ReBEQ v.9 n.1 - Revista Brasileira de Ensino de Química

Page 1

ISSN 1809-6158

VOLUME 09 | NÚMERO 01 | JAN./JUN. 2014


VOLUME 09 | NÚMERO 01 | JAN./JUN. 2014

Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias – UFRN Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP

Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe­ cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali­ zação e otimização do Ensino de Química.

Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional

Revisão Helena Moysés Capa e Editoração Eletrônica

1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos.

Fabio Diego da Silva

CDD 540

Indexada

Índice para Catálogo Sistemático 1. Química

540

A division of the American Chemical Society Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.

Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br


Sumário 7

Editorial

Artigos

10

O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral Pedro Faria dos Santos Filho

19

28

Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química Uarison Rodrigues Barreto e Nelson Rui Ribas Bejarano

Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio Ana Claudia Pedrozo da Silva, Angélica Priscila Parussolo, Washington Lombarde e Angélica Cristina Rivelini da Silva

33

Química, Sabores e Culinária Núbia Moura Ribeiro, Cristiane Pinheiro Lazaro, Ana Marice Teixeira Ladeia e Armênio Costa Guimarães

Relatos de Experiência

42

A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química Mauritz Gregório de Vries e Agnaldo Arroio

50

60

Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade Uarison Rodrigues Barreto e Lailton Passos Cortes Junior

Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos Danilo José Ferreira Pinto, Claudia Teixeira Siqueira, Jaqueline de Souza Reges, Valéria Campos dos Santos e Agnaldo Arroio


70

Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia Renato André Zan, Alessandra Correa Pompeu, Dionatas Ulises de Oliveira Meneguetti e Filomena Maria Minetto Brondani

80

Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN Lucas da Silva Maia e Fábio Adriano Santos da Silva

Química Verde

91

A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química Marlene Rios Melo, Alberto Villani e Walter Brito Santos

História da Química

107 109

Vincenzo Cascariolo e as Origens da Luminescência José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias

Normas para Publicação


Contents 7

Editorial

Articles

Understanding on Scientific Model by Graduates in a General Chemistry 10 The Discipline Pedro Faria dos Santos Filho

19

The Philosophical Approach Concerning Models and Its Importance in Chemistry Teaching Uarison Rodrigues Barreto e Nelson Rui Ribas Bejarano

28 33

Epistemological Obstacles: an analysis of Chemistry textbooks in High School Ana Claudia Pedrozo da Silva, Angélica Priscila Parussolo, Washington Lombarde e Angélica Cristina Rivelini da Silva

Chemicals, Flavors and Cooking Núbia Moura Ribeiro, Cristiane Pinheiro Lazaro, Ana Marice Teixeira Ladeia e Armênio Costa Guimarães

Experiences Account

42

The Approach of Scientific Models and their Representative Forms as a Previous Step to the Use of Visualizations in Chemistry Teaching Mauritz Gregório de Vries e Agnaldo Arroio

50

Conceptions of High School Students about Models and the Relationship Model and Reality Uarison Rodrigues Barreto e Lailton Passos Cortes Junior

60

Chemistry of smells: a multimodal approach to diagnosis of the misconceptions from the models expressed by students Danilo José Ferreira Pinto, Claudia Teixeira Siqueira, Jaqueline de Souza Reges, Valéria Campos dos Santos e Agnaldo Arroio


70

Evaluation of Chemical Education: a study in five cities in the region of the Valley Jamari-Rondônia Renato André Zan, Alessandra Correa Pompeu, Dionatas Ulises de Oliveira Meneguetti e Filomena Maria Minetto Brondani

80

Staying Strategies Versus School Dropout: a study on the undergraduate laboratory courses in Physics and Chemistry distance of UFRN Lucas da Silva Maia e Fábio Adriano Santos da Silva

Green Chemistry

Chemistry as a Scientific Reference for Teaching 91 Green Perspective on Chemistry Teacher Training Courses Marlene Rios Melo, Alberto Villani e Walter Brito Santos

Chemistry History

107 109

Vincenzo Cascariolo and the Origins of Luminescence José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias

Editorial Standards

Mediation in CTSA


Editorial A importância dos modelos no ensino/aprendizagem de química sempre foi inquestionável. Apesar disso, tal assunto raramente é discutido ou aventado pela maioria dos autores dos livros didáticos, tanto de nível médio quanto superior. Como consequência desta situação, a grande maioria dos professores de química acaba negligenciando a discussão deste assunto em suas aulas. Ainda assim, é inegável que sem o entendimento do significado de modelos, o aprendizado de química acaba sendo muito prejudicado e distorcido. Aparentemente, devido à sua importância, a discussão e o entendimento sobre modelos deveria ser assunto das primeiras aulas de química em qualquer nível. Contudo, o que se observa na prática é que a maioria dos alunos, egressos do ensino médio, tem parca e distorcida noção sobre os modelos, mas ao ingressarem na universidade as distorções podem ser corrigidas. Neste número da ReBEQ apresentamos um conjunto de trabalhos que mostra essa realidade e como contorná-la. Alguns textos mostram o entendimento dos alunos do nível médio, bem como a tentativa dos professores de melhorar este entendimento e evitar possíveis distorções; da mesma forma, ventilam como o entendimento distorcido pode ser corrigido e também para os ingressantes universitários após o primeiro semestre da disciplina de química geral. Em geral, observamos a existência de um problema muito sério que precisa ser resolvido: o melhor uso e entendimento dos modelos no ensino de química. A ReBEQ, portanto, no seu papel de divulgar os problemas encontrados por professores e alunos de química e tentativas de soluções, apresenta este conjunto de trabalhos, mostrando, aos seus leitores, uma realidade que merece ser discutida em todos os níveis.

Coordenação Editorial



Artigos Articles

O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral The Understanding on Scientific Model by Graduates in a General Chemistry Discipline Pedro Faria dos Santos Filho

Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química The Philosophical Approach Concerning Models and Its Importance in Chemistry Teaching Uarison Rodrigues Barreto e Nelson Rui Ribas Bejarano

Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio Epistemological Obstacles: an analysis of Chemistry textbooks in High School Ana Claudia Pedrozo da Silva, Angélica Priscila Parussolo, Washington Lombarde e Angélica Cristina Rivelini da Silva

Química, Sabores e Culinária Chemicals, Flavors and Cooking Núbia Moura Ribeiro, Cristiane Pinheiro Lazaro, Ana Marice Teixeira Ladeia e Armênio Costa Guimarães


Artigo 01 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

p. 10-18

O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral1 The Understanding on Scientific Model by Graduates in a General Chemistry Discipline Pedro Faria dos Santos Filho2

Resumo As ciências da natureza que lidam com as transformações da matéria dependem fortemente do entendimento do significado de modelo científico para a sua assimilação e divulgação. Sob este aspecto, imaginamos que, em qualquer nível de formação, a aula inicial para os alunos que se dedicam a este estudo deva ser sobre modelos. Sob esta ótica, atuamos desta maneira ao longo de três anos na disciplina de Química Geral, oferecida a alunos de vários cursos de ciências exatas, e avaliamos o seu entendimento acerca do significado deste termo. Agrupamos as opiniões dos alunos em catorze entendimentos deste significado e concluímos, inequivocamente, que a assimilação deste entendimento é possível e facilitada por exemplos preliminares associados à vida cotidiana. Palavras-chave: modelo científico; cotidiano; entendimento das ciências. Abstract Natural sciences which deals with material transformations are strongly dependent on the meaning of scientific models for a better assimilation and publishing. In this way we imagine that in any formation level the initial classes must deal with scientific models understanding. We proceeded in this way along three years with freshman of different courses in the general chemistry discipline and evaluated the understanding of the meaning of scientific models. The students opinions were 1. Extraído de Faria, P. Estrutura Atômica & Ligação Química. Autor Editor, Campinas, SP, 2007. 2. Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Química.


O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral

grouped in 14 understandings and we concluded, unequivocally, that the correct understanding is possible and it is facilitated using preliminary examples associated with the students everyday life. Key-words: scientific models; everyday life; science understanding.

1

Introdução 1.1

A curiosidade do homem

Olhar para o céu durante a noite.... Isto é algo que as pessoas fazem com frequência. Para a maioria delas, aqueles pontos brilhantes são as estrelas e o céu está escuro porque o sol já se pôs. Olhar para o céu chega a ser um ato quase que involuntário; entretanto, imaginar ou se questionar por que ele é diferente a cada dia, ou por que é diferente a partir do lugar de onde é observado, isso já é uma característica que somente algumas poucas pessoas apresentam. Estas pessoas já nasceram assim, curiosas, incomodadas, questionadoras, insatisfeitas ou, até

se preocupado em entender a si mesmo. E, lá nos primórdios de sua existência, o único artifício de que dispunha era a sua imaginação. Este era o seu grande trunfo! Assim, com o passar do tempo, o homem foi acumulando informações e se interessando por mais e mais detalhes, o que acabou levando ao desenvolvimento das ciências como as concebemos hoje. É muito provável que sempre existiram pessoas que se questionaram ou que se preocuparam em entender o ser humano. Parece que a preocupação do homem com o seu autoentendimento é que acabou levando ao desenvolvimento de todo o conhecimento de que dispomos nos dias de hoje.

mesmo, chatas. Elas não se contentam com respos-

Podemos imaginar alguns exemplos de coisas

tas do tipo: “isso deve ser fruto da natureza”, ou

bem corriqueiras, mas que, dependendo do questio-

mesmo, “a natureza quis assim”. Na verdade, estas

namento que fizermos, podem nos tirar o sono por

pessoas querem encontrar explicação para tudo,

um bom tempo. E, talvez, os exemplos mais inte-

querem justificar tudo. Inclusive, algumas delas

ressantes sejam aqueles que envolvam nossos ins-

não se contentam apenas em explicar, mas tentam

tintos, ou aquilo que fazemos involuntariamente. Apenas para ilustrar como certas constatações

até prever o que poderá acontecer no futuro. Esta consideração que acabamos de fazer

atreladas ao nosso dia a dia podem se tornar gran-

envolvendo o céu é apenas um exemplo de ques-

des dúvidas, ou mesmo nos instigar a encontrar

tionamento, que pode ser estendido para uma infi-

uma explicação, vamos tomar como exemplo as

nidade de sistemas, e que enfatiza a diferença mar-

preferências ou o “gosto pessoal”, que são caracte-

cante que existe entre as pessoas, segundo a sua

rísticas que qualquer um de nós apresenta. Por que

maneira de observar algum fenômeno. Esta é uma

será que, enquanto algumas pessoas gostam muito

característica inerente à natureza humana e talvez

de determinadas coisas, outras não sentem por

seja isto que torne tão interessante o mundo em

elas menor afinidade? Será que estes dois tipos de

que vivemos.

pessoas enxergam a mesma coisa do mesmo jeito?

Antes de tentar entender o mundo ou o meio

Será que todas as pessoas enxergam o mundo da

em que vive, é muito provável que o homem tenha

mesma maneira? Será que as diferentes preferên-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

11


O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral

cias pessoais não são consequência do fato de que as diferentes pessoas enxergam as mesmas coisas

1.2

Como imaginar os sistemas que não enxergamos?

de forma diferente? Será que cada um de nós não enxerga o seu mundo particular? Será que o nosso mundo não é apenas fruto de nossa imaginação?

Vamos considerar uma máquina de refrigerantes ou mesmo um relógio de pulso. É óbvio que

Em um primeiro momento, estas questões

qualquer um destes sistemas pode ter o seu inte-

podem parecer insolúveis; além disso, muitas

rior observado e analisado; entretanto, apenas

pessoas podem até se questionar sobre qual seria

para fazer um exercício de imaginação, vamos

o interesse em respondê-las. A verdade é que o

supor que não sejamos capazes de observá-los

questionamento sobre estes pontos, bem como a

internamente.

procura por estas respostas, podem levar a muitas

Vamos imaginar uma máquina de refrigeran-

descobertas importantes, que resultem em alguma

tes segundo todas as considerações que fizemos

forma de benefício ou melhorem a nossa qualidade

anteriormente. Imaginemos o que deve se passar

de vida.

na cabeça das pessoas que a utilizam pela primeira

Felizmente, existem pessoas que se preocupam

vez; o indivíduo para diante da máquina e lê as

com questões deste tipo, e vão muito além disso.

instruções de utilização da mesma. Estas instru-

Elas tentam respondê-las! Estas pessoas podem

ções se baseiam no princípio de ação e reação,

ser de diferentes áreas do conhecimento e com

ou seja, introduzir uma certa quantia de dinheiro

formações das mais variadas. Contudo, por muitas

no local correto da máquina, escolher o tipo de

razões, nos dias de hoje, talvez o único profissio-

refrigerante de sua preferência e apertar o botão

nal que tenha condições de discutir, ou até mesmo

indicado. Após um curto intervalo de tempo, a

de tentar entender tudo isso, seja o químico. Talvez

máquina expeliria, então, o refrigerante escolhido.

ele seja o profissional que conheça os melhores

Resumidamente, após uma ação, a introdução do

argumentos para discutir estas questões de forma

dinheiro na máquina, temos uma reação, a emissão

científica e menos especulativa.

do refrigerante.

Entretanto, nem tudo pode ser entendido ou

Na verdade, a grande maioria das pessoas uti-

respondido com certeza. Desta maneira, na ten-

liza a máquina de refrigerantes exatamente desta

tativa de entender o mundo em que vive, e para

maneira. Pode ser que elas repitam esta ação roti-

encontrar explicações para o mundo que o cerca,

neiramente, sem se preocupar com o que está ocor-

o químico é obrigado a aprender a conviver com

rendo no interior da máquina no intervalo entre a

dúvidas e incertezas. Na verdade, é ele que se dife-

ação e a reação. Em outras palavras, elas utili-

rencia do resto das pessoas, na busca incessante

zam a máquina apenas e tão somente para obter o

pelo entendimento ou conhecimento do mundo.

refrigerante.

A grande causa destas dúvidas e incertezas

Por outro lado, existem algumas poucas pes-

reside no fato de tentarmos entender aquilo que

soas que, instintivamente, não se contentam em

não enxergamos, ou então alguma situação a qual

apenas observar a reação da máquina após o estí-

não temos acesso. Nestes casos, como não somos

mulo de introduzir o dinheiro na mesma. Estas

capazes de enxergar, somos forçados a imaginar.

pessoas, talvez pela sua enorme curiosidade, ten-

Provavelmente, esta seja a grande arma que os quí-

tam de todas as formas imaginar o funcionamento

micos foram capazes de desenvolver, a sua imagi-

da tal máquina; o grande problema é que elas não

nação. Sem ela não se é capaz de nada!

têm acesso ao seu interior. Assim sendo, não resta

12

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral

a elas outra alternativa que não seja fazer algumas suposições para, posteriormente, tentar confirmá-

2

Modelos

-las de alguma maneira. Uma alternativa muito simples que se poderia sugerir para explicar o funcionamento da máquina seria supor que existe um anão em seu interior. Após a introdução do dinheiro e a escolha do refrigerante pelo usuário, ele confere o dinheiro e, de acordo com o valor, emite o refrigerante. Ele estaria desempenhando, exatamente, a mesma função que um balconista executa em qualquer estabelecimento comercial; a única diferença é que ninguém consegue enxergá-lo porque não se tem acesso ao interior da máquina. Em alguns casos, pode ocorrer que, mesmo introduzindo o dinheiro e fazendo a escolha, o refrigerante não é emitido. Nestes casos, pode ser que o anão tenha adormecido no interior da máquina e, por isso, não emita o refrigerante. Então, pode ser que algumas batidinhas na superfície da máquina possam fazer com que ele acorde e emita o refrigerante. É por isso que, muitas vezes,

Todo o conjunto de argumentos comentado anteriormente representa apenas a nossa maneira de pensar para tentar entender o funcionamento da máquina. Eles são apenas fruto de nossa imaginação e só existem em nossa mente, auxiliando o nosso raciocínio. Contudo, não temos a menor ideia se eles têm existência física ou não! Para organizar melhor todo este raciocínio, poderíamos sugerir que todo este conjunto de argumentos, ou esta nossa maneira de pensar, fosse chamada de “modelo”. Se procedêssemos desta maneira, estaríamos cometendo alguma incorreção? Seríamos incompreendidos por algumas pessoas? Para responder a estas perguntas, o primeiro passo é recorrermos aos usos mais comuns para o termo “modelo”. Dentre os mais corriqueiros, podemos destacar os seguintes, que representam o senso comum para a aplicação ou o entendimento do termo modelo: • Modelos que participam de desfiles de

encontramos pessoas batendo na superfície destas

moda: o termo “modelo” significa profissão;

máquinas para obterem os seus refrigerantes.

• Modelos de roupa: o termo “modelo” sig-

Em princípio, alguns poderiam achar esta

nifica formato;

explicação absurda, mas, de qualquer forma, em

• Modelo de comportamento ou conduta: o

um primeiro momento, ela serve para explicar o

termo “modelo” é usado como referencial

funcionamento da máquina.

ou padrão;

Colocando esta mesma ideia em uma lin-

• Modelo de carro: o termo “modelo” signi-

guagem mais apurada, poderíamos dizer que a

fica aparência.

máquina de refrigerantes representa o nosso sistema em estudo e que a emissão do refrigerante é

Podemos verificar muito facilmente que, ao

uma resposta ao estímulo de introduzir o dinheiro

chamarmos de modelo todo aquele raciocínio ou

na mesma. Todo o resto, ou seja, a existência do

conjunto de ideias utilizados para explicar o fun-

anão, o fato de ele contar dinheiro, ter sono, dor-

cionamento da máquina de refrigerantes, estamos

mir, acordar e etc., é apenas fruto de nossa ima-

empregando este termo com um significado total-

ginação; em outras palavras, um subterfúgio para

mente diferente de todos os anteriores que acaba-

tentar explicar alguma coisa que não enxergamos,

mos de ilustrar. Desta maneira, poderia ocorrer que

mas que sabemos responder a um estímulo.

fôssemos incompreendidos por muitas pessoas que

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

13


O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral

só estivessem familiarizadas com os empregos do

ideias disponíveis, ou dos modelos utilizados. Isso

termo mostrados anteriormente. Por outro lado, se

deve ser feito para readequá-los ou readaptá-los

o senso comum indicar que o termo “modelo” tam-

ao sistema, ou mesmo para reformulá-los ou até

bém pode ser utilizado para expressar um conjunto

abandoná-los, no caso de não mais se adequarem

de ideias, certamente, não estaremos cometendo

às novas informações obtidas sobre o sistema, seja

incorreção nenhuma.

ele qual for.

Na verdade, cientificamente, este termo pode

Até aqui, utilizamos apenas o exemplo da

ser utilizado para expressar um conjunto de ideias

máquina de refrigerantes para ilustrar uma

que não têm existência física, mas que existem

maneira de observarmos um sistema e tentarmos

apenas na imaginação de alguém que as formula.

entendê-lo através de algum modelo ou conjunto

Desta maneira, para as pessoas que conhecem esta

de ideias. Apesar de fictício, uma vez que sabemos

aplicação, não haveria o menor problema de enten-

que é perfeitamente possível penetrar no interior

dimento.

da máquina e verificar a veracidade do modelo

Continuando ainda com este conjunto de ideias

utilizado para explicá-la, esse exemplo que utili-

aplicadas ao entendimento do funcionamento da

zamos é conveniente porque permite que façamos

máquina de refrigerantes, poderíamos nos ques-

uma série de conjecturas, tanto sobre as propostas

tionar sobre como proceder se, dentre os curio-

de explicações quanto sobre as respostas aos estí-

sos interessados em entender o funcionamento

mulos aplicados ao sistema.

da máquina de refrigerantes, surgisse um outro

Contudo, este mesmo formalismo pode ser

modelo, ou um outro conjunto de ideias aplicadas

aplicado a qualquer tipo de sistema, desde o mais

ao mesmo sistema? O que faríamos com o modelo

simples até o mais complicado. Na verdade, ele

inicial? Na verdade, esta é uma situação muito

ilustra muito bem um modo de analisar um sistema

fácil de ocorrer, uma vez que dentre um grupo

em uma situação em que não temos acesso ao seu

de pessoas, dificilmente todas elas pensem exata-

interior. Dá para imaginar que se estivéssemos em

mente da mesma maneira.

uma situação na qual não pudéssemos enxergar o

A maneira mais conveniente de se proceder

sistema que estivéssemos estudando, poderíamos

em uma situação deste tipo seria confrontar todos

agir da mesma maneira para tentar entendê-lo. Em

os conjuntos de ideias para se verificar qual deles

outras palavras, nestas situações, não nos resta

melhor se adapta ao sistema em estudo, ou ainda,

outra alternativa senão utilizar a imaginação para

aquele que seja capaz de responder às questões

tentar entender o comportamento daqueles siste-

formuladas sobre o sistema em estudo. Isto não

mas que não podemos enxergar, ou aos quais não

significa que existe apenas e tão somente um con-

temos acesso.

junto de ideias que se adeque ao sistema. Pode

Neste contexto, tudo indica que, em muitos

muito bem ocorrer que existam várias alternativas

casos, a utilização de modelos é essencial e o seu

para se explicar o mesmo sistema. Neste caso, não

significado é fundamental para tentarmos entender

podemos descartar nenhuma destas alternativas, a

o sistema em estudo. Isto mais do que justifica uma

menos que tenhamos algum dado conclusivo que

reflexão e um questionamento sobre o mesmo,

invalide qualquer uma delas.

principalmente, porque muito do entendimento

Com o passar do tempo e o acúmulo de novas

da ciência está ancorado em modelos. Podemos

informações sobre o mesmo sistema em estudo,

perceber que, além de ser uma interpretação, ou

pode-se checar a validade de todos os conjuntos de

uma construção apenas conceitual, e muitas vezes

14

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral

pessoal, sobre o invisível, em muitas situações, a

ou a nossa interpretação, for uma situação impor-

utilização de modelos se justifica, igualmente, por

tante e que desperte a atenção de um número con-

não termos acesso ao sistema, como é o caso de

siderável de pessoas, muito provavelmente muitas

se explicar a origem do homem ou dos planetas,

pessoas se interessarão pelo ocorrido e, princi-

dentre muitos outros exemplos.

palmente, pela sua explicação. A partir daí, esta

Os comentários destacados nestes últimos

ocorrência passou a despertar a atenção de muitas

parágrafos são muito importantes; eles se referem

pessoas e sua explicação se torna cada vez mais

ao fato de que, em muitas situações, um modelo

importante.

surge a partir de uma ideia muito pessoal de alguém

Se, e apenas se, a nossa maneira de imaginar o

sobre alguma observação. Na verdade, em nosso

ocorrido, ou a nossa interpretação, ou o nosso con-

dia a dia, a coisa mais comum em nossas vidas é

junto de ideias para justificar o ocorrido ou, mais

a ocorrência de algum imprevisto, a partir do qual,

simplesmente, o nosso modelo, for aceito pela

de imediato e instintivamente, criamos uma justi-

maioria das pessoas e elas começarem a pensar e a

ficativa ou uma explicação para tal fato em nosso

analisá-lo, esta nossa maneira de interpretar o fenô-

subconsciente. A partir deste instante, esta passa

meno vai se tornando cada vez mais importante.

a ser a nossa verdade. E nós só a abandonaremos

Em uma situação ideal, na qual a maioria das

a partir do momento em que alguém, com argu-

pessoas utiliza a mesma maneira de pensar, ou o

mentos muito convincentes, comprove que o nosso

mesmo modelo, este passa a adquirir uma conota-

raciocínio não é o mais adequado para explicar tal

ção científica e deixa de ser um modelo pessoal e

fenômeno. Acreditamos que seja isto que aconteça

individual, passando a ser adotado como a melhor

na mente de qualquer pessoa.

maneira de se interpretar determinado fenômeno, uma

tornando-se, assim, a melhor maneira de pensar,

sequência de raciocínio, partindo das situa-

Normalmente,

tentamos

estabelecer

ou melhor dizendo, um modelo científico. Este

ções mais corriqueiras, até chegar ao modelo.

modelo científico torna-se então o melhor enten-

Considerando-se a situação descrita no parágrafo

dimento, aceito pela comunidade científica, sobre

anterior, podemos dizer, grosso modo, que a pri-

determinado fenômeno ou observação, seja ele

meira ideia que se forma em nosso subconsciente,

qual for.

para explicar qualquer fenômeno, seja ele qual for

Todos estes comentários feitos anteriormente

e independentemente de seu grau de importância,

permitem, de alguma forma, expressar o enten-

representa um modelo. Entretanto, este modelo

dimento sobre modelo. Depois de tudo o que foi

é muito pessoal e existe apenas em nossa ima-

discutido, deve ficar bem claro que o modelo, seja

ginação, auxiliando apenas e tão somente a nós

ele científico ou não, origina-se a partir da imagi-

mesmos, embora não saibamos exatamente nem

nação de alguém e, com o passar do tempo, passa

para quê. Contudo, ele não deixa de ser o “nosso

a ser adotado como forma de pensamento por

modelo” para explicar tal situação.

outras pessoas. Não é uma filosofia de vida, mas

Até este ponto, este modo de imaginar a situa-

sim, apenas uma maneira de pensar e interpretar o

ção não tem qualquer conotação científica. Como

mundo em que vivemos. Assim sendo, cada um de

já dissemos, ele é importante apenas e tão somente

nós pode escolher as suas próprias palavras para

para nós mesmos. Contudo, se o imprevisto ocor-

expressar o seu entendimento sobre modelo, seja

rido, a partir do qual sugerimos o nosso modelo,

ele científico ou não.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

15


O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral

2.1

mão, para entender o que há por trás da res-

O entendimento acadêmico sobre modelo científico

posta a um estímulo aplicado a um sistema. Em ciência, muitos fatos não podem ser

Pensando desta maneira, um conjunto bem

observados pelos sentidos do observador;

heterogêneo de pessoas, das mais diferentes ori-

o que ele percebe é o estímulo dado a um

gens e formações, mas baseadas nas mesmas infor-

sistema e a resposta que o mesmo devolve.

mações sobre o significado e a utilização do termo

Assim, para entender o mecanismo do que

modelo, abordado em duas aulas de 50 minutos,

o estímulo provoca no sistema, até este dar

em disciplinas de Química Geral oferecidas no

uma resposta, imagina-se um modelo ou

Instituto de Química da UNICAMP, expressou o

uma suposição desse mecanismo, que será

seu entendimento da seguinte forma:

corroborado por resultados experimentais.

1. Modelo científico é uma concepção

5. O modelo científico é uma representação

humana sobre um fato, o qual não pode ser

imaginária, oriunda da mente do cientista,

observado ou explicado com o simples ato

que tenta explicar por meio de equações e

de visualizar o que realmente acontece. A

suposições, a realidade ou algum aconteci-

partir de dados experimentais, ele pode ser

mento da natureza.

comprovado; a partir daí, ele passa a ser aceito pela comunidade científica.

ilustrar e simplificar um raciocínio, ou

2. Modelo científico é uma tentativa de

seja, ele é uma tentativa de padroniza-

explicação que se origina única e exclu-

ção de uma ideia. Para esta padroniza-

sivamente da imaginação do homem; ela

ção, existe a necessidade de comparar os

surge a partir do momento em que se tenta

resultados obtidos utilizando-se este ins-

explicar algo cuja observação não pode

trumento, com os resultados experimen-

ser feita a olho nu. Assim, sugere-se uma

tais. Para que o modelo seja aceito, estes

explicação (um modelo) que responda a

resultados devem ser muito parecidos.

todos os eventos que ocorrem neste objeto

Podemos resumir esta ideia dizendo que o

de estudo.

modelo é o argumento utilizado para tentar

3. O modelo é algo que representa o conjunto de normas e regras que tenha o compro-

16

6. O modelo científico é um artifício para

entender o comportamento adquirido pela espécie em estudo.

misso de transmitir o que, atualmente, se

7. O modelo científico é um conjunto de fato-

acredita que seja “a verdade” e que toda

res que, se aplicado a um determinado tipo

a comunidade científica aceite. O modelo

de sistema, é capaz de explicar o seu com-

aceito é aquele mais comprometido com

portamento. Se, por acaso, este modelo

algumas ideias comprovadas a partir

perder esta capacidade, ele é descartado e

de alguns testes experimentais. Daí em

se cria um outro.

diante, todas as ideias posteriores estarão

8. O modelo científico é uma forma de repre-

amarradas a esta ideia primitiva, que é o

sentar aquilo que não podemos ver; ele

modelo aceito até então.

representa o pensamento ou as ideias da

4. Pode-se dizer que o modelo científico é um

época em que foi criado e não possui exis-

conjunto de ideias, sem existência física,

tência física. O modelo é uma explicação

que o observador de um fenômeno lança

para algum fato e não precisa, necessaria-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral

mente, representar a realidade, mas sim,

13. O modelo é a transcrição de uma ideia acerca

aquilo que está na mente do observador,

de determinado conhecimento. Ele não des-

seja ele quem for.

creve exatamente o real, mas serve como um

9. O modelo científico representa o “amál-

caminho para o entendimento deste.

gama” de observações e estudos que, em

14. O modelo é um artifício para tentar enten-

conjunto, dão fundamento, estruturação

der ou explicar alguma coisa. Já para ter

e, acima de tudo, veracidade àquela ideia,

uma conotação científica, ele deve repre-

inicialmente, posta em questão.

sentar uma base teórica criada para explicar

10. Um modelo pode ser, inicialmente, uma

toda e qualquer característica de um fenô-

“ideia pessoal” que explique algum fenô-

meno estudado. De acordo com a necessi-

meno que o homem não é capaz de explicar

dade, ele pode, ou deve, sofrer adaptações

pela simples observação. Se, com o pas-

ou alterações para melhor atender à ciência

sar do tempo, esta ideia for sendo utilizada

ou ao conhecimento acumulado ao longo

pela comunidade científica de uma época,

do tempo no qual o mesmo é utilizado.

ou então, se ela condizer com um conjunto de resultados experimentais, ela deixa de

Estas catorze maneiras de expressar o entendi-

ser uma “ideia pessoal” e passa a ser um

mento sobre o significado de modelo foram obtidas

“modelo científico”. Usando-se este instru-

a partir do mesmo tipo de informação, fornecida a

mento, ou seja, o modelo científico, é pos-

alunos de graduação, no início de sua formação em

sível investigar aspectos importantes do sis-

química. Desta maneira, ao mesmo tempo em que

tema ou objeto em estudo e transmitir este

se complementam, elas refletem o entendimento

conhecimento de forma a ser compreensível

particular e individual que se tem sobre algo que

e tangível àqueles que iniciam seus estudos

não se pode enxergar, mas que se tem que analisar.

científicos nas várias áreas do conhecimento.

É uma situação muito interessante e, ao mesmo

11. O modelo é a criação de uma mente fér-

tempo, muito corriqueira no meio científico.

til. É um conjunto de argumentos ou ideias

É importante ressaltar que toda a discussão

que, unidas, explicam fenômenos naturais

que fizemos até este ponto se restringiu apenas

ou não. É um modo imaginário de tentar

ao significado do termo “modelo”, de maneira

entender sistemas que fogem da realidade

muito geral. Ela se aplica a qualquer situação do

absoluta ou consolidada; em outras pala-

cotidiano, seja qual for o meio em que vivamos.

vras, é uma maneira de imaginar sistemas

Sob este aspecto, é muito importante, uma vez que

para os quais não existe uma certeza abso-

permite verificar a abrangência deste termo que,

luta sobre o que ocorre nos mesmos.

queiramos ou não, está intimamente relacionado

12. O modelo pode ser o fruto da imagina-

ao nosso cotidiano. O problema é que, normal-

ção de qualquer pessoa sobre questões do

mente, não conseguimos “enxergar” aquilo que

cotidiano, buscando o entendimento das

está diante dos nossos olhos. Ao que tudo indica,

mesmas. Assim, ele representa uma linha

o perfeito entendimento do significado de modelo

de raciocínio que se utiliza para explicar

é que nos permite entender e interagir com o meio

alguma coisa, fenômeno ou observação.

no qual vivemos e do qual fazemos parte.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

17


O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral

3

anos, percebemos, inequivocamente, que o enten-

Algumas questões para reflexão 1. Quando é que um modelo deixa de ser modelo? 2. Em quais áreas do conhecimento a utilização de modelos é mais importante? 3. Sob quais circunstâncias um modelo passa ser científico? 4. Para um deficiente visual total, existe diferença acentuada entre os modelos pessoais e os modelos científicos? 5. Somos capazes de inserir o entendimento acerca de modelos em uma comparação sonho versus realidade? 6. Os modelos podem se confundir com crença, seja ela de qualquer natureza?

4

ser alcançado com sucesso no nível superior, a partir de aulas presenciais que envolvem a participação efetiva dos alunos. Sob este aspecto, convém ressaltar que a aula é muito importante e a relação preliminar com o cotidiano, a partir de exemplos acessíveis a todos os alunos, foi fundamental na aceitação da ideia de que os modelos permeiam a nossa vida, independentemente de nossa atividade. Além disso, a transposição do significado de modelos para uma conotação científica foi muito facilitada pelo discurso preliminar sobre os modelos que utilizamos em nossa vida cotidiana. Finalmente, como demonstrado pelos alunos, a expressão do entendimento sobre o significado de modelo científico é particular para cada indi-

Comentários finais

víduo; entretanto, todas estas expressões con-

Através da condução deste trabalho com alunos ingressantes no nível superior, ao longo de três

18

dimento do significado de modelo científico pode

vergem para a mesma ideia e importância destes modelos.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Artigo 02 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

p. 19-27

Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química The Philosophical Approach Concerning Models and Its Importance in Chemistry Teaching Uarison Rodrigues Barreto1 e Nelson Rui Ribas Bejarano2

Resumo Considerando a importância do uso dos Modelos para a Educação em Ciências e para a Química, em especial, um aspecto de suma importância para o entendimento do mundo é a compreensão dos modelos frente às teorias científicas. Neste trabalho, procuramos entender o estágio atual da discussão da filosofia da ciência e da filosofia da química sobre modelos. Busca-se verificar o que pensam os filósofos da ciência sobre o que são os modelos e como essas visões podem contribuir para o ensino de química. Propõe-se realizar o estado da arte sobre os modelos buscando colocá-lo a serviço da formação do professor em ciências. A partir da análise das principais visões dos referenciais, foram consideradas como relevantes algumas implicações para o ensino de química. Dentre as principais visões dos filósofos da ciência sobre os modelos, temos: entidades abstratas, sistemas que podem ser construídos a partir da mente humana, representação e construção científica. Palavras-chave: Ensino; Modelos; Filosofia da ciência. Abstract Considering the importance of the use of Models for Education in Science and Chemistry in particular, an aspect of paramount importance for the understanding of the world is the understanding of the models in the face of scientific theories. In this work, we seek to understand the current state of the discussion philosophy of 1. Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História da Ciência, Universidade Federal da Bahia/Universidade Estadual de Feira de Santana. 2. Professor da Universidade Federal da Bahia.


Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química

science and philosophy of chemistry on models. Seeks verify what philosophers of science think about what models are and how these views can contribute to the teaching of chemistry. Proposes to carry out the state of the art models seeking to put it in the service of teacher training in science. From analysis of the main visions of the references were considered as relevant some implications for teaching chemistry. Among the main views of the philosophers of science about the models: abstract entities, systems that can be constructed from the human mind, representation and scientific construction. Key-words: Teaching; Models; Philosophy of science.

