira, perguntando primeiro

2. Dois documentários sobre uma empresa

se eles achavam que o plástico da caneta é igual

que é pioneira no estado do Acre na fabrica-

ao plástico da sacola de supermercado. Mediante

ção de produtos reciclados a partir dos plás-

resposta negativa, poderia ser questionado por que

ticos (Documentário, 2012; Matéria, 2012).

(ou como) eles são diferentes, chegando-se a uma Após a apresentação dos vídeos, foi solicitado

resposta mais próxima da esperada. Foram apresentadas as estruturas dos polímeros

aos alunos escrever um texto dissertativo sobre a

envolvidos nas questões e foram explicados os con-

importância do descarte seletivo do lixo doméstico,

ceitos de polímeros de cadeia reta, ou de alta den-

tendo em vista o reaproveitamento dos plásticos.

sidade, e de polímero de cadeia ramificada, ou de

Este texto deveria ser entregue para o professor

baixa densidade, bem como as características e as

regente para uma possível avaliação aproveitada

utilizações de cada um. Também foram explicadas

no cronograma de avaliações da escola e serviria

as interações intermoleculares possíveis de exis-

como dado de análise da metodologia utilizada;

tir nos plásticos e as consequências destas intera-

infelizmente, o professor regente dispensou os

ções nas propriedades dos polímeros. Em seguida,

alunos dessa tarefa.

52

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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

Quadro 2.  Roteiro de experimento com exemplo do uso cotidiano de plásticos. Roteiro do Experimento “Quanto de urina uma fralda pode absorver?” Resumo: Polímeros superabsorventes podem absorver uma grande quantidade de água em função da capacidade de formação de ligações de hidrogênio entre o polímero e as moléculas de água. Entretanto, na presença de sal, a absorção de água pelo polímero é diminuída. Competências discentes a serem desenvolvidas: Previsão, observação, interpretação de dados, investigação. Materiais: Balança de pequeno porte; 2 fraldas descartáveis tamanho “P”, copinhos descartáveis de café; 800 mL de água destilada; 800 mL de solução aquosa de cloreto de sódio (6g de sal de cozinha em 800 mL de água) com corante amarelo (para simular a urina do bebê). Procedimento experimental: 1. Determine a massa de cada uma das fraldas e anote; 2. Pergunta: Qual é a quantidade máxima de copinhos descartáveis com urina a fralda pode reter sem vazar? 3. Adicionar a “urina” (solução de sal de cozinha amarela) à uma das fraldas descartáveis até que ela não possa mais suportar a solução sem vazar. 4. Anote quantos copinhos de “urina” foram adicionados. 5. Pese a fralda e anote o valor final da massa de fralda com “urina”. 6. Pergunta: Imagine que, ao invés de urina, a fralda absorve água. A quantidade de água absorvida pela fralda é maior, igual ou menor do que a quantidade de urina retida? 7. Adicione água à fralda até que ela não possa mais suportar a adição sem vazar. 8. Anote quantos copinhos de água foram adicionados. 9. Pese a fralda e anote o valor final da massa da fralda com água. Atividade: Compare as quantidades de líquido absorvidas por cada fralda e comente as diferenças encontradas. Fonte:  Experimento adaptado de Marconato e Franchetti, 2002.

4

Considerações sobre as aulas

fazia sentido ou não tinha importância e relevância desejadas. Por isso, segundo Orlandi (2009), mais

Inicialmente, deve-se chamar a atenção para

do que oferecer estratégias, é necessário permitir

o quanto o exercício da docência requer planeja-

que o aluno se aproprie dos mecanismos discur-

mento, competência técnica e comprometimento.

sivos, que ele tenha a possibilidade de ler como o

Uma das dificuldades encontradas na execução

professor lê. Assim, ele poderá usufruir da indeter-

da sequência de ensino foi a falta de interação e

minação e colocar-se como sujeito de sua aprendi-

o silêncio, que muitas vezes se instalaram na sala

zagem. Por isso, é importante que não percamos de

de aula. Ante o exposto, podemos dizer que nossos

vista o fato de que quando se diz algo, alguém o diz de

elementos de análise nos permitem constatar que a

algum lugar da sociedade para outro alguém, também

política do silêncio destaca que o dizer do indiví-

de algum lugar da sociedade, e isso faz parte da signifi-

duo esconde sempre outros dizeres, outros signifi-

cação (p. 26).

cados, um silêncio que atravessa as palavras, que existe

O fato de os alunos não realizarem as tarefas

entre elas, ou que indica que o sentido pode ser sempre

propostas como exercícios a serem resolvidos em

outro, ou ainda que aquilo que é mais importante nunca

suas casas (tarefa de casa) pode, segundo Orlandi

se diz (Orlandi, 2007, p. 14).

(1993), fazer parte das condições de produção do sen-

Apesar de planejar, revisar e tentar envolver o

tido, a circulação possível pelas diferentes formações

aluno, para alguns discentes, o tema tratado não

discursivas (p. 80). Havia em sala de aula dois possí-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

53


Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

veis discursos: o professor regente e a professora-

alunos em relação assimétrica orientada para uma

-pesquisadora. Ao considerar que o sujeito não pode

finalidade preestabelecida, resultando na relação

ocupar diferentes posições: ele só pode ocupar o lugar

saber/não saber e poder/não poder. A explicação

que lhe é destinado para produzir os sentidos que não

para o insucesso nesta interpretação seria a de que

lhe são proibidos (p. 79) e que o lugar da professora-

o intercâmbio não ocorre porque as regras não

-pesquisadora foi conferido pelo professor regente,

foram cumpridas (Laplane, 2000).

podemos argumentar que o silêncio dos alunos é

Outra forma de interpretarmos o silêncio é na

um reflexo da postura do professor regente, a auto-

perspectiva utilizada por Laplane (2000) que com-

ridade que confere liberdade e censura à profes-

preende o silêncio como a falta de interação social

sora-pesquisadora. No jogo de papéis escolares, os

na sala de aula, em que as crianças não falam com

alunos conferirão ao professor estagiário o poder

o professor. Baseando-se nas ideias sobre o implí-

nos limites permitidos pelo professor regente.

cito e o pressuposto relativizamos o implícito na

Esses limites, no entanto, não são ditos, eles são

sequência “fala do professor – silêncio do aluno”

implícitos na postura e nas atitudes do professor

pela história que atravessa os recorrentes episódios

regente, às quais os discentes sabem conferir sig-

de silêncio do discente em questão, alegando sem-

nificado. Em diversos momentos, foi possível per-

pre um recomeço do “jogo interativo” proposto

ceber a falta de interesse do professor da escola em

pelo docente.

participar mais ativamente do trabalho proposto,

Na sala de aula onde a metodologia foi desen-

levando-o a atuar somente como mero espectador

volvida, não houve tempo para se estabelecer

no cumprimento de uma missão autorizada pela

afinidade e confiança entre aluno e professora­

coordenação da escola. Ora, se a autoridade da sala

‑pesquisadora. Quando o professor não conhece

(professor) desenvolvia atitude passiva de especta-

os alunos, ainda não desenvolveu afinidade ou não

dor como esperar que seus subordinados (alunos)

despertou a confiança deles, os discentes ficam

atribuíssem valor ao discurso do visitante (estagi-

apreensivos e não respondem por medo de cen-

ário)? Apesar da aparente falta de interação entre

sura. Desta forma, o silêncio encontrado pode estar

a docente­‑pesquisadora e os alunos, à medida que

relacionado à falta de compreensão das questões

as aulas foram se desenvolvendo, houve uma cres-

propostas, à falta de interesse pelo tema abordado,

cente participação dos discentes, principalmente

e também pode, nesse caso, estar relacionado ao

com o uso de vídeos e de experimentos.

começo de uma história de interação. Conforme

Na escola, a interação é vista como indicador

as atividades foram sendo desenvolvidas, os alu-

do sucesso ou do fracasso de propostas metodoló-

nos começaram a corresponder às expectativas da

gicas. Na sala de aula, o sucesso estaria marcado

docente-pesquisadora.

como a resposta dos alunos às solicitações docen-

A utilização de vídeos no ensino é interessante

tes da maneira esperada: verbalmente, realizando

porque a linguagem audiovisual desenvolve múlti-

tarefas e engajando-se nas atividades propostas. A

plas atitudes perceptivas: solicita constantemente a

resposta discente diferente da esperada indicaria

imaginação e reinveste a afe­tividade com um papel

fracasso. Laplane (2000) argumenta que a intera-

de mediação.

ção professor-aluno tem sido analisada do ponto de vista do jogo de papéis (posições sociais efetivas que os participantes ocupam na interação). Na escola, a situação de ensino envolve professor e

54

O vídeo é sensorial, visual, linguagem falada, linguagem musical e escrita. Linguagens que interagem superpostas, interligadas, somadas, não separadas. Daí sai força. Somos atingidos

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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

por todos os sentidos e de todas as maneiras. O vídeo nos seduz, informa, entretém, projeta em outras realidades (no imaginário), em outros tempos e espaços (Silva et al., 2012, p. 190).

As atividades típicas de cientistas no laboratório em projetos de investigação, através dos quais podem formular hipóteses, preparar experiências, re­colher dados e os analisar, favorecem fortemente a motivação dos estudantes, fazendo-os adquirir atitudes tais como a curiosidade, desejo de experimentar, acostumar-se a duvidar de certas informações, a confrontar resultados, a obterem profundas mudanças con­ ceituais, metodológicas e atitudinais (p. 102).

Da mesma forma, a experimentação no ensino de Química constitui um recurso pedagógico importante que pode auxiliar na construção de conceitos, podendo ser conduzida visando a diferentes objetivos, tal como demonstrar um fenômeno, ilustrar um princípio teórico, coletar dados, testar hipóteses, desenvolver habilidades de observação ou medição, adquirir familiaridade com aparatos, dentre outros (Ferreira et al., 2010). Entretanto, a

Além de ser protagonista do experimento, o ato de poder comunicar aos colegas as descobertas advindas da atividade diferente também im­pulsiona o aluno a novas habilidades, como a de comunicação.

maioria dos alunos tem dificuldades para utilizar o con-

Assim, segundo Francisco Jr. e colabo­radores

teúdo trabalhado nas aulas experimentais em situações

(2008), a prática problematizadora faz­‑se em todos

extraídas do cotidiano porque as realizam em um con-

os momentos, quer antes, durante e após o encon-

texto não significativo (p. 102). Ao elaborarmos os

experimentos utilizados nesta metodologia, nos preocupamos em aproximar a ciência Química aos fatos cotidianos dos estudantes, como entender a maneira com que as fraldas descartáveis absorvem a urina e por que separar os plásticos para a reciclagem. O aspecto motivador das aulas em laboratório foi revelado pelos próprios alunos nas respostas ao questionário de avaliação: “Ao realizar as atividades práticas, [a professora] conseguiu fazer com que os alunos se interessassem mais nas aulas e tivessem

tro com os estudantes. O diálogo, por sua vez, não é somente oral. É oral e escrito. O experimento, sua interpretação e expressão na linguagem científica deixam de ser propriedade do professor, devendo se tornarem objetos de incidência dos envolvidos no ato de conhecer. É nesse contexto que a experimentação torna­‑se motivadora, aumentando seu potencial de desenvolvimento cognitivo. Os relatos dos alunos também permitiram notar uma aceitação maciça da metodologia utilizada, que facilitou o aprendizado, bem como o uso dos recursos de forma adequada.

mais atenção no conteúdo”.

“Os métodos foram bons, pois facilitou o

“Deveriam ser dadas aulas teóricas e em

entendimento do conteúdo”.

seguida a prática, ajudando na compreensão

“Houve conteúdo, ideias, atividades, prá-

do conteúdo, assim como a professora fez”. Um aluno ainda sugeriu:

ticas muito legais e que nos ajudaram a entender mais sobre o assunto”.

“[...] se desse um tema para cada grupo, e

“A metodologia que a professora usou foi

tentar fazer um experimento cada grupo,

perfeita para que eu tivesse um aprendizado”.

isso seria legal”.

“A professora proporcionou aos alunos ati-

Ferreira et al. (2010) argumentam que a expe-

vidades que ajudaram a perceber e distin-

rimentação com caráter investigativo pode motivar

guir tudo aquilo que foi explicado em sala

ainda mais os alunos, pois

de aula”.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química

“Relacionou a teoria e a prática favore-

marcado pelos ciclos da borracha. Assim, essa é

cendo a nossa compreensão”.

uma proposta que pode ser incorporada em futuros planos de aulas com enfoque em polímeros.

“Houve aulas diferenciadas que fizeram

Por fim, cabe destacar que a indicação dos

todos nós, alunos, nos interessarmos mais

alunos nos remete a pensar sobre o preconizado

em relação ao conteúdo ensinado pela pro-

nos PCN (1997) quando dizem que o Ensino de

fessora”.

Ciências deve ser acessível a todos; que o estudante

Vê-se ratificar nas falas dos estudantes o defen-

precisa vivenciar e entender os conceitos/conteú-

dido por Laburu e colaboradores (2003), no texto

dos da ciência; que o professor precisa considerar

Pluralismo metodológico no ensino de ciências,

a articulação da Ciência, Tecnologia e Sociedade;

quando dizem que

que os temas precisam ser flexíveis para abrigar as curiosidades e dúvidas dos estudantes; que os

o princípio último que procuramos deixar claro é de que quanto mais variado e rico for o meio intelectual, metodológico ou didático fornecido pelo professor, maiores condições ele terá de desenvolver uma aprendizagem significativa na maioria de seus alunos (p. 258).

alunos devem ser instigados a responder perguntas desafiadoras e que o ensino não se resuma à apresentação de definições científicas.

