ISSN 1809-6158
VOLUME 09 | NÚMERO 01 | JAN./JUN. 2014
VOLUME 09 | NÚMERO 01 | JAN./JUN. 2014
Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias – UFRN Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP
Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali zação e otimização do Ensino de Química.
Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional
Revisão Helena Moysés Capa e Editoração Eletrônica
1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos.
Fabio Diego da Silva
CDD 540
Indexada
Índice para Catálogo Sistemático 1. Química
540
A division of the American Chemical Society Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.
Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br
Sumário 7
Editorial
Artigos
10
O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral Pedro Faria dos Santos Filho
19
28
Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química Uarison Rodrigues Barreto e Nelson Rui Ribas Bejarano
Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio Ana Claudia Pedrozo da Silva, Angélica Priscila Parussolo, Washington Lombarde e Angélica Cristina Rivelini da Silva
33
Química, Sabores e Culinária Núbia Moura Ribeiro, Cristiane Pinheiro Lazaro, Ana Marice Teixeira Ladeia e Armênio Costa Guimarães
Relatos de Experiência
42
A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química Mauritz Gregório de Vries e Agnaldo Arroio
50
60
Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade Uarison Rodrigues Barreto e Lailton Passos Cortes Junior
Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos Danilo José Ferreira Pinto, Claudia Teixeira Siqueira, Jaqueline de Souza Reges, Valéria Campos dos Santos e Agnaldo Arroio
70
Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia Renato André Zan, Alessandra Correa Pompeu, Dionatas Ulises de Oliveira Meneguetti e Filomena Maria Minetto Brondani
80
Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN Lucas da Silva Maia e Fábio Adriano Santos da Silva
Química Verde
91
A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química Marlene Rios Melo, Alberto Villani e Walter Brito Santos
História da Química
107 109
Vincenzo Cascariolo e as Origens da Luminescência José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias
Normas para Publicação
Contents 7
Editorial
Articles
Understanding on Scientific Model by Graduates in a General Chemistry 10 The Discipline Pedro Faria dos Santos Filho
19
The Philosophical Approach Concerning Models and Its Importance in Chemistry Teaching Uarison Rodrigues Barreto e Nelson Rui Ribas Bejarano
28 33
Epistemological Obstacles: an analysis of Chemistry textbooks in High School Ana Claudia Pedrozo da Silva, Angélica Priscila Parussolo, Washington Lombarde e Angélica Cristina Rivelini da Silva
Chemicals, Flavors and Cooking Núbia Moura Ribeiro, Cristiane Pinheiro Lazaro, Ana Marice Teixeira Ladeia e Armênio Costa Guimarães
Experiences Account
42
The Approach of Scientific Models and their Representative Forms as a Previous Step to the Use of Visualizations in Chemistry Teaching Mauritz Gregório de Vries e Agnaldo Arroio
50
Conceptions of High School Students about Models and the Relationship Model and Reality Uarison Rodrigues Barreto e Lailton Passos Cortes Junior
60
Chemistry of smells: a multimodal approach to diagnosis of the misconceptions from the models expressed by students Danilo José Ferreira Pinto, Claudia Teixeira Siqueira, Jaqueline de Souza Reges, Valéria Campos dos Santos e Agnaldo Arroio
70
Evaluation of Chemical Education: a study in five cities in the region of the Valley Jamari-Rondônia Renato André Zan, Alessandra Correa Pompeu, Dionatas Ulises de Oliveira Meneguetti e Filomena Maria Minetto Brondani
80
Staying Strategies Versus School Dropout: a study on the undergraduate laboratory courses in Physics and Chemistry distance of UFRN Lucas da Silva Maia e Fábio Adriano Santos da Silva
Green Chemistry
Chemistry as a Scientific Reference for Teaching 91 Green Perspective on Chemistry Teacher Training Courses Marlene Rios Melo, Alberto Villani e Walter Brito Santos
Chemistry History
107 109
Vincenzo Cascariolo and the Origins of Luminescence José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias
Editorial Standards
Mediation in CTSA
Editorial A importância dos modelos no ensino/aprendizagem de química sempre foi inquestionável. Apesar disso, tal assunto raramente é discutido ou aventado pela maioria dos autores dos livros didáticos, tanto de nível médio quanto superior. Como consequência desta situação, a grande maioria dos professores de química acaba negligenciando a discussão deste assunto em suas aulas. Ainda assim, é inegável que sem o entendimento do significado de modelos, o aprendizado de química acaba sendo muito prejudicado e distorcido. Aparentemente, devido à sua importância, a discussão e o entendimento sobre modelos deveria ser assunto das primeiras aulas de química em qualquer nível. Contudo, o que se observa na prática é que a maioria dos alunos, egressos do ensino médio, tem parca e distorcida noção sobre os modelos, mas ao ingressarem na universidade as distorções podem ser corrigidas. Neste número da ReBEQ apresentamos um conjunto de trabalhos que mostra essa realidade e como contorná-la. Alguns textos mostram o entendimento dos alunos do nível médio, bem como a tentativa dos professores de melhorar este entendimento e evitar possíveis distorções; da mesma forma, ventilam como o entendimento distorcido pode ser corrigido e também para os ingressantes universitários após o primeiro semestre da disciplina de química geral. Em geral, observamos a existência de um problema muito sério que precisa ser resolvido: o melhor uso e entendimento dos modelos no ensino de química. A ReBEQ, portanto, no seu papel de divulgar os problemas encontrados por professores e alunos de química e tentativas de soluções, apresenta este conjunto de trabalhos, mostrando, aos seus leitores, uma realidade que merece ser discutida em todos os níveis.
Coordenação Editorial
Artigos Articles
O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral The Understanding on Scientific Model by Graduates in a General Chemistry Discipline Pedro Faria dos Santos Filho
Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química The Philosophical Approach Concerning Models and Its Importance in Chemistry Teaching Uarison Rodrigues Barreto e Nelson Rui Ribas Bejarano
Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio Epistemological Obstacles: an analysis of Chemistry textbooks in High School Ana Claudia Pedrozo da Silva, Angélica Priscila Parussolo, Washington Lombarde e Angélica Cristina Rivelini da Silva
Química, Sabores e Culinária Chemicals, Flavors and Cooking Núbia Moura Ribeiro, Cristiane Pinheiro Lazaro, Ana Marice Teixeira Ladeia e Armênio Costa Guimarães
Artigo 01 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
p. 10-18
O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral1 The Understanding on Scientific Model by Graduates in a General Chemistry Discipline Pedro Faria dos Santos Filho2
Resumo As ciências da natureza que lidam com as transformações da matéria dependem fortemente do entendimento do significado de modelo científico para a sua assimilação e divulgação. Sob este aspecto, imaginamos que, em qualquer nível de formação, a aula inicial para os alunos que se dedicam a este estudo deva ser sobre modelos. Sob esta ótica, atuamos desta maneira ao longo de três anos na disciplina de Química Geral, oferecida a alunos de vários cursos de ciências exatas, e avaliamos o seu entendimento acerca do significado deste termo. Agrupamos as opiniões dos alunos em catorze entendimentos deste significado e concluímos, inequivocamente, que a assimilação deste entendimento é possível e facilitada por exemplos preliminares associados à vida cotidiana. Palavras-chave: modelo científico; cotidiano; entendimento das ciências. Abstract Natural sciences which deals with material transformations are strongly dependent on the meaning of scientific models for a better assimilation and publishing. In this way we imagine that in any formation level the initial classes must deal with scientific models understanding. We proceeded in this way along three years with freshman of different courses in the general chemistry discipline and evaluated the understanding of the meaning of scientific models. The students opinions were 1. Extraído de Faria, P. Estrutura Atômica & Ligação Química. Autor Editor, Campinas, SP, 2007. 2. Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Química.
O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral
grouped in 14 understandings and we concluded, unequivocally, that the correct understanding is possible and it is facilitated using preliminary examples associated with the students everyday life. Key-words: scientific models; everyday life; science understanding.
1
Introdução 1.1
A curiosidade do homem
Olhar para o céu durante a noite.... Isto é algo que as pessoas fazem com frequência. Para a maioria delas, aqueles pontos brilhantes são as estrelas e o céu está escuro porque o sol já se pôs. Olhar para o céu chega a ser um ato quase que involuntário; entretanto, imaginar ou se questionar por que ele é diferente a cada dia, ou por que é diferente a partir do lugar de onde é observado, isso já é uma característica que somente algumas poucas pessoas apresentam. Estas pessoas já nasceram assim, curiosas, incomodadas, questionadoras, insatisfeitas ou, até
se preocupado em entender a si mesmo. E, lá nos primórdios de sua existência, o único artifício de que dispunha era a sua imaginação. Este era o seu grande trunfo! Assim, com o passar do tempo, o homem foi acumulando informações e se interessando por mais e mais detalhes, o que acabou levando ao desenvolvimento das ciências como as concebemos hoje. É muito provável que sempre existiram pessoas que se questionaram ou que se preocuparam em entender o ser humano. Parece que a preocupação do homem com o seu autoentendimento é que acabou levando ao desenvolvimento de todo o conhecimento de que dispomos nos dias de hoje.
mesmo, chatas. Elas não se contentam com respos-
Podemos imaginar alguns exemplos de coisas
tas do tipo: “isso deve ser fruto da natureza”, ou
bem corriqueiras, mas que, dependendo do questio-
mesmo, “a natureza quis assim”. Na verdade, estas
namento que fizermos, podem nos tirar o sono por
pessoas querem encontrar explicação para tudo,
um bom tempo. E, talvez, os exemplos mais inte-
querem justificar tudo. Inclusive, algumas delas
ressantes sejam aqueles que envolvam nossos ins-
não se contentam apenas em explicar, mas tentam
tintos, ou aquilo que fazemos involuntariamente. Apenas para ilustrar como certas constatações
até prever o que poderá acontecer no futuro. Esta consideração que acabamos de fazer
atreladas ao nosso dia a dia podem se tornar gran-
envolvendo o céu é apenas um exemplo de ques-
des dúvidas, ou mesmo nos instigar a encontrar
tionamento, que pode ser estendido para uma infi-
uma explicação, vamos tomar como exemplo as
nidade de sistemas, e que enfatiza a diferença mar-
preferências ou o “gosto pessoal”, que são caracte-
cante que existe entre as pessoas, segundo a sua
rísticas que qualquer um de nós apresenta. Por que
maneira de observar algum fenômeno. Esta é uma
será que, enquanto algumas pessoas gostam muito
característica inerente à natureza humana e talvez
de determinadas coisas, outras não sentem por
seja isto que torne tão interessante o mundo em
elas menor afinidade? Será que estes dois tipos de
que vivemos.
pessoas enxergam a mesma coisa do mesmo jeito?