1

do papel dos modelos nas Ciências e sobre sua

Introdução

utilização no ensino de Ciências. Assim, o enten-

No ensino de ciências, a busca pela compre-

dimento sobre o que são os modelos e o que nós

ensão e representação da realidade sempre foi

podemos conhecer a partir deles em ciências –

um desafio. Nesse sentido, Krapas et al. (1997),

por exemplo, por mais elaborados que sejam os

Machado e Vieira (2008) afirmam que a literatura

modelos, logo das teorias científicas, não podemos

tem apontado a existência de uma polissemia con-

afirmar total precisão sobre a natureza atômica e,

ceitual em relação aos modelos. Diante deste con-

sobretudo, sobre o seu valor de verdade neste con-

texto, Suppe (1989) aponta que a palavra “modelo”

texto, pois há muito ainda a se conhecer sobre sua

deve ser utilizada com extremo cuidado, uma vez

estrutura – são questões essenciais para a educação

que ela pode significar algumas coisas diferentes

científica. Nesse contexto, propõe-se a reflexão

na ciência. Ainda nesta perspectiva, Suppe (1977)

sobre os modelos como um capítulo de qualquer

comenta:

estudo sobre a relação entre a realidade sensível e os procedimentos pelos quais a ciência deriva

Alguns sentidos diferentes estão relacionados ao termo “modelo”; um deles é o sentido de uma interpretação semântica da teoria, tal que os teoremas da teoria sejam verdadeiros sob essa interpretação. Esse é o sentido no qual estivemos empregando “modelo” até aqui; vou me referir a tais modelos como modelos matemáticos. Um segundo sentido de modelo é aquele de um modelo em escala, um modelo de avião, um modelo de túnel de vento etc. É fundamental para essa noção a idéia de que um modelo é um modelo de alguma coisa ou tipo de coisa, e que funciona como um ícone daquilo que modela – isto é, o modelo é estruturalmente similar (isomórfico) àquilo que ele modela. Vou me referir a eles como modelos icônicos (p. 96-97).

conhecimento sobre ele. Admitindo a Química como uma ciência extremamente modelar, torna-se indispensável o entendimento sobre modelos para a construção do conhecimento científico (Bunge, 1974; Morgan; Morrison, 1999). Para Galagovsky e Adúriz-Bravo (2001), do ponto de vista epistemológico, a noção de modelo está estritamente ligada à teoria. Contudo, este trabalho pretende realizar o estado da arte sobre o que pensam os filósofos da ciência sobre o que são modelos e como essas visões podem contribuir para o ensino e aprendizagem em química. Partindo do estudo inicial do estado da arte, procuramos responder as seguintes questões: quais

Ademais, Giere (1999), Harrison e Treagust

são as concepções dos filósofos da ciência sobre

(2000) apontam para uma maior atenção em torno

o termo “modelos”, ou seja, qual o estágio atual

20

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química

da discussão sobre modelos dentro da filosofia da

(modelos, por exemplo) têm sido objeto de debate

ciência e da filosofia da química em particular? De

entre realistas científicos e antirrealistas. Vale

que forma as visões dos filósofos podem contribuir

salientar que, para algumas correntes do realismo,

para o ensino de química, que é uma ciência extre-

o modelo tem correspondência com a realidade, ou

mamente baseada em modelos?

compromisso com a verdade. Em relação ao rea-

Tendo como pressuposto que o ensino de

lismo científico, Fraassen (1980) alega:

Química é relevante como uma das formas de

A ciência busca fornecer em suas teorias uma descrição literalmente verdadeira de como é o mundo; e a aceitação de uma teoria científica envolve como crença a de que ela seja verdadeira (p. 8).

entendimento do mundo, a necessidade de se buscar respostas para as questões levantadas nesse trabalho convergem para uma melhor compreensão sobre os modelos e seu papel frente às teorias científicas. Ainda nesse sentido, Fraassen (1980) alega que a noção de modelo é, de fato, mais conveniente para a interpretação das teorias científicas. Além disso, seria interessante identificar as concepções dos filósofos da ciência sobre o termo “modelos” e buscar entender a polissemia dos modelos das ciências, além de verificar como as visões dos filósofos da ciência podem contribuir para o ensino de química. 2

Os modelos e os realismos na filosofia da ciência A importância da Filosofia da Ciência para a educação científica tem sido amplamente reconhecida na literatura nas últimas décadas. Nesse

De acordo com a visão de Fraassen (2007), temos que, na atualidade, a mecânica quântica, por exemplo, é uma teoria fundamental e aceita pela maioria dos cientistas das ciências da natureza. Além disso, comentando sobre o realismo ingênuo, ele afirma a existência de uma concepção concreta da verdade, ou seja, da real existência de determinadas entidades propostas pela ciência, em que afirma que ao realista científico a crença de que as teorias de hoje são corretas (p. 24). Ademais,

verifica-se também a existência de formas brandas de realismo – o realismo de entidades e realismo estrutural. Assim, para o realista de entidades, as partículas fundamentais da matéria existem, por exemplo. O seguinte pensamento alega:

sentido, procuramos entender o que a Filosofia

[...] eu não estou preocupada exclusivamente com o que pode ser observado. Eu acredito em entidades teóricas e em processos causais também. Todo tipo de coisas inobserváveis está em ação no mundo, e mesmo se quisermos prever apenas resultados observáveis, ainda teremos de olhar para suas causas não observáveis para obter as respostas certas (Cartwright, 1983).

da Ciência tem a dizer sobre modelos na ciência, sobretudo, a visão dos realistas e antirrealistas nesse processo. Segundo a ótica do realista, consiste, de maneira resumida, na alegação de que as teorias científicas aceitas são descrições aproximadamente verdadeiras da realidade nos domínios respectivos, o que inclui alegações sobre a existência de entidades que não podem ser diretamente

Admite-se, de acordo com Cartwright (1983),

observadas, os modelos. Por sua vez, com base

que o realista de entidades acredita na existência

em Chibeni (1993), o termo “realismo” refere-se

das causas (entidades) e que a ciência pode obter

a uma posição filosófica relativa a classes de obje-

conhecimento, a respeito dessas entidades (por

tos, como, por exemplo, as entidades não observá-

exemplo, elétrons etc.) que não são diretamente

veis das teorias científicas. Assim, essas entidades

observáveis. Nessa perspectiva, a autora aponta

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

21


Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química

para a existência do comprometimento dos rea-

algum quadro teórico aceitável, de modo que elas possuam alguma utilidade epistêmica (p. 8).

listas com entidades inobserváveis. Acredita-se, baseado na autora, que este compromisso decorre

É fato, o filósofo Putnam afirma que não existe

da tentativa de explicação da ciência e de algumas

mundo fora da nossa mente. Reforçando tal pers-

modalidades cognitivas. Ademais, o filósofo Mário

pectiva, o autor aponta para a impossibilidade do

Bunge analisa a função dos modelos na constitui-

acesso ao real, no sentido de que não podemos ava-

ção do conhecimento teórico das ciências, em que,

liá-lo ou descrevê-lo, segundo algumas premissas,

segundo o autor, o caráter teórico do conhecimento

ou seja, não existe uma descrição única, completa

serve como medida de progresso científico, mais

e verdadeira do mundo. O autor ainda aponta a

do que o volume de dados empíricos acumulados.

existência de certo subjetivismo quando julgamos

Isso decorre da necessidade de apreender o real.

a relação entre teoria e realidade, denominando-

Diante desse contexto, Bunge afirma:

-o de aceitabilidade racional. De acordo com este autor, a teoria não é exatamente a realidade, mas o

Os modelos são abordados na medida em que se procuram relações entre as teorias e os dados empíricos. Por outro lado, os dados empíricos, apesar de mais próximos da realidade, não podem ser inseridos em sistemas lógicos e gerar conhecimento. Desta aparente dicotomia entre teórico e empírico, é introduzida a modelização como instância mediadora (apud Pietrocola, 1999).

melhor que temos até o presente momento. 3

Este trabalho caracteriza-se por uma investigação do tipo Estado da Arte sobre os modelos a

O realismo estrutural – outra versão branda do realismo – é formado pelo realismo estrutural epistemológico e o ontológico. Na literatura especializada, o realismo estrutural epistemológico aponta que todo o nosso conhecimento sobre o mundo está representado pelas teorias científicas; é estrutural, a ciência não nos mostra nada que esteja além da estrutura, ou seja, da “coisa em si”. Já o realismo estrutural ontológico nos diz que tudo aquilo que conhecemos do mundo são estruturas porque as estruturas existem, e nada mais além delas. Entretanto, ao contrário do realista, o antirrealista não se compromete nem com a teoria, nem com os modelos. Nesta perspectiva, Silva (1998) menciona que não há estatuto ontológico da existência das entidades. O autor ainda comenta: [...] a experiência não pode legitimar a ciência e que a finalidade das teorias não é a verdade, mas apenas uma acomodação das nossas crenças a

22

Metodologia

partir da Filosofia das Ciências, a qual será dividida em dois momentos. No primeiro, é preciso verificar o que pensam os filósofos sobre o que são os modelos dentro da literatura especializada. Para isso, estamos delimitando esse estudo entre 1960 e 1970, quando havia predominância da visão semântica e sintática das teorias científicas. Posteriormente, diante das principais concepções dos filósofos da ciência, deseja-se discutir algumas possíveis implicações para o ensino de química e de modelos visando colocar o estado da arte a serviço da formação do professor. Cartwright (1983) aponta que a estratégia da inferência da melhor explicação deve ser limitada a uma inferência das “causas” do fenômeno, uma vez que as causas são inquestionavelmente reais. Portanto, os dados obtidos relativos às concepções dos referenciais teóricos serão coletados por relatos de pesquisa em artigos de revistas científicas, textos e livros acerca do tema investigado.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química

4

Estado da arte sobre modelos O debate sobre modelos têm tido uma repercussão relevante na Filosofia da Ciência. Nesta

ou seja, como prescrições do comportamento dos cientistas que desejam construir a máquina nomológica – geraria as regularidades empíricas que as leis científicas descrevem – descrita no modelo.

perspectiva, uma quantidade significativa de filó-

A abordagem semântica tem início na segunda

sofos reconhece a importância de modelos e está

metade do século XX. O seu nome deve-se ao fato

investigando os papéis variados que os modelos

de adotar uma estratégia interpretativa na aborda-

desempenham na construção do conhecimento.

gem das teorias preocupada principalmente com

Dentre os referenciais teóricos, destacamos os

questões como o significado, a referência dos ter-

seguintes autores: Black (1962), Cartwright (1983,

mos da teoria, a verdade entre outras questões. Tal

1999), Fraassen (1980, 2007), Hesse (1966),

abordagem consiste em considerar as teorias como

Hempel (1977), Giere (1990), Morrison e Morgan

famílias de modelos, e não mais como conjuntos

(1999), Nagel (1961) e Suppe (1977, 1989). Esses

de axiomas escritos em uma linguagem formali-

pesquisadores foram assim adotados em função de

zada, conforme a abordagem sintática.

terem realizado pesquisas de grande importância

Contudo, na abordagem semântica, as teorias

neste campo disciplinar e pelas diversas contribui-

são, portanto, entidades extralinguísticas (famí-

ções de suas pesquisas para a Filosofia da Ciência.

lias de modelos e não conjunto de proposições).

A utilização de modelos tornou-se uma área

Os modelos é que ocupam o lugar central observa

relevante de análise filosófica. De acordo com a

o autor (Fraassen, 1980, p. 44). Entre os autores

literatura, os filósofos admitem que os modelos

que defendem essa abordagem, destacam-se Bas

podem levantar questões de semântica (função de

van Fraassen, Frederick Suppe, Mary Hesse e

representação dos modelos); por outro lado, um

Ronald Giere. Segundo Suppe (1989), as teorias

modelo pode representar uma teoria, no sentido de

científicas devem ser interpretadas como estru-

que ele interpreta as leis e axiomas dessa teoria, a

turas abstratas que são, segundo o autor, “mode-

Ontologia – o que são os modelos – e Epistemologia

los matemáticos”. Admite-se que essa tipologia

– como podemos aprender com os modelos na filo-

de modelos deva ser desenvolvida para a prática

sofia da ciência – que se baseia na forma pela qual

científica. Assim, por exemplo, em uma situação

os modelos se relacionam com a teoria, bem como

real e conhecida, o modelo auxilia a elaboração de

as suas implicações para a ciência.

leis que ali se aplicam. É importante lembrar que

Podemos verificar, também, a existência de

os modelos também têm desempenhado um papel

correntes da Filosofia da Ciência que enten-

central na compreensão da natureza das teorias

dem o papel dos modelos de diversas maneiras.

científicas. Reforçando tal perspectiva, de acordo

Inicialmente, visando à compreensão adequada

com Fraassen (1980), os modelos, na prática cien-

do significado de modelo a partir de uma discus-

tífica e na prática epistemológica, devem ser utili-

são filosófica, verifica-se que alguns filósofos da

zados para interpretar as teorias científicas, assim

ciência defendem a abordagem semântica (con-

como outros defensores da abordagem semântica

cepção operacionalista tanto dos modelos quanto

que, diferentemente da abordagem sintática ou

das leis e teorias científicas). Assim, essa aborda-

axiomática – as teorias científicas não devem ser

gem está mais próxima da forma operacional da

interpretadas em termos linguísticos –, as teorias

qual a autora Cartwright (1999) comenta, as leis

científicas não devem ser interpretadas como siste-

científicas são vistas de maneira operacionalista,

mas de axiomas, mas como conjunto de modelos.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

23


Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química

Isso implica que, as teorias devem ser interpretadas

modelo teórico é abstrato e não precisa ser cons-

como classes de modelos, enquanto entidades abs-

truído, mas, ao contrário, apenas descrito pelos

tratas de situações do mundo real nas quais valem

cientistas que o utilizam.

as leis. Em princípio, para os defensores da abor-

Hesse (1966), por sua vez, introduz o pensa-

dagem semântica, as teorias são estruturas abstra-

mento de que as analogias envolvidas nos mode-

tas representadas por axiomas, ou leis, ou relatos e

los científicos são de três tipos: analogia positiva,

descrições de menor grau de generalidade.

quando há aspectos semelhantes entre as duas

Na literatura epistemológica, Hesse (1966)

coisas (exemplo, moléculas de um gás e bolas de

se baseia nas ideias de Max Black, dentre outros

bilhar tem massa); analogia negativa, quando não

autores. Em seu livro, Modelos e Metáforas, Black

há semelhanças entre as duas coisas (exemplo,

(1962) apresenta a tipologia de modelos em escala,

bolas de bilhar são coloridas, as moléculas de gás

analógicos, matemáticos e teóricos. O autor faz

não são) e; a analogia neutra, quando os aspectos

distinção entre os modelos em escala e os mode-

envolvidos ainda não foram descobertos, mas que

los analógicos. Segundo Black, a principal carac-

poderão ser quando estudamos o modelo.

terística que um modelo em escala tem é que ele

As discussões de Black e Hesse, portanto, con-

é um objeto material icônico, ou seja, tem uma

vergem para um mesmo ponto, em que conside-

relação com a realidade que, de certa forma, cap-

ram os modelos como entidades possuidoras de

tura alguma qualidade dessa realidade; contudo, a

caráter abstrato/analógico. Pode-se afirmar que

relação entre o modelo e a realidade é qualitativa.

as abordagens de Nagel (1961) e Hesse (1966)

Por outro lado, o modelo analógico, apesar de ser

sobre modelos são realizadas de formas semelhan-

considerado um objeto material e icônico, captura

tes. Verifica-se que Hesse (1966), utiliza o termo

uma rede de relações bastante abstratas que é a

“modelo” para dar nome aos sistemas que são ape-

analogia da forma/estrutura.

nas “imagináveis” ou que podem ser construídos

Black (1962) também discute sobre os modelos

a partir da mente humana. Entretanto, Hempel

matemáticos como objetos abstratos. Segundo ele,

(1977) sinaliza os modelos como fundamentais nas

os modelos matemáticos não nos dizem como ou

ciências, pois desempenham um papel essencial no

por que os sistemas funcionam de tal forma; na ver-

desenvolvimento de novas teorias e na compreen-

dade, os modelos matemáticos apenas nos dizem

são de novos fenômenos. Assim, modelos como o

como eles se comportam. Por exemplo, tal gráfico

de Bohr, utilizado para o átomo de hidrogênio, e o

mostra o comportamento de uma substância ao ser

modelo da molécula de DNA, são utilizados pelo

aquecida em um intervalo de tempo, segundo algu-

autor para reforçar sua concepção. Segundo Suppe

mas premissas. Mas se questionarmos: por que é

(1989), os modelos possuem o papel de represen-

que a substância se comporta assim? Não será no

tar tais estados, sendo que a correspondência entre

modelo matemático que encontraremos a resposta,

o modelo e o comportamento de um sistema não

mas em uma determinada teoria na qual o modelo

precisa ser uma correspondência que apresente

está inserido. Nesse caso, precisaríamos estudar o

uma forma idêntica.

que caracteriza uma substância.

Retomando a abordagem semântica, outro

Finalmente, o autor discute também sobre

filósofo da ciência que a defende é Giere. O autor

modelos teóricos, que são aqueles modelos que

aponta o termo “modelo” como objeto abstrato e

os cientistas utilizam na ciência. Para Black, um

ainda comenta:

24

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química

Em meu entendimento pessoal da prática científica, o conceito fundamental é aquele de modelo. Para mim, os modelos na ciência são entidades fundamentalmente representacionais. Sustento que os cientistas utilizam tipicamente os modelos para representar aspectos do mundo. A classe de modelos científicos inclui modelos físicos em escala e representações diagramáticas, mas os modelos que mais interessam são os teóricos. Estes são objetos abstratos, entidades imaginárias cuja estrutura pode ou não ser semelhante a aspectos dos objetos e processos no mundo real. Os próprios cientistas tendem mais a falar do ajuste entre seus modelos e o mundo, uma terminologia que adoto com agrado (Giere, 1999, p. 5).

filósofos é aceitar os modelos como sistemas que

Segundo Giere (1999), os modelos teóricos são

representação no ensino de modelos; na maioria

entidades abstratas que possuem propriedades que

dos casos elas devem ser parciais, não são reais

as teorias científicas lhes atribuem e que satisfa-

ou cópias da realidade, possuem limitações e, de

zem determinadas leis, embora ele os utilize como

acordo com Morisson e Morgan (1999), tanto

representações. Os principais pontos de vista dos

“abstraem a partir de” quanto “traduzem em

filósofos citados até aqui encontram-se relaciona-

outra forma” a natureza real do sistema ou ideia.

dos no Quadro 1.

Sugere-se que os docentes repensem a postura de

podem ser construídos a partir da mente humana, conforme descrito pela filósofa Hesse. Neste contexto, é necessário que o professor de química discuta a perspectiva de que nenhum modelo é perfeito, pois todos os que são utilizados são produtos de construções humanas. Além disso, existe a impossibilidade do acesso direto à realidade, ou seja, as explicações para muitos fenômenos químicos que são percebidos no nível macroscópico, situam-se no nível submicroscópico. É importante destacar, ainda, o entendimento de modelo como representação para alguns autores. Acreditamos que se deva discutir a ideia de

A partir do pensamento destes filósofos da

que o modelo é apenas uma representação limi-

ciência, discutiremos algumas implicações que

tada que é utilizada para explicar o fenômeno, não

consideramos relevantes para o ensino de química

como evidências cabais de como se apresenta a

e de modelos. Verifica-se que a maioria desses pen-

realidade. Além disso, cabe enfatizar também que,

samentos converge para ideia de modelos como

enquanto representação, um modelo não é capaz

sendo entidades abstratas. No ensino, isso implica

de abarcar todos os aspectos relacionados a uma

que aqueles que têm interesse em compreender a

dada realidade.

Química precisam buscar o entendimento de um

Todos os modelos apresentam abrangências e

mundo submicroscópico para explicar as possíveis

limitações; a partir deste pressuposto propõe-se

realidades do mundo fenomênico. Outra ideia dos

que tais limitações devam ser discutidas e avalia-

Quadro 1.  Relação dos principais referenciais teóricos sobre o tema modelos. Referenciais Teóricos

Visões sobre Modelos

Nancy Cartwright

Modelos – abstração

Van Fraassen

Modelos – interpretar as teorias científicas / entidade abstrata

Frederick Suppe

Modelos – representação/construção científica /entidade abstrata

Ronald Giere

Modelos – entidades abstratas / representações

Ernest Nagel e Mary Hesse

Modelos – sistemas construídos a partir da mente humana

Max Black e Mary Hesse

Modelos – entidades de caráter abstrato e analógico

Carl Hempel

Modelos – desenvolvimento de novas teorias e na compreensão de novos fenômenos

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

25


Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química

das pelo professor. Por fim, um aspecto comum entre alguns autores converge para a ideia de modelo como construção científica. Essa concepção é de grande valia para o entendimento sobre modelos, pois é factual pensar que o progresso científico ocorre quando os cientistas formulam questões sobre o mundo físico e as discutem baseados em algum modelo específico. 5

Considerações finais A proposta desse trabalho era enfatizar a importância da discussão filosófica sobre modelos em função da sua importância para o ensino, sobretudo, o de química. Para que o ensino de química seja mais autêntico e sirva como apoio para alcançar o objetivo que se deseja, sugerimos que os professores façam uma profunda reflexão sobre o termo “modelos” e as explicações que os acompanham. O olhar filosófico que permeou este trabalho permitiu compreender melhor a complexidade dos modelos na ciência, de forma a verificar como as visões dos filósofos da ciência podem contribuir para o ensino de química, que é uma ciência baseada essencialmente em modelos. Verificamos que a discussão filosófica pode contribuir para o ensino, pois nos propicia um entendimento mais autêntico, rico e adequado sobre os objetos científicos (modelos da ciência); além disso, ela pode melhorar a formação do educador, auxiliando-o no seu aprendizado para compreender adequadamente o mundo real.

6

Referências BLACK, M. Models and Metaphors: studies in language and philosophy. Ithaca and London: Cornell UP, 1962. BUNGE, M. Filosofia da física, Edições 70, O Saber da Filosofia, Lisboa, 1973. ______. Teoria e Realidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974.

26

CARTWRIGHT, N. How the laws of physics lie. Oxford: Clarendon Press, 1983. ______. The dappled world: a study of the boundaries of science. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1999. CHIBENI, S. N. Descartes e o realismo científico. Reflexão, n. 57, p. 35-53, 1993. GALAGOVSKY, L.; ADÚRIZ-BRAVO, A. Modelos y analogias en la enseñanza de las ciencias naturales. El concepto de modelo didáctico analógico. Revista Electrónica Enseñanza de las Ciencia, v 19, n. 2, 2001. GIERE R. N. Explaining science: a cognitive approach. Chicago: The University of Chicago Press, 1988. ______. Usando modelos para representar a realidade. Trad. Walter A. Bezerra / Universidade Federal do ABC. In: MAGNANI, L.; NERSESSIAN, N. J.; THAGARD, P. Model-based reasoning in scientific discovery. New York: Kluwer/Plenum, 1999, p. 41-57. ______. Science without laws. Chicago: University of Chicago Press, 1999a. HARRISON, A. G.; TREAGUST, D. F. Learning about atoms, molecules and chemical bonds: a case study of multiple-model use in grade 11 Chemistry. Science Education, Pennsylvania, v. 84, p. 352-381, 2000. HEMPEL, C. G. Formulation and formalization of scientific theories. A summary – abstract. In: SUPPE, F. (Ed.). The structure of scientific theories. Urbana/ Chicago, University of Illinois Press, 1977, p. 244-65. HESSE, M. B. Models and analogies in science. Notre Dame, EUA: University of Notre Dame Press, 1966. JUSTI, R. S.; GILBERT, J. K. A Cause of a historical of teaching: use of hybrid models. Science Education, v. 83, n. 2, p. 163-177, 1999a. KRAPAS, S. et al. Modelos: uma análise de sentidos na literatura de pesquisa em ensino de ciências. Revista Investigações em Ensino de Ciências, v. 2, n. 3, p. 185-207, 1997. MACHADO, J.; VIEIRA, K. S. Modelização no ensino de física: contribuições em uma perspectiva bungeana. XI Encontro de Pesquisa em Ensino de Física. Curitiba. 2008. MORRISON, M.; MORGAN, M. “Models as Mediating Instruments” in Morgan and Morrison, 10-37. In: MORGAN; MORRISON (Eds.). Models as Mediators: Essays on the Philosophy of the Natural and Social Sciences, Cambridge: CUP, 38-65, 1999.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química

NAGEL, E. The structure of science. London: Routledge and Kegan Paul, 1961.

SUPPE, F. (Ed.). The structure of scientific theories. 2. ed. Urbana: University of Illinois Press, 1977.

PIETROCOLA, M. Construção e realidade: o realismo científico de Mário Bunge e o ensino de Ciências através de modelos. Investigações em Ensino de Ciências, v. 4, n. 3, p. 213-227, 1999.

______. The Semantic Conception of Theories and Scientific Realism, Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1989.

PUTNAM, H. Meaning and Moral Sciences. London: Routledge & Kegan Paul, 1978.

VAN FRAASSEN, B. C. The Scientific Image. Oxford, Clarendon Press, 1980.

______. Reason, Truth and History. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.

______. Laws and Symmetry. Oxford University Press, 1989.

SILVA, M. R. Realismo e antirrealismo na ciência: aspectos introdutórios de uma discussão sobre a natureza das teorias. Ciência & Educação, v. 5, n. 1, p. 7-13, 1998.

______. A Imagem Científica. Trad. Luiz Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: Editora UNESP: Discurso Editorial, 2007.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

27


Artigo 03 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

p. 28-32

Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio Epistemological Obstacles: an analysis of Chemistry textbooks in High School Ana Claudia Pedrozo da Silva1, Angélica Priscila Parussolo1, Washington Lombarde2 e Angélica Cristina Rivelini da Silva3

Resumo O presente trabalho tem como objetivo realizar uma pesquisa com os livros didáticos da disciplina de Química mais utilizados na rede pública, com base na epistemologia de Gaston Bachelard, analisando mais especificamente a existência dos obstáculos epistemológicos: verbal, substancialista e animista. Buscamos, assim, respostas para as perguntas iniciais: existem nesses livros didáticos casos que se encaixam nos Obstáculos Epistemológicos de Gaston Bachelard que foram selecionados? Seriam eles, ainda hoje, obstáculos ao processo de ensino-aprendizagem de química? A análise crítica do livro didático traz, ao docente, a possibilidade de identificar os possíveis obstáculos e trabalhar de uma maneira com que esses sejam superados e não atrapalhem o desenvolvimento cognitivo dos alunos? Palavras-chave: Ensino de Química; Livros Didáticos; Bachelard; Ensino Médio. Abstract The present project aims to demonstrate a research concerning the most used textbooks in public school towards the teaching of Chemistry; having Gaston’s Bachelard epistemology as a guide while analyzing, specifically, the existence 1. Atualmente é graduanda do curso de Licenciatura em Química. 2. Atualmente é graduando do curso de Licenciatura em Química. 3. Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática, doutoranda em Ensino de Ciências e Matemática.


Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio

of the following epistemological obstacles: verbal, substantialistic and animistic. This way, we look for answers for the following questions: are there, in any of these textbooks, cases that fit in the Epistemological Obstacles selected by Gaston Bachelard? Could they be, today, obstacles to the teaching and learning of Chemistry? The critical analysis of these textbooks could give, to the teacher, the ability to identify these possible obstacles and to work with them in a way that they can be overcome and don’t get in the way of the cognitive development of the students? Key-words: Chemistry teaching; Textbooks; Bachelard; High school.

1

ensino de determinado conteúdo, potencializando

Introdução

sua compreensão, como mostra Silva (2006).

Implantado em 2004, o Projeto Nacional do

Entre diversos teóricos existe um consenso sobre

Livro Didático para o Ensino Médio, o PNLEM,

o importante papel pedagógico que possuem

prevê a distribuição de livros didáticos para os alu-

essas alternativas citadas anteriormente, pois elas

nos do ensino médio público de todo o país. Em

são sempre utilizadas com o intuito de facilitar o

2008, 7,2 milhões de livros didáticos de Química

processo de ensino-aprendizagem e transformar

foram entregues à rede pública de ensino. Os

a aula em algo significativo e interessante para o

livros são selecionados através de um catálogo

estudante. Porém, muitas vezes, acabam se tor-

enviado às escolas e da votação dos professores

nando entraves na construção do conhecimento,

da disciplina em questão. Assim, o livro didático

substituindo linhas de raciocínio por esquemas e

apresenta-se, hoje, como um dos mais importan-

utilizando-se de facilitações exageradas que aca-

tes recursos didáticos utilizados pelo professor,

bam vulgarizando a ciência e repassando ao aluno

quando não o único, sendo, muitas vezes, repro-

noções inadequadas (Gomes, 2007).

duzido fielmente em sala de aula (Amaral, 1997).

A essas causas de estagnação na formação

O investimento do governo e a grande utilização

do espírito cientifico, Bachelard deu o nome de

desse recurso revelam a importância das pesquisas

Obstáculos Epistemológicos; segundo ele, o uso

realizadas sobre o conteúdo dos livros didáticos,

de analogias e imagens leva o espírito pré-cien-

dentre as quais podemos citar as de Lopes (1991)

tífico para um caminho concreto e imediato que

e Neto (2003).

impede a abstração necessária para a formação do espírito científico (Bachelard, 1996).

Há muitos anos, os educadores, para atrair a atenção de seus alunos, se veem em busca de diversas estratégias de ensino, abordagens facilitadoras, analogias, jogos, imagens e experiências.

2

Fundamentação teórica

Segundo estudos, deve-se tomar cuidado com

Gaston Bachelard nasceu em 1984, na França,

o uso de analogias e metáforas, para que essas

e morreu em 1962, vivenciando a ruptura entre o

sejam apenas andaimes (Andrade, 2002), atalhos

século XIX e XX, entre uma Europa campesina

usados para que o aluno chegue mais rapidamente

e uma Europa industrializada. Lutou na Primeira

ao conceito teórico. No caso do uso das imagens,

Grande Guerra, se embrenhou nas áreas da filoso-

muitas pesquisas mostram que, em certas ocasiões

fia, poesia, epistemologia e ciência e foi professor

bem trabalhadas, seu uso é indispensável para o

de química e física, o que fez com que seus estudos

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

29


Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio

epistemológicos, muitas vezes, se voltassem para

Bachelard do constante uso da palavra “esponja”,

essa área do ensino.

ou, como exemplifica Lopes (1993), o uso do

Em seu livro La Formation de l’Esprit

termo “eletronegatividade”. Para Melzer (2008),

Scientifique, Bachelard demonstra sua preocupa-

esse obstáculo é caracterizado pelo uso da lingua-

ção com o ensino de ciências:

gem do senso comum a fim de explicar determinado conceito, quando uma palavra ou analogia

Acho surpreendente que os professores de ciências, mais do que os outros se possível fosse, não compreendam que alguém não compreenda. Poucos são os que se detiveram na psicologia do erro, da ignorância e da irreflexão. [...] Os professores de ciência imaginam que o espírito começa como uma aula, que é sempre possível reconstruir uma cultura falha pela repetição da lição, que se pode entender uma demonstração repetindo-a ponto a ponto (Bachelard, 1996).

usada leva o leitor a um entendimento equivocado do fenômeno impedindo que se dê continuidade ao processo de abstração. Gomes (2007), em seu trabalho, comenta que Bachelard não é absolutamente contra o uso de metáforas e analogias, desde que estas venham após a teoria como um auxílio no esclarecimento do conteúdo. O uso das mesmas de maneira errada pode fazer com que o aluno aceite essa “aproxi-

Um dos pontos principais da epistemologia

mação” como sendo algo conclusivo sem haver

bachelardiana é a descontinuidade do desenvol-

aprofundamento e sem que ele veja necessidade de

vimento científico que, na verdade, seria formado

mais estudos sobre o assunto.

por constantes rupturas. Segundo Bachelard,

No obstáculo animista, Bachelard afirma em

quando aprendemos algo estamos retificando

seu livro (1996, p. 191) que a palavra “vida” é

um conhecimento errôneo que já possuíamos. O

mágica e que qualquer outro princípio para a expli-

conhecimento comum deve sofrer uma ruptura

cação de um conceito é desvalorizado se foi possí-

para a formação do conhecimento científico, ou

vel invocar-se o princípio vital, como os fenômenos

seja, o aprendizado dá-se contra um conhecimento

do magnetismo e da eletricidade que eram liga-

prévio mal-estabelecido. Nesse processo, as cau-

dos ao termo vivacidade. Esse obstáculo pode ser

sas de estagnação e até mesmo de regressão, que

encontrado, hoje, como uma grande necessidade de

podemos chamar de antirrupturas, são denomina-

se dar características de seres vivos, de dar vida a

das pelo filósofo de obstáculos epistemológicos.

objetos inanimados. Fato este que passa ao aluno

Nesse contexto, Bachelard introduz diversos exemplos de obstáculos dos quais analisaremos três: obstáculos verbais, animistas e substancialistas.

uma ideia errônea do conhecimento científico. No obstáculo substancialista, acredita-se ser possível virar do avesso determinada substância,

No caso dos livros didáticos, a linguagem uti-

que sempre existe um interior e que ali se guardam

lizada é extremamente importante, pois o uso de

todas as suas características. São atribuídas à subs-

termos inadequados pode não apenas impedir a

tância qualidades diversas, considerando-as intrínse-

abstração dos novos conceitos, como cristalizar

cas, sem mesmo considerar as razões para que essas

conceitos errados. No obstáculo verbal, uma única

propriedades se apresentem; deixa-se de perceber

imagem ou palavra possui tantos adjetivos e fun-

que as substâncias químicas são frutos de ligações

cionalidades conhecidas que se tornam dispensá-

e interações e que as propriedades são frutos dessas

veis outras definições, pois a própria palavra cons-

relações. Como exemplo, Bachelard cita a cor dou-

titui toda a explicação e pode, inclusive, expressar

rada do ouro que, segundo o espírito pré-científico,

diversos fenômenos como o exemplo citado por

deve ser uma característica sempre encontrada nesse

30

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio

elemento, independentemente do estado em que se

dos seres vivos. Essas características podem levar

encontra, o que, na realidade, não se aplica.

o aluno a uma ideia infantil e não científica do

Em face do exposto, o objetivo deste trabalho

conhecimento. O estudante pode ser levado, assim,

foi realizar uma pesquisa com os livros didáticos

a interpretar o átomo como uma partícula viva, o

da disciplina de Química mais utilizados na rede

que trará dificuldade para que o processo de apren-

pública, com base na epistemologia de Gaston

dizagem continue em conteúdos mais avançados.

Bachelard, analisando mais especificamente a existência dos obstáculos epistemológicos: verbal, substancialista e animista. Buscamos, assim, respostas para as perguntas iniciais: existem, nesses livros didáticos, casos que se encaixam nos Obstáculos Epistemológicos de Gaston Bachelard que foram selecionados? Seriam eles, ainda hoje, obstáculos ao processo de ensino-aprendizagem de química?

3

Metodologia da pesquisa O trabalho foi realizado, primeiramente, como um projeto de pesquisa para a disciplina de

Figura 1.  Obstáculo animista traz ao aluno uma ideia errônea do conhecimento científico. Fonte:  Feltre (2004, p. 70 e 137).

Metodologia da Pesquisa em Educação. O objetivo da pesquisa é realizar uma análise nos prin-

4.2

cipais livros didáticos utilizados no Ensino Médio da cidade de Apucarana, em busca de possíveis imagens ou conteúdos que possam se enquadrar nos Obstáculos Epistemológicos estudados por Gaston Bachelard. Neste trabalho, a pesquisa tem como função uma transcrição dos entraves encontrados comparando-os com os estudos realizados por Bachelard, bem como as influências que estes podem ter no processo de ensino-aprendizagem do aluno. Escolheu-se três dos obstáculos encontrados, um para cada modelo de entrave inicialmente

Obstáculo verbal

A Figura 2 mostra um obstáculo encontrado no livro didático no qual o autor define uma reação química utilizando-se de termos como “montar” e “desmontar”. Neste exemplo, sem a devida intervenção do professor, o estudante pode acreditar que os átomos e moléculas se ligam como em um “jogo de lego”, ou um simples quebra-cabeça. A própria figura representa toda a explicação que, usada sem uma fundamentação teórica, leva o leitor a um entendimento equivocado do fenômeno.

selecionado e todos no conteúdo de atomística.

4

Resultados e discussão 4.1

Obstáculo animista

Neste obstáculo encontrado, observamos na Figura 1 que átomo e terra são apresentados como entidades animadas, com sentimentos próprios

Figura 2.  Obstáculo Verbal leva o leitor a um entendimento equivocado do fenômeno impedindo que se dê continuidade ao processo de abstração. Fonte:  Feltre (2004, p. 238).

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

31


Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio

4.3

Obstáculo substancialista

6

Em um livro consultado há uma explicação do modelo atômico de Joseph John Thomson da seguinte maneira: “um novo modelo de átomo, formado por uma “pasta” positiva “recheada” pelos elétrons de carga negativa...” Na explicação dessa frase, passa-se a impressão de que o átomo seria uma “casca” e que existiriam em seu interior, como um recheio, os elétrons. A presença de um Obstáculo Substancialista sempre dá ao aluno a impressão de que existe um interior e que as características estão dentro da substância. Nesse caso, noções de que o átomo seja a parte indivisível da matéria e, após isso, ter de imaginá-lo como uma “pasta recheada” por elétrons, pode tornar o conteúdo conflitante e confuso para o aluno, se esse entrave não for bem trabalhado e superado pelo professor. 5

Considerações finais Após a leitura dos livros e análise do conteúdo encontrado, percebemos que deve haver uma maior atenção do professor para com seu referencial teórico, devendo esse conteúdo, sempre que possível, ser trabalhado pelo docente de maneira a formar, no aluno, um espírito científico e crítico, sem excessivas simplificações ou informações que tragam ao aluno um conhecimento ingênuo e superficial. A análise crítica do livro didático traz ao docente a possibilidade de identificar os possíveis obstáculos e trabalhar de uma maneira com que esses sejam superados e não atrapalhem o desenvolvimento cognitivo dos alunos.

