ISSN 1809-6158
VOLUME 08 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2013
VOLUME 08 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 13 Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias – UFRN Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP
Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali zação e otimização do Ensino de Química.
Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq Revisão
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional
Helena Moysés Capa e Editoração Eletrônica Fabio Diego da Silva
1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos.
Patrícia Lagoeiro
CDD 540
Indexada
Índice para Catálogo Sistemático 1. Química
A division of the American Chemical Society
540
Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.
Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br
Sumário 7
Editorial
Artigos
10
Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio Anna Paula Machado Cunha e Juliana do Nascimento Gomides
23
Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro, Daguia de Medeiros Silva, Ana de Fátima Costa da Silva
Relatos de Experiência
34
Heloisa Helena J. Ferreira e Carmem Lúcia C. Amaral
45
Marizete Barbosa da Silva, Anelise Maria Regiani e Aline Andreia Nicolli
58
Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida
Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente Kátia Dias Ferreira Ribeiro, Karla Amâncio Pinto Field’s e Sandra Cristina Marquez Araújo
Química Verde
69
A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso Vânia Gomes Zuin
Instrumentos e Criatividade
83
O picnômetro, o paquímetro e o ovo José de Alencar Simoni
História da Química
91
A conturbada descoberta do Háfnio José M.F. Bassalo e Robson F. de Farias
95 Resenha
97
Normas para Publicação
Contents 7
Editorial
Articles
10
Anna Paula Machado Cunha and Juliana do Nascimento Gomides
23
Chemical recycling of PET and its benefits to the society and to the Chemistry Teaching
Wine production as teaching sequence proposal for Chemistry classes
Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro, Daguia de Medeiros Silva and Ana de Fátima Costa da Silva
Experiences Account
Teaching 34 The description
of Quantitative Analytical Chemistry: a successful experience
Heloisa Helena J. Ferreira and Carmem Lúcia C. Amaral
45
Plastics and their economic and environmental impacts in the chemistry teaching Marizete Barbosa da Silva, Anelise Maria Regiani and Aline Andreia Nicolli
and implementation of proposed 58 Construction reflection on an activity in teacher formation
themes of Chemical education:
Kátia Dias Ferreira Ribeiro, Karla Amâncio Pinto Field’s and Sandra Cristina Marquez Araújo
Green Chemistry
69
The environmental dimension and Green Chemistry in the initial training of Chemistry teachers: reflections of a study case Vânia Gomes Zuin
Tools and Creativity
83
The pycnometer, pachymeter and the egg JosĂŠ de Alencar Simoni
Chemistry History
91
The troubled discovery of Hafnium JosĂŠ M.F. Bassalo e Robson F. de Farias
95 Review
97
Editorial Standards
Editorial As questões ambientais sempre ocuparam uma posição de destaque em nossas vidas e, atualmente, são tratadas de forma incisiva: se não aprendermos a preservar o meio ambiente, as futuras gerações não se sustentarão! Esta preocupação já é manifestada no ensino fundamental e nos acompanha ao longo de toda a nossa formação pessoal e profissional. Mantendo esta discussão sempre atual, a ReBEQ vem divulgando trabalhos que focalizam o gerenciamento de resíduos em laboratórios de ensino e pesquisa, bem como outras práticas dirigidas às questões ambientais. Neste número, encontramos mais dois trabalhos cujo enfoque é a reciclagem/reaproveitamento de polímeros em nosso cotidiano. A ideia é orientar os alunos sobre a importância que estes materiais têm em nossas vidas, ao mesmo tempo em que somos forçados a aprender a reaproveitá-los. Apesar de os polímeros estarem intimamente relacionados às questões ambientais, eles estão muito longe de serem a causa majoritária desta preocupação. Na verdade, todo e qualquer processo químico que gere resíduo, seja devido ao baixo rendimento, seja devido ao baixo aproveitamento de átomos, ou pela necessidade de quantidades apreciáveis de solvente, representa uma séria preocupação ambiental. Podemos dizer que, hoje, para que um produto ou processo seja importante, além de ele ter que ser economicamente viável, ele não pode agredir o meio ambiente. Ele tem que ser verde! Neste número da ReBEQ inauguramos a seção Química Verde – supervisionada pela Profª Drª Vânia Zuin –, que divulgará os trabalhos sobre este importante ramo da ciência, que tem ocupado, cada vez mais, uma posição de destaque no cenário mundial. Convidamos os leitores da ReBEQ que ainda não têm familiaridade com este assunto a se atualizarem, ao mesmo tempo em que convocamos aqueles que atuam nessa área a divulgarem seus trabalhos através da ReBEQ.
Coordenação Editorial
Artigos Articles
Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio Wine production as teaching sequence proposal for Chemistry classes Anna Paula Machado Cunha e Juliana do Nascimento Gomides
Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química Chemical recycling of PET and its benefits to the society and to the Chemistry Teaching Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro, Daguia de Medeiros Silva, Ana de Fátima Costa da Silva
Artigo 01 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013
p. 10-22
Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio Wine production as teaching sequence proposal for Chemistry classes Anna Paula Machado Cunha1 Juliana do Nascimento Gomides2
Resumo O presente trabalho teve como foco elaborar sequências didáticas sobre o processo de fabricação do vinho, relacionando-o com os conteúdos de química geral do ensino médio. Para a obtenção dos dados, realizaram-se pesquisas bibliográficas de caráter qualitativo, tendo como intuito a elaboração de uma proposta na forma de sequências didáticas, utilizando a temática da produção do vinho. Foi possível elaborar quatro (4) sequências didáticas através dos processos de fabricação do vinho, relacionando-as com os seguintes conteúdos químicos: conceitos de reações químicas, lei da conservação das massas, lei da velocidade das reações, transformação da matéria, separação de misturas: filtração e funções inorgânicas: ácidos e bases. Essas sequências didáticas são importantes no ensino desta disciplina, facilitando a ação do professor e contribuindo para a melhoria do entendimento dos conteúdos propostos. Palavras-chave: Fermentação; Contextualização; Destilação do vinho. Abstract The present work focused on preparing teaching sequences about the process of wine making, relating it to the contents of general high school chemistry classes. 1. Aluna do Curso de Química-Licenciatura do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara-GO. 2. Professora/Orientadora do Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara-GO.
Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio
To obtain the data, qualitative literature searches were conducted, having as objective the development of a proposal of didactic sequences, using the wine production theme. It was possible to prepare four (4) teaching sequences through the wine making process, relating them to the following chemical contents: concepts of chemical reactions, law of mass conservation, law of reactions speed, transformation of substance, separation of mixtures - filtration and inorganic functions - acids and bases. These teaching sequences are important in this discipline, facilitating the teacher´s work and contributing to improve the comprehension of the content areas. Key-words: Fermentation; Contextualization; Wine distillation.
1
Introdução
madura, sendo gerado por meio do aprimoramento de Louis Pasteur. A fermentação alcoólica apre-
A química é a ciência que estuda as modifica-
senta dezenas de componentes –, produzidos por
ções e características das espécies que encontra-
vários tipos de leveduras que transformam os açú-
mos na natureza; em vista disso, aprender química
cares – além da água e do álcool (Liz, 2010).
é entender como a atividade humana tem se desen-
O vinho é uma bebida obtida através da extra-
volvido ao longo dos anos, como os conceitos
ção do fruto da videira, pertencente ao gênero
explicam os fenômenos que nos rodeiam e como é
Vitis spp, nome que se aplica a cerca de sessenta
possível fazer o uso de seu conhecimento na busca
espécies da família das vitáceas, com varieda-
de alternativas para melhorar as condições de vida
des que podem ser consumidas ao natural, como
do planeta (Salvadego, 2008).
frutas de mesa, dessecadas ou para a produção
A busca em fazer educação utilizando a con-
de suco ou vinho (Salgado, 2009). Diante desses
textualização de um tema, tal como a química do
fatos, a temática do vinho possibilita a compreen-
vinho, requer, portanto, pesquisas e interação com
são de conceitos químicos vivenciados em sala de
o assunto, utilizando materiais de ensino e técnicas
aula, de forma interdisciplinar e contextualizados
instrucionais que trazem avaliações de seus impac-
(Lobato, 2005).
tos, procurando identificar como os alunos enten-
Partindo desse princípio, levanta-se o seguinte
dem as idéias químicas e atribuem significados a
problema: é possível relacionar o tema vinho e
elas (Chassot, 2004).
seus processos de fabricação aos conteúdos da dis-
A compreensão do tema, como sequências
ciplina de química no ensino médio?
didáticas no ensino de química, pode se basear
Nessa perspectiva, Mello (2004) argumenta
no estudo do cotidiano do aluno, relacionando os
que o ensino de Química possibilita ao aluno a
conteúdos químicos de forma a facilitar a apren-
compreensão dos processos químicos no sentido
dizagem e, ainda, oportunizar a organização de
de construir o conhecimento científico, facilitando
informações e ampliação do conhecimento dos
o entendimento quanto à sua aplicação na socie-
conteúdos químicos.
dade, permitindo-lhe construir uma nova interpre-
O vinho pode ser caracterizado como uma bebida obtida pela fermentação da uva fresca e
tação do mundo, estando consciente de seu poder em transformar a sua realidade.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio
Em vista disso, este trabalho se justifica pela
tos químicos que permitam refazer essas leituras
necessidade de poder ampliar o conhecimento
do mundo, agora com fundamentação também na
dentro do próprio cotidiano do aluno, procurando
ciência (Chassot, 2004). Além disso, é importante
estabelecer um vínculo entre o ensino-aprendiza-
no estudo de ciências que o professor conduza o
gem e o tema proposto. Isso leva os alunos a uma
educando não somente a distinguir as mudanças
melhor compreensão do processo de fabricação
da natureza, mas, também, a sentir os efeitos que
do vinho para um estudo diferenciado, criando
podem influenciar a vida de cada indivíduo.
oportunidade de trabalhar a contextualização na
Dessa forma, espera-se um envolvimento muito
disciplina de química, possibilitando que o ensino
grande por parte dos alunos, por serem, eles mes-
torne-se de maior significado para o educando,
mos, os autores de seus conhecimentos, sendo o
favorecendo a reflexão e intervenção na realidade.
professor de tal construção (Schnetzler; Aragão,
Sendo assim, elaboramos sequências didá-
1995).
ticas sobre o processo de fabricação do vinho,
Assim, Zabala (1998) argumenta que o ensino
relacionando-o aos conteúdos de química geral
de química deve possibilitar ao aluno o seu envol-
do ensino médio. Nessa direção, cumpriram‑se os
vimento numa visão crítica do mundo que o cerca,
seguintes objetivos específicos: abordar as etapas
podendo ainda analisar, compreender e utilizar este
do processo de fabricação do vinho; identificar os
conhecimento para reconhecer a química como
compostos químicos presentes no vinho e contex-
parte integrante de nossas vidas, sendo, assim, a
tualizá-los com conteúdos presentes na disciplina
melhor maneira de atrair a atenção dos alunos.
de química e propor uma oficina didática através da construção de um destilador para a fabricação do vinho. Em conexão com estas considerações, Sousa (2010) diz que fazer educação através da química significa um desenvolvimento constante em depositar a ciência a serviço da vida, na interdisciplinaridade, utilizando contextualização, servindo como instrumento para os alunos aumentarem sua capacidade de domínio sobre a natureza, tornando
Complementando a ideia anterior, Assis (2007) esclarece: O Ensino é definido como mediação do conhecimento com vista à aprendizagem do aluno e do professor, o que denota uma visão de ensino numa perspectiva relacional, acrescida da ética, da estética e da visão política, provavelmente direcionando-se a uma compreensão da prática educativa numa perspectiva crítica, transfor madora (p. 149).
Segundo Vasconcelos (1996), para aprender,
mais significativo o aprendizado de química.
faz-se necessário capacitar para que a inteligência 2
do aprendiz aja sobre o que se quer explicar (p. 215),
O ensino de química de forma diferenciada através do tema ‘vinho’
isto é, a aprendizagem resulta da relação entre as estruturas do pensamento e o meio que necessita
Na educação moderna, o professor deve esta-
ser compreendido para adquirir o conhecimento.
belecer as condições para que o aluno faça, por
A integração dos conhecimentos pode criar,
si mesmo, a redescoberta das relações de consti-
portanto, as condições necessárias para uma apren-
tuição da realidade. O professor deve, em um pri-
dizagem motivadora. Logo, o currículo, enquanto
meiro momento, utilizar a vivência do aluno, os
instrumento da cidadania democrática, deve con-
fatos do dia a dia, a tradição cultural, a mídia e a
templar conteúdos e estratégias de aprendizagem
vida escolar, buscando reconstituir os conhecimen-
que capacitem o ser humano para a realização de
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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio
atividades. Os Parâmetros Curriculares Nacionais
tas pedagógicas que busquem a contextualização
(PCN) constituem um referencial de qualidade
interdisciplinar dos conhecimentos. Deve-se pro-
para a educação no ensino.
duzir uma inter-relação dinâmica de conceitos coti-
Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual (Souza, 1997, p.13).
dianos e científicos diversificados, que incluem o universo cultural da ciência química, pois o conhecimento e saberes são construídos a partir das relações de troca de experiências, que são efetivados entre o educando e o educador (Assis, 2007). Assim, a contextualização se apresenta como um modo de ensinar conceitos das ciências ligados aos alunos; portanto, o conhecimento sobre o vinho
Nesse sentido, nota-se que o aprendizado em
e seu processo de fabricação possibilita entender o
química não é necessário apenas como forma de
que se está aprendendo e o motivo de se estar estu-
avaliar os alunos ao longo da carreira estudantil e,
dando tal assunto, passando, assim, a despertar o
a partir dos PCN+, revela-se ainda mais o âmbito
interesse pelo objeto estudado, em que o seu prin-
de se estudar a ciência química para um melhor
cipal foco é o uso do cotidiano para compreensão
desenvolvimento pessoal (Cortez et al., 2011).
dos conhecimentos. Os Parâmetros Curriculares
Nessa direção, Brasil (2006) revela que um
Nacionais (PCNs) e a Lei de Diretrizes e Bases
caminho citado no PCN+ para melhor entender o
da Educação (LDB nº 9394/96), exigem que os
papel da Química na sociedade, é compreender a
professores façam adaptações na sua maneira de
sua história para indicar que esta ciência não se
ensinar, de modo que se estruturem em dois eixos
limita a si mesma e nem é algo acabado, pois está
principais: a interdisciplinaridade e a contextuali-
em constante desenvolvimento.
zação (Brasil, 2006).
Leitinho (2009) ressalta que a proposta apre-
Em vista disso, para os alunos compreenderem
sentada para o ensino de Química no PCN+ con-
a produção do vinho, esse conhecimento só ganha
trapõe uma ênfase na memorização de informa-
significado se conseguirem relacionar o dia a dia
ções, nomes, fórmulas e conhecimentos como
da escola com situações vividas em seu cotidiano,
fragmentos desligados da realidade dos alunos.
presentes na realidade e que possam facilitar a
Dessa forma, o professor pretende que o educando
aprendizagem, além de oportunizar a organização
reconheça e compreenda, de forma integrada e sig-
de informações e ampliação do conhecimento dos
nificativa, as transformações químicas que ocor-
conteúdos.
rem. Espera-se, também, que o ensino de química
Azevedo (2011) define o vinho como uma
seja valorizado, na especialidade de instrumento
bebida alcoólica, resultante da fermentação do mosto
cultural essencial na educação, como meio partici-
de uvas frescas e maduras por intermédio de microrga-
pante da explicação do mundo e da ação responsá-
nismos chamados leveduras (p. 2). Todo esse processo
vel na sociedade.
pode, portanto, possibilitar uma aprendizagem sig-
Sob essa ótica, é de fundamental importância
nificativa de conteúdos de química.
que as escolas, ao manterem a organização disci-
Partindo dessa premissa, Razaboni (2012)
plinar, pensem em organizações curriculares que
aponta que a fabricação do vinho é um processo
possibilitem o diálogo entre os professores das
longo e complexo em que se devem controlar todas
diferentes disciplinas, na construção de propos-
as etapas, desde o início, sendo todas importantes
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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio
para a qualidade do vinho. As etapas dos processos de fabricação se resumem em:
3
Metodologia
• Esmagamento e desengaçamento: refere-
A elaboração desse estudo foi através de pes-
-se ao processo de trituração de uvas, resul-
quisa bibliográfica, com base na consulta de todas
tando na libertação de mosto pela ruptura
as fontes secundárias relativas ao tema escolhido
das películas, sem essa operação, a fermen-
para realização do trabalho, tais como livros didá-
tação não se iniciaria.
ticos, revistas, artigos científicos e monografias.
• Encubagem: as uvas esmagadas e desen-
Segundo Thums (2001), essa pesquisa é feita
gaçadas são transferidas para as cubas de
em documentos escritos originais primários, para
vinificação para que o mosto obtido seja,
abrigar informações prévias acerca do problema,
então, parcialmente fermentado.
das hipóteses, dos métodos, bem como estudo inde-
• Fermentação: é utilizada para a obtenção de álcool a partir dos açúcares do suco de uva. Para isso, são utilizados os microrga-
pendente e autônomo, quer como trabalho científico original, quer como estudo recapitulativo. É importante ressaltar que, nesse processo para o desenvolvimento do trabalho, foi aplicado
nismos do tipo leveduras. • Fermentação tumultuosa: é uma etapa
o método qualitativo, que é caracterizado, basica-
que dura muitos dias e se caracteriza pelo
mente, na busca de entender um fenômeno especí-
grande desprendimento de gás carbônico e
fico em profundidade, a fim de mostrar aspectos
pela elevação da temperatura do meio.
subjetivos que alcançam motivações não explíci-
• Fermentação lenta: a fermentação lenta
tas, ou mesmo conscientes, de maneira espontâ-
inicia-se quando o líquido já está separado
nea. Esse método é utilizado quando se buscam
do bagaço. Nessa etapa, o que restou da gli-
percepções e entendimentos sobre a natureza geral
cose será transformado em álcool e demais
de uma questão, abrindo espaço para a interpreta-
componentes da fermentação.
ção (Lakatos; Marconi, 2010).
• Fermentação malolática: transformação
Partindo desse princípio, elaboraram-se quatro
de ácido málico (C4H6O5) em ácido lático
sequências didáticas, cada uma com duas horas-
(C3H6O3). O vinho adquire estabilidade,
-aula, para serem utilizadas como material didático
maior complexidade aromática, suavidade
complementar na disciplina de química da 1ª e 2ª
e maciez gustativa.
séries do ensino médio. O propósito era apresentar
• Filtração: as partículas em suspensão são
os processos de fabricação do vinho contextualizando-os com os conteúdos de química.
eliminadas. • Envelhecimento: é a obtenção do ponto
Foram utilizadas, nos recursos metodológicos,
máximo qualitativo através da lenta oxida-
as atividades experimentais, propondo-se uma ofi-
ção, provocando alterações de cor, aroma
cina didática através da construção de um destila-
e gosto das frutas para o vinho. Portanto,
dor para a fabricação do vinho, artigos sobre a his-
todo vinho deve passar por um período de
tória do vinho, vídeo, debates, jogos, questionários
repouso, a fim de se atingir esse ponto.
e livros didáticos. Tendo em vista esses aspectos, o
• Engarrafamento: a vedação da garrafa,
professor poderá trabalhar com os alunos a temá-
com a rolha de cortiça, tem como principal
tica como proposta de ensino de Química no nível
função proteger o vinho das contaminações
médio, de forma diferenciada, contextualizada e
microbianas e das oxidações.
interdisciplinar.
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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio
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ao deus Dionísio, que os romanos chamavam de
Resultados e discussão Explorando as formas de produção de vinho, é possível a abordagem de vários conhecimentos, inclusive os químicos. Como exemplo, pode-se citar o trabalho desenvolvido por Belotti (2010), apontando que é possível trabalhar conteúdos tais como: funções orgânicas, reações químicas, transformações da matéria além de outros, de forma que se possa facilitar a aprendizagem e, ainda, oportunizar a organização de informações e ampliação do conhecimento. Assim, as sequências didáticas sugeridas têm o propósito de relacionar esses conteúdos com os processos de fabricação do vinho. 4.1
Baco. Para a história, foram os arianos do sul do Cáucaso que deixaram vestígios, evidenciando que já se produzia vinho 10 mil anos a.C. A ciência desempenhou durante toda a história do vinho um papel importante, visto que se desenvolveram programas de pesquisas sobre a vinha, fermentação e o envelhecimento, adequando os níveis de controle, produção e armazenamento. Portanto, o vinho representa uma série de descobertas ligadas às primeiras reações químicas encontradas pelo homem, nesse caso a fermentação (Carvalho, 2009). Na metade do século XIX, a produção do vinho ganhou requintes científicos, quando o quí-
Sequência Didática I: história do vinho extraído da uva
mico Louis Pasteur explicou a origem da química da fermentação e identificou os agentes respon-
Na primeira sequência didática, o professor
sáveis por esse processo. Pasteur concluiu que a
poderá introduzir na sala de aula o marco histórico
fermentação é o mecanismo utilizado pelos seres
do vinho, através da extração da uva e seus princípios
vivos para produzir energia na ausência de oxigê-
de fermentação, como representado na Tabela 1.
nio (Amarante, 1983). Portanto, a fermentação é
As primeiras videiras teriam sido encontradas
um conjunto de reações químicas controladas por
na Ásia Ocidental e na Europa. Nessas duas regi-
enzimas, em que uma molécula orgânica, no caso
ões, em cavernas pré-históricas, foram localizadas
a glicose, é degradada em composto mais simples,
folhas de videiras e sementes de uvas (Pacheco,
liberando energia. Por isso, o professor apresen-
2000). De acordo com a Bíblia, o primeiro a pro-
tará conceitos de reações químicas relacionando-
duzir vinho da uva foi Noé, personagem impor-
-os com o processo de fermentação do vinho; essa
tante da história do vinho, pois consta que, depois
reação resulta da transformação da matéria, na
de descer de sua Arca, após o dilúvio, nas terras
qual ocorrem mudanças na composição química
de Ararat (hoje Turquia), plantou a vinha, colheu
de uma substância (Reagente), gerando uma nova
as uvas e fez o vinho. Para a mitologia grega, o
substância (Produto). A Figura 1 poderá esclarecer
desenvolvimento da vinha e do vinho é atribuído
melhor este processo.
Tabela 1. Sequência Didática I – História do vinho. Carga horária 2 horas-aula
Processos de fabricação do vinho
Conteúdos químicos
Objetivos
• Abordagem histórica da • Origem da química da • Descrever a origem do produção do vinho fermentação; vinho e explicar o pro• Reação Química. cesso de fermentação através de reação química.
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Recursos • Artigos sobre a história da uva; • Questionário; • Experimento; • Debates.
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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio
C6H12O6 Glicose
2 C2H5OH (levedura)
Álcool etílico
Reagentes
+
2 CO2
+
Gás carbônico
CALOR Energia
Produtos
Figura 1. Reação 1.
Logo adiante, o professor poderá propor uma ati-
watch?v=fOqoOLx5W4Y>
(Carvalho,
2013),
vidade experimental para exemplificar por que houve
para que os alunos possam entender melhor as
o desprendimento do gás carbônico no processo de
reações químicas. Espera‑se assim, possibilitar ao
fermentação, onde serão utilizadas duas garrafas
educando uma melhor compreensão das reações
transparentes do tipo PET, dois balões, água, açúcar e
químicas, podendo construir seu conhecimento
fermento biológico (utilizado para fazer pão).
associando-o ao processo de fermentação, já que,
Na primeira garrafa, coloca-se água e fermento
nesse processo, ocorre a reação de decomposição,
biológico fechando-se a boca da garrafa com um
em que um único reagente forma dois ou mais pro-
balão; na outra garrafa, coloca-se a mesma medida
dutos (Chang, 2006).
de água, acrescentando fermento biológico e açú-
Em vista disso, o professor pode fazer a aborda-
car e fechando-se com o balão. Após alguns minu-
gem de conceitos ligados ao cotidiano dos alunos,
tos, poderão ser analisados os resultados, sendo
fornecendo subsídios como a fermentação, sendo
que os alunos serão instigados pelo professor, para
importante que o aluno perceba a relação dos pro-
tentar explicar o que houve nessa reação, sendo
cessos de fabricação do vinho, articulando-o com
possível que cada um elabore seu próprio conhe-
os conteúdos de Química vistos em sala de aula.
cimento.
Chassot (2004) afirma que o ensino de quí-
Após as discussões sobre o experimento reali-
mica deve ter uma relação entre teoria e prática,
zado, o professor pode explicar que na fermentação
testando-se uma nova concepção de ensino, não
ocorre liberação de gás carbônico e que pode ser
dando uma resposta pronta ao aluno ou soluções
percebida pelo balão acoplado que se enche de gás,
dos problemas, mas orientando-o de forma a ali-
enfatizando que somente onde foi adicionado açú-
mentar o prazer da investigação, da descoberta
car houve fermentação, pois as leveduras precisam
pela pesquisa, pelos próprios esforços encontrando
de glicose para fermentar. A mistura água, fermento
suas próprias respostas.
e açúcar resulta na formação de gás carbônico pro-
Diante dessas considerações, o professor tam-
duzido pelos fungos, enquanto que, na outra gar-
bém poderá trabalhar, na primeira sequência em
rafa, não ocorreu o enchimento de balão, por não
forma de questionário, o conceito da história do
conter a glicose (açúcar), alimento dos fungos.
vinho e da fermentação. Por exemplo: quem aper-
Nesse momento, torna-se oportuno o professor
feiçoou o processo de fermentação? Qual o princi-
citar os tipos de reações químicas, relembrando
pal agente da fermentação? Esses questionamen-
conceitos sobre reações de síntese ou adição, aná-
tos permitirão uma participação ativa dos alunos,
lise ou decomposição, deslocamento ou simples
promovendo uma interação com o tema proposto.
troca. Para melhor compreensão desses concei-
Em seguida, poderá ser entregue aos alunos o
tos, o professor poderá propor o vídeo disponibi-
artigo de Fachini e Dallabona (2012), com o título
lizado na homepage: <http://www.youtube.com/
Contextualização histórica do vinho: a relação
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio
entre biologia e química, no qual é possível rela-
A primeira etapa é o do esmagamento da uva,
cionar o tema com conhecimentos químicos, além
de modo a provocar o rompimento das uvas por
de introduzir conhecimentos acerca do surgimento
compressão ou por choque para liberar o suco
do vinho e como a química interfere no aprimo-
o mais rápido possível sem, no entanto, causar o
ramento da tecnologia. Após a leitura do artigo, o
esmagamento das sementes (Embrapa, 2006).
professor poderá promover um debate em sala de
Nessa etapa, torna-se oportuno, o professor traba-
aula dando oportunidade para que os alunos pos-
lhar a “Lei da conservação das massas”. De acordo
sam expor suas ideias a respeito de conceitos his-
com Lavoisier, a massa total dos reagentes é igual
tóricos sobre o vinho.
à massa total dos produtos, assim: Na natureza nada
Maldaner e Zanon (2007) argumentam que
se cria e nada se perde tudo se conserva (Kotz; Treichel,
uma aula com a utilização de texto e diálogo, per-
2005). O professor poderá também propor um vídeo
mite que os alunos discutam ou expressem suas
do Telecurso 2000, aula nº 50, com o tema: Química
maneiras de pensar com seu próprio argumento,
– Lei de Lavoisie, com duração aproximada de
possibilitando a comparação de sua forma de refle-
15 minutos, para os alunos entenderem melhor a
tir e falar com a dos professores.
Lei de Conservação das Massas. O vídeo, que está
4.2
disponibilizado na homepage <http://www.you-
Sequência Didática II: a química e as etapas do processo de fabricação do vinho
tube.com/watch?v=x2V--OM4M_0>, trata da lei
A Tabela 2 apresenta as atividades que poderão ser propostas pelo professor. Nesta sequência, são esclarecidas as primeiras etapas da produção do vinho, destacando os conteúdos químicos que poderão ser explorados em sala de aula. Inicialmente, o professor abordará a definição de vinho, que se trata, de acordo com a legislação vitivinícola do Mercosul, de uma bebida que resulta da fermentação alcoólica completa ou parcial da uva fresca, esmagada ou não, ou do mosto simples ou virgem, em que o conteúdo mínimo de álcool adquirido é de 7% (v/v) a uma temperatura ambiente de 20 ºC (Guerra, 2004). A vinificação é o conjunto de procedimentos e processos empregados para a transformação da uva em vinho, englobando as fases de fermentação e de estabilização.
de Lavoisier, relacionando-a ao cotidiano dos alunos, destacando os tipos de reações químicas. Vale ressaltar que o uso de vídeos é eficaz e, por meio deles, o professor terá oportunidade de aproximar questões abordadas dentro da sala de aula com o cotidiano dos alunos, introduzindo novas questões no processo educacional (Morin, 2003). A segunda etapa trata-se da encubagem, em que as uvas maduras são portadoras de vários tipos de leveduras alcoólicas, fungos e bactérias, desejáveis e indesejáveis (Portelinha, 2006). No mosto encubado, esses microrganismos ficam misturados e podem ter seu desenvolvimento estimulado ou inibido conforme o tipo e condições de uva utilizada e da temperatura. Portanto, o professor poderá explicar o processo de encubagem utilizando argumentos de cinética química: “Lei da velocidade das
Tabela 2. Sequência Didática – Processo de fabricação do vinho. Carga horária 2 horas-aula
Processos de fabricação do vinho
Conteúdos químicos
Objetivos
Recursos
• 1ª Etapa: esmagamento; • Lei da conservação da massa; • Demonstrar algumas • Vídeo; • 2ª Etapa: encubagem; • Lei da velocidade das reações; etapas do processo de • Experimentos; • 3ª Etapa: tipos de fermen • Transformação da matéria. fabricação do vinho. • Fluxograma. tação.
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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio
reações” aplicados na 2ª série do Ensino Médio.
envolvida e, no caso da fermentação, pode ocorrer
Esse procedimento está ligado diretamente com
liberação de gases e alteração na coloração.
processos químicos e os fatores que influenciam as concentrações dos reagentes (mosto encubado) e a velocidade da transformação. Os alunos poderão concluir que as reações
4.3
Sequência Didática III: a química e a continuação das etapas do processo de fabricação do vinho
químicas acontecem com velocidades diferentes,
A terceira sequência didática dará continuidade
podendo ser modificadas, ou seja, as velocidades
ao estudo das etapas do processo de fabricação do
das reações também dependem das concentrações
vinho (Tabela 3), em que o professor poderá apli-
de reagentes ou produtos. Para que ocorra uma rea-
car o restante das suas atividades propostas.