Antes de tentar entender o mundo ou o meio
Será que todas as pessoas enxergam o mundo da
em que vive, é muito provável que o homem tenha
mesma maneira? Será que as diferentes preferên-
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O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral
cias pessoais não são consequência do fato de que as diferentes pessoas enxergam as mesmas coisas
1.2
Como imaginar os sistemas que não enxergamos?
de forma diferente? Será que cada um de nós não enxerga o seu mundo particular? Será que o nosso mundo não é apenas fruto de nossa imaginação?
Vamos considerar uma máquina de refrigerantes ou mesmo um relógio de pulso. É óbvio que
Em um primeiro momento, estas questões
qualquer um destes sistemas pode ter o seu inte-
podem parecer insolúveis; além disso, muitas
rior observado e analisado; entretanto, apenas
pessoas podem até se questionar sobre qual seria
para fazer um exercício de imaginação, vamos
o interesse em respondê-las. A verdade é que o
supor que não sejamos capazes de observá-los
questionamento sobre estes pontos, bem como a
internamente.
procura por estas respostas, podem levar a muitas
Vamos imaginar uma máquina de refrigeran-
descobertas importantes, que resultem em alguma
tes segundo todas as considerações que fizemos
forma de benefício ou melhorem a nossa qualidade
anteriormente. Imaginemos o que deve se passar
de vida.
na cabeça das pessoas que a utilizam pela primeira
Felizmente, existem pessoas que se preocupam
vez; o indivíduo para diante da máquina e lê as
com questões deste tipo, e vão muito além disso.
instruções de utilização da mesma. Estas instru-
Elas tentam respondê-las! Estas pessoas podem
ções se baseiam no princípio de ação e reação,
ser de diferentes áreas do conhecimento e com
ou seja, introduzir uma certa quantia de dinheiro
formações das mais variadas. Contudo, por muitas
no local correto da máquina, escolher o tipo de
razões, nos dias de hoje, talvez o único profissio-
refrigerante de sua preferência e apertar o botão
nal que tenha condições de discutir, ou até mesmo
indicado. Após um curto intervalo de tempo, a
de tentar entender tudo isso, seja o químico. Talvez
máquina expeliria, então, o refrigerante escolhido.
ele seja o profissional que conheça os melhores
Resumidamente, após uma ação, a introdução do
argumentos para discutir estas questões de forma
dinheiro na máquina, temos uma reação, a emissão
científica e menos especulativa.
do refrigerante.
Entretanto, nem tudo pode ser entendido ou
Na verdade, a grande maioria das pessoas uti-
respondido com certeza. Desta maneira, na ten-
liza a máquina de refrigerantes exatamente desta
tativa de entender o mundo em que vive, e para
maneira. Pode ser que elas repitam esta ação roti-
encontrar explicações para o mundo que o cerca,
neiramente, sem se preocupar com o que está ocor-
o químico é obrigado a aprender a conviver com
rendo no interior da máquina no intervalo entre a
dúvidas e incertezas. Na verdade, é ele que se dife-
ação e a reação. Em outras palavras, elas utili-
rencia do resto das pessoas, na busca incessante
zam a máquina apenas e tão somente para obter o
pelo entendimento ou conhecimento do mundo.
refrigerante.
A grande causa destas dúvidas e incertezas
Por outro lado, existem algumas poucas pes-
reside no fato de tentarmos entender aquilo que
soas que, instintivamente, não se contentam em
não enxergamos, ou então alguma situação a qual
apenas observar a reação da máquina após o estí-
não temos acesso. Nestes casos, como não somos
mulo de introduzir o dinheiro na mesma. Estas
capazes de enxergar, somos forçados a imaginar.
pessoas, talvez pela sua enorme curiosidade, ten-
Provavelmente, esta seja a grande arma que os quí-
tam de todas as formas imaginar o funcionamento
micos foram capazes de desenvolver, a sua imagi-
da tal máquina; o grande problema é que elas não
nação. Sem ela não se é capaz de nada!
têm acesso ao seu interior. Assim sendo, não resta
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O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral
a elas outra alternativa que não seja fazer algumas suposições para, posteriormente, tentar confirmá-
2
Modelos
-las de alguma maneira. Uma alternativa muito simples que se poderia sugerir para explicar o funcionamento da máquina seria supor que existe um anão em seu interior. Após a introdução do dinheiro e a escolha do refrigerante pelo usuário, ele confere o dinheiro e, de acordo com o valor, emite o refrigerante. Ele estaria desempenhando, exatamente, a mesma função que um balconista executa em qualquer estabelecimento comercial; a única diferença é que ninguém consegue enxergá-lo porque não se tem acesso ao interior da máquina. Em alguns casos, pode ocorrer que, mesmo introduzindo o dinheiro e fazendo a escolha, o refrigerante não é emitido. Nestes casos, pode ser que o anão tenha adormecido no interior da máquina e, por isso, não emita o refrigerante. Então, pode ser que algumas batidinhas na superfície da máquina possam fazer com que ele acorde e emita o refrigerante. É por isso que, muitas vezes,
Todo o conjunto de argumentos comentado anteriormente representa apenas a nossa maneira de pensar para tentar entender o funcionamento da máquina. Eles são apenas fruto de nossa imaginação e só existem em nossa mente, auxiliando o nosso raciocínio. Contudo, não temos a menor ideia se eles têm existência física ou não! Para organizar melhor todo este raciocínio, poderíamos sugerir que todo este conjunto de argumentos, ou esta nossa maneira de pensar, fosse chamada de “modelo”. Se procedêssemos desta maneira, estaríamos cometendo alguma incorreção? Seríamos incompreendidos por algumas pessoas? Para responder a estas perguntas, o primeiro passo é recorrermos aos usos mais comuns para o termo “modelo”. Dentre os mais corriqueiros, podemos destacar os seguintes, que representam o senso comum para a aplicação ou o entendimento do termo modelo: • Modelos que participam de desfiles de
encontramos pessoas batendo na superfície destas
moda: o termo “modelo” significa profissão;
máquinas para obterem os seus refrigerantes.
• Modelos de roupa: o termo “modelo” sig-
Em princípio, alguns poderiam achar esta
nifica formato;
explicação absurda, mas, de qualquer forma, em
• Modelo de comportamento ou conduta: o
um primeiro momento, ela serve para explicar o
termo “modelo” é usado como referencial
funcionamento da máquina.
ou padrão;
Colocando esta mesma ideia em uma lin-
• Modelo de carro: o termo “modelo” signi-
guagem mais apurada, poderíamos dizer que a
fica aparência.
máquina de refrigerantes representa o nosso sistema em estudo e que a emissão do refrigerante é
Podemos verificar muito facilmente que, ao
uma resposta ao estímulo de introduzir o dinheiro
chamarmos de modelo todo aquele raciocínio ou
na mesma. Todo o resto, ou seja, a existência do
conjunto de ideias utilizados para explicar o fun-
anão, o fato de ele contar dinheiro, ter sono, dor-
cionamento da máquina de refrigerantes, estamos
mir, acordar e etc., é apenas fruto de nossa ima-
empregando este termo com um significado total-
ginação; em outras palavras, um subterfúgio para
mente diferente de todos os anteriores que acaba-
tentar explicar alguma coisa que não enxergamos,
mos de ilustrar. Desta maneira, poderia ocorrer que
mas que sabemos responder a um estímulo.
fôssemos incompreendidos por muitas pessoas que
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O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral
só estivessem familiarizadas com os empregos do
ideias disponíveis, ou dos modelos utilizados. Isso
termo mostrados anteriormente. Por outro lado, se
deve ser feito para readequá-los ou readaptá-los
o senso comum indicar que o termo “modelo” tam-
ao sistema, ou mesmo para reformulá-los ou até
bém pode ser utilizado para expressar um conjunto
abandoná-los, no caso de não mais se adequarem
de ideias, certamente, não estaremos cometendo
às novas informações obtidas sobre o sistema, seja
incorreção nenhuma.
ele qual for.
Na verdade, cientificamente, este termo pode
Até aqui, utilizamos apenas o exemplo da
ser utilizado para expressar um conjunto de ideias
máquina de refrigerantes para ilustrar uma
que não têm existência física, mas que existem
maneira de observarmos um sistema e tentarmos
apenas na imaginação de alguém que as formula.
entendê-lo através de algum modelo ou conjunto
Desta maneira, para as pessoas que conhecem esta
de ideias. Apesar de fictício, uma vez que sabemos
aplicação, não haveria o menor problema de enten-
que é perfeitamente possível penetrar no interior
dimento.
da máquina e verificar a veracidade do modelo
Continuando ainda com este conjunto de ideias
utilizado para explicá-la, esse exemplo que utili-
aplicadas ao entendimento do funcionamento da
zamos é conveniente porque permite que façamos
máquina de refrigerantes, poderíamos nos ques-
uma série de conjecturas, tanto sobre as propostas
tionar sobre como proceder se, dentre os curio-
de explicações quanto sobre as respostas aos estí-
sos interessados em entender o funcionamento
mulos aplicados ao sistema.
da máquina de refrigerantes, surgisse um outro
Contudo, este mesmo formalismo pode ser
modelo, ou um outro conjunto de ideias aplicadas
aplicado a qualquer tipo de sistema, desde o mais
ao mesmo sistema? O que faríamos com o modelo
simples até o mais complicado. Na verdade, ele
inicial? Na verdade, esta é uma situação muito
ilustra muito bem um modo de analisar um sistema
fácil de ocorrer, uma vez que dentre um grupo
em uma situação em que não temos acesso ao seu
de pessoas, dificilmente todas elas pensem exata-
interior. Dá para imaginar que se estivéssemos em
mente da mesma maneira.
uma situação na qual não pudéssemos enxergar o
A maneira mais conveniente de se proceder
sistema que estivéssemos estudando, poderíamos
em uma situação deste tipo seria confrontar todos
agir da mesma maneira para tentar entendê-lo. Em
os conjuntos de ideias para se verificar qual deles
outras palavras, nestas situações, não nos resta
melhor se adapta ao sistema em estudo, ou ainda,
outra alternativa senão utilizar a imaginação para
aquele que seja capaz de responder às questões
tentar entender o comportamento daqueles siste-
formuladas sobre o sistema em estudo. Isto não
mas que não podemos enxergar, ou aos quais não
significa que existe apenas e tão somente um con-
temos acesso.
junto de ideias que se adeque ao sistema. Pode
Neste contexto, tudo indica que, em muitos
muito bem ocorrer que existam várias alternativas
casos, a utilização de modelos é essencial e o seu
para se explicar o mesmo sistema. Neste caso, não
significado é fundamental para tentarmos entender
podemos descartar nenhuma destas alternativas, a
o sistema em estudo. Isto mais do que justifica uma
menos que tenhamos algum dado conclusivo que
reflexão e um questionamento sobre o mesmo,
invalide qualquer uma delas.