Outros aspectos destacados pelos es­tudantes

5

Consideração final

foram a percepção da importância da Química

O planejamento de aula requer uma profunda

no cotidiano e como as aulas dialogadas puderam

pesquisa e reflexão sobre o que devemos e como

facilitar a aprendizagem:

vamos ensinar, a fim de envolver o aluno com a sua realidade, gerando neles o desejo de adquirir

“Mostrou como a química pode ser cada

novos conhecimentos. O planejamento também é

vez mais importante na nossa vida”.

importante tendo em vista a contribuir na formação

“As aulas foram bem explicativas e me aju-

de cidadãos capazes de avaliar a realidade presente

daram a entender o que eu já conhecia”.

em suas vidas. Neste sentido, o tema desenvolvido neste trabalho mostrou-se um instrumento interes-

“As poucas aulas que tivemos com a pro-

sante, pois possibilitou ao aluno entender como

fessora foram muito interessantes, porque

relacionar a química com os plásticos, tão presen-

ela não ficou escrevendo no quadro, ela

tes e indispensáveis em nosso cotidiano, e com os

fazia uma aula bacana, a gente saia para

impactos gerados pelo descarte inadequado desse

fazer experiências, etc.”.

material no meio ambiente.

Dentre as sugestões apresentadas pelos discentes, podemos destacar a possibilidade de trabalhar com “os produtos que são feitos com borracha”. A temática dos polímeros dispõe de uma grande variedade de exemplos que podem ser significativos aos estudantes. O estudo das propriedades e do uso da borracha é muito interessante dado ao contexto histórico da ocupação do estado do Acre,

56

6

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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Relato de Experiência 03 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013

p. 58-68

A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente Construction and implementation of proposed themes of Chemical education: reflection on an activity in teacher formation Kátia Dias Ferreira Ribeiro1 Karla Amâncio Pinto Field’s2 Sandra Cristina Marquez Araújo3 Resumo Este trabalho apresenta um relato de experiência, com reflexões, pautado na utilização do ensino por temas nas aulas de Química, realizado por alunos de Estágio Supervisionado de um curso de Licenciatura em Química. Há uma constante e interessante preocupação sobre o desenvolvimento dos estágios e como concretizar, positivamente, a interferência dos estagiários nas atividades educativas escolares. A pesquisa se caracteriza como qualitativa e, para a elaboração dos dados aqui apresentados, foram analisados, os projetos e Trabalhos de Conclusão de Curso desenvolvidos durante os anos de 2008 a 2010. Percebe-se que o planejamento e otimização dos projetos, apesar das dificuldades e obstáculos, permitiram uma melhor formação dos estudantes não só no sentido de desenvolvimento de capacidades e aprendizado em química e no campo pedagógico, mas, também, na aproximação dos mesmos às questões pertinentes à sociedade a qual pertencem e ao momento histórico em que vivem. Palavras-chave: Abordagem temática; Estágio supervisionado; Formação docente; Ensino de Química. 1. Professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) – Campus Universitário de Sinop. 2. Professora do Instituto Federal Goiano (IFG) – Campus Itumbiara. 3. Professora do Instituto Luterano de Ensino Superior – ILES/ULBRA – Itumbiara.


A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente

Abstract This paper presents an experience report, with reflections, based on the themes teaching in Chemistry classes, performed by students of Stage on a Bachelor’s Degree in Chemistry. There is a constant and interesting thing about the stages of development and how to achieve a positive interference of trainees in school educational activities. The research is characterized as qualitative and to prepare the data presented the projects and the Course Completion assignments developed during the years 2008-2010 were analyzed. It can be seen that the planning and optimization of projects, despite difficulties and obstacles, allowed a better training of students not only towards capacity building and learning in chemistry and teaching in the field, but also in bringing these issues to the relevant society to which they belong and the historical moment in which they live. Key-words: Thematic approach; Supervised practice; Teacher training; Chemistry Teaching.

1

Introdução

apresentação dos conceitos sem uma aplicabilidade. Chassot (2004) defende que o conhecimento

Uma atividade presente em todo curso de for-

químico deve estar encharcado na realidade, desta-

mação inicial de professores é o estágio curricular

cando o papel social dessa ciência, orientação tam-

supervisionado, que tem o propósito de oportunizar

bém destacada nos documentos legais que balizam

o contato entre os conceitos estudados e seu desen-

a educação básica brasileira.

volvimento prático no espaço escolar. Percebe-se

Acrescentamos a isso a necessidade de contri-

uma constante e interessante preocupação sobre o

buir para a formação geral do alunado. As transfor-

desenvolvimento dos estágios e sobre como con-

mações que a química tem operado na sociedade

cretizar, positivamente, a interferência dos estagiá-

precisam ser levadas para a sala de aula. É respon-

rios nas atividades educativas escolares.

sabilidade dos educadores em química encontrar

Pimenta e Lima (2004) definem o estágio como uma atividade teórica de conhecimento, funda-

alternativas que favoreçam a divulgação da importância social dessa ciência (Chassot, 2004).

mentação, diálogo e intervenção na realidade (p. 45).

Lima e Silva (2007) afirmam que

Fundamentadas nessa definição, as discussões em

os conceitos e teorias científicas não têm valor em si mesmos [...] mas somente quando se tornam instrumentos que auxiliam a compreender o mundo em que vivemos [e ainda] estudamos/ ensinamos ciências para compreender coisas, processos, eventos do mundo natural e tecnológico em que estamos inseridos (p. 94-95).

torno das atividades desenvolvidas nos estágios apontam para o abandono da extrema valorização da técnica, da observação e da aplicação de modelos, necessitando, assim, da adoção de um posicionamento em que é valorizada a reflexão com base na realidade vivenciada pelo estagiário e a comunidade escolar.

Não podemos deixar de mencionar, aqui, que,

Durante as atividades desenvolvidas nos está-

algumas vezes, essa não simpatia à Química seja

gios, os acadêmicos detectam muitos proble­mas

questão cultural ou influência do meio. Tal afirma-

enfrentados pelos professores em suas aulas de

ção deve-se ao fato de que são trabalhados concei-

Química no Ensino Médio. Um dos mais citados

tos químicos com alunos do 1º ao 8º ano do ensino

é o desinteresse dos alunos no aprendizado dessa

fundamental sem que esses apresentem nenhuma

ciência. Esse desinteresse pode se dar devido à

rejeição, pois não relacionam aquele conheci-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente

mento a nenhuma área específica, por estarem

desenvolvimento de atitudes de tomada de deci-

vislumbrados na tentativa de compreender certos

são dos estudantes. É necessário que as atividades

fenômenos e por ainda não terem sido contamina-

desenvolvidas em sala de aula e a temática contri-

dos com a suposição de que a química é difícil e

buam para que o aluno desenvolva sua capacidade

sem utilidade.

de construir e utilizar conhecimentos.

Dessa forma, os alunos estagiários são desa-

Essa proposta é reforçada por Lima, Aguiar

fiados a elaborarem propostas pedagógicas que

Júnior e Braga (1999) quando defendem que os

auxiliem na transposição dos desafios apontados.

alunos, muitas vezes, têm dificuldades em esta-

A orientação é que as propostas pedagógicas girem

belecer relações entre os conteúdos da ciência

em torno de uma abordagem de aspectos socio-

escolar e situações que fazem parte de suas vidas

científicos associados a temas sociais, que envol-

e acreditam que o tratamento descontextualizado

vam o cotidiano dos alunos, que sejam articulados

de problemas científicos dificulta a compreensão

com outras áreas de estudo, com a tecnologia, a

básica da ciência e de seus impactos na vida coti-

sociedade e o ambiente (CTSA) e possibilitem o

diana. Os autores propõem a organização de con-

desenvolvimento de habilidades e competências

teúdos do ensino de ciências em torno de temas

básicas da formação.

vinculados à vivência e existências dos estudantes.

Galvão, Reis e Freire (2011) apontam que o

É possível encontrar outros materiais que abor-

recurso a problemas atuais e relevantes, desperta

dam a utilização de temas no ensino de ciências. A

o interesse e a participação ativa dos estudantes e

busca por materiais elaborados, tendo em vista o

ainda auxilia no desenvolvimento de competências

bom desenvolvimento do ensino de Química, for-

necessárias à resolução de problemas e promove a

nece subsídios para o desenvolvimento de práticas

construção de uma ideia mais humana da ciência

pedagógicas adequadas a cada realidade em que o

e tecnologia. Faz-se necessário, também, promo-

professor está inserido.

ver um ensino de ciências que se comprometa em

Voltando e pensando na questão do processo

demonstrar que ela não é neutra e que está imbricada

formativo inicial dos licenciandos, questiona-se se

com os aspectos sociais, políticos, econômicos, cul-

estão sendo adequadamente formados para aten-

turais e ambientais (Santos; Mortimer, 2001).

der às expectativas com relação aos objetivos do

Um processo educativo dessa forma conduzido pode auxiliar na promoção da cidadania. Quando nos referimos à formação do cidadão, devemos lembrar que esta se refere à participação dessas pessoas na sociedade em que estão inseridas e para tal, faz-se necessário que elas disponham de informações vinculadas aos problemas sociais que as afetam e que exigem um posicionamento quanto à busca de soluções (Santos; Schnetzler, 1997).

ensino de ciências para a sociedade atual. Pimenta (2008) aponta que, espera-se da licenciatura que desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino, como prática social lhes coloca no cotidiano (p. 18).

Ainda segundo os autores supracitados, o ensino

A formação inicial deve proporcionar, oferecer

voltado à formação do cidadão envolve, também,

base, alicerce para o desenvolvimento do trabalho

aspectos relacionados à ciência, tecnologia e socie-

docente e para o aprimoramento desse. Nesse sen-

dade. Assim, propõe a abordagem de temas sociais

tido, Imbernón (2011) enumera que a formação

como forma de estimular e criar condições para o

inicial deve

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente

dotar o futuro professor ou professora de uma bagagem sólida nos âmbitos científicos, cultural, contextual, psicopedagógico e pessoal, deve capacitá-lo a assumir a tarefa educativa em toda sua complexidade, atuando reflexivamente com a flexibilidade e o rigor necessários, isto é, apoiando suas ações em uma fundamentação válida para evitar cair no paradoxo de ensinar a não ensinar (p. 63).

em Química. Todos os trabalhos são frutos de interferências em salas de aula, por meio de abordagens temáticas. Os dados foram coletados pelo método de análise de conteúdo. Para Bardin (apud Caregnato; Mutti, 2006), a análise de conteúdo é: um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção [...] destas mensagens (p. 683).

Na formação inicial, os estudantes precisam desenvolver atividades que possam não só melhorar seus conhecimentos na área de referência, mas que oportunizem se envolverem com questões relacionadas à natureza da ciência e que vivenciem situações de aprendizagem diversificadas, que os auxiliem na reflexão sobre sua prática docente, quando profissionais, e na estruturação de estratégias de ensino que promovam a aprendizagem de seus alunos. Assim, este trabalho tem como objetivo apresentar um relato de experiência, com reflexões, pautado na utilização do ensino por temas nas aulas de Química, realizado por estagiários do curso de Licenciatura em Química do ILES/ ULBRA de Itumbiara-GO. Intenta-se, ao apresentar os relatos, poder contribuir com professores e futuros professores no planejamento de atividades em sala de aula. O trabalho dos estagiários se destaca por valorizar a ciência, promover o aprendizado e a formação integral dos estudantes, destacar o desenvolvimento tecnológico, alertar para a responsabilidade ambiental e apresentar situações e contextos em que o conhecimento químico é necessário. 2

Aspectos metodológicos

Esse método consiste, basicamente, em tomar posse dos dados coletados pelos diversos meios e, assim, partir para a análise e interpretação dos mesmos para no final elaborar as conclusões (Silva; Gobbi; Simão, 2005). Nos dois últimos semestres do curso de Licenciatura em Química do ILES/ULBRA­ ‑Itumbiara, são oferecidas as disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado em Química III e IV, durante as quais, os alunos elaboram e desenvolvem um projeto que norteará suas atividades de regência cuja avaliação dos resultados será apresentada no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). O projeto é desenvolvido na forma de minicursos oferecidos a alunos das três séries do ensino médio, compostos por seis encontros de quatro horas cada, totalizando 24 horas de atividades. Antes de executados, os projetos são apreciados por uma banca examinadora composta por professores de Química e de disciplinas didático-pedagógicas. A organização das aulas e dos conteúdos é feita com base no tema a ser trabalhado, sem a preo-

Para a elaboração dos dados aqui apresenta-

cupação de obediência à sequência dos conteúdos

dos, foram analisados os projetos e Trabalhos de

de ensino trazida na maioria nos livros didáticos.

Conclusão de Curso desenvolvidos, durante os

Porém, observam-se os conhecimentos necessá-

anos de 2008 a 2010, por alunos de Licenciatura

rios para a compreensão do tema e dos conteúdos

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente

apresentados durante as aulas. Deixa­‑se de utilizar uma abordagem conceitual para se basear na abordagem temática que, segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007), podem ser diferenciados conforme as definições a seguir:

3

Resultados e discussão O desenvolvimento de projetos de regência que envolvem minicursos no estágio em licenciatura em Química é visto como uma oportunidade de aprender fazendo, aplicando conhecimentos varia-

Abordagem temática: perspectiva curricular cuja lógica de organização é estruturada com base em temas, com os quais são selecionados os conteúdos de ensino das disciplinas. Nessa abordagem, a conceituação científica da programação é subordinada ao tema. Abordagem conceitual: perspectiva curricular cuja lógica de organização é estruturada pelos conceitos científicos, com base nos quais se selecionam os conteúdos de ensino (p. 189-190).

dos que vão desde a metodologia científica até as técnicas de ensino, perpassando pelos conteúdos específicos de Química, os fundamentos da educação e as teorias pedagógicas. É sugerido aos alunos que planejem um trabalho que se configure como desenvolvimento da prática pedagógica em que sujeitos e pesquisadores (estagiários) interagem na produção de novos conhecimentos – pesquisa-ação (Thiollent, 2000).