32

Referências AMARAL, I. A.; NETO, J. M. Qualidade do livro didático de Ciências: o que define e quem define? Ciência & Ensino, Campinas, n. 2, p. 13-14, jun. 1997. ANDRADE, B. L.; ZYLBERSZTAJN, A.; FERRARI, N. As analogias e metáforas no ensino de ciências à luz da epistemologia de Gaston Bachelard. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, v. 2, n. 2, dez. 2002. BACHELARD, G. A Formação do Espírito Científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. FELTRE, R. Química, Vol. 1, 6. ed. São Paulo: Moderna, 2004. GOMES, H. J. P.; OLIVEIRA, O. B. Obstáculos epistemológicos no ensino de ciências: um estudo sobre suas influências nas concepções de átomos. Ciência & Cognição, v. 12, p. 96-109, nov. 2007. LOPES, A. R. C. Livros didáticos: obstáculos ao aprendizado da ciência química – obstáculos animistas e realistas. Química Nova, São Paulo, v. 15, n. 3, p. 254-261, 1992. MELZER, E. E. M. Modelos atômicos nos livros didáticos de química: Obstáculos à aprendizagem? In: VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação de Ciências, 2008, Florianópolis. Anais Eletrônicos. Disponível em: <http://posgrad.fae.ufmg.br/posgrad/viienpec/pdfs/399.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2013. NETO, J. M.; FRACALANZA, H. O livro didático de ciências: problemas e soluções. Ciência & Educação, v. 9, n. 2, p. 147-157, 2003. Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM). Funcionamento do PNLEM. Disponível em: <http://portal.mec. gov.br/inde x.php? id=13608&option=c om_ content&view=article>. Acesso em: 29 mar. 2013. SILVA, H. C. Cautela ao usar imagens em aulas de ciências. Ciência & Educação, v. 12, n. 2, p. 219-233, 2006.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Artigo 04 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

p. 33-40

Química, Sabores e Culinária Chemicals, Flavors and Cooking Núbia Moura Ribeiro1, Cristiane Pinheiro Lazaro2, Ana Marice Teixeira Ladeia2 e Armênio Costa Guimarães3

Resumo Como o preparo e a degustação de alimentos e bebidas fornecem um vasto e interessante campo para estudo da química, este artigo utiliza um exemplo da vida cotidiana para apresentar a reação de Maillard e aspectos químicos relacionados à sensação de adstringência. Tomando como base uma refeição malsucedida, o artigo procura ilustrar o que, do ponto de vista químico, está por trás de um filé bem passado e da degustação de um vinho apropriado para ser ingerido com carnes. Palavras-chave: Reação de Maillard; Substâncias carboniladas; Taninos; Vinhos. Abstract As the preparation and tasting foods and beverages provide a wide and interesting field for study of chemistry, this article uses an example from everyday life to present the Maillard reaction and chemical aspects related to the sensation of astringency. Based on an unsuccessful meal, the paper attempts to illustrate what, from the chemical point of view, is behind a delicious crispy steak and the tasting of a wine suitable to be eaten with meat. Key-words: Maillard reaction; Carbonyl compounds; Tannins; Wines.

1. Instituto Federal da Bahia, Departamento de Quimica. 2. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Pos-graduação de Medicina e Saúde Humana. 3. Liga Bahiana de Hipertensão e Aterosclerose.


Química, Sabores e Culinária

1

é indispensável falar na Reação de Maillard

Introdução No senso comum dos dias atuais, costumamos nos referir à prática alquímica quando vamos à cozinha preparar um prato saboroso, quando misturamos ingredientes no estado bruto e combinamos a química e a física para transformá­‑los em uma em uma espécie de “ouro”. Alquimia foi uma prática que continha aspectos do que, posteriormente, se tornou área de estudo da química, física e medicina. Um de seus objetivos era a transformação de metais não

(Maillard, 1912). Essa reação foi apresentada pela primeira vez, em 1912, pelo químico francês Louis-Camille Maillard, de quem leva o nome. Na ocasião, Maillard demonstrou que as modificações de cor e de textura sofridas pelos alimentos quando são aquecidos resultam de reações químicas que também produzem aromas característicos, como os presentes na casca do pão torrado, no aroma do churrasco e em chocolates. A Reação de Maillard envolve uma série de

preciosos em ouro. Segundo Chassot (1995), as ori-

transformações complexas, que iniciam pela rea-

gens da alquimia – e da própria química – perdem­‑se em

ção entre açúcares (por exemplo, glicose) e ami-

tempos de que não temos registros (p. 20), mas indis-

cutivelmente ela contribuiu para a descoberta de substâncias e processos químicos; por exemplo, para Felisberto (2009), a alquimia tinha como centro de seus estudos o enxofre, o mercúrio e o sal, que [...] quando misturados davam origem a novos compostos (p. 3).

De certo modo, cozinhar é uma alquimia de temperos e sabores que fazem com que os pratos apresentem características singulares. Centenas de reações químicas ocorrem em cada preparação. Mas como elas contribuem para que um prato fique saboroso? E quais os reflexos das preparações culinárias para a saúde? Como a química pode contribuir para unir sabor e saúde? Para entender um pouco sobre isto, vamos criar um exemplo. Imaginemos um almoço que não deu muito certo, o filé parecia duro, seco e pálido; o vinho, preparado com uvas Cabernet Sauvignon, estava com sabor adstringente; estava, como comumente se diz, “travando”. O que houve? Por que a “alquimia” não funcionou? Será que conhecimentos de química podem ajudar a compreender o que houve?

noácidos durante o aquecimento. No curso destas reações, são formadas diversas substâncias, dentre as quais algumas denominadas melanoidinas, que contribuem para dar cor dourada aos alimentos cozidos (Shibao; Bastos, 2011). O meio alcalino favorece a reação de Maillard, que ocorre em três etapas principais e se inicia com o ataque nucleofílico, por exemplo, de um grupo amino de um aminoácido ao grupo carbonila de um açúcar (Shibao; Bastos, 2011). Na etapa inicial, o açúcar, no caso exemplificado na Figura 1 a glicose, condensa-se com o aminoácido, e a reação pode levar ao produto cíclico, que é mais estável que a estrutura aberta. A segunda etapa da reação envolve a formação de um íon imínio que sofre o rearranjo de Amadori e gera uma cetoseamina (Figura 2). A reação de Maillard prossegue para a terceira etapa, na qual, a partir da cetoseamina, ocorrem várias reações não totalmente elucidadas. No decorrer destas reações, a cetoseamina desidrata formando hidroximetilfurfural, redutonas e deidroredutonas, ou sofre clivagens hidrolíticas formando

2

produtos de cadeia curta, tais como diacetilaldeído,

Por que alguns filés ficam pálidos, duros e secos?

piruvaldeído, dentre outros. O hidroximetilfurfural reage com outros compostos e gera as melanoidi-

Vamos analisar os fatos começando pelo filé seco e pálido. Para discutir sobre o assunto,

34

nas, que dão a coloração escurecida aos alimentos cozidos (Silva et al., 1999).

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Química, Sabores e Culinária

O

H2N

+

HO

R’

HN

N

R’ +

OH HO

OH

HO

R’

OH

HO

OH

HO

HO

OH OH

OH

OH

NHR

O

HO

OH

HO

OH

OH

H2O

OH

D-Glicose

D-Glicosilamina

Figura 1.  Condensação da glicose com o grupamento amino de um aminoácido. Fonte:  Elaborado pelos autores, com base em University of Bristol (2012).

N

R’

+

H N HO- + H HO

+ H2O

HO

OH

HO

R’

HO

OH

H N

H2O + OH

R’ H2O +

HO

OH

HO

OH

OH

R’

H N O

tautomeria ceto-enólica

OH

HO

OH

OH

OH

Imino

OH OH Cetoseamina

Figura 2.  Rearranjo de Amadori. Fonte:  Elaborado pelos autores, com base em University of Bristol (2012).

Ainda nesta etapa ocorre liberação de gás car-

A diferença é que, com aquecimento a 200 ºC, a

bônico (CO2) pela degradação dos aminoácidos ao

degradação da sacarose se faz por desintegração,

reagir com aldeídos e formar outros aldeídos; esta

com formação de espuma, pigmento e geração da

reação é denominada Degradação de Strecker. A

cor (Chemello, 2005).

terceira etapa ainda prossegue, pois os aldeídos de

Voltando à nossa situação-problema, as infor-

Strecker reagem com outras moléculas formadas

mações sobre a reação de Maillard podem con-

durante a reação. Deste grande complexo de rea-

tribuir para a compreensão de como tornar o file

ções e de produtos formados por elas, surgem o

dourado e, como visto, este processo requer o cozi-

sabor e o aroma peculiares para cada alimento que

mento da carne, sem adição de água. A realização

sofre a reação de Maillard.

do processo de cocção para tornar a carne dourada,

Para favorecer este tipo de reação, e ter um

se bem feito, também garante sua maciez.

bife crocante e dourado, precisamos saber que a

A questão da maciez da carne tem relação com

reação ocorre a temperaturas acima de 40 ºC, com

a desnaturação das proteínas. As moléculas de

atividade de água na faixa de 0,4 a 0,7, umidade

proteína – que têm sua estrutura tridimensional

relativa de 30% a 70%, e de íons de metais de tran-

com fitas de aminoácidos dobradas ou torcidas –

sição, como Cu e Fe , que podem catalisar a rea-

quando colocadas na presença de ácidos podem

ção (Shibao; Bastos, 2011).

ser “desdobradas” ou “destorcidas”, assumindo

2+

2+

A reação de Maillard também contribui para

formas menos espiraladas. Carnes imersas em

compreendermos como se forma a calda do pudim.

uma marinada que contenha ácido cítrico (p. ex.,

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

35


Química, Sabores e Culinária

presente no suco de limão), ácido acético (p. ex.,

grande variedade de alimentos e bebidas, incluindo

presente no vinagre) ou ácido tartárico e málico

frutas, chocolate, chá e cerveja. Normalmente,

(p. ex., presente no vinho) precisarão de menos

relaciona-se às sensações de aspereza e secura

tempo de cozimento do que se não fossem mari-

(falta de lubrificação ou umidade que provocam

nadas. O mesmo ocorre com a desnaturação das

um atrito ou fricção entre as várias superfícies

proteínas do leite, que, na presença do ácido lático,

orais) e de constrição (a sensação de aperto e con-

são “desdobradas”, e formam os coalhos de queijo.

tração dos tecidos sentida na boca, lábios e interior

No caso do filé duro e seco, certamente ele não

das bochechas). Estas sensações são provocadas

foi preparado com molho adequado ou o tempo de

pelo contato com certas substâncias como, por

cozimento não foi suficiente para amaciá-lo.

exemplo, os taninos (Carvalho, 2007).

No preparo do filé, antes mesmo da escolha

Os taninos englobam uma grande variedade

de molho e da definição do tempo de cozimento,

de polifenóis de origem vegetal, com massa molar

o primeiro passo é “selar” a carne com um pouco

de 500 a 3000. Os taninos condensados, normal-

de gordura numa chapa, grelha ou frigideira bem

mente, não se solubilizam na água, são conheci-

quentes, até todas as faces da carne ficarem com a

dos como protoantocianidinas e apresentam-se

cor marrom escura típica de um bom filé, que resul-

como polímeros contendo entre 2 a 100 unidades

tam também de reações de Maillard. Porém, é pre-

de polifenois. Segundo Borges (2009), os taninos

ciso atenção, pois se a carne for selada em dema-

provocam dois tipos de sensações: o amargor, uma

sia (ou seja, se a deixarmos fritar) serão formados

sensação gustativa associada à falta de maturidade

produtos de degradação de ácidos graxos, além de

das frutas, ou ao sabor de alguns medicamentos.

outras moléculas nocivas resultantes da duração

O amargor está mais relacionado aos flavanóis como a

excessiva da reação de Maillard. Além disto, ami-

catequina, enquanto a adstringência pode ser causada

nas heterocíclicas formadas a partir da reação entre

pelos flavanóis e não flavonóides como os derivados dos

a creatina ou a creatinina, aminoácidos e açúcares,

ácidos benzóicos e cinâmicos (p. 60-61) (Figura 3).

em altas temperaturas, podem reduzir o valor nutricional do alimento (Iwasaki et al., 2010).

Mas como se pode definir, quimicamente, o fenômeno da adstringência? Green (1993) define

Tendo compreendido os porquês referentes

a adstringência como uma sensação táctil resul-

ao aspecto e à textura do filé, e como prepará-lo

tante da precipitação de mucoproteínas salivares.

para ter sabor e valor nutricional elevado, vejamos

Segundo Carvalho (2007), os taninos são compos-

como a química pode ajudar na compreensão do

tos naturais que têm a propriedade de complexar

que ocorreu na degustação do vinho.

com as proteínas formando agregados. Há perda de proteínas salivares quando alguém prova solu-

3

ções adstringentes (contendo taninos), e esta perda

Como equilibrar a adstringência de alguns vinhos?

se deve à precipitação das proteínas após complexação com taninos. Com a formação de agregados

Como dito, o vinho foi elaborado com um tipo

de proteínas-taninos, as propriedades lubrificantes

de uva denominado Cabernet Sauvignon, que é

da saliva são reduzidas, possivelmente como resul-

indicado para acompanhar pratos com carne. Mas,

tado da perda de proteínas salivares, diminuindo

por que “travou” ao ser degustado?

a viscosidade. O precipitado formado, em contato

A adstringência (sensação de travamento na

com as mucosas bucais, gera uma percepção de

língua) é provocada por vinhos e também por uma

fricção entre as superfícies em contato na boca, o

36

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Química, Sabores e Culinária

OH

COOH

OH

HO OH

Ác. benzóico HO

O

HO

O

OH

O

O OH

OH

OH

O COOH

O

O

O

Ác. cinâmico

O

O

HO

O

OH

O

O

O

O

OH

O

OH

O O

HO O

HO

OH

OH OH

HO

OH

O

OH

OH OH

OH

OH

O

O

HO OH

OH

HO

Catequina

Exemplo de um tanino

Figura 3.  Ácido benzoico, ácido cinâmico, catequina, e um exemplo de tanino.

que resulta na sensação de adstringência. As carac-

presença de proteínas – por exemplo, na ingestão

terísticas do vinho degustado e de quem o degusta

de carnes – reduz a sensação de adstringência. Pode-se perceber, pelo que foi descrito, que o

são fatores que influenciam a intensidade da sensação de adstringência (Carvalho, 2007).

problema não foi o vinho, mas a ausência de pro-

A sensação de adstringência desenvolve-se,

teínas na cavidade bucal no momento de ingeri-lo

plenamente, após seis a oito segundos da ingestão

– fato que seria solucionado por um bom conhe-

do vinho tinto, porque este é o tempo necessário

cedor de química. Se, no momento da ingestão do

para que a precipitação das proteínas ocorra. Em

vinho, o filé o estivesse acompanhando na cavi-

alguns casos, a formação de agregados insolúveis

dade bucal, teríamos a quantidade necessária de

em uma solução de tanino aumenta com o aumento

proteína para “amaciar os taninos”, como dizem

da concentração de proteína, mas, a partir de certo

os amantes de vinho, ou promover as reações quí-

ponto, na presença de excesso de proteína, ocorre

micas envolvendo os taninos e as proteínas, como

uma diminuição da precipitação, podendo mesmo

diriam os químicos.

haver redissolução dos complexos precipitados

Ressaltamos que os vinhos preparados com

(Luck et al., 1994; Haslam, 1998). Assim sendo, a

uvas Cabernet Sauvignon são ricos em um polifenol

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

37


Química, Sabores e Culinária

denominado resveratrol, ao qual se atribui elevada

CARVALHO, E. B. Estudos da interacção entre proteínas e taninos: influência da presença de polissacarídeos. 2007. 193 p. Tese (doutorado) – Programa de Pós­‑graduação em Química, Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2007.

atividade antioxidante, capaz de proteger os tecidos orgânicos do ataque de radicais livres. Todavia, como qualquer substância com certo teor alcoólico, deve ser ingerida com moderação; neste caso, a ads-

CHASSOT, A. I. Alquimiando a química. Revista Química Nova na Escola, n. 1, p. 20-22, 1995.

tringência, que requer a ingestão do vinho acompa-

CHEMELLO, E. A Química na Cozinha apresenta: o açúcar. Revista Eletrônica ZOOM (Editora Cia da Escola), São Paulo, Ano 6, n. 4, 2005. Disponível em <http://www.quimica.net/emiliano/artigos/2005nov_ qnc_sugar.pdf>. Acesso em: 4 jul. 2012.

nhado de proteínas, contribui para a moderação. 4

Considerações finais

FELISBERTO, R. Teor de Mercúrio em Solos do Rio Grande do Sul. 2009. 98 p. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-graduação em Ciência do Solo, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2009.

Conceitos básicos de química tornam-se imprescindíveis no entendimento e elaboração de tarefas simples do nosso cotidiano, como a preparação de um filé crocante e nutritivo ou a degus-

GREEN, B. G. Oral Astringency: a tactile component of flavour. Acta Physiologica, v. 84, p. 119-125, 1993.

tação de um vinho. Ter o gosto das misturas e dos temperos ajuda muito a produção culinária, mas

HASLAM, E. Practical polyphenolics: from structure to molecular recognition and physiological action. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.

esta preparação se aprimora quando há o conhecimento dos processos químicos que ali ocorrem. A reação de Maillard citada não é a única que

IWASAKI, M. et al. Heterocyclic amines content of meat and fish cooked by Brazilian methods. Journal of Food Composition and Analysis, v. 1, n. 23, p. 61-69, 2010.

ocorre no preparo de alimentos, mas contribui para compreender uma parcela da química que se processa neste ato tão importante para a sobrevivência

LUCK, G. et al. Polyphenols, astringency, and proline­‑rich proteins. Phytochemistry, v. 37, p. 357-371, 1994.

humana que é cozinhar. O preparo de um alimento pode ser pensado como uma interessante aula de

MAILLARD, L.-C. Action des acides amines sur les sucres: formation de melanoidines par voie méthodique. Comptes Rendus de l’Académie des Sciences, Serie 2, v. 154, p. 66-68, 1912.

química, e o cozimento, como a manifestação de propriedades químicas das misturas. Utilizando eventos culinários do nosso coti-

SHIBAO J.; BASTOS D. H. M. Produtos da reação de Maillard em alimentos: implicações para a saúde. Revista de Nutrição, v. 24, n. 6, p. 895-904, 2011.

diano, podemos realizar diferentes abordagens no ensino de química, incluindo desde a forma histórica até a experimental na construção do conhecimento.

SILVA, F A. M.; BORGES, M. F. M.; FERREIRA, M. A. Métodos para avaliação do grau de oxidação lipídica e da capacidade antioxidante. Revista Química Nova, v. 22, n. 1, p. 94-103, 1999.

Essa abordagem química pode gerar desde conteúdos básicos até os mais complexos relativos aos processos que envolvem a preparação dos alimentos,

UNIVERSITY OF BRISTOL. The Maillard Reaction. Disponível em: <http://www.chm.bris.ac.uk/webprojects2002/rakotomalala/maillard.htm>. Acesso em: 30 jun. 2012.

além de promover um aprendizado significativo.

5

Referências BORGES, J. L. Como distinguir bons e maus taninos. Revista Wine Style, v. 25, p. 60-64, 2009. Disponível em <http://www.artwine.com.br/revista/ conteudo-wine-style-edicao-25-ano-2009>. Acesso em: 30 jun. 2012.

38

6

Bibliografia AMARANTE, J. O. A. Vinhos e vinícolas do Brasil. São Paulo: Summus Editorial Ltda., 1986.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Química, Sabores e Culinária

COSTA, P. et al. Substâncias Carboniladas e derivados. Porto Alegre: Bookman, 2003.

LONA, A. A. Vinhos: degustação, elaboração e serviço. Porto Alegre: Editora Age Ltda., 1996.

COSTA, A. F. Farmacognosia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982.

NURSTEN, H. E. The Maillard Reaction: chemistry, biochemistry and implications. Londres: Royal Society of Chemistry, 2005.

LEHNINGER, A. L.; NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica. São Paulo: Sarvier, 2002.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

39



Relatos de Experiência Experiences Account A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química The Approach of Scientific Models and their Representative Forms as a Previous Step to the Use of Visualizations in Chemistry Teaching Mauritz Gregório de Vries e Agnaldo Arroio

Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade Conceptions of High School Students about Models and the Relationship Model and Reality Uarison Rodrigues Barreto e Lailton Passos Cortes Junior

Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos Chemistry of smells: a multimodal approach to diagnosis of the misconceptions from the models expressed by students Danilo José Ferreira Pinto, Claudia Teixeira Siqueira, Jaqueline de Souza Reges, Valéria Campos dos Santos e Agnaldo Arroio

Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia Evaluation of Chemical Education: a study in five cities in the region of the Valley Jamari-Rondônia Renato André Zan, Alessandra Correa Pompeu, Dionatas Ulises de Oliveira Meneguetti e Filomena Maria Minetto Brondani

Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN Staying Strategies Versus School Dropout: a study on the undergraduate laboratory courses in Physics and Chemistry distance of UFRN Lucas da Silva Maia e Fábio Adriano Santos da Silva


Relato de Experiência 01 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

p. 42-49

A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química The Approach of Scientific Models and their Representative Forms as a Previous Step to the Use of Visualizations in Chemistry Teaching Mauritz Gregório de Vries1 e Agnaldo Arroio2 3

Resumo Neste trabalho realiza-se uma revisão da literatura a respeito da construção do conhecimento científico e sua relação com as formas representativas. Defende-se também a importância de uma visão mais clara sobre o processo de modelagem científica como ferramenta para tornar o processo de ensino/aprendizagem de ciências facilitado e afastado de uma recorrente visão empiricista. Com relação a esses objetivos, propõe-se uma atividade de investigação sobre um objeto em que os alunos são motivados a desenvolver um modelo explicativo, com a instrução explícita de haver a presença de representações. Reconhecendo as limitações e diferenciações dos processos científicos, tal atividade se mostrou bastante viável e útil para debater as mais variadas características implícitas nas atividades científicas, com ênfase nas visualizações construídas. Palavras-chave: Modelos e modelagem; Visualização; Ensino de Química.

1. Estudante de Bacharelado e Licenciatura em Química do Instituto de Química da USP, cursado período sanduíche 2012/2013 na Faculdade de Ciências da Universidade Autônoma de Madri, Madri, Espanha. 2. Bacharel em Química pela USP e em Imagem e Som pela UFSCAR, Mestre e Doutor em Físico­ ‑Química pela USP, Pós-doutorado em Educação pela USP, Livre Docente em Metodologia do Ensino pela Faculdade de Educação da USP. Professor Associado na Faculdade de Educação da USP. 3. Agradecemos aos alunos e alunas da Escola Técnica Estadual Guaracy Silveira e ao CNPq pela bolsa concedida para a realização do projeto.


A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química

Abstract This paper carries out a review of the literature regarding the scientific knowledge and its relationship with representative forms. It argues the importance of a clearer view of the scientific modeling process as a tool to make the teaching/learning process facilitated and away from science empiricist beliefs. To deal these objectives, it was proposed an activity. It was given to the students an object, so they were encouraged to develop an explanatory model followed by representations. Recognizing the limitations and differences of scientific processes, this activity proved quite viable and useful to discuss the various characteristics implied in scientific activities with an emphasis on the visualizations. Key-words: Models and modelling; Visualization; Chemistry teaching.

1

rar as novas investigações na temática. Artigos de

Introdução

revisão em visualização (Vavra et al., 2011; Teruya

O conhecimento científico e suas variadas for-

et al., 2013) têm mapeado questões sistemáticas

mas de representação chegam ao domínio público

com relação ao uso de ferramentas visuais. Como

com diferentes objetivos e níveis de complexi-

as visualizações influenciam a construção pessoal

dade. Um dos papéis dos professores de ciências

dos conceitos científicos? Qual é a natureza dessas

é o de planejar as atividades de ensino/aprendiza-

imagens? Quais são as estratégias pedagógicas que

gem com o objetivo de torná-las mais simples e

suportam os processos de ensino/aprendizagem

acessíveis de acordo com os objetivos propostos,

baseados nesses recursos? Que atividades podem

sempre evitando que tal redução de complexidade

ser ministradas para uma melhor compreensão do

não comprometa uma adequada formação concei-

uso representacional no ensino de química? Estas

tual seja dos conteúdos, seja de uma visão mais

são algumas das questões que motivam o desen-

geral da natureza dessa ciência.

volvimento dessa investigação.

Uma vez que a construção e a manipulação do

O estudo teórico dos modelos científicos, bem

conhecimento químico apresentam-se, muitas vezes,

como das suas representações, tem nos permitido

complexas e distantes da vida cotidiana dos nossos

aprofundar o entendimento da natureza do conhe-

alunos do ensino médio, diversas são as alternativas

cimento que origina tais produtos visuais e, por-

que docentes investigam e aplicam em sala de aula

tanto, uma melhor compreensão de suas intenções

para melhorar o ensino formal. O acelerado desen-

e limitações. Se essa abordagem nos tem sido de

volvimento das tecnologias de informação e comuni-

fundamental importância, por que não estendê-la à

cação, seguido de diversos estudos na área da teoria

sala de aula? Partimos do pressuposto que tal prá-

cognitiva, tem promovido a construção de diversas

tica poderia colaborar para a construção de con-

ferramentas visuais (modelos concretos 3D, imagens

cepções fundamentais dos alunos do ensino médio

estáticas e dinâmicas 2D e 3D, simulações, anima-

com respeito ao uso das visualizações científicas

ções, softwares interativos etc.) (Ferreira; Arroio,

em suas atividades de aprendizagem.

2009). Por motivos e resultados diversos, a introdução das mesmas em sala de aula tem sido um dos caminhos optados para enfrentar tais dificuldades. As pesquisas no ensino de química, sobretudo

2

Concepções de ciência e implicações no ensino e aprendizagem

as focadas na natureza do conhecimento científico

O principal valor da ciência é a desta ser um modo

e em visualização, vêm nos auxiliando a estrutu-

de entender o mundo (Justi; van Driel, 2005). Este

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

43


A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química

acesso não é realizado de modo direto, mas sim atra-

desafio está justamente em encontrar maneiras de

vés das diversas ferramentas culturais desenvolvidas

alcançar esse processo de enculturação na rotina

pela humanidade. Sendo assim, os objetos da ciência

da sala de aula comum, lembrando que essa pers-

não são os fenômenos da natureza, mas construções

pectiva a ser apresentada, muitas vezes, será confli-

desenvolvidas pela comunidade científica para inter-

tante com as ideias prévias dos estudantes.

pretá-la (Scott et al., 1999). Dentro desta perspectiva, Justi (2006) defende que uma das maneiras de definir a ciência é a de esta ser encarada como um processo

3

Modelos e modelagem

de construção de modelos com distintas capacidades

Ao discutirmos o termo “modelo”, inicial-

de previsão. Tais características possuem importantes

mente, temos de problematizar seu significado

implicações no ensino de ciências, entretanto, profes-

para a maioria dos alunos que estão iniciando seu

sores em formação e em atuação apresentam concep-

contato com a ciência. No dia a dia este é encarado

ções ingênuas sobre a natureza do conhecimento e de

como representação concreta de algo e reproduz,

suas formas representativas (Vries; Ferreira; Arroio,

muitas vezes, aspectos visuais fidedignos daquilo

2013; Ferreira; Arroio; Baptista, 2011).

que esta a ser representado, ou são uma cópia em

Nos últimos anos, a pesquisa no ensino de ciências tem dado ênfase sobre a importância de uma

diferentes escalas da realidade (objetos, acontecimentos, processos ou sistemas) (Justi, 2006).

visão sobre o conhecimento científico como social-

Já os modelos científicos, segundo Gilbert

mente construído, validado e expressado a diferen-

(2005), surgem quando cientistas ao explicarem

tes instâncias, em outras palavras, um conhecimento

um fenômeno passam a impor as principais ideias

simbólico por natureza e socialmente negociado.

sobre o exemplo estudado que é muito complexo.

Logo, a aprendizagem de ciências envolve iniciar

Por exemplo, químicos preferem trabalhar com

os aprendizes em formas científicas de se pensar.

soluções da substância pura do que com a mis-

Tal processo é encarado como um longo e não linear

tura em que ela seria encontrada na natureza. Isso

processo de enculturação, ampliando o papel do

é importante para explicar fundamentos básicos e

professor de organizador de processos pelos quais

realizar previsões do sistema. São escolhidas para

os alunos geram significados sobre o mundo natu-

auxiliar a formação de visualizações (percepção

ral, para um mediador que auxilia os estudantes a

visual) do nível macro. Posteriormente, modelos

entender como as asserções do conhecimento são

científicos terão uma importância ainda maior

geradas e validadas (Scott et al., 1999).

quando a sua construção é feita com o intuito de

Ainda de acordo com os autores (Scott et al.,

explicar fenômenos no campo submicroscópico.

1999), dentro de uma perspectiva socioconstruti-

Eles são uma idealização da realidade como é

vista, o conhecimento e o entendimento científico

imaginada, baseado em abstrações da teoria, pro-

são construídos quando os indivíduos se engajam

duzidos de maneira que as comparações com a

socialmente em conversações e atividades sobre

realidade sejam coerentes. Percebemos um longo

problemas e tarefas comuns, em que membros mais

processo humano na construção do conhecimento,

experientes são responsáveis por estruturar tarefas

que depende da validação de uma comunidade e a

que tornem possível o domínio das entidades e pro-

presença constante de subjetividade, sendo ainda

cessos apresentados. Estes se tornarão ferramentas

limitada pela linguagem envolvida.

culturais em que se pretende que os alunos atinjam

Cole (2007), na busca de explicar para leigos

um uso consciente. Consideram, portanto, que o

o modo de pensar da ciência, diz que “os modelos

44

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química

são tão absurdos quanto perfeitos”. As principais

• Aprender sobre ciência: os alunos devem

interpretações que tiramos de sua problematização

compreender adequadamente a natureza

são as de que estes podem ser considerados absur-

dos modelos e serem capazes de avaliarem

dos por se afastar bastante de toda complexidade

o papel dos mesmos no desenvolvimento e

dos objetos ou fenômenos a que estão se referindo.

difusão dos resultados de investigação;

Por outro lado, são perfeitos devido a sua própria

• Aprender a fazer ciência: os alunos

natureza de serem construídos para propósitos bas-

devem ser capazes de criar, expressar e

tante específicos.

comprovar seus próprios modelos (Justi; Gilbert, 2002).

No Quadro 1, apresentamos de modo sistemático como Gilbert (2005) define os status epistemológicos que os modelos são capazes de assumir, bem como seus possíveis modos de representação.

4

Objetivos

Uma proposta mais específica que atende essa

Realizar uma abordagem dos modelos cien-

perspectiva de ensino baseada na elaboração de

tíficos e suas formas representativas a alunos do

modelos é defendida por Justi (2006). Apesar de

ensino médio, com ênfase em características rela-

não termos nos apoiado de modo sistemático nessa

cionadas à interpretação e construção de visualiza-

proposta para realizarmos a que está descrita nesse

ções. Analisar a aplicabilidade de tal proposta, sua

trabalho, sua abordagem nos colabora a defender-

abrangência e implicações.

mos as implicações e importância da instrução sobre os processos de desenvolvimento da ciência, nesse caso mais específico, a construção e uso dos mode-

5

Metodologia

los científicos. Inicialmente, os argumentos e a finalidade que justificam sua inserção no ensino são:

Aplicou-se uma atividade a três diferentes turmas do terceiro ano do ensino médio da

• Aprender ciências: os alunos devem ter

Escola Técnica Estadual Guaracy Silveira (ETEC

conhecimento sobre a natureza, âmbito de

Guaracy Silveira) localizada em São Paulo – SP,

aplicação e limitação dos principais mode-

ao longo de uma aula com duração de 50 minutos.

los científicos consensuais e históricos (tais denominações serão discutidas a seguir);

A atividade prática consistiu em separar as turmas em grupos de, aproximadamente, seis alu-

Quadro 1.  Modelos: status epistemológicos e modos representativos. Modelos “Status” epistemológicos:

Podem ser representados:

• Modelos mentais – Representação pessoal formada pelo indivíduo, sozinho ou em grupo; • Modelos expressos – Versão do modelo mental colocada no domínio público; • Modelos consensuais – versão de um modelo mental para um pequeno grupo, para determinado fim, como em uma sala de aula, utilizado para fins específicos, pontuais; • Modelos científicos – Modelo produzido, aceito e validado por um grupo social de cientistas de uma determinada área; • Modelos históricos – Modelo científico substituído, embora ainda seja aceito para determinados propósitos; • Modelos curriculares – Versões simplificadas de modelos históricos ou científico escolar;

• Modo concreto (ou material) - tridimensional, feito a partir de materiais resistentes, como por exemplo, um modelo do tipo bola-vareta; • Modo verbal - pode consistir de uma descrição de entidades, por exemplo; • Modo simbólico - consiste de fórmulas e símbolos químicos, equações e expressões; • Modo visual - faz o uso de representações gráficas, desenhos, diagramas, simulações, animações; • Modo gestual - faz uso do movimento do corpo no decorrer de uma explicação.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

45


A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química

nos. Propôs-se que os mesmos realizassem uma investigação sobre um objeto e o explicassem de maneira gráfica e verbal (modo escrito) em uma folha de papel. Disponibilizou-se uma folha A4 a cada grupo e lápis de cor. Para essa etapa foi limitado um tempo de aproximadamente 15 minutos. O objeto de estudo era um aparelho denominado Sonzera®, o qual se imaginava ser pouco ou nada conhecido por parte dos estudantes. Trata-se de um equipamento em que a amplificação do som é realizada apenas quando o mesmo está em contato com determinadas superfícies. As Figuras 1 e 2 reproduzem as imagens externas do Sonzera®.

6

Resultados e discussão Pediu-se que os estudantes “explicassem” o objeto fornecido e reforçou-se ser importante a presença de elementos visuais e representações. As instruções, como um todo, ficaram vagas para alguns estudantes e foi necessário, então, explicá-la de outras formas, como, por exemplo, sugerir que os grupos devessem “vender” o objeto e assim deveriam explicá-lo, mostrar suas funções, entre outros aspectos que os parecessem convenientes. Tais argumentações “adicionais” podem ter gerado consequências sobre a produção da atividade, afastando um pouco os elementos que se esperavam obter nessa tarefa. No total, obtiveram-se dezessete atividades. A seguir, são mostrados cinco exemplos que nos chamaram bastante a atenção.

Figura 1.  Fotografia da região externa frontal do aparelho.

Figura 3.  Fotografia da atividade desenvolvida por um dos grupos.

Das atividades coletadas, a apresentada na Figura 3 exemplifica o modo mais comum que os alunos usaram para construir suas explicações, Figura 2.  Fotografia da região externa traseira do aparelho (dir.) e um ímã, acessório do aparelho (esq.).

ou seja, realizar um cuidadoso desenho ilustrativo da parte frontal do equipamento com um pequeno texto informativo das suas funções. Acreditamos

O tempo restante da aula foi destinado à dis-

que isso indica, a princípio, que esses alunos

cussão das atividades desenvolvidas, resgatando

tenham uma concepção que subestima o papel

os pontos de interesse de maneira dialógica com

das visualizações, já que, nesse caso, a represen-

os resultados apresentados.

tação apresentou um caráter somente ilustrativo.

46

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química

Somente a linguagem verbal (escrita) teve o papel

explicar verbalmente os componentes desenhados.

de descrição, explicação, previsão etc. Como dis-

Entretanto, mais uma vez, o peso sobre a lingua-

cutido anteriormente, Justi (2006) aponta que o

gem verbal como veículo de explicação foi muito

senso comum sobre os modelos nos indica justa-

maior do que da linguagem visual.

mente essa tentativa de se aproximar de descrições “fidedignas” daquilo que se observa, ou seja, cópias da realidade.

Figura 4.  Fotografia da atividade desenvolvida por um grupo de alunos.

Figura 5.  Fotografia da atividade desenvolvida pelos alunos.

O desenho observado na Figura 4 se utiliza de uma analogia na busca de explicar as funções do objeto de estudo. O grupo que apresentou esta atividade foi um dos poucos que apontaram a semelhança do objeto de estudo com outro cotidiano de amplo conhecimento. Tal mediação entre o desconhecido com o conhecido, de fácil experimentação, trata-se de uma atividade bastante comum na construção e divulgação do conhecimento científico. Sendo assim, a discussão e referência a essa atividade tomou bastante tempo, captando a atenção dos alunos, principalmente dos que a desenvolveram. A atividade observada na Figura 5 exemplifica um grupo bastante dedicado que buscou represen-

Figura 6.  Fotografia da atividade desenvolvida por um grupo de alunos.

tar a parte frontal, traseira e lateral, além de uma descrição por escrito bastante extensa. A repre-

Na Figura 6, observamos uma atividade desen-

sentação novamente teve um papel, sobretudo,

volvida por um grupo de alunos que estudavam

ilustrativo. Esta se difere da atividade apresentada

eletrônica no curso técnico do colégio e, assim,

pela Figura 3 por apontar a necessidade de mais de

usaram representações do circuito elétrico do

uma representação para explicar o mesmo objeto.

aparelho. A representação da esquerda indica ele-

Além disso, os estudantes se preocuparam em

mentos externos para explicar o objeto “desco-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

47


A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química

• A impossibilidade de se atingir uma expli-

nhecido”. Entretanto, a discussão maior foi dada

cação completa;

sobre a representação da direita, que indica o cir-

• Não existir a necessidade de se atingir uma

cuito eletrônico, pois esta não podia ser vista pelos

explicação completa;

estudantes pelo contato com o aparelho. Sendo assim, foi debatido sobre como os diferentes níveis

• Os nossos conhecimentos prévios influen-

de conhecimento podiam afetar nossos níveis de

ciam significativamente nossa produção de

explicação sobre um determinado objeto ou pro-

conhecimento e interpretação do mesmo;

cesso. Mostrou-se que aquela explicação dos estu-

• Dos conhecimentos prévios, de que maneira,

dantes mais complexa poderia, ou não, ser útil,

em especial, nosso conhecimento de mundo

dependendo do propósito estabelecido.