principalmente, porque muito do entendimento
Com o passar do tempo e o acúmulo de novas
da ciência está ancorado em modelos. Podemos
informações sobre o mesmo sistema em estudo,
perceber que, além de ser uma interpretação, ou
pode-se checar a validade de todos os conjuntos de
uma construção apenas conceitual, e muitas vezes
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O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral
pessoal, sobre o invisível, em muitas situações, a
ou a nossa interpretação, for uma situação impor-
utilização de modelos se justifica, igualmente, por
tante e que desperte a atenção de um número con-
não termos acesso ao sistema, como é o caso de
siderável de pessoas, muito provavelmente muitas
se explicar a origem do homem ou dos planetas,
pessoas se interessarão pelo ocorrido e, princi-
dentre muitos outros exemplos.
palmente, pela sua explicação. A partir daí, esta
Os comentários destacados nestes últimos
ocorrência passou a despertar a atenção de muitas
parágrafos são muito importantes; eles se referem
pessoas e sua explicação se torna cada vez mais
ao fato de que, em muitas situações, um modelo
importante.
surge a partir de uma ideia muito pessoal de alguém
Se, e apenas se, a nossa maneira de imaginar o
sobre alguma observação. Na verdade, em nosso
ocorrido, ou a nossa interpretação, ou o nosso con-
dia a dia, a coisa mais comum em nossas vidas é
junto de ideias para justificar o ocorrido ou, mais
a ocorrência de algum imprevisto, a partir do qual,
simplesmente, o nosso modelo, for aceito pela
de imediato e instintivamente, criamos uma justi-
maioria das pessoas e elas começarem a pensar e a
ficativa ou uma explicação para tal fato em nosso
analisá-lo, esta nossa maneira de interpretar o fenô-
subconsciente. A partir deste instante, esta passa
meno vai se tornando cada vez mais importante.
a ser a nossa verdade. E nós só a abandonaremos
Em uma situação ideal, na qual a maioria das
a partir do momento em que alguém, com argu-
pessoas utiliza a mesma maneira de pensar, ou o
mentos muito convincentes, comprove que o nosso
mesmo modelo, este passa a adquirir uma conota-
raciocínio não é o mais adequado para explicar tal
ção científica e deixa de ser um modelo pessoal e
fenômeno. Acreditamos que seja isto que aconteça
individual, passando a ser adotado como a melhor
na mente de qualquer pessoa.
maneira de se interpretar determinado fenômeno, uma
tornando-se, assim, a melhor maneira de pensar,
sequência de raciocínio, partindo das situa-
Normalmente,
tentamos
estabelecer
ou melhor dizendo, um modelo científico. Este
ções mais corriqueiras, até chegar ao modelo.
modelo científico torna-se então o melhor enten-
Considerando-se a situação descrita no parágrafo
dimento, aceito pela comunidade científica, sobre
anterior, podemos dizer, grosso modo, que a pri-
determinado fenômeno ou observação, seja ele
meira ideia que se forma em nosso subconsciente,
qual for.
para explicar qualquer fenômeno, seja ele qual for
Todos estes comentários feitos anteriormente
e independentemente de seu grau de importância,
permitem, de alguma forma, expressar o enten-
representa um modelo. Entretanto, este modelo
dimento sobre modelo. Depois de tudo o que foi
é muito pessoal e existe apenas em nossa ima-
discutido, deve ficar bem claro que o modelo, seja
ginação, auxiliando apenas e tão somente a nós
ele científico ou não, origina-se a partir da imagi-
mesmos, embora não saibamos exatamente nem
nação de alguém e, com o passar do tempo, passa
para quê. Contudo, ele não deixa de ser o “nosso
a ser adotado como forma de pensamento por
modelo” para explicar tal situação.
outras pessoas. Não é uma filosofia de vida, mas
Até este ponto, este modo de imaginar a situa-
sim, apenas uma maneira de pensar e interpretar o
ção não tem qualquer conotação científica. Como
mundo em que vivemos. Assim sendo, cada um de
já dissemos, ele é importante apenas e tão somente
nós pode escolher as suas próprias palavras para
para nós mesmos. Contudo, se o imprevisto ocor-
expressar o seu entendimento sobre modelo, seja
rido, a partir do qual sugerimos o nosso modelo,
ele científico ou não.
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O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral
2.1
mão, para entender o que há por trás da res-
O entendimento acadêmico sobre modelo científico
posta a um estímulo aplicado a um sistema. Em ciência, muitos fatos não podem ser
Pensando desta maneira, um conjunto bem
observados pelos sentidos do observador;
heterogêneo de pessoas, das mais diferentes ori-
o que ele percebe é o estímulo dado a um
gens e formações, mas baseadas nas mesmas infor-
sistema e a resposta que o mesmo devolve.
mações sobre o significado e a utilização do termo
Assim, para entender o mecanismo do que
modelo, abordado em duas aulas de 50 minutos,
o estímulo provoca no sistema, até este dar
em disciplinas de Química Geral oferecidas no
uma resposta, imagina-se um modelo ou
Instituto de Química da UNICAMP, expressou o
uma suposição desse mecanismo, que será
seu entendimento da seguinte forma:
corroborado por resultados experimentais.
1. Modelo científico é uma concepção
5. O modelo científico é uma representação
humana sobre um fato, o qual não pode ser
imaginária, oriunda da mente do cientista,
observado ou explicado com o simples ato
que tenta explicar por meio de equações e
de visualizar o que realmente acontece. A
suposições, a realidade ou algum aconteci-
partir de dados experimentais, ele pode ser
mento da natureza.
comprovado; a partir daí, ele passa a ser aceito pela comunidade científica.
ilustrar e simplificar um raciocínio, ou
2. Modelo científico é uma tentativa de
seja, ele é uma tentativa de padroniza-
explicação que se origina única e exclu-
ção de uma ideia. Para esta padroniza-
sivamente da imaginação do homem; ela
ção, existe a necessidade de comparar os
surge a partir do momento em que se tenta
resultados obtidos utilizando-se este ins-
explicar algo cuja observação não pode
trumento, com os resultados experimen-
ser feita a olho nu. Assim, sugere-se uma
tais. Para que o modelo seja aceito, estes
explicação (um modelo) que responda a
resultados devem ser muito parecidos.
todos os eventos que ocorrem neste objeto
Podemos resumir esta ideia dizendo que o
de estudo.
modelo é o argumento utilizado para tentar
3. O modelo é algo que representa o conjunto de normas e regras que tenha o compro-
16
6. O modelo científico é um artifício para
entender o comportamento adquirido pela espécie em estudo.
misso de transmitir o que, atualmente, se
7. O modelo científico é um conjunto de fato-
acredita que seja “a verdade” e que toda
res que, se aplicado a um determinado tipo
a comunidade científica aceite. O modelo
de sistema, é capaz de explicar o seu com-
aceito é aquele mais comprometido com
portamento. Se, por acaso, este modelo
algumas ideias comprovadas a partir
perder esta capacidade, ele é descartado e
de alguns testes experimentais. Daí em
se cria um outro.
diante, todas as ideias posteriores estarão
8. O modelo científico é uma forma de repre-
amarradas a esta ideia primitiva, que é o
sentar aquilo que não podemos ver; ele
modelo aceito até então.
representa o pensamento ou as ideias da
4. Pode-se dizer que o modelo científico é um
época em que foi criado e não possui exis-
conjunto de ideias, sem existência física,
tência física. O modelo é uma explicação
que o observador de um fenômeno lança
para algum fato e não precisa, necessaria-
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O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral
mente, representar a realidade, mas sim,
13. O modelo é a transcrição de uma ideia acerca
aquilo que está na mente do observador,
de determinado conhecimento. Ele não des-
seja ele quem for.
creve exatamente o real, mas serve como um
9. O modelo científico representa o “amál-
caminho para o entendimento deste.
gama” de observações e estudos que, em
14. O modelo é um artifício para tentar enten-
conjunto, dão fundamento, estruturação
der ou explicar alguma coisa. Já para ter
e, acima de tudo, veracidade àquela ideia,
uma conotação científica, ele deve repre-
inicialmente, posta em questão.
sentar uma base teórica criada para explicar
10. Um modelo pode ser, inicialmente, uma
toda e qualquer característica de um fenô-
“ideia pessoal” que explique algum fenô-
meno estudado. De acordo com a necessi-
meno que o homem não é capaz de explicar
dade, ele pode, ou deve, sofrer adaptações
pela simples observação. Se, com o pas-
ou alterações para melhor atender à ciência
sar do tempo, esta ideia for sendo utilizada
ou ao conhecimento acumulado ao longo
pela comunidade científica de uma época,
do tempo no qual o mesmo é utilizado.
ou então, se ela condizer com um conjunto de resultados experimentais, ela deixa de
Estas catorze maneiras de expressar o entendi-
ser uma “ideia pessoal” e passa a ser um
mento sobre o significado de modelo foram obtidas
“modelo científico”. Usando-se este instru-
a partir do mesmo tipo de informação, fornecida a
mento, ou seja, o modelo científico, é pos-
alunos de graduação, no início de sua formação em
sível investigar aspectos importantes do sis-
química. Desta maneira, ao mesmo tempo em que
tema ou objeto em estudo e transmitir este
se complementam, elas refletem o entendimento
conhecimento de forma a ser compreensível
particular e individual que se tem sobre algo que
e tangível àqueles que iniciam seus estudos
não se pode enxergar, mas que se tem que analisar.
científicos nas várias áreas do conhecimento.
É uma situação muito interessante e, ao mesmo
11. O modelo é a criação de uma mente fér-
tempo, muito corriqueira no meio científico.
til. É um conjunto de argumentos ou ideias
É importante ressaltar que toda a discussão
que, unidas, explicam fenômenos naturais
que fizemos até este ponto se restringiu apenas
ou não. É um modo imaginário de tentar
ao significado do termo “modelo”, de maneira
entender sistemas que fogem da realidade
muito geral. Ela se aplica a qualquer situação do
absoluta ou consolidada; em outras pala-
cotidiano, seja qual for o meio em que vivamos.
vras, é uma maneira de imaginar sistemas
Sob este aspecto, é muito importante, uma vez que
para os quais não existe uma certeza abso-
permite verificar a abrangência deste termo que,
luta sobre o que ocorre nos mesmos.
queiramos ou não, está intimamente relacionado
12. O modelo pode ser o fruto da imagina-
ao nosso cotidiano. O problema é que, normal-
ção de qualquer pessoa sobre questões do
mente, não conseguimos “enxergar” aquilo que
cotidiano, buscando o entendimento das
está diante dos nossos olhos. Ao que tudo indica,
mesmas. Assim, ele representa uma linha
o perfeito entendimento do significado de modelo
de raciocínio que se utiliza para explicar
é que nos permite entender e interagir com o meio
alguma coisa, fenômeno ou observação.
no qual vivemos e do qual fazemos parte.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
17
O Entendimento sobre Modelo Científico dos Egressos de uma Disciplina de Química Geral
3
anos, percebemos, inequivocamente, que o enten-
Algumas questões para reflexão 1. Quando é que um modelo deixa de ser modelo? 2. Em quais áreas do conhecimento a utilização de modelos é mais importante? 3. Sob quais circunstâncias um modelo passa ser científico? 4. Para um deficiente visual total, existe diferença acentuada entre os modelos pessoais e os modelos científicos? 5. Somos capazes de inserir o entendimento acerca de modelos em uma comparação sonho versus realidade? 6. Os modelos podem se confundir com crença, seja ela de qualquer natureza?