Para dar subsídios para a adoção dessa abor-

Os trabalhos iniciais do pesquisador nos está-

dagem, durante as aulas, são discutidos textos e

gios anteriores com o grupo de alunos podem sina-

obras que fundamentam a construção do projeto,

lizar a necessidade de interferência e de transfor-

que estabelecem reflexões sobre contextualiza-

mação do grupo (Pesquisa-ação crítica) e, algumas

ção, formação de professores, experimentação no

vezes, a interferência e a análise de necessidade de

Ensino de Química, materiais e recursos didáticos

transformação é previamente planejada sem a par-

no ensino de Química, normatização para proje-

ticipação dos sujeitos (Pesquisa-ação estratégica)

tos, métodos de Avaliação no ensino de Química

(Franco, 2005). Em ambos os casos, o pesquisador

e planejamento de atividades escolares (projetos,

acompanhará os efeitos de sua interferência e ava-

planos de aula e planos de ensino).

liará os resultados de acordo com os indicadores

Os projetos são construídos a partir das expe-

que estabeleceu no início do trabalho.

riências dos estagiários nas escolas, após a identi-

Diante do exposto, vê-se, então, a oportunidade

ficação das realidades, demandas, necessidades e

de o estagiário ampliar sua vi­vência pedagógica e

possibilidades de trabalho e do diálogo estabelecido

seus conhecimentos, propor alternativas criativas

entre a escola e a instituição de ensino superior.

e interessantes para os problemas do cotidiano

Durante a elaboração das aulas, tem-se o cuidado de utilizar recursos variados para o desen-

e, ainda, oportunizar ao aluno a possibilidade de ampliar seus co­nhecimentos.

volvimento do minicurso e para o processo ava-

Nessa tarefa, o estagiário é desafiado a propor

liativo. Geralmente, são utilizadas dinâmicas de

atividades pedagógicas diversificadas também em

grupo, recursos da informática, mapas conceituais

relação à avaliação. Lembrando, sempre, a neces-

e jogos.

sidade da abordagem dos conteúdos de maneira

Após execução do minicurso junto aos alunos

ampla, trabalhando não somente os conteúdos de

do Ensino Médio, os licenciandos iniciam a aná-

natureza conceitual, mas, também, os de natureza

lise dos resultados relacionados à aprendizagem e

procedimental e atitudinal conforme sugerem os

à prática pedagógica.

Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998).

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente

Quadro 1.  Exemplos de projetos temáticos desenvolvidos Tema

Conteúdos ou assuntos abordados

Fertilizantes fosfatados como tema gerador de Propriedades físico-químicas dos fosfatos, separação de mistura, solubilidade, conhecimentos (Santos, 2008) pH e pOH, reações de neutralização, balanceamento de equações, teorias ácido-base, aspectos históricos, geográficos, ambientais e tecnológicos da produção e utilização dos fertilizantes e processos industriais. O estudo dos refrigerantes promovendo a A história da Química e da produção de refrigerantes, tabela periódica, teorias aprendizagem de Química (Santana, 2008) ácido-base, segurança em laboratório, parâmetros de qualidade de refrigerantes, preparação de solução, unidades de medidas, reações químicas, equipamentos de laboratório, fórmulas químicas, processo industrial e cidadania. As estrelas: uma viagem pela estrutura do áto- Modelo religioso e científico para a origem do universo; nucleossíntese primormo (Mendes, 2009) dial; partículas elementares; nucleossíntese estelar; fusão nuclear; moléculas orgânicas; planetas do sistema solar; ondas eletromagnéticas; espectro de luz; estrutura da matéria; curiosidades sobre o universo. O iogurte como temática para o estudo de Fermentação lática; teorias ácido-base; acidez e basicidade; classificação e proquímica: um aprendizado prazeroso (Tavares, priedade dos elementos; minerais; ligações químicas; vitaminas; lipídios; amino2009). ácidos e proteínas; polaridade e solubilidade das substâncias; transformações químicas; aspectos históricos e processo de produção do iogurte industrializado. Tatuagem: uma contextualização para o ensi- Tabela periódica; propriedade dos metais; conceito, formulação e nomenclatura no de Química (Carvalho, 2010). de sais; pigmentos inorgânicos; fórmulas químicas; abordagem histórica sobre a utilização de tatuagem; efeitos nocivos da tatuagem à saúde. Conhecendo as cavernas para desenvolver o Cavernas no Brasil; conservação das cavernas; formação das cavernas; teorias conhecimento químico (Machado, 2010). ácido-base; estudo dos sais; reações químicas; equilíbrio químico. O petróleo do pré-sal: os desafios e as possi- Formação e composição do pré-sal; formação e composição do petróleo; técnibilidades de contextualização do ensino de cas de extração do petróleo; tipos de misturas; métodos de separação de mistuQuímica (Santos, 2010). ras; soluções; solubilidade; cadeia carbônica; hidrocarbonetos; reações de combustão; poluição do ar e chuva ácida; reações químicas. A música como possibilidade para motivar a História da Música; elaboração de paródias; tabela periódica; ciclo da água; foraprendizagem em química (Silva, 2010). mação da chuva ácida; teoria ácido-base; isomeria; reações químicas; estados físicos da matéria, aspectos culturais. Vinho, um cálice de química: uma proposta História da Química e do vinho; Processo produtivo e composição química do para o estudo de conceitos químicos no ensi- vinho; Leis Ponderais; Processo de Fermentação; Segurança em laboratório; Funno médio (Lima, 2010). ções orgânicas.

Os temas que possibilitam a discussão de conhecimentos podem ser planejados a partir de

sujeitos da pesquisa, a estrutura da escola, o material de consulta disponível, dentre outros.

observações e leituras. As ideias podem surgir a

Os estagiários devem, nos seus projetos, tra-

partir de noticiários de telejornais, abordagem

balhar os conteúdos químicos e, ainda, contribuir

de filmes, leitura de revistas informativas, ou de

com a formação cidadã de seus alunos. Nesse sen-

divulgação científica, conversas na internet em

tido, incentiva-se o trabalho com questões regio-

função das atividades profissionais, consulta a

nais, históricas, sociais, econômicas e ambientais.

teses e dissertações, sites da internet, de observa-

No Quadro 1, são mostrados alguns temas e conte-

ções de realidades ou interesse pessoal por algum

údos trabalhados em sala de aula. Os estagiários, durante a execução do mini-

assunto. A escolha do tema é regida por fatores internos

curso, preocupam-se em avaliar a apren­dizagem

tais como a afetividade do pesquisador com o tema,

de seus alunos, tendo ciência de que a avaliação

o tempo disponível para a pesquisa, a capacidade

é um elemento básico da pesquisa-ação e da ati-

intelectual do pesquisador e de fatores externos tais

vidade docente. O estagiário é orientado a avaliar

como a importância e a novidade do tema para os

a aquisição dos conteúdos conceituais, o domínio

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente

dos conteúdos procedimentais e o desenvolvimento de conteúdos atitudinais. Comumente, opta-se por técnicas de observação e análise das produções dos alunos. Em geral,

pesquisador em uma única pessoa, rompendo o preconceito de que quem faz pesquisa não conhece a realidade do professor (Cordeiro, 2010, p. 50).

os instrumentos utilizados são registros de fatos e

Nos momentos de discussão, os estagiários

casos, debates, resumos, trabalhos de síntese, reso-

comentam ainda que, para a proposta de trabalho

lução de exercícios e problemas, textos escritos,

com temas ser implementada durante todo o ano

diálogos, apresentações e par­ticipação em ativida-

na escola, é necessária uma maior disponibilidade

des lúdicas. Na escolha dos instrumentos, atenta-se

de tempo do professor para a preparação, que

para o número necessário de participantes, os recur-

exige leituras e comunicação com profissionais de

sos e o tempo disponível e os conteúdos a avaliar.

outras áreas para selecionar temas que possibili-

Algumas dificuldades são listadas pelos alunos

tem a abordagem de todo o conteúdo trabalhado no

estagiários, sendo essas relacionadas à sua própria

ano letivo e superar a cobrança para utilização res-

formação ou diretamente ligadas à escola ou sistema

trita do livro didático. Oliveira (2010) coloca que

educacional. De forma geral, os entraves e desafios listados pelos estagiários são: saber como se tornar familiar em um novo ambiente e ainda participar de um grupo (alunos, professores, coordenadores etc.) já estruturado; superar as resistências; construir sua proposta respeitando as condições físicas da escola, realidade da comunidade escolar e que faça parte

seria um desafio ensinar Química durante todas as aulas de forma contextualizada, sendo necessário para isso força de vontade e empenho, para buscar sempre novas tecnologias de ensino, abordando questões atuais do cotidiano dos alunos, resultando em um ensino inovador (p. 60).

da realidade dos alunos; trabalhar com a percepção

Faz-se justo destacar que todo o trajeto é

e ser capaz de reconstruir a proposta, caso neces-

acompanhado pelo professor orientador e pelo

sário. Oliveira (2010) relata, após suas experiên-

professor responsável pelas disciplinas que, além

cias, que pode-se perceber que a sala de aula é cheia

de fazerem as orientações pertinentes ao desen-

de questões que envolvem incertezas, conflitos, dúvidas,

volvimento do projeto e à redação do trabalho

questionamentos e o professor deve estar atento para

monográfico, incentivam os alunos a refletirem

resolver essas situações (p. 58).

sobre suas experiências. Além disso, há o estí-

Com relação às contribuições na formação do

mulo para que os licenciandos tenham competên-

pesquisador, em seu trabalho monográfico, uma

cia em relação ao conteúdo com o qual irão tra-

das estagiárias aponta:

balhar e saibam transformar o conteúdo científico

[...] vários aspectos podem ser apontados como relevantes, entre eles, o planejamento das atividades de ensino, a união da teoria e da prática, a organização dos horários, a escolha do recurso a ser utilizado, a adaptação ao clima da sala, a comunicação na sala de aula, reconhecer as dificuldades de aprendizagem, experimentação de técnicas e estratégias de ensino, reconhecer e testar suas teorias pedagógicas, entre outras contribuições. Cabe ressaltar, ainda, que a pesquisa em sala de aula permite unir professor

64

em um conteúdo escolar de modo a ser aprendido pelo aluno conforme sugerido por Gonçalves e Gonçalves (1998). Cabe destacar que, apesar de este estudo apresentar uma análise de trabalhos desenvolvidos no final do curso de licenciatura, o desenvolvimento de práticas efetivas que contribuam para uma formação docente em química, que amplie a visão dos alunos sobre aspectos sociais, ambientais, políticos e históricos, ocorre durante todo o curso de

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A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente

formação, incentivando o licenciando a se atuali-

solicitado que o aluno realize uma leitura da vida,

zar e estar inteirado com as discussões e questões

do cotidiano da sala de aula sem estar capacitado

estruturais que envolvem a sociedade.

para tal. Naturalmente, o aluno terá dificuldade

Por vezes, é apontado, em trabalhos que anali-

em investigar questões relacionadas ao trabalho

sam as atividades nos estágios supervisionados, o

desenvolvido. Reforça-se, então, a necessidade de

distanciamento entre o que se é discutido nas dis-

um projeto de curso, coletivo, construído com um

ciplinas específicas de Química e as abordagens

olhar na formação do educador capaz de compre-

realizadas nos estágios. No caso em estudo, este

ender a teoria e relacioná-la à prática.

distanciamento é diminuído, pois os professores que atuam nos estágios também contribuem em disciplinas básicas do curso de Licenciatura tais

4

Considerações finais

como Química Geral, Química Orgânica, Físico-

Percebe-se que o planejamento e otimização

química, Química Analítica e as relacionadas aos

dos projetos, apesar das dificuldades e obstácu-

laboratórios. Os professores têm a preocupação em

los apontados pelos estagiários, permitiram uma

não só apresentar o que os alunos precisam saber

melhor formação dos futuros docentes. Isso ocorre

do conteúdo específico da área, no caso Química,

não só no sentido de desenvolvimento de capa-

mas como os conhecimentos foram construídos e

cidades e aprendizado em química e no campo

como devem ser abordados na educação básica.

pedagógico, mas, também, na aproximação dos

Há um interesse em discutir a transposição do

mesmos às questões pertinentes à sociedade à qual

conhecimento científico em conhecimento escolar.

pertencem e ao momento histórico em que vivem.

Vale colocar que, por outro lado, são observa-

Isso faz com que se crie um contexto que dá sig-

das, pelos professores formadores, dificuldades

nificado aos conhecimentos científicos e sinaliza

por parte dos estagiários, o que amplia nossas

a necessidade de construção mais adequada de

inquietações. Essas dificuldades estão relaciona-

outros conhecimentos.

das com a estruturação do pensamento e análise

A não obediência a uma sequência preestabe-

de sua prática docente, com a seleção das leituras

lecida e a uma hierarquia de conteúdos químicos,

e como realizá-las, com o levantar informações

ao se trabalhar com temas, permitiu a percepção

pertinentes e sua discussão em seus Trabalhos de

da complementaridade e interligação dos conheci-

Conclusão de Curso, sinalizando que, realmente,

mentos, características estas que são perseguidas

somente o conhecimento científico não é sufi-

no ensino de Ciências.

ciente para uma adequada formação do docente.

Confirmando que mudanças no processo de

Muitas dessas dificuldades podem e devem

ensinar interferem no processo de aprender, relata­

ser trabalhadas durante a formação inicial do

‑se que os alunos do ensino médio sinalizaram uma

profissional. Fazenda (1991), apresentando uma

maior simpatia pela área da Química e um conse-

experiência em um curso de pedagogia, aponta

quente interesse e disposição na aprendizagem.

que, muitas vezes, na trajetória escolar dos alu-

Os desafios e obstáculos a serem su­perados

nos, inclusive no ensino superior, as atividades

devem ser reconhecidos, considerados e analisa-

de pesquisa consistem em cópias, realizam-se

dos e estão disseminados tanto no que diz respeito

leituras visando a um resumo (o que também não

à formação inicial do profissional quanto à estru-

é compreendido) sem saber como, nem por que

turação e concepções da unidade escolar, incluindo

resumir, pouca utilização da biblioteca, e depois é

os sujeitos nela envolvidos. Não acreditamos que

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A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente

promovemos uma mudança já que essa depende de inúmeros fatores, mas trabalhos como o descrito podem contribuir para promover uma reflexão. 5

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Química Verde 01 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013

p. 69-82

A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso1 The environmental dimension and Green Chemistry in the initial training of Chemistry teachers: reflections of a study case Vânia Gomes Zuin2 RESumo O objetivo do artigo é discutir como a dimensão ambiental e, em especial, a Química Verde, se inserem na formação de estudantes de um curso de licenciatura em Química de uma Instituição de Ensino Superior pública, localizada no estado de São Paulo, Brasil. Por meio deste estudo de caso, buscou-se analisar a relação dessa dimensão com os aspectos científico, tecnológico e social do processo formativo. Entre outros aportes, utilizou-se a teoria crítica da sociedade para compreender a realidade observada. Foram considerados documentos oficiais, bem como entrevistas semiestruturadas com licenciandos, apoiadas na metodologia de grupo focal, e com docentes vinculados ao curso. Todos os textos foram analisados por meio da metodologia 1. Este artigo, baseado no livro publicado pela editora Átomo, intitulado A Inserção da Dimensão Ambiental na Formação de Professores de Química inaugura a seção “Química Verde” da Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ), que tem como objetivo principal ampliar as contribuições relativas à geração de novos conhecimentos neste campo. A autora é também a editora responsável pela seção. 2. Bacharel e licenciada em Química pela Universidade de São Paulo, Mestre e Doutora em Ciências (Química Analítica) pela Universidade de São Paulo, com estágio doutoral na Universitá degli Studi di Torino, Itália. Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Pós-doutora em Química pela Universidade de São Paulo e pelo Helmholtz-Zentrum für Umweltforschung, Alemanha, com apoio da fundação Alexander von Humboldt (AvH). Atualmente, é professora doutora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), junto ao Departamento de Química, credenciada ao Programa de Pós-graduação em Química e ao Programa de Pós-graduação em Educação. Integra o subcommittee on Green Chemistry da International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC).