(do tangível) influência na produção e interpretação do conhecimento; • Uma investigação sobre um objeto de estudo pode resultar em explicações mais, ou menos, complexas – dependendo do que se pretende atingir; • Uma explicação pode ser desenvolvida a partir de novas descobertas e pontos de vista; • As representações resultantes e nossas interpretações sobre as mesmas possuem essas características citadas anteriormente; • A possibilidade do uso de diversas representa-

Figura 7.  Descrição do objeto de estudo segundo um grupo de alunos.

ções acerca de um mesmo modelo proposto; • As representações são construídas a partir do uso de diversas convenções que preci-

Por último, na Figura 7, observamos que os

samos compreender, sendo que as cores

alunos buscaram dividir as diversas partes do apa-

ganharam destaque nesse ponto.

relho e explicarem cada uma isoladamente. Tal descrição foi mais profunda que a apresentada pela

Por último, utilizando um livro de química,

Figura 5 e a linguagem verbal não apresentou uma

demonstraram-se sucintamente como as diversi-

importância central. As linguagens verbais e visu-

ficadas visualizações dos entes e processos quí-

ais estiveram mais integradas que anteriormente.

micos presentes no mesmo estavam relacionados

Estas e as demais atividades nos propiciaram,

com os pontos discutidos naquela aula, que tinha

no instante da aula, um conjunto de material muito

como função realizar a ligação entre a observação/

rico para abordar tanto a formação do conheci-

investigação com as representações científicas.

mento científico, como o papel e as características das representações. Resumindo, os principais pontos abordados com as três turmas, apoiados sobre suas próprias atividades foram:

7

Conclusão Envolver os estudantes em atividades práticas

• As investigações sobre um objeto de estudo

de produção e discussão de modelos resultou, em

nos servem para realizarmos explicações e

termos práticos, em uma aula bastante dinâmica

previsões;

e simples de se efetuar. Mesmo diante do curto

48

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química

tempo de aula, além do tempo gasto com procedimentos de organização de grupos, consideramos que houve um aproveitamento muito positivo em relação aos objetivos propostos devido à qualidade das discussões e das atividades desenvolvidas. Foi possível abordar os principais pontos que consideramos necessários para avançar em um uso mais eficiente e consciente dos produtos da ciência. Entretanto, é bastante importante estar ciente das limitações envolvidas nessa atividade, tanto porque que se realizou um recorte específico de todo um complexo conjunto de características das atividades dos cientistas em suas práticas investigativas, bem como porque o objeto de estudo proposto aqui é bastante diferente dos objetos de estudo da química. Sendo assim, é de suma importância monitorar constantemente os objetivos de cada etapa da atividade. Ampliar e aprofundar esse tipo de atividade se mostra necessário. Em relação ao objeto de estudo, acreditamos que o professor pode diversificá-lo de modo que este desperte a atenção dos alunos. No caso dessa pesquisa, observou-se que muitos estudantes já tinham usado o equipamento proposto, porém, isso não prejudicou a atividade. Entretanto, trabalhos adicionais ainda precisam ser realizados para que tenhamos uma visão maior do impacto dessa ativi-

8

FERREIRA, C.; ARROIO, A. Teacher’s Education and the use of Visualization in Chemistry Instruction. Problems of Education in the 21st Century, 16, 2009, p. 48-53. ______.; ARROIO, A.; BAPTISTA, M. O uso de visualizações no ensino de ciências: a formação continuada de professores. VIII Encontro Nacional de Educação em Ciências e I Congresso Iberoamericano de Investigación en Enseñanza de las Ciencias, Campinas, 2011. FERREIRA, P.; JUSTI, R. Modelagem e o “Fazer ciência”. Química Nova na Escola, 28, 2008, p. 32-36. GILBERT, J. K. Visualization: A Metacognitive Skill in Science and Science Education. In: GILBERT, J. K. (Ed.). Visualization in Science Education, Holland: Springer, 2005, p. 9-27. JUSTI, R. La Enseñanza de Ciencias Basada en la Elaboración de Modelos. Enseñanza de las Ciencias, v. 24, n. 2, p. 173-184, 2006. ______.; van DRIEL, J. The development of science teachers’ knowledge on models and modelling: promoting, characterizing, and understanding the process, International Journal of Science Education, v. 27, n. 5, p. 549-573, 2005. SCOTT, P. et al. Construindo conhecimento científico na sala de aula. Química Nova na Escola, v. 9, p. 31-40, 1999. TERUYA, L. C. et al. Visualização no Ensino de Química: Apontamentos para a pesquisa e desenvolvimento de recursos educacionais. Química Nova, v. 36, n. 4, p. 561-569, 2013.

dade, bem como das adaptações necessárias.

VAVRA, K. L. et al. Visualization in Science Education. Alberta Science Education Journal, v. 41, n. 1, p. 22-30, 2011.

Referências

VRIES, M. G.; FERREIRA, C. R.; ARROIO, A. Concepções de Licenciandos em Química sobre Visualizações no Ensino de Ciências em dois países: Brasil e Portugal. Química Nova, No prelo 2014.

COLE, K. C. Primeiro você constrói uma nuvem. Trad. Elizabeth Leal, Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 33-55.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

49


Relato de Experiência 02 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

p. 50-59

Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade Conceptions of High School Students about Models and the Relationship Model and Reality Uarison Rodrigues Barreto1 e Lailton Passos Cortes Junior2

Resumo Considerando a importância do uso dos modelos para a construção do conhecimento das Ciências e da Química em especial, e das dificuldades de aprendizagem dos estudantes de nível médio, esse trabalho, produto e recorte de um trabalho de conclusão de curso, teve como objetivo identificar e analisar as concepções dos estudantes sobre os modelos e sua relação com a realidade. A análise dos dados sugere que as concepções predominantes sobre modelos são apresentadas como uma forma de representação mais próxima do que seria a realidade e não cópia da realidade. As concepções dos estudantes da escola particular e os ingressantes do primeiro semestre do curso de graduação foram consideradas mais adequadas, sendo que as maiores distorções foram percebidas em relação aos estudantes da escola pública. Palavras-chave: Ensino de Química; Modelos; Concepções prévias. Abstract Considering the importance of the use of models for the construction of knowledge of science and chemistry in particular, and learning difficulties of students from the Middle Level, the work product and a clipping of a end-of-course work, aimed at identifying and analyzing students’ conceptions about the models and their relation 1. Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História da Ciência, Universidade Federal da Bahia / Universidade Estadual de Feira de Santana. 2. Universidade Federal da Bahia – UFBA, Departamento de Química Geral e Inorgânica, Salvador – Bahia.


Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade

to reality. Data analysis suggests that prevailing conceptions of models are presented as a form of representation that would be the closest to reality and not a copy of reality. The conceptions of the private school students and freshmen in the first semester of graduation were considered more appropriate, with the largest distortions were perceived in relation to public school students. Key-words: Teaching chemistry; Models; Conception.

1

Introdução

fenômeno que se deseja estudar. Em Ciências, um modelo pode ser definido como uma representa-

Nas últimas décadas, pesquisas realizadas

ção parcial de um objeto, evento, processo ou ideia

sobre o ensino de ciências têm revelado que algu-

que é produzida com propósitos específicos como,

mas dificuldades associadas aos processos de

por exemplo, facilitar a visualização, fundamentar

ensino e da aprendizagem em Ciências e, sobre-

a elaboração e teste de novas ideias, possibilitar

tudo, em Química, estão relacionadas aos aspectos

a elaboração de explicações e previsões sobre

abstratos das mesmas. Considerando a natureza

comportamentos e propriedades do sistema mode-

da Química, pode-se afirmar que essa ciência

lado (Gilbert; Boulter; Elmer, 2000; Justi; Gilbert,

estuda as transformações da matéria, formada por

2002a).

substâncias, e essas, por moléculas, que, por sua

Partindo de relatos de pesquisa sobre concep-

vez, são compostas de átomos que são formados

ções distorcidas, ingênuas e sobre as dificuldades

por... Mas como discutir sobre átomos se eles não

encontradas na aprendizagem dos modelos pela

podem ser vistos?

maioria dos estudantes do ensino médio, procura-

Como esses “entes” não são vistos, considera-

mos responder à seguinte pergunta: as concepções

mos que estamos lidando com aspectos intangíveis

dos estudantes do nível médio sobre modelos quí-

aos nossos sentidos, o que torna difícil a sua com-

micos e sua relação com a realidade são adequa-

preensão, uma vez que se imagina fazer parte da

das para a compreensão do processo de construção

complexidade do universo que nos cerca. Porém,

do conhecimento químico e da aprendizagem dos

aqueles que desejam estudar a Química precisam

conteúdos desse campo disciplinar?

buscar o entendimento de um mundo submicros-

Segundo Romanelli (1996), o processo de

cópico para explicar as possíveis realidades do

ensino-aprendizagem do conceito de átomo apre-

mundo fenomênico. Nesse sentido, uma das nos-

senta dificuldades inerentes aos alunos em repre-

sas preocupações está relacionada com as concep-

sentar uma ideia abstrata. Nesse sentido, em pes-

ções de estudantes do nível médio sobre modelos,

quisas desenvolvidas por Souza e Justi (2003)

na tentativa de entender as ciências e, em particu-

também foi constatada uma extrema dificuldade

lar, a Química.

dos alunos com relação à compreensão dos mode-

Atualmente, na comunidade científica, o conhe-

los atômicos. Assim, admitindo as dificuldades no

cimento tem sido considerado como processo de

entendimento dos estudantes sobre vários conteú-

construção apoiado em modelos, em que se busca

dos químicos muito abstratos, existe a constatação

fazer aproximações com a realidade. Portanto,

do quanto é importante se pesquisar sobre os pro-

estamos admitindo que os modelos assumem um

cessos de ensino e de aprendizagem que envolvem

papel de mediador entre a realidade que pode ser

tais conteúdos, o que nos motivou a desenvolver

modelada e as teorias existentes sobre um dado

esta investigação.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

51


Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade

Tendo como pressuposto que o ensino de

Morison e Morgan (1999); Pietrocola (1999).

Química no nível médio é relevante como uma das

Esses pesquisadores foram escolhidos em função

formas de entendimento do mundo, a necessidade

de terem realizado trabalhos de grande relevância

de se buscar respostas para as questões levantadas

neste campo e que são amplamente reconhecidos

nesse trabalho converge para uma melhor com-

por outros pesquisadores, além das contribuições

preensão sobre o significado da palavra modelo,

de suas pesquisas para o Ensino de Química.

que é reconhecidamente um vocábulo polissêmico

De acordo com Justi (1999), através de mode-

e muito utilizado na construção da Química e no

los, os cientistas formulam questões sobre o

seu ensino. Nesse sentido, este trabalho tem como

mundo, descrevem, interpretam, testam diversas

objetivos:

hipóteses e realizam previsões acerca do que está

• Identificar as concepções de alunos do

sendo investigado. Um modelo é compreendido

nível médio sobre os modelos na Ciência e

aqui como uma “entidade”, elaborado com um

na Química em particular;

ou mais objetivos e que pode sofrer modificação

• Analisar como os alunos percebem a rele-

ao longo do tempo. Nesse sentido, os estudantes

vância da utilização dos modelos no Ensino

precisam também saber como e por que os mode-

de Química;

los são construídos. Segundo Morisson e Morgan

• Investigar como os alunos compreendem a relação entre modelo e realidade.

(1999), a aprendizagem sobre os modelos pode ocorrer por mediação de dois processos, ou seja, a construção e a utilização.

2

Comentando sobre os aspectos essenciais e

Os modelos e o ensino de ciências

pouco discutidos relacionados aos modelos e a

A importância de modelos em Ciências é ampla-

modelagem, Justi (1999) apresenta um questiona-

mente reconhecida entre os cientistas e filósofos

mento de grande relevância: será que os professo-

da ciência, dentre eles, Giere (1988); Magnani,

res de Química atribuem à palavra “modelo” um

Nersessian e Thagard (1999); Morgan e Morrison

significado adequado? Nessa pesquisa, a autora

(1999). Nesse sentido, o trabalho com modelos é

percebe que os próprios educadores não possuem

próprio do ensino das Ciências, em decorrência da

clareza sobre o significado de modelos, nem sobre

necessidade de se fazer imagens de um mundo quase

o papel da modelagem na construção do conheci-

imaginário (Chassot, 1993, p. 244). Nesta área, a pes-

mento químico.

quisa sobre as concepções de modelos e sua rela-

Islas e Pesa (2002), discutindo as ideias que

ção com a realidade se faz necessária, haja vista

professores de Física do nível médio possuem a

que são observadas grandes lacunas nesse campo

respeito dos modelos, identificaram a existência

de investigação.

de uma falta de reflexão sobre seu significado e

No desenvolvimento deste trabalho, fizemos

perceberam a dificuldade dos estudantes e pro-

uma revisão da literatura referente aos modelos

fessores para interpretar a relação entre o modelo

e o ensino de ciências, incluindo-se, também, o

e a realidade. A ideia de modelo como cópia da

levantamento de relatos de pesquisas que tratam

realidade ou como uma representação simplificada

deste tema de investigação. Dentre os referenciais

dos fenômenos reais é comum nos textos e arti-

teóricos, destacamos os seguintes autores: Bunge

gos analisados. Por exemplo, a pesquisa realizada

(1974); Chalmers (1995); Chassot (1993); Islas e

por Souza e Justi (2003) aponta que estudantes do

Pesa (2002); Justi (1999); Justi e Gilbert (2006);

Ensino Médio admitem que os átomos são iguais

52

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade

às representações dos livros didáticos. Essa cons-

balho ficará claro que, embora de fundamental importância, as teorias por si só nada valem no contexto científico, pois sendo abstrações produzidas por nossa razão e intuição não se aplicariam a priori às coisas reais. Por outro lado, os dados empíricos apesar de mais próximos da realidade, não podem ser inseridos em sistemas lógicos e gerar conhecimento. Desta aparente dicotomia entre teórico e empírico, é introduzida a modelização como instância mediadora (p. 9).

tatação evidencia que os estudantes não conseguem compreender que os livros apresentam apenas modelos do átomo. Aqui, os estudantes passam a confundir o modelo com a realidade – o que é um erro grave. Nesse caso, é necessário que se discuta na formação de professores de ciências, que se busca representar uma entidade (o átomo), cuja realidade é muito mais complexa do que o modelo. Outras concepções tais como aquelas que consideram que os modelos se aproximam, mostram

As pesquisas apontam que a noção de mode-

e explicam a realidade são também identificadas

los transcende seu papel no ensino de ciências e,

nestes trabalhos.

sobretudo, do conhecimento químico. Nesta ótica,

Na literatura existem diversos significados para

acreditamos que os modelos no ensino de ciências,

modelos, sendo o de representação um dos mais

na sua essência, não são cópias das realidades em

importantes. Considerando-se que um modelo

si, mas podem ser vistos como formas de repre-

pode ser entendido como uma representação,

sentá-la.

propõe-se que, ao utilizar um modelo qualquer no

Portanto, a análise das pesquisas sobre mode-

ensino de ciências, deve ficar bem claro para os

los e sua relação com a realidade nos ajudou a

estudantes que esta é apenas uma representação

perceber a importância de novas investigações

que está sendo utilizada para explicar um deter-

empíricas sobre esta questão, buscando novas

minado fenômeno. Acreditamos que os modelos

metodologias para o ensino de modelos químicos

são construídos com a finalidade de reproduzir

e ampliando os estudos que possam contribuir para

uma parte de uma dada realidade que, em geral,

uma melhor qualidade do ensino de química.

não podemos observar por meio dos sentidos. Consideramos que, através de modelos, nas mais diversas situações, podemos fazer interferências e

3

Metodologia

previsões de propriedades dos sistemas estudados.

Fizemos uma abordagem de caráter qualita-

Mário Bunge analisa a função dos modelos na

tivo, que teve como principal instrumento para o

constituição do conhecimento teórico das ciências.

levantamento de dados um questionário, através

Segundo o autor, o caráter teórico do conheci-

do qual buscamos identificar as concepções pré-

mento serve como medida de progresso científico,

vias de estudantes sobre modelos e a relação entre

mais do que o volume de dados empíricos acumu-

o modelo e a realidade.

lados. Isto decorre do avanço teórico de determi-

A investigação foi realizada em uma turma

nada área da ciência em apreender o real. Diante

da primeira série do ensino médio de uma escola

desse contexto, Bunge (1974) afirma:

pública (número de sujeitos = 32), outra de uma

Os modelos são abordados na medida em que se procuram relações entre as teorias e os dados empíricos. Estes são os intermediários entre as duas instâncias limítrofes do fazer científico: conceitos e medidas. Ao longo de todo seu tra-

escola particular (número de sujeitos = 17), ambos da cidade de Salvador, além de outra turma de estudantes ingressantes no Curso de Graduação em Química de uma Universidade Pública (número de sujeitos = 18). A quantidade total de sujeitos inves-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

53


Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade

tigados nesse trabalho foi de 67 estudantes. Nessa pesquisa, foi utilizado como instrumento metodológico o questionário a seguir, para o levantamento de dados acerca do tema proposto. O presente questionário foi aplicado em dois momentos (Modelo 1 e Modelo 2). Modelo 1: Questionário aplicado no primeiro

4

Resultados As tabelas a seguir apresentam as categorias emergentes da análise de conteúdo das respostas dos estudantes. Os dados apresentados nas tabelas são referentes apenas aos alunos que responderam as questões.

momento. 1. O que você entende por modelo?

4.1

2. Qual a finalidade do uso de modelos nas ciências? 3. Em sua opinião, qual a importância dos modelos na Ciência e na Química em

Tabela 1.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 1 (Modelo 1). Categorias

particular? Após realizarmos a coleta dos dados no primeiro momento, aplicamos um segundo questionário referente ao segundo momento (Modelo 2): Modelo 2: Questionário aplicado no segundo momento.

que acha dessa afirmativa? Justifique. 2. Como acha que podemos falar sobre os átomos se eles não podem ser vistos? 3. Represente a partir de um desenho um

05

Modelo como Representação

06

Concepções Distorcidas sobre Modelos

08

Tabela 2.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 2 (Modelo 1). Categorias

02

Concepções distorcidas

07

Tabela 3.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 3 (Modelo 1). Categorias

o que você entende sobre ela: “o átomo é como se fosse um pudim de passas”.

Quantidade de Sujeitos

Simplificação da Realidade

modelo de átomo que você conhece. 4. Comente a afirmação a seguir, explicitando

Quantidade de Sujeitos

Modelo como simplificação ou explicação da realidade

1. Alguns cientistas afirmam que os modelos são simplificações da realidade. E, você, o

Concepções prévias dos estudantes da escola pública (32 alunos) – primeiro momento

Quantidade de Sujeitos

Modelo como explicação da realidade

10

Modelo como Representação

13

Modelos como construção científica

03

A partir das respostas dos estudantes foram elaboradas categorias que foram analisadas segundo Bardin (1977), em que a análise de conteúdos se

4.2

Concepções prévias dos estudantes da escola pública – segundo momento

define como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, possuindo rigor no método como forma de não se perder a heterogeneidade de seu objeto. Assim, esta análise visa obter, sistematicamente, a descrição dos conteúdos das mensagens.

54

Tabela 4.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 1 (Modelo 2). Categorias

Quantidade de Sujeitos

Aproximação/simplificação da Realidade

09

Outras Concepções

02

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade

Tabela 5.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 2 (Modelo 2). Quantidade de Sujeitos

Categorias Modelo com Representação

12

Na questão 3, na qual era solicitada a representação, a partir de um desenho, de um modelo de átomo que os alunos conheciam, 29 estudantes fizeram os desenhos. A Tabela 6 apresenta três desenhos escolhidos.

Categorias

Desenho 2

Desenho 3

Estudantes da Ingressantes Escola Particular Química UFBA

Simplificação e explicação da realidade

06

12

Modelo como construção científica

10

04

Tabela 10.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 3 (Modelo 1). Categorias

Tabela 6.  Desenhos referentes às respostas da questão 3 (Modelo 2). Desenho 1

Tabela 9.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 2 (Modelo 1).

Estudantes da Ingressantes Escola Particular Química UFBA

Explicação da Realidade

03

07

Representação da realidade

05

01

-

05

Modelo como construção científica

Tabela 7.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 4 (Modelo 2).

4.4

Quantidade de Sujeitos

Categorias Átomo como um modelo analógico

05

Concepções Distorcidas

06

Concepções prévias dos estudantes da escola particular e ingressantes no curso de Graduação em Química – segundo momento

Tabela 11.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 1 (Modelo 2).

Concepções prévias dos estudantes da escola particular (17) e ingressantes no curso de Graduação em Química (18) – primeiro momento

Modelo como simplificação da Realidade

08

-

-

06

Tabela 8.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 1 (Modelo 1).

Modelo como aproximação/ simplificação da realidade

4.3

Categorias

Estudantes da Ingressantes Escola Particular Química UFBA

Representação e simplificação da realidade

10

04

Modelo como construção científica

09

Categorias

Estudantes da Ingressantes Escola Particular Química UFBA

Tabela 12.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 2 (Modelo 2). Categorias

Estudantes da Escola Particular

Modelo como representação científica

09

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

55


Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade

Na questão 3 (“Represente a partir de um dese-

em Química possuem uma visão mais ampla sobre

nho um modelo de átomo que você conhece”),

modelos, adequadas para este campo disciplinar e

12 estudantes da Escola Particular fizeram os

bastante coerente com a literatura.

desenhos. A Tabela 13 apresenta três desenhos

Por outro lado, dentre os estudantes da escola pública, observou-se que muitos deles admitiam os

escolhidos.

modelos como um padrão ou referência, a exemplo Tabela 13.  Desenhos referentes às respostas da questão 3 (Modelo 2). Desenho 1

Desenho 2

Desenho 3

de manequins ou coisas do tipo. A seguir, reproduzimos dois exemplos de respostas: “Quando vejo falar sobre modelos penso logo em desfile de mulheres e homens” (Estudante da Escola Pública).

Quando esta mesma questão foi apresentada aos alunos ingressantes na universidade, 18 deles fizeram os desenhos. A Tabela 14 apresenta dois desenhos escolhidos.

determinado fenômeno, acontecimento ou situação que ocorre na natureza ou artificialmente” (Ingressante no curso de graduação em

Tabela 14.  Desenhos referentes às respostas da questão 3 (Modelo 2). Desenho 1

“Modelo é uma tentativa de representar um

Desenho 2

Desenho 3

Química). 4.6

Análise comparativa da segunda questão (Modelo 1)

Analisando as respostas dos estudantes em geral, montamos a Tabela 16:

08

09

Átomo como modelo científico

4.5

Ingressantes Química UFBA

Concepções distorcidas de modelos como analogias

Estudantes Escola Particular

Ingressantes Química UFBA

Estudantes Escola Pública

Estudantes da Escola Particular

Categorias

Tabela 16.  Relação das respostas dos estudantes em geral. Finalidade dos Modelos

Tabela 15.  Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 4 (Modelo 2).

6%

35%

67%

Construção científica

-

59%

22%

Concepções distorcidas

-

-

-

Simplificação ou explicação da realidade

04

Análise comparativa da primeira questão (Modelo 1)

Pretendíamos analisar se as concepções dos

Nenhuma

22%

-

-

Não responderam

72%

6%

11%

estudantes do nível médio sobre modelos são adequadas para a compreensão do conhecimento quí-

Verificou-se que 22% dos estudantes da escola

mico. De modo geral, entre as respostas obtidas,

pública apontavam que os modelos não possuem

podemos verificar que os estudantes da escola par-

qualquer finalidade. Essa questão chamou bastante

ticular e os ingressantes no Curso de Graduação

nossa atenção. Os resultados obtidos mostram

56

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade

que os estudantes apresentam grande dificuldade

Podemos observar que os estudantes da escola

para explicitar suas concepções sobre os mode-

pública, nessa questão, possuem uma concepção

los nas ciências, sobretudo, seu uso e construção.

aproximadamente adequada sobre a importância

Diferentemente, a maior parte dos estudantes da

dos modelos nas ciências. Estes admitem que os

escola particular e dos ingressantes no Curso de

modelos são considerados importantes porque

Graduação em Química admitem que o papel dos

ajudam a explicar e representar a realidade, con-

modelos é simplificar e explicar as ciências através

tribuindo para a construção do conhecimento em

das diversas representações, levando ao seu desen-

ciências. Em relação aos estudantes da escola

volvimento. Algumas respostas dos estudantes são

particular, 41% deles admitem que os mode-

reproduzidas a seguir:

los são importantes para representar a realidade.

“Nenhuma, por que não tem nada a ver com a química e nem com a ciência” (Estudante da Escola Pública).

Comparando as concepções prévias dos estudantes ingressantes no Curso de Graduação em Química com os estudantes da escola pública e particular constata-se que as concepções dos estudantes, em

“Modelo é uma forma de simplificar a ciência, uma forma de demonstrar a realidade de maneira explicativa” (Estudante da Escola Particular).

geral, são adequadas, pois esses consideram que os modelos ajudam na construção, explicação, representação e progresso das ciências. 4.8

“Os modelos tem por finalidade a evolução da ciência garantindo uma melhor percepção de como as partículas são formadas” (Ingressante na graduação em Química).

Análise comparativa da primeira questão (Modelo 2)

Os dados coletados dos estudantes em geral, são mostrados na Tabela 18. Tabela 18.  Relação das respostas dos estudantes em geral. Estudantes Escola Pública

Estudantes Escola Particular

Ingressantes Química UFBA

Análise comparativa da terceira questão (Modelo 1)

Importância dos modelos

4.7

Simplificação/explicação da realidade

28%

-

33%

-

47%

-

Propõe-se, nessa questão, analisar o que os estudantes pensam sobre a importância dos modelos nas ciências e na química. Com os dados coletados dos estudantes, montamos a Tabela 17.

-

5%

66%

53%

62%

Explicação da realidade

31%

-

39%

Construção científica

9%

-

28%

questão, 47% concordam com essa afirmativa,

Representação

41%

41%

5%

justificando com a ideia de que os modelos são

Não responderam

19%

59%

28%

Importância dos Modelos

Ingressantes Química UFBA

6%

Não responderam

Estudantes Escola Particular

Outras concepções

Estudantes Escola Pública

Tabela 17.  Relação das respostas dos estudantes em geral.

Aproximação da realidade

Com relação aos dados obtidos, observarmos que 28% dos estudantes da escola pública possuem uma visão limitada. Entretanto, dentre os estudantes da escola particular que responderam essa

representações mais próximas do que seria a realidade. Para os ingressantes no curso de graduação

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

57


Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade

em Química, 33% deles consideram os modelos

4.11 Análise comparativa da quarta questão

(Modelo 2)

como explicações da realidade. Vale ressaltar que a quantidade de sujeitos que não responderam essa

A partir das respostas dos alunos, apresenta-

questão foi bastante relevante. Temos, a seguir,

mos os resultados na Tabela 19.

duas respostas dos estudantes:

mas também que eles nem sempre conseguem seguir a realidade para chegar ao mais próximo possível” (Estudante da Escola Particular). 4.9

Análise comparativa da segunda questão (Modelo 2)

Ingressantes Química UFBA

“Eu acho que são simplificações da realidade,

Estudantes Escola Pública

Escola Pública).

Analogia

explicar algo real de importante” (Estudante da

Estudantes Escola Particular

Tabela 19.  Relação das respostas dos estudantes em geral.

“Eu entendo que é uma forma de teoria para

Analogia como modelo

16%

-

1%

Concepções distorcidas

19%

53%

50%

Não responderam

65%

47%

49%

Verifica-se que as concepções dos estudantes da escola pública, particular e dos ingressantes do

A partir dos dados coletados dos estudantes da

Curso de Graduação em Química sobre o uso de

escola pública, particular, e os estudantes ingres-

analogia do átomo de Thomson, como se fosse um

santes no Curso de Graduação em Química, é pos-

pudim de passas, apresentam muitas distorções.

sível afirmar que a ideia de representação é comum

Vale ressaltar, ainda, que a quantidade de sujeitos

para os estudantes investigados. Eles admitem que

que não responderam a essa questão foi bastante

os átomos não podem ser vistos, porém, com a uti-

relevante. Algumas respostas dos estudantes são

lização dos modelos, podemos estudá-los e com-

reproduzidas a seguir:

preender certos conhecimentos nas ciências.

“Por que os átomos são elementos pretinhos

4.10 Análise comparativa da terceira questão

como as passas” (Estudante da Escola Pública).

(Modelo 2)

“Deve ser pinguinhos pretos e mássicos”

Verificamos que, dos 32 estudantes da escola

(Estudante da Escola Particular).

pública investigados, 91% deles utilizaram desenhos com distorções, ou seja, desenhos como casa,

“Ele quis dizer que o pudim é o núcleo de pró-

flor ou coisas do tipo. Apenas 3% desses estudantes

ton estava gravejado de passas (elétrons) todos

apresentaram uma concepção aproximada do que

juntos no núcleo” (Ingressante na graduação

seria um átomo de acordo com a literatura. O mesmo

em Química).

ocorreu com os estudantes da escola particular, pois verificamos que 71% dos desenhos apresentaram distorções acerca dos modelos. Entretanto, 89% dos estudantes ingressantes no Curso de Graduação em

5

Considerações finais

Química apresentaram um desenho adequado de

Os resultados apontam para uma predominân-

um modelo, que também estava de acordo com a

cia das concepções sobre modelos aproximada-

literatura. Apenas 11% destes estudantes apresenta-

mente adequadas para os estudantes da escola par-

ram desenhos com distorções.

ticular e para os estudantes ingressantes do curso

58

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade

de graduação em Química. Tais concepções são baseadas na ideia de que o modelo não é uma cópia da realidade, mas uma forma de representação mais próxima do que seria a realidade. Verificou-se, também, que entre os estudantes da escola pública, a maior parte deles possui uma concepção ingênua e, muitas vezes, distorcida sobre modelos e sua relação com a realidade. Para muitos estudantes, o significado mais comum da palavra “modelos” está relacionado com manequins ou miniaturas, isto é, uma representação concreta de algo que existe. Talvez seja por isso que muitos estudantes possuem uma visão distorcida e pensam que os modelos são como cópias da realidade. Vale lembrar que encontramos concepções distorcidas entre os estudantes nas três instituições de ensino, porém, a escola pública foi o local onde pudemos observar o maior número destas distorções. Portanto, o desenvolvimento deste trabalho nos trouxe algumas reflexões relevantes, sobretudo quanto às concepções distorcidas dos estudantes acerca deste tema. Acreditamos que os modelos utilizados nas Ciências precisam ser melhor compreendidos pelos estudantes para melhorar o entendimento de sua relação com a realidade.

6

Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. 70. ed. Lisboa, Portugal, 1977. BARRETO, U. R. Concepções de estudantes do nível médio sobre modelos e a relação modelo e realidade. Monografia de Conclusão de Curso (Licenciatura em Química). Universidade Federal da Bahia, 2011. BUNGE, M. Teoria e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1974. CHALMERS, A. F. O que é ciência afinal? Trad. Raul Fiker. São Paulo: Brasiliense, 1995.

CHASSOT, A. Catalisando transformações na educação. Ijuí: Editora Unijuí, 1993. GIERE, R. Explaining science. Chicago: University of Chicago Press, 1988. GILBERT, J. K.; BOULTER, C. J.; ELMER, R. Positioning models in science education and in design and technology education. In: J. K. GILBERT; C. J. BOULTER (Eds.). Developing Models in Science Education. Dordrecht: Kluwer, 2000, p. 3-18. ISLAS, S. M.; PESA, M. A. Qué ideas tienen los profesores de física de nivel medio respecto al modelado? Ciência & Educação, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 13-26, 2002. JUSTI, R. S. La Ensenanza de Ciencias Basada en la Elaboración de Modelos. Ensenanza de Ciências, Barcelona, v. 24, n. 2, p. 173-184, 2006. ______.; GILBERT, J. K. A Cause of ahistorical science teaching: use of hybrid models. Science Education, v. 83, n. 2, p. 163-177, 1999. ______.; GILBERT, J. K. Modelling, teachers’ views on the nature of modelling, and implications for the education of modellers. International Journal of Science Education, v. 24, p. 369-387, 2002a. MAGNANI, L.; NERSESSIAN, N.; THAGARD, P. (Eds.). Model-based reasoning in scientific discovery. New York: Kluwer and Plenum, 1999. MORRISON, M.; MORGAN, M. Models as mediating instruments. In: MORRISON, M.; MORGAN, M. (Eds.). Models as mediators: essays on the philosophy of the natural and social sciences. Cambridge: CUP, 1999, p. 38-65. PIETROCOLA, M. Construção e realidade: o realismo científico de Mário Bunge e o ensino de Ciências através de modelos. Investigações em Ensino de Ciências, v. 4, n. 3, p. 213-227, 1999. ROMANELLI, L. I. O papel mediador do professor no processo de ensino-aprendizagem do conceito átomo. Química Nova na Escola, v. 3, p. 27-31, 1996. SOUZA, V. C. A.; JUSTI, R. S. Produção e utilização de multimídia como recurso didático para o ensino do modelo atômico de Bohr – Uma experiência fundamentada na pesquisa educacional. Trabalho apresentado no 3º Encontro Mineiro de Ensino de Química, Viçosa, 16-18 de outubro, 2003.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

59


Relato de Experiência 03 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

p. 60-69

Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos Chemistry of smells: a multimodal approach to diagnosis of the misconceptions from the models expressed by students Danilo José Ferreira Pinto1, Claudia Teixeira Siqueira2, Jaqueline de Souza Reges3, Valéria Campos dos Santos4 e Agnaldo Arroio5 6

Resumo Neste artigo descrevemos uma sequência didática realizada dentro da temática química dos cheiros, no qual foram aplicadas atividades de modelagem, produção textual e discursiva. A partir de representações pictóricas acerca do estado de agregação da matéria, pretendeu-se analisar o modelo expresso pelos alunos com o intuito de compreender melhor quais as características, semelhanças e diferenças 1. Formado em química licenciatura pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). Cursando mestrado em ensino de química pelo programa de Pós-graduação Interunidades em Ensino de Ciências. 2. Formada em química licenciatura pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). 3. Estudante do curso de Licenciatura em Química pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). 4. Graduada em Química (licenciatura) pela Universidade Federal de Lavras e mestre em Agroquímica pela Universidade Federal de Lavras. Atualmente é aluna de doutorado em Ensino de Química pela Universidade de São Paulo. 5. Bacharel em Química pela USP e em Imagem e Som pela UFSCAR, Mestre e Doutor em Físico­ ‑Química pela USP, Pós-doutorado em Educação pela USP, Livre Docente em Metodologia do Ensino pela Faculdade de Educação da USP. Professor Associado na Faculdade de Educação da USP. 6. Agradecemos a colaboração dos alunos e funcionários da Escola de Aplicação da FEUSP, aos alunos de cursinho voluntários e à CAPES por contribuir para a valorização do magistério a partir do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID).


Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos

do modelo mental formulado por eles e identificar possíveis concepções alternativas. Concluímos que a abordagem multimodal auxiliou nesse processo, pois obtivemos mais pistas acerca do modelo mental formulado pelos alunos. Palavras-chave: Multimodalidade; Concepções alternativas; Modelagem molecular. Abstract The present article describes a didactical sequence performed within the chemistry of smells topic, in which modelling activities have been applied along with written and oral production. Based on pictorial representations of the physical state of matter, an analysis of the models expressed by students was intended; aiming at a better understanding of the characteristics, similarities and differences of the mental model formulated by them and identify possible misconceptions. We conclude that the multimodal approach helped in this process, as we have obtained more clues about the mental model formulated by the student. Key-words: Multimedia learning; Misconceptions; molecular modeling.

1

Utilização de atividades de modelagem como ferramenta de ensino e avaliação

tratos pela criação de estruturas por meio das quais ele pode explorar seu objeto de estudo e testar seu modelo, desenvolvendo conhecimentos mais complexos (Ferreira; Justi, 2008). Muitas vezes,

Johnstone (2000, 1983 e 1982) defende que,

a explicação de um determinado fenômeno é con-

para compreensão da química e de suas transfor-

templada por mais de um modelo, com poderes de

mações, é necessário transitar por entre três modos

explicação e predição diferentes (Monteiro; Justi,

de representação, macroscópico (campo do feno-

2000). Como os modelos atômicos, por exemplo,

menológico, compreendido a partir dos sentidos),

o modelo de Dalton deu suporte para as teorias de

submicroscópico (não observável, de natureza

Lavoisier e Proust (conservação da matéria e lei da

abstrata) e o simbólico (símbolos e códigos pró-

proporção definida, respectivamente), enquanto o

prios das ciências). As compreensões submicros-

modelo de Bohr explica as irradiações atômicas.

cópica e simbólica são especialmente difíceis para

Ambos explicam o átomo e são amplamente uti-

os estudantes porque são abstratas e o pensamento

lizados, dependendo do sistema ou do fenômeno

dos alunos é construído sobre a informação senso-

que se quer interpretar.

rial (Ben-Zvi; Eylon; Silberstein, 1987).