4
ser alcançado com sucesso no nível superior, a partir de aulas presenciais que envolvem a participação efetiva dos alunos. Sob este aspecto, convém ressaltar que a aula é muito importante e a relação preliminar com o cotidiano, a partir de exemplos acessíveis a todos os alunos, foi fundamental na aceitação da ideia de que os modelos permeiam a nossa vida, independentemente de nossa atividade. Além disso, a transposição do significado de modelos para uma conotação científica foi muito facilitada pelo discurso preliminar sobre os modelos que utilizamos em nossa vida cotidiana. Finalmente, como demonstrado pelos alunos, a expressão do entendimento sobre o significado de modelo científico é particular para cada indi-
Comentários finais
víduo; entretanto, todas estas expressões con-
Através da condução deste trabalho com alunos ingressantes no nível superior, ao longo de três
18
dimento do significado de modelo científico pode
vergem para a mesma ideia e importância destes modelos.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Artigo 02 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
p. 19-27
Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química The Philosophical Approach Concerning Models and Its Importance in Chemistry Teaching Uarison Rodrigues Barreto1 e Nelson Rui Ribas Bejarano2
Resumo Considerando a importância do uso dos Modelos para a Educação em Ciências e para a Química, em especial, um aspecto de suma importância para o entendimento do mundo é a compreensão dos modelos frente às teorias científicas. Neste trabalho, procuramos entender o estágio atual da discussão da filosofia da ciência e da filosofia da química sobre modelos. Busca-se verificar o que pensam os filósofos da ciência sobre o que são os modelos e como essas visões podem contribuir para o ensino de química. Propõe-se realizar o estado da arte sobre os modelos buscando colocá-lo a serviço da formação do professor em ciências. A partir da análise das principais visões dos referenciais, foram consideradas como relevantes algumas implicações para o ensino de química. Dentre as principais visões dos filósofos da ciência sobre os modelos, temos: entidades abstratas, sistemas que podem ser construídos a partir da mente humana, representação e construção científica. Palavras-chave: Ensino; Modelos; Filosofia da ciência. Abstract Considering the importance of the use of Models for Education in Science and Chemistry in particular, an aspect of paramount importance for the understanding of the world is the understanding of the models in the face of scientific theories. In this work, we seek to understand the current state of the discussion philosophy of 1. Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História da Ciência, Universidade Federal da Bahia/Universidade Estadual de Feira de Santana. 2. Professor da Universidade Federal da Bahia.
Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química
science and philosophy of chemistry on models. Seeks verify what philosophers of science think about what models are and how these views can contribute to the teaching of chemistry. Proposes to carry out the state of the art models seeking to put it in the service of teacher training in science. From analysis of the main visions of the references were considered as relevant some implications for teaching chemistry. Among the main views of the philosophers of science about the models: abstract entities, systems that can be constructed from the human mind, representation and scientific construction. Key-words: Teaching; Models; Philosophy of science.
1
do papel dos modelos nas Ciências e sobre sua
Introdução
utilização no ensino de Ciências. Assim, o enten-
No ensino de ciências, a busca pela compre-
dimento sobre o que são os modelos e o que nós
ensão e representação da realidade sempre foi
podemos conhecer a partir deles em ciências –
um desafio. Nesse sentido, Krapas et al. (1997),
por exemplo, por mais elaborados que sejam os
Machado e Vieira (2008) afirmam que a literatura
modelos, logo das teorias científicas, não podemos
tem apontado a existência de uma polissemia con-
afirmar total precisão sobre a natureza atômica e,
ceitual em relação aos modelos. Diante deste con-
sobretudo, sobre o seu valor de verdade neste con-
texto, Suppe (1989) aponta que a palavra “modelo”
texto, pois há muito ainda a se conhecer sobre sua
deve ser utilizada com extremo cuidado, uma vez
estrutura – são questões essenciais para a educação
que ela pode significar algumas coisas diferentes
científica. Nesse contexto, propõe-se a reflexão
na ciência. Ainda nesta perspectiva, Suppe (1977)
sobre os modelos como um capítulo de qualquer
comenta:
estudo sobre a relação entre a realidade sensível e os procedimentos pelos quais a ciência deriva
Alguns sentidos diferentes estão relacionados ao termo “modelo”; um deles é o sentido de uma interpretação semântica da teoria, tal que os teoremas da teoria sejam verdadeiros sob essa interpretação. Esse é o sentido no qual estivemos empregando “modelo” até aqui; vou me referir a tais modelos como modelos matemáticos. Um segundo sentido de modelo é aquele de um modelo em escala, um modelo de avião, um modelo de túnel de vento etc. É fundamental para essa noção a idéia de que um modelo é um modelo de alguma coisa ou tipo de coisa, e que funciona como um ícone daquilo que modela – isto é, o modelo é estruturalmente similar (isomórfico) àquilo que ele modela. Vou me referir a eles como modelos icônicos (p. 96-97).
conhecimento sobre ele. Admitindo a Química como uma ciência extremamente modelar, torna-se indispensável o entendimento sobre modelos para a construção do conhecimento científico (Bunge, 1974; Morgan; Morrison, 1999). Para Galagovsky e Adúriz-Bravo (2001), do ponto de vista epistemológico, a noção de modelo está estritamente ligada à teoria. Contudo, este trabalho pretende realizar o estado da arte sobre o que pensam os filósofos da ciência sobre o que são modelos e como essas visões podem contribuir para o ensino e aprendizagem em química. Partindo do estudo inicial do estado da arte, procuramos responder as seguintes questões: quais
Ademais, Giere (1999), Harrison e Treagust
são as concepções dos filósofos da ciência sobre
(2000) apontam para uma maior atenção em torno
o termo “modelos”, ou seja, qual o estágio atual
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química
da discussão sobre modelos dentro da filosofia da
(modelos, por exemplo) têm sido objeto de debate
ciência e da filosofia da química em particular? De
entre realistas científicos e antirrealistas. Vale
que forma as visões dos filósofos podem contribuir
salientar que, para algumas correntes do realismo,
para o ensino de química, que é uma ciência extre-
o modelo tem correspondência com a realidade, ou
mamente baseada em modelos?
compromisso com a verdade. Em relação ao rea-
Tendo como pressuposto que o ensino de
lismo científico, Fraassen (1980) alega:
Química é relevante como uma das formas de
A ciência busca fornecer em suas teorias uma descrição literalmente verdadeira de como é o mundo; e a aceitação de uma teoria científica envolve como crença a de que ela seja verdadeira (p. 8).
entendimento do mundo, a necessidade de se buscar respostas para as questões levantadas nesse trabalho convergem para uma melhor compreensão sobre os modelos e seu papel frente às teorias científicas. Ainda nesse sentido, Fraassen (1980) alega que a noção de modelo é, de fato, mais conveniente para a interpretação das teorias científicas. Além disso, seria interessante identificar as concepções dos filósofos da ciência sobre o termo “modelos” e buscar entender a polissemia dos modelos das ciências, além de verificar como as visões dos filósofos da ciência podem contribuir para o ensino de química. 2
Os modelos e os realismos na filosofia da ciência A importância da Filosofia da Ciência para a educação científica tem sido amplamente reconhecida na literatura nas últimas décadas. Nesse
De acordo com a visão de Fraassen (2007), temos que, na atualidade, a mecânica quântica, por exemplo, é uma teoria fundamental e aceita pela maioria dos cientistas das ciências da natureza. Além disso, comentando sobre o realismo ingênuo, ele afirma a existência de uma concepção concreta da verdade, ou seja, da real existência de determinadas entidades propostas pela ciência, em que afirma que ao realista científico a crença de que as teorias de hoje são corretas (p. 24). Ademais,
verifica-se também a existência de formas brandas de realismo – o realismo de entidades e realismo estrutural. Assim, para o realista de entidades, as partículas fundamentais da matéria existem, por exemplo. O seguinte pensamento alega:
sentido, procuramos entender o que a Filosofia
[...] eu não estou preocupada exclusivamente com o que pode ser observado. Eu acredito em entidades teóricas e em processos causais também. Todo tipo de coisas inobserváveis está em ação no mundo, e mesmo se quisermos prever apenas resultados observáveis, ainda teremos de olhar para suas causas não observáveis para obter as respostas certas (Cartwright, 1983).
da Ciência tem a dizer sobre modelos na ciência, sobretudo, a visão dos realistas e antirrealistas nesse processo. Segundo a ótica do realista, consiste, de maneira resumida, na alegação de que as teorias científicas aceitas são descrições aproximadamente verdadeiras da realidade nos domínios respectivos, o que inclui alegações sobre a existência de entidades que não podem ser diretamente
Admite-se, de acordo com Cartwright (1983),
observadas, os modelos. Por sua vez, com base
que o realista de entidades acredita na existência
em Chibeni (1993), o termo “realismo” refere-se
das causas (entidades) e que a ciência pode obter
a uma posição filosófica relativa a classes de obje-
conhecimento, a respeito dessas entidades (por
tos, como, por exemplo, as entidades não observá-
exemplo, elétrons etc.) que não são diretamente
veis das teorias científicas. Assim, essas entidades
observáveis. Nessa perspectiva, a autora aponta
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
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Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química
para a existência do comprometimento dos rea-
algum quadro teórico aceitável, de modo que elas possuam alguma utilidade epistêmica (p. 8).
listas com entidades inobserváveis. Acredita-se, baseado na autora, que este compromisso decorre
É fato, o filósofo Putnam afirma que não existe
da tentativa de explicação da ciência e de algumas
mundo fora da nossa mente. Reforçando tal pers-
modalidades cognitivas. Ademais, o filósofo Mário
pectiva, o autor aponta para a impossibilidade do
Bunge analisa a função dos modelos na constitui-
acesso ao real, no sentido de que não podemos ava-
ção do conhecimento teórico das ciências, em que,
liá-lo ou descrevê-lo, segundo algumas premissas,
segundo o autor, o caráter teórico do conhecimento
ou seja, não existe uma descrição única, completa
serve como medida de progresso científico, mais
e verdadeira do mundo. O autor ainda aponta a
do que o volume de dados empíricos acumulados.