ção entre duas ou mais substâncias é necessário que
A quarta etapa de fabricação do vinho é a filtra-
as moléculas se choquem, havendo quebra das liga-
ção, uma técnica de clarificação que consiste em
ções formando outras novas (Atkins; Jones, 2011).
passar o vinho turvo através de uma camada ou
Dando sequência aos processos, na terceira etapa
meio filtrante, com porosidade reduzida. Através
ocorre a fermentação tumultuosa, lenta e malolática,
desse processo, o professor poderá abordar o
em que a fermentação é uma reação espontânea de
conteúdo químico sobre “Separação de mistu-
um corpo orgânico ante a presença de fermento que
ras: Filtração” para 1ª série do Ensino Médio. De
o decompõe (Portelinha, 2006). Portanto, a Figura 2
acordo com Chang (2006), a separação de mistu-
ajudará o professor a apresentar todas as etapas de
ras leva ao conceito de substância impura, feita de
fermentação presentes no vinho.
dois ou mais tipos de compostos, em que eles estão
Diante de todas as etapas de fermentações,
misturados em qualquer proporção. Para exempli-
poderão ser propostos conteúdos químicos sobre
ficar o processo de filtração do vinho, o professor
“Identificação das reações químicas e transforma-
poderá realizar um experimento de filtração em
ção da matéria” para a 2ª série do Ensino Médio,
sala de aula, utilizando uma mistura heterogênea
pois, segundo Kotz e Treichel (2005), a partir dos
de pó de café e água. Esse método permite reter a
materiais iniciais, formam-se outros materiais
parte sólida e deixar passar a parte líquida, sendo
diferentes, ou seja, ocorre alteração na matéria
que o filtro pode ser de algodão ou de papel.
Fermentação tumultuosa
Fermentação lenta
Fermentação malolática
Esta etapa dura poucos dias e se manifesta por um grande desprendimento de gás carbônico e pela elevação da temperatura do meio. O desdobramento do açúcar indica-se menos lentamente e vai, pouco a pouco, aumentando de intensidade (Ferreira et al., 2010).
A fermentação tumultuosa persiste por alguns dias, apesar de diminuir a intensidade gradativamente devido a falta de açúcar consumido na fase anterior.
Os agentes desta fermentação são as bactérias láticas que transformam o ácido málico em ácido lático, com liberação de gás (Liz, 2010). Esta fermentação pode ocorrer tanto em aerobiose (na presença de oxigênio) como anaerobiose (com ausência de oxigênio).
Figura 2. Processo de Fermentação.
18
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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio
Tabela 3. Sequência Didática – Etapas do processo de fabricação do vinho. Carga horária
Processos de fabricação do vinho
2 horas-aula • 4ª Etapa: Filtração; • 5ª Etapa: Envelhecimento; • 6ª Etapa: Engarrafamento.
Conteúdos químicos
Objetivos
Recursos
• Separação de Mistura: • Aplicar conteúdos químicos • Experimento; Filtração; de forma diferenciada; • Visita à fábrica de • Funções inorgânicas: • Destilar o suco da uva para vinho ou estação de Ácidos e Bases. estudar as etapas de fabritratamento de água; cação do vinho. • Jogo Lúdico.
Para que a aula fique mais interessante para os
O ácido acético é um dos principais componentes
alunos e facilite o aprendizado, o professor poderá
que determinam a acidez do vinho; uma quanti-
desenvolver uma estratégia de ensino contextua-
dade deste ácido superior a 0,48 g/L significa que
lizada, apresentando as principais etapas envolvi-
o vinho pode estar com presença de bactérias,
das nas Estações de Tratamento de Água (ETAs).
prejudicando, assim, a sua qualidade (Ferreira;
Além disso, havendo a possibilidade, o professor
Damacedo; Mochiutti, 2010). O professor poderá, ainda, aplicar um jogo
poderá programar uma visita à ETA mais próxima da sua escola.
lúdico de baralho (Figura 3), envolvendo ácidos e
Nesse sentido, a busca do conhecimento, a
bases, para viabilizar, de maneira contextualizada
partir de situações que façam parte do dia a dia,
e motivadora, a abordagem da força de ácidos e
geralmente leva o aluno a compreender melhor
bases inorgânicos, associada à análise das estru-
e permite-lhe saber aplicar e entender os fatos,
turas e aos valores das constantes de equilíbrio,
relacionando-os a tendências e fenômenos que o
visando uma compreensão e discussão mais com-
cercam diariamente (Wartha, 2005).
pleta do assunto tratado.
Na quinta e sexta etapas do processo de fabricação do vinho, será abordado o processo de enve-
H+
OH-
lhecimento, pelo qual muitos vinhos têm o sabor melhorado. Durante esse processo, a acidez dimi-
H
AgOH
nui e várias substâncias pouco solúveis acabam
Kg = 2,0.10-3
precipitando-se e vários componentes formam
H2S
OH-
S
H
Kg = 1,3.10-7 Kp = 7,1.10-15
H+
complexos, afetando o sabor e o odor (Pavesi, 2002). No engarrafamento, o vinho ainda passa por
Qual o nome do seu composto
algumas etapas, que visam corrigir o pH, a cor ou a concentração de O2 dissolvido (Carvalheira, 2010).
O meio resultante é ácido ou basico
Qual o composto formado
Diante dessas etapas do processo, o professor trabalhará o tópico “Funções Inorgânicas: Ácidos e Bases”, abordando o pH das substâncias presen-
Figura 3. Imagem ilustrativa do baralho a ser utilizado na Sequência Didática III.
tes no vinho, que estão relacionadas à quantidade de ácidos dissociados e não dissociados e à quan-
Para iniciar esse jogo lúdico, três jogadores
tidade relativa desses ácidos presentes. Em vista
deverão ficar com cinco cartas e um com seis. Em
disso, o professor poderá explicar que a acidez
cada rodada, o jogador que estiver com seis cartas
do vinho é provocada por alguns ácidos orgâni-
passará uma de suas cartas para o jogador à sua
cos, como o tartárico, acético, málico e láctico.
esquerda, sendo que a carta coringa uma vez rece-
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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio
bida só será passada adiante na rodada seguinte.
papel, 50 cm de mangueira plástica transparente, 1
Ganha o jogo quem conseguir reunir, primeiro, as
elástico e 1 rolha.
cinco cartas referentes a uma das funções inorgânicas que optou por formar.
Coloque a uva no liquidificador e bata o tempo que for necessário para produzir o suco de uva ou
O objetivo do jogo em sala de aula é buscar
amasse bem com as mãos e, juntamente com o
e propor situações que despertem o interesse dos
bagaço, transfira essa mistura para o garrafão de
alunos de modo a incentivá-los no processo de
vidro. Se desejar uma fermentação mais rápida,
aprendizagem. Assim, eles poderão obter o sucesso
adicione o fermento. A mangueira com água deve
vinculado com o prazer de se fazerem descobertas
ser acoplada à rolha do garrafão e dobrada como
como próprio esforço (Lucchini; Colling, 2008).
na Figura 4. Deixe o sistema em repouso por, apro-
4.4
ximadamente, dez dias. Após esse tempo, filtre o
Sequência Didática IV: oficina didática através da fabricação do vinho da uva
conteúdo do garrafão e o vinho estará pronto.
Sabe-se que atividades experimentais, em
mangueira
geral, atraem o interesse dos alunos e, concomitantemente, oferecem uma situação de descoberta e indagações. Quando consideramos o ensino de ciências como um processo de instrução de caráter
rolha
elástico
teórico-prático, a interação entre esses dois aspectos deve ser encarada de forma íntegra pelo educador (Wartha, 2005). Portanto, na quarta sequên-
água
frasco de vidro
cia didática proposta neste trabalho, o professor poderá propor aos alunos a construção de um dispositivo para fabricar o vinho, a partir de material alternativo (Tabela 4). Sabe-se que a falta de material para laboratório nas escolas públicas é uma realidade nacional.
suco de uva
Figura 4. Dispositivo simples para a fermentação. Fonte: Adaptado de Usberco e Salvador (2005) e Química Orgânica (vol. 3, p. 333).
Nessa perspectiva, o professor poderá criar um dispositivo simples, utilizando materiais do coti-
A partir dessa oficina didática, espera‑se que
diano e de baixo custo, com vistas a aprimorar o
cada aluno seja capaz de rever todas as etapas do
ensino-aprendizagem.
processo de fabricação do vinho, vistas anterior-
Para a construção do dispositivo será utilizado:
mente, e que também possa construir, individu-
1 Kg de uvas, 1 garrafão de vidro de 5 ou 2,5 litros,
almente, seus próprios conhecimentos diante da
0,5 g de fermento biológico, 1 coador de pano ou
experiência vivenciada.
Tabela 4. Sequência Didática IV – Oficina didática. Carga horária 1hora-aula
20
Processos de fabricação do vinho
Conteúdos químicos
Objetivos
Recursos
• Construção de um dis- • Separação de mistura. • Construir um dispositivo • Material alternativo positivo para a fabricacom materiais alternativos; para a construção ção de vinho. • Fabricar vinho. do dispositivo.
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Fabricação do vinho como proposta de sequências didáticas para o ensino de Química no Nível Médio
5
Considerações finais Este estudo auxiliará o professor a desenvolver em seus alunos um aprendizado dinâmico e interativo e, também, a descobrir o mundo envolvente e complexo da Química nos processos de fabricação do vinho. Essa abordagem reforça e valoriza o estudo da química no ensino, contribuindo para a formação de cidadãos mais críticos, reflexivos e conscientes. Através do processo de fabricação do vinho foi possível propor uma sequência didática pela qual se podem relacionar conceitos químicos para auxiliar professores no desenvolvimento de seu trabalho em sala de aula e contribuir para a melhoria do ensino de Química no nível médio, possibilitando uma interação entre o discurso científico da Química e o cotidiano dos alunos. Diante do exposto foi possível perceber que propostas didáticas poderão auxiliar o professor no processo ensino-aprendizagem, utilizando‑se da contextualização para abordar conceitos químicos de grande relevância na vida dos alunos. Dessa forma, o professor tem a oportunidade de utilizar a química a seu favor, uma vez que ela será trabalhada como uma disciplina de descobertas.
6
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Artigo 02 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013
p. 23-32
Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química Chemical recycling of PET and its benefits to the society and to the Chemistry Teaching Maria Elenir Nobre Pinho Ribeiro Daguia de Medeiros Silva Ana de Fátima Costa da Silva1
Resumo O elevado consumo de PET no Brasil é seguido de uma geração de resíduo plástico que não tem sido totalmente absorvida pelo modelo de reciclagem mecânica, predominante no país. O presente artigo descreve esse cenário abordando a necessidade de implementação de outras rotas, como a reciclagem química, apresentando seus benefícios sociais, econômicos, ambientais e tecnológicos, bem como a relevância do tema no Ensino de Química. Palavras-chave: PET; Reciclagem química; Contextualização. Abstract The high consumption of PET in Brazil is responsible for producing some plastic residue that has not been properly absorbed by the mechanical recycling model, the one which is the most common in our country. This article describes this matter dealing with the necessity of implementation of other possibilities, such as chemical recycling, and it also presents its social, economic, environmental and technological benefits, as well as the relevance of the subject to the Chemistry Teaching. Key-words: PET; Chemical recycling; Contextualization.
1. Graduadas de Licenciatura em Química – IFRN – Campus Currais Novos.
Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química
1
Introdução
3
Os plásticos
O desenvolvimento tecnológico e industrial
A palavra ‘plástico’ é empregada em várias
nos trouxe a praticidade dos materiais plásticos,
áreas do conhecimento humano, em um amplo
os quais agregam vantagens tais como custo/
espectro de significados, mas, no geral, se refere a
benefício, estética, eficiência e durabilidade. Mas,
algo moldável (Piatti; Rodrigues, 2005). Algumas
em contrapartida, temos a geração de resíduo e
definições encontradas nos dicionários indicam que
a exploração de recursos naturais não renová-
plástico é o que tem propriedade de adquirir deter-
veis que colocam em risco a sustentabilidade de
minadas formas sensíveis, por efeito de uma ação
nosso planeta. Por essa razão, torna-se necessário
exterior. De acordo com as origens grega (plástikos,
desenvolver práticas que evitem e/ou minimizem
‘relativo às dobras de argila’) e latina (plastiku, ‘que
tais impactos, o que se tornou mais efetivo com
modela’) desta palavra, é exatamente isso que plás-
a aprovação da Lei n° 12.305/2010, que instituiu
tico significa: próprio para ser moldado ou mode-
a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).
lado. Na linguagem química, segundo o Dicionário de Polímeros, plástico é o termo geral dado a materiais
2
macromoleculares que podem ser moldados por ação de
Os polímeros
calor e/ou pressão (Andrade et al., 2001).
A palavra ‘polímero’ tem origem no vocábulo
A matéria-prima dos plásticos é o petróleo, que
grego poli, que pode ser traduzido como “muitas”
é formado por uma complexa mistura de compos-
e mero que significa “partes”, sendo os átomos
tos. Pelo fato de estes compostos possuírem diferen-
de carbono, hidrogênio, oxigênio e Nitrogênio os
tes temperaturas de ebulição, é possível separá-los
principais constituintes dessas macromoléculas. As
através de um processo conhecido como destila-
proteínas, o DNA e os polissacarídeos são exem-
ção ou ainda por craqueamento, que é o processo
plos de moléculas poliméricas naturais existentes
de refino que permite a quebra de hidrocarbonetos
em nosso organismo; entretanto, tal conceito não
mais complexos em hidrocarbonetos mais simples
era de nosso domínio intelectual até pouco tempo
ou em monômeros. A fração nafta, que é constitu-
atrás. Foi apenas no século XX que o químico
ída por hidrocarbonetos contendo de 5 a 9 átomos
Staudinger formulou a hipótese macromolecular,
de carbono, de baixa densidade, é fornecida para as
afirmando que existem moléculas muito grandes,
centrais petroquímicas, onde passa por uma série de
as quais foram denominadas de macromoléculas
processos, dando origem aos principais monômeros
(Wan; Galembeck; Galembeck, 2001).
formadores dos polímeros, como, por exemplo, eti-
Os autores Wan, Galembeck e Galembeck
leno, propileno, butadieno e estireno.
(2001) afirmam que devido à aceitação da existência
Os plásticos são obtidos por reações de poli-
de macromoléculas, foi possível a descoberta, inten-
merização, em que ocorrem as ligações químicas
cional ou acidental, através de reações químicas, de
entre os monômeros formadores do polímero. O
muitas substâncias que fazem parte do nosso coti-
número de unidades de monômeros da cadeia poli-
diano, como os plásticos, as borrachas, as tintas e os
mérica chama-se grau de polimerização, simboli-
vernizes que, por serem sintetizados pelo homem,
zado por n ou pelas iniciais em inglês DP (degree
constituem a classe dos polímeros sintéticos.
of polymerization) (Mano; Mendes, 1999).
24
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química
4
rante representa a maior parte da utilização do PET
O politereftalato de etileno (PET) O politereftalato de etileno (PET) (Figura 1) é um polímero termoplástico que foi preparado, pela primeira vez, em 1941, pelos químicos britânicos John Rex Whinfield e James Tennant Dickson. Este poliéster é preparado através da reação de condensação entre o ácido tereftálico (um diácido) e o etileno glicol (um diálcool), produzindo grãos brancos e opacos.
(61%), seguido pela água mineral (14%) e óleo comestível (12%). O fato de as garrafas PET serem translúcidas é uma das suas características atrativas, pois passa ao consumidor a ideia de pureza e higiene. Outra de suas propriedades físicas vantajosas é sua resistência mecânica, não sendo quebradiças como as garrafas de vidro. Sendo o PET um polímero semicristalino, possui em sua estrutura tanto cristais como uma forma menos organizada, chamada amorfa e é justamente a estrutura
O C O
menos cristalina (amorfa) que confere ao produto
O C
a transparência e flexibilidade observadas. A baixa
CH2 O
CH2 n
Figura 1. Estrutura química do politereftalato de etila, onde n indica o grau de polimerização.
permeabilidade a gases, especialmente o gás carbônico, faz do PET o plástico mais indicado para bebidas carbonatadas. O PET nem sempre foi utilizado na indústria alimentícia. Após a II Guerra Mundial (1939-
A reação do ácido tereftálico (TPA) purificado
1945), a Indústria Têxtil foi a que mais sofreu desa-
com o etilenoglicol (EG) é a forma mais utilizada
bastecimento devido à destruição de seus campos
no Brasil para a síntese de PET, porém, existem, no
de algodão, linho e lã e por essa razão, nos anos
país, plantas que operam a polimerização do poli-
50, as produções em larga escala tanto nos Estados
éster a partir da transesterificação do tereftalato
Unidos como na Europa visavam a produção de
de dimetila (DMT) com o glicol. O DMT é obtido
fibras que substituíssem as anteriormente usadas.
da esterificação do TPA com metanol (Mancini;
A utilização do PET pela indústria de embalagens
Zanin, 2002).
iniciou-se apenas na década de 1970, precisamente
O PET é um dos plásticos mais utilizados no
no ano de 1973, quando a empresa Du Pont desen-
mundo e, atualmente, sua maior utilização é na
volveu o processo de injeção e sopro com biorien-
fabricação de garrafas para bebidas; isso ocorre
tação, lançando, então, o PET como garrafa. A pri-
porque ele apresenta em sua estrutura apenas áto-
meira utilização desse material no Brasil ocorreu
mos de carbono, hidrogênio e oxigênio, não pro-
na indústria têxtil a partir de 1988, igualmente ao
duzindo nenhum produto tóxico, e também devido
que vinha acontecendo no resto do mundo, e ape-
à facilidade de ser moldado, devido à sua caracte-
nas em 1993 passou a ser utilizado no mercado de
rística termoplástica. Tal propriedade também lhe
embalagens, mais expressivamente para os refri-
permite reprocessamento por algumas vezes, pelo
gerantes. Embora o maior domínio atual seja em
mesmo ou por outro processo de transformação. O
embalagens para refrigerantes, o PET tem tido sua
processo consiste em aquecimentos a temperaturas
utilização em outros produtos como medicamen-
adequadas, nas quais os plásticos amolecem, fun-
tos, cosméticos, produtos de higiene e limpeza
dem e podem ser novamente moldados.
(Pereira; Machado; Silva, 2002).
Segundo a Associação Brasileira da Indústria
Dada a grande demanda pelo PET, seu con-
do PET (ABIPET), o armazenamento de refrige-
sumo no Brasil chegou a duplicar nos últimos
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
25
Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química
dez anos, passando de 255 Ktons para 522 Ktons,
flocos ou grãos por processos mecânicos, os quais
sendo 1Kton igual a 1000 toneladas. Dados publi-
são reutilizados na produção de novos materiais,
cados pela ABIPET, em parceria com a Nous
iguais, ou não, ao do material de partida; por isso,
Consulting, nos mostram que o consumo da resina
é também conhecida como reciclagem mecânica.
PET aumentou 7,4% entre os anos de 2008 e 2009,
Alguns exemplos são sacos de lixo, mangueiras,
passando de 486 para 522 Ktons.
baldes, garrafas para produtos de limpeza, dentre
Uma das melhores características deste mate-
outros. Este processo requer um pré-tratamento
rial, bem como de alguns outros plásticos, é a
que é realizado nas centrais de reciclagem mecâ-
durabilidade; por isso mesmo, este também é um
nica. As etapas são basicamente: separação,
dos principais problemas para a natureza, pois leva
moagem, lavagem, secagem e reprocessamento.
muitos anos para ser degradado, gerando grande
Maiores detalhes sobre o pré‑tratamento da reci-
poluição e comprometendo a sustentabilidade do
clagem mecânica podem ser encontrados no artigo
planeta. Por este motivo, processos de reciclagem
de revisão de Silva Spinacé e De Paoli (2005).
vêm sendo desenvolvidos ao longo dos anos para
A reciclagem química ou terciária submete os
que o polímero seja reaproveitado, diminuindo seu
resíduos plásticos às reações químicas de despo-
acúmulo no lixo.
limerização para a obtenção dos monômeros de partida ou apenas a redução da cadeia polimérica
5
visando a repolimerização e/ou sua transformação
A reciclagem
em subprodutos para a produção de outros materiais, como, por exemplo, tintas e/ou vernizes.
A reciclagem é o retorno da matéria-prima ao ciclo de produção através de um conjunto de téc-
A reciclagem quaternária faz uso do conteúdo
nicas. É, portanto, o resultado de uma série de ati-
energético obtido dos resíduos plásticos de dife-
vidades, pelas quais os materiais que se tornariam
rentes origens através de tratamento térmico (ou
lixo, ou estão no lixo, são desviados, coletados,
incineração) para produção de energia elétrica,
separados e processados para serem usados como
vapor ou calor.
matéria-prima na manufatura de novos produtos. O termo teve sua origem na década de 1970 quando se percebeu que a fonte de petróleo e outras maté-
6
A reciclagem do PET
rias-primas não renováveis estavam se esgotando,
A reciclagem de embalagens PET no Brasil só
somado ao aumento de resíduo dos produtos obti-
veio a ser mensurada pela ABIPET a partir de 2004,
dos a partir destas fontes e da diminuição ener-
embora haja dados estatísticos desde 1994. Em
gética entre a produção a partir de matéria-prima
2011 (294 Kton), houve um aumento de 4,25% em
virgem e da recuperação do produto pós-consumo.
relação ao ano de 2010 (282 Kton) de reciclagem
Por isso, reciclar ganhou importância estratégica.
destas embalagens, correspondendo a 57,1% do
Existem quatro categorias de reciclagem: primária, secundária, terciária e quaternária.
que é descartado pelo consumidor contra 55,8% do ano anterior, o que mantém o Brasil em 2° lugar no
A reciclagem primária consiste da reintrodu-
ranking mundial nessa atividade, perdendo apenas
ção de peças provenientes da linha de produção da
para o Japão, que reciclou 72,1% no ano de 2010,
indústria, como, por exemplo, as aparas.
e à frente da Europa e EUA. Devido à crescente
A reciclagem secundária utiliza-se de diversos
eficiência nos processos industriais, estes acabam
tipos de resíduos plásticos transformando‑os em
gerando pouco resíduo sólido (PET pós-industrial)
26
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química
e por essa razão a maior fonte de PET para reci-
pós-consumo. Conforme se pode observar na
clagem demanda do pós-consumo (90%). O Brasil
Tabela 1, a qual traz, em Ktons, a quantidade de
se destaca ainda mais por aproveitar praticamente
resina virgem de PET consumida, a quantidade de
todo o PET reciclado pós-consumo, exportando
PET reciclada e a quantidade de PET que perma-
muito pouco, o que potencializa o mercado da
nece no lixo (obtido pela diferença entre os outros
reciclagem do PET e tendo como maior mercado o
dois dados), um volume muito alto de PET pós-
setor têxtil e, em segundo lugar, os setores de emba-
-consumo ainda precisa ser recuperado.
lagens (18%) e de resinas insaturadas e alquídicas
Embora a reciclagem seja uma realidade, o
(18,7%). Economicamente, a reciclagem do PET é
aumento da quantidade de PET reciclado é seguido
responsável por 36% dos R$ 3,3 bilhões faturados
pelo aumento do consumo (e da produção), o que,
na sua indústria, o que corresponde a um terço do
praticamente, anula o efeito da reciclagem na
faturamento e, assim, a reciclagem torna-se não só
diminuição de resíduo (PET que permanece no
uma demanda ambiental, como econômica e social,
lixo). Tal cenário aponta para a necessidade de
ao gerar mais emprego e renda e menos lixo no
investimentos em outros processos de reciclagem,
meio ambiente. Entretanto, o Brasil só explora uma
visando a redução da quantidade de resíduo (PET
rota de reciclagem, que é a reciclagem mecânica e
pós-consumo) no Brasil.
os fatores determinantes são custo e mão de obra,
O gráfico da Figura 2 foi obtido a partir dos
baixo investimento para instalação de uma planta
dados da Tabela 1. Nele, é possível visualizar que
de reciclagem, pois necessita de pouca tecnolo-
a reciclagem no Brasil ainda não surte efeito na
gia, e grande volume de polímero pós-consumo,
redução de resíduo gerado pelo PET pós-consumo.
enquanto que, na Europa e no Japão, predominam as reciclagens química e energética. Tabela 1. Dados da quantidade de resina virgem de PET consumida, da quantidade de PET reciclado e da quantidade de PET que permanece no lixo, em Ktons. Ano
PET consumido PET reciclado (Ktons) (Ktons)
PET no lixo (Ktons)
Quantidade de PET (Ktons)
600 550
PET consumido PET reciclado PET lixo
500 450 400 350 300 250
2000
255
67
188
2001
270
89
181
2002
300
105
195
100
2003
330
142
188
50
2004
360
167
193
2005
374
174
200
2006
406
194
212
2007
471
231
240
2008
486
253
233
2009
522
262
260
Figura 2. Dados da quantidade de resina virgem de PET consumida, da quantidade de PET reciclada e a quantidade de PET que permanece no lixo, em Ktons, entre os anos de 2000 e 2011.
2010
565
282
283
Fonte: ABIPET.
200 150
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
Anos
Fonte: ABIPET.
Vale, ainda, salientar que os polímeros apreComo já citado, a quantidade de PET produ-
sentam um limite de reutilização para que suas
zida e consumida só aumenta, aumentando com
propriedades mecânicas sejam mantidas. O PET
ela a preocupação com o que se fazer com o PET
torna-se duro e quebradiço e, portanto inutilizável
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
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Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química
para as mesmas aplicações do polímero virgem
material é tratado com excesso de metanol, requer
após três ciclos de processamento por recicla-
um catalisador, temperatura elevada e altas pres-
gem mecânica por extrusão convencional (Silva
sões. A glicólise ocorre quando do tratamento do
Spinacé, 2000), mostrando ser necessária a sua
polímero com excesso de glicol em uma reação de
reciclagem por rota química ou, ainda, energética.
transesterificação, sob atmosfera inerte de nitrogênio, a alta pressão e presença de catalisador.
7
Nos métodos térmicos, a degradação é dirigida
A reciclagem química
pelo calor. A pirólise à baixa temperatura é a degra-
A reciclagem química permite o tratamento de
dação térmica do polímero na ausência ou defici-
misturas de plásticos e, dessa forma, há redução
ência de oxigênio, ocorrendo a despolimerização e
nos custos de pré-tratamento, custos de coleta e
produzindo pequenas quantidades de hidrocarbo-
seleção. Os novos processos desenvolvidos na
netos (compostos aromáticos e gases leves) para
área permitem a reciclagem de misturas de plásti-
refinarias, como o gás metano. Na pirólise à alta
cos diferentes, com aceitação de determinado grau
temperatura, a degradação também se processa na
de contaminantes (ex.: tintas, papéis etc.). Além
ausência de oxigenação e os produtos da reação
disso, a reciclagem química permite produzir plás-
são óleos e gases. Na gaseificação, os plásticos
ticos novos com a mesma qualidade de um polí-
são aquecidos com ar ou oxigênio, recuperando-
mero original. O custo das plantas de reciclagem
-se gases como CO, H2, CH4, CO2 e alguns gases
química é muito elevado, o que justifica o redu-
inertes. Na hidrogenação, as cadeias são quebra-
zido número de plantas em operação no mundo.
das mediante o tratamento com hidrogênio e calor,
Por isso, sua implantação deve levar em conta não
gerando hidrocarbonetos que podem ser reaprovei-
só questões econômicas de custo-benefício, mas
tados em refinarias.
questões relacionadas à sustentabilidade, agora
Nos métodos térmicos/catalíticos têm-se as
reforçada com a Política Nacional de Resíduos
reações de pirólise a baixa e alta temperaturas,
Sólidos aprovada em 2010. Como a reciclagem
ocorrendo na presença de catalisadores específicos
química emprega reações químicas, é necessário
e/ou seletivos.
um maior controle do processo. A reciclagem química ocorre através de processos de despolimerização por solvólise (hidró-
7.1
A reciclagem química do PET Na Indústria
lise, alcoólise, glicólise), ou por métodos térmicos
7.1.1
(pirólise a baixa e alta temperaturas, gaseificação,
O crescimento no consumo de ácido tereftá-
hidrogenação), ou, ainda, métodos térmicos/cata-
lico tem sido impulsionado pela forte demanda
líticos (pirólise e a utilização de catalisadores sele-
da resina PET e também para produção de fio de
tivos) como descrito por Silva Spinacé e De Paoli
poliéster (setor têxtil) e, atualmente, essa matéria-
(2005).
-prima é importada por questão de desabaste-
No processo de solvólise, como o próprio nome
cimento e, por isso, com isenção da alíquota do
sugere, a despolimerização se processa no solvente
imposto de importação. Por essa razão, a obtenção
que origina o nome da reação. A hidrólise é a rea-
de TPA em escala industrial através da reciclagem
ção de recuperação dos monômeros do polímero
química do PET pós‑consumo é uma forma de
de partida em excesso de água, na presença de um
suprimento a partir de matéria-prima abundante e
catalisador e temperatura elevada. Na alcoólise, o
relativamente barata quando comparada à produ-
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química
zida pela oxidação do p-xileno nas petroquímicas,
ria-prima de fonte não renovável. Por essa razão,
além de minimizar os malefícios ambientais que os
acredita-se que mais indústrias deveriam investir
resíduos plásticos acarretam. Tal atitude irá gerar
no uso de PET reciclado para a obtenção de suas
uma maior demanda de coleta, o que aumentará as
resinas alquídicas e insaturadas.
possibilidades de renda para catadores (os maiores
A Recepte, unidade de revalorização do PET do
responsáveis pela coleta do PET pós-consumo) e
Grupo M&G, o maior fabricante mundial de resinas
cooperativas, e aumentando o mercado para pro-
PET, foi criada em 1995 e é um das pioneiras em
fissionais das áreas de Engenharia de Produção,
reciclagem de PET no Brasil. Seus produtos recicla-
Engenharia Química, Química, Técnicos em
dos abastecem, principalmente, o mercado químico,
Química, dentre outras.
têxtil e de embalagem. A empresa Braskem está
Outra forma de redução do PET pós‑consumo
envolvida na implantação de uma planta de recicla-
é através de sua utilização na obtenção das resi-
gem química de PET pós-consumo em escala indus-
nas alquídicas, usadas na produção de tintas, e das
trial para obtenção do PTA, matéria-prima para pro-
resinas insaturadas usadas na produção de adesi-
dução de novos produtos (Braskem).
vos e resinas poliéster. Dados estatísticos obtidos
A implantação da reciclagem química do PET
da ABIPET e Nous Consulting mostram que o uso
pós-consumo em escala industrial é uma das for-
de PET reciclado na obtenção de resinas alquídicas
mas para que as indústrias do setor se adéquem à
e insaturadas apresentou um aumento a partir de
Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS),
2008, mas vem se mostrando razoavelmente está-
aprovada em 2010. A PNRS estabeleceu prazo até
vel conforme Figura 3.