No processo de ensino e aprendizagem de

Para auxiliar nesse processo de transição, por

química, o aluno formula um modelo mental ao

entre os três modos de representação, utilizam-se

estabelecer relação entre a escala nuclear e o fenô-

modelos representacionais. Modelos têm papel

meno observado (Chittleborough; Treagust, 2007).

central no ensino e aprendizagem de química, são

Rapp e Gilbert (2007) propõem que um modelo

as principais ferramentas e produtos da ciência no

mental pode ser considerado uma estrutura de

qual, a partir da formulação destes, pode-se des-

conhecimento organizada e internalizada com

crever, interpretar, explicar fenômenos, fazer pre-

relações individuais de causa, tempo e espaço e

visões, elaborar e testar hipóteses. A construção de

formadas por fragmentos de informação externa.

modelos permite ao aluno visualizar conceitos abs-

Os estudantes, frequentemente, não estabelecem

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

61


Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos

relações apropriadas entre o nível macro e o sub-

dante é estimulado sensorialmente a partir de instru-

microscópico (Pozo, 2001; Kozma; Russell, 1997;

ções verbais e não verbais. Parte desta informação

Gillespie, 1997) e não conseguem compreender as

é selecionada para a memória de trabalho na qual

relações entre as diferentes representações quími-

as múltiplas representações são organizadas, inte-

cas (Wu; Krajcik; Soloway, 2001).

gradas e recicladas, ou seja, onde se formulam os

Dentro da temática química dos cheiros foi

modelos mentais. A memória de longo prazo é onde

aplicada uma proposta de trabalho multimodal.

o novo conhecimento é instaurado causando moti-

Foram utilizadas atividades de modelagem pelo

vação e efeitos de metacognição no aluno. Esta é

uso de representações pictóricas, produção textual

classificada em duas partes, a semântica (registro

e discursiva. A partir desta abordagem, pretendeu-

estruturado de fatos) e episódica (carga emocional

-se investigar qual o modelo mental formulado

do contexto do evento). Resumindo, os diversos

pelos alunos e diagnosticar as possíveis concep-

modos de instrução são utilizados para estimular a

ções alternativas acerca dos estados de agregação

memória sensorial em várias vias a fim de promover

da matéria.

a motivação dos alunos ao integrar, organizar e reciclar novas informações acerca dos conceitos.

2

Em seu estudo acerca da aprendizagem multi-

A utilização de representações pictóricas no contexto da abordagem multimodal

mídia, Mayer (2003) define como aprendizagem multimídia quando o professor se preocupa em

Para construir as representações mentais, o

utilizar imagens e palavras para promover a apren-

aluno precisa integrar as diversas modalidades de

dizagem (Figura 2). O autor avalia o potencial do

informações disponíveis (Mayer, 1997). A aprendi-

método multimídia a partir da capacidade do aluno

zagem pela abordagem multimodal ocorre quando

de resolver uma situação problema e conclui que

o estudante constrói uma representação mental

ele aprende melhor quando relaciona imagens,

a partir de palavras e figuras que são apresenta-

palavras e conhecimento prévio.

das a ele (Mayer, 2003). Moreno (2005) propôs

Souza e Arroio (2012) exploraram a aprendiza-

um modelo de aprendizagem a partir da concep-

gem multimodal em aulas de química para ensinar

ção multimodal (Figura 1), o qual foi denominado

o conceito de equilíbrio químico. Como produto

CATLM (Cognitive-affective Theory of Learning

final, os estudantes elaboraram um relatório de

with Media). De acordo com este modelo, o estu-

atividades onde apresentaram “o que é equilíbrio

Modo de instrução Sons narração

Memória sensorial

Memória de longo prazo

Integra

Conhecimento semântico

Audição Visão Olfato

Textos imagens

Memória de trabalho

Tato

Percepção e atenção

Seleciona

Organiza Recicla

Conhecimento episódico

Paladar

Motivação de efeito metacognitivo

Figura 1.  Modelo de aprendizagem a partir da concepção multimodal adaptado de Moreno e Mayer (2007).

62

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos

Escritas

entre eles. As ideias prévias apresentadas pelos estudantes acerca dos fenômenos observados são

Palavras Faladas Aprendizagem multimídia

provenientes da influência de seu ambiente cotidiano, sendo que estas não se relacionam necessa-

Estáticas

riamente com os conceitos cientificamente aceitos. Ao interagi-las com as atividades promovidas em

Imagens Dinâmicas

Figura 2.  Esquema das ferramentas disponíveis para a aprendizagem multimídia adaptado de Mayer (2003).

sala de aula, considerando-se a linguagem científica, os estudantes são instigados a refletir e conciliar seus modelos mentais com aqueles cientificamente aceitos (Fernandes; Marcondes, 2006). Carrascosa (2005) descreve as principais con-

químico” a partir de um discurso verbal e escrito.

cepções alternativas, acerca de diferentes conteú-

Os autores identificaram falta de coerência entre

dos de domínio científico, identificadas após apli-

o texto e as imagens nos relatórios produzidos

car um questionário a alunos de diferentes níveis

pelos alunos. Moreno e Mayer (2007) alertam que

escolares (inclusive professores em formação). A

a grande quantidade de informações advindas por

respeito da natureza da matéria, o autor relata as

várias vias pode sobrecarregar o sistema cognitivo.

concepções alternativas mais frequentes, como o

Neste trabalho, adotou-se a abordagem multi-

fato dos alunos pensarem que os gases não pos-

modal como fomento para a produção das repre-

suem peso, frequentemente influenciados pela não

sentações pictóricas, pois acreditamos que a ativa-

visualização do gás, ou seja, como o ar é trans-

ção de mais de um dos sentidos, durante o processo

parente ele não é considerado matéria. Também

de ensino e aprendizagem, acarreta na formulação

é comum atribuírem propriedades macroscópicas

de um modelo mental mais coeso com o modelo

aos átomos, por exemplo, quando o ferro funde

aceito pela comunidade científica.

são as próprias partículas que se fundem e se um gás se comprime as partículas reduzem o tamanho.

3

Concepções alternativas acerca dos estados de agregação da matéria

O autor destaca que as causas da origem e persistências das ideias alternativas no campo da ciência são, principalmente, a influência das experiências

As concepções alternativas podem ser defini-

físicas cotidianas e da linguagem que usamos no

das como explicações, sem base científica, para

nosso dia a dia, das nossas relações interpessoais,

os fenômenos observados, e têm como origem as

dos meios de comunicação, da existência de gra-

experiências pessoais e de socialização (Bastos,

ves erros conceituais em alguns livros didáticos,

1998; Driver et al., 1999; Mulford; Robinson,

das ideias alternativas dos professores e da utili-

2002). Todavia, alguns autores advertem que mui-

zação de estratégias de ensino e metodologias de

tos educadores e livros didáticos também colabo-

trabalho pouco adequadas. Silvia et al. (2005) aplicaram questionários a

ram para promover novas concepções alternativas (Horton, 2007).

alunos do curso de licenciatura em química com

Estudos apontam que, mesmo após uma edu-

o objetivo de identificar a persistência de concep-

cação formal em química, os estudantes tendem

ções alternativas acerca dos estados de agregação

a apresentar falhas na compreensão de conceitos

da matéria, solubilidade e expansão térmica do ar.

químicos e têm dificuldade em estabelecer relações

Os autores diagnosticaram que os alunos têm difi-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

63


Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos

culdades em representar as partículas em posições

Projeto Potência e, após sofrer adaptações, tam-

aleatórias (desorganizadas) para os estados líquido e

bém foi aplicada, no segundo semestre de 2013,

gasoso, pois, na maioria das produções, as partículas

com um aluno do nono ano do ensino fundamen-

são representadas em fileiras. Também notaram que

tal. Os alunos de cursinho (três grupos de cinco ou

as mesmas partículas são representadas com volume

seis integrantes) participaram de um minicurso e

maior no estado gasoso do que no estado líquido.

tiveram mais atividades do que o aluno do ensino

Barboza, Diniz e Araújo (2011) publicaram os

fundamental. Este participou das intervenções dos

resultados de uma atividade aplicada a alunos do

alunos do PIBID (Programa Institucional de Bolsa

ensino médio, no qual eles deveriam representar os

de Iniciação à Docência) e, no dia da intervenção,

estados físicos da matéria pelo modelo de partícu-

era o único aluno presente. Portanto, não se pre-

las. Nessas produções, foram identificadas repre-

tende comparar os resultados das duas aplicações,

sentações pictóricas icônicas, tais como uma nuvem

pois as atividades foram aplicadas em momen-

para representar os gases, uma gota representando

tos e para alunos de níveis de ensino distintos.

o líquido e uma forma geométrica para representar

Entretanto, os resultados são passíveis de análise

o sólido, apresentando uma relação de semelhança

pois condizem com o objetivo proposto: investigar

ou analogia do submicroscópico com o objeto que

as potencialidades e limitações da estratégia ado-

o representa no macroscópico. Nesse caso, os alu-

tada para a avaliação da aprendizagem e diagnós-

nos não consideraram as diferenças do estado de

tico das concepções alternativas.

agregação da matéria para os diferentes estados

É importante ressaltar que, apesar deste traba-

físicos, mesmo sendo solicitados a representarem

lho focar nas concepções alternativas identificadas

pelo modelo de partículas, eles demonstraram uma

a partir da atividade de modelagem, utilizou-se

visão puramente macroscópica da matéria.

também da concepção multimodal para fomentar

Com base nas experiências relatadas, elaborou-

as produções dos alunos, tanto no campo discursivo

-se uma sequência didática, nos moldes da con-

quanto no escrito (Kress et al., 2001). Nestas duas

cepção multimodal, com o objetivo de promover

oportunidades, foram propostas sequências de ati-

melhor aprendizagem na temática química dos

vidades que levaram em consideração as habilida-

cheiros. Utilizando-se a atividade de modelagem

des dos alunos, dentro da sala de aula, provenientes

como principal ferramenta de avaliação dos mode-

de suas experiências de vida. Considerou-se que os

los elaborados pelos alunos, foram analisadas as

alunos não são iguais e procurou-se respeitar suas

produções (verbais e não verbais) a fim de inves-

habilidades provenientes de origens sociais, cultu-

tigar as potencialidades e limitações da estratégia

rais e econômicas das mais diversas, com saberes,

adotada para a avaliação da aprendizagem e diag-

valores, desejos e vivências (Moreira, 2008).

nóstico das concepções alternativas.

Utilizaram-se ferramentas de ensino variadas como a utilização de experimento e desenvolvi-

4

Proposta de utilização de modelagem para o entendimento de conceitos químicos dentro do contexto multimodal

mento representacional de modelos microscópicos e considerou-se que a apresentação do conteúdo não tem utilidade se o estudante não conseguir decifrar a linguagem com a qual o professor se

Esta proposta foi aplicada em dois contextos

expressa. Essas atividades ampliam o desenvol-

diferentes, primeiramente, no segundo semestre

vimento cognitivo, integradas por modalidades

de 2012, com alunos do Cursinho Comunitário

sensoriais como a visão, audição e olfato, sendo

64

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos

importantes para alcançar o objetivo da aprendi-

aula objetivou evidenciar, aos alunos, que o pro-

zagem. Os alunos precisam compreender e utilizar

cesso de identificação de substâncias a partir do

a linguagem da ciência ao combinar, relacionar e

cheiro é um processo individual construído social-

integrar um conceito a outros e uma linguagem a

mente. A atividade consistiu em retirar três alunos

outras (Souza; Arroio, 2012).

da sala e vendá-los (um aluno e dois voluntários,

A proposta de realização do experimento é

no caso da intervenção do PIBID). Com o intuito

uma maneira dos alunos desenvolverem habilida-

de identificar as substâncias apenas pelo olfato,

des procedimentais bem como aprender conceitos

os alunos foram trazidos, um a um, para experi-

ao identificar, classificar, descrever e comparar

mentar cheiros que, teoricamente, são próximos

acontecimentos e transformações químicas. Deste

ao seu cotidiano (etanol, essência de banana, den-

modo, ao interpretar suas observações (a partir de

tre outras) e outros, distantes (tetracloroetileno e

concepções prévias, a princípio, e com base em teo-

essência de maça verde). Os resultados demonstra-

rias e modelos discutidos pelo professor), a cons-

ram que, o sucesso em identificar materiais a par-

trução dos conceitos trabalhados pode ocorrer de

tir do cheiro depende exclusivamente da memória

forma mais efetiva para os alunos (Giordan, 1999).

olfativa do experimentador.

A sequência de atividades aplicadas aos alunos 4.2

do cursinho fez parte de um minicurso, oferecido pelos alunos da disciplina EDM432 – Metodologia

Atividade 2 – Calculando as concentrações pelo uso de software educativo

do Ensino de Química II. O minicurso teve carga

Esta atividade foi aplicada apenas aos alunos do

horária de quatro horas distribuídas igualmente

cursinho. Foi utilizado um software educacional dis-

em dois encontros e foi realizado no laboratório

ponível no portal do Ministério da Educação (MEC)

de química da Faculdade de Educação da USP

denominado Fábrica de Perfumes (Figura 3).

(FE-USP). Na segunda oportunidade, algumas modificações foram feitas levando em consideração que o aluno é de ensino fundamental e que a sequência de atividades teria que ser realizada em apenas uma hora. A aula foi uma das intervenções realizadas pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e foi realizada na Escola de Aplicação da FE-USP. As atividades deste programa foram desenvolvidas com alunos de ciências do ensino fundamental e se preocupou em utilizar recursos didáticos que facilitassem a visualização do aluno em todos os modos de representação (Santos; Gouvêa; Arroio, 2013). Segue breve descrição da sequência de atividades. 4.1

Atividade 1 – Experimento: identificando os materiais pelo cheiro

Além de introduzir o tema de maneira descontraída e contextualizada, este momento inicial da

Figura 3.  Página inicial da simulação Fábrica de Perfumes.

Utilizando a simulação proposta, cada grupo escolheu um tipo de aromatizante corporal e calculou a quantidade necessária de essência, em volume, para fabricar três frascos de volumes diferentes.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

65


Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos

4.3

Atividade 3 – Atividade de modelagem

Nessa atividade, os alunos representaram as partículas, no submicroscópio, presentes dentro de um frasco de perfume esquematizado em uma folha sulfite A4 (Figura 4). Os resultados desta atividade e da próxima são o foco da análise deste trabalho.

Figura 5.  Resultados da atividade de modelagem com os alunos do cursinho.

Na Figura 5c, nota-se a ausência de moléculas no estado gasoso dentro do frasco; quando questionados, alguns alunos assumiram acreditar que “não há nada ali”, ou seja, só há matéria quando esta pode ser vista. Carrascosa (2005) identificou ideias semelhantes em sua pesquisa ao aplicar Figura 4.  Desenho na cartolina para representação do modelo.

questionários sobre o assunto para alunos de diferentes níveis escolares. O ar é representado como um agente de solvatação de moléculas nas Figuras 5b e 5c. Os alunos

4.4

Atividade 4 – Discussão dos resultados da análise das representações pictóricas com base nas principais concepções alternativas apontadas pela literatura

Neste momento, foi realizada uma análise dialogada com os alunos acerca dos resultados da atividade anterior. 4.5

frasco. O professor reforçou com eles o fato de que o ar é composto de moléculas de O2, N2, Ar, dentre outros, que poderiam ter sido representados. Os alunos também afirmaram acreditar que, na Figura

Os estudantes representaram as moléculas em

à turma do cursinho. Trata-se de um experimento que explora as relações entre a energia e a volatilidade de substâncias puras.

tamanhos diferentes na figura 5a e, quando questionados se isso afetaria a volatilidade responderam que sim, pois “moléculas menores evaporam mais rápido”. Chama a atenção na figura 5b, a representação da molécula de água como uma gota, pois os alunos

Análise das representações e identificação das concepções alternativas

utilizaram uma visualização do macroscópico como modelo para representar a molécula no submicros-

As representações produzidas pelos alunos do

66

como um “elemento” presente apenas fora do

uma nova substância, “um ar que têm cheiro”.

Atividade 5 – Experimento: relação entre volatilidade e energia

cursinho estão representadas nas Figuras 5.

las gasosas”. Além disto, o ar está representado

5b, a “solvatação do ar” promove a formação de

Esta atividade também foi aplicada somente

5

afirmaram acreditar que o “ar envolve as molécu-

cópico. Quando questionados, os estudantes afirmaram entender que, no mundo submicroscópico,

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos

a molécula de água não deve se parecer com uma gota e que apenas escolheram representá-la desta forma. Representações icônicas também foram encontradas na pesquisa apresentada por Barboza et al. (2011) na qual os alunos fazem uma relação de semelhança ou analogia representando o estado físico líquido pelo desenho de uma gota de água. Nota-se o mesmo distanciamento das moléculas, mesmo em estados físicos diferentes, nas figuras 5a e 5b. Os alunos revelaram que não pensaram nas interações intermoleculares e nas relações com a energia ao elaborar as representações. Na Figura 5a, as moléculas são representadas

Figura 6. Resultado da atividade de modelagem com o aluno de ensino fundamental.

de maneiras diferentes nos estados físicos gasoso e líquido. Quando questionados, o grupo que produziu a representação assumiu acreditar que as molécu-

comentou ter optado por utilizar cores diferentes

las ficam maiores (infladas) quando passam para o

para representar os estados físicos diferentes.

estado gasoso. Tal concepção também foi identifi-

O aluno também afirmou ter utilizado cores

cada por Silvia et al. (2005) nas respostas dos ques-

diferentes para representar a ausência ou a presença

tionários aplicados à alunos do curso de licenciatura.

da interação intermolecular da molécula responsá-

Na intervenção do PIBID, após realizar a ati-

vel pelo cheiro com a água. Portanto, compreende-

vidade experimental “Identificando os materiais

-se que não se trata da concepção de que a molécula

pelo cheiro”, iniciou-se um colóquio dialogado

transforma-se em outra ao mudar de estado físico.

com o intuito de fomentar e instigar o estudante.

O fato de o aluno não representar as molécu-

Perguntou-se ao aluno “o que há neste frasco de

las presentes no ar suscitou outra questão: “dentro

perfume?”, “tem ar? Água? Oxigênio? O que

deste frasco tem ar?”, o aluno admitiu que sim; “o

mais?”, “de onde vem o cheiro?” “como percebe-

ar é composto por moléculas?”, o aluno também

mos este cheiro?“, dentre outras questões. Pediu-se

concordou, afirmando que há oxigênio, dióxido

para o aluno representar as moléculas presentes em

de carbono e outras moléculas. Contudo, assumiu

um frasco de perfume (Figura 4) em uma folha sul-

não ter representado todas essas moléculas porque

fite com algumas canetinhas coloridas. O resultado

daria muito trabalho. Algumas outras questões foram levantadas

está disposto na Figura 6. Ao analisar a Figura 6, nota-se que a “subs-

pelos professores a fim de investigar o que o aluno

tância cheirosa” muda de cor ao passar do sis-

quis dizer com o modo de representar o sistema

tema aquoso para o gasoso (cor laranja para o que

proposto, tais como: “o que há entre uma molécula

ele chamou de “substância cheirosa” em solução

e outra? Tem ar? Ou não há nada?”; “as moléculas

aquosa e a cor azul para a substância cheirosa no

estão distanciadas pelo mesmo comprimento no

estado gasoso). Supondo que o aluno possua a con-

estado líquido quanto no gasoso?”; “a molécula de

cepção de que, ao mudar de estado físico, a molé-

água está sempre representada pela mesma direção

cula sofre transformação, perguntou-se, “ainda

espacial, por quê?” e; “na fração gasosa, dentro do

é a mesma molécula?”. Ele respondeu que sim e

frasco de perfume, tem água?”.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

67


Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos

Apenas observando a figura, pudemos identifi-

foi representada como gota, levando o professor a

car pelo menos uma concepção alternativa, mas ao

acreditar que o aluno possui a concepção alterna-

entrevistar o aluno, percebeu-se que não era o caso. O

tiva de que o mundo submicroscópico é idêntico

ocorrido suporta a necessidade de se avaliar o aluno

ao macroscópico em forma, mas não em tamanho

por diversas vias discursivas (textual, fala, represen-

(Carrascosa, 2005). Contudo, na discussão, o aluno

tações, dentre outras). O discurso dialógico permitiu

revelou não acreditar que esta seja a correta repre-

que o aluno externalizasse suas ideias e construísse

sentação de uma molécula de água e que, apenas

os conceitos com a mediação dos professores.

escolheu representá-la desta maneira porque não se

Apesar das atividades 3 e 5 (simulação computa-

lembrava da fórmula estrutural correta.

cional e experimento) não fazerem parte do foco de

A identificação equivocada de algumas das

análise deste trabalho e terem sido aplicadas somente

concepções alternativas dos alunos, ao analisar as

aos alunos do cursinho, cabe ressaltar a importância

representações pictóricas, evidencia a fragilidade

destas para a contextualização do tema e fomento

deste tipo de atividade enquanto única forma de

multimídia para o processo de produção das repre-

comunicação entre o aluno e seu modelo mental e

sentações pictóricas. A partir delas, avaliou-se que os

o professor. Por outro lado, os resultados obtidos

alunos precisam aprimorar a habilidade de interpre-

neste trabalho expõem a potencialidade do uso das

tar gráficos e tabelas e apresentaram dificuldades em

representações pictóricas como ferramenta de ava-

aplicar o conceito de proporcionalidade.

liação quando combinadas com a produção textual e verbal. Isto reforça a nossa opção de utilizar modos de comunicação diversificados e reitera a

6

Conclusão

necessidade de estruturar estratégias didáticas dentro desta concepção.

Compreendemos que são necessárias mais pesquisas em torno das potencialidades e limitações das ferramentas avaliativas e dos referenciais conceituais, próprios da química, dos processos de modelação e, portanto, não se pretendeu esgotar o tema com este trabalho. Porém, podemos constatar que a análise das representações pictóricas, em conjunto com a produção discursiva e textual, propiciou uma avaliação mais justa do modelo internalizado pelo aluno, pois promoveu um diagnóstico mais completo de concepções alternativas. Diversos momentos da discussão suportam essa afirmação, como ao analisar a Figura 6, o professor supõe que o aluno entende que a substância sofre uma transformação ao mudar de estado físico, pois ele representou esses sistemas com cores diferentes; entretanto, durante a entrevista, o aluno assumiu o contrário. Outra identificação equivocada ocorreu na análise da Figura 5b, em que a molécula de água

68

7

Referências BARBOZA, L. D. R.; DINIZ, C. F.; ARAÚJO, A. O. Concepções alternativas de estudantes do Ensino Médio de Diamantina na representação de mudanças de estados físicos da matéria. VIII ENPEC, Campinas, 2011. BASTOS, F. Construtivismo e ensino de ciências. In: NARDI, R. (Org.). Questões atuais no ensino de ciências, São Paulo: Escrituras Editora, 1998. BEN-ZVI, R.; EYLON, B.; SILBERSTEIN, J. Student’s visualization of a chemical reaction. Education in Chemistry, v. 17, p. 117-120, 1987. CARRASCOSA, J. El problema de las concepciones alternativas en la actualidad (parte I). Análisis sobre las causas que la originan y/o mantienen. Revista eureka sobre enseñanza y divulgacion de las ciencias, v. 2, n. 2, p. 183-208, 2005. CHITTLEBOROUGH, G.; TREAGUST, D. F. Chemistry Education Research and Practice, v. 8, p. 274, 2007.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos

DRIVER, R. et al. Construindo conhecimento científico na sala de aula. Química Nova na Escola, n. 9, p. 31-40, 1999. FERNANDES, C.; MARCONDES, M. E. R. Concepções dos Estudantes sobre Ligação Química. Química Nova na Escola, n. 24, p. 20-24, 2006. FERREIRA, P. F. M.; JUSTI, R. S. Modelagem e o “fazer ciência”. Química Nova na Escola, n. 28, p. 32-36, 2008. GILLESPIE, R. G. Commentary: reforming the general chemistry textbook. Journal of Chemical Education, n. 74, p. 484, 1997. GIORDAN, M. O papel da experimentação no ensino de ciências. II ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, Valinhos – São Paulo, 1999. HORTON, C. Student Alternative Conceptions in Chemistry. California Journal of Science Education, v. 7, n. 2, 2007. JOHNSTONE, A. H. Why is science difficult to learn? Things are seldom what they seem. Journal of Computer Assisted Learning, v. 7, p. 75-83, 1991. ______. The development of chemistry teaching: a changing response to a changing demand. Journal of Chemical Education, v. 70, n. 9, p. 701-705, 1993. ______. Teaching of chemistry: logical or psychological? Chemical Education: Research and Practice in Europe, v. 1, n. 1, p. 9-15, 2000. KOZMA, R. B.; RUSSELL, J. Multimedia and Understanding: Expert and Novice Responses to Different Representations of Chemical Phenomena. Journal of Research in Science Teaching, v. 34, n. 9, p. 949-968, 1997. KRESS, G. et al. Multimodal teaching and learning: the rhetorics of the science classroom. London: Continuum, 2001. MAYER, R. E. Multimedia learning: Are we asking the right questions. Educational Psychologist, v. 32, p. 1-19, 1997. ______. The promise of multimedia learning: using the same instructional design methods across different media. Learning andInstruction, v. 13, p. 125-139, 2003. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (MEC). Simulação: Fábrica de Perfumes. Laboratório Didático Virtual Escola do Futuro – USP. Acesso em 18/12/2013, Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.

br/storage/recursos/12257/Web/labvirtq/simulacoes/tempUpLoad/sim_qui_perfumes.htm>. MONTEIRO, I. G.; JUSTI, R. S. Analogias em livros didáticos de química brasileiros destinados ao ensino médio. Investigações em Ensino de Ciências, v. 5, n. 2, p. 67-91, 2000. MOREIRA, L. C. Das indagações ao cotidiano da sala de aula: perspectivas de inclusão na universidade. In: BATISTA, C. R. et al. (Org.). Educação Especial: diálogo e pluralidade. Porto Alegre: Editora Mediação, p. 205-2012, 2008. MORENO, R. Multimedia learning with an imated pedagogical agents. In R. MAYER (Ed.). Cambridge handbook of multimedia learning, 2005, p. 507-524. ______.; MAYER, R. Interactive Multimodal Learning Environments Special Issue on Interactive Learning Environments: Contemporary Issues and Trends. EducPsychol Rev. 19, p. 309-326, 2007. MULFORD, D. R.; ROBINSON, W. L. An inventory for alternate conceptions among first-semester Chemistry students. Journal of Chemical Education, v. 79, n. 6, p. 739-744, 2002. POZO, R. M. Prospective teacher’s ideas about the relationships between concepts describing the composition of matter. International Journal of Science Education, v. 23, n. 4, p. 353-371, 2001. RAPP, D. N.; GILBERT, J. K. Mental Models: Theorical issues for visualizations in science education. Springer: Holland, 2007. SANTOS, V. C.; GOUVÊA, L. G.; ARROIO, A. Contributions of brazilian Project PIBID to préservice chemistry teachers’ education in loco. Education: Policy, Management and Quality, v. 1, n. 13, 2013. SOUZA D. D.; ARROIO, A. Explorando a aprendizagem multimodal em aulas de química: o caso do equilíbrio químico. XVI Encontro Nacional de Ensino de Química (XVI ENEQ) e X Encontro de Educação Química da Bahia (X EDUQUI) Salvador: Bahia, 2012. WU, H. K.; KRAJCIK, J. S.; SOLOWAY, E. Promoting un­derstanding of chemical representations: students’ use of a visu­alization tool in the classroom. Journal of Research in Science Teaching, v. 38, n. 7, p. 821842, 2001.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

69


Relato de Experiência 04 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

p. 70-79

Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia Evaluation of Chemical Education: a study in five cities in the region of the Valley Jamari-Rondônia Renato André Zan1, Alessandra Correa Pompeu2, Dionatas Ulises de Oliveira Meneguetti3 e Filomena Maria Minetto Brondani4

Resumo O presente trabalho objetivou a averiguação da atual situação que se encontra o ensino de química na Região do Vale do Jamari - RO em escolas de Ensino Médio da Rede Pública e Privada. Para a execução do mesmo foi elaborado um questionário direcionado aos professores visto que eles são fundamentais para o fortalecimento do ensino e possuem uma visão amadurecida, franca e crítica sobre a disciplina de química. O resultado da pesquisa aponta um grande déficit de professores da disciplina, a dificuldade que os mesmos encontram no que se refere à contextualização do conteúdo da disciplina, a falta de infraestrutura para aulas práticas, a excessiva carga horária e as salas de aulas superlotadas. Por outro lado, os professores também demonstram vontade e disposição para melhorar a qualidade do processo ensino-aprendizagem na disciplina de química. Palavras-chave: Química; Formação de professores; Ensino médio. 1. Mestre em Química – Docente Instituto Federal de Rondônia – IFRO – Campus de Ji-Paraná – Rondônia. 2. Discente de Especialização de Educação em Ciências e Matemática – FAEMA – Ariquemes – Rondônia. 3. Mestre em Genética e Toxicologia Aplicada, Discente do Programa de Pós-graduação de Doutorado em Biologia Experimental (PPGBIOEXP), da (UNIR), Porto Velho, RO. 4. Mestre em Biologia – Docente do Curso de Química Licenciatura – Faculdade de Educação e Meio Ambiente – FAEMA.


Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia

Abstract The present work objectified the current situation inquiry that is ised the chemistry teaching in the Valley Region of Jamari – RO. in laugh at schools of Average Teaching of the Public Net and Closet. For the execution of the same was elaborated a questionnaire designated to the teachers since they are fundamental pieces to the Teaching Brazilian system invigoration and own a matured, frank and critical vision about the chemistry discipline teaching. The result of research points a teachers’ chemistry great deficit, the dissatisfaction of the same to the that refers toed the contextualization of the chemistry content, the infrastructure lack for classes practices, the excessive workload and of rooms of overcrowded classes, as well as it also demonstrates for wish and disposition to improving the discipline teaching-learning quality of chemistry. Key-words: Chemistry. Teacher education; High school.

1

Introdução A formação de profissionais na área da educação e, principalmente, na licenciatura em quí-

primeiros trabalhos, que tiveram início na década de 1970, mas sim com o tempo necessário para que se firme uma sólida comunidade de pesquisadores com peso no ensino de química.

mica, ainda hoje ocorre de forma lenta, pois são

Existem poucos profissionais formados na área

poucos os incentivos para formação de profissio-

e vem sendo cada vez menor o interesse por parte

nais na área para atuarem em sala de aula. O baixo

da sociedade em cursar uma licenciatura, sobre-

investimento na rede de ensino público se reflete

tudo em química. A maior parte dos acadêmicos

em uma desvalorização, tanto das escolas quanto

dos cursos de licenciatura em química está nas

dos profissionais da rede pública, especificamente

universidades públicas; além disso, o baixo poder

no ensino de química. A desmotivação e a falta

aquisitivo dos acadêmicos que cursam a licencia-

de capacitação dos profissionais atuantes que não

tura em química em faculdades privadas faz com

apresentam formação na área podem conferir des-

que exerçam atividades paralelas o que, de certa

crédito à disciplina (Pontes et al., 2008).

forma, pode comprometer sua formação.

No Brasil, muitos dos professores que estão 1.1

atuando hoje na área de química não têm formação específica, e outros que estão atuando nas

Estatísticas em nível nacional sobre professores do ensino médio

escolas ainda não concluíram o curso nesta área

Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de

e/ou possuem formação em diferentes áreas do

Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

conhecimento como matemática, física, biologia e

(INEP), divulgado em 27 de março de 2003, mos-

ciências, entre outras. Estes professores de outras

trava que o sistema de ensino brasileiro precisava,

áreas estão substituindo os químicos licenciados

urgentemente, de professores. Só no ensino médio,

por falta destes no mercado de trabalho.

para atender à demanda, seriam necessários 235

Pouco se tem estudado sobre as condições reais

mil professores, e a situação ficava ainda mais crí-

da qualidade do ensino de química no nível médio

tica quando se trata da disciplina de química, que

brasileiro e menos ainda na região norte. Ainda,

tinha um déficit de 23,5 mil professores, apesar

segundo Bejarano (2000), a razão para a pequena

do estudo na época prever uma expectativa de 25

quantidade de pesquisas sobre o ensino de química

mil formandos nesta área até 2010. A situação da

não está relacionada com o tempo decorrido dos

química continua preocupante, pois há um grande

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

71


Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia

crescimento de alunos ingressando no ensino

como a melhor faculdade pública da região Norte

médio, além da elevada carga horária de trabalho,

(Brasil, 2011). Sua sede está na capital do Estado em

levando os professores a optarem por outras ativi-

Porto Velho e possui sete campi distribuídos pelo

dades ou profissões (BRASIL, 2000).

estado, sendo que somente em Porto Velho é minis-

Farias e Ferreira (2008) apontam que, na Região

trado o curso de Licenciatura em Química. Outras

Norte, o início da formação de professores de quí-

instituições de ensino superior em Rondônia tam-

mica iniciou-se tardiamente comparado com o

bém possuem o curso de Licenciatura em Química

restante do país; devido à sua grande extensão ter-

sendo que as cadastradas pelo MEC são: Faculdade

ritorial, existem muitas vagas para o profissional

de Ciências Biomédicas de Cacoal (FACIMED) e

licenciado em química e, devido ao pequeno número

Faculdade de Educação e Meio Ambiente (FAEMA)

de profissionais formados atuando, abre uma grande

e o Instituto Federal de Rondônia – Campus de

disponibilidade de vagas nas instituições de ensino.

Ji-Paraná (IFRO) (Brasil, 2011).

Isto se deve ao aumento crescente de alunos ingres-

Pode-se mencionar que as quatro instituições de

santes no Ensino Médio, tanto da rede de ensino

ensino que disponibilizam o curso de Licenciatura

pública quanto na rede de ensino privada.

em Química são recentes e, por isso, são poucos os

1.2

formados na área por tais instituições. Além disso,

Estatísticas regionais de professores do ensino médio

como as quatro instituições estão localizadas em regiões distantes umas das outras, elas não abran-

Em Rondônia, a necessidade de professores de

gem a mesma clientela.

química não é diferente do parâmetro nacional. De

A Região do Vale do Jamari abrange uma área

acordo com dados levantados pela Secretaria de

de 32.141,20 Km2 e é composta por 9 municípios:

Estado da Educação de Rondônia (SEDUC/RO),

Alto Paraíso, Ariquemes, Buritis, Cacaulândia,

que nos mostram o número de professores por for-

Campo Novo de Rondônia, Cujubim, Machadinho

mação e por atuação em 2010, na rede estadual os

D`Oeste, Monte Negro e Rio Crespo. A popula-

professores com formação superior completa em

ção total do território é de 211.089 habitantes, dos

licenciatura em todo Estado, que atuam no ensino,

quais 82.680 vivem na área rural, o que corres-

são 2.981, na rede federal, os professores atuantes

ponde a 39,17% do total, sendo16.020 agriculto-

são 73 e, na rede privada, são 426 (Brasil, 2011).

res familiares, 15.842 famílias assentadas e 1 terra

Ainda assim a situação é preocupante, pois estes

indígena. O IDH médio é 0,72 e, em relação à eco-

2.981 professores da rede pública têm que atender

nomia, o forte da região é a pecuária, a produção

cerca de 55.894 alunos.

de café, cacau, guaraná e cereais, além de possuir

1.3

o maior garimpo a céu aberto do planeta. Ainda

Expectativa de formação de licenciados em química no estado de Rondônia

reúne inúmeras indústrias de diversos segmentos, gerando uma economia que vem se destacando no

O curso de química em Rondônia teve aprova-

país (Rondônia, 2011).