existência de certo subjetivismo quando julgamos
Isso decorre da necessidade de apreender o real.
a relação entre teoria e realidade, denominando-
Diante desse contexto, Bunge afirma:
-o de aceitabilidade racional. De acordo com este autor, a teoria não é exatamente a realidade, mas o
Os modelos são abordados na medida em que se procuram relações entre as teorias e os dados empíricos. Por outro lado, os dados empíricos, apesar de mais próximos da realidade, não podem ser inseridos em sistemas lógicos e gerar conhecimento. Desta aparente dicotomia entre teórico e empírico, é introduzida a modelização como instância mediadora (apud Pietrocola, 1999).
melhor que temos até o presente momento. 3
Este trabalho caracteriza-se por uma investigação do tipo Estado da Arte sobre os modelos a
O realismo estrutural – outra versão branda do realismo – é formado pelo realismo estrutural epistemológico e o ontológico. Na literatura especializada, o realismo estrutural epistemológico aponta que todo o nosso conhecimento sobre o mundo está representado pelas teorias científicas; é estrutural, a ciência não nos mostra nada que esteja além da estrutura, ou seja, da “coisa em si”. Já o realismo estrutural ontológico nos diz que tudo aquilo que conhecemos do mundo são estruturas porque as estruturas existem, e nada mais além delas. Entretanto, ao contrário do realista, o antirrealista não se compromete nem com a teoria, nem com os modelos. Nesta perspectiva, Silva (1998) menciona que não há estatuto ontológico da existência das entidades. O autor ainda comenta: [...] a experiência não pode legitimar a ciência e que a finalidade das teorias não é a verdade, mas apenas uma acomodação das nossas crenças a
22
Metodologia
partir da Filosofia das Ciências, a qual será dividida em dois momentos. No primeiro, é preciso verificar o que pensam os filósofos sobre o que são os modelos dentro da literatura especializada. Para isso, estamos delimitando esse estudo entre 1960 e 1970, quando havia predominância da visão semântica e sintática das teorias científicas. Posteriormente, diante das principais concepções dos filósofos da ciência, deseja-se discutir algumas possíveis implicações para o ensino de química e de modelos visando colocar o estado da arte a serviço da formação do professor. Cartwright (1983) aponta que a estratégia da inferência da melhor explicação deve ser limitada a uma inferência das “causas” do fenômeno, uma vez que as causas são inquestionavelmente reais. Portanto, os dados obtidos relativos às concepções dos referenciais teóricos serão coletados por relatos de pesquisa em artigos de revistas científicas, textos e livros acerca do tema investigado.
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Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química
4
Estado da arte sobre modelos O debate sobre modelos têm tido uma repercussão relevante na Filosofia da Ciência. Nesta
ou seja, como prescrições do comportamento dos cientistas que desejam construir a máquina nomológica – geraria as regularidades empíricas que as leis científicas descrevem – descrita no modelo.
perspectiva, uma quantidade significativa de filó-
A abordagem semântica tem início na segunda
sofos reconhece a importância de modelos e está
metade do século XX. O seu nome deve-se ao fato
investigando os papéis variados que os modelos
de adotar uma estratégia interpretativa na aborda-
desempenham na construção do conhecimento.
gem das teorias preocupada principalmente com
Dentre os referenciais teóricos, destacamos os
questões como o significado, a referência dos ter-
seguintes autores: Black (1962), Cartwright (1983,
mos da teoria, a verdade entre outras questões. Tal
1999), Fraassen (1980, 2007), Hesse (1966),
abordagem consiste em considerar as teorias como
Hempel (1977), Giere (1990), Morrison e Morgan
famílias de modelos, e não mais como conjuntos
(1999), Nagel (1961) e Suppe (1977, 1989). Esses
de axiomas escritos em uma linguagem formali-
pesquisadores foram assim adotados em função de
zada, conforme a abordagem sintática.
terem realizado pesquisas de grande importância
Contudo, na abordagem semântica, as teorias
neste campo disciplinar e pelas diversas contribui-
são, portanto, entidades extralinguísticas (famí-
ções de suas pesquisas para a Filosofia da Ciência.
lias de modelos e não conjunto de proposições).
A utilização de modelos tornou-se uma área
Os modelos é que ocupam o lugar central observa
relevante de análise filosófica. De acordo com a
o autor (Fraassen, 1980, p. 44). Entre os autores
literatura, os filósofos admitem que os modelos
que defendem essa abordagem, destacam-se Bas
podem levantar questões de semântica (função de
van Fraassen, Frederick Suppe, Mary Hesse e
representação dos modelos); por outro lado, um
Ronald Giere. Segundo Suppe (1989), as teorias
modelo pode representar uma teoria, no sentido de
científicas devem ser interpretadas como estru-
que ele interpreta as leis e axiomas dessa teoria, a
turas abstratas que são, segundo o autor, “mode-
Ontologia – o que são os modelos – e Epistemologia
los matemáticos”. Admite-se que essa tipologia
– como podemos aprender com os modelos na filo-
de modelos deva ser desenvolvida para a prática
sofia da ciência – que se baseia na forma pela qual
científica. Assim, por exemplo, em uma situação
os modelos se relacionam com a teoria, bem como
real e conhecida, o modelo auxilia a elaboração de
as suas implicações para a ciência.
leis que ali se aplicam. É importante lembrar que
Podemos verificar, também, a existência de
os modelos também têm desempenhado um papel
correntes da Filosofia da Ciência que enten-
central na compreensão da natureza das teorias
dem o papel dos modelos de diversas maneiras.
científicas. Reforçando tal perspectiva, de acordo
Inicialmente, visando à compreensão adequada
com Fraassen (1980), os modelos, na prática cien-
do significado de modelo a partir de uma discus-
tífica e na prática epistemológica, devem ser utili-
são filosófica, verifica-se que alguns filósofos da
zados para interpretar as teorias científicas, assim
ciência defendem a abordagem semântica (con-
como outros defensores da abordagem semântica
cepção operacionalista tanto dos modelos quanto
que, diferentemente da abordagem sintática ou
das leis e teorias científicas). Assim, essa aborda-
axiomática – as teorias científicas não devem ser
gem está mais próxima da forma operacional da
interpretadas em termos linguísticos –, as teorias
qual a autora Cartwright (1999) comenta, as leis
científicas não devem ser interpretadas como siste-
científicas são vistas de maneira operacionalista,
mas de axiomas, mas como conjunto de modelos.
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Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química
Isso implica que, as teorias devem ser interpretadas
modelo teórico é abstrato e não precisa ser cons-
como classes de modelos, enquanto entidades abs-
truído, mas, ao contrário, apenas descrito pelos
tratas de situações do mundo real nas quais valem
cientistas que o utilizam.
as leis. Em princípio, para os defensores da abor-
Hesse (1966), por sua vez, introduz o pensa-
dagem semântica, as teorias são estruturas abstra-
mento de que as analogias envolvidas nos mode-
tas representadas por axiomas, ou leis, ou relatos e
los científicos são de três tipos: analogia positiva,
descrições de menor grau de generalidade.
quando há aspectos semelhantes entre as duas
Na literatura epistemológica, Hesse (1966)
coisas (exemplo, moléculas de um gás e bolas de
se baseia nas ideias de Max Black, dentre outros
bilhar tem massa); analogia negativa, quando não
autores. Em seu livro, Modelos e Metáforas, Black
há semelhanças entre as duas coisas (exemplo,
(1962) apresenta a tipologia de modelos em escala,
bolas de bilhar são coloridas, as moléculas de gás
analógicos, matemáticos e teóricos. O autor faz
não são) e; a analogia neutra, quando os aspectos
distinção entre os modelos em escala e os mode-
envolvidos ainda não foram descobertos, mas que
los analógicos. Segundo Black, a principal carac-
poderão ser quando estudamos o modelo.
terística que um modelo em escala tem é que ele
As discussões de Black e Hesse, portanto, con-
é um objeto material icônico, ou seja, tem uma
vergem para um mesmo ponto, em que conside-
relação com a realidade que, de certa forma, cap-
ram os modelos como entidades possuidoras de
tura alguma qualidade dessa realidade; contudo, a
caráter abstrato/analógico. Pode-se afirmar que
relação entre o modelo e a realidade é qualitativa.
as abordagens de Nagel (1961) e Hesse (1966)
Por outro lado, o modelo analógico, apesar de ser
sobre modelos são realizadas de formas semelhan-
considerado um objeto material e icônico, captura
tes. Verifica-se que Hesse (1966), utiliza o termo
uma rede de relações bastante abstratas que é a
“modelo” para dar nome aos sistemas que são ape-
analogia da forma/estrutura.
nas “imagináveis” ou que podem ser construídos
Black (1962) também discute sobre os modelos
a partir da mente humana. Entretanto, Hempel
matemáticos como objetos abstratos. Segundo ele,
(1977) sinaliza os modelos como fundamentais nas
os modelos matemáticos não nos dizem como ou
ciências, pois desempenham um papel essencial no
por que os sistemas funcionam de tal forma; na ver-
desenvolvimento de novas teorias e na compreen-
dade, os modelos matemáticos apenas nos dizem
são de novos fenômenos. Assim, modelos como o
como eles se comportam. Por exemplo, tal gráfico
de Bohr, utilizado para o átomo de hidrogênio, e o
mostra o comportamento de uma substância ao ser
modelo da molécula de DNA, são utilizados pelo
aquecida em um intervalo de tempo, segundo algu-
autor para reforçar sua concepção. Segundo Suppe
mas premissas. Mas se questionarmos: por que é
(1989), os modelos possuem o papel de represen-
que a substância se comporta assim? Não será no
tar tais estados, sendo que a correspondência entre
modelo matemático que encontraremos a resposta,
o modelo e o comportamento de um sistema não
mas em uma determinada teoria na qual o modelo
precisa ser uma correspondência que apresente
está inserido. Nesse caso, precisaríamos estudar o
uma forma idêntica.
que caracteriza uma substância.
Retomando a abordagem semântica, outro
Finalmente, o autor discute também sobre
filósofo da ciência que a defende é Giere. O autor
modelos teóricos, que são aqueles modelos que
aponta o termo “modelo” como objeto abstrato e
os cientistas utilizam na ciência. Para Black, um
ainda comenta:
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Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química
Em meu entendimento pessoal da prática científica, o conceito fundamental é aquele de modelo. Para mim, os modelos na ciência são entidades fundamentalmente representacionais. Sustento que os cientistas utilizam tipicamente os modelos para representar aspectos do mundo. A classe de modelos científicos inclui modelos físicos em escala e representações diagramáticas, mas os modelos que mais interessam são os teóricos. Estes são objetos abstratos, entidades imaginárias cuja estrutura pode ou não ser semelhante a aspectos dos objetos e processos no mundo real. Os próprios cientistas tendem mais a falar do ajuste entre seus modelos e o mundo, uma terminologia que adoto com agrado (Giere, 1999, p. 5).
filósofos é aceitar os modelos como sistemas que
Segundo Giere (1999), os modelos teóricos são
representação no ensino de modelos; na maioria
entidades abstratas que possuem propriedades que
dos casos elas devem ser parciais, não são reais
as teorias científicas lhes atribuem e que satisfa-
ou cópias da realidade, possuem limitações e, de
zem determinadas leis, embora ele os utilize como
acordo com Morisson e Morgan (1999), tanto
representações. Os principais pontos de vista dos
“abstraem a partir de” quanto “traduzem em
filósofos citados até aqui encontram-se relaciona-
outra forma” a natureza real do sistema ou ideia.
dos no Quadro 1.