2014 para a implantação da logística reversa e de outros pontos relativos à reciclagem e reutiliza-
20
%PET pós-consumo
18
ção de resíduos sólidos, como o fim dos lixões. A Produção de resinas insaturadas e alquídicas
logística reversa prevê o retorno para a indústria de materiais para que possam ser novamente aprovei-
16
tados pelo fabricante. A ideia é reaproveitar tudo o
14
que puder ser reaproveitado e descartar adequada-
12
mente o que não tiver mais utilidade, de maneira
10
que não agrida o meio ambiente.
8
7.1.2
6 2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
O desenvolvimento de novos processos para
2012
Anos
Figura 3. Dados percentuais de PET pós-consumo utilizado na produção de resinas insaturadas e alquídicas entre os anos de 2004 e 2011. Fonte: ABIPET.
Na pesquisa acadêmica
reciclagem de polímeros é, atualmente, uma área relevante de pesquisa acadêmica e tecnológica devido a duas necessidades importantes: (I) a redução do volume crescente de rejeitos de polímeros originados de diferentes fontes e (II) a conversão de fontes de baixo custo, como, por exemplo, os rejei-
O uso do PET pós-consumo na produção das resinas supracitadas leva à diminuição do custo do
tos plásticos, em materiais de valor agregado com aplicações tecnológicas (Rosminho et al., 2009).
produto final, economia de energia, diminuição da
Existem grupos de pesquisa que buscam o
poluição ambiental e diminui o consumo de maté-
desenvolvimento de novos copolímeros, polímeros
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
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Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química
que apresentam dois ou mais tipos de monômeros,
resistência à oxidação e à temperatura, transporte
com propriedades biodegradáveis, através da reci-
elétrico, elevada resistência mecânica e à ruptura,
clagem química do PET pós-consumo. Estes estu-
além de flexibilidade, o que lhes confere inúmeras
dos mostram que a decomposição dos novos mate-
possibilidades de aplicações tecnológicas. Logo, a
riais leva meses ou apenas dias (Silva et al., 2006;
obtenção de nanotubos de carbono através de PET
Melo et al., 2009). A obtenção de plásticos bio-
pós-consumo é economicamente promissora, pois
degradáveis a partir do PET pós‑consumo retira-
parte de material de baixo custo associado à produ-
-o do ciclo de geração de resíduo, constituindo-se,
ção de energia no processo que pode ser utilizado
assim, em uma forma promissora para diminuição
na forma de energia elétrica, calor ou vapor.
da quantidade de PET pós‑consumo.
O Brasil tem avançado em pesquisas acadêmi-
Rosmaninho et al. (2009) estudou a hidrólise
cas que visam aplicações tecnológicas para o apro-
catalítica superficial (parcial) do PET pós-con-
veitamento do PET pós-consumo, mostrando que
sumo para obtenção de resina trocadora de cátions.
tem potencial para diminuir seu volume de resí-
Tais resinas podem ser utilizadas na remoção de
duo nos grandes centros urbanos e, também, para
metais pesados de efluentes urbanos que também
promover maior movimentação na economia e na
representam uma grande preocupação ambiental.
indústria química.
A redução de lixo por meio do uso de incine-
No ensino de química
radores leva a uma redução no seu volume, bem
7.1.3
como destrói a maioria do material orgânico e do
Experimentos de aplicação da Química na
material perigoso que, no aterro, causam proble-
transformação de resíduos plásticos para obtenção
mas e podem gerar energia através do calor. Mas,
dos materiais de origem (por exemplo, PET reci-
paralelamente, pode lançar diversos gases poluen-
clado para produção de um novo PET) ou de novos
tes e fuligem na atmosfera (dioxinas, furanos) e
produtos tornam-se interessantes no ensino desta
suas cinzas concentram substâncias tóxicas com
ciência, nas suas diversas modalidades. Dentre os
potencial de contaminação do ambiente. Visando
aspectos importantes que podem ser explorados,
minimizar essa desvantagem da queima do lixo,
podemos destacar a relação da Química com o
Pacheco et al. (2009) avaliaram o uso do PET pós-
cotidiano, uma vez que os plásticos são produtos
-consumo via extrusão como matriz de imobiliza-
constantes em nosso dia a dia, tornando a aprendi-
ção de cinzas de incineradores, mostrando que sua
zagem atraente e significativa. Além disso, devido
utilização é aplicável nessa área, que já faz uso da
à sua relação com aspectos de educação ambiental,
extrusão de rejeitos com matrizes de polietileno de
associado ao fato da obtenção do TPA ser a par-
alta e baixa densidade, sendo necessárias algumas
tir de derivado do petróleo, um recurso não reno-
melhorias nas condições operacionais, conforme
vável, os estudantes precisam ser cada vez mais
indicou o estudo.
conscientizados da importância da reciclagem
Alves et al. (2012) estudaram a obtenção de
química do PET. Além disso, pode-se explorar a
nanomateriais, materiais com graus estruturais
aprendizagem de conceitos relacionados à síntese
na ordem de 10 m, a partir dos gases gerados
orgânica e de técnicas de caracterização de mate-
quando da combustão do PET pós-consumo, atra-
riais de forma interdisciplinar, despertando o inte-
vés da adição de um sistema catalisador. Os nano-
resse para pesquisas nessa área.
-9
tubos de carbono obtidos são interessantes, pois
Rosmaninho et al. (2009) propôs um experi-
apresentam resistência química, baixa densidade,
mento baseado na hidrólise catalítica parcial das
30
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
Reciclagem química do PET e seus benefícios para a sociedade e para o ensino de Química
cadeias superficiais do PET pós-consumo visando
tais, a reciclagem tem sido foco de estudos acadê-
contextualizar temas da Química a nível de gra-
micos visando o desenvolvimento tecnológico para
duação, tais como: a reação de hidrólise e sua
a sua implementação/ampliação industrial. A reci-
cinética, o efeito da natureza e da concentração
clagem química do PET pós‑consumo é um tema
do catalisador, área superficial exposta do PET, a
atual e motivador, que promove a interligação de
caracterização da superfície do PET por titulação
várias disciplinas no ensino superior de Química.
simples e a aplicação do PET parcialmente hidrolisado como adsorvente de contaminantes catiônicos em água. Os alunos de graduação precisam ter um bom embasamento teórico e prático em análise instrumental, por isso é importante a realização de experimentos que contribuam nessa direção. Bannach et al. (2011) propuseram o uso do PET no ensino de análise térmica, devido à sua presença no cotidiano do estudante. Além disso, esse polímero apresenta curvas de análises térmicas bem definidas e um comportamento térmico bem conhecido, o que propicia um melhor entendimento dos conceitos envolvidos. A interdisciplinaridade e a contextualização são importantes e necessárias no ensino de Química em graduação. Neste contexto, Alves et al. (2012) propuseram um projeto temático interdisciplinar “Reciclagem de embalagens de PET” para o Ensino de Química na Universidade, envolvendo as aulas práticas de Química para os cursos de Química, Farmácia e Engenharia visando a articulação das disciplinas de Química Analítica (Quantitativa e Instrumental), Química Orgânica e Físico-química a partir da caracterização do ácido tereftálico (TPA). A proposta mostra que o ensino de Química dessa forma é menos fragmentado e mais motivador. 8
Considerações finais A reciclagem química do PET pós‑consumo é uma rota viável de ser praticada frente à proposta de sustentabilidade, agora reforçada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Tendo em vista seus benefícios econômicos, sociais e ambien-
9
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
Relatos de Experiência Experiences Account
Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida The Teaching of Quantitative Analytical Chemistry: a successful experience description Heloisa Helena J. Ferreira e Carmem Lúcia C. Amaral
Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química Plastics and their economic and environmental impacts in the chemistry teaching Marizete Barbosa da Silva, Anelise Maria Regiani e Aline Andreia Nicolli
A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente Construction and implementation of proposed themes of Chemical education: reflection on an activity in teacher formation Kátia Dias Ferreira Ribeiro, Karla Amâncio Pinto Field’s e Sandra Cristina Marquez Araújo
Relato de Experiência 01 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013
p. 34-44
O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida The Teaching of Quantitative Analytical Chemistry: a successful experience description Heloisa Helena J. Ferreira1 e Carmem Lúcia C. Amaral2 Resumo Neste trabalho analisamos o ensino de Química Analítica Quantitativa Experimental, especialmente as ações didáticas e suas contribuições para o desenvolvimento dos saberes, atitudes e valores do bacharel em química tecnológica. Trata-se de um estudo de caso de abordagem qualitativa e, com base nas observações, fizemos uma caracterização das práticas pedagógico‑didáticas empregadas nas aulas sobre volumetria de neutralização. Os dados foram organizados por categorização, enfatizando as ações de planejamento, as estratégias de ensino, o acompanhamento e a avaliação. Com base nos resultados encontrados, é possível evidenciar que as ações didáticas utilizadas no ensino dessa disciplina favorecem a aquisição dos saberes e atitudes como a conquista da autonomia e segurança. Palavras-chave: Ensino de Química Analítica; Ações didáticas; Atividades experimentais. Abstract In this work we analyze the quantitative analytical chemistry teaching, specially the didactic actions and it’s contributions to the knowledge, attitudes and values acquisition of the bachelor in technological chemistry. This is a qualitative study approach case, and based on the observations, it is made a characterization of the pedagogical-didactic practices used in volumetric neutralization classes. The data were organized by categorization, emphasizing the planning actions, teaching strategies, monitoring and evaluation. Based on these results, it is possible 1. Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG. 2. Universidade Cruzeiro do Sul – UNICSUL.
O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida
to show that the didactic shares used in this discipline teaching promote the acquisition of knowledge and the conquest of autonomy and security. Key-words: Teaching Analytical Chemistry; Didactic actions; Experimental activities.
1
Introdução
o comportamento interativo do professor e dos alunos, bem como acerca do espaço, do tempo e da
No desenvolvimento deste trabalho investi-
cultura em que esses comportamentos se manifes-
gamos as ações didáticas no ensino de Química
taram, e nos fundamentos teóricos apresentados e
Analítica Quantitativa e suas consequências na
por Candau (1992, 2009) sobre as ações didáticas,
formação profissional dos estudantes do bachare-
buscando uma interlocução com todos os dados
lado em Química Tecnológica. A química analítica
coletados na pesquisa.
quantitativa foi escolhida por reunir conhecimen-
Para Candau (1992), toda pro posta didática
tos de outras disciplinas, servindo de base para o
está impregnada, implícita ou explicitamente, de
desempenho profissional dos estudantes dessa área
uma concepção do processo de ensino-aprendiza-
do conhecimento. Trata-se de um pequeno recorte
gem. Para que esse processo seja compreendido,
das observações realizadas durante o 1º semestre
é preciso que ele seja analisado de modo que se
letivo de 2013, no laboratório dessa disciplina, no
articulem as dimensões humana, técnica e político-
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas
-social.
Gerais (CEFET-MG), mais especificamente no
Segundo Libâneo (2008), a didática investiga
episódio das aulas práticas sobre volumetria de
as condições e formas de ensino considerando os
neutralização.
fatores sociais, políticos e culturais que interferem
Para compreender o discurso do professor e
nas relações entre ensino e aprendizagem; esse
todas as ações e intenções presentes por trás desse
processo é capaz de traduzir os objetivos sociais e
discurso, era necessário conhecer o significado
políticos em objetivos de ensino, além de selecio-
da didática empregada e, a partir disso, identifi-
nar e organizar os conteúdos e métodos, estabele-
car quais os elementos impregnados no discurso
cendo conexões entre ensino e aprendizagem, bem
dão significado às suas ações didáticas. Como a
como regulando a ação didática.
temática norteadora desta pesquisa é a prática
De acordo com Mazza (1993), as ações didáti-
docente de sala aula, mais especificamente em um
cas constituem um conjunto de fatores ou elemen-
laboratório de Química, além desse conhecimento,
tos presentes na situação de sala de aula, em um
era necessário conhecer, também, as pesquisas
tempo e espaço determinado.
em classes bem-sucedidas e as pesquisas sobre o
Segundo Oliveira (1995), a situação geral da
ensino experimental de química analítica quan-
integração na sala de aula analisada deve ser des-
titativa, caso existissem. Assim, este estudo foi
crita e compreendida nos seus múltiplos significa-
ancorado nos pressupostos teóricos apresentados
dos que estão presentes na dinâmica de uma dada
por Libâneo (2008) sobre o objeto de estudo da
situação. Essa pesquisadora explica como ocorre
didática, por André (1992) e Oliveira (1995) sobre
essa integração e define a sala de aula como:
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
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O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida
Segundo Tardif (1991), o saber, na prática
[...] uma situação de atuação conjunta de professores e alunos- atores reflexivos- e que diz respeito à realização de um trabalho [...]. A interação desenvolve-se num dado contexto que interfere sobre ela e que envolve os aspectos de instalação temporal, física, institucional e educativa (p. 50).
docente, é apresentado como algo amplo, que envolve os conhecimentos, as competências, as habilidades e as atitudes do professor, representando, assim, um estilo de ensinar, expressando
Assim, para saber qual a contribuição da didática utilizada para esse ensino, é preciso conhecer a dimensão institucional na qual essa pesquisa estava inserida, de maneira a avaliar as condições e possibilidades de desenvolvimento das ações pedagógicas pretendidas. Para tanto, foi investigado: o curso, a disciplina, a professora, os alunos, as condições de infraestrutura do laboratório e as atitudes e valores adquiridos pelo bacharel em Química Tecnológica. Os químicos precisam compreender de forma crítica o mundo do trabalho e, para tal, o preparo dos professores pressupõe a capacitação para intervir na prática e na metodologia de ensino, com uma didática apropriada para formar cidadãos educados científica, tecnológica e ambientalmente e assim, preparados para o mundo do trabalho. Nessa perspectiva, é desejável que o professor consiga relacionar os conteúdos do estudo das tecnologias da indústria química e suas aplicações aos fundamentos dos métodos de análise química. Para isso, é necessário um saber pedagógico do conteúdo para que os conceitos científicos, princípios tecnológicos, leis e teorias sejam relacionados às produções químicas e ao controle de qualidade, propiciando a ligação da teoria com a prática. Mas o que são conteúdos do saber escolar? De acordo com Libâneo (2008): [...] São os conhecimentos sistematizados, selecionados das bases das ciências e dos modos de ação acumulados pela experiência social da humanidade e organizados para serem ensinados na escola; são habilidades e hábitos, vinculados aos conhecimentos, incluindo métodos e procedimentos e aprendizagem e de estudo; são atitudes e convicções, envolvendo modos de agir, de sentir e de enfrentar o mundo (p. 80).
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um saber ser e um saber fazer na ação do docente. Para Oliveira (1995), o saber didático deve ser entendido como um saber de mediação que trata de princípios, essencialmente metodológicos, do processo pedagógico escolar, entendidos à luz do estreito relacionamento entre conteúdo e forma, no contexto das condições concretas do trabalho didático, o qual possui sua expressão nuclear na sala de aula. Candau (2009) acredita que os professores têm criado um modo de atuar enfrentando toda diversidade e multiplicidade. Ainda, segundo André (1992), as pesquisas que analisam as práticas bem-sucedidas têm mostrado que o saber do professor vai sendo construído a partir de situações de trabalho que eles encontram e que orientam sua prática e que decorre de suas experiências, bem como do seu meio cultural, sua prática social, sua origem familiar e social, sua formação acadêmica. Portanto, os objetivos desta pesquisa foram verificar quais as condições desse ensino, especialmente as ações didáticas utilizadas e as implicações dessas ações, para a aquisição dos saberes, atitudes e valores necessários à formação desse profissional. 2
Procedimento metodológico Trata-se de uma pesquisa qualitativa, um estudo de caso, realizada por meio da observação da ação didática do professor e do comportamento dos alunos em interação durante as atividades práticas, no laboratório de Química Analítica Quantitativa. A especificidade dessas atividades práticas foi tratada levando-se em conta as dimensões sociais, culturais e institucionais que cercaram cada atividade desenvolvida no laboratório e
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O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida
os diferentes comportamentos dos alunos da turma
laboratório, as estratégias de ensino e acompanha-
avaliada. Era preciso questionar a importância
mento das atividades práticas desenvolvidas pela
desse ensino, seus desafios e suas vinculações aos
turma e as formas de interações sociais entre os
objetivos sociopolíticos que determinam a forma-
alunos e entre os alunos e a professora.
ção desejada para esse profissional. Segundo André (2005), o contato direto do pesquisador durante todas as aulas e, portanto, em
3
Resultados
todas as situações investigadas, possibilita descrever ações e comportamentos, analisar interações, compreender e interpretar linguagens e significados, mantendo-os dentro do contexto e das circunstâncias em que se manifestaram. As atividades práticas se desenvolveram em uma instituição pública de educação tecnológica com quatorze alunos do 6º período do curso de Química Tecnológica do CEFET‑MG, durante as aulas práticas de Análise Química Quantitativa, realizadas no primeiro semestre letivo de 2013.
Inicialmente, foi feita uma caracterização das práticas pedagógico-didáticas empregadas pela professora e, em seguida, para facilitar a análise, os dados foram organizados e registrados por categorização. Essa forma de organização foi ancorada nos referenciais teóricos que orientaram a escolha das categorias de análise, considerando as características específicas desse objeto de estudo. Essas categorias enfatizaram a questão-problema e os objetivos desta pesquisa: • Categoria 1: as ações didáticas explícitas;
Esse curso foi criado em 2006 para formar pro-
• Categoria 2: as ações didáticas implícitas;
fissionais preparados para atuação nos diferentes
• Categoria 3: as ações didáticas diante dos
campos da indústria e em centros de pesquisas. A
saberes profissionais demandados;
duração do curso é de quatro anos e meio ou nove
• Categoria 4: as ações didáticas diante das
períodos.
atitudes e valores demandados.
A disciplina de Química Analítica Quantitativa é ofertada, semanalmente, com quatro aulas teó-
O planejamento dessas aulas práticas compre-
ricas e três aulas práticas de laboratório nas quais
endia o estudo dos seguintes métodos de análise:
se trabalham os métodos gravimétricos e volu-
gravimetria de volatilização e precipitação; volu-
métricos de análise química. O laboratório inves-
metria de precipitação/métodos argentométricos
tigado tem uma área de 66m incluindo uma sala
Mohr e Volhard; volumetria de neutralização, de
de balanças. Sob as bancadas, existem armários
complexação e de oxirredução.
2
em número suficiente para todos os alunos e cada
No presente trabalho, o foco de estudo foi a
aluno se responsabiliza por um armário e toda a
análise das ações didáticas explícitas e implícitas,
vidraria existente, possibilitando desenvolverem
categorias 1 e 2, para a atividade prática incluída
suas atividades individualmente. A turma é divi-
na décima semana de aula. A professora esperava
dida em dois subgrupos, para haver, no máximo,
que as estratégias de ensino empregadas gerassem
12 alunos no laboratório por vez.
oportunidades para que o envolvimento dos alu-
Foram pesquisados e analisados os seguintes
nos nas atividades propostas e a aprendizagem dos
documentos: programa da disciplina, plano de
métodos e técnicas de análise química desenvol-
curso e planejamento das aulas. Para os registros
vidos, ao longo do semestre letivo, acontecessem
da prática pedagógica da professora, foram consi-
de alguma forma. Entretanto, em função das difi-
derados o conteúdo abordado, a infraestrutura do
culdades apresentadas pelos alunos nas avaliações
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O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida
feitas na nona semana de aula, a professora decidiu
orientando cada um. Essa conduta visava obter as
fazer uma intervenção e incluiu uma atividade que
condições ideais para o desenvolvimento do expe-
não tinha sido planejada. A professora repensou
rimento e a redução das possíveis fontes de erros,
todo o seu planejamento e decidiu incluir uma
além da aprendizagem.
prática simples com o objetivo de dar aos alunos
Como introdução ao estudo sobre análises volu-
uma oportunidade de desenvolverem uma análise
métricas, foi planejada uma atividade sobre o uso e
com a responsabilidade de emissão de um laudo,
a calibração das buretas. Nessa aula, a professora
sem um roteiro orientativo e considerando todo o
explicou, por meio de demonstração, sobre a utiliza-
conhecimento adquirido nas aulas anteriores.
ção das buretas e quais as soluções de limpeza mais
Antes de analisar as ações didáticas dessa
usadas. Ela distribuiu um cartão branco com uma
semana, é necessário apresentar uma análise geral
tarja preta, que funcionaria como cartão de contraste,
de todas as atividades desenvolvidas nas aulas ante-
para facilitar a visualização do menisco e a leitura
riores, por serem pré-requisitos indispensáveis para
do volume gasto numa titulação. Cada aluno recebeu
que a inclusão da nova atividade fosse possível.
um cartão com o seu nome gravado e foi informado
Observou-se que, em todas as aulas, a professora apresentava os fundamentos teóricos para os
de que deveriam guardá-lo para ser usado em todas as análises a serem realizadas durante a disciplina.
procedimentos práticos e explicava que os proce-
Na semana seguinte, o tema tratado foi volu-
dimentos tinham sido planejados de forma a gas-
metria de neutralização de sistemas complexos e
tar menores quantidades de reagentes e para gerar
a amostra escolhida foi um produto de limpeza
menores quantidades de resíduos. Em seguida,
desencrustante alcalino comercial. A professora
ela distribuía um roteiro das atividades práticas,
iniciou a aula dizendo que os alunos já conheciam
falava do objetivo da aula, da análise química a
os fundamentos da volumetria de neutralização e
ser realizada e chamava a atenção dos alunos para
o foco da aula seria a titulação de sistemas com-
o uso dos equipamentos de proteção individual e
plexos. A volumetria de neutralização por retroti-
do caderno de laboratório. Também discutia sobre
tulação foi tratada, posteriormente, analisando um
a quantidade de amostra a ser utilizada, explicando
fertilizante contendo cloreto de amônio.
e demonstrando a técnica de tomada das amostras
O Quadro 1 apresenta as categorias das ações
líquidas e sólidas, bem como os cuidados de como
didáticas explícitas e implícitas subdivididas em
medir, como diluir, como homogeneizar a solu-
subcategorias com as respectivas ações observadas
ção a ser analisada e, se fosse uma amostra sólida
nas aulas práticas para a determinação do teor de
heterogênea, como é a técnica do quarteamento.
ácido acético no vinagre.
Ela sempre fez o acompanhamento das aulas
As ações didáticas explícitas observadas em
questionando e relembrando o porquê de cada
cada subcategoria serão descritas incluindo, ao
procedimento, do ponto de vista químico, com-
mesmo tempo, as ações didáticas implícitas, visto
plementando as explicações com a fundamentação
que essas estão interligadas, perpassando por toda
teórica, chamando a atenção do que era preciso
a prática pedagógica do professor. Isso facilitará a
fazer em cada etapa do procedimento, corrigindo e
compreensão e análise delas.
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O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida
Quadro 1. Categorização das ações didáticas explícitas e implícitas. Categoria Ações didáticas explícitas
Ações observadas nas aulas sobre análise volumétrica para determinação do teor de ácido acético no vinagre
Subcategoria
Programação do conteúdo e planeja- A professora justificou que havia repensado todo o planejamento mento das atividades. das aulas práticas e decidido incluir “[...] qualidade analítica dos resultados”. Estratégias de ensino para o desenvol- Cada dupla recebeu um pacote enumerado contendo uma vimento das atividades. amostra de vinagre [...] Eles demonstravam satisfação por estarem desempenhando o papel de muita responsabilidade.
Ações didáticas implícitas
Acompanhamento e avaliação.
A professora interferiu [...] Assim, toda a equipe conseguiu compreender onde estava o erro.
Proposições
Inclusão de uma situação real: “Cada dupla de alunos representa uma empresa que recebeu uma solicitação de análise [...]”.
Estratégias de intervenção
Promoção de um momento de reflexão sobre as vantagens e desvantagens de se diluir uma amostra [...] para avaliar a escolha dos procedimentos mais adequados para redução dos possíveis erros.
Concepções sobre ensino e a aprendi- “Eu acredito que o aluno se sentirá mais seguro para fazer o zagem, avaliação e a crença na capaci- relatório depois que ele repetir os procedimentos práticos [...]”. dade de transformação social. “Ele precisa gostar de fazer relatório”. “As atitudes mais positivas e incentivadoras do gerente devem ser valorizadas”.
3.1
fabricante de vinagre. Ele pretende contratar o
Programação do conteúdo e planejamento das atividades
serviço de uma das empresas e por isso vai acompanhar o desenvolvimento dessa análise para
A professora justificou para os alunos que
avaliar a qualidade do trabalho de cada empresa
havia repensado todo o planejamento das aulas
para poder decidir qual delas será a selecionada.
práticas e decidido incluir uma análise simples na
Os aspectos a serem avaliados serão: organiza-
qual eles deveriam emitir um laudo técnico com
ção; higiene; boas práticas; uso de EPIs; trabalho
o resultado dessa análise, assinado por eles como
em equipe; celeridade; capacidade para resolver
responsáveis. Os procedimentos para a análise
problemas e a qualidade analítica dos resultados”.
seriam propostos por cada dupla e não seria distribuído roteiro prático como de costume. Eles utilizariam seus conhecimentos e habilidades adquiridas até o momento, além de observarem as normas técnicas legais específicas para a análise. Segundo ela, seria uma oportunidade para a tomada de decisões e solicitou aos alunos que se organizassem e planejassem as etapas da análise. Em seguida, ela distribuiu um texto contendo a solicitação da análise, a descrição do que é um fermentado acético e
Para facilitar os registros das observações, as equipes foram identificadas por números. Cada equipe recebeu um pacote enumerado contendo uma amostra de fermentado acético e a orientação de que todos os reagentes, as vidrarias e os aces sórios estavam disponíveis no laboratório e que eles deveriam procurar tudo o que necessitassem para a análise.
os parâmetros a serem analisados e simulou uma
3.2
situação real dizendo:
Estratégias de ensino para o desenvolvimento das atividades práticas
“Cada dupla de alunos representa uma empresa
As ações didáticas usadas pela professora
que recebeu uma solicitação de análise de um
como estratégias de ensino levaram os alunos a
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O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida
uma tomada de decisão sobre a sequência de ati-
sobre as vantagens e desvantagens desse proce-
vidades que eles julgassem mais adequada. Foi
dimento. Inicialmente, ela discutiu com as equi-
possível observar que cada equipe dividiu as tare-
pes 4 e 5, e cada aluno teve a oportunidade de se
fas para a realização da análise e, em seguida, os
manifestar antes de concluir sobre o melhor pro-
alunos se movimentaram por todo o laboratório
cedimento. Em seguida, a mesma discussão foi
procurando os materiais necessários para cada pro-
promovida com as equipes 1 e 2. A equipe 1 fez a
cedimento definido por eles. Nesse momento, um
diluição na proporção de 5:50 mL e a equipe 2 usou
deles disse: “O hidrogenoftalato de potássio deve
a mesma proporção, mas com os volumes 10:100
estar no dessecador”, demonstrando um conheci-
mL. A professora perguntou o que eles ganharam
mento adquirido nas aulas anteriores. De modo
diluindo as amostras. Caso a opção fosse não diluir
geral, as equipes se preocuparam em padronizar a
as amostras, qual volume de amostra seria consi-
solução de hidróxido de sódio e só depois cuidar
derado ideal. Eles concluíram que 2 mL seria um
da amostra de vinagre.
bom volume porque gastariam cerca de 15 mL da
A equipe número 1 trouxe para a bancada
solução titulante de hidróxido de sódio, utilizando
dois vidros de relógio contendo hidrogenoftalato
uma bureta de 25 mL. Mas a professora questio-
de potássio. A intenção era transferir cada massa
nou sobre a possibilidade de um erro relativamente
diretamente para o frasco do tipo Erlenmeyer cor-
maior ao se medir um volume pequeno como os
respondente e solubilizar com quantidade sufi-
2 mL e perguntou como eles fariam se tivessem
ciente de água destilada. Depois de algum tempo,
uma rotina com 50 amostras para analisar. Nesse
a equipe percebeu que, para diminuir as chances
momento, eles compreenderam a importância de
de erros, deveria ter feito tal procedimento ainda
avaliar a escolha dos procedimentos mais adequa-
na sala de balanças e que deveria fazer triplicatas
dos, considerando a vivência da prática profissio-
e não duplicatas de amostras, como planejado.
nal e, ao mesmo tempo, a preocupação com a redu-
A equipe 2 ficou parada, aguardando a liberação
ção dos possíveis erros.
das balanças para a medida das massas do rea-
A equipe 5 chamou a professora para discutir
gente padrão primário. A professora disse: “Vocês
sobre o resultado encontrado e para compreender
precisam ficar esperando? Vocês podem medir o
onde haviam errado. Eles não sabiam explicar o
volume das amostras de vinagre e, dessa forma, o
aparente erro de cerca de 10 vezes menor do que
trabalho vai sendo adiantado; vocês não acham?”
o valor esperado. A professora conduziu a realiza-
As bancadas de trabalho estavam muito orga-
ção dos cálculos, passo a passo, a partir do experi-
nizadas o tempo todo e as equipes foram desenvol-
mento executado para determinar a massa de ácido
vendo suas atividades com tranquilidade, trocando
acético em miligramas. Ela ficou aguardando
ideias sobre o que deveriam fazer e discutindo
enquanto eles faziam os cálculos. Em seguida, ela
sobre os cálculos. Eles demonstravam interesse e
foi acompanhando e questionando os resultados
satisfação por estarem desempenhando o papel de
encontrados em cada etapa relacionando com a
muita responsabilidade.
massa de amostra tomada. Nesse momento, foram
3.3
revistos os cálculos estequiométricos e enfatizado
Acompanhamento e avaliação
que essa é a base da análise química. A discussão
A equipe 3 optou por analisar a amostra pura
inicial foi sobre a diluição feita. Nesse momento,
de vinagre e as outras equipes diluíram a amostra.
ela pegou um balão volumétrico de 100 mL e foi
A professora promoveu um momento de reflexão
repetindo o procedimento adotado para a diluição
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O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida
dos 10 mL de fermentado acético, conforme a
ceu. Para isso, foram estabelecidos critérios para
equipe ia descrevendo. Assim, toda a equipe con-
a análise desses dados, permitindo relacioná-los
seguiu compreender onde estava o erro.
com os referenciais teóricos que fundamentaram
No final da aula, a professora fez uma breve
a pesquisa.
entrevista com cada equipe, separadamente, sobre
Ao analisar o papel da professora diante das
o trabalho desenvolvido na aula, destacando os
proposições e estratégias de intervenção utiliza-
pontos positivos e negativos da atividade proposta.
das, foram identificadas suas concepções sobre
Seguem os relatos de alguns alunos:
ensino e aprendizagem, avaliação e crença na
“Hoje tivemos mais confiança...” (Aluno A). “Planejamos
e
ganhamos
autonomia”
capacidade de transformação social. A professora acompanhava o trabalho de cada aluno, fazendo considerações sobre a técnica mais adequada. À
(Aluno B).
medida que percebia o desempenho de cada um,
“Sabemos o método, mas temos insegu
principalmente dos alunos que apresentavam mais
rança” (Aluno C). “Foi prazeroso, porque foi mais tranquilo e
procurava acompanhar mais de perto o trabalho, dificuldades. Ela interferia ajudando, corrigindo, orientando e elogiando os acertos de cada equipe.
por isso não foi cansativo” (Aluno D).