A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso

conhecida como análise discursiva. Nesse sentido, as cinco categorias e subcategorias definidas anteriormente, verificadas e constituídas a partir dos materiais analisados foram: razão instrumental; o slogan e a sociedade do espetáculo; a formação docente em Química e suas trajetórias curriculares, sendo que essa última integra as subcategorias para além das grades do currículo e ambientalização: relações CTSA, ética e emancipação. Após a análise dos dados coletados, observou-se uma tendência crescente à ambientalização curricular para além do “esverdeamento” do curso investigado, embora haja várias dificuldades de ordens prática e institucional. Palavras-chave: Formação docente; Educação ambiental; Química verde. Abstract The purpose of this work is to examine how the environmental dimension and, especially, Green Chemistry, are included in the education of students in a licentiate course in Chemistry at a public Institution of Higher Learning located in the state of São Paulo, Brazil. Among other resources, the critical theory of society was used to gain an understanding of the observed reality. Official documents were considered, as well as semi-structured interviews, based on the focus group methodology, with licentiate students and with docents connected to the course. All the texts were analyzed using the methodology of text-based discourse analysis, which assumes premises that place it between the extremes of content analysis and discourse analysis. Considering this, the five categories and subcategories which have been defined, verified and made from documents and interviews, were: Instrumental reason; The slogan and the society of the spectacle; Teacher training in Chemistry and its curricular trajectories, the latter includes the subcategories: beyond the framework of the curriculum and the environmentalisation – STSE relationships, ethics and emancipation. After analyzing the collected data, a tendency was detected for increasing curricular environmentalization beyond the greening of the course under investigation, despite the existence of several institutional and practical difficulties. Key-words: Initial teacher training. Environmental education. Green chemistry.

1

esse curso (Brasil, 2001) quanto pela realidade

Introdução 1.1

escolar – procura se distinguir e criar uma identi-

Contornos e nuances do campo científico da Química

dade própria, diversa da do curso de bacharelado, a questão ambiental parece se mostrar reduzida,

A institucionalização da Educação Ambiental

fragmentada e nebulosa.

(EA), ou dimensão ambiental, em todos os níveis e

Essa fluidez, talvez, possa ser compreendida

modalidades de ensino tem se mostrado um desa-

em virtude das disputas internas que ocorrem no

fio urgente, especialmente para as instituições de

campo científico da Química, notadamente no que

Ensino Superior (IES) (Brasil, 2005). Tal desafio

se refere à questão ambiental. Bourdieu (1983),

não se restringe à ambientalização dos espaços

que considera o campo um sistema de relações

curriculares tradicionais, mas acaba por exigir a

objetivas entre posições adquiridas (espaço de

totalidade das práticas e políticas acadêmicas, a

jogo lutas concorrenciais), relaciona o monopólio

saber, ensino, pesquisa, extensão e gestão (Zuin;

da autoridade com o da competência científica, de

Farias; Freitas, 2009). Dada a especificidade da

tal maneira que os pesquisadores que com as capa-

formação docente em Química que – tanto imposta

cidades de falar, serem escutados e agir legitima-

pelas novas diretrizes curriculares nacionais para

dos por determinado grupo são capazes de imputar

70

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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso

as concepções que compõem o seu capital cultural

tada nesse caso pela Sociologia –, podem eleger a

como as mais valorizadas nesse campo científico.

concepção positivista como a adequada, seus res-

Nesse sentido, não há práticas científicas que pos-

pectivos capitais científicos. Adorno e, também,

sam ser caracterizadas como não interessantes,

Horkheimer (1991) não desconsideram a impor-

pois a própria existência e o funcionamento do

tância dos processos de quantificação dos dados

campo produzem e supõem formas específicas de

para o desenvolvimento das pesquisas científicas.

interesse.

Contudo, ambos os pensadores objetam o modo

Logo, quando uma problemática ambien-

como tais processos de quantificação são destituí-

tal aparece – necessitando ser diagnosticada,

dos de suas relações com a análise crítica dos fins

ca­racterizada e encarada – ela exige que o campo

com os quais são empregados.

se organize, explicitando quais são as vozes e pro-

A chamada teoria tradicional se esteia na razão

cedimentos autorizados no seu enfrentamento.

instrumental, ou seja, a forma como a racionali-

Porém, dada a complexidade das inter-relações

dade é instrumentalmente objetivada pressupõe

que constituem uma problemática dessa natureza,

a defesa de uma descrição neutra da realidade e

o seu enfrentamento exige a entrada de outros dis-

das relações humanas. Sendo assim, uma análise

cursos, plurais, provenientes de outros campos,

crítica das finalidades dos produtos engendrados

considerados pelo campo científico da Química,

pelos empreendimentos tecno­‑científicos não faz

gelatinosos, uma vez que seus contornos e abran-

parte de sua pauta de discussão. Não por acaso, em

gências não parecem ser bem delineados.

situações limites, a razão instrumental flerta com

A definição do campo da Química de que certos

o totalitarismo.

campos científicos são mais gelatinosos já reflete

Em contrapartida, a possibilidade de emanci-

o interesse da imposição e, portanto, da suprema-

pação, que sustenta as bases da teoria crítica da

cia de um sobre outro. Assim, os capitais científi-

sociedade, parte da premissa de que a produção

cos dos representantes das denominadas Ciências

tecno-científica, enquanto construção humana,

Humanas podem até proporcionar certo prestígio

discute, de forma imprescindível, a gênese social

aos seus portadores, mas não são considerados

dos problemas, as situações reais geradas pela

capitais científicos institucionalmente legitimados.

influência das produções científicas e tecnológicas

Além disso, os limites gelatinosos que delimitam

e, principalmente, quais são as finalidades perse-

outro campo, por exemplo, das Ciências Humanas,

guidas por tais produções, especialmente aquelas

aos olhos do campo científico da Química são

que dizem respeito à formação de educadores em

identificados como tais porque não se funda-

tempos de crise socioambiental.

mentam em alicerces considerados sólidos, tais 1.2

como a previsibilidade, linearidade, mensurabilidade, controle das variáveis e neutralidade diante

As questões ambientais e a formação docente em Química

de fenômenos e fatos naturais investigados. Tais

Principalmente na década de 1980, em função

pressupostos, defendidos, com veemência, desde

dos muitos acidentes ocorridos em todo o mundo,

Comte, no século XIX, estruturaram a concepção

em especial em países periféricos, por exemplo,

positivista que serviria como modelo ou padrão

Seveso (1976), Bhophal (1983) e Cubatão (1976-

definidor do empreendimento científico.

1985), criou-se uma série de medidas de controle

Segundo Adorno (1986), não só as Ciências

e regulamentação do funcionamento de empresas

Naturais, como também as Humanas – represen-

químicas, o que eclodiu mais recentemente em ini-

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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso

ciativas de prevenção de poluição e gestão mundial dessas indústrias e suas cadeias produtivas, caso do programa de atuação responsável e de certificação como a série ISO 14000 (International Organization for Standardization) ou a EMAS (Eco Management and Audit Scheme) (Correa; Zuin, 2009). No bojo destes acontecimentos, uma nova filosofia, com relação ao processo de obtenção e uso de produtos químicos, bem como a formação de profissionais dentro de tal enfoque, começou a ser gestada em instituições (como universidades e centros de investigação) e órgãos de normatização, sendo a mais proeminente conhecida como Química Verde, lançada nos anos 90 pela Agência de Proteção Ambiental Estadunidense (USEPA), em colaboração com a Sociedade de Química daquele país (ACS) e o Instituto de Química Verde (GCI). A Química Verde, movimento difundido de maneira mais pronunciada por Paul Anastas e John Warner, também é conhecida como Química limpa, Química ambientalmente benigna ou Química sustentável. De acordo com seus principais fundadores, a Química Verde pode ser definida como

dáveis; 11. Análise em tempo real para a prevenção da poluição; 12. Química segura para a prevenção de acidentes (Anastas; Warner, 1998). Ou seja, objetiva-se a redução do risco por meio da minimização ou mesmo eliminação da periculosidade associada às substâncias tóxicas, em detrimento da restrição de exposição às mesmas. Idealmente, por almejar nada menos que a perfeição e máxima eficiência sistêmica, a aplicação dos seus princípios promoveria a passagem da abordagem tradicional de comando e controle à prevenção de poluição, tornando desnecessárias a limitação da exposição aos poluentes e as remediações de ambientes impactados. No início dos anos 2000, a União Inter­nacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) aprovou a criação do Subcomitê Interdivisional de Química Verde e, com o apoio de setores industriais e governamentais, também tem premiado vários pesquisadores a cada ano, promovido eventos internacionais e editado várias obras (livros e revistas)

a criação, o desenvolvimento e a aplicação de produtos e processos químicos para reduzir ou eliminar o uso e a geração de substâncias nocivas à saúde humana e ao ambiente (Anastas; Warner, 1998, p. 11).

sobre o tema. No Brasil, os conceitos da Química Verde começaram a ser difundidos há cerca de cinco anos no meio acadêmico, governamental e industrial. Os poucos grupos de pesquisa que têm

Nesse sentido, são os doze princípios da Química Verde: 1. Prevenção; 2. Economia de átomos; 3. Reações com compostos de menor toxicidade; 4. Desenvolvimento de compostos seguros; 5. Diminuição do uso solventes e au­xiliares; 6. Eficiência energética; 7. Uso de substâncias renováveis; 8. Evitar a formação de derivados; 9. Catálise;

72

10. Desenvolvimento de compostos degra­

dado impulso à Química Verde, vinculados, principalmente, a universidades, em geral têm realizado encontros destinados aos estudantes universitários, bacharéis e licenciados em Química e áreas correlatas (Escolas de Verão). No final de 2007, ocorreu o primeiro Workshop Brasileiro sobre Química Verde em Fortaleza, onde foi anunciada a instalação da Rede Brasileira de Química Verde, que pretende ser o elemento institucional de promoção das inovações tecnológicas para as empresas nacionais, com o apoio da comunidade científica e o suporte das agências governamentais. Muitas

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outras iniciativas como a realização de minicur-

tos mais reduzidos, não há, em geral, uma discus-

sos, olimpíadas (Seção Regional de São Paulo da

são do paradoxo existente quando a noção de pre-

Associação Brasileira de Química, 2010), publica-

venção de poluição significa apenas a promoção

ção de livros e artigos e organização de eventos,

de alternativas menos perigosas de se realizar as

como a 4 International IUPAC Conference on

mesmas coisas. Ou seja, o discurso da Química

Green Chemistry em 2012 (Foz do Iguaçu, Brasil),

ambientalmente correta, ou verde, parece portar

dentre outras ações, contribuíram para difundir os

a crença de que se houver o desenvolvimento de

pressupostos da Química Verde em variados seto-

novas rotas sintéticas ou compostos químicos inó-

res do país nos últimos anos (Correa; Zuin, 2009;

cuos ao ser humano e ao ambiente, teríamos a con-

Correa et al., 2013).

dição de, se não resolver, pelo menos minimizar

th

todos os riscos existentes.