Sugere-se que os docentes repensem a postura de
podem ser construídos a partir da mente humana, conforme descrito pela filósofa Hesse. Neste contexto, é necessário que o professor de química discuta a perspectiva de que nenhum modelo é perfeito, pois todos os que são utilizados são produtos de construções humanas. Além disso, existe a impossibilidade do acesso direto à realidade, ou seja, as explicações para muitos fenômenos químicos que são percebidos no nível macroscópico, situam-se no nível submicroscópico. É importante destacar, ainda, o entendimento de modelo como representação para alguns autores. Acreditamos que se deva discutir a ideia de
A partir do pensamento destes filósofos da
que o modelo é apenas uma representação limi-
ciência, discutiremos algumas implicações que
tada que é utilizada para explicar o fenômeno, não
consideramos relevantes para o ensino de química
como evidências cabais de como se apresenta a
e de modelos. Verifica-se que a maioria desses pen-
realidade. Além disso, cabe enfatizar também que,
samentos converge para ideia de modelos como
enquanto representação, um modelo não é capaz
sendo entidades abstratas. No ensino, isso implica
de abarcar todos os aspectos relacionados a uma
que aqueles que têm interesse em compreender a
dada realidade.
Química precisam buscar o entendimento de um
Todos os modelos apresentam abrangências e
mundo submicroscópico para explicar as possíveis
limitações; a partir deste pressuposto propõe-se
realidades do mundo fenomênico. Outra ideia dos
que tais limitações devam ser discutidas e avalia-
Quadro 1. Relação dos principais referenciais teóricos sobre o tema modelos. Referenciais Teóricos
Visões sobre Modelos
Nancy Cartwright
Modelos – abstração
Van Fraassen
Modelos – interpretar as teorias científicas / entidade abstrata
Frederick Suppe
Modelos – representação/construção científica /entidade abstrata
Ronald Giere
Modelos – entidades abstratas / representações
Ernest Nagel e Mary Hesse
Modelos – sistemas construídos a partir da mente humana
Max Black e Mary Hesse
Modelos – entidades de caráter abstrato e analógico
Carl Hempel
Modelos – desenvolvimento de novas teorias e na compreensão de novos fenômenos
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Abordagem Filosófica sobre Modelos e sua Importância no Ensino de Química
das pelo professor. Por fim, um aspecto comum entre alguns autores converge para a ideia de modelo como construção científica. Essa concepção é de grande valia para o entendimento sobre modelos, pois é factual pensar que o progresso científico ocorre quando os cientistas formulam questões sobre o mundo físico e as discutem baseados em algum modelo específico. 5
Considerações finais A proposta desse trabalho era enfatizar a importância da discussão filosófica sobre modelos em função da sua importância para o ensino, sobretudo, o de química. Para que o ensino de química seja mais autêntico e sirva como apoio para alcançar o objetivo que se deseja, sugerimos que os professores façam uma profunda reflexão sobre o termo “modelos” e as explicações que os acompanham. O olhar filosófico que permeou este trabalho permitiu compreender melhor a complexidade dos modelos na ciência, de forma a verificar como as visões dos filósofos da ciência podem contribuir para o ensino de química, que é uma ciência baseada essencialmente em modelos. Verificamos que a discussão filosófica pode contribuir para o ensino, pois nos propicia um entendimento mais autêntico, rico e adequado sobre os objetos científicos (modelos da ciência); além disso, ela pode melhorar a formação do educador, auxiliando-o no seu aprendizado para compreender adequadamente o mundo real.
6
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26
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
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Artigo 03 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
p. 28-32
Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio Epistemological Obstacles: an analysis of Chemistry textbooks in High School Ana Claudia Pedrozo da Silva1, Angélica Priscila Parussolo1, Washington Lombarde2 e Angélica Cristina Rivelini da Silva3
Resumo O presente trabalho tem como objetivo realizar uma pesquisa com os livros didáticos da disciplina de Química mais utilizados na rede pública, com base na epistemologia de Gaston Bachelard, analisando mais especificamente a existência dos obstáculos epistemológicos: verbal, substancialista e animista. Buscamos, assim, respostas para as perguntas iniciais: existem nesses livros didáticos casos que se encaixam nos Obstáculos Epistemológicos de Gaston Bachelard que foram selecionados? Seriam eles, ainda hoje, obstáculos ao processo de ensino-aprendizagem de química? A análise crítica do livro didático traz, ao docente, a possibilidade de identificar os possíveis obstáculos e trabalhar de uma maneira com que esses sejam superados e não atrapalhem o desenvolvimento cognitivo dos alunos? Palavras-chave: Ensino de Química; Livros Didáticos; Bachelard; Ensino Médio. Abstract The present project aims to demonstrate a research concerning the most used textbooks in public school towards the teaching of Chemistry; having Gaston’s Bachelard epistemology as a guide while analyzing, specifically, the existence 1. Atualmente é graduanda do curso de Licenciatura em Química. 2. Atualmente é graduando do curso de Licenciatura em Química. 3. Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática, doutoranda em Ensino de Ciências e Matemática.
Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio
of the following epistemological obstacles: verbal, substantialistic and animistic. This way, we look for answers for the following questions: are there, in any of these textbooks, cases that fit in the Epistemological Obstacles selected by Gaston Bachelard? Could they be, today, obstacles to the teaching and learning of Chemistry? The critical analysis of these textbooks could give, to the teacher, the ability to identify these possible obstacles and to work with them in a way that they can be overcome and don’t get in the way of the cognitive development of the students? Key-words: Chemistry teaching; Textbooks; Bachelard; High school.
1
ensino de determinado conteúdo, potencializando
Introdução
sua compreensão, como mostra Silva (2006).
Implantado em 2004, o Projeto Nacional do
Entre diversos teóricos existe um consenso sobre
Livro Didático para o Ensino Médio, o PNLEM,
o importante papel pedagógico que possuem
prevê a distribuição de livros didáticos para os alu-
essas alternativas citadas anteriormente, pois elas
nos do ensino médio público de todo o país. Em
são sempre utilizadas com o intuito de facilitar o
2008, 7,2 milhões de livros didáticos de Química
processo de ensino-aprendizagem e transformar
foram entregues à rede pública de ensino. Os
a aula em algo significativo e interessante para o
livros são selecionados através de um catálogo
estudante. Porém, muitas vezes, acabam se tor-
enviado às escolas e da votação dos professores
nando entraves na construção do conhecimento,
da disciplina em questão. Assim, o livro didático
substituindo linhas de raciocínio por esquemas e
apresenta-se, hoje, como um dos mais importan-
utilizando-se de facilitações exageradas que aca-
tes recursos didáticos utilizados pelo professor,
bam vulgarizando a ciência e repassando ao aluno
quando não o único, sendo, muitas vezes, repro-
noções inadequadas (Gomes, 2007).
duzido fielmente em sala de aula (Amaral, 1997).
A essas causas de estagnação na formação
O investimento do governo e a grande utilização
do espírito cientifico, Bachelard deu o nome de
desse recurso revelam a importância das pesquisas
Obstáculos Epistemológicos; segundo ele, o uso
realizadas sobre o conteúdo dos livros didáticos,
de analogias e imagens leva o espírito pré-cien-
dentre as quais podemos citar as de Lopes (1991)
tífico para um caminho concreto e imediato que
e Neto (2003).
impede a abstração necessária para a formação do espírito científico (Bachelard, 1996).
Há muitos anos, os educadores, para atrair a atenção de seus alunos, se veem em busca de diversas estratégias de ensino, abordagens facilitadoras, analogias, jogos, imagens e experiências.
2
Fundamentação teórica
Segundo estudos, deve-se tomar cuidado com
Gaston Bachelard nasceu em 1984, na França,
o uso de analogias e metáforas, para que essas
e morreu em 1962, vivenciando a ruptura entre o
sejam apenas andaimes (Andrade, 2002), atalhos
século XIX e XX, entre uma Europa campesina
usados para que o aluno chegue mais rapidamente
e uma Europa industrializada. Lutou na Primeira
ao conceito teórico. No caso do uso das imagens,
Grande Guerra, se embrenhou nas áreas da filoso-
muitas pesquisas mostram que, em certas ocasiões
fia, poesia, epistemologia e ciência e foi professor
bem trabalhadas, seu uso é indispensável para o
de química e física, o que fez com que seus estudos
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29
Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio
epistemológicos, muitas vezes, se voltassem para
Bachelard do constante uso da palavra “esponja”,
essa área do ensino.
ou, como exemplifica Lopes (1993), o uso do
Em seu livro La Formation de l’Esprit
termo “eletronegatividade”. Para Melzer (2008),
Scientifique, Bachelard demonstra sua preocupa-
esse obstáculo é caracterizado pelo uso da lingua-
ção com o ensino de ciências:
gem do senso comum a fim de explicar determinado conceito, quando uma palavra ou analogia
Acho surpreendente que os professores de ciências, mais do que os outros se possível fosse, não compreendam que alguém não compreenda. Poucos são os que se detiveram na psicologia do erro, da ignorância e da irreflexão. [...] Os professores de ciência imaginam que o espírito começa como uma aula, que é sempre possível reconstruir uma cultura falha pela repetição da lição, que se pode entender uma demonstração repetindo-a ponto a ponto (Bachelard, 1996).
usada leva o leitor a um entendimento equivocado do fenômeno impedindo que se dê continuidade ao processo de abstração. Gomes (2007), em seu trabalho, comenta que Bachelard não é absolutamente contra o uso de metáforas e analogias, desde que estas venham após a teoria como um auxílio no esclarecimento do conteúdo. O uso das mesmas de maneira errada pode fazer com que o aluno aceite essa “aproxi-
Um dos pontos principais da epistemologia
mação” como sendo algo conclusivo sem haver
bachelardiana é a descontinuidade do desenvol-
aprofundamento e sem que ele veja necessidade de
vimento científico que, na verdade, seria formado
mais estudos sobre o assunto.