Nesse momento, o seu papel era de professora,
“Conseguimos maior autonomia e maior
cliente, avaliando o trabalho dos analistas.
confiança... É importante saber que eu consigo” (Aluno E). “Um dos pontos positivos foi a possibilidade de trabalhar em equipe, de organizar e de planejar as atividades” (Aluno F).
mas, em alguns momentos, ela exercia o papel de Segundo Mazzioni (2009), a atividade docente é caracterizada pelo estabelecimento das relações interpessoais com os alunos, de modo que o processo de ensino-aprendizagem seja articulado e que os métodos utilizados cumpram os objetivos a que se propõem.
E a professora perguntou: “Teve desafios?” A equipe 3 respondeu: “Sim, planejar cada etapa, pensar sozinho e
Para Libâneo (2008), para um estudo ativo, o professor precisa dar explicações, orientando sobre os procedimentos para a resolução de problemas, promovendo e incentivando o aluno para o estudo, e afirma ser necessário que:
tomar decisões”.
4
Análise dos resultados Segundo Bardin (2007), a organização e o tratamento dos dados são passos necessários para a compreensão e produção de conhecimento sobre o tema pesquisado. A análise dos dados coletados foi feita considerando as ações didáticas do professor nas condições em que esse ensino aconte-
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[...] o professor esteja atento para que o estudo ativo seja fonte de auto-satisfação para o aluno, de modo que sinta que ele está progredindo, animando-se para novas aprendizagens (p. 105).
Segundo esse pesquisador: o envolvimento do aluno no estudo ativo depende de que o ensino seja organizado de tal forma que as dificuldades tornem‑se problemas subjetivos na mente do aluno, provoquem nele uma tensão e vontade de superá-las (p. 95).
41
O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida
Nas observações das aulas práticas, ficou evidente que a estratégia de intervenção utilizada tinha a intenção de criar um ambiente agradável para que todos os alunos pudessem desenvolver suas atividades. Ela incentivava o trabalho em equipe e, ao mesmo tempo, propunha atividades diferenciadas para atender aos alunos em diferentes níveis de aprendizagem. As relações da professora com os alunos e entre os próprios alunos eram harmoniosas, e a existência de um clima de confiança era facilmente perceptível. O jeito alegre, entusiasmado e atento da professora para conduzir as atividades propostas tornava o ambiente ainda mais propício à aprendizagem. Os alunos se sentiam encorajados a fazer o procedimento utilizando a técnica que julgavam ser a mais acertada e se sentiam à vontade para pedir ajuda e explicações. Era evidente que as orientações da professora apresentavam uma intenção em incentivar e promover a confiança crescente dos alunos e uma satisfação à medida que eles conseguiam realizar a atividade proposta. Até suas brincadeiras tinham o mesmo propósito de fazer com que eles ficassem mais motivados e seguros para realizar uma análise. A participação ativa dos alunos nas aulas, assim como o interesse e envolvimento deles em todas as atividades, sinalizou que a ação de uma professora comprometida com os problemas da sala de aula e com as necessidades dos alunos pode contribuir para a construção de uma prática docente efetiva. Para ilustrar essa prática, destacamos a explicação dada pela professora na quarta semana de aula, quando, em particular, ela disse que os alunos não precisariam fazer relatório para aquela aula e completou dizendo: “Eu acredito que o aluno se sentirá mais seguro para fazer o relatório depois que ele repetir os procedimentos práticos e isso vai facilitar a elaboração do seu relatório. Ele precisa gostar de fazer relatório”.
42
[...] a prática pedagógica só se aperfeiçoa, por quem a realiza, a partir de sua história de vida e saberes de referência, das experiências e aspirações [e que] é na prática e na reflexão sobre ela que o professor consolida ou revê ações, encontra novas bases e descobre novos conhecimentos (Ribas, 2000, p. 62).
Foi possível perceber, ainda, a concepção da professora sobre ensino e aprendizagem quando ela, considerando uma oportunidade para aperfeiçoar sua prática pedagógica, fez uma entrevista com cada equipe de alunos sobre os pontos positivos e negativos da atividade desenvolvida. Da mesma forma, a sua concepção de avaliação foi identificada quando ela discutiu o resultado da avaliação com cada um dos alunos, acreditando que essa atitude contribui para a concretização da aprendizagem. Além do papel da professora, foi analisado também o contexto institucional em que atuou para saber se contou com o apoio pedagógico e de infraestrutura para o funcionamento das aulas práticas e as formas de organização do trabalho realizado no laboratório. Foi constatado que o laboratório em questão tem uma boa infraestrutura e conta com o apoio de um monitor para preparar as aulas práticas e para auxiliar o professor. Foi observada uma preocupação da professora com a organização e limpeza do laboratório. As razões desse ambiente propício ao trabalho escolar parecem estar relacionadas também à existência de um projeto político‑pedagógico, que estabelece os fins a alcançar com esse ensino e as estratégias para sua concretização. Esse clima parecia afetar positivamente o ensino e a aprendizagem, já que se notava uma grande disposição dos alunos em aprender. Ela cobrava dos alunos a organização da bancada e a postura profissional, repetindo sempre: “Se organizem, retirem o material do armário e preparem os materiais para análise. Tudo muito organizado. Separem o escritório do laboratório”.
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O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida
Outra dimensão estudada foi a instrucional,
aulas, procurou analisar amostras de substâncias que
incorporando uma análise da representação da
foram produzidas em outro laboratório da instituição,
professora sobre a sua própria prática, assim como
economizando recursos na compra dessas amostras
sobre a escola, o aluno e as empresas que os con-
e valorizando o trabalho desenvolvido por outros
tratam. Ficou evidente que a abordagem teórico-
alunos nas aulas práticas de Química Inorgânica.
-metodológica usada tinha como proposição uma
Quanto à crença na capacidade de transformação
prática escolar relacionada ao mundo do trabalho,
social, foram identificados indícios de ações preten-
tornando possível construir relações que se for-
didas pela professora, visando valorização profis-
mam no processo da aquisição dos saberes.
sional e aumento da auto-estima por parte dos alu-
Cunha (1995) afirma que:
nos, conforme constatados no próprio depoimento dela, por uma ocasião em que a turma foi dividida
Dialogar com a realidade resulta em competência técnica e científica, mas acima de tudo, ensina a pensar e a alcançar a independência intelectual, objetivo principal do processo educativo (p. 105).
em dois grupos e cada um tinha um gerente como responsável. Ela disse: “As atitudes mais positivas e incentivadoras do gerente devem ser valorizadas”. Foi possível perceber que as mudanças de
Segundo Haydt (2006), o planejamento didá-
atitudes foram se tornando visíveis ao longo do
tico é um processo mental que envolve a operação
semestre letivo e os próprios alunos relataram as
de analisar, refletir, definir, selecionar e estruturar
modificações em suas posturas durante as ativida-
o conteúdo para distribuí‑lo ao longo do tempo,
des individuais e coletivas. Essa evidência foi cons-
prevendo as formas de agir e organizar. Portanto, o
tatada quando a aluna da equipe 5 disse: “No início,
processo de planejamento da ação docente é o plano
cada um estava fazendo uma atividade e só depois
didático, que é um instrumento de referência; o pla-
a equipe seguiu unida e afinada. Foi uma oportuni-
nejamento dessas ações didáticas prevê as ações e os
dade para adquirir segurança e nós gostamos”.
procedimentos que o professor vai realizar com seus
Ficou evidente que os alunos gostaram muito
alunos e a organização dessas atividades visando
da atividade proposta pela professora. Alguns
atingir os objetivos educacionais esperados. O plano
disseram que ficaram felizes com o resultado, e a
didático terá vida própria no momento de sua execu-
professora também ficou satisfeita, pois percebeu
ção e ficará impregnado com a personalidade, habi-
que essa foi uma oportunidade de crescimento e
lidade e entusiasmo de cada professor. Nesse sentido,
aprendizagens significativas.
o planejamento de ensino ou didático é a especificação e operacionalização do plano curricular (p. 98).
Assim, uma preocupação demonstrada pela
5
Conclusões
professora ao planejar suas aulas foi a utilização
Este estudo possibilitou analisar a complexi-
proposital de amostras de produtos mais consumi-
dade da prática educativa porque levou em con-
dos no mercado, como soro fisiológico, fertilizante,
sideração todas as ações didáticas do professor e
água sanitária, produto de limpeza alcalino, vinagre,
o comportamento dos alunos, dentro de um labo-
dentre outros. Nessa oportunidade, os alunos emi-
ratório de Química Analítica Quantitativa de uma
tiram laudos com os resultados das análises. Outra
instituição de ensino tecnológico, em determinado
constatação do planejamento didático efetivo foi o
tempo, levando em consideração também o con-
aproveitamento de amostras produzidas localmente,
junto de fatores individuais e sociais que cada um
revelando, ainda, que a professora, ao planejar suas
trouxe consigo.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
43
O Ensino de Química Analítica Quantitativa: relato de uma experiência bem-sucedida
Os dados coletados permitiram concluir que a maneira como a professora planejou suas atividades de aula foi determinante para que seus alunos tivessem maior interesse nessas aulas. Outra constatação foi que o planejamento foi feito com muito critério, levando-se em conta o desenvolvimento da iniciativa e a capacidade dos alunos na resolução de problemas. Houve planejamento da atividade com a preparação prévia do material e a orientação clara aos alunos sobre a tarefa a ser realizada. Observando o comportamento dos alunos ao longo das semanas e, em especial, na semana em questão, foi possível perceber que o desempenho
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2007. CANDAU, V. M. (Org.). A didática em questão. Petrópolis: Vozes, 1992. CANDAU, V. M. Didática: questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Forma & Ação, 2009. CUNHA, M. I. A pesquisa qualitativa e a didática. In: OLIVEIRA, M. R. N. S. (Org.). Didática: ruptura, compromisso e pesquisa. Campinas: Papirus, 1995. p. 99-108.
deles na realização dos procedimentos analíticos
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havia evoluído. Eles estavam mais ágeis, mais
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seguros e confiantes. A organização e o funcio-
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namento do espaço do laboratório foi um importante fator que contribuiu para criar um ambiente mais apropriado e mais agradável, que favoreceu o aprender a trabalhar, estimulando a participação e a cooperação entre os alunos. Assim, com base nos resultados encontrados, é possível evidenciar que as ações didáticas utilizadas no ensino dessa disciplina favoreceram a conquista do conhecimento, da autonomia e da segurança por parte desses alunos, e seus desempenhos no laboratório lhes conferiam um sentimento de pertencer a um grupo de profissionais que serão
MAZZIONI, S. As estratégias utilizadas no processo de ensino-aprendizagem: concepções de alunos e professores de ciências contábeis. Universidade de Chapecó. In: CONGRESSO USP CONTROLADORIA E CONTABILIDADE, 9, 2009, São Paulo. Anais... São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.congressousp.fipecafi.org/artigos92009/283.pdf>. Acesso em: 12 set. 2013. OLIVEIRA, M. R. N. S. (Org.). Didática: ruptura, compromisso e pesquisa. Campinas: Papirus, 1995. OLIVEIRA, M. R. N. S. A reconstrução da didática: elementos teórico‑metodológicos. Campinas: São Paulo: Papirus, 2002.
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6
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
Relato de Experiência 02 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013
p. 45-57
Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química Plastics and their economic and environmental impacts in the chemistry teaching Marizete Barbosa da Silva1, Anelise Maria Regiani2 e Aline Andreia Nicolli3
Resumo Descreve-se, aqui, uma sequência de aulas de Química ministradas no ensino médio em uma turma do terceiro ano de uma escola pública. O plano de ensino foi construído através da perspectiva de abordagem de temas em aulas dialogadas. Durante o trabalho desenvolvido na escola, os discentes foram convidados a desenvolver várias atividades e, ao término de cinco aulas, responderam um questionário onde expressaram suas opiniões individuais sobre o tema, as aulas e a atuação da docente. Estas atividades e o diário do professor foram objetos de investigação através de uma abordagem qualitativa. Foi possível observar que a metodologia contribuiu na construção de um ensino mais significativo sobre os conceitos químicos relacionados com a temática dos plásticos, proporcionando aos alunos uma reflexão não só sobre como os plásticos revolucionaram a vida do homem moderno, mas, também, quais são as implicações ambientais, sociais e econômicas da utilização deste material na sociedade moderna. Palavras-chave: CTS; Meio ambiente; Abordagem de temas; Polímeros; Plásticos.
1. Licenciada em Química pela Universidade Federal do Acre. 2. Docente e pesquisadora no Centro de Ciências Biológicas e da Natureza, CCBN, da Universidade Federal do Acre, UFAC. Bacharel em Química com Habilitação Tecnológica pelo Instituto de Química de São Carlos, USP. Mestre e doutora em físico-química pela mesma instituição. 3. Docente e pesquisadora no Centro de Educação Letras e Artes, CELA, da Universidade Federal do Acre, UFAC. Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade do Contestado com mestrado em educação pela UNICAMP e doutorado em educação pela UFMG.
Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
Abstract We describe here a set of chemistry classes directed to students of the third year of a public high school. The teaching plan was built from the perspective of thematic approach and dialogue in class. During the classes, the students were asked to develop various activities and, at the end of five classes, they answered a questionnaire where they expressed their individual opinions about the subject, the classes and the performance of the teacher. These activities and the teacher diary were objects of a research through a qualitative approach. It was observed that the methodology contributed in building a more meaningful education about chemical concepts related to the theme plastic, allowing the students a reflection on not only how plastics have revolutionized the modern life, but also what are the environmental, social and economic implications on the use of this material in the modern society. Key-words: STS; Environment; Thematic approach; Polymers; Plastics.
1
Introdução Os discentes do ensino médio, em sua maioria, não gostam da disciplina de Química. Esse descontentamento pode ser decorrente do fato de os alunos não conseguirem relacionar a Química com suas vidas e contextos socioculturais. Por sua vez, a falta de relação entre os conteúdos de química e as situações do cotidiano pode ser um dificultador na atribuição de significados aos temas abordados e ser resultado da postura tradicional do professor, que ministra os conteúdos preocupado, exclusivamente, com a memorização de fórmulas, estruturas, classificações, regras e cálculos, desconsiderando a participação efetiva do discente no diálogo mediador da construção do conhecimento.
situações problemáticas e reais de forma crítica, permitindo ao aluno desenvolver capacidades como interpretar e analisar dados, argumentar, tirar conclusões, avaliar e tomar decisões (Brasil, 2002, p. 88).
Em outras palavras, o professor de química tem a função de auxiliar na formação cidadã do educando, relacionando os conceitos químicos com a realidade do aluno, favorecendo a sua compreensão em relação aos conteúdos abordados e ao exercício da cidadania. A educação científica deverá assim contribuir para preparar o cidadão a tomar decisões, com consciência do seu papel na sociedade, como indivíduo capaz de provocar mudanças sociais na busca de melhor qualidade de vida para todos (Santos; Schnetzler, 2003, p. 56).
Para além da simples memorização, o aprendizado de conteúdos de química deve acontecer de
Em situações de ensino e aprendizagem, o pro-
forma construtiva, favorecendo o desenvolvimento
fessor deve promover o diálogo em sala de aula,
de atitudes que vão muito além da sala de aula, nas
pois é através do processo dialógico que ocorre
quais o aluno possa usar o conhecimento constru-
a troca de conhecimentos a respeito do objeto de
ído enquanto cumpre o seu papel como cidadão.
estudo. Tanto o professor quanto o aluno detêm
Para que isso aconteça, é necessário que o ensino
conhecimentos e práticas, porém, o primeiro, con-
e a aprendizagem de química sejam sustentados no
forme o conhecimento científico sistematizado e o
desenvolvimento de competências e habilidades e
segundo, conforme seu senso comum (Delizoicov
sejam ministrados na escola em aulas que enfati-
et al., 2009). O docente precisa se apropriar do
zem a abordagem de
conhecimento que o aluno já tem, porque é a par-
46
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
tir dele que se deve iniciar o processo educativo
2
(Delizoicov et al., 2009; Freire, 1987). Ao proble-
Delineamento metodológico Este estudo foi desenvolvido no primeiro
matizar os conhecimentos dos alunos, que não são
semestre de 2013, como Trabalho de Conclusão
suficientes para explicar a questão proposta pelo
de Curso de Licenciatura em Química, em uma
docente, o professor suscita nos discentes o inte-
turma de 39 alunos de uma escola pública, em Rio
resse por se apropriarem de outros conhecimentos,
Branco, Acre, que acolhe alunos de diversos bair-
que, no caso, é o conhecimento científico. Assim
ros e de diferentes níveis sociais e culturais.
sendo,
O referencial teórico utilizado para constru-
Problematiza-se de um lado o conhecimento sobre as situações significativas que vai sendo explicitado pelos alunos. De outro, identificam ‑se e formulam‑se adequadamente os problemas que levam à consciência e necessidade de introduzir, abordar e apropriar conhecimentos científicos. Daí ocorre o diálogo entre o conhecimento, com consequente possibilidade de estabelecer uma dialogicidade tradutora no processo de ensino/aprendizagem das Ciências (Delizoicov et al., 2009, p. 197).
ção do plano de ensino foi a abordagem de temas (Santos; Schnetzler, 2003) em aulas dialogadas (Freire, 1987). Nesta perspectiva, foi elaborado um plano de ensino que contemplava cinco aulas de 50 minutos. Os recursos didáticos foram escolhidos pressupondo que deveriam estimular o aluno à pesquisa e à busca de novos conhecimentos. Assim, foram utilizados recursos como texto (Lana, 2006), vídeos (De Onde, 2010; Um Oceano, 2009; Documentário, 2012; Matéria, 2012) e
Mediante o exposto, este trabalho é um relato
experimentos (Sarquis et al., 1995; Marconato;
de experiência sobre o ensino de química por meio
Franchetti, 2002).
do desenvolvimento de uma sequência didática
Durante o trabalho desenvolvido na escola,
referenciada na concepção educacional do diálogo
os discentes do ensino médio foram convidados
(Freire, 1987) e na abordagem de temas proposta
a desenvolver várias atividades e, ao término das
pelo movimento Ciência, Tecnologia e Sociedade
cinco aulas, responderam a um questionário onde
(CTS) (Santos; Schnetzler, 2003). O tema esco-
expressaram suas opiniões individuais sobre o
lhido foi o estudo dos polímeros, com ênfase nos
tema, as aulas e a atuação da docente. Estas ativida-
aspectos que circundam questões sobre sua impor-
des e o diário do professor foram objetos de investi-
tância em no nosso cotidiano e seus impactos
gação através de uma abordagem qualitativa.
ambientais. A relevância do tema escolhido está no fato de os plásticos fazerem parte de nosso cotidiano,
3
Relato de experiência
estando presentes, de diversas formas, em nossas
Descreve-se, aqui, uma sequência de ensino,
casas, hospitais, escolas, indústrias e comércio,
desenvolvida em aulas de química que foram plane-
tendo se tornado um item indispensável na vida do
jadas conforme caracterização preliminar, e desen-
homem moderno. No entanto, ao longo dos anos,
volvidas sob supervisão do docente da escola. As
atribuiu-se aos plásticos o valor de grandes ini-
aulas foram desenvolvidas da seguinte forma:
migos do meio ambiente. Por isso, o estudo deste
Aula 1
tema se faz necessário porque ele permite que o
3.1
discente, em reflexões coletivas, pondere sobre o
Após a exposição inicial da temática e da meto-
uso e o descarte desses materiais.
dologia do conjunto de aulas proposto, foram fei-
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47
Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
tas cinco perguntas com o objetivo de avaliar os
primeiro uso, sem processamento adicional, como
conhecimentos prévios dos alunos, em termos de
nos exemplos citados pelo aluno: fabricar brin-
conteúdo de Química, e o que eles pensavam sobre
quedos alternativos e artesanatos. O processo de
o tema deste trabalho. Ao se perguntar por que os
reciclagem, segundo Santos e Mol (2010), começa
plásticos são considerados um problema ambien-
primeiro com o destino correto através da coleta
tal, somente dois estudantes responderam, indi-
seletiva. Posteriormente, os materiais são lavados,
cando que: (a) É porque o plástico demora muitos
triturados, fundidos e remodelados para se obter
anos para desaparecer do meio ambiente e (b) As
um novo material plástico (Albuquerque, 2000).
pessoas não têm consciência e jogam os plásticos
A outra resposta mostra a preocupação do aluno
nas ruas, nos esgotos, e é por isso que, quando
com a possibilidade de reciclagem e o seu des-
chove, muitos lugares da cidade alagam devido às
conhecimento de como fazê-lo, sugerindo que o
bueiras estarem entulhadas com tanto lixo, princi-
esclarecimento da população e o incentivo a esse
palmente na cidade de São Paulo.
procedimento ambientalmente correto deveria ser
Uma breve análise nos permite perceber que
política pública.
ambas as respostas concordam com a literatura
Ao comentar sobre os diversos tipos de mate-
(Santos; Mól, 2010): devido à durabilidade do
riais plásticos que fazem parte de nosso cotidiano,
plástico, seu consumo é em larga escala e ele pode
pediu-se que os alunos descrevessem o que per-
permanecer no meio ambiente por mais de 500
cebiam sobre as características dos plásticos.
anos; o descarte inadequado desse material pode
Mais uma vez, somente os mesmos dois alunos
levar à obstrução dos rios e córregos e à poluição
participaram, enquanto que os demais escutavam,
das águas, sendo que os animais que vivem nesses
quando não se distraíam com os outros colegas,
meios também são ameaçados, pois podem ingerir
sendo necessária a intervenção do professor da
os plásticos e se asfixiarem.
escola. Um dos alunos respondeu que os plásticos
Indagados sobre a possibilidade de os mate-
podem ser duros ou moles, o outro afirmou que
riais plásticos serem reciclados, e de que forma
existem diversos tipos de plástico, exemplificando
isso poderia ser feito, os mesmos alunos se mani-
com o copo descartável e a garrafa pet. A primeira
festaram e os demais estudantes da turma perma-
resposta remete a algumas características físicas
neceram somente como expectadores. As mani-
dos plásticos, a segunda exemplifica essas mesmas
festações apontaram na seguinte direção: (a) Os
características na utilização final para confecção
plásticos podem se reciclados sim, muitas pessoas
de objetos diferentes.
utilizam o plástico para fabricar brinquedos, arte-
A quarta pergunta tinha como objetivo saber se
sanatos e (b) Os plásticos podem ser reciclados
os alunos reconheciam a relação entre os termos
sim, mas o governo deveria fazer mais projetos
“plástico” e “polímero”. Para esta questão não foi
para incentivar as pessoas a terem essa iniciativa,
obtida resposta, o que pode indicar o não estabe-
deveria divulgar mais na televisão de como isso
lecimento de relações entre os dois termos pelos
poderia ser feito.
discentes. Mesmo sem a resposta da quarta ques-
Na fala de um dos estudantes percebe‑se a con-
tão, foi feita a seguinte, em que se pedia aos alunos
fusão comum entre as pessoas sobre os significa-
citar os polímeros que poderiam ser encontrados
dos dos termos reciclagem e reuso. A reutilização
naquela sala de aula. Mediante novo silêncio, a
pressupõe a utilização para uma segunda finali-
palavra “polímero” foi trocada pela palavra “plás-
dade de um material descartado após o término do
tico” e, mediante participação um pouco maior da
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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
turma, porém ainda pequena, citaram os objetos
matando-os. Após terem assistido o vídeo, apenas
caneta, computador, apagador, tênis, óculos, forro
um aluno expressou a sua indignação.
da sala e o suporte da luminária. Observa-se, então,
Questionados sobre os tipos de lixo que con-
que as palavras são múltiplas, mas os silêncios também
seguiram identificar no vídeo, contou-se com a
o são (Orlandi, 2007, p. 28), já que o silêncio, neste
participação de um grupo maior de alunos que res-
caso, estava indicando o não conhecimento/reco-
pondeu ter visto pneus, baldes, sacolas plásticas e
nhecimento do termo. Cenário que foi logo resol-
embalagens de xampus. A partir do vídeo, os alu-
vido com a simples substituição da palavra “polí-
nos foram provocados a novas reflexões sobre a
mero” pela palavra “plástico”. Neste caso, temos
quantidade e tipo de lixo produzido em suas casas,
o silêncio que significa, já que indica a ignorância
o destino do lixo e a responsabilidade individual
em relação à terminologia/linguagem científica.
sobre a situação de poluição ambiental apresen-
Sendo assim, aprender química pressupõe
tada. Sobre essa responsabilidade, um aluno res-
aprender a linguagem da Ciência, ou seja, a lin-
pondeu: “Todos nós temos culpa, porque as pes-
guagem científica verbal – oral e/ou escrita – ou
soas jogam lixo em todo lugar e, com as chuvas,
gestual – os movimentos, a interação com o outro,
esse lixo é levado para os esgotos, dos esgotos vão
a realização de experimentos, a interpretação e/ou
para os rios e de lá são despejados no mar”.
construção de modelos, as imagens, dentre outros.
A discussão foi finalizada pela docente na
A linguagem científica é uma ferramenta funda-
perspectiva de que os alunos refletissem sobre o
mental que permite a classificação, a decomposi-
fato de que a quantidade de lixo produzido, diaria-
ção, a explicação e a (re)construção de fenômenos
mente, nas residências é influenciada por muitas
que compõem o mundo.
variáveis, como o número de pessoas que moram
A professora enfatizou que o plástico é tão pre-
na casa, os hábitos de consumo e o poder aquisi-
sente em nossas vidas que em um pequeno espaço,
tivo da família. Continuando, foi proposta a refle-
como o da sala de aula, foram identificados, rapi-
xão que considerasse também o quanto, mesmo
damente, vários materiais de plástico. Também foi
que inconscientemente, cada um de nós tem par-
demandado que os alunos imaginassem a quan-
cela de culpa com relação ao lixo acumulado no
tidade de objetos feitos de plástico presentes nas
Oceano Pacífico. O comentário foi finalizado
casas, nos hospitais e nas indústrias, dentre outros
com uma nova questão: “Os plásticos apresentam
espaços.
somente desvantagens para o homem moderno?”
Após essas discussões, foi apresentado um
Diante desse novo questionamento, foi verifi-
vídeo de sete minutos intitulado Oceano de plás-
cado um aumento significativo da participação
ticos, a sujeira se acumulada no lixão do Pacífico.
dos alunos. As vantagens apontadas pelos discen-
O vídeo é uma reportagem veiculada na televisão,
tes relacionavam-se com a utilização de objetos
que denuncia a agressão do Oceano Pacífico pela
feitos de plástico como escova de dente, caneta,
humanidade. Levadas pela corrente marítima,
pneus, brinquedos e embalagens para alimentos.
toneladas de sujeira produzidas pelo homem em
As novas reflexões foram finalizadas quando a
diversas partes do mundo se acumulam em um
docente informou que o plástico substituiu muitos
lugar que já foi um paraíso. Os plásticos, mistu-
outros materiais na confecção de objetos de uso
rados ao alimento, confundem as aves e outros
cotidiano, como os baldes para carregar água.
animais que acabam se alimentando destes mate-
Na sequência, foi distribuído para os alunos o
riais, criando anomalias em seus organismos e/ou
texto: Polímeros e resinas sintéticas: um mundo
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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
sem plásticos hoje seria um pesadelo, de Carlos
no lixo, os conceitos de reciclagem e de coleta
Roberto de Lana (2006). O texto mostra a impor-
seletiva. São destacadas algumas falas dos alunos:
tância dos polímeros sintéticos, popular mente
“Os plásticos podem ser reaproveitados
conhecidos como plásticos, em nossas vidas. O
através da reciclagem”.
texto foi lido de forma compartilhada, com a par-
“Da mesma forma que se recicla o papel,
ticipação de vários alunos, e após a leitura, foram
o plástico também pode ser reciclado na
perguntadas aos alunos as percepções sobre o texto. De modo geral, os alunos expressaram ter
fabricação de novos produtos”.
gostado do texto e que “não tinham parado para
“É por isso que em alguns lugares existe a
pensar em como a presença dos plásticos é bas-
coleta seletiva separando o plástico e o papel”.
tante marcante no nosso dia a dia”.