Ainda assim, apesar de todo o esforço realizado para a delimitação conceitual da Química

De acordo com a literatura, a concepção de

Verde, Steinhäuser e colaboradores (2004) alertam

sustentabilidade ambiental presente no movimento

para o risco de este conceito se transformar em um

da Química Verde é ainda pouco controversa

slogan, pois diversos grupos sociais podem reivin-

para os membros da comunidade química, muito

dicá-lo para o atendimento aos seus respectivos

ligada a uma visão preservacionista/recursionista

interesses, bem como usá-lo como um argumento

do ambiente (Sauvé, 2005). Logo, a análise das

em conflitos políticos sem explicar por que suas

compreensões sobre questões ambientais e suas

ações podem ser classificadas como sustentáveis

relações com a Química Verde, expressas no currí-

ou verdes. A reivindicação imediatista do conceito

culo e discurso dos envolvidos em um curso licen-

de Química Verde pode muito bem se metamor-

ciatura em Química de uma IES pública do estado

fosear em um slogan propagandístico, sobretudo

de São Paulo, pode ser relevante e contribuir com

quando o compreendemos inserido na chamada

a área de Educação Química. Por se caracteri-

sociedade do espetáculo.

zar como um estudo de caso (André, 2008), pois

Não podemos negar as benesses geradas pelo

envolve uma situação ou instância em movimento

desenvolvimento científico e tecnológico, como

que importa ser investigada em um amplo período,

aquelas propiciadas pela Química Verde. Vale

dada a sua singularidade e potencial para extra-

lembrar a promessa contida na origem da produ-

polações, a pesquisa possibilita a produção e cir-

ção científica, de atenuar o desgaste físico, com-

culação de novos conhecimentos acerca de uma

batendo a miséria material autêntica, como colo-

problemática emergente em nosso país, a saber: os

cado por Beck (1998). Porém, o solapamento dos

sentidos da inserção da dimensão ambiental e de

recursos naturais não pode servir como mola pro-

processos e produtos verdes na formação inicial de

pulsora para o incremento das forças produtivas

professores de Química.

representadas, nesse caso, pelo empreendimento tecno-científico predatório. Podemos constatar que há poucos estudos

2

Metodologia da pesquisa

voltados à formação de profissionais do campo

Para entender em que medida as concepções

da Química que se ocupem da discussão de sua

sobre a dimensão ambiental e a Química Verde

dimensão ambiental, normalmente compreendida

determinam a formação inicial de professores,

como a gestão de resíduos (Zuin, 2011). Mesmo

a análise documental foi realizada, de materiais

quando essa dimensão no campo é vista sob aspec-

como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a

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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso

Formação de Professores da Educação Básica, em

as vozes daqueles que constroem o currículo pra-

nível superior, curso de licenciatura, de graduação

ticado nesse caso particular, mas que, também,

plena; Diretrizes Curriculares para os cursos de

acreditamos refletir, em maior ou menor extensão,

Química, bacharelado e licenciatura plena; Plano

o que pode ocorrer em outras instituições brasilei-

de desenvolvimento institucional; Perfil do pro-

ras que se ocupam da formação inicial docente no

fissional a ser formado; Perfil do profissional e

campo da Química (Alves-Mazzotti, 2006).

habilidades a serem desenvolvidas na licenciatura em Química; Projeto pedagógico e estrutura curri-

3.1

Razão instrumental

cular do curso de licenciatura em Química da IES

No que diz respeito às diretrizes curriculares

de interesse. Foram, também, efetuadas entrevis-

nacionais para os cursos de Química (Brasil, 2001),

tas semiestruturadas com licenciandos e docentes

estão descritas as especificidades de cada um dos

da IES, vinculados ao referido curso no período

perfis do bacharel e do licenciado do campo:

de 2005 a 2009, com o propósito de investigar as representações e práticas destes sobre a inter-relação da dimensão ambiental e as temáticas científica, tecnológica e social. Os documentos e entrevistas foram analisados por meio da metodologia conhecida como análise discursiva (Moraes; Galiazzi, 2007). Houve, também, a observação das práticas dos licenciandos e/ou outros indivíduos em aulas teóricas e experimentais, em reuniões de grupos de pesquisas, dentre outros contextos pertinentes. Com base nos instrumentos descritos, foi adotada a abordagem qualitativa como metodologia de investigação (Alves-Mazzotti; Gewandsznajder, 2001; Bogdan; Biklen, 1994). Como destacado por André (2008) e desenvolvido neste trabalho, o estudo de caso pode ser escolhido porque existe

O Bacharel em Química deve ter formação generalista, com domínio das técnicas básicas de utilização de laboratórios e equipamentos, com condições de atuar nos campos de atividades socioeconômicas que en­ volvam as transformações da matéria; direcionando essas transformações, controlando os seus produtos, inter­ pretando criticamente as etapas, efeitos e resultados; aplicando abordagens criativas à solução dos problemas e desenvolvendo novas aplicações e tecnologias. O Licenciado em Química deve ter formação generalista, mas sólida e abrangente em conteúdos dos diver­sos campos da Química, preparação adequada à aplicação pedagógica do conhecimento e experiências de Química e de áreas afins na atuação profissional como educador na educação fundamental e média (p. 4, grifos nossos).

um interesse em conhecer, em profundidade, uma

É interessante observar que, tanto o bacharel

situação específica. Ou seja, significa compreen-

quanto o licenciado, de acordo com essas diretri-

der a unidade de interesse e seu contexto de produ-

zes, devem ter formação generalista, mas há uma

ção, suas inter-relações enquanto um todo orgânico

diferença bastante significativa: o professor deve

[e a sua] dinâmica como um processo, uma unidade em

ter tal formação desde que seja sólida e abran-

ação (p. 24).

gente. Nesse momento, caberia a questão: por que essa advertência em relação à solidez é feita ao

3

licenciado e não ao bacharel? Será que a licencia-

Resultados e discussão

tura é vista como um curso flácido, líquido, daí a

Cada uma das categorias emergentes e/ou esta-

necessidade de se enfatizar uma maior concretude

belecidas a priori nos possibilita perceber a tes-

que lhe substancie? Os termos utilizados parecem

situra da realidade investigada, seus contornos e

induzir o raciocínio de que não se exige solidez da

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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso

formação no bacharelado porque seria redundante,

veis, sendo este último tratado como algo externo

uma vez que esse curso já possui, aprioristica-

à Química, um objeto a ser estudado ou um local

mente, fundamento e firmeza, garantindo a segu-

problemático a ser remediado por meio de todo o

rança desejada aos que optam por esta carreira.

conhecimento químico, ou seja, trata-se de uma

Na leitura do plano pedagógico do curso em

relação, ainda, instrumental. De acordo com Sauvé

questão, com relação à concepção da dimensão

(2005), estes discursos observados no projeto peda-

ambiental, observa-se o anúncio de que,

gógico, que concebem e promovem a ação educa-

no ensino de química, a prioridade não deve ser apenas o conteúdo historicamente acumulado pela huma­nidade, mas sim tudo o que se refere ao indivíduo enquanto cidadão numa sociedade com grandes transformações, pois a Química é uma ciência êssente em nosso cotidiano e que tem implicações no contexto político, social, econômico e ambiental (Projeto Pedagógico IES-SP, 2004, p. 16, grifos nossos).

Porém, logo a seguir, fica explícita a ideia de que uma das grandes tarefas da ciência Química se relacionaria à “busca de soluções para os problemas ambientais”. Trata-se de uma postura que não questiona, a fundo, a forma, o meio e os fins deste campo do conhecimento. Segundo este documento, A Química proporcionou progresso, desenvolvimento e bem estar para a vida das pessoas. Porém, a idéia que algumas pessoas têm da Química é distorcida da realidade e apenas serve para depreciar essa ciência, (dado que) tudo que se relaciona com a química é algo ruim e negativo. Esse pensamento preponderante advém de situações oriundas de catástrofes, desastres e incidentes onde há alguma relação com a Química, como a poluição, acidentes como o da energia nuclear, o uso de agrotóxicos, desastres ecológicos, entre outros. Os fatos que depreciam a Química servem apenas de pano de fundo com o objetivo de não mostrar todas as conquistas obtidas pelo homem através do conhecimento químico (Projeto Pedagógico IES-SP, 2004, p. 9-10, grifos nossos).

Como se pode perceber, os termos ‘progresso, desenvolvimento e ambiente’ não são questioná-

tiva considerando a dimensão ambiental como tal têm, majoritariamente, características próximas às correntes conservacionista, resolutiva e científica. Para estas correntes, as concepções de ambiente são de recurso, problema ou um objeto de estudos, nas quais se objetiva adotar comportamentos de conservação ou gestão ambiental, desenvolver habilidades para a resolução de problemas (diagnóstico e ação), bem como a aquisição de conhecimentos em ciências ambientais (habilidades relativas à experiência científica). Baseando-se nestas vertentes, os enfoques dominantes seriam do tipo cognitivo, pragmático e experimental, e as estratégias utilizariam, por exemplo, o desenvolvimento de projetos de gestão ou conservação, os estudos de caso (análise de situações-problema) e o estudo de fenômenos (atividade de pesquisa hipotético-dedutiva). Quando o entendimento de que a dimensão ambiental corresponde, principalmente, às práticas e ao desenvolvimento e ao uso de materiais considerados ambientalmente corretos, esta se apresenta como um instrumento de finalidade exclusivamente pragmática (em programas e projetos voltados para a resolução de problemas enquadrados como ambientais) e como mecanismo de adequação comportamental (Loureiro, 2004, p. 76).

Com muita frequência, observou-se o predomínio da razão instrumental na maior parte das argumentações, tanto nos documentos analisados quanto nas falas dos entrevistados.

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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso

3.2

“De Química Verde, (foi um curso) falando

O slogan e a sociedade do espetáculo

de métodos analíticos que usam... Bem

Como destacado por Debord (1997), toda

pouquinho. Parece que eles usavam, coisas

sociedade em que imperam as atuais condições de

bem, pouquinho, coisas, muito pouquinho,

produção, a vida (ou o que deveria ser projeto ver-

de reagente, né?” (Licencianda A., 3º ano).

dadeiro desta) ocorre como uma imensa e intensa acumulação de espetáculos, ou seja, um conjunto

Um curso como o de licenciatura em Química

cada vez maior de representações. Porém, o espe-

merece ou recebe um carimbo de certificação

táculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação

ambiental? Questionada se tiveram contato com a

social entre pessoas, mediada por imagens (p. 14).

Química Verde, uma das licenciandas respondeu:

Então, para que alguém ou algo se constitua

“É mais atividade profissional, né, a gente

como merecedor de atenção, há que ser percebido

não tem...” [risos] (Licencianda T., 3º ano).

quase que exclusivamente por meio de mídias que promovam grande e intensa repercusão. Este recado

Logo, parece não caber no desenho e percurso

já é percebido, em seus variados formatos, pelos

curricular dos licenciandos em Química aquilo

estudantes do primeiro ao último ano do curso, bem

que se coloca como uma inovação no que tange a

como os seus professores e coordenadores.

esta filosofia na Química, pois os estudantes não se reconhecem, muitas vezes, nem mesmo como

Eu acho que tentar realmente, vocês que estão trabalhando mais com isso (com a “Educação Ambiental), tentar conscientizar o pessoal, através de campanhas, através de palestras, como vocês têm feito. [...] Acho que, no final, quando você faz essas coisas, você está ali, você está no palco, nossa!!! O pessoal já se empolga” (Coordenadora da licenciatura IES-SP).

a formação inicial de professores de Química se

Na esfera das inovações tecno-científicas, as

refere à exigência, com a publicação das novas

quais se tornam objeto de desejo dos pesquisadores no campo da Química, distingue­‑se a Química Verde. Porém, na chamada ‘sociedade do espetáculo’, esta filosofia pode se converter em um slogan. Hoje, ao se publicizar, ou vender, o slogan da Química Verde como um absoluto da dimensão ambiental, como sinônimo de química ambientalmente correta, que não é compreendida de forma profunda, contribuímos, ao fim, por engendrar a discriminação, a exclusão, a marginalização, pois neste “correto” que exige uma integração e comprometimento dos membros do campo, há uma tendência totalitária, muito semelhante à concepção e uso do discurso “politicamente correto”.

76

profissionais em formação. É como se a estrutura curricular não lhes proporcionasse um sentimento de gradual profissionalização docente. 3.3

A formação docente em Química e suas trajetórias curriculares

Um aspecto que merece ser mencionado sobre

regulamentações brasileiras dos cursos de licenciatura, que confere a esses cursos terminalidade e integralidade próprias, em relação ao bacharelado, possuindo assim projetos específicos (Brasil, 2002a-d). De acordo com o plano pedagógico do curso de licenciatura em Química investigado: Nos anos 90, notamos que algumas instituições de ensino superior instalaram fóruns para a discussão e deliberação a respeito de novos rumos para os problemas dos cursos de licenciatura, com propostas de alterações curriculares. Percebemos nesse momento a preocupação com o tradicional esquema “3+1”, no qual o curso de licenciatura acaba coexistindo com o de bacharelado. Porém a separação do curso de

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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso

licenciatura pode evidenciar algum tipo de discriminação se este não for visto como um curso com características próprias e de grande importância no meio acadêmico. As novas legislações como a LDB/96, o Parecer 09/2001, a Resolução CNE/ CP 01/2002, a Resolução CNE/CP 02/2002, assim como a Resolução CNE/CCES 08/2002, são exemplos de esforços que estão chegando no sentido de mudar os rumos dos cursos de licenciatura, tornando­‑os cursos com identidades próprias e específicas (Plano pedagógico IES-SP, 2004, p. 19, grifos nossos).

“De que maneira a senhora acha que edu-

O alerta do documento de que a separação

larmente, na minha disciplina, que é uma

do curso de licenciatura em relação ao de bacharelado poderia evidenciar algum tipo de atitude dis­criminatória nos faz refletir sobre a ênfase da advertência se restringir ao curso de formação de professores e não ao de bacharéis em Química. Que motivos determinariam a necessidade de se reforçar a “grande importância no meio acadêmico” apenas da licenciatura? Essa ênfase poderia ser identificada como uma tentativa de valorização de uma profissão que, historicamente, canalizou representações aversivas, como visto no início deste item? Com base nos documentos analisados neste trabalho, podemos inferir que a defesa insistente da valorização da licenciatura tem, por detrás, o pressuposto de que há uma grande diferenciação qualitativa entre os capitais culturais, e também econômicos, dos estudantes do bacharelado e licenciatura, diferença esta existente antes mesmo da separação, e que pode ser acentuada com o aparecimento de novas formas de distinção, tais como

cação ambiental está presente, ou não no currículo do curso de licenciatura em Química?” (Pesquisadora); “Acho que está presente de uma forma direta nas disciplinas e nas posturas que têm sido adotadas, principalmente, nas disciplinas experimentais e algumas teóricas também. Por exemplo, eu não posso falar pelos meus colegas, mas, eu particudisciplina que trabalha com Química dos elementos. Eu tento focar, tenho procurado focar no tratamento, sabe? De eles identificarem as consequências, ter cuidado com os gases lançados na natureza. A gente tem discutido a questão dos carros. Química do nitrogênio e Química do carbono. Eu tenho discutido isso com eles. Está presente de uma forma direta, na Química Ambiental de como a gente cobra essa parte de resíduos. E de uma forma mais, não diria indireta, mas presente em umas disciplinas, na própria iniciação, nos laboratórios, onde o aluno tem que trabalhar com solvente, onde eles têm que ter cuidados. Acho que está presente. Sei de professores que não fazem, mas” (Coordenadora da licenciatura IES-SP); “Então a Educação Ambiental está presente nesse currículo?” (Pesquisadora);

o fato das licenciaturas serem, majoritariamente,

“Acho que está, existe uma preocupação.

oferecidas no período noturno, pois há o enfren-

Não sei se o professor que a gente está

tamento de várias dificuldades de infraestrutura,

formando é um educador ambiental. Isso

como acesso à biblioteca, transporte, alimentação,

eu não sei te dizer. Mas eu sei que a gente

segurança, dentre outros.

tem mostrado a preocupação com o meio

Outra questão importante, apontada pela coor-

ambiente, alternativas de coisas que ele

denadora, se refere à presença, ou não, da dimen-

pode fazer” (Coordenadora da licenciatura

são ambiental no curso investigado:

IES-SP).