por constantes rupturas. Segundo Bachelard,
No obstáculo animista, Bachelard afirma em
quando aprendemos algo estamos retificando
seu livro (1996, p. 191) que a palavra “vida” é
um conhecimento errôneo que já possuíamos. O
mágica e que qualquer outro princípio para a expli-
conhecimento comum deve sofrer uma ruptura
cação de um conceito é desvalorizado se foi possí-
para a formação do conhecimento científico, ou
vel invocar-se o princípio vital, como os fenômenos
seja, o aprendizado dá-se contra um conhecimento
do magnetismo e da eletricidade que eram liga-
prévio mal-estabelecido. Nesse processo, as cau-
dos ao termo vivacidade. Esse obstáculo pode ser
sas de estagnação e até mesmo de regressão, que
encontrado, hoje, como uma grande necessidade de
podemos chamar de antirrupturas, são denomina-
se dar características de seres vivos, de dar vida a
das pelo filósofo de obstáculos epistemológicos.
objetos inanimados. Fato este que passa ao aluno
Nesse contexto, Bachelard introduz diversos exemplos de obstáculos dos quais analisaremos três: obstáculos verbais, animistas e substancialistas.
uma ideia errônea do conhecimento científico. No obstáculo substancialista, acredita-se ser possível virar do avesso determinada substância,
No caso dos livros didáticos, a linguagem uti-
que sempre existe um interior e que ali se guardam
lizada é extremamente importante, pois o uso de
todas as suas características. São atribuídas à subs-
termos inadequados pode não apenas impedir a
tância qualidades diversas, considerando-as intrínse-
abstração dos novos conceitos, como cristalizar
cas, sem mesmo considerar as razões para que essas
conceitos errados. No obstáculo verbal, uma única
propriedades se apresentem; deixa-se de perceber
imagem ou palavra possui tantos adjetivos e fun-
que as substâncias químicas são frutos de ligações
cionalidades conhecidas que se tornam dispensá-
e interações e que as propriedades são frutos dessas
veis outras definições, pois a própria palavra cons-
relações. Como exemplo, Bachelard cita a cor dou-
titui toda a explicação e pode, inclusive, expressar
rada do ouro que, segundo o espírito pré-científico,
diversos fenômenos como o exemplo citado por
deve ser uma característica sempre encontrada nesse
30
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Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio
elemento, independentemente do estado em que se
dos seres vivos. Essas características podem levar
encontra, o que, na realidade, não se aplica.
o aluno a uma ideia infantil e não científica do
Em face do exposto, o objetivo deste trabalho
conhecimento. O estudante pode ser levado, assim,
foi realizar uma pesquisa com os livros didáticos
a interpretar o átomo como uma partícula viva, o
da disciplina de Química mais utilizados na rede
que trará dificuldade para que o processo de apren-
pública, com base na epistemologia de Gaston
dizagem continue em conteúdos mais avançados.
Bachelard, analisando mais especificamente a existência dos obstáculos epistemológicos: verbal, substancialista e animista. Buscamos, assim, respostas para as perguntas iniciais: existem, nesses livros didáticos, casos que se encaixam nos Obstáculos Epistemológicos de Gaston Bachelard que foram selecionados? Seriam eles, ainda hoje, obstáculos ao processo de ensino-aprendizagem de química?
3
Metodologia da pesquisa O trabalho foi realizado, primeiramente, como um projeto de pesquisa para a disciplina de
Figura 1. Obstáculo animista traz ao aluno uma ideia errônea do conhecimento científico. Fonte: Feltre (2004, p. 70 e 137).
Metodologia da Pesquisa em Educação. O objetivo da pesquisa é realizar uma análise nos prin-
4.2
cipais livros didáticos utilizados no Ensino Médio da cidade de Apucarana, em busca de possíveis imagens ou conteúdos que possam se enquadrar nos Obstáculos Epistemológicos estudados por Gaston Bachelard. Neste trabalho, a pesquisa tem como função uma transcrição dos entraves encontrados comparando-os com os estudos realizados por Bachelard, bem como as influências que estes podem ter no processo de ensino-aprendizagem do aluno. Escolheu-se três dos obstáculos encontrados, um para cada modelo de entrave inicialmente
Obstáculo verbal
A Figura 2 mostra um obstáculo encontrado no livro didático no qual o autor define uma reação química utilizando-se de termos como “montar” e “desmontar”. Neste exemplo, sem a devida intervenção do professor, o estudante pode acreditar que os átomos e moléculas se ligam como em um “jogo de lego”, ou um simples quebra-cabeça. A própria figura representa toda a explicação que, usada sem uma fundamentação teórica, leva o leitor a um entendimento equivocado do fenômeno.
selecionado e todos no conteúdo de atomística.
4
Resultados e discussão 4.1
Obstáculo animista
Neste obstáculo encontrado, observamos na Figura 1 que átomo e terra são apresentados como entidades animadas, com sentimentos próprios
Figura 2. Obstáculo Verbal leva o leitor a um entendimento equivocado do fenômeno impedindo que se dê continuidade ao processo de abstração. Fonte: Feltre (2004, p. 238).
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31
Obstáculos Epistemológicos: uma análise de livros didáticos de Química do Ensino Médio
4.3
Obstáculo substancialista
6
Em um livro consultado há uma explicação do modelo atômico de Joseph John Thomson da seguinte maneira: “um novo modelo de átomo, formado por uma “pasta” positiva “recheada” pelos elétrons de carga negativa...” Na explicação dessa frase, passa-se a impressão de que o átomo seria uma “casca” e que existiriam em seu interior, como um recheio, os elétrons. A presença de um Obstáculo Substancialista sempre dá ao aluno a impressão de que existe um interior e que as características estão dentro da substância. Nesse caso, noções de que o átomo seja a parte indivisível da matéria e, após isso, ter de imaginá-lo como uma “pasta recheada” por elétrons, pode tornar o conteúdo conflitante e confuso para o aluno, se esse entrave não for bem trabalhado e superado pelo professor. 5
Considerações finais Após a leitura dos livros e análise do conteúdo encontrado, percebemos que deve haver uma maior atenção do professor para com seu referencial teórico, devendo esse conteúdo, sempre que possível, ser trabalhado pelo docente de maneira a formar, no aluno, um espírito científico e crítico, sem excessivas simplificações ou informações que tragam ao aluno um conhecimento ingênuo e superficial. A análise crítica do livro didático traz ao docente a possibilidade de identificar os possíveis obstáculos e trabalhar de uma maneira com que esses sejam superados e não atrapalhem o desenvolvimento cognitivo dos alunos.
32
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Artigo 04 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
p. 33-40
Química, Sabores e Culinária Chemicals, Flavors and Cooking Núbia Moura Ribeiro1, Cristiane Pinheiro Lazaro2, Ana Marice Teixeira Ladeia2 e Armênio Costa Guimarães3
Resumo Como o preparo e a degustação de alimentos e bebidas fornecem um vasto e interessante campo para estudo da química, este artigo utiliza um exemplo da vida cotidiana para apresentar a reação de Maillard e aspectos químicos relacionados à sensação de adstringência. Tomando como base uma refeição malsucedida, o artigo procura ilustrar o que, do ponto de vista químico, está por trás de um filé bem passado e da degustação de um vinho apropriado para ser ingerido com carnes. Palavras-chave: Reação de Maillard; Substâncias carboniladas; Taninos; Vinhos. Abstract As the preparation and tasting foods and beverages provide a wide and interesting field for study of chemistry, this article uses an example from everyday life to present the Maillard reaction and chemical aspects related to the sensation of astringency. Based on an unsuccessful meal, the paper attempts to illustrate what, from the chemical point of view, is behind a delicious crispy steak and the tasting of a wine suitable to be eaten with meat. Key-words: Maillard reaction; Carbonyl compounds; Tannins; Wines.
1. Instituto Federal da Bahia, Departamento de Quimica. 2. Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, Pos-graduação de Medicina e Saúde Humana. 3. Liga Bahiana de Hipertensão e Aterosclerose.
Química, Sabores e Culinária
1
é indispensável falar na Reação de Maillard
Introdução No senso comum dos dias atuais, costumamos nos referir à prática alquímica quando vamos à cozinha preparar um prato saboroso, quando misturamos ingredientes no estado bruto e combinamos a química e a física para transformá‑los em uma em uma espécie de “ouro”. Alquimia foi uma prática que continha aspectos do que, posteriormente, se tornou área de estudo da química, física e medicina. Um de seus objetivos era a transformação de metais não
(Maillard, 1912). Essa reação foi apresentada pela primeira vez, em 1912, pelo químico francês Louis-Camille Maillard, de quem leva o nome. Na ocasião, Maillard demonstrou que as modificações de cor e de textura sofridas pelos alimentos quando são aquecidos resultam de reações químicas que também produzem aromas característicos, como os presentes na casca do pão torrado, no aroma do churrasco e em chocolates. A Reação de Maillard envolve uma série de
preciosos em ouro. Segundo Chassot (1995), as ori-
transformações complexas, que iniciam pela rea-
gens da alquimia – e da própria química – perdem‑se em
ção entre açúcares (por exemplo, glicose) e ami-
tempos de que não temos registros (p. 20), mas indis-
cutivelmente ela contribuiu para a descoberta de substâncias e processos químicos; por exemplo, para Felisberto (2009), a alquimia tinha como centro de seus estudos o enxofre, o mercúrio e o sal, que [...] quando misturados davam origem a novos compostos (p. 3).
De certo modo, cozinhar é uma alquimia de temperos e sabores que fazem com que os pratos apresentem características singulares. Centenas de reações químicas ocorrem em cada preparação. Mas como elas contribuem para que um prato fique saboroso? E quais os reflexos das preparações culinárias para a saúde? Como a química pode contribuir para unir sabor e saúde? Para entender um pouco sobre isto, vamos criar um exemplo. Imaginemos um almoço que não deu muito certo, o filé parecia duro, seco e pálido; o vinho, preparado com uvas Cabernet Sauvignon, estava com sabor adstringente; estava, como comumente se diz, “travando”. O que houve? Por que a “alquimia” não funcionou? Será que conhecimentos de química podem ajudar a compreender o que houve?
noácidos durante o aquecimento. No curso destas reações, são formadas diversas substâncias, dentre as quais algumas denominadas melanoidinas, que contribuem para dar cor dourada aos alimentos cozidos (Shibao; Bastos, 2011). O meio alcalino favorece a reação de Maillard, que ocorre em três etapas principais e se inicia com o ataque nucleofílico, por exemplo, de um grupo amino de um aminoácido ao grupo carbonila de um açúcar (Shibao; Bastos, 2011). Na etapa inicial, o açúcar, no caso exemplificado na Figura 1 a glicose, condensa-se com o aminoácido, e a reação pode levar ao produto cíclico, que é mais estável que a estrutura aberta. A segunda etapa da reação envolve a formação de um íon imínio que sofre o rearranjo de Amadori e gera uma cetoseamina (Figura 2). A reação de Maillard prossegue para a terceira etapa, na qual, a partir da cetoseamina, ocorrem várias reações não totalmente elucidadas. No decorrer destas reações, a cetoseamina desidrata formando hidroximetilfurfural, redutonas e deidroredutonas, ou sofre clivagens hidrolíticas formando
2
produtos de cadeia curta, tais como diacetilaldeído,
Por que alguns filés ficam pálidos, duros e secos?
piruvaldeído, dentre outros. O hidroximetilfurfural reage com outros compostos e gera as melanoidi-
Vamos analisar os fatos começando pelo filé seco e pálido. Para discutir sobre o assunto,
34
nas, que dão a coloração escurecida aos alimentos cozidos (Silva et al., 1999).