“Reciclagem é o reaproveitamento de
A partir dessa leitura, começaram a relacio-
alguns produtos descartados no lixo para a
nar o termo “plástico” com o termo “polímeros”
fabricação de novos produtos”.
e observaram que existem diversos tipos de polí-
“Não se podem reciclar conjuntamente
meros. Foi, então, solicitado que citassem os dife-
todos os tipos de plástico; pelo fato de
rentes plásticos apontados no texto, ao que vários
serem diferentes não daria certo e o correto
alunos responderam prontamente. Após a discus-
é reciclar junto só os que forem iguais”.
são, foi questionado, novamente, o que seriam os polímeros. Baseados no texto, alguns alunos dis-
Encerrando a discussão, foi consenso que a
cutiram entre si e chegaram a um consenso de que
reciclagem é o reaproveitamento dos plásticos des-
polímeros são plásticos diferentes, com diferentes
cartados no lixo e que não se pode reciclar diversos
utilizações.
tipos de plásticos conjuntamente devido às dife-
3.2
renças de estruturas entre os tipos de polímeros.
Aula 2
Foi, ainda, explicitado que, se a reciclagem acon-
A aula foi iniciada relembrando o conceito de
tecer sem a separação dos diferentes plásticos, será
polímeros e questionando quem havia feito a tarefa
obtido um material de aplicações limitadas devido
de identificar os nomes dos polímeros no texto for-
às qualidades do produto final. Perguntou-se como
necido na aula anterior. Infelizmente, somente três
seria feita a separação dos plásticos, questão que
alunos responderam afirmativamente. O conteúdo
ninguém respondeu. Procedeu-se, então, à explica-
foi, então, sistematizado através da apresentação
ção sobre os códigos estampados em objetos plás-
de slides previamente preparados. A definição de
ticos a fim de orientar a reciclagem.
polímero foi retomada. Outros conceitos foram abordados, como reações de polimerização, estru-
3.3
Aula 3
turas químicas e funções orgânicas dos polímeros
Esta aula aconteceu no laboratório da escola.
identificados no texto. Optou-se por ensinar como
A experimentação no ensino de Química constitui
fazer o reconhecimento dos grupos funcionais nas
um recurso pedagógico importante que pode auxi-
moléculas, explicando que eles correspondem à
liar na construção de conceitos, além de despertar
parte da estrutura que determina as propriedades
a curiosidade e a motivação do aluno. A aula foi
químicas e físicas do composto.
iniciada com a explicação sobre a viabilidade da
Na sequência, foi iniciada uma discussão sobre
reciclagem dos plásticos dos pontos de vista da
o reaproveitamento dos plásticos após o descarte
economia e da preservação do meio ambiente. Foi
50
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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
explicado o que é coleta seletiva do lixo, com a
lato (PET), polietileno de alta densidade (PEAD)
separação e identificação dos diferentes materiais
e poliestireno (PS), respectivamente obtidos e
plásticos descartados. Explicou-se, também, que a
recortados de garrafas plásticas de refrigerantes,
separação pode ser possível empregando-se uma
embalagens plásticas de água sanitária e copos des-
das propriedades físicas do plástico: a densidade.
cartáveis. O foco desta atividade era utilizar a pro-
Ao serem questionados sobre qual seria o conceito
priedade física densidade para diferenciar os três
de densidade, responderam prontamente “que era
plásticos. O roteiro experimental foi lido junto com
a relação entre a massa e o volume de uma subs-
os alunos e todas as orientações de como proceder
tância”. Ao perguntar o que acontece com o mate-
na investigação foram dadas durante a realização
rial mais denso quando colocado, por exemplo,
do experimento. Diferentemente das outras aulas
na água, eles responderem prontamente que “iria
em que os alunos se silenciavam quando questio-
afundar” e que o menos denso “iria flutuar”.
nados, nesta aula mostraram‑se envolvidos, anima-
Para a aula experimental, os alunos foram divi-
dos e participativos com as observações. No final
didos em grupos de quatro, e cada grupo recebeu
do experimento, os resultados anotados pelos alu-
o roteiro do experimento (Quadro 1). Os grupos
nos foram discutidos e foi solicitado aos mesmos
de alunos receberam, ainda, amostras de cada um
que pesquisassem as estruturas dos três polímeros
dos plásticos em observação: polietileno terefta-
investigados no experimento e suas utilizações.
Quadro 1. Roteiro de experimento sobre a diferenciação dos plásticos por meio da densidade. Roteiro do Experimento “Plásticos são diferentes” Resumo: propriedades físicas são usadas para distinguir três plásticos disponíveis em embalagens de uso cotidiano: polietileno de alta densidade, polietileno tereftalato e poliestireno. Competências discentes a serem desenvolvidas: coleta e interpretação de dados e investigação. Materiais: (por grupo de 4 alunos) • 01 amostra de polietileno de alta densidade (PEAD); 01 amostra polietileno tereftalato (PET); 01 amostra de poliestireno (PS); 03 copos transparentes; 250 mL de água destilada; 250 mL de solução de sacarose; 250 mL solução saturada de cloreto de sódio. Para preparar a solução de sacarose pode-se dissolver 125g de açúcar em 250 mL de água e para preparar a solução saturada de cloreto de sódio pode-se dissolver 90 g de sal de cozinha em 250 mL de água. Procedimento experimental: 1. Investigue as propriedades físicas dos pedaços de plástico e registre as suas observações: a) Aparência visual (transparente ou translúcido, colorido ou incolor, brilhante ou fosco); b) Textura (escorregadia, lisa, rugosa); c) Flexibilidade (pode ser dobrado facilmente, permanece dobrado ou retorna a sua forma original, quebra quando submetido à dobra) e: d) O som feito quando cai sobre uma superfície sólida. 2. Determine a densidade relativa das peças de plástico para água, submergindo um pedaço de cada plástico e observando se irá afundar (mais denso) ou flutuar (menos denso). Se as peças de plástico não afundarem imediatamente, toque nelas levemente com um lápis. 3. Densidade relativa das peças de plástico para solução saturada de sal. 4. Substitua a solução saturada de sal por uma solução de açúcar e faça as mesmas observações. Anote tudo na folha de observação. Atividade: Pesquise as estruturas dos três polímeros, quais são as suas utilizações no cotidiano e suas densidades. Pesquise também as densidades das soluções de sal e açúcar. Relacione os valores das densidades encontrados com o experimento de flutuação realizado. Fonte: Experimento adaptado de Sarquis, Sarquis e Williams (1995).
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
3.4
foram abordados os conceitos de plasticidade e de
Aula 4
No início da aula, foi perguntado quem havia
estabilidade.
feito a pesquisa solicitada. Ninguém fez o traba-
Aula 5
lho. As estruturas foram, então, apresentadas e
3.5
discutidas. O objetivo desta aula era permitir que
Esta aula se iniciou com a explicação da ver-
os alunos reconhecessem que as propriedades dos
satilidade de uso dos polímeros. Para enfatizar o
plásticos estão diretamente relacionadas às estru-
uso desses materiais no cotidiano, foi utilizado
turas das macromoléculas e às interações entre
um experimento com polímeros superabsorven-
elas. Então, no processo dialógico, novas questões
tes (Quadro 2). Mesmo se optando pela metodo-
foram propostas.
logia do experimento demonstrativo, o mesmo foi
Questionou-se por que o ovo não gruda na fri-
conduzido através do processo dialógico, organi-
gideira de teflon e obteve-se a resposta: “É porque
zando o conhecimento científico com o auxílio
tem na panela um material que a reveste que não
de slides.
deixa os alimentos grudarem nela”. Indagou‑se,
Ao final, com o intuito de facilitar ainda mais a
então, porque o polietileno de baixa densidade
compreensão do tema estudado, foram apresenta-
(PEBD) pode se empregado em sacolas, enquanto
dos novos vídeos:
que o polietileno de alta densidade (PEAD) é
1. De onde vem – O plástico (De onde,
empregado em canetas. Após o silêncio dos alu-
2009). Este vídeo é uma animação apre-
nos, avaliou-se que a pergunta foi complexa, pois
sentada pelo canal TV Escola, na qual uma
eles ainda não tinham se apropriado do signifi-
criança muito curiosa procura entender
cado dos termos “alta densidade” e “baixa den-
a origem dos plásticos de forma prática
sidade” e, portanto, não conseguiriam relacionar
e bem humorada, resgatando a origem
essas definições com “sacola flexível” e “caneta
do plástico, sua aplicação, implicações
rígida”. Esse mesmo questionamento poderia ter
ambientais e descarte adequado;
sido feito de outra maneira, perguntando primeiro
2. Dois documentários sobre uma empresa
se eles achavam que o plástico da caneta é igual
que é pioneira no estado do Acre na fabrica-
ao plástico da sacola de supermercado. Mediante
ção de produtos reciclados a partir dos plás-
resposta negativa, poderia ser questionado por que
ticos (Documentário, 2012; Matéria, 2012).
(ou como) eles são diferentes, chegando-se a uma Após a apresentação dos vídeos, foi solicitado
resposta mais próxima da esperada. Foram apresentadas as estruturas dos polímeros
aos alunos escrever um texto dissertativo sobre a
envolvidos nas questões e foram explicados os con-
importância do descarte seletivo do lixo doméstico,
ceitos de polímeros de cadeia reta, ou de alta den-
tendo em vista o reaproveitamento dos plásticos.
sidade, e de polímero de cadeia ramificada, ou de
Este texto deveria ser entregue para o professor
baixa densidade, bem como as características e as
regente para uma possível avaliação aproveitada
utilizações de cada um. Também foram explicadas
no cronograma de avaliações da escola e serviria
as interações intermoleculares possíveis de exis-
como dado de análise da metodologia utilizada;
tir nos plásticos e as consequências destas intera-
infelizmente, o professor regente dispensou os
ções nas propriedades dos polímeros. Em seguida,
alunos dessa tarefa.
52
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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
Quadro 2. Roteiro de experimento com exemplo do uso cotidiano de plásticos. Roteiro do Experimento “Quanto de urina uma fralda pode absorver?” Resumo: Polímeros superabsorventes podem absorver uma grande quantidade de água em função da capacidade de formação de ligações de hidrogênio entre o polímero e as moléculas de água. Entretanto, na presença de sal, a absorção de água pelo polímero é diminuída. Competências discentes a serem desenvolvidas: Previsão, observação, interpretação de dados, investigação. Materiais: Balança de pequeno porte; 2 fraldas descartáveis tamanho “P”, copinhos descartáveis de café; 800 mL de água destilada; 800 mL de solução aquosa de cloreto de sódio (6g de sal de cozinha em 800 mL de água) com corante amarelo (para simular a urina do bebê). Procedimento experimental: 1. Determine a massa de cada uma das fraldas e anote; 2. Pergunta: Qual é a quantidade máxima de copinhos descartáveis com urina a fralda pode reter sem vazar? 3. Adicionar a “urina” (solução de sal de cozinha amarela) à uma das fraldas descartáveis até que ela não possa mais suportar a solução sem vazar. 4. Anote quantos copinhos de “urina” foram adicionados. 5. Pese a fralda e anote o valor final da massa de fralda com “urina”. 6. Pergunta: Imagine que, ao invés de urina, a fralda absorve água. A quantidade de água absorvida pela fralda é maior, igual ou menor do que a quantidade de urina retida? 7. Adicione água à fralda até que ela não possa mais suportar a adição sem vazar. 8. Anote quantos copinhos de água foram adicionados. 9. Pese a fralda e anote o valor final da massa da fralda com água. Atividade: Compare as quantidades de líquido absorvidas por cada fralda e comente as diferenças encontradas. Fonte: Experimento adaptado de Marconato e Franchetti, 2002.
4
Considerações sobre as aulas
fazia sentido ou não tinha importância e relevância desejadas. Por isso, segundo Orlandi (2009), mais
Inicialmente, deve-se chamar a atenção para
do que oferecer estratégias, é necessário permitir
o quanto o exercício da docência requer planeja-
que o aluno se aproprie dos mecanismos discur-
mento, competência técnica e comprometimento.
sivos, que ele tenha a possibilidade de ler como o
Uma das dificuldades encontradas na execução
professor lê. Assim, ele poderá usufruir da indeter-
da sequência de ensino foi a falta de interação e
minação e colocar-se como sujeito de sua aprendi-
o silêncio, que muitas vezes se instalaram na sala
zagem. Por isso, é importante que não percamos de
de aula. Ante o exposto, podemos dizer que nossos
vista o fato de que quando se diz algo, alguém o diz de
elementos de análise nos permitem constatar que a
algum lugar da sociedade para outro alguém, também
política do silêncio destaca que o dizer do indiví-
de algum lugar da sociedade, e isso faz parte da signifi-
duo esconde sempre outros dizeres, outros signifi-
cação (p. 26).
cados, um silêncio que atravessa as palavras, que existe
O fato de os alunos não realizarem as tarefas
entre elas, ou que indica que o sentido pode ser sempre
propostas como exercícios a serem resolvidos em
outro, ou ainda que aquilo que é mais importante nunca
suas casas (tarefa de casa) pode, segundo Orlandi
se diz (Orlandi, 2007, p. 14).
(1993), fazer parte das condições de produção do sen-
Apesar de planejar, revisar e tentar envolver o
tido, a circulação possível pelas diferentes formações
aluno, para alguns discentes, o tema tratado não
discursivas (p. 80). Havia em sala de aula dois possí-
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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
veis discursos: o professor regente e a professora-
alunos em relação assimétrica orientada para uma
-pesquisadora. Ao considerar que o sujeito não pode
finalidade preestabelecida, resultando na relação
ocupar diferentes posições: ele só pode ocupar o lugar
saber/não saber e poder/não poder. A explicação
que lhe é destinado para produzir os sentidos que não
para o insucesso nesta interpretação seria a de que
lhe são proibidos (p. 79) e que o lugar da professora-
o intercâmbio não ocorre porque as regras não
-pesquisadora foi conferido pelo professor regente,
foram cumpridas (Laplane, 2000).
podemos argumentar que o silêncio dos alunos é
Outra forma de interpretarmos o silêncio é na
um reflexo da postura do professor regente, a auto-
perspectiva utilizada por Laplane (2000) que com-
ridade que confere liberdade e censura à profes-
preende o silêncio como a falta de interação social
sora-pesquisadora. No jogo de papéis escolares, os
na sala de aula, em que as crianças não falam com
alunos conferirão ao professor estagiário o poder
o professor. Baseando-se nas ideias sobre o implí-
nos limites permitidos pelo professor regente.
cito e o pressuposto relativizamos o implícito na
Esses limites, no entanto, não são ditos, eles são
sequência “fala do professor – silêncio do aluno”
implícitos na postura e nas atitudes do professor
pela história que atravessa os recorrentes episódios
regente, às quais os discentes sabem conferir sig-
de silêncio do discente em questão, alegando sem-
nificado. Em diversos momentos, foi possível per-
pre um recomeço do “jogo interativo” proposto
ceber a falta de interesse do professor da escola em
pelo docente.
participar mais ativamente do trabalho proposto,
Na sala de aula onde a metodologia foi desen-
levando-o a atuar somente como mero espectador
volvida, não houve tempo para se estabelecer
no cumprimento de uma missão autorizada pela
afinidade e confiança entre aluno e professora
coordenação da escola. Ora, se a autoridade da sala
‑pesquisadora. Quando o professor não conhece
(professor) desenvolvia atitude passiva de especta-
os alunos, ainda não desenvolveu afinidade ou não
dor como esperar que seus subordinados (alunos)
despertou a confiança deles, os discentes ficam
atribuíssem valor ao discurso do visitante (estagi-
apreensivos e não respondem por medo de cen-
ário)? Apesar da aparente falta de interação entre
sura. Desta forma, o silêncio encontrado pode estar
a docente‑pesquisadora e os alunos, à medida que
relacionado à falta de compreensão das questões
as aulas foram se desenvolvendo, houve uma cres-
propostas, à falta de interesse pelo tema abordado,
cente participação dos discentes, principalmente
e também pode, nesse caso, estar relacionado ao
com o uso de vídeos e de experimentos.
começo de uma história de interação. Conforme
Na escola, a interação é vista como indicador
as atividades foram sendo desenvolvidas, os alu-
do sucesso ou do fracasso de propostas metodoló-
nos começaram a corresponder às expectativas da
gicas. Na sala de aula, o sucesso estaria marcado
docente-pesquisadora.
como a resposta dos alunos às solicitações docen-
A utilização de vídeos no ensino é interessante
tes da maneira esperada: verbalmente, realizando
porque a linguagem audiovisual desenvolve múlti-
tarefas e engajando-se nas atividades propostas. A
plas atitudes perceptivas: solicita constantemente a
resposta discente diferente da esperada indicaria
imaginação e reinveste a afetividade com um papel
fracasso. Laplane (2000) argumenta que a intera-
de mediação.
ção professor-aluno tem sido analisada do ponto de vista do jogo de papéis (posições sociais efetivas que os participantes ocupam na interação). Na escola, a situação de ensino envolve professor e
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O vídeo é sensorial, visual, linguagem falada, linguagem musical e escrita. Linguagens que interagem superpostas, interligadas, somadas, não separadas. Daí sai força. Somos atingidos
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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
por todos os sentidos e de todas as maneiras. O vídeo nos seduz, informa, entretém, projeta em outras realidades (no imaginário), em outros tempos e espaços (Silva et al., 2012, p. 190).
As atividades típicas de cientistas no laboratório em projetos de investigação, através dos quais podem formular hipóteses, preparar experiências, recolher dados e os analisar, favorecem fortemente a motivação dos estudantes, fazendo-os adquirir atitudes tais como a curiosidade, desejo de experimentar, acostumar-se a duvidar de certas informações, a confrontar resultados, a obterem profundas mudanças con ceituais, metodológicas e atitudinais (p. 102).
Da mesma forma, a experimentação no ensino de Química constitui um recurso pedagógico importante que pode auxiliar na construção de conceitos, podendo ser conduzida visando a diferentes objetivos, tal como demonstrar um fenômeno, ilustrar um princípio teórico, coletar dados, testar hipóteses, desenvolver habilidades de observação ou medição, adquirir familiaridade com aparatos, dentre outros (Ferreira et al., 2010). Entretanto, a
Além de ser protagonista do experimento, o ato de poder comunicar aos colegas as descobertas advindas da atividade diferente também impulsiona o aluno a novas habilidades, como a de comunicação.
maioria dos alunos tem dificuldades para utilizar o con-
Assim, segundo Francisco Jr. e colaboradores
teúdo trabalhado nas aulas experimentais em situações
(2008), a prática problematizadora faz‑se em todos
extraídas do cotidiano porque as realizam em um con-
os momentos, quer antes, durante e após o encon-
texto não significativo (p. 102). Ao elaborarmos os
experimentos utilizados nesta metodologia, nos preocupamos em aproximar a ciência Química aos fatos cotidianos dos estudantes, como entender a maneira com que as fraldas descartáveis absorvem a urina e por que separar os plásticos para a reciclagem. O aspecto motivador das aulas em laboratório foi revelado pelos próprios alunos nas respostas ao questionário de avaliação: “Ao realizar as atividades práticas, [a professora] conseguiu fazer com que os alunos se interessassem mais nas aulas e tivessem
tro com os estudantes. O diálogo, por sua vez, não é somente oral. É oral e escrito. O experimento, sua interpretação e expressão na linguagem científica deixam de ser propriedade do professor, devendo se tornarem objetos de incidência dos envolvidos no ato de conhecer. É nesse contexto que a experimentação torna‑se motivadora, aumentando seu potencial de desenvolvimento cognitivo. Os relatos dos alunos também permitiram notar uma aceitação maciça da metodologia utilizada, que facilitou o aprendizado, bem como o uso dos recursos de forma adequada.
mais atenção no conteúdo”.
“Os métodos foram bons, pois facilitou o
“Deveriam ser dadas aulas teóricas e em
entendimento do conteúdo”.
seguida a prática, ajudando na compreensão
“Houve conteúdo, ideias, atividades, prá-
do conteúdo, assim como a professora fez”. Um aluno ainda sugeriu:
ticas muito legais e que nos ajudaram a entender mais sobre o assunto”.
“[...] se desse um tema para cada grupo, e
“A metodologia que a professora usou foi
tentar fazer um experimento cada grupo,
perfeita para que eu tivesse um aprendizado”.
isso seria legal”.
“A professora proporcionou aos alunos ati-
Ferreira et al. (2010) argumentam que a expe-
vidades que ajudaram a perceber e distin-
rimentação com caráter investigativo pode motivar
guir tudo aquilo que foi explicado em sala
ainda mais os alunos, pois
de aula”.
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Os plásticos e seus impactos econômicos e ambientais no ensino de Química
“Relacionou a teoria e a prática favore-
marcado pelos ciclos da borracha. Assim, essa é
cendo a nossa compreensão”.
uma proposta que pode ser incorporada em futuros planos de aulas com enfoque em polímeros.
“Houve aulas diferenciadas que fizeram
Por fim, cabe destacar que a indicação dos
todos nós, alunos, nos interessarmos mais
alunos nos remete a pensar sobre o preconizado
em relação ao conteúdo ensinado pela pro-
nos PCN (1997) quando dizem que o Ensino de
fessora”.
Ciências deve ser acessível a todos; que o estudante
Vê-se ratificar nas falas dos estudantes o defen-
precisa vivenciar e entender os conceitos/conteú-
dido por Laburu e colaboradores (2003), no texto
dos da ciência; que o professor precisa considerar
Pluralismo metodológico no ensino de ciências,
a articulação da Ciência, Tecnologia e Sociedade;
quando dizem que
que os temas precisam ser flexíveis para abrigar as curiosidades e dúvidas dos estudantes; que os
o princípio último que procuramos deixar claro é de que quanto mais variado e rico for o meio intelectual, metodológico ou didático fornecido pelo professor, maiores condições ele terá de desenvolver uma aprendizagem significativa na maioria de seus alunos (p. 258).
alunos devem ser instigados a responder perguntas desafiadoras e que o ensino não se resuma à apresentação de definições científicas.
Outros aspectos destacados pelos estudantes
5
Consideração final
foram a percepção da importância da Química
O planejamento de aula requer uma profunda
no cotidiano e como as aulas dialogadas puderam
pesquisa e reflexão sobre o que devemos e como
facilitar a aprendizagem:
vamos ensinar, a fim de envolver o aluno com a sua realidade, gerando neles o desejo de adquirir
“Mostrou como a química pode ser cada
novos conhecimentos. O planejamento também é
vez mais importante na nossa vida”.
importante tendo em vista a contribuir na formação
“As aulas foram bem explicativas e me aju-
de cidadãos capazes de avaliar a realidade presente
daram a entender o que eu já conhecia”.
em suas vidas. Neste sentido, o tema desenvolvido neste trabalho mostrou-se um instrumento interes-
“As poucas aulas que tivemos com a pro-
sante, pois possibilitou ao aluno entender como
fessora foram muito interessantes, porque
relacionar a química com os plásticos, tão presen-
ela não ficou escrevendo no quadro, ela
tes e indispensáveis em nosso cotidiano, e com os
fazia uma aula bacana, a gente saia para
impactos gerados pelo descarte inadequado desse
fazer experiências, etc.”.
material no meio ambiente.
Dentre as sugestões apresentadas pelos discentes, podemos destacar a possibilidade de trabalhar com “os produtos que são feitos com borracha”. A temática dos polímeros dispõe de uma grande variedade de exemplos que podem ser significativos aos estudantes. O estudo das propriedades e do uso da borracha é muito interessante dado ao contexto histórico da ocupação do estado do Acre,
56
6
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Relato de Experiência 03 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013
p. 58-68
A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente Construction and implementation of proposed themes of Chemical education: reflection on an activity in teacher formation Kátia Dias Ferreira Ribeiro1 Karla Amâncio Pinto Field’s2 Sandra Cristina Marquez Araújo3 Resumo Este trabalho apresenta um relato de experiência, com reflexões, pautado na utilização do ensino por temas nas aulas de Química, realizado por alunos de Estágio Supervisionado de um curso de Licenciatura em Química. Há uma constante e interessante preocupação sobre o desenvolvimento dos estágios e como concretizar, positivamente, a interferência dos estagiários nas atividades educativas escolares. A pesquisa se caracteriza como qualitativa e, para a elaboração dos dados aqui apresentados, foram analisados, os projetos e Trabalhos de Conclusão de Curso desenvolvidos durante os anos de 2008 a 2010. Percebe-se que o planejamento e otimização dos projetos, apesar das dificuldades e obstáculos, permitiram uma melhor formação dos estudantes não só no sentido de desenvolvimento de capacidades e aprendizado em química e no campo pedagógico, mas, também, na aproximação dos mesmos às questões pertinentes à sociedade a qual pertencem e ao momento histórico em que vivem. Palavras-chave: Abordagem temática; Estágio supervisionado; Formação docente; Ensino de Química. 1. Professora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) – Campus Universitário de Sinop. 2. Professora do Instituto Federal Goiano (IFG) – Campus Itumbiara. 3. Professora do Instituto Luterano de Ensino Superior – ILES/ULBRA – Itumbiara.
A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente
Abstract This paper presents an experience report, with reflections, based on the themes teaching in Chemistry classes, performed by students of Stage on a Bachelor’s Degree in Chemistry. There is a constant and interesting thing about the stages of development and how to achieve a positive interference of trainees in school educational activities. The research is characterized as qualitative and to prepare the data presented the projects and the Course Completion assignments developed during the years 2008-2010 were analyzed. It can be seen that the planning and optimization of projects, despite difficulties and obstacles, allowed a better training of students not only towards capacity building and learning in chemistry and teaching in the field, but also in bringing these issues to the relevant society to which they belong and the historical moment in which they live. Key-words: Thematic approach; Supervised practice; Teacher training; Chemistry Teaching.
1
Introdução
apresentação dos conceitos sem uma aplicabilidade. Chassot (2004) defende que o conhecimento
Uma atividade presente em todo curso de for-
químico deve estar encharcado na realidade, desta-
mação inicial de professores é o estágio curricular
cando o papel social dessa ciência, orientação tam-
supervisionado, que tem o propósito de oportunizar
bém destacada nos documentos legais que balizam
o contato entre os conceitos estudados e seu desen-
a educação básica brasileira.
volvimento prático no espaço escolar. Percebe-se
Acrescentamos a isso a necessidade de contri-
uma constante e interessante preocupação sobre o
buir para a formação geral do alunado. As transfor-
desenvolvimento dos estágios e sobre como con-
mações que a química tem operado na sociedade
cretizar, positivamente, a interferência dos estagiá-
precisam ser levadas para a sala de aula. É respon-
rios nas atividades educativas escolares.
sabilidade dos educadores em química encontrar
Pimenta e Lima (2004) definem o estágio como uma atividade teórica de conhecimento, funda-
alternativas que favoreçam a divulgação da importância social dessa ciência (Chassot, 2004).
mentação, diálogo e intervenção na realidade (p. 45).
Lima e Silva (2007) afirmam que
Fundamentadas nessa definição, as discussões em
os conceitos e teorias científicas não têm valor em si mesmos [...] mas somente quando se tornam instrumentos que auxiliam a compreender o mundo em que vivemos [e ainda] estudamos/ ensinamos ciências para compreender coisas, processos, eventos do mundo natural e tecnológico em que estamos inseridos (p. 94-95).
torno das atividades desenvolvidas nos estágios apontam para o abandono da extrema valorização da técnica, da observação e da aplicação de modelos, necessitando, assim, da adoção de um posicionamento em que é valorizada a reflexão com base na realidade vivenciada pelo estagiário e a comunidade escolar.
Não podemos deixar de mencionar, aqui, que,
Durante as atividades desenvolvidas nos está-
algumas vezes, essa não simpatia à Química seja
gios, os acadêmicos detectam muitos problemas
questão cultural ou influência do meio. Tal afirma-
enfrentados pelos professores em suas aulas de
ção deve-se ao fato de que são trabalhados concei-
Química no Ensino Médio. Um dos mais citados
tos químicos com alunos do 1º ao 8º ano do ensino
é o desinteresse dos alunos no aprendizado dessa
fundamental sem que esses apresentem nenhuma
ciência. Esse desinteresse pode se dar devido à
rejeição, pois não relacionam aquele conheci-
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A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente
mento a nenhuma área específica, por estarem
desenvolvimento de atitudes de tomada de deci-
vislumbrados na tentativa de compreender certos
são dos estudantes. É necessário que as atividades
fenômenos e por ainda não terem sido contamina-
desenvolvidas em sala de aula e a temática contri-
dos com a suposição de que a química é difícil e
buam para que o aluno desenvolva sua capacidade
sem utilidade.
de construir e utilizar conhecimentos.
Dessa forma, os alunos estagiários são desa-
Essa proposta é reforçada por Lima, Aguiar
fiados a elaborarem propostas pedagógicas que
Júnior e Braga (1999) quando defendem que os
auxiliem na transposição dos desafios apontados.
alunos, muitas vezes, têm dificuldades em esta-
A orientação é que as propostas pedagógicas girem
belecer relações entre os conteúdos da ciência
em torno de uma abordagem de aspectos socio-
escolar e situações que fazem parte de suas vidas
científicos associados a temas sociais, que envol-
e acreditam que o tratamento descontextualizado
vam o cotidiano dos alunos, que sejam articulados
de problemas científicos dificulta a compreensão
com outras áreas de estudo, com a tecnologia, a
básica da ciência e de seus impactos na vida coti-
sociedade e o ambiente (CTSA) e possibilitem o
diana. Os autores propõem a organização de con-
desenvolvimento de habilidades e competências
teúdos do ensino de ciências em torno de temas
básicas da formação.
vinculados à vivência e existências dos estudantes.