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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso

Cabe aqui uma pergunta: será a inclusão de disciplinas da área de Química uma tentativa de se preencher os buracos para, na visão deste coletivo, formar um bacharel em Química que possa dar conta, com maior eficiência e espírito ambientalmente correto, daquilo que mereça a alcunha de profissional? Não é o que parece, pois, apesar de

ritariamente, deveriam se ocupar da dimensão ambiental; “A gente poderia ouvir (sobre Química Verde) quando a gente for fazer Química Ambiental. ‘Poooode’ ser que!” (Licencianda A., 3º ano).

todo o esforço de todos os agentes educacionais

Esta e outras observações remetem à reflexão

envolvidos com a reformulação curricular, é notó-

sobre os desafios concernentes ao estabelecimento

ria a falta da materialização da dimensão ambien-

de uma relação dialógica entre as diversas áreas

tal por meio de uma práxis institucional.

do conhecimento que constituem os alicerces da

A ambientalização curricular, princi­palmente

formação docente nesse campo. A ambientalização

das atividades realizadas no âmbito das disciplinas

da formação, verificada como uma demanda cada

e dos laboratórios, bem como de outras esferas que

vez mais presente nos dados obtidos, tem como

compõem o currículo, continua limitada ao plano

premissa um formato transversal, que se funda-

individual e depende, ainda, da vontade de cada

menta nos laços criados entre todas as esferas que

docente relacionar, os conteúdos de suas respecti-

esteiam o currículo, ou seja, seus indivíduos, falas

vas atividades a essa problemática.

e silenciamentos.

3.3.1

Para além das grades do currículo

3.3.2

A ressalva de Barros (2005, p. 91), quando dis-

Ambientalização: relações CTSA, ética e emancipação

cute a formação de professores na atualidade, tem

A ambientalização do currículo auxilia na pro-

importância quando analisamos a inserção das dis-

moção do questionamento e o desenvolvimento de

ciplinas potencialmente ambientalizadas no currí-

abordagens epistemológicas, metodológicas, éti-

culo de licenciatura em Química, pois, segundo a

cas e políticas mais adequadas aos desafios coloca-

autora, a tarefa que se impõe é desmanchar os ter-

dos na contemporaneidade, visando gerar conhe-

ritórios de saber­‑poder, as formas de ação e os lugares

cimentos interdisciplinares e formar profissionais

assépticos dos especialismos que têm produzido sabe-

com condições técnicas e pessoais orientadas à

res-propriedade, os quais, muitas vezes, apoiados em

sustentabilidade socioambiental. Nesse sentido,

estratégias homogeneizadoras excluem a diferença e o

tal orientação se baliza no objetivo de erigir, criar

múltiplo.

relações dialógicas entre as dimensões da Ciência,

Na estrutura curricular estudada, o espaço e o

Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), de tal

tempo destinados ao múltiplo e ao diverso podem

modo que a pretensão de neutralidade, linearidade,

vir, também, na forma de disciplinas optativas.

a-historicidade e ausência de diversidade que pos-

Ocorre que a maior parte dos licenciandos, devido

sam permear tais diálogos são criticadas em seu

aos compromissos com as disciplinas obrigató­rias

âmago (Linsingen; Pereira; Bazzo, 2003).

e às pesquisas de iniciação científica, não podem

Como pôde ser observado, tanto nas diretrizes

assumir outras atividades no seu trajeto formativo.

curriculares para cursos de Química, bacharelado e

Outro ponto consensual observado nas falas

licenciatura plena (Brasil, 2001), quanto no plano

dos entrevistados é o de que as disciplinas rela-

de desenvolvimento institucional da IES de inte-

cionadas à Química Ambiental são as que, prio-

resse, se observa a preocupação com a introdução

78

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso

e permanência de uma perspectiva mais profunda e

razão emancipatória, é resultante da dinâmica do

crítica da dimensão ambiental em variados aspec-

atual modelo produtivo. O processo formativo que levaria à autonomia

tos da formação profissional. No perfil do profissional a ser formado pela IES, que se previa subsidiar o estabelecimento do perfil específico de cada curso e das condições que precisam ser criadas, no âmbito desse curso, para que sejam atingidas as competências julgadas essenciais ao profissional por ele formado (Brasil, 2002b, p. 2),

sobressaem­‑se as seguintes alíneas:

deve considerar as condições a que se encontram subordinadas a produção e a reprodução da vida humana em sociedade e na relação com a natureza, mas, também, as situações que interagem no plano da ‘subjetividade’, onde originam relações de dominação, que desembocam, por exemplo, na organização de coletivos (torcidas, associações atléticas universitárias etc.), na manipulação das

atuar de forma inter/multi/transdisciplinarmente (incluindo relacionar conhecimentos e habilidades de diferentes áreas, bem como extrapolar conhecimentos e habilidades para diferentes situações dentro de seu campo de atuação profissional); comprometer-se com a preservação da biodiversidade no ambiente natural e construído, com sustentabilidade e melhoria da qualidade de vida (compreender as relações seres humanos, ambiente, tecnologia e sociedade, além de propor soluções para os problemas surgidos, ao articular conhecimentos, selecionar, desenvolver e implantar tecnologias, prover práticas de educação ambiental e implementar leis de proteção ambiental); pautar-se na ética e solidariedade humanas (p. 4, 5 e 7).

massas e no alargamento das sociedades consu-

Em algumas falas dos entrevistados, percebe-se

nha à racionalidade instrumental e se expresse por

que as compreensões das cada vez mais intrinca-

meio de juízos de valor que favoreçam a realização

das relações políticas, econômicas, sociais, tecno-

da autonomia e autodeterminação do ser humano,

-científicas e ambientais, nas quais um aspecto ou

aquele que pensa e sente (Horkheimer, 1991).

outro – político ou econômico –parecem prevalecer

Neste sentido, Marin (2004) afirma que a educa-

em muitos momentos sobre os demais (Aikenhead,

ção para emancipação é aquela que, muitas vezes,

2005). Além da compreensão de que, nas relações

questiona os valores morais em vigor, desafiando-

de produção, no capitalismo atual, cabe o ques-

-os frente ao verdadeiro senso ético. Ou seja, o

tionamento da formação a partir da lógica social

indivíduo moral identifica e admite as regras,

assumida pelo trabalho, lógica esta caracterizada

normas e hábitos que fortalecessem as estrutu-

pela transformação direta de ciência e tecnologia

ras vigentes de poder, enquanto o indivíduo ético

em força produtiva, para, então, constituir-se, tam-

pensa criticamente estas estruturas, modificando-

bém, em mercadoria, gerada em escala industrial.

-as e transformando a moralidade, quando neces-

Em ressonância com os apontamentos de Maar

sário. Então, possibilitar uma mudança, visando

(1995), os indivíduos entrevistados têm presente

a formação de indivíduos éticos é um trabalho de

que a crise do processo formativo, e, portanto, da

rebeldia e resistência.

mistas (Maar, 1995). Lampejos desta perspectiva crítica podem ser vistos no argumento: “Eu acho que (a problemática dos interferentes endócrinos) é mais social porque afeta indiretamente todo o múltiplo. Tem o aspecto da economia também, tem a questão do poder, uns podem mais, outros menos. Todo problema relacionado com a área ambiental ele é muito maior do que parece” (Licenciando D., 5º ano, grifos nossos). Em uma perspectiva crítica e sócio­‑histórica, pretende-se que a razão emancipatória se sobrepo-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

79


A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso

4

ciandos, em alguns momentos, têm a capacidade

Considerações finais

de perceber que falta algo, mas que nem sempre o

Acreditamos que este estudo de caso uma

curso, por si só, pode e deve dar conta. As reflexões

unidade significativa adequada tanto para funda-

sobre a incorporação da dimensão ambiental à for-

mentar as questões levantadas sobre o contexto

mação docente emancipatória – para além da emer-

específico quanto para promover generalizações a

gente Química Verde, cujos constructos podem,

outras situações próximas – auxilie a iluminar as

equivocadamente, serem transformados em slogans

complexas condições sociais e culturais que envol-

– apontam para a importância de se repensar indi-

vem a formação inicial de professores de Química

vidual e coletivamente a literatura e documentos

de uma IES pública federal localizada no estado

curriculares, por meio da discussão das complexas

de São Paulo. A investigação mostrou que, nos

problemáticas socioambientais atuais e seus contex-

documentos oficiais nacionais relativos à forma-

tos sociais e históricos de produção.

ção docente e falas dos entrevistados vinculados

De acordo com os referenciais teóricos adota-

ao curso de interesse, há uma preocupação com a

dos neste trabalho, a formação pretendida se fun-

inserção da dimensão ambiental no processo de

damenta na construção do conhecimento que per-

formação inicial de professores de Química. Foi

manece na consciência, uma vez que o indivíduo

possível observar concepções distintas sobre o

se sente sensibilizado e mobilizado a reformular

entendimento de dimensão ambiental, que partiu

e sentir a sua prática de acordo com o apreendido.

desde o estudo de conceitos ligados ao ambiente

Tal formação voltada à sustentabilidade socioam-

físico (substâncias, reações químicas e os compar-

biental deve enfrentar o recalque, recuperar o cará-

timentos ambientais), preocupação com as normas

ter histórico de toda e qualquer produção social e

de segurança, com a utilização adequada de mate-

não se limitar à lógica da racionalidade instrumen-

riais e reagentes, a gestão e tratamento de resíduos

tal, o que significa uma reinvenção da visão de

químicos, o desenvolvimento de produtos e pro-

mundo por meio da hibridação de saberes.

cessos ambientalmente corretos, a Química Verde,

Há uma nítida tendência à ambientalização cur-

até a própria Educação Ambiental.

ricular do curso investigado. As iniciativas – ainda

De modo geral, não há diferenças con­sideráveis

que majoritariamente individuais – se encontram,

entre as compreensões de dimensão ambiental con-

formando uma malha cada vez mais entrelaçada,

tidas nos documentos e nas falas dos indivíduos

que constitui também o terreno deste campo cientí-

investigados. As aproximações entre o currículo

fico. Tal processo pode se intensificar por meio da

proposto e o praticado ocorrem, majoritariamente,

participação radical de todos os envolvidos, con-

quando as visões de dimensão ambiental relativas

tribuindo para a materialização de novos trajetos,

ao curso têm relação com a Química Ambiental

travessias socioambientais sustentáveis.

ou Química Verde. Nesse contexto, os indivíduos percebem a importância da ambientalização curricular, mas reconhecem que não há uma efetiva institucionalização de tal perspectiva na formação inicial docente, apesar das crescentes iniciativas individuais de objetivá­‑la. Há indícios que evidenciam um processo formativo capaz de gerar crítica e emancipação. Os licen-

80

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


Instrumento e Criatividade 01 | Vol. 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013

p. 83-90

O picnômetro, o paquímetro e o ovo The pycnometer, pachymeter and the egg José de Alencar Simoni

RESumo Esse manuscrito mostra diferentes possibilidades de determinação experimental do volume de um ovo. O experimento, que pode ser aplicado em diferentes níveis de formação, permite que o aluno tome contato com instrumentos de um laboratório interdisciplinar na área de Ciências e Matemática. O experimento permite a operação de balanças simples ou analíticas, o uso de paquímetro e medidas de volume. Pelo fato de objetivar a determinação de volumes de diversas formas diferentes e o uso do conceito de densidade, o experimento se reveste de um caráter interdisciplinar bastante interessante, já que se utiliza de determinações experimentais diretas e indiretas, além de estimular o uso de modelos matemáticos para o cálculo do volume de um ovo de galinha. Palavras-chave: Determinação de volume; Atividade experimental; Ovo; Picnômetro; Paquímetro. AbstrAct This manuscript shows different possibilities for the experimental determination of an egg volume. The experiment, which can be applied with different levels of preparation, allows the students to have contact with interdisciplinary laboratory instruments in Science and Maths. The experiment allows the use the balances, caliper and a picnometer in order to determine a chicken egg volume. Because of the aim of determining volume of many different ways and the use of the density concept, the activity becomes a special example of an interdisciplinary experiment. Key-words: Volume determination; Experimental activity; Egg; Picnometer; Caliper.


O picnômetro, o paquímetro e o ovo

1

Então, quando se deseja determinar a densi-

Introdução

dade de corpos no estado gasoso ou sólido, há

A massa de qualquer objeto, em princípio, pode

muitas complicações. Por sorte, determinações

ser determinada por uma balança. É possível deter-

de densidade são feitas em escala de laboratório,

minar massas tão pequenas como a massa de um

uma vez que essa é uma propriedade intensiva,

próton em uma balança nanométrica. Essa balança

ou seja, não depende da quantidade de matéria.

é capaz de medir a massa de um único próton, 1,7

Assim, a densidade de um material é a mesma,

g) (Chaste et al., 2012). Por

quer se avalie 1 grama do material, quer se avalie

yoctogramas (10

-24

outro lado, balanças ferroviárias podem pesar até

1 quilograma.

120 toneladas, que, geralmente, é a carga máxima

Vamos dirigir, então, o foco na questão de

que um vagão de 4 eixos pode transportar em uma

determinação da densidade de corpos sólidos.

ferrovia. De modo geral, então, a determinação de

Suponhamos que se deseja determinar a densidade

massa se faz com relativa facilidade, e também

de um corpo sólido de forma definida, cujos ele-

com muita precisão e exatidão, já que a balança é

mentos de simetria são conhecidos. Tendo-se a sua

um equipamento bastante desenvolvido.

forma e algumas de suas dimensões, é, então, pos-

Por outro lado, medidas de volume são um pouco

sível avaliar seu volume. Determinando-se a sua

mais complicadas. Quando se trata de líquidos, a

massa em uma balança adequada, pode-se calcular

tarefa de mensuração de volume é mais simples e

o valor de sua densidade. Seja, por exemplo, um

rotineira. Para produtos comerciais, por exemplo,

pequeno cubo de ferro metálico, mede-se uma de

utilizam-se balanças de fluxo, previamente calibra-

suas arestas (a) e calcula-se o seu volume (v), já que

das para fechar o suprimento do produto líquido sob

v = a3. Com os valores de massa e volume, pode-

medida, assim que se atinge a quantidade desejada.