ção no ano 2000 e iniciou a primeira turma no ano de 2002 pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR, a única Instituição Pública de Ensino

2

Metodologia

Superior (IES) no Estado. Esta instituição foi fun-

Este estudo foi realizado nas escolas de ensino

dada em 1982 e, anos mais tarde, em 2008, foi

médio em cinco cidades do Vale do Jamari – RO,

considerada, pelo Ministério da Educação (MEC),

compreendido pelas cidades: Ariquemes, Alto

72

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia

Paraíso, Monte Negro, Cacaulândia e Rio Crespo.

alguns dias foram disponibilizados para o profes-

Para tanto, foram realizadas as seguintes etapas:

sor respondê-lo; retornou-se às escolas e obteve-se

• escolha do local para realizar o estudo, para

100% de retorno dos questionários;

que o mesmo seja representativo das condi-

As 3 (três) primeiras questões são de cunho

ções de ensino da região;

informativo e não serão levadas em consideração

• visitas a todas as escolas, sendo 12 (doze)

para a discussão dos resultados, a fim de manter a

públicas e 3 (três) privadas das referidas

privacidade dos entrevistados. As questões: 04 à

cidades delimitadas na pesquisa;

08 e 14, são de cunho quantitativo e as de cunho

• apresentação da pesquisa devidamente jus-

qualitativo são representadas pelas questões 09 à

tificada e notificada documentalmente, aos

13, 15 e 16. Após todos os questionários serem res-

diretores responsáveis pelas instituições

pondidos, desenvolveu-se a parte de levantamento

envolvidas, exceto por uma única recusa de

dos dados das questões que foram avaliadas qua-

uma escola da rede privada, todas as demais

litativamente e quantitativamente e representadas

autorizaram e incentivaram a realização do

por tabelas e figuras.

trabalho em sua escola;

No aspecto geral levantado por este trabalho, foram envolvidas 05 (cinco) cidades, 14 (quatorze)

Inicialmente, foi apresentado aos professo-

instituições de ensino que possuem o ensino médio

res das escolas o intuito do estudo, dando-lhes o

e 24 (vinte e quatro) professores entrevistados,

livre arbítrio de participar ou não, sendo que os

estes responsáveis pela disciplina de química na

que concordaram responderam ao questionário

região estudada.

contendo dezesseis questões de níveis quantitativos e qualitativos e um termo de consentimento livre e esclarecido autorizando a divulgação dos

3

Resultados e discussão

dados obtidos. A distribuição do questionário, que

A questão 4 teve como objetivo verificar o

tem por objetivo avaliar a atual situação do ensino

número de disciplinas diferentes que o professor

de química nas cinco cidades da região do Vale

leciona, levando-se em conta a quantidade de dis-

do Jamari, ocorreu nesta mesma etapa, sendo que

ciplinas. Observou-se que grande parte dos profes-

9 8 Professor rede pública estadual

Professores

7

Professor rede pública federal

6

Professor rede privada

5 4 3 2 1 0 Somente Química

Química e mais 1 disciplina

Química e mais 2 disciplinas

Química e mais 3 disciplinas

Figura 1.  Relação entre o número disciplinas ministradas por professor e a rede de ensino analisada.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

73


Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia

sores que leciona química e outra disciplina, esta

Podemos observar claramente, na Figura 2, tra-

outra está vinculada a área de exatas como mate-

tando sobre a questão da formação dos professo-

mática e física ou ciências naturais como a biologia

res que ministram a disciplina de química, que os

e a própria disciplina de ciências, que faz parte da

professores formados em química estão na Rede

matriz curricular do 9º ano do ensino fundamental,

de Ensino Federal e Rede de Ensino Privada, o

em que muitos dos professores assumem esta série

que pode garantir um processo de ensino-apren-

para fechar a carga horária. A Figura 1 mostra o

dizagem mais qualificado. A Rede de Ensino

resultado por número de disciplinas diferentes

Estadual possui apenas 32% de seus professores

ministrada por professor participante da pesquisa.

com formação em Licenciatura em Química e

Segundo dados do MEC (Brasil, 2011), no

11% Bacharelado em Química, totalizando 43%

Brasil, 49,54% dos professores ministram 1 dis-

de professores com formação específica na área

ciplina, 28,97 % duas e 10,77 % três, sendo que

de Química. Este número corresponde a menos da

ao comparar com Rondônia 32,72 % uma, 32,55%

metade dos profissionais que deveriam estar atu-

duas e 19,01 % três, e representam resultados

ando nas escolas de ensino médio da rede estadual,

muito semelhantes aos coletados por esta pesquisa.

o que faz com que outros profissionais venham a

Observa-se nas duas pesquisas que apesar de a

ocupar o espaço que deveria ser preenchido por

maioria ministrar apenas uma disciplina, existe um

profissionais da área da licenciatura em química. A questão número 06 trata sobre a carga horá-

número significativo de professores que lecionam

ria de um professor, acreditando que esta carga

100%

duas e três disciplinas.

Professor rede pública estadual 67%

Professor rede pública federal

Licenciatura em Química

Bacharelado em Química

Licenciatura Biologia

Licenciatura Matemática

Licenciatura Física

5%

16%

5%

16%

11%

16%

32%

33%

Professor rede privada

Ciências Física e Biológicas

Engenharia Agronômica

12 horas

13%

8%

6 horas

4%

8%

29%

38%

Figura 2.  Área de formação do professor de Química por Rede de Ensino da região analisada.

18 horas

26 horas

40 horas

60 horas

Figura 3.  Carga horária semanal dos professores das três redes de ensino avaliadas.

74

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia

horária tenha uma influência significativa na qua-

fatores, tais como o número adequado de alunos

lidade do processo de ensino-aprendizagem, o que

por classe, o número de turmas e, também, quais

deverá refletir no rendimento tanto do professor,

as séries que são subordinadas a ele. A questão 07

como dos alunos. A Figura 3 apresenta os dados

(sete) mencionada no questionário revela através

obtidos sobre esta questão.

das respostas dos professores estes dados.

Um professor sobrecarregado em carga horária

Quando verifica-se o número de alunos que os

acaba desmotivado pelo cansaço e, assim, ministra

professores têm sob sua responsabilidade de ensinar,

aulas mais tediosas e mais teóricas do que dinâmi-

ter um bom relacionamento e, acima de tudo, obter

cas e práticas; consequentemente, não despertará o

bons resultados nas avaliações exigidas pela escola,

interesse do aluno para a disciplina de química e,

temos o mesmo número (20,8%) de professores tra-

desta forma, ele acabará não enxergando o porquê

balhando com 100, 200 e 400 adolescentes distribuí-

de aprender tal disciplina se não observa a relação

dos em turmas, turnos e séries diferentes, agravando

da mesma com o seu cotidiano.

ainda mais a qualidade de ensino oferecida.

As cargas horárias de 06 e 12 horas/sema-

Ainda na mesma questão, tem-se outro dado

nais são de professores da rede privada e federal,

importante a ser avaliado, que diz respeito ao

respectivamente, em que apenas um professor

número de turmas atendidas pelos professores.

da rede privada tem a carga horária de 40 horas.

As Figuras 4 e 5 levantam estes dados. A Figura 4

Com maior percentual, ou seja, com 38% do total

apresenta a quantidade de turmas em múltiplos de

de entrevistados, está com carga horária de 26

cinco para facilitar a visualização e por professores

horas em sala de aula, constituído por professores

em percentual, já que as respostas vão de 2 até 28

da rede pública de ensino estadual que, pela lei

turmas sem serem múltiplos.

vigente, têm contrato de 40 horas, das quais 26 são

A Figura 5 considera o número de turmas aten-

em sala de aula e as outras 14 horas para atividades

didas por professores segundo a rede de ensino em

extraclasse.

que se encontra. Em ambos as figuras, o maior per-

Para que haja um bom rendimento do profes-

centual de 33% está na faixa de 11 a 15 turmas por

sor durante a aula devem ser considerados alguns

professor, percentual que se refere à rede de ensino

35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% 1-5

6-10

11-15

16-20

21-25

26-30

Professores

Figura 4.  Número de turmas por percentual de professores.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

75


Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia

35%

Professor rede pública estadual Professor rede pública federal

30%

Professor rede privada

25% 20% 15% 10% 5% 0% 1-5

6-10

11-15

16-20

21-25

26-30

Professores

Figura 5.  Número de turmas por percentual de professor por rede de ensino.

pública estadual, já que nas intuições privadas

fessores que possuem 14 ou mais turmas. Na Bahia,

encontra-se na faixa de 1 a 5 turmas e na Federal

24 professores entrevistados lecionam em mais de

na faixa de 6 a 10 turmas por professor.

14 turmas e atendem a uma média de 650 alunos,

Em 2009, uma pesquisa realizada pelo MEC avaliou o número de professores por turma no ensino

ocasionando um desânimo geral na educação, com sérias implicações no processo educativo.

médio, segundo a região geográfica e a unidade da

A qualidade do ensino depende, fundamental-

federação, em que Rondônia apresentou o maior

mente, da formação e do envolvimento do pro-

percentual, pois cerca de 20% de seus professores

fessor, o que irá refletir em sala de aula; quanto

trabalham com 10 ou mais turmas (Brasil, 2010).

maior for o número de séries em que o professor

Segundo Maia (2008), que realizou um estudo

atua, maior será a necessidade de que ele tenha

similar a este em Itabuna e Ilhéus, na Bahia, é muito

uma formação metodológica na área específica, de

difícil a melhoria da qualidade das aulas para os pro-

forma a propiciar, aos alunos, uma aprendizagem

9 Tele ensino

8

6º-9º ano ens. fund. + alguma série do ens. médio

7

1º ano ens. médio

6

1º e 2º ano ens. médio

5

1º a 3º ano ens. médio

4 3 2 1 0 Professor rede pública estadual

Professor rede pública federal

Professor rede privada

Figura 6.  Quantidade de professores por séries assumidas.

76

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia

significativa que ultrapasse os conteúdos do livro

separação de misturas, densidade/concentração,

didático e relacione a química com seu dia a dia.

identificação de ácido/base, reações químicas.

Pode-se observar, ainda, através da Figura 6, que a

Alguns professores responderam que não utilizam

rede de ensino estadual é a que envolve um maior

práticas experimentais em suas aulas devido à falta

número de diferentes séries por professor, desta-

de infraestrutura adequada. Percebe-se que das

cando aqueles professores que, além de as séries

práticas citadas por 7 dos 24 professores envolvi-

de ensino médio, ainda trabalham com séries do

dos no estudo, a mais utilizada é a prática de sepa-

ensino fundamental. Já os professores da rede pri-

ração de mistura, devido ao fato da facilidade de

vada e da rede federal trabalham apenas com as

executá-la podendo ser feita dentro da sala de aula

séries referentes ao ensino médio.

em instituições que não possuem laboratório.

A Química, por se tratar de uma ciência exata, tem

Questionados sobre a possibilidade de terem

toda sua fundamentação teórica baseada em experi-

acesso a um material didático de apoio para aulas

mentos, portanto, esta disciplina requer, além de aulas

práticas, ou curso de aperfeiçoamento, 22 profes-

teóricas, aulas práticas, já que muitos conteúdos serão

sores que lecionam a disciplina de química, das

melhores assimilados através de experiências, princi-

três redes de ensino analisadas, demonstraram

palmente, se estas estiverem ligadas a acontecimentos

interesse. Quando questionados se possuem difi-

do cotidiano do aluno. Este trabalho também averigou

culdades em explicar algum conteúdo de química,

qual a atual situação das 14 (quatorze) instituições de

a maioria deles (54%) alegou não ter dificuldades;

ensino do Vale do Jamari sobre espaços físicos propí-

entretanto, 46% dos professores elencaram 6 (seis)

cios para a realização de práticas.

conteúdos que consideram como os mais comple-

Apesar de a maioria das instituições da rede

xos para desenvolver em sala de aula. O despre-

estadual (73%) não possuir um espaço específico

paro do professor em algum conteúdo é percebido

adequado para a realização de aulas práticas, de

pelo aluno, pois o mesmo não transmite segurança

todos os entrevistados 13 professores desenvol-

ao explicar a matéria, transformando a disciplina

vem técnicas que podem ser adaptadas para a sala

de química em algo desinteressante com aulas

de aula, sendo que 5 professores responderam não

cansativas e, por consequência, é cada vez menor

desenvolver aulas práticas.

a procura pelos vestibulandos para os cursos de

Isso mostra a importância de se ter profissio-

licenciatura em química.

nais formados na área específica de atuação, que

Outro questionamento direcionado aos pro-

se sentiriam bem mais à vontade para desenvol-

fessores foi em relação aos conteúdos que eles

ver estas atividades práticas adaptadas à sala de

possuem maior afinidade. Dos 24 (vinte e quatro)

aula, o que não é o caso da rede pública estadual

professores entrevistados, metade do percentual

de ensino, não só nas instituições de algumas cida-

(50%) considera a química orgânica o conteúdo

des do Vale do Jamari, como em todo o estado de

de maior afinidade, justificado por obter mais

Rondônia, devido ao déficit desses profissionais

conexão com o cotidiano do aluno e por sua fácil

no mercado de trabalho. Já os professores da rede

compreensão, e por propocionar discussões que

federal e da rede privada fazem uso dos laborató-

promovem a participação dos alunos nas aulas.

rios ministrando aulas práticas, sendo esses forma-

Além disso, há uma crescente divulgação na mídia

dos em Licenciatura em Química.

sobre novos compostos e materiais derivados de

Das práticas desenvolvidas citadas pelos pro-

compostos orgânicos – derivados de petróleo, fár-

fessores destacam-se 4 (quatro) experimentos:

macos, cosméticos, plásticos, pesticidas e outros

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

77


Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia

29% 21%

21%

21%

8% 0%

0-5

6-10

11-15

16-20

21-25

26-30

Figura 7.  Representação do número em anos de atuação como professor.

–, o que vem a contribuir com as discussões em

focando principalmente as aulas experimentais, a

sala de aula.

utilização da informática e de jogos lúdicos como

De acordo com a Figura 7, houve um aumento

uma forma de favorecer o entendimento do conte-

de 13% no ingresso de professores, já que os 8%

údo para o aluno.

de professores com 30 (trinta) anos de atuação

Através destes relatos, pode-se evidenciar a

passou para 21% após um intervalo de 5 (cinco)

difícil realidade do ambiente escolar nesta região,

anos sem ingresso de professores. A partir do grá-

mas, apesar disso, existem professores preocupa-

fico 7 pode-se concluir, também, que vem sendo

dos e interessados em melhorar a qualidade do

cada vez menor o interesse pelo curso de licencia-

ensino de química.

tura em química, bem como pelas licenciaturas em outras disciplinas. Os dados da 15ª questão, relacionada à moti-

4

Considerações finais

vação da escolha pela profissão, mostraram os

Os dados levantados através da execução deste

professores bem divididos, destacando-se: influ-

trabalho permitem tecer algumas considerações

ência de um professor (4%); estabilidade finan-

fundamentais. A primeira delas refere-se ao déficit

ceira (8%); disponibilidade da área em que foram

de profissionais formados em licenciatura em quí-

enquadrados (17%); falta de outra opção na época

mica atuando nas escolas de ensino médio das cida-

(29%); gostar da área e lecionar (42%).

des da Região do Vale do Jamari, onde os espaços

No último ponto do questionário foi aberto um

vêm sendo preenchidos por profissionais de outras

espaço para que o professor expusesse um comen-

áreas da educação e, por vezes, nem graduados.

tário referente à disciplina de química apontando

Apesar desta constatação, acreditamos haver uma

necessidades e sugestões para melhoria. Grande

boa perspectiva para solucionar tal questão, devido

parte comentou sobre as dificuldades, a desmoti-

ao curso de graduação em Licenciatura em Química

vação do professor, o despreparo dos alunos com

disponível na região que, em breve, proverá a for-

relação à interdisciplinaridade, sentindo muita

mação de licenciados em química para suprir as

dificuldade na resolução de atividades com cálcu-

necessidades nesta região do Vale do Jamari.

los. Além disso, os professores destacaram a forma

A segunda situação está ligada à desmotivação

descontextualizada de ensinar os conteúdos, a pre-

dos professores que, por estarem atuando em uma

cariedade das instituições, a falta de laboratórios

área que não é de seu domínio total, agravam a

e de uma abordagem mais didática ao explicar a

qualidade de ensino. Entretanto, outros fatores de

química, aulas de reforço para os alunos aos sába-

cunho administrativo também provocam a desmo-

dos, cursos de aperfeiçoamentos para professores

tivação destes professores, como a excessiva carga

78

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia

horária, grande quantidade de alunos por turma,

Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/basica-censo-escolar-sinopse-sinopse>. Acesso em: 20 mai. 2012.

infraestrutura precária para realização de aulas práticas, má remuneração e conteúdos descontextualizados. Tudo isso acaba gerando o descontentamento dos professores, induzindo o mesmo sentimento nos alunos, que tratam com desdém a disciplina de química. A terceira diz respeito à possibilidade de qualificação dos professores através de cursos de educação continuada, com enfoque em práticas experimentais que permitam a aquisição de novos conhecimentos, troca de saberes, reflexões sobre a prática do professor, na perspectiva de buscar melhorias para o ensino de química praticado nas escolas. Grande parte dos professores mostrou interesse, até mesmo aqueles com vasta experiência na profissão, revelando a necessidade urgente de novas metodologias para a atualização e inovação do ensino de química. De modo geral, acreditamos que os dados descritos neste trabalho são importantes, pois permitem conhecer a realidade do ensino de química, e as dificuldades e necessidades que a região do Vale do Jamari apresenta. Dessa forma, ele pode servir como base para futuras pesquisas relacionadas ao ensino de química, como também para o desenvolvimento de políticas públicas que visem à melhoria do ensino-aprendizagem de química nas escolas de ensino médio da região.

5

Referências BEJANARO, N. R. R.; CARVALHO, A. Mª. P. de. A educação química no Brasil: uma visão através das pesquisas e publicações da área. Educación Química, [S.I.:s.n.], v. 11, n. 1, 2000. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/artigos_teses/ Qu%EDmica/educacao_quimica_no_brasil.pdf>. Acesso em: 13 set. 2012. BRASIL. Ministério da Educação/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/ Notícias. Sinopses Estatísticas da Educação Básica.

______. Ministério da Educação. Instituição de Educação Superior e Cursos Cadastrados. Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 18 mai. 2012. ______. Ministério da Educação/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/ Notícias. Sistema de ensino precisa de 250 mil professores. Disponível em: <http://portal.inep.gov. br/c/journal/view_article_content?groupId=10157& articleId=1215&version=1.1>. Acesso em: 20 abr. 2012. ______. Portal da Cidadania. Territórios da Cidadania – Vale do Jamari – RO. Disponível em: <http:// www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/valedojamarro/one-community?page_ num=0#>. Acesso em: 17 jun. 2013. FARIAS, S. A.; FERREIRA, L. H. Um breve diagnóstico sobre a formação do professor de química na região norte. SIMPEQUI. Fortaleza/CE, 2008. Disponível em: <http://www.abq.org.br/simpequi/2008/trabalhos/24-4217.htm>. Acesso em: 14 mar. 2012. MAIA, J. O. et al. Um retrato do ensino de química nas escolas de ensino médio de Itabuna e Ilhéus, BA. XIV ENEQ. Curitiba/PR, 2008. Disponível em: <http://www.quimica.ufpr.br/eduquim/eneq2008/ resumos/R0400-2.pdf>. Acesso em: 13 set. 2012. PONTES, A. N. et al. O Ensino de Química no Nível Médio: Um olhar a Respeito da Motivação. XIV ENEQ. Curitiba/PR, 2008. Disponível em: <https:// www.quimica.ufpr.br/eduquim/eneq2008/resumos/ R0428-1.pdf>. Acesso em: 13 set. 2012. RONDÔNIA. SEDUC. Secretaria de Estado da Educação de Rondônia. PEP – Projeto de Estatísticas e Pesquisas. Total geral de matrículas no Estado de Rondônia em 2010. Disponível em: <http://www.seduc.ro.gov.br/2007/editor/jscripts/ tiny_mce/plugins/filemanager/files/arquivos/ pep/2010/docente_escolariz_x_atuacao_2010.pdf>. Acesso em: 14 mai. 2012. _______. SEDUC. Secretaria de Estado da Educação de Rondônia. PEP – Projeto de Estatísticas e Pesquisas. Número de docentes, por formação e por atuação em 2010. Disponível em: <http://www. seduc.ro.gov.br/2007/editor/jscripts/tiny_mce/plugins/filemanager/files/arquivos/pep/2010/docente_ escolariz_x_atuacao_2010.pdf>. Acesso em: 14 mai. 2012.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

79


Relato de Experiência 05 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

p. 80-90

Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN Staying Strategies Versus School Dropout: a study on the undergraduate laboratory courses in Physics and Chemistry distance of UFRN Lucas da Silva Maia1 e Fábio Adriano Santos da Silva2

Resumo Neste estudo, objetivamos apresentar as estratégias criadas pelos tutores de disciplinas experimentais do Polo Maceió dos cursos das licenciaturas em Física e Química à distância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, no sentido de estimular a permanência dos discentes nos cursos e evitar um elevado número de reprovação nas disciplinas de laboratório. Partimos do pressuposto de que a permanência no curso: (i) teria uma relação direta com a aprovação e (ii) seria consequência de um conjunto de estratégias e ações dos discentes e também dos tutores que acompanham este público. Assim, buscamos elaborar estratégias que fomentassem a aprendizagem e a aprovação, atendendo às peculiaridades da cada recorte específico. No nosso caso, destacamos a flexibilização do tempo, o acompanhamento constante e a postura ativa dos alunos nas atividades pedagógicas como fatores que contribuíram para alcançarmos os objetivos desejados. Palavras-chave: Educação à distância; Estratégias de ensino; Evasão.

1. Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Doutorando no Programa de Pós-graduação em Educação. 2. Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Campus Acadêmico do Agreste – CAA. Professor Assistente.


Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN

Abstract This experience report aims to present the strategies created by the tutors of the experimental subjects of academic courses at a distance of Physics and Chemistry, Federal University of Rio Grande do Norte – UFRN, at Maceió, to avoid a large number disapproval of these disciplines and stimulate the remaining courses. We assumed that staying the course (i) have a direct relationship with the approval and (ii) would result in a set of strategies and actions of the students and the tutors also accompanying this audience. Thus, we seek to develop strategies that foster learning and adoption, given the peculiarities of each specific crop. In our case, we highlight the flexibility of time, constant monitoring and active attitude of students in educational activities as the main factors to reach the proposed objectives. Key-words: School dropout; Long-distance education; Staying strategy.

1

Introdução

Desenvolvemos este trabalho nos laboratórios do Polo Maceió das Licenciaturas em

Neste trabalho, relatamos estratégias diversas

Física, Química e Matemática à Distância da

que utilizamos com o intuito de reduzir a evasão

UFRN. O Polo Maceió fica situado no Campus

e os índices de reprovação, bem como elevar a

da Universidade Federal de Alagoas, na cidade

participação e motivação dos discentes nas disci-

de Maceió. Contamos com a participação de

plinas experimentais das Licenciaturas em Física

11 discentes da Licenciatura em Física e 19 da

e Química à distância da Universidade Federal do

Licenciatura em Química, os quais cursavam dis-

Rio Grande do Norte – UFRN, no Polo Maceió.

ciplinas experimentais nas respectivas graduações

Objetivamos apresentar as estratégias utilizadas e

em diferentes períodos. Os licenciandos partici-

avaliar os objetivos almejados.

pantes do estudo têm entre 25 e 49 anos, trabalham

Partimos do pressuposto de que um dos moti-

na área de educação como professores de Ciências,

vos que leva ao abandono nos cursos de graduação

Física ou Química nas redes pública e particular de

à distância diz respeito às reprovações nas discipli-

ensino, residem nas cidades em que trabalham ou

nas. Tais reprovações podem ter as mais diferentes

nas suas proximidades, 80% se deslocam de dife-

origens e, partindo da vivência como tutores em

rentes cidades do interior de Alagoas para o Polo,

cursos à distância, entendemos que uma delas é a

50% cursam, concomitantemente, pelo menos

falta de estímulo dos alunos para cursar determi-

uma disciplina experimental e uma disciplina de

nada disciplina. Dessa forma, defendemos que a

Estágio Supervisionado, ambas necessitando da

permanência dos estudantes seria incitada por um

presença dos licenciandos no Polo para a execução

conjunto de estratégias e ações dos tutores e dos

de algumas atividades que não podem ser feitas à

próprios discentes a fim de manter o estímulo e

distância.

interesse destes. Assim, consideramos adequado

Acreditamos que esse estudo é relevante porque

cultivar a motivação dos alunos desde o início do

(i) as estratégias que desenvolvemos e utilizamos

curso, reforçando-a no decorrer de cada disciplina.

foram construídas à luz dos diálogos com os dis-

Do nosso ponto de vista, esta é uma das ações pos-

centes, sendo que, dentre estes, alguns pensavam

síveis para evitar a reprovação, desistência e/ou

em abandonar seus respectivos cursos, e com tuto-

evasão, ou fazer com que estas, quando ocorram,

res de diferentes polos que relataram a observa-

não atinjam patamares indesejados.

ção e preocupação com os índices de reprovação,

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

81


Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN

evasão, desistência e desestímulo dos licenciandos

A partir das respostas elaboramos e desen-

com as aulas experimentais; (ii) com essas estra-

volvemos metodologias para um melhor desem-

tégias objetivamos melhorar os índices dos cursos

penho e participação dos graduandos nas aulas

e manter o estímulo e motivação dos discentes; e

experimentais no decorrer de 2010. No curso de

(iii) os professores têm o dever de acompanhar,

Licenciatura em Química à distância as discipli-

motivar, orientar e estimular a aprendizagem dos

nas cujos trabalhos se desenvolveram sob essa

estudantes, utilizando metodologias e estratégias

proposta foram: medidas e transformações quí-

que favoreçam o processo de ensino-aprendiza-

micas; vivenciando a química ambiental; mani-

gem considerando as necessidades inerentes à rea-

pulação de compostos orgânicos; experimentos

lidade local.

de termoquímica; síntese de produtos naturais e;

Fizemos a coleta de dados a partir:

cinética experimental. Na Licenciatura em física

• da aplicação de questionários com os licen-

à distância seguimos tal vertente em: física expe-

ciandos no segundo semestre de 2009;

rimental e análise estatística de dados e; física

• do registro em diário de bordo da participa-

moderna e experimental.

ção e comentários dos discentes nas aulas

Na apresentação deste trabalho optamos, ini-

experimentais do decorrer de 2010;

cialmente, por descrever, de forma sucinta, o labo-

• do levantamento dos índices de reprova-

ratório de Ciências nas universidades e o papel do

ção, desistência e evasão nas disciplinas de

tutor, em seguida, apresentar alguns pontos que

laboratório das Licenciaturas em Física e

consideramos relevantes sobre as disciplinas expe-

Química à distância, no período compreen-

rimentais nas licenciaturas à distância da UFRN

dido de 2008 a 2010.

e, por fim, relatar as ações que tomamos com o intuito de incentivar e manter os discentes nas dis-

Perpetramos o levantamento dos índices de

ciplinas de laboratório.

reprovação, desistência e evasão a partir dos nossos registros pessoais de acompanhamento dos discentes com o intuito de verificar se houve mudanças significativas nesses valores, com-

2

O laboratório de ciências no ensino superior e a atuação dos tutores

parando os períodos antes e depois do uso das

No decorrer de um curso de nível superior,

estratégias. No diário de bordo, registramos as

duas questões se apresentam como grandes pre-

observações das aulas experimentais no tocante

ocupações por parte daqueles envolvidos no pro-

a frequência e participação dos licenciandos, bem

cesso educativo: 1 – o número de reprovação em

como os seus comentários sobre as estratégias

disciplinas; 2 – o número de alunos desistentes e/

adotadas. Por fim, no questionário, tratamos do

ou evadidos (Silva Filho et al., 2007; Almeida;

levantamento do perfil dos discentes e solicita-

Schimiguel, 2011; Silva; Marques, 2012).

mos suas respostas para duas perguntas que con-

As graduações à distância não são exceções à

sideramos pertinentes e que nortearam a escolha

regra, conforme relatório do censo sobre educação

das estratégias de ensino:

à distância no Brasil (Censo ead.br, 2010), no qual

1. Quais são os principais obstáculos para o

se destaca que o abandono aos cursos é próximo

seu comparecimento nas aulas experimen-

dos 21%, sendo a falta de tempo para estudar e a

tais? Por quê?

não adaptação à educação à distância os pretextos

2. Como sanar ou minimizar esses obstáculos?

82

mais citados para a desistência, apontados, respec-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN

tivamente, por cerca de 40% e 48% dos discentes

contribuem para o engajamento em atividades sub-

participantes do levantamento.

sequentes, conforme apontam Francisco Júnior,

Atentos a Collins (2004 apud Neves, 2006),

Ferreira e Hartwing (2008), ao destacar que tais

vê-se que são vários os fatores que levam ao aban-

atividades constituem um dos aspectos-chave do

dono nos cursos de educação à distância. Na sua

processo de ensino-aprendizagem de ciências, res-

pesquisa, Neves (2006) observa que os problemas

saltando que por meio das aulas experimentais é

pessoais compõem os maiores motivadores da

possível estreitar o elo entre motivação e apren-

desistência/evasão nos cursos de educação à dis-

dizagem.

tância, em que 59% dos participantes da pesquisa

No tocante à motivação, necessário se faz recor-

apontam para a falta de tempo e excesso de ati-

rer a Campos (1997) quando afirma que:

vidades como principal motivo para abandonar o

[...] a motivação passa a ser considerada como um processo constituído de três passos essenciais: o de deflagração do comportamento inicial, o da manutenção da atividade em curso, e o da orientação geral da atividade, o que faz pressupor intenção, propósito, fins a serem atingidos (p. 89).

curso, enquanto 19% destacam a desmotivação e solidão nas atividades como pretextos à desistência/evasão. Sobre as aulas experimentais, atentos a Maar (2004), observa-se que a utilização do laboratório de Ciências como instrumento didático nas universidades é feita há mais de duzentos anos. Apesar

Sob esse norte, os estudos que defendem que a

disso, ressaltam Grandini e Grandini (2004) que

atuação do tutor deve se alicerçar apenas no acom-

os estudos com fins pedagógicos e curriculares

panhamento dos estudantes, esclarecendo que tais

acerca do tema datam da década de 1960, abor-

profissionais não possuem autonomia para o pla-

dando seu uso tanto na Educação Básica quanto

nejamento das aulas e estratégias pedagógicas, não

Superior. Justamente no Ensino Superior é onde

têm fundamento, uma vez que, para atender aos

fica mais clara a concepção da importância do

pressupostos básicos da manutenção do interesse

laboratório e das aulas experimentais na formação

dos discentes, o tutor deve acompanhar, orientar,

inicial dos licenciandos em Ciências, tanto por

motivar e estimular a aprendizagem autônoma dos

parte dos docentes quanto dos discentes.

alunos, coordenando a seleção de conteúdos, discu-

À luz dessa importância, as discussões que abor-

tindo as estratégias de aprendizagem, suscitando a

dam o tema tratam do laboratório como ferramenta

criação de percursos acadêmicos, problematizando

para, dentre outras: entrar em contato de modo mais

o conhecimento, utilizando metodologias e meios

“concreto” com a teoria ensinada em sala; alicerçar

adequados que facilitem a aprendizagem (Barros,

o conhecimento científico; dotar o licenciando de

2005; Giannasi et al., 2005; Kratochwill, 2009).

conhecimento técnico específico para atuação em laboratório; propiciar a construção de um ambiente motivador, agradável, estimulante e rico em situações novas e desafiadoras; estimular a capacidade

3

As disciplinas experimentais nas licenciaturas à distância da UFRN

ativa dos discentes (Thomaz, 2000; Maldaner, 2003;

As disciplinas de laboratório dos cursos de

Galiazzi; Gonçalves, 2004; Grandini; Grandini,

Licenciatura em Física e Química à distância da

2004; Navarro et al., 2005; Machado; Mól, 2008).

UFRN têm uma característica preponderante: elas

É importante salientar que as atividades expe-

envolvem tanto momentos presenciais quanto à

rimentais estimulam o interesse dos estudantes e

distância. Observamos os momentos à distância

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

83


Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN

quando os licenciandos precisam responder as ati-

laboratório, a critério do docente, formam-se gru-

vidades on-line, acessar fóruns, contatar docentes

pos com 3 ou 4 discentes. No caso da Licenciatura

e monitores por meio das páginas das disciplinas,

em Física, não há sugestão de formação de equi-

entre outros procedimentos inerentes aos cursos

pes de trabalho. Em seguida, os alunos, em grupo

de educação à distância. Por sua vez, observamos

ou individualmente, seguem um roteiro que des-

os momentos presenciais quando os alunos preci-

creve, passo a passo, o procedimento experimen-

sam comparecer ao laboratório para efetivamente

tal. Aos discentes compete a execução e registro

“fazer” os experimentos, isto é, executar a aula

do que é observado nos procedimentos durante o

prática sugerida pelos docentes responsáveis pelas

desenvolvimento da atividade experimental. Na

disciplinas. É sobre os momentos presenciais que

Licenciatura em Química à distância, os proce-

pretendemos discorrer.

dimentos trazem perguntas que reforçam alguns

Antes de tudo, destacamos haver procedimen-

pontos dos experimentos e cujas respostas são con-

tos comuns às disciplinas experimentais das duas

seguidas apenas com a execução da aula prática,

licenciaturas e outros específicos. Assim, nos

competindo aos estudantes os registros das respos-

casos em que houver semelhanças procederemos

tas durante ou depois do experimento.

com uma descrição única e quando houver parti-

Por fim, são executados os procedimentos do

cularidades identificaremos a qual licenciatura nos

pós-laboratório. Essa etapa pode ser feita tanto

referimos.

no laboratório quanto em casa, individualmente

Salientamos, ainda, que as aulas de laboratório

ou em grupo. Aqui, solicitamos aos licenciandos a

envolvem atividades as quais os discentes devem

confecção de um relatório, que pode ser entregue

fazer antes, durante e depois dos experimentos.

impresso ou em cópia virtual, a critério de cada

A atividade que antecede a aula experimental

docente. Além disso, há a sugestão de pesquisas

é denominada pré-laboratório. Essa etapa envolve

sobre a aula e exercícios complementares que

a leitura de textos, pesquisas, respostas de exer-

objetivam o aprofundamento do assunto da ativi-

cícios que norteiam os licenciandos na execução

dade de laboratório. Em seus relatórios, os alunos

dos experimentos, chats na plataforma moodle e

descrevem os experimentos, as observações feitas

participação em fóruns de discussão, enriquecendo

durante a execução da aula de laboratório, as con-

o conhecimento prévio para o andamento da aula

siderações finais, dentre outros pontos relevantes.

prática. Tal etapa deve ser cumprida em casa ou

Essa etapa tem por objetivo consolidar os concei-

no Polo do curso, através de pesquisa em livros e

tos e fundamentos teóricos frente às atividades

Internet.

práticas, além de estimular o desenvolvimento da

A etapa imediatamente posterior ao pré-labo-

escrita técnica.

ratório trata do desenvolvimento do experimento.

Uma vez destacados os pontos gerais que

Nela objetivamos fortalecer os aspectos conceitu-

envolvem as disciplinas de laboratório, passemos

ais e procedimentais referentes aos conhecimentos

para as estratégias que utilizamos para estimular a

específicos dos graduandos. No momento das ati-

presença dos discentes nas aulas experimentais. É

vidades no laboratório, um procedimento carac-

importante destacar que adotamos procedimentos

terístico na Licenciatura em Química à distância

para incentivar as ações dos alunos antes, durante

remete à formação de grupos. Durante a aula de

e depois das atividades práticas.

84

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN

4

experimentos propostos para as aulas de laboratório,

Estratégias adotadas durante as etapas das disciplinas experimentais

bem como o horário que iniciamos as atividades,

A seguir, apresentamos as estratégias usadas para incentivar o comparecimento dos discentes às aulas experimentais, as quais acreditamos serem adequadas para manter o estímulo pelas disciplinas de laboratório, reduzir a desistência/evasão e favorecer as aprovações nas Licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN. 4.1

seguindo o cronograma reformulado. Normalmente, agendamos as aulas experimentais para os sábados, já que os graduandos trabalham e ficam impossibilitados de comparecer em outro dia da semana. Na reformulação do cronograma, consideramos a sobreposição de atividades e a existência de dois grupos distintos: • Grupo 1 – formado por discentes que cursam apenas as disciplinas de laboratório;

Procedimentos adotados antes das aulas experimentais

• Grupo 2 – formado por alunos que cursam simultaneamente as disciplinas de laborató-

A análise dos dados aponta que os principais

rio e Estágio Supervisionado.

obstáculos que antecedem as aulas de laboratório envolvem: 1 – falta de tempo; 2 – problemas para

Com o Grupo 1 não há maiores obstáculos

se deslocar ao Polo; 3 – choque de atividades; 4 –

para começar as aulas de laboratório às 9h00.

dificuldades para responder as atividades propostas.

Com o Grupo 2 combinamos para que os discen-

da

tes primeiro participem das atividades de Estágio

Licenciatura em Física e 57% dos discentes da

Supervisionado e, posteriormente, das atividades

Licenciatura em Química apontam a falta de

experimentais. Nesse caso, começamos as aulas

tempo, a sobreposição de atividades e/ou o deslo-

práticas por volta das 11h00.