Galvão, Reis e Freire (2011) apontam que o
É possível encontrar outros materiais que abor-
recurso a problemas atuais e relevantes, desperta
dam a utilização de temas no ensino de ciências. A
o interesse e a participação ativa dos estudantes e
busca por materiais elaborados, tendo em vista o
ainda auxilia no desenvolvimento de competências
bom desenvolvimento do ensino de Química, for-
necessárias à resolução de problemas e promove a
nece subsídios para o desenvolvimento de práticas
construção de uma ideia mais humana da ciência
pedagógicas adequadas a cada realidade em que o
e tecnologia. Faz-se necessário, também, promo-
professor está inserido.
ver um ensino de ciências que se comprometa em
Voltando e pensando na questão do processo
demonstrar que ela não é neutra e que está imbricada
formativo inicial dos licenciandos, questiona-se se
com os aspectos sociais, políticos, econômicos, cul-
estão sendo adequadamente formados para aten-
turais e ambientais (Santos; Mortimer, 2001).
der às expectativas com relação aos objetivos do
Um processo educativo dessa forma conduzido pode auxiliar na promoção da cidadania. Quando nos referimos à formação do cidadão, devemos lembrar que esta se refere à participação dessas pessoas na sociedade em que estão inseridas e para tal, faz-se necessário que elas disponham de informações vinculadas aos problemas sociais que as afetam e que exigem um posicionamento quanto à busca de soluções (Santos; Schnetzler, 1997).
ensino de ciências para a sociedade atual. Pimenta (2008) aponta que, espera-se da licenciatura que desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o ensino, como prática social lhes coloca no cotidiano (p. 18).
Ainda segundo os autores supracitados, o ensino
A formação inicial deve proporcionar, oferecer
voltado à formação do cidadão envolve, também,
base, alicerce para o desenvolvimento do trabalho
aspectos relacionados à ciência, tecnologia e socie-
docente e para o aprimoramento desse. Nesse sen-
dade. Assim, propõe a abordagem de temas sociais
tido, Imbernón (2011) enumera que a formação
como forma de estimular e criar condições para o
inicial deve
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente
dotar o futuro professor ou professora de uma bagagem sólida nos âmbitos científicos, cultural, contextual, psicopedagógico e pessoal, deve capacitá-lo a assumir a tarefa educativa em toda sua complexidade, atuando reflexivamente com a flexibilidade e o rigor necessários, isto é, apoiando suas ações em uma fundamentação válida para evitar cair no paradoxo de ensinar a não ensinar (p. 63).
em Química. Todos os trabalhos são frutos de interferências em salas de aula, por meio de abordagens temáticas. Os dados foram coletados pelo método de análise de conteúdo. Para Bardin (apud Caregnato; Mutti, 2006), a análise de conteúdo é: um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção [...] destas mensagens (p. 683).
Na formação inicial, os estudantes precisam desenvolver atividades que possam não só melhorar seus conhecimentos na área de referência, mas que oportunizem se envolverem com questões relacionadas à natureza da ciência e que vivenciem situações de aprendizagem diversificadas, que os auxiliem na reflexão sobre sua prática docente, quando profissionais, e na estruturação de estratégias de ensino que promovam a aprendizagem de seus alunos. Assim, este trabalho tem como objetivo apresentar um relato de experiência, com reflexões, pautado na utilização do ensino por temas nas aulas de Química, realizado por estagiários do curso de Licenciatura em Química do ILES/ ULBRA de Itumbiara-GO. Intenta-se, ao apresentar os relatos, poder contribuir com professores e futuros professores no planejamento de atividades em sala de aula. O trabalho dos estagiários se destaca por valorizar a ciência, promover o aprendizado e a formação integral dos estudantes, destacar o desenvolvimento tecnológico, alertar para a responsabilidade ambiental e apresentar situações e contextos em que o conhecimento químico é necessário. 2
Aspectos metodológicos
Esse método consiste, basicamente, em tomar posse dos dados coletados pelos diversos meios e, assim, partir para a análise e interpretação dos mesmos para no final elaborar as conclusões (Silva; Gobbi; Simão, 2005). Nos dois últimos semestres do curso de Licenciatura em Química do ILES/ULBRA ‑Itumbiara, são oferecidas as disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado em Química III e IV, durante as quais, os alunos elaboram e desenvolvem um projeto que norteará suas atividades de regência cuja avaliação dos resultados será apresentada no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). O projeto é desenvolvido na forma de minicursos oferecidos a alunos das três séries do ensino médio, compostos por seis encontros de quatro horas cada, totalizando 24 horas de atividades. Antes de executados, os projetos são apreciados por uma banca examinadora composta por professores de Química e de disciplinas didático-pedagógicas. A organização das aulas e dos conteúdos é feita com base no tema a ser trabalhado, sem a preo-
Para a elaboração dos dados aqui apresenta-
cupação de obediência à sequência dos conteúdos
dos, foram analisados os projetos e Trabalhos de
de ensino trazida na maioria nos livros didáticos.
Conclusão de Curso desenvolvidos, durante os
Porém, observam-se os conhecimentos necessá-
anos de 2008 a 2010, por alunos de Licenciatura
rios para a compreensão do tema e dos conteúdos
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A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente
apresentados durante as aulas. Deixa‑se de utilizar uma abordagem conceitual para se basear na abordagem temática que, segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2007), podem ser diferenciados conforme as definições a seguir:
3
Resultados e discussão O desenvolvimento de projetos de regência que envolvem minicursos no estágio em licenciatura em Química é visto como uma oportunidade de aprender fazendo, aplicando conhecimentos varia-
Abordagem temática: perspectiva curricular cuja lógica de organização é estruturada com base em temas, com os quais são selecionados os conteúdos de ensino das disciplinas. Nessa abordagem, a conceituação científica da programação é subordinada ao tema. Abordagem conceitual: perspectiva curricular cuja lógica de organização é estruturada pelos conceitos científicos, com base nos quais se selecionam os conteúdos de ensino (p. 189-190).
dos que vão desde a metodologia científica até as técnicas de ensino, perpassando pelos conteúdos específicos de Química, os fundamentos da educação e as teorias pedagógicas. É sugerido aos alunos que planejem um trabalho que se configure como desenvolvimento da prática pedagógica em que sujeitos e pesquisadores (estagiários) interagem na produção de novos conhecimentos – pesquisa-ação (Thiollent, 2000).
Para dar subsídios para a adoção dessa abor-
Os trabalhos iniciais do pesquisador nos está-
dagem, durante as aulas, são discutidos textos e
gios anteriores com o grupo de alunos podem sina-
obras que fundamentam a construção do projeto,
lizar a necessidade de interferência e de transfor-
que estabelecem reflexões sobre contextualiza-
mação do grupo (Pesquisa-ação crítica) e, algumas
ção, formação de professores, experimentação no
vezes, a interferência e a análise de necessidade de
Ensino de Química, materiais e recursos didáticos
transformação é previamente planejada sem a par-
no ensino de Química, normatização para proje-
ticipação dos sujeitos (Pesquisa-ação estratégica)
tos, métodos de Avaliação no ensino de Química
(Franco, 2005). Em ambos os casos, o pesquisador
e planejamento de atividades escolares (projetos,
acompanhará os efeitos de sua interferência e ava-
planos de aula e planos de ensino).
liará os resultados de acordo com os indicadores
Os projetos são construídos a partir das expe-
que estabeleceu no início do trabalho.
riências dos estagiários nas escolas, após a identi-
Diante do exposto, vê-se, então, a oportunidade
ficação das realidades, demandas, necessidades e
de o estagiário ampliar sua vivência pedagógica e
possibilidades de trabalho e do diálogo estabelecido
seus conhecimentos, propor alternativas criativas
entre a escola e a instituição de ensino superior.
e interessantes para os problemas do cotidiano
Durante a elaboração das aulas, tem-se o cuidado de utilizar recursos variados para o desen-
e, ainda, oportunizar ao aluno a possibilidade de ampliar seus conhecimentos.
volvimento do minicurso e para o processo ava-
Nessa tarefa, o estagiário é desafiado a propor
liativo. Geralmente, são utilizadas dinâmicas de
atividades pedagógicas diversificadas também em
grupo, recursos da informática, mapas conceituais
relação à avaliação. Lembrando, sempre, a neces-
e jogos.
sidade da abordagem dos conteúdos de maneira
Após execução do minicurso junto aos alunos
ampla, trabalhando não somente os conteúdos de
do Ensino Médio, os licenciandos iniciam a aná-
natureza conceitual, mas, também, os de natureza
lise dos resultados relacionados à aprendizagem e
procedimental e atitudinal conforme sugerem os
à prática pedagógica.
Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998).
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A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente
Quadro 1. Exemplos de projetos temáticos desenvolvidos Tema
Conteúdos ou assuntos abordados
Fertilizantes fosfatados como tema gerador de Propriedades físico-químicas dos fosfatos, separação de mistura, solubilidade, conhecimentos (Santos, 2008) pH e pOH, reações de neutralização, balanceamento de equações, teorias ácido-base, aspectos históricos, geográficos, ambientais e tecnológicos da produção e utilização dos fertilizantes e processos industriais. O estudo dos refrigerantes promovendo a A história da Química e da produção de refrigerantes, tabela periódica, teorias aprendizagem de Química (Santana, 2008) ácido-base, segurança em laboratório, parâmetros de qualidade de refrigerantes, preparação de solução, unidades de medidas, reações químicas, equipamentos de laboratório, fórmulas químicas, processo industrial e cidadania. As estrelas: uma viagem pela estrutura do áto- Modelo religioso e científico para a origem do universo; nucleossíntese primormo (Mendes, 2009) dial; partículas elementares; nucleossíntese estelar; fusão nuclear; moléculas orgânicas; planetas do sistema solar; ondas eletromagnéticas; espectro de luz; estrutura da matéria; curiosidades sobre o universo. O iogurte como temática para o estudo de Fermentação lática; teorias ácido-base; acidez e basicidade; classificação e proquímica: um aprendizado prazeroso (Tavares, priedade dos elementos; minerais; ligações químicas; vitaminas; lipídios; amino2009). ácidos e proteínas; polaridade e solubilidade das substâncias; transformações químicas; aspectos históricos e processo de produção do iogurte industrializado. Tatuagem: uma contextualização para o ensi- Tabela periódica; propriedade dos metais; conceito, formulação e nomenclatura no de Química (Carvalho, 2010). de sais; pigmentos inorgânicos; fórmulas químicas; abordagem histórica sobre a utilização de tatuagem; efeitos nocivos da tatuagem à saúde. Conhecendo as cavernas para desenvolver o Cavernas no Brasil; conservação das cavernas; formação das cavernas; teorias conhecimento químico (Machado, 2010). ácido-base; estudo dos sais; reações químicas; equilíbrio químico. O petróleo do pré-sal: os desafios e as possi- Formação e composição do pré-sal; formação e composição do petróleo; técnibilidades de contextualização do ensino de cas de extração do petróleo; tipos de misturas; métodos de separação de mistuQuímica (Santos, 2010). ras; soluções; solubilidade; cadeia carbônica; hidrocarbonetos; reações de combustão; poluição do ar e chuva ácida; reações químicas. A música como possibilidade para motivar a História da Música; elaboração de paródias; tabela periódica; ciclo da água; foraprendizagem em química (Silva, 2010). mação da chuva ácida; teoria ácido-base; isomeria; reações químicas; estados físicos da matéria, aspectos culturais. Vinho, um cálice de química: uma proposta História da Química e do vinho; Processo produtivo e composição química do para o estudo de conceitos químicos no ensi- vinho; Leis Ponderais; Processo de Fermentação; Segurança em laboratório; Funno médio (Lima, 2010). ções orgânicas.
Os temas que possibilitam a discussão de conhecimentos podem ser planejados a partir de
sujeitos da pesquisa, a estrutura da escola, o material de consulta disponível, dentre outros.
observações e leituras. As ideias podem surgir a
Os estagiários devem, nos seus projetos, tra-
partir de noticiários de telejornais, abordagem
balhar os conteúdos químicos e, ainda, contribuir
de filmes, leitura de revistas informativas, ou de
com a formação cidadã de seus alunos. Nesse sen-
divulgação científica, conversas na internet em
tido, incentiva-se o trabalho com questões regio-
função das atividades profissionais, consulta a
nais, históricas, sociais, econômicas e ambientais.
teses e dissertações, sites da internet, de observa-
No Quadro 1, são mostrados alguns temas e conte-
ções de realidades ou interesse pessoal por algum
údos trabalhados em sala de aula. Os estagiários, durante a execução do mini-
assunto. A escolha do tema é regida por fatores internos
curso, preocupam-se em avaliar a aprendizagem
tais como a afetividade do pesquisador com o tema,
de seus alunos, tendo ciência de que a avaliação
o tempo disponível para a pesquisa, a capacidade
é um elemento básico da pesquisa-ação e da ati-
intelectual do pesquisador e de fatores externos tais
vidade docente. O estagiário é orientado a avaliar
como a importância e a novidade do tema para os
a aquisição dos conteúdos conceituais, o domínio
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A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente
dos conteúdos procedimentais e o desenvolvimento de conteúdos atitudinais. Comumente, opta-se por técnicas de observação e análise das produções dos alunos. Em geral,
pesquisador em uma única pessoa, rompendo o preconceito de que quem faz pesquisa não conhece a realidade do professor (Cordeiro, 2010, p. 50).
os instrumentos utilizados são registros de fatos e
Nos momentos de discussão, os estagiários
casos, debates, resumos, trabalhos de síntese, reso-
comentam ainda que, para a proposta de trabalho
lução de exercícios e problemas, textos escritos,
com temas ser implementada durante todo o ano
diálogos, apresentações e participação em ativida-
na escola, é necessária uma maior disponibilidade
des lúdicas. Na escolha dos instrumentos, atenta-se
de tempo do professor para a preparação, que
para o número necessário de participantes, os recur-
exige leituras e comunicação com profissionais de
sos e o tempo disponível e os conteúdos a avaliar.
outras áreas para selecionar temas que possibili-
Algumas dificuldades são listadas pelos alunos
tem a abordagem de todo o conteúdo trabalhado no
estagiários, sendo essas relacionadas à sua própria
ano letivo e superar a cobrança para utilização res-
formação ou diretamente ligadas à escola ou sistema
trita do livro didático. Oliveira (2010) coloca que
educacional. De forma geral, os entraves e desafios listados pelos estagiários são: saber como se tornar familiar em um novo ambiente e ainda participar de um grupo (alunos, professores, coordenadores etc.) já estruturado; superar as resistências; construir sua proposta respeitando as condições físicas da escola, realidade da comunidade escolar e que faça parte
seria um desafio ensinar Química durante todas as aulas de forma contextualizada, sendo necessário para isso força de vontade e empenho, para buscar sempre novas tecnologias de ensino, abordando questões atuais do cotidiano dos alunos, resultando em um ensino inovador (p. 60).
da realidade dos alunos; trabalhar com a percepção
Faz-se justo destacar que todo o trajeto é
e ser capaz de reconstruir a proposta, caso neces-
acompanhado pelo professor orientador e pelo
sário. Oliveira (2010) relata, após suas experiên-
professor responsável pelas disciplinas que, além
cias, que pode-se perceber que a sala de aula é cheia
de fazerem as orientações pertinentes ao desen-
de questões que envolvem incertezas, conflitos, dúvidas,
volvimento do projeto e à redação do trabalho
questionamentos e o professor deve estar atento para
monográfico, incentivam os alunos a refletirem
resolver essas situações (p. 58).
sobre suas experiências. Além disso, há o estí-
Com relação às contribuições na formação do
mulo para que os licenciandos tenham competên-
pesquisador, em seu trabalho monográfico, uma
cia em relação ao conteúdo com o qual irão tra-
das estagiárias aponta:
balhar e saibam transformar o conteúdo científico
[...] vários aspectos podem ser apontados como relevantes, entre eles, o planejamento das atividades de ensino, a união da teoria e da prática, a organização dos horários, a escolha do recurso a ser utilizado, a adaptação ao clima da sala, a comunicação na sala de aula, reconhecer as dificuldades de aprendizagem, experimentação de técnicas e estratégias de ensino, reconhecer e testar suas teorias pedagógicas, entre outras contribuições. Cabe ressaltar, ainda, que a pesquisa em sala de aula permite unir professor
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em um conteúdo escolar de modo a ser aprendido pelo aluno conforme sugerido por Gonçalves e Gonçalves (1998). Cabe destacar que, apesar de este estudo apresentar uma análise de trabalhos desenvolvidos no final do curso de licenciatura, o desenvolvimento de práticas efetivas que contribuam para uma formação docente em química, que amplie a visão dos alunos sobre aspectos sociais, ambientais, políticos e históricos, ocorre durante todo o curso de
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A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente
formação, incentivando o licenciando a se atuali-
solicitado que o aluno realize uma leitura da vida,
zar e estar inteirado com as discussões e questões
do cotidiano da sala de aula sem estar capacitado
estruturais que envolvem a sociedade.
para tal. Naturalmente, o aluno terá dificuldade
Por vezes, é apontado, em trabalhos que anali-
em investigar questões relacionadas ao trabalho
sam as atividades nos estágios supervisionados, o
desenvolvido. Reforça-se, então, a necessidade de
distanciamento entre o que se é discutido nas dis-
um projeto de curso, coletivo, construído com um
ciplinas específicas de Química e as abordagens
olhar na formação do educador capaz de compre-
realizadas nos estágios. No caso em estudo, este
ender a teoria e relacioná-la à prática.
distanciamento é diminuído, pois os professores que atuam nos estágios também contribuem em disciplinas básicas do curso de Licenciatura tais
4
Considerações finais
como Química Geral, Química Orgânica, Físico-
Percebe-se que o planejamento e otimização
química, Química Analítica e as relacionadas aos
dos projetos, apesar das dificuldades e obstácu-
laboratórios. Os professores têm a preocupação em
los apontados pelos estagiários, permitiram uma
não só apresentar o que os alunos precisam saber
melhor formação dos futuros docentes. Isso ocorre
do conteúdo específico da área, no caso Química,
não só no sentido de desenvolvimento de capa-
mas como os conhecimentos foram construídos e
cidades e aprendizado em química e no campo
como devem ser abordados na educação básica.
pedagógico, mas, também, na aproximação dos
Há um interesse em discutir a transposição do
mesmos às questões pertinentes à sociedade à qual
conhecimento científico em conhecimento escolar.
pertencem e ao momento histórico em que vivem.
Vale colocar que, por outro lado, são observa-
Isso faz com que se crie um contexto que dá sig-
das, pelos professores formadores, dificuldades
nificado aos conhecimentos científicos e sinaliza
por parte dos estagiários, o que amplia nossas
a necessidade de construção mais adequada de
inquietações. Essas dificuldades estão relaciona-
outros conhecimentos.
das com a estruturação do pensamento e análise
A não obediência a uma sequência preestabe-
de sua prática docente, com a seleção das leituras
lecida e a uma hierarquia de conteúdos químicos,
e como realizá-las, com o levantar informações
ao se trabalhar com temas, permitiu a percepção
pertinentes e sua discussão em seus Trabalhos de
da complementaridade e interligação dos conheci-
Conclusão de Curso, sinalizando que, realmente,
mentos, características estas que são perseguidas
somente o conhecimento científico não é sufi-
no ensino de Ciências.
ciente para uma adequada formação do docente.
Confirmando que mudanças no processo de
Muitas dessas dificuldades podem e devem
ensinar interferem no processo de aprender, relata
ser trabalhadas durante a formação inicial do
‑se que os alunos do ensino médio sinalizaram uma
profissional. Fazenda (1991), apresentando uma
maior simpatia pela área da Química e um conse-
experiência em um curso de pedagogia, aponta
quente interesse e disposição na aprendizagem.
que, muitas vezes, na trajetória escolar dos alu-
Os desafios e obstáculos a serem superados
nos, inclusive no ensino superior, as atividades
devem ser reconhecidos, considerados e analisa-
de pesquisa consistem em cópias, realizam-se
dos e estão disseminados tanto no que diz respeito
leituras visando a um resumo (o que também não
à formação inicial do profissional quanto à estru-
é compreendido) sem saber como, nem por que
turação e concepções da unidade escolar, incluindo
resumir, pouca utilização da biblioteca, e depois é
os sujeitos nela envolvidos. Não acreditamos que
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A construção e execução de propostas temáticas no ensino de Química: reflexão acerca de uma atividade na formação docente
promovemos uma mudança já que essa depende de inúmeros fatores, mas trabalhos como o descrito podem contribuir para promover uma reflexão. 5
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Química Verde 01 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013
p. 69-82
A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso1 The environmental dimension and Green Chemistry in the initial training of Chemistry teachers: reflections of a study case Vânia Gomes Zuin2 RESumo O objetivo do artigo é discutir como a dimensão ambiental e, em especial, a Química Verde, se inserem na formação de estudantes de um curso de licenciatura em Química de uma Instituição de Ensino Superior pública, localizada no estado de São Paulo, Brasil. Por meio deste estudo de caso, buscou-se analisar a relação dessa dimensão com os aspectos científico, tecnológico e social do processo formativo. Entre outros aportes, utilizou-se a teoria crítica da sociedade para compreender a realidade observada. Foram considerados documentos oficiais, bem como entrevistas semiestruturadas com licenciandos, apoiadas na metodologia de grupo focal, e com docentes vinculados ao curso. Todos os textos foram analisados por meio da metodologia 1. Este artigo, baseado no livro publicado pela editora Átomo, intitulado A Inserção da Dimensão Ambiental na Formação de Professores de Química inaugura a seção “Química Verde” da Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ), que tem como objetivo principal ampliar as contribuições relativas à geração de novos conhecimentos neste campo. A autora é também a editora responsável pela seção. 2. Bacharel e licenciada em Química pela Universidade de São Paulo, Mestre e Doutora em Ciências (Química Analítica) pela Universidade de São Paulo, com estágio doutoral na Universitá degli Studi di Torino, Itália. Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Pós-doutora em Química pela Universidade de São Paulo e pelo Helmholtz-Zentrum für Umweltforschung, Alemanha, com apoio da fundação Alexander von Humboldt (AvH). Atualmente, é professora doutora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), junto ao Departamento de Química, credenciada ao Programa de Pós-graduação em Química e ao Programa de Pós-graduação em Educação. Integra o subcommittee on Green Chemistry da International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC).
A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso
conhecida como análise discursiva. Nesse sentido, as cinco categorias e subcategorias definidas anteriormente, verificadas e constituídas a partir dos materiais analisados foram: razão instrumental; o slogan e a sociedade do espetáculo; a formação docente em Química e suas trajetórias curriculares, sendo que essa última integra as subcategorias para além das grades do currículo e ambientalização: relações CTSA, ética e emancipação. Após a análise dos dados coletados, observou-se uma tendência crescente à ambientalização curricular para além do “esverdeamento” do curso investigado, embora haja várias dificuldades de ordens prática e institucional. Palavras-chave: Formação docente; Educação ambiental; Química verde. Abstract The purpose of this work is to examine how the environmental dimension and, especially, Green Chemistry, are included in the education of students in a licentiate course in Chemistry at a public Institution of Higher Learning located in the state of São Paulo, Brazil. Among other resources, the critical theory of society was used to gain an understanding of the observed reality. Official documents were considered, as well as semi-structured interviews, based on the focus group methodology, with licentiate students and with docents connected to the course. All the texts were analyzed using the methodology of text-based discourse analysis, which assumes premises that place it between the extremes of content analysis and discourse analysis. Considering this, the five categories and subcategories which have been defined, verified and made from documents and interviews, were: Instrumental reason; The slogan and the society of the spectacle; Teacher training in Chemistry and its curricular trajectories, the latter includes the subcategories: beyond the framework of the curriculum and the environmentalisation – STSE relationships, ethics and emancipation. After analyzing the collected data, a tendency was detected for increasing curricular environmentalization beyond the greening of the course under investigation, despite the existence of several institutional and practical difficulties. Key-words: Initial teacher training. Environmental education. Green chemistry.
1
esse curso (Brasil, 2001) quanto pela realidade
Introdução 1.1
escolar – procura se distinguir e criar uma identi-
Contornos e nuances do campo científico da Química
dade própria, diversa da do curso de bacharelado, a questão ambiental parece se mostrar reduzida,
A institucionalização da Educação Ambiental
fragmentada e nebulosa.
(EA), ou dimensão ambiental, em todos os níveis e
Essa fluidez, talvez, possa ser compreendida
modalidades de ensino tem se mostrado um desa-
em virtude das disputas internas que ocorrem no
fio urgente, especialmente para as instituições de
campo científico da Química, notadamente no que
Ensino Superior (IES) (Brasil, 2005). Tal desafio
se refere à questão ambiental. Bourdieu (1983),
não se restringe à ambientalização dos espaços
que considera o campo um sistema de relações
curriculares tradicionais, mas acaba por exigir a
objetivas entre posições adquiridas (espaço de
totalidade das práticas e políticas acadêmicas, a
jogo lutas concorrenciais), relaciona o monopólio
saber, ensino, pesquisa, extensão e gestão (Zuin;
da autoridade com o da competência científica, de
Farias; Freitas, 2009). Dada a especificidade da
tal maneira que os pesquisadores que com as capa-
formação docente em Química que – tanto imposta
cidades de falar, serem escutados e agir legitima-
pelas novas diretrizes curriculares nacionais para
dos por determinado grupo são capazes de imputar
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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso
as concepções que compõem o seu capital cultural
tada nesse caso pela Sociologia –, podem eleger a
como as mais valorizadas nesse campo científico.
concepção positivista como a adequada, seus res-
Nesse sentido, não há práticas científicas que pos-
pectivos capitais científicos. Adorno e, também,
sam ser caracterizadas como não interessantes,
Horkheimer (1991) não desconsideram a impor-
pois a própria existência e o funcionamento do
tância dos processos de quantificação dos dados
campo produzem e supõem formas específicas de
para o desenvolvimento das pesquisas científicas.
interesse.
Contudo, ambos os pensadores objetam o modo
Logo, quando uma problemática ambien-
como tais processos de quantificação são destituí-
tal aparece – necessitando ser diagnosticada,
dos de suas relações com a análise crítica dos fins
caracterizada e encarada – ela exige que o campo
com os quais são empregados.
se organize, explicitando quais são as vozes e pro-
A chamada teoria tradicional se esteia na razão
cedimentos autorizados no seu enfrentamento.
instrumental, ou seja, a forma como a racionali-
Porém, dada a complexidade das inter-relações
dade é instrumentalmente objetivada pressupõe
que constituem uma problemática dessa natureza,
a defesa de uma descrição neutra da realidade e
o seu enfrentamento exige a entrada de outros dis-
das relações humanas. Sendo assim, uma análise
cursos, plurais, provenientes de outros campos,
crítica das finalidades dos produtos engendrados
considerados pelo campo científico da Química,
pelos empreendimentos tecno‑científicos não faz
gelatinosos, uma vez que seus contornos e abran-
parte de sua pauta de discussão. Não por acaso, em
gências não parecem ser bem delineados.
situações limites, a razão instrumental flerta com
A definição do campo da Química de que certos
o totalitarismo.
campos científicos são mais gelatinosos já reflete
Em contrapartida, a possibilidade de emanci-
o interesse da imposição e, portanto, da suprema-
pação, que sustenta as bases da teoria crítica da
cia de um sobre outro. Assim, os capitais científi-
sociedade, parte da premissa de que a produção
cos dos representantes das denominadas Ciências
tecno-científica, enquanto construção humana,
Humanas podem até proporcionar certo prestígio
discute, de forma imprescindível, a gênese social
aos seus portadores, mas não são considerados
dos problemas, as situações reais geradas pela
capitais científicos institucionalmente legitimados.
influência das produções científicas e tecnológicas
Além disso, os limites gelatinosos que delimitam
e, principalmente, quais são as finalidades perse-
outro campo, por exemplo, das Ciências Humanas,
guidas por tais produções, especialmente aquelas
aos olhos do campo científico da Química são
que dizem respeito à formação de educadores em
identificados como tais porque não se funda-
tempos de crise socioambiental.
mentam em alicerces considerados sólidos, tais 1.2
como a previsibilidade, linearidade, mensurabilidade, controle das variáveis e neutralidade diante
As questões ambientais e a formação docente em Química
de fenômenos e fatos naturais investigados. Tais
Principalmente na década de 1980, em função
pressupostos, defendidos, com veemência, desde
dos muitos acidentes ocorridos em todo o mundo,
Comte, no século XIX, estruturaram a concepção
em especial em países periféricos, por exemplo,
positivista que serviria como modelo ou padrão
Seveso (1976), Bhophal (1983) e Cubatão (1976-
definidor do empreendimento científico.