-se calcular sua densidade. Agora, vamos imaginar

Essa quantidade é selecionada tomando-se por base

que esse cubo seja transformado em pequenos grâ-

a densidade do produto líquido a ser embalado.

nulos por ação de uma lima de aço. A massa per-

Em geral, é possível uma precisão de até 1% com

manece a mesma, assim como o volume real dessa

essas balanças, o que é o suficiente para produtos

amostra de ferro. No entanto, seu volume aparente

comerciais. Para medidas de volume em laborató-

muda, ou seja, o volume ocupado pelas pequenas

rio, utilizam-se instrumentos como provetas, bure-

partículas, se medido em um cilindro graduado,

tas, pipetas, balões volumétricos e picnômetros. Na

por exemplo, será ligeiramente maior que aquele

sequência dada, vai-se aumentando a precisão dos

medido quando o ferro se apresentava na forma de

instrumentos, de forma que os menos precisos são

um cubo compacto.

as provetas e os mais precisos são os picnômetros.

Os valores de densidade para esses dois casos

No entanto, quando se quer medir volumes de

são diferentes numericamente e também conceitu-

gases e sólidos, o problema torna-se mais compli-

almente. Aquele medido para o corpo na forma de

cado. Devido às suas características intrínsecas,

um cubo recebe a definição de gravidade especí-

os gases possuem alta tendência ao escape, seu

fica, enquanto que para o corpo dividido a denomi-

volume é altamente dependente da pressão e da

nação é gravidade específica aparente.

temperatura, o sólido, por outro lado, pode apre-

Independentemente das designações (gravi-

sentar alta rigidez se for um corpo maciço ou um

dade específica ou densidade), as duas grandezas

volume dependente da sua granulação ou de sua

anteriormente citadas são grandezas diferentes e

pressão de compactação.

têm diferentes significados. A gravidade especí-

84

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


O picnômetro, o paquímetro e o ovo

fica, por exemplo, é uma propriedade específica do corpo ou do material, que permite determinar

2

Determinação do volume de um ovo utilizando-se um paquímetro

até raios atômicos (Simoni; Tubino, 1999), ou

2.1

iônicos (Tubino; Simoni, 2007) se o material for

Introdução

uma substância pura, como um metal ou um sólido

O paquímetro é um instrumento que serve para

iônico. Por outro lado, a gravidade aparente tem

medir a distância entre dois lados opostos de um

uma aplicação mais prática no cotidiano, como,

objeto. Geralmente, ele permite determinar distân-

por exemplo, na cozinha, em que pequenos equi-

cias de até 20 centímetros e pode ser muito simples

pamentos volumétricos permitem medir quanti-

e apresentar precisão da ordem de 1 micrômetro.

dade de farinha, açúcar, sal, óleo etc..., tudo em

A Figura 1 mostra o esquema básico de um paquí-

um só equipamento.

metro analógico (há paquímetros digitais). Para se

A pergunta que agora deve ser feita é: é possível

efetuar a medição, faz-se correr a parte móvel do

determinar a gravidade específica de corpos sóli-

paquímetro, indicada com os números 1 e 2, e ajus-

dos de forma geométrica não definida, ou de sóli-

tam-se essas partes aos dois pontos, cuja distância se

dos finamente divididos? A resposta é: sim. Uma

quer medir. Se for uma medida de distância externa

técnica simples que permite essa determinação é

utiliza-se a abertura 1, se for interna usa-se a aber-

denominada de imersão. De forma bem simplifi-

tura 2 e para profundidade utiliza-se a extremidade

cada, essa técnica permite determinar o volume de

3. Depois de ajustadas as partes do paquímetro aos

um sólido qualquer, submergindo o mesmo em um

pontos desejados, trava-se a parte móvel do paquí-

líquido que não o dissolva, não reaja com ele, não

metro por acionamento do dispositivo 8, retira-se,

seja adsorvido ou absorvido por ele determinando-

ou não, o paquímetro do objeto e faz-se a leitura. Os

-se o volume de líquido deslocado. Na literatura,

primeiros dígitos da medição são lidos diretamente

essa técnica é bem conhecida como a “técnica de

na régua 4, observando-se a posição da marcação de

imersão”.

zero do cursor que se movimenta; essa primeira lei-

O que vai ser visto na sequência deste trabalho

tura indica os dígitos inteiros da distância, em milí-

é a determinação, de forma segura, do volume de

metros. É importante notar que essa primeira leitura

um ovo. Como comentado anteriormente, trata-se

permite determinar os dígitos inteiros da medição. A

de um objeto que se apresenta como um sólido de

leitura dos dígitos seguintes (casas decimais), é feita

forma geométrica definida como “ovoide” e cuja

com ajuda do nônio, indicado como 6 na Figura 1.

determinação de volume pode ser feita por dife-

Em geral, a graduação do nônio vai de 1 a 10, mas

rentes métodos, que podem levar a resultados mais

apresenta 20 divisões (risquinhos), o que permite

ou menos seguros, dependendo da técnica utili-

leituras com precisão de 0,05 mm. As divisões do

zada. O que se mostra, a seguir, é uma atividade

nônio são feitas de tal forma que sejam ligeiramente

experimental introdutória para um laboratório de

diferentes da escala da régua fixa 4; essa diferença

Ciências e Matemática, em que duas ferramentas

de escala está na faixa de 1/20, quando o nônio tem

(instrumentos) são muito pouco utilizadas, mas

20 divisões. A leitura dos dígitos decimais que irão

cujo uso é bastante importante do ponto de vista

compor a medição se faz observando as marcações

pedagógico geral.

da régua fixa e as marcações do nônio. O valor cor-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

85


O picnômetro, o paquímetro e o ovo

reto da medida decimal é aquele em que ocorre a

a leitura é dada diretamente em um visor especí-

melhor coincidência entre um risco da régua fixa e

fico. Os paquímetros podem ser confeccionados em

um risco do nônio, ou seja, o valor em que os ris-

plástico, mais baratos, ou em metal. Quando con-

cos das duas escalas formam uma linha contínua.

feccionados em metal, geralmente a escala é cali-

O valor da casa decimal é, então, lido na escala do

brada para 20 ºC, de modo que, para medidas mais

nônio. Como exemplo de medição com paquímetro,

exatas, é preciso fazer correções para temperatura

considere a Figura 2. Nessa figura observa-se que o

de trabalho. Muitos outros instrumentos de medição

zero da escala inferior se localiza entre os valores

de dimensão também usam o prícipio do nônio para

de 32 e 33 mm, portanto, a distância tem o valor de

melhorar a precisão (sensibilidade).

32 mm. Para se fazer a leitura dos dígitos decimais, observa-se a melhor coincidência entre as marcações da régua fixa (4 na Figura 1) e do nônio (6 na Figura 1). Conforme Figura 2, a melhor coincidência ocorre nas marcações de 60 da régua fixa e o 7 do nônio. Como o nônio apresenta 20 divisões, a precisão é de 0,05 mm, então os dígitos decimais, nessa medição, são 70. Dessa forma, o valor de distância nesse caso é de (32,70 ± 0,05) mm.

7

1

Esse experimento permite determinar as dimensões de um ovo utilizando-se o paquímetro e essas dimensões permitem calcular o volume do ovo, por aplicação de algum modelo matemático que contemple o formato do ovo e as dimensões avaliadas. Dessa forma, pode-se medir, por exemplo, o raio equatorial (A) e o raio polar (B), conforme

3 0

1

2

5

4 2

3

4

5

o volume do ovo a partir de somente essas duas

hinch cni

1

2

mado ao ovo e calcular seu volume. Determinar

5

0 1

0 0

Procedimento experimental

Figura 3, e aplicar um modelo geométrico aproxi-

2

Intetr DMEITTIEMD rtetnI JDHDH HDHDJ

2.2

6

7

8

7 9

4

3

6 10

8

10

9

5

11

6

12

13

inch

14

15

16

medidas é a forma mais simples. O modelo geo-

17 cm

inch

métrico, a partir do qual o volume será calculado,

3

1

8

6

4

depende do nível de conhecimento em Matemática e das necessidades da disciplina. Outras medidas

Figura 1. Paquímetro analógico.

das dimensões do ovo também podem ser feitas e formas geométricas mais complexas podem ser aplicadas. Tudo isso depende, como pontuado, anterior, das necessidades da disciplina.

30

40 0

1

2

60

50 3 4

5 6

7 8

70 9 10

80 0,05

Figura 2. Exemplo de como se faz a leitura de uma medida com o paquímetro.

Se a medição for feita na escala superior do paquí-

B

A

metro, o mesmo processo é aplicado. Medições na escala inferior são dadas em milímetros e na escala superior em polegadas. Para um paquímetro digital,

86

Figura 3. Raios equatorial e polar de um ovo.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


O picnômetro, o paquímetro e o ovo

3

Determinação do volume de um ovo pela técnica do deslocamento de uma coluna de líquido 3.1

4

Determinação do volume de um ovo utilizando-se um picnômetro adaptado 4.1

Introdução

Introdução

O picnômetro é um instrumento muito preciso

A técnica do deslocamento de uma coluna

e exato, utilizado em laboratórios de Ciências

de líquido consiste basicamente em introduzir o

para a determinação de densidade. Ele é mais

objeto que se quer determinar o volume, em um

frequentemente utilizado para se determina-

líquido contido em um recipiente. Esse recipiente

rem densidades de líquidos, mas pode ser usado

deve ter uma forma geométrica regular, como, por

para sólidos, com pequenas adaptações no pro-

exemplo, um cilindro ou um paralelepípedo, e

cedimento experimental. A Figura 4 mostra um

deve ter uma dimensão tal que o objeto que se quer

modelo de picnômetro, mais comumente utili-

determinar o volume caiba em seu interior. Assim,

zado em laboratórios. Esse picnômetro é um reci-

por exemplo, ao se utilizar parte de uma garrafa

piente de vidro, semelhante a um balão volumé-

plástica cilíndrica cortada, seria possível colo-

trico, e apresenta volume nominal previamente

car água em seu interior e marcar seu nível com

fornecido pelo fabricante, mas que não deve ser

uma caneta. Depois o objeto que se quer medir o

utilizado como um volume exato. O picnômetro

volume seria introduzido no líquido e o novo nível

apresenta um corpo que comporta a maior parte

atingido pela água seria marcado. A diferença

do seu volume e possui, também, uma tampa. Na

numérica entre os dois níveis da água possibilita-

determinação da densidade de um líquido, o pic-

ria determinar o acréscimo de volume. Esse acrés-

nômetro deve ser operado da seguinte forma: ini-

cimo é igual ao volume do objeto. Para utilizar a

cialmente ele deve ser pesado bem limpo e seco,

técnica do deslocamento, além das exigências, já

tanto externa com internamente. Depois, seu

citadas, a respeito das dimensões do recipiente e

corpo é preenchido totalmente com um líquido de

do objeto, também é necessário que o objeto não

densidade conhecida, geralmente a água, até pró-

adsorva ou absorva o líquido, que o objeto não

ximo do transbordamento. A seguir, introduz-se

mude de volume e que, também não reaja ou seja

sua tampa, de modo que a água extravase pela sua

dissolvido pelo líquido em que será imerso.

parte superior. O nível superior da água na tampa

3.2

Procedimento experimental

é “acertado” com o uso de um papel absorvente. Essa operação deve ser feita de tal forma que o

Colocar certa quantidade de água em um reci-

nível da água coincida com a borda superior da

piente cilíndrico (graduado ou não). Anotar o valor

tampa. O picnômetro é, então, bem seco por fora

do volume (cilindro graduado) ou do nível (cilindro

e pesado novamente. O valor da massa de água no

não graduado) da água. Introduzir o ovo na água,

picnômetro, associado à respectiva densidade da

evitando que a mesma respingue e seja jogada para

água na temperatura de trabalho, permite deter-

fora do recipiente. Anotar o novo valor de volume

minar o volume correto do picnômetro. Depois

ou do nível. Se o cilindro não for graduado, o cál-

dessa operação, o picnômetro é limpo e recebe

culo do volume do cilindro deverá ser obtido pela

o líquido sob estudo, repetindo-se as operações

respectiva fórmula. Nesse caso, é necessário medir

anteriores. A partir da massa do líquido contido

o diâmetro do cilindro, utilizando-se o paquímetro,

no picnômetro e do volume determinado anterior-

ou uma régua.

mente, determina-se a densidade do líquido.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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O picnômetro, o paquímetro e o ovo

de boca larga, adaptado para funcionar da mesma forma que um picnômetro. A essência da precisão e exatidão do picnômetro vem do fato de que o acerto do volume que ele comporta (acerto do menisco) se faz em uma coluna de diâmetro bem pequeno. Dessa forma, pequenos erros no acerto do menisco do picnômetro não levam a grandes incertezas no volume total. No caso do ovo, ele tem que passar pela tampa Figura 4.  Picnômetro de vidro.

do picnômetro improvisado, logo essa abertura

Para se determinar a densidade de um sólido, a segunda parte do procedimento é diferente. Inicialmente, coloca-se uma massa conhecida do sólido no interior do picnômetro, seco e limpo. Completa-se o volume com o líquido e acerta-se o nível, como descrito anteriormente. Depois, pesa-se o conjunto. Conhecendo-se a massa total do sistema, a massa do picnômetro e a massa do sólido, pode-se calcular a massa de líquido que está no picnômetro nessa condição. A partir da massa do líquido e de sua densidade, pode-se determinar o volume ocupado pelo líquido nessa condição. Como se sabe o volume total que o picnômetro comporta e, depois, o volume ocupado pelo líquido, a diferença entre esses dois volumes é igual ao volume ocupado pelo sólido. Como se mediu a massa do sólido, e agora se sabe o seu volume, pode-se calcular a sua densidade. Todos os requisitos que são exigidos na determinação do volume do sólido por imersão em um líquido, também devem estar presentes nesse caso. 4.2

não pode ser pequena. Assim, o acerto do volume (menisco) não pode ser feito nessa abertura, mas em um uma abertura bem menor. Para isso, o frasco plástico (picnômetro improvisado) recebe um pequeno furo feito com uma agulha numa posição oposta à tampa, de modo que esse furo possa ser usado como o local para o acerto do volume (menisco). A Figura 5 mostra como isso é feito. A medida do volume do ovo ocorre de forma semelhante à descrita para o uso do picnômetro comum. Com o dedo indicador, tapa-se o orifício feito na parte inferior do frasco plástico e preenche-se o frasco com água. Coloca-se a tampa no frasco e inverte-se o mesmo. Com o auxílio de uma seringa com a agulha cortada, preenche-se completamente o frasco com água. O frasco é, então, seco com papel absorvente e, com a tampa para baixo, o frasco é pesado e o seu volume interno é determinado a partir da densidade da água na temperatura de trabalho. A seguir, coloca-se o ovo no frasco e completa-se o seu volume com água, da mesma forma anteriormente descrita. Pesa-se o conjunto

Procedimento experimental

todo. Como se sabe a massa do frasco plástico

Para o caso da determinação do volume do ovo

vazio e a massa do ovo, determina-se a massa

utilizando o picnômetro, a dificuldade vem do fato

de água no frasco. Essa massa permite calcular o

de que o ovo tem grandes dimensões e não cabe

volume ocupado pela água. Sabendo-se o volume

em um picnômetro comum. Dessa forma, o que

do frasco plástico, determina-se o volume ocupado

se propõe é usar um frasco plástico com tampa

pelo ovo.