Observamos

que

63%

dos

alunos

Combinamos com os licenciandos os experi-

camento para o Polo como obstáculos que encontram para participar das aulas de laboratório.

mentos que serão feitos e pedimos que leiam com

As estratégias que adotamos antes das aulas de

antecedência o roteiro e respondam ao pré-labora-

laboratório levaram em consideração esses apon-

tório, esclarecendo a importância dessa ação. Se

tamentos dos estudantes. Para tentar minimizá-los,

algum aluno faltar nesse primeiro encontro, ten-

inicialmente comunicamos aos licenciandos que

tamos contatá-lo por telefone para informar sobre

estão matriculados nas disciplinas experimentais,

os encaminhamentos da reunião. Caso não consi-

via e-mail, o cronograma preparado pelos docen-

gamos contato por telefone, enviamos uma mensa-

tes da UFRN e um cronograma reformulado que

gem por e-mail informando os detalhes e acordos

preparamos considerando os feriados prolonga-

feitos no encontro que antecedeu o início das ativi-

dos, participação em encontros/congressos, dentre

dades de laboratório.

outros pontos, informando a semana de cada aula

Observamos que o acordo das aulas nos sába-

experimental, em cada uma das disciplinas ofer-

dos e a flexibilização do horário de início das ati-

tadas, se houver duas ou mais ocorrendo simulta-

vidades experimentais se configurou, no nosso

neamente. Aproveitamos esse e-mail e acertamos

contexto, como um elemento importante na per-

um encontro presencial antes do início das aulas

manência dos estudantes nos componentes curri-

de laboratório.

culares. Isso porque os licenciandos trabalham nos

No encontro presencial combinamos com os discentes um único dia da semana para executarmos os

dias de semana e cursam, concomitantemente, disciplinas experimentais e Estágio Supervisionado.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

85


Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN

Contudo, no caso da Licenciatura em Química à

Licenciatura em Química destacam como cata-

distância, há alunos que cursam ao mesmo tempo 3

lisadores da desistência/evasão problemas na

disciplinas, sendo uma de Estágio Supervisionado

interpretação e compreensão dos roteiros devido

e duas de laboratório, inviabilizando o início das

ao desconhecimento e/ou receio em manipular

atividades a partir das 11h00. Para solucionar esse

reagentes, vidrarias e equipamentos. Verificamos

problema, combinamos com os graduandos que

que as dificuldades dos discentes estão relaciona-

faríamos um experimento a mais no sábado que

das aos aspectos conceituais e procedimentais que

houvesse aula apenas de laboratório de química,

envolvem os experimentos, justamente aqueles

desde que a compreensão geral dos assuntos de

indispensáveis para a sua formação no tocante ao

cada aula não fosse prejudicada, começando a prá-

desenvolvimento de aulas práticas. Considerando essa observação, antes de ini-

tica às 9h00.

ciarmos a experimentação, deixamos os materiais

Com essas ações, conseguimos: 1. disponibilizar sábados para repetir os

e equipamentos à disposição nas bancadas e discutimos juntos quais são e para que servem alguns

experimentos com os alunos faltosos; 2. tirar dúvidas sobre a parte teórica da aula

deles, principalmente se for o primeiro contato dos estudantes com tais materiais ou se estes forem

de laboratório; 3. repetir os experimentos caso algum dis-

a matriz do experimento (por exemplo, caso um experimento de química trate de destilação, enfati-

cente tenha dúvidas; 4. deixar sábados livres para os discentes

zamos as principais vidrarias utilizadas para o pro-

confeccionarem os relatórios das discipli-

cesso, mesmo que os licenciandos já tenham tido

nas de laboratório (tanto individualmente

algum outro contato com as vidrarias). Em se tratando das disciplinas da Licenciatura

quanto em grupo); 5. disponibilizar sábados para os discentes

em Física, discutimos com os alunos as atividades

fazerem outras atividades do curso, como

sugeridas pelos professores, lembrando sempre a

estudar para provas de laboratório, fazer

importância da etapa de pré-laboratório.

pesquisas, estudar ou preparar materiais de

4.2

No caso das disciplinas da Licenciatura em Química, procuramos não verificar individual-

outras disciplinas.

mente se os graduandos fizeram o pré-laborató-

Procedimentos adotados durante as aulas experimentais

rio. Então, para não começarmos os experimentos sem as respostas dessa atividade, discutimos

A análise dos dados aponta que os principais

em conjunto as questões apresentadas. Assim,

obstáculos no momento das aulas de laboratório

os licenciandos podem responder os exercícios

abordam:

nesse momento ou depois, com mais calma, em

1. compreensão dos procedimentos experi-

casa, mas estão cientes do que trata o pré-laboratório. Entretanto, em qualquer situação, fazemos

mentais; 2. conhecimentos dos materiais que serão uti-

um alerta da importância da atividade para uma melhor compreensão das propriedades físicas e

lizados;

químicas dos reagentes, dos equipamentos, das

3. receio em efetuar os experimentos.

vidrarias, enfim, uma melhor compreensão do Observamos que 27% dos discentes da

experimento. Aproveitamos esse momento para

Licenciatura em Física e 26% dos graduandos da

perguntar aos discentes sobre suas dúvidas acerca

86

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN

dos experimentos, equipamentos e vidrarias cuja

organizamos, digitamos e enviamos os dados obti-

abordagem não fizemos. Sanadas as dúvidas ini-

dos via e-mail a todos os alunos que comparecem

ciais, começamos as atividades de laboratório pro-

a aula. Neste mesmo e-mail reforçamos os prazos

postas elegendo alguns alunos que se destacam nas

de entrega do pós-laboratório e dos relatórios,

aulas de laboratório para atuarem como monitores,

indicando sites, textos e livros em que os discentes

nos auxiliando durante o procedimento e ajudando

encontram a fundamentação teórica necessária a

seus colegas.

cada aula. Observamos que essa estratégia se mos-

No decorrer das aulas de laboratório discuti-

trou muito importante, pois foi útil para os alunos

mos e registramos no quadro os resultados obtidos

organizarem seus registros e relembrarem os pas-

durante o experimento e, ao final da aula, com-

sos durante os experimentos, facilitando a prepara-

paramos e tratamos os resultados expressos no

ção dos relatórios.

quadro. A escolha de monitores tem se mostrado,

Quando há faltosos, escrevemos um e-mail

no nosso caso, como um elemento fomentador

informando a data e hora da reposição dos expe-

de estímulo, já que aqueles escolhidos veem seu

rimentos efetuados. Se o aluno faltar na aula de

esforço reconhecido.

reposição, tentamos contatá-lo por telefone para

Com essas ações conseguimos: (i) desenvolver

saber o que ocorreu. Nesse contato, reforçamos a

nos discentes o interesse pela leitura e compreen-

data da próxima atividade de laboratório e desta-

são das atividades propostas; (ii) estimular a parti-

camos que ele ainda poderá fazer os experimentos

cipação nas aulas e; (iii) fortalecer os conhecimen-

da aula que faltou. Costumamos agir assim para

tos teóricos e práticos ligados aos experimentos.

disponibilizar aos discentes mais de uma oportu-

4.3

Procedimentos adotados após as aulas experimentais

A análise dos dados aponta que os principais obstáculos após as aulas de laboratório abordam:

nidade para repor os experimentos, mesmo que apenas nos sábados, desde que o cronograma de entrega das atividades de pré e pós-laboratório seja cumprido. Dessa forma, procuramos acompanhar de maneira mais próxima a caminhada dos estu-

1. falta de tempo;

dantes para que possamos auxiliar na superação

2. dificuldade para escrever os relatórios;

das suas dificuldades. Para os momentos de confecção dos relatórios,

3. dificuldades para encontrar com os colegas.

no caso da produção em grupo, sugerimos aos licenVerificamos que a falta de tempo e problemas

ciandos que mantenham contato e busquem elaborar

relacionados à confecção dos relatórios são apon-

seus relatórios de forma colaborativa. Assim, busca-

tados como agentes para perder o estímulo pela

mos meios de fazer com que mantenham contato,

disciplina por 45% dos alunos da Licenciatura em

estimulem-se mutuamente, tirem dúvidas e confir-

Física e 31,2% dos estudantes da Licenciatura em

mem dados e fundamentações uns com os outros.

Química.

Evidentemente eles têm autonomia e liberdade para

Considerando essas causas, após as aulas práti-

escolher o que melhor lhes convêm.

cas, mas ainda no laboratório, discutimos sobre os

É importante destacar que, no decorrer do

resultados e respondemos as atividades e pós-labo-

semestre, tentamos negociar com os professo-

ratório, principalmente se estes estiverem relacio-

res da UFRN mudanças no prazo para entrega

nados com os resultados dos experimentos. No

dos pré e pós-laboratórios e relatórios, tendo em

caso das disciplinas da Licenciatura em Química,

vista imprevistos que impossibilitam a execução

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

87


Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN

dos experimentos no prazo previsto. É necessário

No caso da Licenciatura em Química, a repro-

reforçar que, em feriados prolongados, normal-

vação girava em torno de 52%, sendo metade

mente, os discentes pedem para não ter ativida-

representada por alunos desistentes/evadidos.

des de laboratório, mesmo quando a programação

A adoção das estratégias apresentadas reduziu

vinda da UFRN apresenta a aula, pois eles querem

esse índice para 36,4%, onde apenas 1/7 corres-

aproveitar o período para viajar, ficar com a famí-

pondem a alunos que desistiram ou evadiram do

lia, descansar ou até resolver problemas e corrigir

curso.

provas e exercícios acumulados e atrasados das

Em ambos os cursos observamos também uma

escolas onde trabalham, uma vez que já ministram

melhora significativa na produção dos relatórios e

aulas na Educação Básica.

no aproveitamento geral das disciplinas, tomando

Mais uma vez, vemos que a flexibilização

como referência as notas dos alunos.

do tempo, no nosso caso, é elemento de extrema

Salientamos, entretanto, que esta flexibiliza-

importância na permanência dos estudantes nas

ção está condicionada aos prazos estabelecidos

disciplinas experimentais.

pelos docentes da cada disciplina para a realização dos experimentos e entrega das atividades de

5

pré e pós-laboratório. Ainda neste sentido, outra

Considerações finais

observação importante a ser considerada remete

Diante da experiência nas disciplinas de labo-

à flexibilização que favoreça a compreensão dos

ratório nos cursos de Licenciatura em Física e

assuntos trabalhados pelo experimento proposto e

Química à distância da Universidade Federal do

o conteúdo acessado pelos alunos.

Rio Grande do Norte, no Polo Maceió, podemos

Considerando esses apontamentos, vemos a

apontar a flexibilização como questão central.

existência da possibilidade das disciplinas experi-

Percebemos esta como ferramenta essencial para

mentais nos cursos de licenciatura à distância da

estimular a permanência dos estudantes nas disci-

UFRN serem elementos de incentivo e de manu-

plinas, quer seja pela negociação de horários com

tenção do interesse dos estudantes em seus respec-

outras atividades do curso, quer seja pela criação

tivos cursos, conforme destacam Francisco Júnior,

de um calendário próprio que atenda ao que estava

Ferreira e Hartwing (2008), desde que o tempo

proposto nas disciplinas e se adéque às disponibi-

que os discentes despendem para participar das

lidades dos alunos.

atividades de laboratório não se torne um fardo

Vemos que a combinação de estratégias diver-

para os mesmos. No caso dos cursos à distância de

sas com a flexibilização foram fundamentais para o

Ciências, cujos Projetos Político-pedagógicos pro-

melhor desempenho dos alunos, contribuindo para

põem o desenvolvimento de aulas experimentais

a redução no número de faltas, evasão, desistências

feitas presencialmente, o abandono e desmotiva-

e reprovações. Antes do uso das estratégias apresen-

ção podem ser ainda maiores, haja vista que, além

tadas, os índices de reprovação e desistência/eva-

do tempo necessário para os estudos à distância,

são nas disciplinas de laboratório na Licenciatura

é exigida a presença dos graduandos para a exe-

em Física no Polo Maceió giravam em torno de

cução dos experimentos, demandando tempo tanto

45%, sendo 2/5 desse percentual proveniente de

para o desenvolvimento dos experimentos quanto

desistências. Com a mudança na nossa metodolo-

para o deslocamento antes e depois das atividades

gia, o percentual de reprovações reduziu para 18%

de laboratório, bem como para a produção dos

e não houve nenhuma desistência/evasão.

relatórios dos experimentos realizados.

88

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014


Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN

Considerando uma visão global desse estudo, vemos que um desafio da educação à distância remete à oferta de cursos que forneçam garantia para a autoaprendizagem do aluno a partir da utilização de estratégias pedagógicas bem definidas e, para isso, faz-se necessário que os tutores estejam preparados para atender às expectativas dos discentes, conforme descrevem Giannasi et al. (2005). Finalmente, destacamos que, por meio da vivência nos cursos de educação à distância nas disciplinas experimentais, percebemos ser preciso um trabalho de percepção e avaliação da realidade onde se desenvolvem as atividades, de forma a detectar as estratégias específicas para cada grupo. No caso do Polo Maceió, a flexibilização se tornou uma importante ferramenta que, combinada com o acompanhamento dos discentes, nos ajudou a mergulhar em seu universo e ajudá-los no caminho da aprendizagem. 6

Referências ALMEIDA, J. B.; SCHIMIGUEL, J. Avaliação sobre as causas da evasão escolar no ensino superior: estudo de caso no curso de licenciatura em física no instituto federal do Maranhão. REnCiMa, v. 2, n. 2, p. 167-178, jul./dez. 2011. BARROS, R. L. A importância do tutor no processo de aprendizagem à distância. Revista Iberoamericana de Educación, v. 36, n. 3, 2005. CAMPOS, D. M. S. Psicologia da aprendizagem, 23. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. CENSO ead.br. Associação Brasileira de Educação à Distância. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2010. FRANCISCO JÚNIOR, W. E.; FERREIRA, L. H.; HARTWING, D. R. Experimentação problematizadora: fundamentos teóricos e práticos para a aplicação em salas de aula de ciências. Química Nova na Escola, n. 30, p. 34-41, 2008.

GALIAZZI, M. C.; GONÇALVES, F. P. A natureza pedagógica da experimentação: uma pesquisa na licenciatura em química. Química Nova, v. 27, n. 2, p. 326-331, 2004. GIANNASI, M. J. et al. A prática pedagógica do tutor no ensino a distância: resultados preliminares. Virtual Educa, 2005. Disponível em: <http://espacio.uned. es/fez/eserv.php?pid=bibliuned:19515&dsID=n02g ianasi05.pdf>. GRANDINI, N. A.; GRANDINI, C. R. Os objetivos do laboratório didático na visão dos alunos do curso de licenciatura em física da UNESP-Bauru. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 26, n. 3, p. 251‑256, 2004. KRATOCHWILL, S. Fundamentos da educação à distância. Rio de Janeiro: Editora Armazém das Letras, 2009. MAAR, J. H. Aspectos históricos do ensino superior de química. Scientae Studia, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 33-84, 2004. MACHADO, P. F. L.; MÓL, G. S. Experimentando química com segurança. Química Nova na Escola, n. 27, p. 57-60, 2008. MALDANER, O. A. A formação inicial e continuada de professores de química: professor pesquisador. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003. 429p. (Coleção educação em química). NAVARRO, M. et al. Atualizando a química orgânica experimental da licenciatura. Química Nova, v. 28, n. 6, p. 1111-1115, 2005. NEVES, Y. P. C. e S. Evasão nos cursos à distância: cursos de extensão TV na escola e os desafios de hoje. 2006. 96 f. Dissertação (Mestrado em Educação). Maceió: Universidade Federal de Alagoas. SILVA, A. M.; MARQUES, A. L. F. Evasão em um curso de Licenciatura em Física, modalidade à distância. In: Simpósio Internacional de Educação à Distância – SIED e Encontro de Pesquisadores em Educação à Distância – EnPED, 2012, São Carlos. Anais SIED/EnPED. São Carlos: UFSCar, 2012. SILVA FILHO, R. L. L. et al. A evasão no ensino superior brasileiro. Cadernos de Pesquisa para o desenvolvimento da Educação, da Ciência e da Tecnologia, v. 37, n. 132, p. 641-659, set./dez. 2007. THOMAZ, M. F. A experimentação e a formação de professores de ciências: uma reflexão. Caderno Cat. de Ensino de Física, v. 17, n. 3, p. 360-369, dez. 2000.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

89



Química Verde 01 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014

p. 91-106

A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química Green Chemistry as a Scientific Reference for Teaching Mediation in CTSA Perspective on Chemistry Teacher Training Courses Marlene Rios Melo1, Alberto Villani2 e Walter Brito Santos3

RESUMO Nosso trabalho tem por objetivo apresentar um relato de experiência sobre o planejamento, elaboração e aplicação de Metodologia de Ensino na perspectiva CTSA em cursos de formação de professores de Química, tanto em Instituição de Ensino Superior no interior do Estado de São Paulo (2009), quanto em Instituição Federal de Ensino Superior do Nordeste (2012). Essa metodologia tem como principais referenciais teóricos, os pilares norteadores de uma educação CTSA (Aikenhead, 1994; Santos; Schentzler, 2003); Jonas (1995) estabelecendo os princípios da ética para uma civilização tecnológica; os princípios básicos da Química Verde, bem como o conceito de Avaliação do Ciclo de Vida e a concepção de Sociedade de Risco (Beck, 2010). Discutiremos as modificações feitas nessa Metodologia de Ensino quando aplicada na Instituição Federal, como a inclusão do referencial teórico da MMD (Oliveira et al., 2007) estabelecendo parâmetros para uma melhoria na mediação da Metodologia de Ensino. Os Discursos do Professor (Villani; Barolli, 2006) foram utilizados na análise da mediação dessa metodologia pelo professor formador. Discutiremos também os avanços e dificuldades encontrados 1. Professora Adjunto II do curso de Licenciatura em Química pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). 2. Colaborador Aposentado da Universidade de São Paulo. 3. Estudante de graduação da Universidade Federal de Sergipe e Bolsista PIBIC/CNPq.


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

pelos licenciandos das duas Instituições na compreensão e aplicação dos fundamentos dessa Metodologia de Ensino para a elaboração de projetos de ensino aplicados em Escolas Públicas do Sudeste e do Nordeste. Palavras-chave: Metodologia de Ensino CTSA; Formação de Professores; Química Verde. Abstract Our work aims to present an account of experience on the planning, development and implementation of teaching methodology in STSE perspective in teacher training courses in chemistry, in a Institution of higher education within the State of São Paulo (2009), and also in Federal Institution of higher education in the northeast (2012). This methodology has as its main theoretical references, the guiding pillars of a STSE education (Aikenhead, 1994; Santos and Schentzler, 2003); Jonas (1995) establishing the principles of ethics in a technological civilization; the basic principles of Green Chemistry, as well as the concept of life cycle assessment and the design of Risk Society (Beck, 2010). We will discuss the modifications made in this teaching methodology when applied to Federal Institution, as the incorporation of theoretical reference of the MMD (Oliveira et al. 2007), establishing parameters for an improvement in the mediation of the teaching methodology. The Speeches of Professor (Villani and Barolli, 2006) were used in the analysis of mediation of this methodology by the teacher trainer. This work discuss also the advances and difficulties encountered by the students of the two Institutions on the understanding and application of the fundamentals of teaching methodology for the elaboration of projects of teaching applied in public schools of Southeast and Northeast. Key-words: STSE Teaching Methodology; training of teachers; Green Chemistry.

1

mineral e desenvolvimento científico, tecnológico

Introdução A adoção pelos professores de química da abordagem curricular CTSA em sua atuação profissio-

e social; ocupação humana e poluição ambiental; destino do lixo e o impacto sobre o ambiente; desenvolvimento da agroindústria e os impactos

nal implica que estes deverão se comprometer com

ambientais; as fontes energéticas, efeitos socio-

a formação da cidadania de seus alunos (Santos;

ambientais e aspectos políticos (Santos; Mortimer,

Schentzler, 2003), e com o desenvolvimento nestes

2002).

da capacidade da tomada de decisão (Aikenhead;

O planejamento dessa instrução envolve um

Solomon, 1994) sobre questões tecnocientíficas,

modelo de ensino que se inspira numa visão cons-

já que o mundo atual está profundamente compro-

trutivista de ensino-aprendizagem, na qual o aluno

metido e envolvido com essas questões. A adoção

é parte fundamental e participante no processo

dessa abordagem curricular implica, também, na

de ensino e aprendizagem, ou seja: a aprendiza-

instrumentalização do aluno para que este possa

gem se dá através do ativo envolvimento do aprendiz

participar de decisões sobre questões tecnocientí-

na construção do conhecimento e as ideias prévias dos

ficas, com consequentes reflexos socioambientais,

estudantes desempenham um papel fundamental no

nas comunidades onde vive.

processo de aprendizagem, já que essa só é possível

Consequentemente, parece necessário que a

a partir do que o aluno já conhece (Mortimer, 2006).

discussão dos conteúdos químicos envolva proble-

Consequentemente, um dos aspectos fundamentais

mas reais de forma contextualizada com a adoção

é escolher temas que estejam relacionados à reali-

de temas socioambientais tais como: exploração

dade do aluno para que este se envolva de forma

92

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

mais significativa com a construção do conheci-

dedicado ao conteúdo científico e para a cobertura

mento, levando em consideração o que o aluno já

do currículo tradicional; crença de que os alunos

sabe sobre a discussão desse tema socioambiental.

não aceitarão conteúdos históricos, filosóficos e

No entanto, a implementação dessa aborda-

políticos em aulas de ciências; e outros mais.

gem curricular na sala de aula apresenta proble-

Percebemos por essas pesquisas que, embora a

mas como a dificuldade dos alunos em estabelecer

proposta curricular CTS/CTSA seja interessante e

relação entre os conteúdos científicos apreendidos

relevante aos olhos da maioria dos profissionais de

na escola com os problemas do cotidiano e com

educação, há desafios a serem enfrentados e esse

os problemas socioambientais enfrentados pela

enfrentamento envolve não só um comprometi-

humanidade (Solbes; Vilches, 2004).

mento profissional como também pessoal.

Os professores também alegam dificuldades

Em função das dificuldades de implementação

pessoais, profissionais e institucionais para colo-

dessa abordagem curricular, especificamente em

car em prática a ênfase curricular CTSA. Firme e

relação aos professores em formação, iniciamos,

Amaral (2011) apontam os obstáculos apresentados

em 2006, pesquisas (Melo, 2010; Melo; Villani,

por professores brasileiros para a implementação

2011; Melo, 2011; Melo; Costa, 2012; Santos;

dessa abordagem curricular nas escolas, tais como:

Melo; Costa, 2012; Reis; Melo, 2013) cujo obje-

dificuldade em articular de forma adequada os con-

tivo é analisar e implementar formas de capacita-

ceitos tecnocientíficos com as questões sociais; a

ção de professores para a inclusão da perspectiva

falta de material didático que auxilie na implemen-

curricular CTSA nas escolas de Ensino Médio.

tação dessa perspectiva para o ensino de ciências;

Uma dessas ações envolve a constituição de uma

as concepções alternativas dos professores sobre

metodologia de ensino para as disciplinas Prática

ciência, tecnologia e suas implicações sociais e; a

de Ensino e Estágio Supervisionado em cursos

ausência dessa abordagem curricular durante a for-

de licenciatura em química, nos quais a Química

mação inicial dos professores atuantes.

Verde (Lenardão et al., 2003) e a concepção de

Ainda em relação às dificuldades enfrentadas

Sociedade de Risco (Beck, 2010) constituem dois

pelos professores atuantes, Ainkenhead (2005)

dos principais referenciais teóricos. No entanto,

constatou, em levantamento bibliográfico sobre a

em função das análises feitas no decorrer de nos-

pesquisa envolvendo o movimento CTS na educa-

sos trabalhos, outros referenciais foram acrescen-

ção em ciências, que a maioria dos professores de

tados e algumas modificações foram feitas.

ciências pesquisados considera relevante a inserção da abordagem curricular CTS nas escolas, mas aponta diversos motivos que dificultam a imple-

2

Metodologia de pesquisa

mentação dessa abordagem curricular, tais como:

Nossa metodologia de ensino começou a ser

a complexidade causada pela combinação de fatos

elaborada em uma Instituição de Ensino Particular

cotidianos e científicos; os professores não se sen-

no Sudeste e sofreu alterações quando foi imple-

tem habilitados nem para elaborar estratégias de

mentada em uma Instituição de Ensino Federal do

ensino nessa perspectiva, como também avalia-

Nordeste. Discutiremos, a seguir, como a Química

ções que considerem não só o conteúdo científico,

Verde e a concepção de Sociedade de Risco foram

mas também a complexidade dos aspectos envol-

utilizadas na constituição dessa metodologia e os

vidos; falta de apoio da instituição educacional;

resultados atingidos com licenciandos do curso de

preocupação da comunidade escolar com o tempo

Química.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014

93


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

2.1

no plano individual como a ética Kantiana propõe,

Instituição de Ensino Superior particular de São Paulo: 2006-2009

mas com uma abrangência coletiva:

Em uma Instituição de Ensino Superior no interior de São Paulo, nos envolvemos com a elaboração e planejamento de atividades didáticas que colaborassem com a formação de professores de química comprometidos com a perspectiva curricular CTSA. Nossos referenciais teóricos utilizados para a elaboração e planejamento de atividades didáticas para os licenciandos foram incrementados com o decorrer do trabalho. Iniciamos com a visão de Hans Jonas (1995) sobre o Principio da Responsabilidade e o ensaio de uma ética para uma civilização tecnológica; nessa perspectiva, torna-se importante que os químicos, ao trabalhar com a transformação da matéria se utilizando do conhecimento tecnocientífico, tenham presente e reflitam sobre os princípios éticos correspondentes. A tecnologia química é responsável pela transformação dos recursos físicos da terra, renováveis e não renováveis, em produtos de consumo humano:

Jonas considerou que a humanidade, de posse de um poder (tecnológico) até então inexistente, necessitaria de uma ética que norteasse seus atos, não somente no plano individual, mas, sobretudo, no âmbito coletivo e político, pois são ações que produzem efeitos e possuem abrangência espaço-temporal de tal ordem que, em épocas anteriores, não poderiam ter sido cogitados devido à inexistência, ainda, de tais condições (Alencastro, 2009).

A escola é um espaço coletivo que permite a discussão de como o conhecimento científico esta sendo utilizado e se essa utilização compromete, ou não, tanto as gerações atuais quanto futuras, bem como o Meio Ambiente Natural, já que a sobrevivência humana está diretamente relacionada ao cuidado dos recursos físicos, flora e fauna, e ainda, não só o cuidado com todos os seres viventes, mas também para com aqueles que estão para nascer, pois não podemos comprometer as gerações futuras, sendo necessário o estabelecimento de parâmetros éticos:

a tecnologia é, de forma geral, a ciência que trata os métodos, processos e transformação da matéria prima (produtos da natureza) em artigos de consumo e meios de produção (Simó; Pietro, 1984 apud Silva, 2009).

Procurar não só o bem humano, mas também o bem de coisas extra-humanas, ou seja, alargar o conhecimento dos “fins em si mesmos” para além da esfera humana e fazer com que o bem humano incluísse o cuidado delas (Jonas, 1995).

A adequação das formas de produção de bens

Em um primeiro momento, caminhamos na

de consumo a essa ética implica que estas devem

busca por temas socioambientais que contemplas-

ser planejadas de tal forma a minimizar, ou, ainda,

sem as tecnologias químicas comprometidas com

a evitar a contaminação do solo, ar e água gerando

a ética de Jonas, ou seja, o agir humano deveria

desenvolvimento com equidade social. Tais méto-

continuar a produzir, mas contemplando tecnolo-

dos têm que se fundamentar no princípio da res-

gias o menos impactantes possíveis tanto para os

ponsabilidade. Essa responsabilidade, para Jonas

seres viventes, como para os que ainda estão por

(1995), não se restringe ao sujeito, mas ao coletivo,

nascer, bem como para o Meio Ambiente Natural.

tendo como preocupação básica os efeitos cumulati-

A busca de tecnologias comprometidas com

vos e irreversíveis da intervenção tecnológica sobre

a ética de Jonas nos levou a Michael C. Cann, da

o Meio Ambiente Natural e Social. Para Jonas, as

Universidade de Scranton (EUA) e sua proposta

ações humanas deveriam ser norteadas não apenas

educacional de trabalhar a Química Verde na for-

94

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

mação de químicos (Cann, 2012). Tal proposta contempla a disponibilização, na rede mundial de computadores, de módulos de ensino para que ocorra um ‘esverdeamento’ do currículo de Química em função da necessidade da formação de químicos comprometidos com um futuro sustentável. A proposta da Química verde é “promover a inovação das tecnologias químicas para que estas reduzam ou eliminem tanto a geração quanto o uso de substâncias perigosas desde a concepção, produção e uso dos produtos químicos (Lancaster, 2002).

de experimentos didáticos comprometidos com as ideias de Jonas e da Química Verde, ressaltando para professores em formação a razão de determinadas escolhas a partir do esclarecimento sobre esses referenciais teóricos. Primeiro estabelecemos discussões sobre formas de diminuir o impacto ambiental das práticas experimentais apoiando-nos nos doze princípios da Química Verde:

Os módulos propostos por Michael Cann, para a inclusão da Química Verde nos cursos de formação de químicos, inclui um módulo introdutório à Química Verde no qual é apresentado um histórico do surgimento da química verde a partir das necessidades sociais expressas pelo estabelecimento de leis de proteção ambiental pela EPA (Environmental Protection Agency) nos EUA, bem como a explicitação dos doze princípios básicos da Química Verde (Anastas; Warner, 1998). Em seguida, o autor apresenta sete Módulos Verdes para Química Geral, Química Inorgânica, Bioquímica, Química Ambiental, Química de Polímeros, Química toxicológica e Química Industrial e estes apresentam em comum a comparação entre uma tecnologia química chamada de ‘marrom’, impactante, com a ‘verde’, comprometida com um mundo sustentável. Um ponto importante da estratégia educacional é que essa comparação seja feita para a produção de um mesmo produto químico e que haja uma discussão de forma inter-relacionada das questões tecnocientíficas e das ambientais. O autor, provavelmente para não tornar muito complexa a realização das sequências didáticas, não inclui nas discussões os problemas sociais envolvidos. A partir do estudo da Química Verde, decidimos incluir, nos cursos de licenciatura, a discussão de tecnologias químicas que estivessem associadas a questões socioambientais, bem como a mediação

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014

1. prevenção – o planejamento de experimentos deveria contemplar a prevenção de formação de resíduos; 2. economia atômica – experimentos envolvendo reações químicas deveriam produzir, preferencialmente, apenas o produto desejado (como as reações de adição, isomerização e rearranjo), evitando a formação de subprodutos; 3. síntese segura – as práticas experimentais deveriam contemplar, sempre que possível, a utilização de substâncias de baixa ou nenhuma toxicidade; 4. desenvolvimento de produtos seguros – os produtos resultantes das reações químicas não deveriam trazer impacto ambiental, ou seja, deveriam ter baixa ou nenhuma toxicidade; 5. uso de solventes e auxiliares seguros – nas reações químicas contempladas pelos experimentos deveriam evitar a utilização de solventes impactantes como benzeno, tolueno, ou mesmo Compostos Orgânicos Voláteis (COVs), já que estes últimos são responsáveis pela produção de ozônio troposférico como poluente secundário, optando de preferência por água, inclusive em reações orgânicas; 6. busca pela eficiência de energia – buscar sínteses que ocorram na temperatura e pressão ambiente, já que o desperdício de energia implica em um maior consumo

95


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

de combustíveis fósseis ou renováveis,

acético, ou seja, reagentes orgânicos com

com consequente produção, por exemplo,

degradação segura (Gettys; Jacobson, 2003);

de gases estufa. Outra opção é substituir o

c) síntese de AAS utilizando radiação de

aquecimento convencional, para reações

micro-ondas como fonte alternativa de

mais exigentes energeticamente, por radiação de microondas; 7. uso de fontes de matéria-prima renováveis

et al., 2004) tanto para discutir tratamento

– preferencialmente às não renováveis;

alternativo de água como tratamento de

8. evitar a formação de derivados – evitar reações onde se utilize reagentes de proteção, bloqueadores etc.;

efluentes (Luca; Deus; Luca, 2002) e; e) síntese de biodiesel a partir de óleo de soja (Ferrari; Oliveira; Scabio, 2005).

9. catálise – procurar experimentos onde ocorra a utilização de catalisadores no lugar de reagentes estequiométricos; 10. produtos degradáveis – os produtos devem se degradar, preferencialmente, em produtos inócuos ao Meio Ambiente Natural; 11. análise em tempo real para prevenção da poluição – ou seja, o professor deve avaliar se os produtos e subprodutos produzidos no experimento químico se degradarão em compostos inócuos ambientalmente e; 12. prevenção de acidentes – a seleção dos experimentos deve ocorrer levando em consideração a prevenção de acidentes.

No entanto, esses experimentos, da forma como estavam sendo propostos, eram bastante distantes dos eventos e dos contextos familiares dos licenciandos e de seus futuros alunos, não nos permitindo uma discussão mais articulada da perspectiva curricular CTSA. Mesmo assim, iniciamos nossa metodologia de ensino para a disciplina Prática de Ensino do curso de licenciatura em Química dessa Instituição de Ensino Superior com alguns dos módulos propostos por Michael Cann, que permitiam confrontar duas tecnologias para a produção de um mesmo produto de consumo e evidenciar a possibilidade de redução dos impactos ambientais nas reações químicas.

Para auxiliar os futuros professores a dimensionar a utilização desses princípios na prática escolar, iniciamos a busca por experimentos comprometidos com a Química Verde e com a ética de Jonas para que estes fossem parte da nossa metodologia de ensino. Adequamos os seguintes experimentos para: a) cinética química (Wright, 2002), nos quais os reagentes e produtos têm baixa toxicidade e degradação em substâncias pouco impactantes, exceto o iodo; b) discussão da formação de chuva ácida e seu impacto em distintos solos, utilizando indicador ácido/base produzido a partir de repolho roxo e acidificação da água com ácido

96

energia (Rosini; Nascente; Nóbrega, 2004); d) produção de ferrato em microescala (Ibanez

Percebemos, durante esse percurso, a necessidade da inclusão da discussão do conceito de Avaliação de Ciclo de Vida (ACV), pois, se íamos comparar duas tecnologias para a produção de um mesmo produto químico, precisávamos avaliar o ciclo de vida de ambas definido por Anastas e Lankey (1998) como sendo: [...] a avaliação das cargas ambientais de um produto, processo ou atividade, através da quantificação da utilização dos recursos e emissões, da avaliação tanto do impacto ao meio ambiente natural quanto à saúde humana. E ainda, levanta a possibilidade de implementação de oportunidades para a melhoria desses processos ou atividades.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

No nosso caso, percebemos a necessidade de

Outro ponto levantado por Beck (2010), que

incluir a avaliação dos impactos sociais e ambien-

reforça a necessidade da formação tecnocientífica

tais do processo químico desde a extração da maté-

do sujeito, é a que a maioria dos riscos a que esta-

ria-prima até o descarte final do produto químico

mos expostos não podem ser dimensionados pelos

produzido, tanto para a rota verde quanto marrom.

sentidos humanos, sendo necessária a utilização de

A idealização da Química Verde, como a detentora

instrumentos produzidos pela ciência capazes de

das soluções para o mundo comprometido com a

identificar substâncias químicas, radiações, conta-

produção tecnológica de bens de consumo, foi redi-

minação biológica etc. Identificar ameaças de uma

mensionada durante o planejamento dos conteúdos

civilização comprometida com distintas tecnolo-

teóricos e práticos dos módulos e durante as dis-

gias exige [...] os “órgãos sensoriais” da ciência – teo-

cussões estabelecidas nos grupos de pesquisa de

rias, experimentos, instrumentos de medição – para que

Iniciação Científica e Doutorado. Percebemos pro-

possam chegar a ser “visíveis” e interpretáveis como

blemas para tratar os efluentes dos experimentos,

ameaça (Beck, 2010).

como, por exemplo, do biodiesel e ferrato, e deci-

As colocações de Beck reforçam a necessi-

dimos utilizar os efluentes destes para a produção

dade da aprendizagem da perspectiva CTSA. A

de sabão já que a produção de ferrato era feita em

sociedade civil deve ter conhecimento do quanto

meio básico. No entanto, precisávamos incluir em

à produção tecnocientífica (CT) de um produto

nosso balanço também o fato de que o sabão tam-

químico, por exemplo, implica em riscos socio-

bém traria impactos ambientais quando descartado.

ambientais (SA), pois esse conhecimento permite

A percepção de que qualquer solução para os

uma avaliação da compensação, ou não, dos riscos

descartes dos rejeitos experimentais implicava em

favorecidos fundamentalmente durante a produ-

impactos, maiores ou menores, nos fez adotar a

ção, pelos benefícios advindos do consumo desse

concepção de sociedade como referencial teórico

produto.

na constituição de nossa metodologia de ensino.

Estabelecidos os referenciais teóricos que

Para Beck (2010), a produção de riqueza é acom-

iriam orientar os conteúdos de nossos módulos,

panhada da produção de riscos. Uma sociedade

selecionamos alguns temas socioambientais e pla-

comprometida com a utilização de distintas tec-

nejamos a instrução CTS adequando a sequência

nologias, verdes ou não, para a produção de bens

proposta por Santos e Schnetzler (2003), através

de consumo, inevitavelmente contempla impactos

da consideração da variável Ambiental (CTSA) e

socioambientais para a comunidade civil. Ressalta,

confronto de duas tecnologias (marrom e verde):

ainda, que, embora alguns riscos atinjam sujeitos

1. uma questão socioambiental relacionada à

pertencentes a qualquer condição social, os mais

realidade dos licenciandos era selecionada;

pobres estão mais expostos a eles, tanto em função

2. analisávamos duas tecnologias químicas,

da condição socioeconômica que facilita o viver

verde e marrom, relacionadas à questão

em locais onde os riscos se estabelecem com facili-

socioambiental;

dade – uma indústria poluente dificilmente conse-

3. em seguida, discutíamos o conteúdo cien-

gue se estabelecer em locais de classe média alta,

tífico relacionado à questão socioambien-

pois lá moram pessoas instruídas cientificamente –,

tal selecionada e às duas tecnologias intro-

quanto pela falta do conhecimento tecnocientífico

duzidas;

para avaliar os riscos, já que a pobreza também está associada a uma educação científica precária.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014

4. estudávamos os conteúdos científicos contextualizados às tecnologias verde e mar-

97


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

rom, bem como os impactos socioambien-

A seleção dos temas foi feita em função das

tais das mesmas através da ACV das duas

discussões em mídia da comunidade escolar dos

tecnologias; e

licenciandos dessa instituição.