1985), criou-se uma série de medidas de controle
Segundo Adorno (1986), não só as Ciências
e regulamentação do funcionamento de empresas
Naturais, como também as Humanas – represen-
químicas, o que eclodiu mais recentemente em ini-
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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso
ciativas de prevenção de poluição e gestão mundial dessas indústrias e suas cadeias produtivas, caso do programa de atuação responsável e de certificação como a série ISO 14000 (International Organization for Standardization) ou a EMAS (Eco Management and Audit Scheme) (Correa; Zuin, 2009). No bojo destes acontecimentos, uma nova filosofia, com relação ao processo de obtenção e uso de produtos químicos, bem como a formação de profissionais dentro de tal enfoque, começou a ser gestada em instituições (como universidades e centros de investigação) e órgãos de normatização, sendo a mais proeminente conhecida como Química Verde, lançada nos anos 90 pela Agência de Proteção Ambiental Estadunidense (USEPA), em colaboração com a Sociedade de Química daquele país (ACS) e o Instituto de Química Verde (GCI). A Química Verde, movimento difundido de maneira mais pronunciada por Paul Anastas e John Warner, também é conhecida como Química limpa, Química ambientalmente benigna ou Química sustentável. De acordo com seus principais fundadores, a Química Verde pode ser definida como
dáveis; 11. Análise em tempo real para a prevenção da poluição; 12. Química segura para a prevenção de acidentes (Anastas; Warner, 1998). Ou seja, objetiva-se a redução do risco por meio da minimização ou mesmo eliminação da periculosidade associada às substâncias tóxicas, em detrimento da restrição de exposição às mesmas. Idealmente, por almejar nada menos que a perfeição e máxima eficiência sistêmica, a aplicação dos seus princípios promoveria a passagem da abordagem tradicional de comando e controle à prevenção de poluição, tornando desnecessárias a limitação da exposição aos poluentes e as remediações de ambientes impactados. No início dos anos 2000, a União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC) aprovou a criação do Subcomitê Interdivisional de Química Verde e, com o apoio de setores industriais e governamentais, também tem premiado vários pesquisadores a cada ano, promovido eventos internacionais e editado várias obras (livros e revistas)
a criação, o desenvolvimento e a aplicação de produtos e processos químicos para reduzir ou eliminar o uso e a geração de substâncias nocivas à saúde humana e ao ambiente (Anastas; Warner, 1998, p. 11).
sobre o tema. No Brasil, os conceitos da Química Verde começaram a ser difundidos há cerca de cinco anos no meio acadêmico, governamental e industrial. Os poucos grupos de pesquisa que têm
Nesse sentido, são os doze princípios da Química Verde: 1. Prevenção; 2. Economia de átomos; 3. Reações com compostos de menor toxicidade; 4. Desenvolvimento de compostos seguros; 5. Diminuição do uso solventes e auxiliares; 6. Eficiência energética; 7. Uso de substâncias renováveis; 8. Evitar a formação de derivados; 9. Catálise;
72
10. Desenvolvimento de compostos degra
dado impulso à Química Verde, vinculados, principalmente, a universidades, em geral têm realizado encontros destinados aos estudantes universitários, bacharéis e licenciados em Química e áreas correlatas (Escolas de Verão). No final de 2007, ocorreu o primeiro Workshop Brasileiro sobre Química Verde em Fortaleza, onde foi anunciada a instalação da Rede Brasileira de Química Verde, que pretende ser o elemento institucional de promoção das inovações tecnológicas para as empresas nacionais, com o apoio da comunidade científica e o suporte das agências governamentais. Muitas
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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso
outras iniciativas como a realização de minicur-
tos mais reduzidos, não há, em geral, uma discus-
sos, olimpíadas (Seção Regional de São Paulo da
são do paradoxo existente quando a noção de pre-
Associação Brasileira de Química, 2010), publica-
venção de poluição significa apenas a promoção
ção de livros e artigos e organização de eventos,
de alternativas menos perigosas de se realizar as
como a 4 International IUPAC Conference on
mesmas coisas. Ou seja, o discurso da Química
Green Chemistry em 2012 (Foz do Iguaçu, Brasil),
ambientalmente correta, ou verde, parece portar
dentre outras ações, contribuíram para difundir os
a crença de que se houver o desenvolvimento de
pressupostos da Química Verde em variados seto-
novas rotas sintéticas ou compostos químicos inó-
res do país nos últimos anos (Correa; Zuin, 2009;
cuos ao ser humano e ao ambiente, teríamos a con-
Correa et al., 2013).
dição de, se não resolver, pelo menos minimizar
th
todos os riscos existentes.
Ainda assim, apesar de todo o esforço realizado para a delimitação conceitual da Química
De acordo com a literatura, a concepção de
Verde, Steinhäuser e colaboradores (2004) alertam
sustentabilidade ambiental presente no movimento
para o risco de este conceito se transformar em um
da Química Verde é ainda pouco controversa
slogan, pois diversos grupos sociais podem reivin-
para os membros da comunidade química, muito
dicá-lo para o atendimento aos seus respectivos
ligada a uma visão preservacionista/recursionista
interesses, bem como usá-lo como um argumento
do ambiente (Sauvé, 2005). Logo, a análise das
em conflitos políticos sem explicar por que suas
compreensões sobre questões ambientais e suas
ações podem ser classificadas como sustentáveis
relações com a Química Verde, expressas no currí-
ou verdes. A reivindicação imediatista do conceito
culo e discurso dos envolvidos em um curso licen-
de Química Verde pode muito bem se metamor-
ciatura em Química de uma IES pública do estado
fosear em um slogan propagandístico, sobretudo
de São Paulo, pode ser relevante e contribuir com
quando o compreendemos inserido na chamada
a área de Educação Química. Por se caracteri-
sociedade do espetáculo.
zar como um estudo de caso (André, 2008), pois
Não podemos negar as benesses geradas pelo
envolve uma situação ou instância em movimento
desenvolvimento científico e tecnológico, como
que importa ser investigada em um amplo período,
aquelas propiciadas pela Química Verde. Vale
dada a sua singularidade e potencial para extra-
lembrar a promessa contida na origem da produ-
polações, a pesquisa possibilita a produção e cir-
ção científica, de atenuar o desgaste físico, com-
culação de novos conhecimentos acerca de uma
batendo a miséria material autêntica, como colo-
problemática emergente em nosso país, a saber: os
cado por Beck (1998). Porém, o solapamento dos
sentidos da inserção da dimensão ambiental e de
recursos naturais não pode servir como mola pro-
processos e produtos verdes na formação inicial de
pulsora para o incremento das forças produtivas
professores de Química.
representadas, nesse caso, pelo empreendimento tecno-científico predatório. Podemos constatar que há poucos estudos
2
Metodologia da pesquisa
voltados à formação de profissionais do campo
Para entender em que medida as concepções
da Química que se ocupem da discussão de sua
sobre a dimensão ambiental e a Química Verde
dimensão ambiental, normalmente compreendida
determinam a formação inicial de professores,
como a gestão de resíduos (Zuin, 2011). Mesmo
a análise documental foi realizada, de materiais
quando essa dimensão no campo é vista sob aspec-
como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso
Formação de Professores da Educação Básica, em
as vozes daqueles que constroem o currículo pra-
nível superior, curso de licenciatura, de graduação
ticado nesse caso particular, mas que, também,
plena; Diretrizes Curriculares para os cursos de
acreditamos refletir, em maior ou menor extensão,
Química, bacharelado e licenciatura plena; Plano
o que pode ocorrer em outras instituições brasilei-
de desenvolvimento institucional; Perfil do pro-
ras que se ocupam da formação inicial docente no
fissional a ser formado; Perfil do profissional e
campo da Química (Alves-Mazzotti, 2006).
habilidades a serem desenvolvidas na licenciatura em Química; Projeto pedagógico e estrutura curri-
3.1
Razão instrumental
cular do curso de licenciatura em Química da IES
No que diz respeito às diretrizes curriculares
de interesse. Foram, também, efetuadas entrevis-
nacionais para os cursos de Química (Brasil, 2001),
tas semiestruturadas com licenciandos e docentes
estão descritas as especificidades de cada um dos
da IES, vinculados ao referido curso no período
perfis do bacharel e do licenciado do campo:
de 2005 a 2009, com o propósito de investigar as representações e práticas destes sobre a inter-relação da dimensão ambiental e as temáticas científica, tecnológica e social. Os documentos e entrevistas foram analisados por meio da metodologia conhecida como análise discursiva (Moraes; Galiazzi, 2007). Houve, também, a observação das práticas dos licenciandos e/ou outros indivíduos em aulas teóricas e experimentais, em reuniões de grupos de pesquisas, dentre outros contextos pertinentes. Com base nos instrumentos descritos, foi adotada a abordagem qualitativa como metodologia de investigação (Alves-Mazzotti; Gewandsznajder, 2001; Bogdan; Biklen, 1994). Como destacado por André (2008) e desenvolvido neste trabalho, o estudo de caso pode ser escolhido porque existe
O Bacharel em Química deve ter formação generalista, com domínio das técnicas básicas de utilização de laboratórios e equipamentos, com condições de atuar nos campos de atividades socioeconômicas que en volvam as transformações da matéria; direcionando essas transformações, controlando os seus produtos, inter pretando criticamente as etapas, efeitos e resultados; aplicando abordagens criativas à solução dos problemas e desenvolvendo novas aplicações e tecnologias. O Licenciado em Química deve ter formação generalista, mas sólida e abrangente em conteúdos dos diversos campos da Química, preparação adequada à aplicação pedagógica do conhecimento e experiências de Química e de áreas afins na atuação profissional como educador na educação fundamental e média (p. 4, grifos nossos).
um interesse em conhecer, em profundidade, uma
É interessante observar que, tanto o bacharel
situação específica. Ou seja, significa compreen-
quanto o licenciado, de acordo com essas diretri-
der a unidade de interesse e seu contexto de produ-
zes, devem ter formação generalista, mas há uma
ção, suas inter-relações enquanto um todo orgânico
diferença bastante significativa: o professor deve
[e a sua] dinâmica como um processo, uma unidade em
ter tal formação desde que seja sólida e abran-
ação (p. 24).
gente. Nesse momento, caberia a questão: por que essa advertência em relação à solidez é feita ao
3
licenciado e não ao bacharel? Será que a licencia-
Resultados e discussão
tura é vista como um curso flácido, líquido, daí a
Cada uma das categorias emergentes e/ou esta-
necessidade de se enfatizar uma maior concretude
belecidas a priori nos possibilita perceber a tes-
que lhe substancie? Os termos utilizados parecem
situra da realidade investigada, seus contornos e
induzir o raciocínio de que não se exige solidez da
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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso
formação no bacharelado porque seria redundante,
veis, sendo este último tratado como algo externo
uma vez que esse curso já possui, aprioristica-
à Química, um objeto a ser estudado ou um local
mente, fundamento e firmeza, garantindo a segu-
problemático a ser remediado por meio de todo o
rança desejada aos que optam por esta carreira.
conhecimento químico, ou seja, trata-se de uma
Na leitura do plano pedagógico do curso em
relação, ainda, instrumental. De acordo com Sauvé
questão, com relação à concepção da dimensão
(2005), estes discursos observados no projeto peda-
ambiental, observa-se o anúncio de que,
gógico, que concebem e promovem a ação educa-
no ensino de química, a prioridade não deve ser apenas o conteúdo historicamente acumulado pela humanidade, mas sim tudo o que se refere ao indivíduo enquanto cidadão numa sociedade com grandes transformações, pois a Química é uma ciência êssente em nosso cotidiano e que tem implicações no contexto político, social, econômico e ambiental (Projeto Pedagógico IES-SP, 2004, p. 16, grifos nossos).
Porém, logo a seguir, fica explícita a ideia de que uma das grandes tarefas da ciência Química se relacionaria à “busca de soluções para os problemas ambientais”. Trata-se de uma postura que não questiona, a fundo, a forma, o meio e os fins deste campo do conhecimento. Segundo este documento, A Química proporcionou progresso, desenvolvimento e bem estar para a vida das pessoas. Porém, a idéia que algumas pessoas têm da Química é distorcida da realidade e apenas serve para depreciar essa ciência, (dado que) tudo que se relaciona com a química é algo ruim e negativo. Esse pensamento preponderante advém de situações oriundas de catástrofes, desastres e incidentes onde há alguma relação com a Química, como a poluição, acidentes como o da energia nuclear, o uso de agrotóxicos, desastres ecológicos, entre outros. Os fatos que depreciam a Química servem apenas de pano de fundo com o objetivo de não mostrar todas as conquistas obtidas pelo homem através do conhecimento químico (Projeto Pedagógico IES-SP, 2004, p. 9-10, grifos nossos).
Como se pode perceber, os termos ‘progresso, desenvolvimento e ambiente’ não são questioná-
tiva considerando a dimensão ambiental como tal têm, majoritariamente, características próximas às correntes conservacionista, resolutiva e científica. Para estas correntes, as concepções de ambiente são de recurso, problema ou um objeto de estudos, nas quais se objetiva adotar comportamentos de conservação ou gestão ambiental, desenvolver habilidades para a resolução de problemas (diagnóstico e ação), bem como a aquisição de conhecimentos em ciências ambientais (habilidades relativas à experiência científica). Baseando-se nestas vertentes, os enfoques dominantes seriam do tipo cognitivo, pragmático e experimental, e as estratégias utilizariam, por exemplo, o desenvolvimento de projetos de gestão ou conservação, os estudos de caso (análise de situações-problema) e o estudo de fenômenos (atividade de pesquisa hipotético-dedutiva). Quando o entendimento de que a dimensão ambiental corresponde, principalmente, às práticas e ao desenvolvimento e ao uso de materiais considerados ambientalmente corretos, esta se apresenta como um instrumento de finalidade exclusivamente pragmática (em programas e projetos voltados para a resolução de problemas enquadrados como ambientais) e como mecanismo de adequação comportamental (Loureiro, 2004, p. 76).
Com muita frequência, observou-se o predomínio da razão instrumental na maior parte das argumentações, tanto nos documentos analisados quanto nas falas dos entrevistados.
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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso
3.2
“De Química Verde, (foi um curso) falando
O slogan e a sociedade do espetáculo
de métodos analíticos que usam... Bem
Como destacado por Debord (1997), toda
pouquinho. Parece que eles usavam, coisas
sociedade em que imperam as atuais condições de
bem, pouquinho, coisas, muito pouquinho,
produção, a vida (ou o que deveria ser projeto ver-
de reagente, né?” (Licencianda A., 3º ano).
dadeiro desta) ocorre como uma imensa e intensa acumulação de espetáculos, ou seja, um conjunto
Um curso como o de licenciatura em Química
cada vez maior de representações. Porém, o espe-
merece ou recebe um carimbo de certificação
táculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação
ambiental? Questionada se tiveram contato com a
social entre pessoas, mediada por imagens (p. 14).
Química Verde, uma das licenciandas respondeu:
Então, para que alguém ou algo se constitua
“É mais atividade profissional, né, a gente
como merecedor de atenção, há que ser percebido
não tem...” [risos] (Licencianda T., 3º ano).
quase que exclusivamente por meio de mídias que promovam grande e intensa repercusão. Este recado
Logo, parece não caber no desenho e percurso
já é percebido, em seus variados formatos, pelos
curricular dos licenciandos em Química aquilo
estudantes do primeiro ao último ano do curso, bem
que se coloca como uma inovação no que tange a
como os seus professores e coordenadores.
esta filosofia na Química, pois os estudantes não se reconhecem, muitas vezes, nem mesmo como
Eu acho que tentar realmente, vocês que estão trabalhando mais com isso (com a “Educação Ambiental), tentar conscientizar o pessoal, através de campanhas, através de palestras, como vocês têm feito. [...] Acho que, no final, quando você faz essas coisas, você está ali, você está no palco, nossa!!! O pessoal já se empolga” (Coordenadora da licenciatura IES-SP).
a formação inicial de professores de Química se
Na esfera das inovações tecno-científicas, as
refere à exigência, com a publicação das novas
quais se tornam objeto de desejo dos pesquisadores no campo da Química, distingue‑se a Química Verde. Porém, na chamada ‘sociedade do espetáculo’, esta filosofia pode se converter em um slogan. Hoje, ao se publicizar, ou vender, o slogan da Química Verde como um absoluto da dimensão ambiental, como sinônimo de química ambientalmente correta, que não é compreendida de forma profunda, contribuímos, ao fim, por engendrar a discriminação, a exclusão, a marginalização, pois neste “correto” que exige uma integração e comprometimento dos membros do campo, há uma tendência totalitária, muito semelhante à concepção e uso do discurso “politicamente correto”.
76
profissionais em formação. É como se a estrutura curricular não lhes proporcionasse um sentimento de gradual profissionalização docente. 3.3
A formação docente em Química e suas trajetórias curriculares
Um aspecto que merece ser mencionado sobre
regulamentações brasileiras dos cursos de licenciatura, que confere a esses cursos terminalidade e integralidade próprias, em relação ao bacharelado, possuindo assim projetos específicos (Brasil, 2002a-d). De acordo com o plano pedagógico do curso de licenciatura em Química investigado: Nos anos 90, notamos que algumas instituições de ensino superior instalaram fóruns para a discussão e deliberação a respeito de novos rumos para os problemas dos cursos de licenciatura, com propostas de alterações curriculares. Percebemos nesse momento a preocupação com o tradicional esquema “3+1”, no qual o curso de licenciatura acaba coexistindo com o de bacharelado. Porém a separação do curso de
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licenciatura pode evidenciar algum tipo de discriminação se este não for visto como um curso com características próprias e de grande importância no meio acadêmico. As novas legislações como a LDB/96, o Parecer 09/2001, a Resolução CNE/ CP 01/2002, a Resolução CNE/CP 02/2002, assim como a Resolução CNE/CCES 08/2002, são exemplos de esforços que estão chegando no sentido de mudar os rumos dos cursos de licenciatura, tornando‑os cursos com identidades próprias e específicas (Plano pedagógico IES-SP, 2004, p. 19, grifos nossos).
“De que maneira a senhora acha que edu-
O alerta do documento de que a separação
larmente, na minha disciplina, que é uma
do curso de licenciatura em relação ao de bacharelado poderia evidenciar algum tipo de atitude discriminatória nos faz refletir sobre a ênfase da advertência se restringir ao curso de formação de professores e não ao de bacharéis em Química. Que motivos determinariam a necessidade de se reforçar a “grande importância no meio acadêmico” apenas da licenciatura? Essa ênfase poderia ser identificada como uma tentativa de valorização de uma profissão que, historicamente, canalizou representações aversivas, como visto no início deste item? Com base nos documentos analisados neste trabalho, podemos inferir que a defesa insistente da valorização da licenciatura tem, por detrás, o pressuposto de que há uma grande diferenciação qualitativa entre os capitais culturais, e também econômicos, dos estudantes do bacharelado e licenciatura, diferença esta existente antes mesmo da separação, e que pode ser acentuada com o aparecimento de novas formas de distinção, tais como
cação ambiental está presente, ou não no currículo do curso de licenciatura em Química?” (Pesquisadora); “Acho que está presente de uma forma direta nas disciplinas e nas posturas que têm sido adotadas, principalmente, nas disciplinas experimentais e algumas teóricas também. Por exemplo, eu não posso falar pelos meus colegas, mas, eu particudisciplina que trabalha com Química dos elementos. Eu tento focar, tenho procurado focar no tratamento, sabe? De eles identificarem as consequências, ter cuidado com os gases lançados na natureza. A gente tem discutido a questão dos carros. Química do nitrogênio e Química do carbono. Eu tenho discutido isso com eles. Está presente de uma forma direta, na Química Ambiental de como a gente cobra essa parte de resíduos. E de uma forma mais, não diria indireta, mas presente em umas disciplinas, na própria iniciação, nos laboratórios, onde o aluno tem que trabalhar com solvente, onde eles têm que ter cuidados. Acho que está presente. Sei de professores que não fazem, mas” (Coordenadora da licenciatura IES-SP); “Então a Educação Ambiental está presente nesse currículo?” (Pesquisadora);
o fato das licenciaturas serem, majoritariamente,
“Acho que está, existe uma preocupação.
oferecidas no período noturno, pois há o enfren-
Não sei se o professor que a gente está
tamento de várias dificuldades de infraestrutura,
formando é um educador ambiental. Isso
como acesso à biblioteca, transporte, alimentação,
eu não sei te dizer. Mas eu sei que a gente
segurança, dentre outros.
tem mostrado a preocupação com o meio
Outra questão importante, apontada pela coor-
ambiente, alternativas de coisas que ele
denadora, se refere à presença, ou não, da dimen-
pode fazer” (Coordenadora da licenciatura
são ambiental no curso investigado:
IES-SP).
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A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso
Cabe aqui uma pergunta: será a inclusão de disciplinas da área de Química uma tentativa de se preencher os buracos para, na visão deste coletivo, formar um bacharel em Química que possa dar conta, com maior eficiência e espírito ambientalmente correto, daquilo que mereça a alcunha de profissional? Não é o que parece, pois, apesar de
ritariamente, deveriam se ocupar da dimensão ambiental; “A gente poderia ouvir (sobre Química Verde) quando a gente for fazer Química Ambiental. ‘Poooode’ ser que!” (Licencianda A., 3º ano).
todo o esforço de todos os agentes educacionais
Esta e outras observações remetem à reflexão
envolvidos com a reformulação curricular, é notó-
sobre os desafios concernentes ao estabelecimento
ria a falta da materialização da dimensão ambien-
de uma relação dialógica entre as diversas áreas
tal por meio de uma práxis institucional.
do conhecimento que constituem os alicerces da
A ambientalização curricular, principalmente
formação docente nesse campo. A ambientalização
das atividades realizadas no âmbito das disciplinas
da formação, verificada como uma demanda cada
e dos laboratórios, bem como de outras esferas que
vez mais presente nos dados obtidos, tem como
compõem o currículo, continua limitada ao plano
premissa um formato transversal, que se funda-
individual e depende, ainda, da vontade de cada
menta nos laços criados entre todas as esferas que
docente relacionar, os conteúdos de suas respecti-
esteiam o currículo, ou seja, seus indivíduos, falas
vas atividades a essa problemática.
e silenciamentos.
3.3.1
Para além das grades do currículo
3.3.2
A ressalva de Barros (2005, p. 91), quando dis-
Ambientalização: relações CTSA, ética e emancipação
cute a formação de professores na atualidade, tem
A ambientalização do currículo auxilia na pro-
importância quando analisamos a inserção das dis-
moção do questionamento e o desenvolvimento de
ciplinas potencialmente ambientalizadas no currí-
abordagens epistemológicas, metodológicas, éti-
culo de licenciatura em Química, pois, segundo a
cas e políticas mais adequadas aos desafios coloca-
autora, a tarefa que se impõe é desmanchar os ter-
dos na contemporaneidade, visando gerar conhe-
ritórios de saber‑poder, as formas de ação e os lugares
cimentos interdisciplinares e formar profissionais
assépticos dos especialismos que têm produzido sabe-
com condições técnicas e pessoais orientadas à
res-propriedade, os quais, muitas vezes, apoiados em
sustentabilidade socioambiental. Nesse sentido,
estratégias homogeneizadoras excluem a diferença e o
tal orientação se baliza no objetivo de erigir, criar
múltiplo.
relações dialógicas entre as dimensões da Ciência,
Na estrutura curricular estudada, o espaço e o
Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), de tal
tempo destinados ao múltiplo e ao diverso podem
modo que a pretensão de neutralidade, linearidade,
vir, também, na forma de disciplinas optativas.
a-historicidade e ausência de diversidade que pos-
Ocorre que a maior parte dos licenciandos, devido
sam permear tais diálogos são criticadas em seu
aos compromissos com as disciplinas obrigatórias
âmago (Linsingen; Pereira; Bazzo, 2003).
e às pesquisas de iniciação científica, não podem
Como pôde ser observado, tanto nas diretrizes
assumir outras atividades no seu trajeto formativo.
curriculares para cursos de Química, bacharelado e
Outro ponto consensual observado nas falas
licenciatura plena (Brasil, 2001), quanto no plano
dos entrevistados é o de que as disciplinas rela-
de desenvolvimento institucional da IES de inte-
cionadas à Química Ambiental são as que, prio-
resse, se observa a preocupação com a introdução
78
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso
e permanência de uma perspectiva mais profunda e
razão emancipatória, é resultante da dinâmica do
crítica da dimensão ambiental em variados aspec-
atual modelo produtivo. O processo formativo que levaria à autonomia
tos da formação profissional. No perfil do profissional a ser formado pela IES, que se previa subsidiar o estabelecimento do perfil específico de cada curso e das condições que precisam ser criadas, no âmbito desse curso, para que sejam atingidas as competências julgadas essenciais ao profissional por ele formado (Brasil, 2002b, p. 2),
sobressaem‑se as seguintes alíneas:
deve considerar as condições a que se encontram subordinadas a produção e a reprodução da vida humana em sociedade e na relação com a natureza, mas, também, as situações que interagem no plano da ‘subjetividade’, onde originam relações de dominação, que desembocam, por exemplo, na organização de coletivos (torcidas, associações atléticas universitárias etc.), na manipulação das
atuar de forma inter/multi/transdisciplinarmente (incluindo relacionar conhecimentos e habilidades de diferentes áreas, bem como extrapolar conhecimentos e habilidades para diferentes situações dentro de seu campo de atuação profissional); comprometer-se com a preservação da biodiversidade no ambiente natural e construído, com sustentabilidade e melhoria da qualidade de vida (compreender as relações seres humanos, ambiente, tecnologia e sociedade, além de propor soluções para os problemas surgidos, ao articular conhecimentos, selecionar, desenvolver e implantar tecnologias, prover práticas de educação ambiental e implementar leis de proteção ambiental); pautar-se na ética e solidariedade humanas (p. 4, 5 e 7).
massas e no alargamento das sociedades consu-
Em algumas falas dos entrevistados, percebe-se
nha à racionalidade instrumental e se expresse por
que as compreensões das cada vez mais intrinca-
meio de juízos de valor que favoreçam a realização
das relações políticas, econômicas, sociais, tecno-
da autonomia e autodeterminação do ser humano,
-científicas e ambientais, nas quais um aspecto ou
aquele que pensa e sente (Horkheimer, 1991).
outro – político ou econômico –parecem prevalecer
Neste sentido, Marin (2004) afirma que a educa-
em muitos momentos sobre os demais (Aikenhead,
ção para emancipação é aquela que, muitas vezes,
2005). Além da compreensão de que, nas relações
questiona os valores morais em vigor, desafiando-
de produção, no capitalismo atual, cabe o ques-
-os frente ao verdadeiro senso ético. Ou seja, o
tionamento da formação a partir da lógica social
indivíduo moral identifica e admite as regras,
assumida pelo trabalho, lógica esta caracterizada
normas e hábitos que fortalecessem as estrutu-
pela transformação direta de ciência e tecnologia
ras vigentes de poder, enquanto o indivíduo ético
em força produtiva, para, então, constituir-se, tam-
pensa criticamente estas estruturas, modificando-
bém, em mercadoria, gerada em escala industrial.
-as e transformando a moralidade, quando neces-
Em ressonância com os apontamentos de Maar
sário. Então, possibilitar uma mudança, visando
(1995), os indivíduos entrevistados têm presente
a formação de indivíduos éticos é um trabalho de
que a crise do processo formativo, e, portanto, da
rebeldia e resistência.
mistas (Maar, 1995). Lampejos desta perspectiva crítica podem ser vistos no argumento: “Eu acho que (a problemática dos interferentes endócrinos) é mais social porque afeta indiretamente todo o múltiplo. Tem o aspecto da economia também, tem a questão do poder, uns podem mais, outros menos. Todo problema relacionado com a área ambiental ele é muito maior do que parece” (Licenciando D., 5º ano, grifos nossos). Em uma perspectiva crítica e sócio‑histórica, pretende-se que a razão emancipatória se sobrepo-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
79
A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso
4
ciandos, em alguns momentos, têm a capacidade
Considerações finais
de perceber que falta algo, mas que nem sempre o
Acreditamos que este estudo de caso uma
curso, por si só, pode e deve dar conta. As reflexões
unidade significativa adequada tanto para funda-
sobre a incorporação da dimensão ambiental à for-
mentar as questões levantadas sobre o contexto
mação docente emancipatória – para além da emer-
específico quanto para promover generalizações a
gente Química Verde, cujos constructos podem,
outras situações próximas – auxilie a iluminar as
equivocadamente, serem transformados em slogans
complexas condições sociais e culturais que envol-
– apontam para a importância de se repensar indi-
vem a formação inicial de professores de Química
vidual e coletivamente a literatura e documentos
de uma IES pública federal localizada no estado
curriculares, por meio da discussão das complexas
de São Paulo. A investigação mostrou que, nos
problemáticas socioambientais atuais e seus contex-
documentos oficiais nacionais relativos à forma-
tos sociais e históricos de produção.
ção docente e falas dos entrevistados vinculados
De acordo com os referenciais teóricos adota-
ao curso de interesse, há uma preocupação com a
dos neste trabalho, a formação pretendida se fun-
inserção da dimensão ambiental no processo de
damenta na construção do conhecimento que per-
formação inicial de professores de Química. Foi
manece na consciência, uma vez que o indivíduo
possível observar concepções distintas sobre o
se sente sensibilizado e mobilizado a reformular
entendimento de dimensão ambiental, que partiu
e sentir a sua prática de acordo com o apreendido.
desde o estudo de conceitos ligados ao ambiente
Tal formação voltada à sustentabilidade socioam-
físico (substâncias, reações químicas e os compar-
biental deve enfrentar o recalque, recuperar o cará-
timentos ambientais), preocupação com as normas
ter histórico de toda e qualquer produção social e
de segurança, com a utilização adequada de mate-
não se limitar à lógica da racionalidade instrumen-
riais e reagentes, a gestão e tratamento de resíduos
tal, o que significa uma reinvenção da visão de
químicos, o desenvolvimento de produtos e pro-
mundo por meio da hibridação de saberes.
cessos ambientalmente corretos, a Química Verde,
Há uma nítida tendência à ambientalização cur-
até a própria Educação Ambiental.
ricular do curso investigado. As iniciativas – ainda
De modo geral, não há diferenças consideráveis
que majoritariamente individuais – se encontram,
entre as compreensões de dimensão ambiental con-
formando uma malha cada vez mais entrelaçada,
tidas nos documentos e nas falas dos indivíduos
que constitui também o terreno deste campo cientí-
investigados. As aproximações entre o currículo
fico. Tal processo pode se intensificar por meio da
proposto e o praticado ocorrem, majoritariamente,
participação radical de todos os envolvidos, con-
quando as visões de dimensão ambiental relativas
tribuindo para a materialização de novos trajetos,
ao curso têm relação com a Química Ambiental
travessias socioambientais sustentáveis.
ou Química Verde. Nesse contexto, os indivíduos percebem a importância da ambientalização curricular, mas reconhecem que não há uma efetiva institucionalização de tal perspectiva na formação inicial docente, apesar das crescentes iniciativas individuais de objetivá‑la. Há indícios que evidenciam um processo formativo capaz de gerar crítica e emancipação. Os licen-
80
5
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81
A dimensão ambiental e a Química Verde na formação inicial de professores de Química: reflexões a partir de um estudo de caso
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
Instrumento e Criatividade 01 | Vol. 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013
p. 83-90
O picnômetro, o paquímetro e o ovo The pycnometer, pachymeter and the egg José de Alencar Simoni
RESumo Esse manuscrito mostra diferentes possibilidades de determinação experimental do volume de um ovo. O experimento, que pode ser aplicado em diferentes níveis de formação, permite que o aluno tome contato com instrumentos de um laboratório interdisciplinar na área de Ciências e Matemática. O experimento permite a operação de balanças simples ou analíticas, o uso de paquímetro e medidas de volume. Pelo fato de objetivar a determinação de volumes de diversas formas diferentes e o uso do conceito de densidade, o experimento se reveste de um caráter interdisciplinar bastante interessante, já que se utiliza de determinações experimentais diretas e indiretas, além de estimular o uso de modelos matemáticos para o cálculo do volume de um ovo de galinha. Palavras-chave: Determinação de volume; Atividade experimental; Ovo; Picnômetro; Paquímetro. AbstrAct This manuscript shows different possibilities for the experimental determination of an egg volume. The experiment, which can be applied with different levels of preparation, allows the students to have contact with interdisciplinary laboratory instruments in Science and Maths. The experiment allows the use the balances, caliper and a picnometer in order to determine a chicken egg volume. Because of the aim of determining volume of many different ways and the use of the density concept, the activity becomes a special example of an interdisciplinary experiment. Key-words: Volume determination; Experimental activity; Egg; Picnometer; Caliper.