88

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


O picnômetro, o paquímetro e o ovo

bém, com a aplicação e adequação de modelos, tão presentes no cotidiano químico. Frequentemente, instigamos os alunos com problemas experimentais de difícil solução, ou então, sem possibilidades de realização, como forma de estimulá-los a pensar em processos investigativos no laboratório. Perguntas como: Seria possível determinar o volume interno de um ovo sem danificá-lo? Seria possível deter-

Pequeno furo

Figura 5. Picnômetro de plástico adaptado para determinar o volume do ovo.

minar experimentalmente a área superficial do ovo? Seria possível determinar experimentalmente a espessura da casca do ovo sem danificá-lo? São

5

perguntas que, geralmente, causam bastante agita-

Considerações finais

ção e entusiasmo entre os alunos.

Como pontuado anteriormente, esse experi-

Geralmente, os alunos iniciantes têm dificul-

mento pode ser aplicado de diversas formas dife-

dades em perceber que o valor volume do ovo

rentes. Ele pode ser divido em partes para serem

determinado pela técnica do picnômetro adaptado

aplicadas individualmente, pode ser aplicado em

é o mais preciso e exato. Eles também apresentam

diversos níveis de profundidade e com diferentes

dificuldades em criar modelos matemáticos para

propósitos. Assim, ele pode servir para:

calcular o volume do ovo a partir das dimensões

• • •

determinar volumes ou densidades utili-

e, frequentemente, acreditam que os modelos

zando-se dispositivos diversos,

matemáticos, como o apresentado por Narushin

introduzir erros e incertezas em determina-

(2005), aplicam-se perfeitamente a ovos de qual-

ções experimentais,

quer espécie animal ou raça de galinha. Em geral,

capacitar o estudante em operações básicas

os estudantes iniciais acreditam muito fortemente

de laboratório como pesagens e medidas de

em materiais publicados, sejam livros ou revistas

volume,

e materiais eletrônicos. Para os colegas professo-

introduzir o conceito de densidade,

res que são adeptos da interdisciplinaridade, esse

introduzir o uso de modelos, no caso, o uso

experimento se aplica muito bem.

de modelos matemáticos na previsão do volume do ovo, dentre outros. A literatura científica tem revistas especializadas em ovos e há na internet muitos documentos relativos ao ovo e suas dimensões. Há modelos matemáticos sofisticados para cálculo de volume e área do ovo e informações bastante curiosas sobre ovos em geral. No IQ-Unicamp, aplicamos esse experimento como introdução ao laboratório. Nesse caso, estamos interessados que o aluno tome contato, pela primeira vez, com o ambiente e se familiarize com medidas experimentais, erros e incertezas e, tam-

6

Referências CHASTE, J. et al., A nanomechanical mass sensor with yotogram resolution, Nature Nanotech, v. 7, p. 301-304, 2012. NARUSHIN, V. G. Egg geometry calculation using the measurements of length and breadth, Poultry Science, v. 84, p. 482-484, 2005. SIMONI, J. A.; TUBINO, M. Determinação do raio atômico de alguns metais, Química Nova na Escola, v. 9, p. 41-43, 1999. TUBINO, M.; SIMONI, J. A. Determinação experimental dos raios cristalográficos dos íons sódio e cloreto, Química Nova, v. 30, n. 7, p. 1763-1767, 2007.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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História da Química 01 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013 | p. 91-94

A conturbada descoberta do Háfnio The troubled discovery of Hafnium José M.F. Bassalo e Robson F. de Farias

E

ntre 1907 e 1908, os químicos, o barão austríaco Carl Auer von Welsbach (1858-1929) (também engenheiro) e o francês George Urbain (1872-1938)

descobriram, independentemente, o elemento químico lutécio (71Lu175), nome dado por Urbain para homenagear sua terra natal, Lutécia, antigo nome romano de Paris. Registre-se que, até o começo da década de 1950, essa terra rara era conhecida como cassiopeia.

Carl Auer von Welsbach

George Urbain

O interesse de Urbain pelas terras raras levou a uma descoberta polêmica, que teve início, em 1911 (Comptes Rendus de l´Academie des Sciences de Paris 152, p. 141), quando anunciou que havia descoberto uma nova terra rara, depois do Lu, chegando inclusive a chamá-la de céltio (celtium), de número atômico Z = 72. Em 1913 (Philosophical Magazine 26, pgs. 1; 476; 857), Niels Bohr (18851963; PNF, 1922) propôs seu famoso modelo atômico quântico. Por sua vez, ainda


A conturbada descoberta do Háfnio

em 1913 (Philosophical Magazine 26, p. 1024), Henry Gwyn Jeffreys Moseley (1887-1915) apresentou o resultado de suas pesquisas sobre o espalhamento dos raios X pela matéria, resumido na hoje conhecida lei de Moseley: A frequência dos raios X varia com o quadrado do número atômico N, do elemento que os emite. Desse modo, usando esse resultado, Moseley deduziu que entre o hidrogênio (1H1) e o urânio (92U238) deveria haver exatamente 92 tipos de átomos, cujas propriedades químicas eram governadas por N (hoje, Z) e não pelo peso atômico (hoje, A).

Niels Bohr

Henry Gwyn Jeffreys Moseley

Isso significava dizer que a Tabela Periódica de Mendeleiev deveria seguir a ordem crescente do número atômico e não do peso atômico. Portanto, obedecida essa sequência, alguns lugares dessa Tabela ficaram vagos, os correspondentes a N = 43, 61, 75, 85, 87. Por outro lado e também nessa mesma época, conforme vimos, havia uma grande polêmica entre os químicos, qual seja, a de saber o número exato de terras raras, pois se discutia se as mesmas iam de N = 58 a N = 71 ou 72, este supostamente descoberto por Urbain. Note-se que, hoje, as terras raras são conhecidas como lantanídeos, elementos metálicos compreendidos entre o lantânio (57La139) e o Lutécio. Em 1914, Urbain ouve falar do método desenvolvido por Moseley para estudar as terras raras e, com algumas amostras desses elementos metálicos, inclusive a do suposto “céltio”, foi até à Inglaterra para conversar com Moseley. Em poucas horas, Moseley as examinou e as classificou sem, no entanto, confirmar o “céltio” que, para ele, nada mais era do que uma mistura de terras raras conhecidas. Urbain ficou tão impressionado com a técnica desenvolvida por Moseley que resolveu divulgá-la entre os químicos franceses. Contudo, apesar dessa postura, Urbain continuou acreditando que o “céltio” era uma terra rara. Apesar de Moseley haver mostrado que o “céltio” não era uma terra rara, a polêmica entre franceses e ingleses prosseguiu. A crença a favor dos franceses foi fortemente renovada quando, em maio de 1922, o químico francês Alexandre Henri George Dauvillier (1892-1979) anunciou haver isolado o “céltio”, por intermédio de uma análise do espectro de raios X de amostras contendo as terras raras ytérbio

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013


A conturbada descoberta do Háfnio

(70Yb173) e Lu. Essa notícia foi tão fantástica que chegou a impressionar Sir Ernst Rutherford (1871-1937), pois, desde 1914, acompanhava essa polêmica.

Sir Ernst Rutherford

Assim, convicto que a polêmica havia sido encerrada, escreveu uma carta à revista Nature, na qual afirmava que um dos lugares vagos da Tabela Periódica de Mendeleiv acabara de ser preenchido. Essa carta foi publicada na Nature (109, p. 781), que circulou no dia 17 de junho de 1922. No dia 21 de junho de 1922, Bohr apresentou sua sexta lecture Wolfskeghl, em Göttingen, na qual afirmou: “Contrário a costumeira suposição [...] a família das terras raras é completada com o cassiopeia ... se nossas ideias estão corretas o não ainda descoberto elemento com o número atômico 72 deve ter as propriedades químicas similares àquelas do zircônio e não às das terras raras”. Bohr chegou a essa conclusão usando seu modelo atômico. Vejamos como: segundo esse modelo, as camadas (“shells”) eletrônicas apresentavam um número máximo de elétrons dado por: 2 n2, onde n = 1, 2, 3, ..., representa o número quântico principal. Portanto, na camada K (n = 1), haveria um máximo de 2 elétrons; na camada L (n = 2), máximo de 8 elétrons; na camada M (n = 3), máximo de 18 elétrons; na camada N (n = 4), máximo de 32 elétrons e assim sucessivamente. Assim, para Bohr, o Lu (N = 71) tem a camada N completa com 32 elétrons, com três elétrons de valência, característica das terras raras. Por sua vez, o elemento de N = 72, deveria possuir o elétron adicional na camada n=5 ou n=6, ou seja, possuir quatro elementos de valência, como acontece com o zircônio (40Z91,22). É oportuno esclarecer que o conceito de valência foi introduzido, em 1916, pelo físico alemão Walther Ludwig Julius Kossel (1888-1956) e pelo químico norte-americano Gilbert Newton Lewis (1875-1946), em trabalhos independentes e publicados, respectivamente, no Annalen de Physik (49, p. 229) e Journal of the American Chemical Society (38, p. 762). Para Kossel e Lewis, essa propriedade química dos elementos se deve aos elétrons das camadas externas não fechadas do modelo Bohriano. Voltemos à polêmica do elemento 72. Quando Bohr voltou para Copenhague, no final de junho, ele leu a carta de Rutherford. Em vista do prestígio científico

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013

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A conturbada descoberta do Háfnio

do descobridor do núcleo atômico, Bohr chegou a acreditar que a afirmativa que fizera em Göttingen estava errada, tanto que chegou a expor essa opinião em uma carta que escreveu ao físico alemão-norte-americano James Franck (1882-1964; PNF, 1925) em 15 de julho de 1922. No entanto, ao saber que o físico holandês Dirk Coster (1889-1950), um especialista em espectroscopia de raios X, não concordava com a interpretação de Dauvillier, Bohr resolveu convidá-lo a trabalhar em Copenhague para que, juntamente com ele e o químico húngaro-sueco George Charles von Hevesy (1885-1966; PNQ, 1943), pudessem dirimir essa polêmica questão. Coster chegou em Copenhague em setembro de 1922, inicialmente, ele trabalhou com Bohr, depois se juntou a von Hevesy com o objetivo de pesquisar o elemento 72 em minérios de zircônio.

James Franck

Dirk Coster

George Charles von Hevesy

Em novembro de 1922, foi anunciado que o Prêmio Nobel de Física de 1922 seria atribuído a Bohr. É oportuno destacar que, minutos antes de Bohr proferir a sua Nobel Lecture, no dia 11 de dezembro de 1922, Coster telefonou para Bohr dizendo-lhe que acabara de isolar o elemento 72 no minério de zircônio. Bohr, então, aproveitou o final de sua Lecture, para anunciar essa importante descoberta, conforme se pode ver na publicação que a Fundação Nobel apresenta dessa “Leitura” (ver o site Nobel e-Museum). Ainda é interessante salientar que, enquanto Coster telefonava para Bohr, Hevesy encontrava-se no trem que ia para Estocolmo para ver, de viva voz, Bohr anunciar a descoberta deles (Coster e Hevesy). Por fim, a descoberta oficial do elemento 72 foi anunciada no volume 111 da Nature, de 20 de janeiro de 1923, página 79, por intermédio de uma carta assinada por Coster e von Hevesy, e na qual indicam o nome de háfnio (72Hf179) para esse novo elemento químico, denominação essa escolhida para homenagear a cidade de Copenhague, cujo nome em latim significa hafniae. Consta que Bohr e von Hevesy tentaram mudar o nome háfnio para dánio, porém, um mal-entendido fez permanecer a primeira denominação.

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Resenha Teoria quântica – um guia ilustrado J. P. McEvoy e Oscar Zarate Editora Leya | 2012 | 176 páginas | Coleção Entender

Um livro ilustrado, no estilo de história em quadrinhos, em linguagem acessível, porém com rigor científico, que conta a história da teoria quântica, bem como explica a própria teoria para o público geral. Até certo ponto, uma leitura “pesada” para alunos do ensino médio, mas altamente indicada para alunos dos cursos superiores, bem como para professores. Iniciando com a abordagem dos fenômenos quânticos (radiação do corpo negro, efeito fotoelétrico etc.) que, no início do século XX, colocaram em xeque a física clássica, passando pelo modelo atômico de Bohr e pela dualidade partícula-onda, chegando às formulações da mecânica quântica por Heisenberg, Schrodinger e Dirac. A abordagem histórica apresentada permite a compreensão das sutilezas intrínsecas à teoria quântica. Recomendável, sobretudo, para estudantes de Química e Física.



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