5. estimulávamos ao final uma rediscussão

Os licenciandos foram então convidados a ela-

da questão socioambiental original em

borar projetos de ensino de química na perspectiva

função do conhecimento apreendido e dos

CTSA, orientados pela professora formadora. A ava-

impactos levantados a partir da perspectiva

liação dos projetos de ensino, que deviam ser apre-

da Sociedade de Risco.

sentados de forma escrita e oral e deviam contemplar a perspectiva curricular CTSA, mostraram que a

Para a elaboração dos módulos utilizamos diversas referências para a fundamentação teórica e contextualizada envolvendo as múltiplas relações entre C-T-S-A, entre elas a Revista Química Nova na Escola, tanto os cadernos temáticos quanto os outros. Colocaremos as referências quando da descrição dos mesmos.

maioria dos licenciandos tinha dificuldades em: a) relacionar

adequadamente

problemas

socioambientais com conceitos químicos; b) limitar os conceitos químicos pertinentes ao tema desenvolvido; c) elaborar avaliações que contemplassem não só o conhecimento químico, mas também

Quadro 1.  Módulo de ensino da perspectiva CTSA. Módulo / Tema

Conteúdo Teórico e Experimental

Tecnologias verdes Química verde

Abordagem histórica, diferenciação entre QV e Química ambiental. Avaliação do índice de rejeito de distintos setores industriais. Princípios básicos da QV e sua utilização no planejamento de tecnologias verdes. Avaliação de Ciclo de Vida e sua utilização na justificativa para a implementação de tecnologias verdes em substituição às marrons. Concepção de Sociedade de Risco (Beck, 2010) e as implicações desta para a idealização das tecnologias verdes (Lenardão et al., 2003; Sanseverino, 2002).

Energia Combustíveis alternativos Biodiesel

Interesses políticos envolvidos no estabelecimento de uma política de produção de biodiesel no Brasil e no mundo. Impactos para agricultura doméstica da monocultura da soja. Biodiesel versus Diesel. Avaliação de impactos e benefícios, via ACV, das produções de biodiesel via catálise ácida, básica, enzimática e fluídos supercríticos (Ulf; Serchelia; Vargas, 1998; Castro; Mendes; Santos, 2004). Mediação experimental da produção de biodiesel catalisado por base (Ferrari; Oliveira; Scabio, 2005).

Recursos hídricos Água

Avaliação das reservas de água doce, bem como formas de contaminação dessas reservas. Estudo das propriedades físico- químicas da água através de um paralelo entre o macroscópico e o modelado cientificamente. Mediação de experimentos envolvendo a reprodução tanto do tratamento tradicional de água utilizando sulfato de alumínio como coagulante (Maia; Oliveira; Osório, 2003) e hipoclorito como desinfetante como tratamento alternativo da água utilizando ferrato como coagulante como desinfetante (Melo; Oliveira, 2007). Cont. Módulo de ensino da perspectiva CTSA.

Recursos hídricos Tratamento de efluentes

Impactos da produção de efluentes humanos e industriais para as reversas de água doce. Formas de tratamento de efluentes: Aeróbico, anaeróbico e Processos Oxidativos Avançados (Guimarães; Nour, 2001). Tratamento de efluentes utilizando ferrato (Luca; Deus; Luca, 2002). Mediação de experimento de tratamento de efluentes com corantes orgânicos utilizando ferrato (Melo; Oliveira, 2007).

Transformações químicas e tecnologia Vidro

Impactos da extração de areia para a produção de vidro. Avaliação do Ciclo de Vida da produção de vidro versus produção de plásticos. Reciclagem do vidro versus reciclagem de plásticos (Alves; Gimenez; Mazali, 2001).

Energia Combustíveis alternativos Álcool

Impactos da produção de cana de açúcar para a agricultura doméstica, solo e clima. Avaliação da produção de etanol tanto via catálise com H3PO4, quanto por fermentação de açúcar oriundo da cana de açúcar. Mediação experimental da produção de álcool a partir de suco de frutas (Ferreira; Montes, 1999).

98

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

relacionar este adequadamente com as ques-

conhecimento produzido por especialistas, ou seja,

tões socioambientais do cotidiano do aluno;

o professor se coloca como o guardião do conhe-

d) assumir de forma plena a responsabili-

cimento científico a ser apreendido pelo aluno.

dade pessoal no processo de preservação

Consideramos que esse tipo de discurso se estabe-

ambiental e;

lecia em nosso curso quando havia uma cobrança

e) em propor formas de discussão de temas

bastante exigente em relação à aprendizagem tanto

socioambientais que permitissem aos

do conhecimento químico relacionado às ques-

alunos expressar seus posicionamentos.

tões tecnocientíficas como da compreensão das

Mesmo com essas limitações, e mesmo

relações destas com os impactos socioambientais.

com as diferentes atuações dos licencian-

Enfim, o conhecimento científico e pedagógico,

dos, ficou claro que houve uma mudança

principalmente referente à ACV das tecnologias

básica de todos eles, no sentido de ampliar

estudadas, à concepção de Sociedade de Risco,

o horizonte de sua atuação didática e de

para além da idealização das tecnológicas verdes,

incluir a preocupação com o ambiente e

foram considerados como a lei a ser seguida pelos

sua sustentabilidade.

licenciandos, implicando uma avaliação positiva dos que se esforçassem nesse sentido e negativa

A análise da experiência, principalmente a rea-

dos que tentassem burlá-la.

lizada no ano de 2009, além de focalizar o conte-

No Discurso da Histérica, o professor mani-

údo científico e pedagógico discutido durante os

festa uma relação de inclusão com os alunos, esti-

módulos em sala de aula foi feita também tendo

mulando sua preocupação com a aprendizagem

presente as relações subjetivas estabelecidas entre

deles: mesmo quando demonstra sua insatisfação

a professora e os licenciandos, tendo como orien-

pessoal com a situação atual, ele aponta para os

tação teórica os diferentes tipos de Discursos do

alunos de que algo está faltando na formação e pro-

Professor (Villani; Barolli, 2006). As relações fun-

cura desafiá-los. O professor age, então, como um

damentais foram localizadas em quatro discursos.

provocador, tentando gerar no aluno um avanço

No Discurso do Mestre, o professor assume uma

no saber. Interpretamos que esse tipo de discurso

posição de autoridade e domínio sobre o conheci-

se estabelecia em nosso curso, quando o profes-

mento a ser apresentado e os alunos são totalmente

sor procurava de todas as maneiras problematizar

dependentes, se deixando conduzir pelos convites

os experimentos, as ideias de senso comum sobre

e pela sustentação dele. Interpretamos que esse

questões tecnocientíficas e seus impactos socio-

tipo de discurso se estabelecia em nosso curso,

ambientais, os problemas socioambientais viven-

quando o foco da atuação da professora era o con-

ciados pelos licenciandos. Provavelmente, o efeito

vite para os licenciandos dedicar-se ao ensino, à

mais importante desse tipo de discurso se dava nas

luta pela preservação ambiental e a um comprome-

discussões dos pré-projetos de ensino produzidos

timento, pessoal e profissional, com a abordagem

pelos licenciandos, nos quais as considerações e

curricular na perspectiva CTSA. Nesse caso havia

os estímulos do professor referiam-se a produtos

pouco espaço para a escuta dos licenciandos e a

elaborados pelos próprios estudantes.

referência era seguir a orientação da professora em sua cruzada contra a degradação do ambiente.

E, finalmente, o Discurso do Analista marca uma relação caracterizada por uma aprendizagem

No Discurso da Universidade, o professor

autônoma por parte do aluno. O professor passa a

passa a ser o mediador entre o aluno e algum tipo de

respeitar efetivamente as ideias dos alunos e foca-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014

99


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

liza seus esforços para que estas se concretizem

piciava uma aproximação tanto das leituras de arti-

da melhor maneira possível. Consideramos que,

gos de periódicos envolvendo pesquisas em ensino

apesar de não ser frequente, esse tipo de discurso

de ciências, como também com a leitura científica

ocorre quando da orientação dos projetos de ensino

(Andrade et al., 2012). Como consequência, os

de química; os licenciandos escolhiam os temas e

licenciandos apresentavam concepções simplistas

o professor formador os auxiliava na busca pela

sobre o processo de ensino e aprendizagem de edu-

seleção das melhores referências bibliográficas,

cação em ciências.

da melhor organização e das melhores estratégias para que os projetos tivessem sucesso. 2.2

Com relação à perspectiva curricular CTS/ CTSA, os licenciandos a desconheciam, até 2010, quando passaram a estudar e discutir compreen-

Instituição de Ensino Federal – 2010-2012

sões dessa perspectiva educacional (Melo, 2011;

No início de 2010, assumimos a docência em uma Universidade Federal do Nordeste, encon-

Melo; Costa, 2012; Santos; Melo; Costa, 2012; Reis; Melo, 2013).

trando diversos problemas como as condições

Diagnosticada a problemática local, iniciamos,

físicas precárias nas salas de aula, o acesso limi-

em 2011, estratégias de ensino e aprendizagem

tado à Internet e condições humanas inadequadas,

nas disciplinas ministradas por um de nós (pes-

que começaram a melhorar a partir de meados

quisa em ensino de Química I e II; metodologia

de 2011. A maioria dos professores formadores

e Instrumentação para o Ensino; fundamentos de

do Departamento de Química desconhecia tanto

Química e ESEQ I a IV) para minimizar os três

as formas de atuação de pesquisadores da área

problemas fundamentais: formação conceitual,

Educação em Ciências, bem como apresentava

tanto da química, quanto das teorias de ensino e

concepções alternativas sobre as pesquisas envol-

aprendizagem, ambas muito limitadas; familiari-

vendo teorias de ensino e aprendizagem (Borges;

dade com as leituras científicas, pois estas quase

Silva; Melo, 2011).

inexistiam e quando feitas voltavam-se para a

Em 2010 e 2011 constatamos que os licen-

memorização e; desconhecimento da abordagem

ciandos apresentavam um conhecimento precário

curricular CTSA. Nossas estratégias foram apoia-

sobre o conteúdo científico básico (Melo; Lima

das nos resultados de nossas pesquisas, associadas

Neto, 2013; Santos; Melo, 2012), pois podiam cur-

tanto a projetos de Iniciação Científica e Mestrado,

sar as disciplinas de Estágio Supervisionado em

como a pesquisas individuais não vinculadas a

Ensino de Química (ESEQ) I a IV e Metodologia

projetos. Neste sentido, aproveitamos bastante dos

e Instrumentação para o Ensino de Química, sem

referenciais utilizados na experiência de São Paulo.

terem sido aprovados em nenhuma disciplina com

Como os licenciandos estavam habituados ao

conteúdos disciplinares de química (fundamentos

domínio sistemático do Discurso do Mestre em

de Química geral, Orgânica e Físico-química).

sua relação com os professores formadores, eles

Como consequência, dessa estrutura curricular,

reclamavam das tentativas de promoção, durante

havia uma grande possibilidade de o licenciando

nossa docência em 2010 e 2011, de outros tipos

estagiar na escola pública e ministrar aulas com o

de relação, como o Discurso da Universidade e da

conhecimento extremamente limitado alcançado

Histérica, alegando que fazíamos muitos questio-

durante o Ensino Médio.

namentos e isso os deixava confusos.

Por outro lado, a organização das disciplinas

Em função de toda essa problemática, decidi-

relacionada com a educação em ciências não pro-

mos, em 2012, estabelecer uma forma de mediação

100

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

dos módulos (Quadro 1), desenvolvidos no Sudeste

alunos, demonstrava sua preocupação com

com os referenciais teóricos citados anteriormente,

a aprendizagem deles, e apontava para os

durante os ESEQ I e II de 2012. Essa mediação

alunos elementos novos necessários para

foi feita utilizando a Metodologia da Mediação

uma aprendizagem consistente; sobretudo,

Dialética (MMD) (Oliveira; Almeida; Arnoni, 2007)

procurava desafiá-los, sugerindo que todo

permeada com a promoção de uma alternância de

o processo estava ao alcance deles;

Discursos, para auxiliá-los na elaboração de oficinas experimentais.

b) problematizando é o momento no qual o saber imediato é confrontado com o saber

O planejamento da mediação dos módulos

mediato pretendido. A professora forma-

apoiado na MMD passou a ser o nosso referencial

dora convidava os licenciandos ao estudo

teórico complementar, pois ele leva em considera-

do tema, através de textos por ela sele-

ção uma abordagem epistemológica e ontológica

cionados, da Revista Química Nova na

moderna e se mostra coerente com uma perspec-

Escola, e introduzia a discussão e media-

tiva curricular CTSA.

ção dos módulos de ensino (Quadro 1)

A Metodologia da Mediação Dialética (MMD)

que contemplam os referenciais teóricos

propõe-se a problematizar situações capazes de

discutidos anteriormente. A consequên-

gerar contradição entre um ponto de partida do

cia esperada era uma negação recíproca,

processo, chamado imediato (saber imediato ou

gerando uma necessidade de superação

cotidiano) e o ponto de chegada chamado mediato

do imediato no mediato. De fato, nessa

(Saber mediato ou apreendido). Entre estes saberes

fase, havia o predomínio dos Discursos

divergentes ocorrem contradição, negação recí-

da Universidade, já que a professora for-

proca, superação do imediato no mediato e a síntese.

madora operava como o guardião do

A MMD é apresentada em quatro momentos

conhecimento científico a ser apreendido

pedagógicos, utilizados tanto para a mediação

pelo licenciado. No entanto, essa relação,

dos módulos CTSA, quanto para os licencian-

muitas vezes, era deslocada para outra,

dos mediarem suas propostas experimentais nas

pelo menos com uma boa parte dos licen-

Escolas Públicas do Estado. Os quatro momentos

ciandos, mais semelhante ao Discurso da

pedagógicos, bem como os correspondentes dis-

Histérica, no qual a formadora agia como

cursos promovidos serão descritos a seguir:

provocadora, tentando gerar no aluno um

a) resgatando é o momento do levantamento

avanço no saber.

e registro das primeiras ideias dos licen-

c) sistematizando, neste momento deveria

ciandos (saber imediato) referente ao con-

ocorrer uma síntese, como um produto

teúdo de estudo. No nosso caso, o tema

da superação, ou seja, elementos do saber

era escolhido pelo professor formador e

científico deveriam ser incorporados no

relacionado ao tema do módulo, envol-

repertório dos licenciandos. Para susten-

vendo questões socioambientais advindas

tar esse processo, a professora formadora

de produções tecnocientíficas (módulos de

discutia com os licenciandos, através de

ensino). Durante esse momento, ocorreu o

aulas dialogadas, as principais dificul-

predomínio do Discurso da Histérica: de

dades tanto em relação ao conhecimento

um lado, a professora formadora procurava

tecnocientífico envolvido nos módulos de

manifestar uma relação de inclusão com os

ensino, quanto ao reconhecimento, através

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014

101


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) do

de Sociedade de Risco (Beck, 2010), para

processo químico, dos impactos socioam-

o planejamento da versão ‘verde’ e ‘mar-

bientais resultantes da implementação de

rom’. Nesse momento, a professora for-

uma dada tecnologia na sociedade. Nesse

madora assumiu a postura do Discurso da

momento, havia um forte envolvimento

Universidade, já que os licenciandos eram

da professora, que assumiu uma posição

avaliados positivamente quando seguiam

de autoridade e domínio sobre o conheci-

as propostas expressadas pelos referen-

mento apresentado e, sobretudo, não dava

ciais teóricos e negativamente quando

espaço para posturas duvidosas em relação

tentassem burlá-la. No entanto, havia

à preservação do ambiente: era o predomí-

também o esforço de se iniciar uma nova

nio do Discurso do Mestre, numa versão

relação, em parte semelhante ao Discurso

na qual os princípios éticos eram reforça-

do Analista, pois a professora, durante a

dos constantemente. Temos a impressão

elaboração das oficinas, respeitava ao

de que vários dos licenciandos aderiram

máximo as ideias dos licenciandos e cola-

a este convite e começaram a rever suas

borava para que estas se concretizassem

posições pessoais.

da melhor maneira possível, através da

d) produzindo é o momento que deveria corresponder ao ponto de chegada (saber

indicação de referências bibliográficas e organização das oficinas.

mediato) com a concretização do trabalho

102

educativo que num dado momento pode

Acompanhamos esses licenciandos por dois

tornar-se um novo ponto de partida. No

semestres (ESEQ I e ESEQ II) e, de modo geral,

nosso caso, foi o momento no qual a pro-

percebemos um avanço nas concepções científi-

fessora formadora propôs uma avaliação

cas, na capacidade de relacionar questões tecno-

para os licenciandos, que consistia em

científicas com socioambientais, na capacidade de

uma dissertação sobre sua compreensão

produzir textos sobre suas compreensões das leitu-

das leituras dos artigos sobre a temática

ras e discussões mediadas pela MMD. A utilização

socioambiental da Revista QNEsc, bem

dessa estrutura de mediação possibilitou à profes-

como dos módulos. A análise dessas ava-

sora formadora organizar melhor as informações a

liações permitia o dimensionamento da

serem debatidas e aprimoradas.

aprendizagem da proposta na perspectiva

No entanto, a mediação das oficinas experi-

CTSA por parte dos licenciandos. Novas

mentais, feitas pelos licenciandos em salas de aula

discussões e ajustes foram feitos para pre-

de escolas públicas de ensino médio, demonstrou

parar os licenciandos na elaboração de

alguns problemas, tais como:

suas propostas de ensino que foram apli-

a) a compreensão inadequada da Avaliação

cadas em sala de aula de escola pública da

do Ciclo de Vida, já que limitaram essa

região. Essas propostas de ensino se resu-

avaliação à produção e ao pós-consumo,

miram a elaboração de oficinas experi-

não levando em consideração, por exem-

mentais, através da busca e/ou elaboração

plo, a extração da matéria-prima;

dos experimentos apoiando-se nos refe-

b) a dificuldade em estimular a tomada de

renciais teóricos da abordagem curricular

decisão em seus alunos sobre problemas

CTSA, da Química Verde e da Concepção

da vida real; e

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

c) a maioria das avaliações propostas não se

Outro ponto a ser considerado é o fato de ter-

mostraram coerentes com as discussões

mos solicitado a comparação entre duas tecnolo-

dos conteúdos CTSA, pois se concentra-

gias para o mesmo tema; isso permitiu aos licen-

vam ora em questionamentos tecnocientí-

ciandos, quase na totalidade, uma visão menos

ficas, ora nos socioambientais.

idealizada da ciência, especificamente da Química Verde, como aquela que apresenta as soluções para

3

os problemas socioambientais advindos da uti-

Conclusões finais

lização da Ciência e da Tecnologia. Finalmente,

Nossa metodologia apresentou duas modifica-

acreditamos que o esforço da professora, em enca-

ções para a Instituição Federal quando comparada

minhar diferentes tipos de relação com os licen-

com a utilizada na Instituição particular. Primeiro,

ciandos, contribuiu fortemente para afastá-los de

a utilização da MMD para mediação dos módulos,

uma posição fixa e estimulá-los a investir em sua

pois os licenciandos reclamavam que a professora,

aprendizagem.

formadora, no lugar de explicar o que era correto, fazia muitas perguntas, o que os deixava mais confusos. A MMD permitiu organizar a discussão dos módulos permitindo os questionamentos, mas inserindo também sistematizações de que eles necessitavam. Segundo, em função da falta de fundamentação do conhecimento químico, definimos que os textos deveriam ser referentes aos temas dos módulos e solicitamos a elaboração de uma dissertação sobre as leituras feitas e depois outra após as discussões estabelecidas com a professora formadora. Essa prática se mostrou muito interessante e caracterizou um avanço de um semestre para outro, pois partilhamos das ideias de Moraes (2007): Não aprendemos recebendo os conhecimentos prontos dos outros, mas nos apropriamos de conhecimentos sociais a partir da interação ativa com diferentes vozes. A linguagem exerce papel de grande importância no aprender, seja a linguagem falada, seja a escrita, além de outras.

O referencial teórico da Química Verde, desta vez, nos permitiu aprofundamento das discussões tecnocientíficas, já que os princípios básicos da QV apresentam propostas de alterações de rotas que estão diretamente relacionadas à compreensão de temas como: cinética química; reações químicas; catálise homogênea e heterogênea etc., de forma contextualizada.

4

Referências AIKENHEAD, G. S. Research into STS Science education. Educación Química, v. 16, n. 3, p. 384-395, 2005. ______.; SOLOMON, J. STS Education: International Perspectives on Reform. Teachers College Press, New York, 1994. Disponível em: <http://www. usask.ca/education/people/aikenhead/sts05.htm>. Acesso em: 25 abr. 2011. ALENCASTRO, M. S. Hans Jonas e a proposta de uma ética para a civilização tecnológica. Desenvolvimento e Meio Ambiente, v. 19, n. 1. p. 13-27, 2009. ALVES, O. L.; GIMENEZ, I. F.; MAZALI, I. O. Vidros. Química Nova na Escola, Cadernos temáticos, n. 2, p. 13-24, 2001. ANASTAS, P.T.; LANKEY, R. L. Lyfe-Cycle Approaches for Assessing Green Chemistry Technologies. Ind. Eng. Chem., v. 41, p. 4498-4502, 1998. ______.; WARNER, J. C. Green Chemistry Theory and Practice. New York: Oxford University Press, 1998. ANDRADE, T. S.; SOUZA, C.; SANTOS, A. C. O.; MELO, M. R. A leitura de textos científicos como uma possibilidade de análise do aprimoramento de gêneros de discurso. In: XVI Encontro Nacional de Ensino de Química, Salvador – BA; 2012, p. 1-12. BECK, U. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010. BORGES, L. C.; SILVA, P. P.; MELO, M. R. As práticas reflexivas de professores da licenciatura em Química. In: I CIEC Congresso Iberoamericano de

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014

103


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

Investigatión en enseñanza de las Ciencias e VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2011, Campinas, São Paulo, pp. 1-12, 2011. CANN, M. University of Scranton. Disponível em: <http://academic.scranton.edu/faculty/CANNM1/ dreyfusmodulesport.html>. Acesso em: jan. 2012. CASTRO, H. F.; MENDES, A. A.; SANTOS, J. C. Modificação de óleos e gorduras por biotransformação, Química Nova, v. 27, n. 1, p. 146-156, 2004. FERRARI, R. A.; OLIVEIRA, V. da S.; SCABIO, A. Biodiesel de soja – taxa de conversão em ésteres etílicos, caracterização físico química. Rev. Química Nova, v. 28, n. 1, 2005, p. 19-23. FERREIRA, E. C.; MONTES, R. A química da produção de bebidas alcoólicas. Química Nova na Escola, n. 10, 1999. FIRME, R. N.; AMARAL, E. M. R. Analisando a implementação de uma abordagem CTS na sala de aula de química. Ciência & Educação, v. 17, n. 2, p. 383-399, 2011. GETTYS, N. S.; JACOBSON, E. K. Acid raindrops keep falling’ in my lake. Journal of Chemical Education, v. 80, n. 1, p. 40-49, 2003. GUIMARÃES, J. R.; NOUR, E. A. A. Tratando nossos esgostos – processo que imitam a natureza, Química Nova na Escola, Cadernos temáticos, n. 1, 2001.

MELO, M. R. Elaboração e análise de uma metodologia de ensino voltada para as questões socioambientais na formação de professores de química. 2010. 191p. Tese de doutorado, 2010. ______. Proposta de Abordagem Experimental com ênfase CTS em curso de formação de professores de Química da UFS. In: XIV Encontro Nacional de Educação em Ciências, Braga. Educação em Ciências para o Trabalho, o Lazer e a Cidadania, 2011, p. 771-784. ______.; OLIVEIRA, K. C. Experimentação verde – produção e usos do íon ferrato no ensino de química. Revista Científica do IMAPES, v. 5, p. 07-10, 2007. ______.; VILLANI, A. A Evolução de uma professora na formação de licenciandos de Química numa perspectiva socioambiental. Investigações em Ensino de Ciências, v. 16, n. 2, p. 291-315, 2011. ______.; COSTA, E. L. Transposição didática de metodologia de ensino com ênfase CTSA na licenciatura em Química da UFS. In: VI Colóquio Internacional Educação e contemporaneidade, 2012, São Cristovão - SE. Educação e Contemporaneidade. São Cristovão - SE, 2012, p. 70-85. ______.; LIMA NETO, E. G. Dificuldades de ensino e aprendizagem de modelos atômicos em Química. Química Nova na Escola, v. 35, p. 112‑122, 2013.

IBANEZ, J. G.; TELLEZ-GIRON, M.; ALVAREZ, D.; GARCIA-PINTOR, E. Laboratory Experiments on the Electrochemical Remediation of Environment – Part 6: Microscale Production of Ferrate. Journal of Chemical Education, v. 81, n. 2, 2004.

MORAES, R. Aprender ciências: reconstruindo e ampliando saberes. In: GALIAZZI, M. C.; AUTH, M.; MORAES, R.; MACUSO, R. (Org.). Construção Curricular em rede na educação em ciências – uma aposta de pesquisa na sala de aula. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007.

JONAS, H. El Principio de Responsabilidad: Ensayo de una ética para la civilización tecnológica. Barcelona: Ed. Herder, 1995.

MORTIMER, E. F. Linguagem e formação de conceitos no ensino de ciências. Belo Horizonte, MG: Ed. UFMG, 2006.

LANCASTER, M. Green Chemistry – an introductory text. Cambridge, UK: Royal Society of Chemistry, 2002.

OLIVEIRA, E. M. de; ALMEIDA, J. L. V. de; ARNONI, M. E. B. Mediação dialética na educação escolar: teoria e prática. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

LENARDÃO, E. J.; FREITAG, R. A.; DABDOUB, M. J.; BATISTA, A. C. F.; SILVEIRA, C. C. Green Chemistry – Os doze princípios da Química Verde e sua inserção nas atividades de ensino e pesquisa. Química Nova, v. 26, n. 1, 2003.

REIS, T. M.; MELO, M. R. Avaliação do comprometimento socioambiental na aplicação de projetos pelos licenciandos de Química da UFS. Scientia Plena, v. 9, p. 1-11, 2013.

LUCA, S. J.; DEUS, A. B. S.; LUCA, M. A. Desinfecção de efluentes tratados com ferrato (VI), Rev. Engenharia de Saneamento Ambiental, v. 7, n. 2, 2002. MAIA, A. S.; OLIVEIRA, W.; OSÓRIO, V. K. L. Da água turva à água clara: o papel do coagulante. Química Nova na Escola, n. 18, 2003.

104

ROSINI, F.; NASCENTE, C. C.; NÓBREGA, J. A. Experimentos didáticos envolvendo radiação microondas. Revista Química Nova, v. 27, n. 6, p. 10121015, 2004. SANSEVERINO, A. M. Síntese Orgânica Limpa. Química Nova, v. 25, n. 4, p. 660-667, 2002. SANTOS, W. B.; MELO, M. R.; COSTA, E. L. Avaliação do comprometimento dos licencian-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014


A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química

dos de Química da UFS com a ênfase curricular CTSA. In: VI Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade, São Cristovão – SE, 2012, p. 48-64. SANTOS, W. L. P.; MORTIMER, E. F. Uma Análise de Pressupostos Teóricos da Abordagem CTS (Ciência – Tecnologia – Sociedade) No Contexto da Educação Brasileira. Ensaio – Pesquisa em Educação em Ciência, v. 2, n. 2, p. 1-23, 2002. ______.; SCHENTZLER, R. P. Educação em Química – compromisso com a cidadania. Ed. Unijuí, Ijuí, RS. 2003. SANTOS, A. O.; MELO, M. R. Dificuldades dos licenciandos em química da UFS para entender e estabelecer modelos científicos para equilíbrio químico. In: XVI Encontro Nacional de Química, Salvador – BA, p. 1-12, 2012. SILVA, M. G. L. Repensando a tecnologia no ensino de química do nível médio: um olhar em direção aos

saberes docentes na formação inicial. Rio Grande do Norte: Ed. da UFRN, Natal, 2009. SIMÓ, J. P.; PRIETO, J. B. Tecnologia Química. Havana: Ed. Pueblo y Educació, 1984. SOLBES, J.; VILCHES, A. Papel de las relaciones entre ciencia, tecnología, sociedad y ambiente en la formación ciudadana. Enseñanza de las Ciencias, v. 22, n. 3, p. 337-348, 2004. Disponível em: <http://ddd. uab.es/pub/edlc/02124521v22n3p337.pdf>. Acesso em: 22 set. 2013. ULF, S.; SERCHELIA, R.; VARGAS, R. M. Transesterification of vegetables oils: a review. J. Braz. Chem. Soc., v. 9, n. 1, 1998, p. 199-210. VILLANI, A.; BAROLLI, E. Os discursos do professor e o ensino de ciências. Pro-Posições, v. 17, n. 1, p. 155-175, 2006. WRIGHT, S. W. The vitamin C clock reaction. Journal of Chemical Education, v. 79, n. 1, 2002.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014

105



História da Química 01 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014 | p. 107-108

Vincenzo Cascariolo e as Origens da Luminescência Vincenzo Cascariolo and the Origins of Luminescence José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias

E

mbora pareçam diferentes, os fenômenos da fluorescência a da fosforescência são, na realidade, aspectos de um único fenômeno: a luminescência,

que é a re-emissão de radiação luminosa por parte de alguns corpos quando iluminados por radiação eletromagnética. Eles, contudo, diferem, apenas no tempo que levam para re-emitirem a radiação recebida. No caso da fluorescência, o tempo entre a incidência e a re-emissão é da ordem de 10-8s; no caso da fosforescência, esse tempo varia entre 10-3s, dias ou mesmo anos, dependendo das circunstâncias. Registre-se que esse nome foi dado ao se observar uma luminescência permanente do elemento químico fósforo (P). Segundo nos contam o matemático inglês Sir Edmund Taylor Whittaker (1873-1956) no livro intitulado A history of the theories of aether and electricity: the classical theories (Thomas Nelson and Sons Ltd., 1951) e o físico brasileiro Fernando de Souza Barros (nº 1929), na Ciência Hoje (1982, v. 1, p. 50), a primeira observação de um fenômeno fosforescente foi realizada pelo sapateiro-alquimista italiano Vincenzo Cascariolo (1571-1624), ao observar em 1603, a existência de uma luz persistente azul-púrpura nos resíduos de queima de um minério conhecido como ‘barita’ (sulfato de bário: BaSO4). Ele

encontrou esse minério no Monte Paderno, perto de Bolonha, o qual denominou de lápis solaris (palavra latina que significa “pedra solar”). Esse minério ficou mais tarde conhecido como pedra de Bolonha ou fósforo de Bolonha. Por sua vez, em 1852 (Philosophical transactions of the royal society, p. 463), o matemático e físico inglês Sir George Gabriel Stokes (1819-1903) observou que a fluorita (fluoreto de cálcio: CaF2) emitia luz violeta quando iluminada


Vincenzo Cascariolo e as Origens da Luminescência

com radiação ultravioleta. A esse novo fenômeno físico, Stokes deu o nome de fluorescência. É oportuno notar que ao interpretar esse novo fenômeno físico, Stokes demonstrou que a radiação ultravioleta poderia ser refletida, refratada, interferida e polarizada.

Stokes

108

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014


Normas para Publicação Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo que aceita colaborações em forma de artigos, resenhas, relatos de experiência, notícias e memória fotográfica da Química no Brasil. Os textos poderão ser publicados em português e espanhol. Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião ou pensamento da coordenação e conselho editoriais. Os originais submetidos a análise do Comitê Científico serão encaminhados a, no mínimo, dois conselheiros do seu corpo editorial, os quais avaliarão de forma específica e decidirão sobre a pertinência dos textos à linha editorial da revista. Em caso de necessidade de revisões de conteúdo ou adequações às normas editoriais, o autor receberá os pareceres dos conselheiros, ficando, assim, responsável pela reapresentação do trabalho reformulado no prazo de 45 dias, contados a partir da data de recebimento da comunicação. O anonimato entre autores e conselheiros, durante o processo de arbitragem dos textos, é garantido pelo Comitê. O prazo médio estipulado para a apresentação do resultado final é de até 60 dias, a contar da data de recebimento do texto. Os trabalhos não aprovados pelos conselheiros, ou não devolvidos no prazo estipulado para reformulação, serão arquivados e os autores informados.

Sobre a apresentação de originais para avaliação Ao encaminhar os trabalhos para análise do Comitê Científico, os autores deverão observar as seguintes orientações: 1. Originalidade e ineditismo dos textos: o autor deve enviar, junto com o trabalho, uma declaração na qual se compromete a não apresentá-lo, simultaneamente, em outro periódico, durante o prazo estipulado para avaliação, e autoriza a sua publicação nesta revista. 2. As colaborações devem ser redigidas em português ou espanhol. Em casos excepcionais, cuja pertinência será analisada pelo Comitê, serão aceitos textos em inglês e francês, que deverão ser traduzidos para a língua portuguesa. 3. Em folha à parte, devem ser informados os dados de autoria: título do trabalho, nome completo, vinculação institucional, formação acadêmica e endereço residencial ou institucional do autor (incluindo telefone e e-mail) para o encaminhamento de correspondência pela Secretaria de Redação. 4. No caso de artigos, os originais não poderão exceder o limite máximo de 40.000 caracteres (com espaço), incluindo todos os elementos gráficos disponíveis no arquivo. Para resenhas, notas críticas e outros, observar o limite de 10.000 caracteres (com espaço).


5. Quanto à estrutura do texto, devem ser observadas as seguintes orientações: na primeira página, apresentar o título e subtítulo do trabalho, o resumo e as palavras­ ‑chave (até 05, evitando-se combinações extensas que não correspondam ao conteú­ do do texto). Todos esses elementos devem ser apresentados em português ou espanhol e inglês. 6. Os textos devem ser digitados no programa Word for Windows, em fonte Times New

Roman, tamanho 12, com espaço duplo, e enviados por correio eletrônico para o seguinte endereço: rebeq@atomoealinea.com.br

Sobre referências bibliográficas e notas O autor do trabalho é responsável pela exatidão, organização e utilização correta das referências e citações constantes no texto, bem como na listagem bibliográfica a ser apresentada no final dos artigos. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT – www. abnt.org.br) fornece, por meio da NBR 6023 (agosto/2002), as orientações necessárias para a organização das referências bibliográficas. No caso de notas, esse recurso tem seu uso limitado ao caráter explicativo-informativo, neste periódico, evitando-se a utilização de notas bibliográficas. As notas, quando utilizadas, devem aparecer em sequência representada por asterisco (*,**,***) no rodapé da página a que se refere. As citações autorais deverão ser feitas em sequência numérica e apresentadas ao final do artigo.

Sobre a utilização de imagens As tabelas, quadros e figuras (ilustrações, fotografias, gráficos, entre outros) devem ser apresentados com o máximo de resolução (300dpis em diante), em preto e branco, em arquivo à parte e, de preferência, finalizados para sua inserção direta no texto. Para a produção das tabelas, recomenda-se seguir as orientações do IBGE (www.ibge.gov.br) publicadas em suas normas de apresentação tabular. Todos esses elementos gráficos devem estar indicados e numerados, consecutivamente, ao longo do texto, de acordo com a ordem em que aparecem.

Sobre a natureza da colaboração e recebimento de exemplares Fica aqui expresso que a participação dos autores neste periódico é de caráter espontâneo, por­tanto, não remunerado. O autor principal receberá, gratuitamente, um (01) exemplar da edição em que seu artigo foi publicado, mais separata eletrônica deste; os co-autores receberão um (01) exemplar e separata eletrônica do texto. No caso de resenhas, cada autor terá direito a um (01) exemplar e separata eletrônica.


Solicitação de Assinatura:  Primeira assinatura / First subscription

 Renovação de assinatura / Subscription renovation

Nome / Name: ____________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ Sexo / Gender:  M

F

Data de Nascimento / Date of birth: ______ /______ /___________

Endereço / Address:________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________ CEP / Post Code: |__|__|__|__|__| - |__|__|__|

Bairro / District: ____________________________________

_________________________________________________________________________________________________ Cidade / City: ________________________ DDD / DDI: _____

UF / ST: ______

País / Country: ____________________________

Telefone / Phone #: ________________________

Fax: _______________________________

E-mail:___________________________________________________________________________________________ CPF: |__|__|__|__|__|__|__|__|__| - |__|__|

RG: |__|__|__|__|__|__|__|__|__|__|

/ SSP: |___|___|

CNPJ: |__|__|__|__|__|__|__|__|/|__|__|__|__|-|__|__| Inscr. Estadual: |__|__|__|__|__|__|__|__|__|__|__|__| Obs.: Para alteração de dados cadastrais enviar apenas o formulário preenchido.

Como tomou conhecimento da ReBEQ / How did you know about ReBEQ:  Anúncios / Ads

 Amigos / Friends

 Faculdade / University

 Outros / Others: _______________

Preço para Anuidade: R$ 35,00 Assinatura para 2 edições semestrais Opção de Pagamento

 Depósito bancário Caixa Econ. Federal / Agência: 3914-4 / Conta Corrente: 180-7 Os valores acima são válidos para venda nacional US$ 30,00 – Venda para o exterior – cheque nominal à Editora Átomo Ltda.

PABX: (19) 3232-9340 ou 3232-0047 Website: www.grupoatomoealinea.com.br/rebeq E-mail: rebeq@atomoealinea.com.br Se precisar de outro impresso, basta fazer cópia (If you need additional forms, simply photocopy the blank form)


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.