O picnômetro, o paquímetro e o ovo
1
Então, quando se deseja determinar a densi-
Introdução
dade de corpos no estado gasoso ou sólido, há
A massa de qualquer objeto, em princípio, pode
muitas complicações. Por sorte, determinações
ser determinada por uma balança. É possível deter-
de densidade são feitas em escala de laboratório,
minar massas tão pequenas como a massa de um
uma vez que essa é uma propriedade intensiva,
próton em uma balança nanométrica. Essa balança
ou seja, não depende da quantidade de matéria.
é capaz de medir a massa de um único próton, 1,7
Assim, a densidade de um material é a mesma,
g) (Chaste et al., 2012). Por
quer se avalie 1 grama do material, quer se avalie
yoctogramas (10
-24
outro lado, balanças ferroviárias podem pesar até
1 quilograma.
120 toneladas, que, geralmente, é a carga máxima
Vamos dirigir, então, o foco na questão de
que um vagão de 4 eixos pode transportar em uma
determinação da densidade de corpos sólidos.
ferrovia. De modo geral, então, a determinação de
Suponhamos que se deseja determinar a densidade
massa se faz com relativa facilidade, e também
de um corpo sólido de forma definida, cujos ele-
com muita precisão e exatidão, já que a balança é
mentos de simetria são conhecidos. Tendo-se a sua
um equipamento bastante desenvolvido.
forma e algumas de suas dimensões, é, então, pos-
Por outro lado, medidas de volume são um pouco
sível avaliar seu volume. Determinando-se a sua
mais complicadas. Quando se trata de líquidos, a
massa em uma balança adequada, pode-se calcular
tarefa de mensuração de volume é mais simples e
o valor de sua densidade. Seja, por exemplo, um
rotineira. Para produtos comerciais, por exemplo,
pequeno cubo de ferro metálico, mede-se uma de
utilizam-se balanças de fluxo, previamente calibra-
suas arestas (a) e calcula-se o seu volume (v), já que
das para fechar o suprimento do produto líquido sob
v = a3. Com os valores de massa e volume, pode-
medida, assim que se atinge a quantidade desejada.
-se calcular sua densidade. Agora, vamos imaginar
Essa quantidade é selecionada tomando-se por base
que esse cubo seja transformado em pequenos grâ-
a densidade do produto líquido a ser embalado.
nulos por ação de uma lima de aço. A massa per-
Em geral, é possível uma precisão de até 1% com
manece a mesma, assim como o volume real dessa
essas balanças, o que é o suficiente para produtos
amostra de ferro. No entanto, seu volume aparente
comerciais. Para medidas de volume em laborató-
muda, ou seja, o volume ocupado pelas pequenas
rio, utilizam-se instrumentos como provetas, bure-
partículas, se medido em um cilindro graduado,
tas, pipetas, balões volumétricos e picnômetros. Na
por exemplo, será ligeiramente maior que aquele
sequência dada, vai-se aumentando a precisão dos
medido quando o ferro se apresentava na forma de
instrumentos, de forma que os menos precisos são
um cubo compacto.
as provetas e os mais precisos são os picnômetros.
Os valores de densidade para esses dois casos
No entanto, quando se quer medir volumes de
são diferentes numericamente e também conceitu-
gases e sólidos, o problema torna-se mais compli-
almente. Aquele medido para o corpo na forma de
cado. Devido às suas características intrínsecas,
um cubo recebe a definição de gravidade especí-
os gases possuem alta tendência ao escape, seu
fica, enquanto que para o corpo dividido a denomi-
volume é altamente dependente da pressão e da
nação é gravidade específica aparente.
temperatura, o sólido, por outro lado, pode apre-
Independentemente das designações (gravi-
sentar alta rigidez se for um corpo maciço ou um
dade específica ou densidade), as duas grandezas
volume dependente da sua granulação ou de sua
anteriormente citadas são grandezas diferentes e
pressão de compactação.
têm diferentes significados. A gravidade especí-
84
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
O picnômetro, o paquímetro e o ovo
fica, por exemplo, é uma propriedade específica do corpo ou do material, que permite determinar
2
Determinação do volume de um ovo utilizando-se um paquímetro
até raios atômicos (Simoni; Tubino, 1999), ou
2.1
iônicos (Tubino; Simoni, 2007) se o material for
Introdução
uma substância pura, como um metal ou um sólido
O paquímetro é um instrumento que serve para
iônico. Por outro lado, a gravidade aparente tem
medir a distância entre dois lados opostos de um
uma aplicação mais prática no cotidiano, como,
objeto. Geralmente, ele permite determinar distân-
por exemplo, na cozinha, em que pequenos equi-
cias de até 20 centímetros e pode ser muito simples
pamentos volumétricos permitem medir quanti-
e apresentar precisão da ordem de 1 micrômetro.
dade de farinha, açúcar, sal, óleo etc..., tudo em
A Figura 1 mostra o esquema básico de um paquí-
um só equipamento.
metro analógico (há paquímetros digitais). Para se
A pergunta que agora deve ser feita é: é possível
efetuar a medição, faz-se correr a parte móvel do
determinar a gravidade específica de corpos sóli-
paquímetro, indicada com os números 1 e 2, e ajus-
dos de forma geométrica não definida, ou de sóli-
tam-se essas partes aos dois pontos, cuja distância se
dos finamente divididos? A resposta é: sim. Uma
quer medir. Se for uma medida de distância externa
técnica simples que permite essa determinação é
utiliza-se a abertura 1, se for interna usa-se a aber-
denominada de imersão. De forma bem simplifi-
tura 2 e para profundidade utiliza-se a extremidade
cada, essa técnica permite determinar o volume de
3. Depois de ajustadas as partes do paquímetro aos
um sólido qualquer, submergindo o mesmo em um
pontos desejados, trava-se a parte móvel do paquí-
líquido que não o dissolva, não reaja com ele, não
metro por acionamento do dispositivo 8, retira-se,
seja adsorvido ou absorvido por ele determinando-
ou não, o paquímetro do objeto e faz-se a leitura. Os
-se o volume de líquido deslocado. Na literatura,
primeiros dígitos da medição são lidos diretamente
essa técnica é bem conhecida como a “técnica de
na régua 4, observando-se a posição da marcação de
imersão”.
zero do cursor que se movimenta; essa primeira lei-
O que vai ser visto na sequência deste trabalho
tura indica os dígitos inteiros da distância, em milí-
é a determinação, de forma segura, do volume de
metros. É importante notar que essa primeira leitura
um ovo. Como comentado anteriormente, trata-se
permite determinar os dígitos inteiros da medição. A
de um objeto que se apresenta como um sólido de
leitura dos dígitos seguintes (casas decimais), é feita
forma geométrica definida como “ovoide” e cuja
com ajuda do nônio, indicado como 6 na Figura 1.
determinação de volume pode ser feita por dife-
Em geral, a graduação do nônio vai de 1 a 10, mas
rentes métodos, que podem levar a resultados mais
apresenta 20 divisões (risquinhos), o que permite
ou menos seguros, dependendo da técnica utili-
leituras com precisão de 0,05 mm. As divisões do
zada. O que se mostra, a seguir, é uma atividade
nônio são feitas de tal forma que sejam ligeiramente
experimental introdutória para um laboratório de
diferentes da escala da régua fixa 4; essa diferença
Ciências e Matemática, em que duas ferramentas
de escala está na faixa de 1/20, quando o nônio tem
(instrumentos) são muito pouco utilizadas, mas
20 divisões. A leitura dos dígitos decimais que irão
cujo uso é bastante importante do ponto de vista
compor a medição se faz observando as marcações
pedagógico geral.
da régua fixa e as marcações do nônio. O valor cor-
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85
O picnômetro, o paquímetro e o ovo
reto da medida decimal é aquele em que ocorre a
a leitura é dada diretamente em um visor especí-
melhor coincidência entre um risco da régua fixa e
fico. Os paquímetros podem ser confeccionados em
um risco do nônio, ou seja, o valor em que os ris-
plástico, mais baratos, ou em metal. Quando con-
cos das duas escalas formam uma linha contínua.
feccionados em metal, geralmente a escala é cali-
O valor da casa decimal é, então, lido na escala do
brada para 20 ºC, de modo que, para medidas mais
nônio. Como exemplo de medição com paquímetro,
exatas, é preciso fazer correções para temperatura
considere a Figura 2. Nessa figura observa-se que o
de trabalho. Muitos outros instrumentos de medição
zero da escala inferior se localiza entre os valores
de dimensão também usam o prícipio do nônio para
de 32 e 33 mm, portanto, a distância tem o valor de
melhorar a precisão (sensibilidade).
32 mm. Para se fazer a leitura dos dígitos decimais, observa-se a melhor coincidência entre as marcações da régua fixa (4 na Figura 1) e do nônio (6 na Figura 1). Conforme Figura 2, a melhor coincidência ocorre nas marcações de 60 da régua fixa e o 7 do nônio. Como o nônio apresenta 20 divisões, a precisão é de 0,05 mm, então os dígitos decimais, nessa medição, são 70. Dessa forma, o valor de distância nesse caso é de (32,70 ± 0,05) mm.
7
1
Esse experimento permite determinar as dimensões de um ovo utilizando-se o paquímetro e essas dimensões permitem calcular o volume do ovo, por aplicação de algum modelo matemático que contemple o formato do ovo e as dimensões avaliadas. Dessa forma, pode-se medir, por exemplo, o raio equatorial (A) e o raio polar (B), conforme
3 0
1
2
5
4 2
3
4
5
o volume do ovo a partir de somente essas duas
hinch cni
1
2
mado ao ovo e calcular seu volume. Determinar
5
0 1
0 0
Procedimento experimental
Figura 3, e aplicar um modelo geométrico aproxi-
2
Intetr DMEITTIEMD rtetnI JDHDH HDHDJ
2.2
6
7
8
7 9
4
3
6 10
8
10
9
5
11
6
12
13
inch
14
15
16
medidas é a forma mais simples. O modelo geo-
17 cm
inch
métrico, a partir do qual o volume será calculado,
3
1
8
6
4
depende do nível de conhecimento em Matemática e das necessidades da disciplina. Outras medidas
Figura 1. Paquímetro analógico.
das dimensões do ovo também podem ser feitas e formas geométricas mais complexas podem ser aplicadas. Tudo isso depende, como pontuado, anterior, das necessidades da disciplina.
30
40 0
1
2
60
50 3 4
5 6
7 8
70 9 10
80 0,05
Figura 2. Exemplo de como se faz a leitura de uma medida com o paquímetro.
Se a medição for feita na escala superior do paquí-
B
A
metro, o mesmo processo é aplicado. Medições na escala inferior são dadas em milímetros e na escala superior em polegadas. Para um paquímetro digital,
86
Figura 3. Raios equatorial e polar de um ovo.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
O picnômetro, o paquímetro e o ovo
3
Determinação do volume de um ovo pela técnica do deslocamento de uma coluna de líquido 3.1
4
Determinação do volume de um ovo utilizando-se um picnômetro adaptado 4.1
Introdução
Introdução
O picnômetro é um instrumento muito preciso
A técnica do deslocamento de uma coluna
e exato, utilizado em laboratórios de Ciências
de líquido consiste basicamente em introduzir o
para a determinação de densidade. Ele é mais
objeto que se quer determinar o volume, em um
frequentemente utilizado para se determina-
líquido contido em um recipiente. Esse recipiente
rem densidades de líquidos, mas pode ser usado
deve ter uma forma geométrica regular, como, por
para sólidos, com pequenas adaptações no pro-
exemplo, um cilindro ou um paralelepípedo, e
cedimento experimental. A Figura 4 mostra um
deve ter uma dimensão tal que o objeto que se quer
modelo de picnômetro, mais comumente utili-
determinar o volume caiba em seu interior. Assim,
zado em laboratórios. Esse picnômetro é um reci-
por exemplo, ao se utilizar parte de uma garrafa
piente de vidro, semelhante a um balão volumé-
plástica cilíndrica cortada, seria possível colo-
trico, e apresenta volume nominal previamente
car água em seu interior e marcar seu nível com
fornecido pelo fabricante, mas que não deve ser
uma caneta. Depois o objeto que se quer medir o
utilizado como um volume exato. O picnômetro
volume seria introduzido no líquido e o novo nível
apresenta um corpo que comporta a maior parte
atingido pela água seria marcado. A diferença
do seu volume e possui, também, uma tampa. Na
numérica entre os dois níveis da água possibilita-
determinação da densidade de um líquido, o pic-
ria determinar o acréscimo de volume. Esse acrés-
nômetro deve ser operado da seguinte forma: ini-
cimo é igual ao volume do objeto. Para utilizar a
cialmente ele deve ser pesado bem limpo e seco,
técnica do deslocamento, além das exigências, já
tanto externa com internamente. Depois, seu
citadas, a respeito das dimensões do recipiente e
corpo é preenchido totalmente com um líquido de
do objeto, também é necessário que o objeto não
densidade conhecida, geralmente a água, até pró-
adsorva ou absorva o líquido, que o objeto não
ximo do transbordamento. A seguir, introduz-se
mude de volume e que, também não reaja ou seja
sua tampa, de modo que a água extravase pela sua
dissolvido pelo líquido em que será imerso.
parte superior. O nível superior da água na tampa
3.2
Procedimento experimental
é “acertado” com o uso de um papel absorvente. Essa operação deve ser feita de tal forma que o
Colocar certa quantidade de água em um reci-
nível da água coincida com a borda superior da
piente cilíndrico (graduado ou não). Anotar o valor
tampa. O picnômetro é, então, bem seco por fora
do volume (cilindro graduado) ou do nível (cilindro
e pesado novamente. O valor da massa de água no
não graduado) da água. Introduzir o ovo na água,
picnômetro, associado à respectiva densidade da
evitando que a mesma respingue e seja jogada para
água na temperatura de trabalho, permite deter-
fora do recipiente. Anotar o novo valor de volume
minar o volume correto do picnômetro. Depois
ou do nível. Se o cilindro não for graduado, o cál-
dessa operação, o picnômetro é limpo e recebe
culo do volume do cilindro deverá ser obtido pela
o líquido sob estudo, repetindo-se as operações
respectiva fórmula. Nesse caso, é necessário medir
anteriores. A partir da massa do líquido contido
o diâmetro do cilindro, utilizando-se o paquímetro,
no picnômetro e do volume determinado anterior-
ou uma régua.
mente, determina-se a densidade do líquido.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
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O picnômetro, o paquímetro e o ovo
de boca larga, adaptado para funcionar da mesma forma que um picnômetro. A essência da precisão e exatidão do picnômetro vem do fato de que o acerto do volume que ele comporta (acerto do menisco) se faz em uma coluna de diâmetro bem pequeno. Dessa forma, pequenos erros no acerto do menisco do picnômetro não levam a grandes incertezas no volume total. No caso do ovo, ele tem que passar pela tampa Figura 4. Picnômetro de vidro.
do picnômetro improvisado, logo essa abertura
Para se determinar a densidade de um sólido, a segunda parte do procedimento é diferente. Inicialmente, coloca-se uma massa conhecida do sólido no interior do picnômetro, seco e limpo. Completa-se o volume com o líquido e acerta-se o nível, como descrito anteriormente. Depois, pesa-se o conjunto. Conhecendo-se a massa total do sistema, a massa do picnômetro e a massa do sólido, pode-se calcular a massa de líquido que está no picnômetro nessa condição. A partir da massa do líquido e de sua densidade, pode-se determinar o volume ocupado pelo líquido nessa condição. Como se sabe o volume total que o picnômetro comporta e, depois, o volume ocupado pelo líquido, a diferença entre esses dois volumes é igual ao volume ocupado pelo sólido. Como se mediu a massa do sólido, e agora se sabe o seu volume, pode-se calcular a sua densidade. Todos os requisitos que são exigidos na determinação do volume do sólido por imersão em um líquido, também devem estar presentes nesse caso. 4.2
não pode ser pequena. Assim, o acerto do volume (menisco) não pode ser feito nessa abertura, mas em um uma abertura bem menor. Para isso, o frasco plástico (picnômetro improvisado) recebe um pequeno furo feito com uma agulha numa posição oposta à tampa, de modo que esse furo possa ser usado como o local para o acerto do volume (menisco). A Figura 5 mostra como isso é feito. A medida do volume do ovo ocorre de forma semelhante à descrita para o uso do picnômetro comum. Com o dedo indicador, tapa-se o orifício feito na parte inferior do frasco plástico e preenche-se o frasco com água. Coloca-se a tampa no frasco e inverte-se o mesmo. Com o auxílio de uma seringa com a agulha cortada, preenche-se completamente o frasco com água. O frasco é, então, seco com papel absorvente e, com a tampa para baixo, o frasco é pesado e o seu volume interno é determinado a partir da densidade da água na temperatura de trabalho. A seguir, coloca-se o ovo no frasco e completa-se o seu volume com água, da mesma forma anteriormente descrita. Pesa-se o conjunto
Procedimento experimental
todo. Como se sabe a massa do frasco plástico
Para o caso da determinação do volume do ovo
vazio e a massa do ovo, determina-se a massa
utilizando o picnômetro, a dificuldade vem do fato
de água no frasco. Essa massa permite calcular o
de que o ovo tem grandes dimensões e não cabe
volume ocupado pela água. Sabendo-se o volume
em um picnômetro comum. Dessa forma, o que
do frasco plástico, determina-se o volume ocupado
se propõe é usar um frasco plástico com tampa
pelo ovo.
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
O picnômetro, o paquímetro e o ovo
bém, com a aplicação e adequação de modelos, tão presentes no cotidiano químico. Frequentemente, instigamos os alunos com problemas experimentais de difícil solução, ou então, sem possibilidades de realização, como forma de estimulá-los a pensar em processos investigativos no laboratório. Perguntas como: Seria possível determinar o volume interno de um ovo sem danificá-lo? Seria possível deter-
Pequeno furo
Figura 5. Picnômetro de plástico adaptado para determinar o volume do ovo.
minar experimentalmente a área superficial do ovo? Seria possível determinar experimentalmente a espessura da casca do ovo sem danificá-lo? São
5
perguntas que, geralmente, causam bastante agita-
Considerações finais
ção e entusiasmo entre os alunos.
Como pontuado anteriormente, esse experi-
Geralmente, os alunos iniciantes têm dificul-
mento pode ser aplicado de diversas formas dife-
dades em perceber que o valor volume do ovo
rentes. Ele pode ser divido em partes para serem
determinado pela técnica do picnômetro adaptado
aplicadas individualmente, pode ser aplicado em
é o mais preciso e exato. Eles também apresentam
diversos níveis de profundidade e com diferentes
dificuldades em criar modelos matemáticos para
propósitos. Assim, ele pode servir para:
calcular o volume do ovo a partir das dimensões
• • •
determinar volumes ou densidades utili-
e, frequentemente, acreditam que os modelos
zando-se dispositivos diversos,
matemáticos, como o apresentado por Narushin
introduzir erros e incertezas em determina-
(2005), aplicam-se perfeitamente a ovos de qual-
ções experimentais,
quer espécie animal ou raça de galinha. Em geral,
capacitar o estudante em operações básicas
os estudantes iniciais acreditam muito fortemente
de laboratório como pesagens e medidas de
em materiais publicados, sejam livros ou revistas
volume,
e materiais eletrônicos. Para os colegas professo-
•
introduzir o conceito de densidade,
res que são adeptos da interdisciplinaridade, esse
•
introduzir o uso de modelos, no caso, o uso
experimento se aplica muito bem.
de modelos matemáticos na previsão do volume do ovo, dentre outros. A literatura científica tem revistas especializadas em ovos e há na internet muitos documentos relativos ao ovo e suas dimensões. Há modelos matemáticos sofisticados para cálculo de volume e área do ovo e informações bastante curiosas sobre ovos em geral. No IQ-Unicamp, aplicamos esse experimento como introdução ao laboratório. Nesse caso, estamos interessados que o aluno tome contato, pela primeira vez, com o ambiente e se familiarize com medidas experimentais, erros e incertezas e, tam-
6
Referências CHASTE, J. et al., A nanomechanical mass sensor with yotogram resolution, Nature Nanotech, v. 7, p. 301-304, 2012. NARUSHIN, V. G. Egg geometry calculation using the measurements of length and breadth, Poultry Science, v. 84, p. 482-484, 2005. SIMONI, J. A.; TUBINO, M. Determinação do raio atômico de alguns metais, Química Nova na Escola, v. 9, p. 41-43, 1999. TUBINO, M.; SIMONI, J. A. Determinação experimental dos raios cristalográficos dos íons sódio e cloreto, Química Nova, v. 30, n. 7, p. 1763-1767, 2007.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
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História da Química 01 | Volume 08 | Número 02 | Jul./Dez. 2013 | p. 91-94
A conturbada descoberta do Háfnio The troubled discovery of Hafnium José M.F. Bassalo e Robson F. de Farias
E
ntre 1907 e 1908, os químicos, o barão austríaco Carl Auer von Welsbach (1858-1929) (também engenheiro) e o francês George Urbain (1872-1938)
descobriram, independentemente, o elemento químico lutécio (71Lu175), nome dado por Urbain para homenagear sua terra natal, Lutécia, antigo nome romano de Paris. Registre-se que, até o começo da década de 1950, essa terra rara era conhecida como cassiopeia.
Carl Auer von Welsbach
George Urbain
O interesse de Urbain pelas terras raras levou a uma descoberta polêmica, que teve início, em 1911 (Comptes Rendus de l´Academie des Sciences de Paris 152, p. 141), quando anunciou que havia descoberto uma nova terra rara, depois do Lu, chegando inclusive a chamá-la de céltio (celtium), de número atômico Z = 72. Em 1913 (Philosophical Magazine 26, pgs. 1; 476; 857), Niels Bohr (18851963; PNF, 1922) propôs seu famoso modelo atômico quântico. Por sua vez, ainda
A conturbada descoberta do Háfnio
em 1913 (Philosophical Magazine 26, p. 1024), Henry Gwyn Jeffreys Moseley (1887-1915) apresentou o resultado de suas pesquisas sobre o espalhamento dos raios X pela matéria, resumido na hoje conhecida lei de Moseley: A frequência dos raios X varia com o quadrado do número atômico N, do elemento que os emite. Desse modo, usando esse resultado, Moseley deduziu que entre o hidrogênio (1H1) e o urânio (92U238) deveria haver exatamente 92 tipos de átomos, cujas propriedades químicas eram governadas por N (hoje, Z) e não pelo peso atômico (hoje, A).
Niels Bohr
Henry Gwyn Jeffreys Moseley
Isso significava dizer que a Tabela Periódica de Mendeleiev deveria seguir a ordem crescente do número atômico e não do peso atômico. Portanto, obedecida essa sequência, alguns lugares dessa Tabela ficaram vagos, os correspondentes a N = 43, 61, 75, 85, 87. Por outro lado e também nessa mesma época, conforme vimos, havia uma grande polêmica entre os químicos, qual seja, a de saber o número exato de terras raras, pois se discutia se as mesmas iam de N = 58 a N = 71 ou 72, este supostamente descoberto por Urbain. Note-se que, hoje, as terras raras são conhecidas como lantanídeos, elementos metálicos compreendidos entre o lantânio (57La139) e o Lutécio. Em 1914, Urbain ouve falar do método desenvolvido por Moseley para estudar as terras raras e, com algumas amostras desses elementos metálicos, inclusive a do suposto “céltio”, foi até à Inglaterra para conversar com Moseley. Em poucas horas, Moseley as examinou e as classificou sem, no entanto, confirmar o “céltio” que, para ele, nada mais era do que uma mistura de terras raras conhecidas. Urbain ficou tão impressionado com a técnica desenvolvida por Moseley que resolveu divulgá-la entre os químicos franceses. Contudo, apesar dessa postura, Urbain continuou acreditando que o “céltio” era uma terra rara. Apesar de Moseley haver mostrado que o “céltio” não era uma terra rara, a polêmica entre franceses e ingleses prosseguiu. A crença a favor dos franceses foi fortemente renovada quando, em maio de 1922, o químico francês Alexandre Henri George Dauvillier (1892-1979) anunciou haver isolado o “céltio”, por intermédio de uma análise do espectro de raios X de amostras contendo as terras raras ytérbio
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
A conturbada descoberta do Háfnio
(70Yb173) e Lu. Essa notícia foi tão fantástica que chegou a impressionar Sir Ernst Rutherford (1871-1937), pois, desde 1914, acompanhava essa polêmica.
Sir Ernst Rutherford
Assim, convicto que a polêmica havia sido encerrada, escreveu uma carta à revista Nature, na qual afirmava que um dos lugares vagos da Tabela Periódica de Mendeleiv acabara de ser preenchido. Essa carta foi publicada na Nature (109, p. 781), que circulou no dia 17 de junho de 1922. No dia 21 de junho de 1922, Bohr apresentou sua sexta lecture Wolfskeghl, em Göttingen, na qual afirmou: “Contrário a costumeira suposição [...] a família das terras raras é completada com o cassiopeia ... se nossas ideias estão corretas o não ainda descoberto elemento com o número atômico 72 deve ter as propriedades químicas similares àquelas do zircônio e não às das terras raras”. Bohr chegou a essa conclusão usando seu modelo atômico. Vejamos como: segundo esse modelo, as camadas (“shells”) eletrônicas apresentavam um número máximo de elétrons dado por: 2 n2, onde n = 1, 2, 3, ..., representa o número quântico principal. Portanto, na camada K (n = 1), haveria um máximo de 2 elétrons; na camada L (n = 2), máximo de 8 elétrons; na camada M (n = 3), máximo de 18 elétrons; na camada N (n = 4), máximo de 32 elétrons e assim sucessivamente. Assim, para Bohr, o Lu (N = 71) tem a camada N completa com 32 elétrons, com três elétrons de valência, característica das terras raras. Por sua vez, o elemento de N = 72, deveria possuir o elétron adicional na camada n=5 ou n=6, ou seja, possuir quatro elementos de valência, como acontece com o zircônio (40Z91,22). É oportuno esclarecer que o conceito de valência foi introduzido, em 1916, pelo físico alemão Walther Ludwig Julius Kossel (1888-1956) e pelo químico norte-americano Gilbert Newton Lewis (1875-1946), em trabalhos independentes e publicados, respectivamente, no Annalen de Physik (49, p. 229) e Journal of the American Chemical Society (38, p. 762). Para Kossel e Lewis, essa propriedade química dos elementos se deve aos elétrons das camadas externas não fechadas do modelo Bohriano. Voltemos à polêmica do elemento 72. Quando Bohr voltou para Copenhague, no final de junho, ele leu a carta de Rutherford. Em vista do prestígio científico
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 08 | Número 02 | jul./dez. 2013
93
A conturbada descoberta do Háfnio
do descobridor do núcleo atômico, Bohr chegou a acreditar que a afirmativa que fizera em Göttingen estava errada, tanto que chegou a expor essa opinião em uma carta que escreveu ao físico alemão-norte-americano James Franck (1882-1964; PNF, 1925) em 15 de julho de 1922. No entanto, ao saber que o físico holandês Dirk Coster (1889-1950), um especialista em espectroscopia de raios X, não concordava com a interpretação de Dauvillier, Bohr resolveu convidá-lo a trabalhar em Copenhague para que, juntamente com ele e o químico húngaro-sueco George Charles von Hevesy (1885-1966; PNQ, 1943), pudessem dirimir essa polêmica questão. Coster chegou em Copenhague em setembro de 1922, inicialmente, ele trabalhou com Bohr, depois se juntou a von Hevesy com o objetivo de pesquisar o elemento 72 em minérios de zircônio.
James Franck
Dirk Coster
George Charles von Hevesy
Em novembro de 1922, foi anunciado que o Prêmio Nobel de Física de 1922 seria atribuído a Bohr. É oportuno destacar que, minutos antes de Bohr proferir a sua Nobel Lecture, no dia 11 de dezembro de 1922, Coster telefonou para Bohr dizendo-lhe que acabara de isolar o elemento 72 no minério de zircônio. Bohr, então, aproveitou o final de sua Lecture, para anunciar essa importante descoberta, conforme se pode ver na publicação que a Fundação Nobel apresenta dessa “Leitura” (ver o site Nobel e-Museum). Ainda é interessante salientar que, enquanto Coster telefonava para Bohr, Hevesy encontrava-se no trem que ia para Estocolmo para ver, de viva voz, Bohr anunciar a descoberta deles (Coster e Hevesy). Por fim, a descoberta oficial do elemento 72 foi anunciada no volume 111 da Nature, de 20 de janeiro de 1923, página 79, por intermédio de uma carta assinada por Coster e von Hevesy, e na qual indicam o nome de háfnio (72Hf179) para esse novo elemento químico, denominação essa escolhida para homenagear a cidade de Copenhague, cujo nome em latim significa hafniae. Consta que Bohr e von Hevesy tentaram mudar o nome háfnio para dánio, porém, um mal-entendido fez permanecer a primeira denominação.
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Resenha Teoria quântica – um guia ilustrado J. P. McEvoy e Oscar Zarate Editora Leya | 2012 | 176 páginas | Coleção Entender
Um livro ilustrado, no estilo de história em quadrinhos, em linguagem acessível, porém com rigor científico, que conta a história da teoria quântica, bem como explica a própria teoria para o público geral. Até certo ponto, uma leitura “pesada” para alunos do ensino médio, mas altamente indicada para alunos dos cursos superiores, bem como para professores. Iniciando com a abordagem dos fenômenos quânticos (radiação do corpo negro, efeito fotoelétrico etc.) que, no início do século XX, colocaram em xeque a física clássica, passando pelo modelo atômico de Bohr e pela dualidade partícula-onda, chegando às formulações da mecânica quântica por Heisenberg, Schrodinger e Dirac. A abordagem histórica apresentada permite a compreensão das sutilezas intrínsecas à teoria quântica. Recomendável, sobretudo, para estudantes de Química e Física.
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