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Química, Sabores e Culinária
O
H2N
+
HO
R’
HN
N
R’ +
OH HO
OH
HO
R’
OH
HO
OH
HO
HO
OH OH
OH
OH
NHR
O
HO
OH
HO
OH
OH
H2O
OH
D-Glicose
D-Glicosilamina
Figura 1. Condensação da glicose com o grupamento amino de um aminoácido. Fonte: Elaborado pelos autores, com base em University of Bristol (2012).
N
R’
+
H N HO- + H HO
+ H2O
HO
OH
HO
R’
HO
OH
H N
H2O + OH
R’ H2O +
HO
OH
HO
OH
OH
R’
H N O
tautomeria ceto-enólica
OH
HO
OH
OH
OH
Imino
OH OH Cetoseamina
Figura 2. Rearranjo de Amadori. Fonte: Elaborado pelos autores, com base em University of Bristol (2012).
Ainda nesta etapa ocorre liberação de gás car-
A diferença é que, com aquecimento a 200 ºC, a
bônico (CO2) pela degradação dos aminoácidos ao
degradação da sacarose se faz por desintegração,
reagir com aldeídos e formar outros aldeídos; esta
com formação de espuma, pigmento e geração da
reação é denominada Degradação de Strecker. A
cor (Chemello, 2005).
terceira etapa ainda prossegue, pois os aldeídos de
Voltando à nossa situação-problema, as infor-
Strecker reagem com outras moléculas formadas
mações sobre a reação de Maillard podem con-
durante a reação. Deste grande complexo de rea-
tribuir para a compreensão de como tornar o file
ções e de produtos formados por elas, surgem o
dourado e, como visto, este processo requer o cozi-
sabor e o aroma peculiares para cada alimento que
mento da carne, sem adição de água. A realização
sofre a reação de Maillard.
do processo de cocção para tornar a carne dourada,
Para favorecer este tipo de reação, e ter um
se bem feito, também garante sua maciez.
bife crocante e dourado, precisamos saber que a
A questão da maciez da carne tem relação com
reação ocorre a temperaturas acima de 40 ºC, com
a desnaturação das proteínas. As moléculas de
atividade de água na faixa de 0,4 a 0,7, umidade
proteína – que têm sua estrutura tridimensional
relativa de 30% a 70%, e de íons de metais de tran-
com fitas de aminoácidos dobradas ou torcidas –
sição, como Cu e Fe , que podem catalisar a rea-
quando colocadas na presença de ácidos podem
ção (Shibao; Bastos, 2011).
ser “desdobradas” ou “destorcidas”, assumindo
2+
2+
A reação de Maillard também contribui para
formas menos espiraladas. Carnes imersas em
compreendermos como se forma a calda do pudim.
uma marinada que contenha ácido cítrico (p. ex.,
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
35
Química, Sabores e Culinária
presente no suco de limão), ácido acético (p. ex.,
grande variedade de alimentos e bebidas, incluindo
presente no vinagre) ou ácido tartárico e málico
frutas, chocolate, chá e cerveja. Normalmente,
(p. ex., presente no vinho) precisarão de menos
relaciona-se às sensações de aspereza e secura
tempo de cozimento do que se não fossem mari-
(falta de lubrificação ou umidade que provocam
nadas. O mesmo ocorre com a desnaturação das
um atrito ou fricção entre as várias superfícies
proteínas do leite, que, na presença do ácido lático,
orais) e de constrição (a sensação de aperto e con-
são “desdobradas”, e formam os coalhos de queijo.
tração dos tecidos sentida na boca, lábios e interior
No caso do filé duro e seco, certamente ele não
das bochechas). Estas sensações são provocadas
foi preparado com molho adequado ou o tempo de
pelo contato com certas substâncias como, por
cozimento não foi suficiente para amaciá-lo.
exemplo, os taninos (Carvalho, 2007).
No preparo do filé, antes mesmo da escolha
Os taninos englobam uma grande variedade
de molho e da definição do tempo de cozimento,
de polifenóis de origem vegetal, com massa molar
o primeiro passo é “selar” a carne com um pouco
de 500 a 3000. Os taninos condensados, normal-
de gordura numa chapa, grelha ou frigideira bem
mente, não se solubilizam na água, são conheci-
quentes, até todas as faces da carne ficarem com a
dos como protoantocianidinas e apresentam-se
cor marrom escura típica de um bom filé, que resul-
como polímeros contendo entre 2 a 100 unidades
tam também de reações de Maillard. Porém, é pre-
de polifenois. Segundo Borges (2009), os taninos
ciso atenção, pois se a carne for selada em dema-
provocam dois tipos de sensações: o amargor, uma
sia (ou seja, se a deixarmos fritar) serão formados
sensação gustativa associada à falta de maturidade
produtos de degradação de ácidos graxos, além de
das frutas, ou ao sabor de alguns medicamentos.
outras moléculas nocivas resultantes da duração
O amargor está mais relacionado aos flavanóis como a
excessiva da reação de Maillard. Além disto, ami-
catequina, enquanto a adstringência pode ser causada
nas heterocíclicas formadas a partir da reação entre
pelos flavanóis e não flavonóides como os derivados dos
a creatina ou a creatinina, aminoácidos e açúcares,
ácidos benzóicos e cinâmicos (p. 60-61) (Figura 3).
em altas temperaturas, podem reduzir o valor nutricional do alimento (Iwasaki et al., 2010).
Mas como se pode definir, quimicamente, o fenômeno da adstringência? Green (1993) define
Tendo compreendido os porquês referentes
a adstringência como uma sensação táctil resul-
ao aspecto e à textura do filé, e como prepará-lo
tante da precipitação de mucoproteínas salivares.
para ter sabor e valor nutricional elevado, vejamos
Segundo Carvalho (2007), os taninos são compos-
como a química pode ajudar na compreensão do
tos naturais que têm a propriedade de complexar
que ocorreu na degustação do vinho.
com as proteínas formando agregados. Há perda de proteínas salivares quando alguém prova solu-
3
ções adstringentes (contendo taninos), e esta perda
Como equilibrar a adstringência de alguns vinhos?
se deve à precipitação das proteínas após complexação com taninos. Com a formação de agregados
Como dito, o vinho foi elaborado com um tipo
de proteínas-taninos, as propriedades lubrificantes
de uva denominado Cabernet Sauvignon, que é
da saliva são reduzidas, possivelmente como resul-
indicado para acompanhar pratos com carne. Mas,
tado da perda de proteínas salivares, diminuindo
por que “travou” ao ser degustado?
a viscosidade. O precipitado formado, em contato
A adstringência (sensação de travamento na
com as mucosas bucais, gera uma percepção de
língua) é provocada por vinhos e também por uma
fricção entre as superfícies em contato na boca, o
36
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Química, Sabores e Culinária
OH
COOH
OH
HO OH
Ác. benzóico HO
O
HO
O
OH
O
O OH
OH
OH
O COOH
O
O
O
Ác. cinâmico
O
O
HO
O
OH
O
O
O
O
OH
O
OH
O O
HO O
HO
OH
OH OH
HO
OH
O
OH
OH OH
OH
OH
O
O
HO OH
OH
HO
Catequina
Exemplo de um tanino
Figura 3. Ácido benzoico, ácido cinâmico, catequina, e um exemplo de tanino.
que resulta na sensação de adstringência. As carac-
presença de proteínas – por exemplo, na ingestão
terísticas do vinho degustado e de quem o degusta
de carnes – reduz a sensação de adstringência. Pode-se perceber, pelo que foi descrito, que o
são fatores que influenciam a intensidade da sensação de adstringência (Carvalho, 2007).
problema não foi o vinho, mas a ausência de pro-
A sensação de adstringência desenvolve-se,
teínas na cavidade bucal no momento de ingeri-lo
plenamente, após seis a oito segundos da ingestão
– fato que seria solucionado por um bom conhe-
do vinho tinto, porque este é o tempo necessário
cedor de química. Se, no momento da ingestão do
para que a precipitação das proteínas ocorra. Em
vinho, o filé o estivesse acompanhando na cavi-
alguns casos, a formação de agregados insolúveis
dade bucal, teríamos a quantidade necessária de
em uma solução de tanino aumenta com o aumento
proteína para “amaciar os taninos”, como dizem
da concentração de proteína, mas, a partir de certo
os amantes de vinho, ou promover as reações quí-
ponto, na presença de excesso de proteína, ocorre
micas envolvendo os taninos e as proteínas, como
uma diminuição da precipitação, podendo mesmo
diriam os químicos.
haver redissolução dos complexos precipitados
Ressaltamos que os vinhos preparados com
(Luck et al., 1994; Haslam, 1998). Assim sendo, a
uvas Cabernet Sauvignon são ricos em um polifenol
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
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Química, Sabores e Culinária
denominado resveratrol, ao qual se atribui elevada
CARVALHO, E. B. Estudos da interacção entre proteínas e taninos: influência da presença de polissacarídeos. 2007. 193 p. Tese (doutorado) – Programa de Pós‑graduação em Química, Universidade do Porto, Porto, Portugal, 2007.
atividade antioxidante, capaz de proteger os tecidos orgânicos do ataque de radicais livres. Todavia, como qualquer substância com certo teor alcoólico, deve ser ingerida com moderação; neste caso, a ads-
CHASSOT, A. I. Alquimiando a química. Revista Química Nova na Escola, n. 1, p. 20-22, 1995.
tringência, que requer a ingestão do vinho acompa-
CHEMELLO, E. A Química na Cozinha apresenta: o açúcar. Revista Eletrônica ZOOM (Editora Cia da Escola), São Paulo, Ano 6, n. 4, 2005. Disponível em <http://www.quimica.net/emiliano/artigos/2005nov_ qnc_sugar.pdf>. Acesso em: 4 jul. 2012.
nhado de proteínas, contribui para a moderação. 4
Considerações finais
FELISBERTO, R. Teor de Mercúrio em Solos do Rio Grande do Sul. 2009. 98 p. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-graduação em Ciência do Solo, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2009.
Conceitos básicos de química tornam-se imprescindíveis no entendimento e elaboração de tarefas simples do nosso cotidiano, como a preparação de um filé crocante e nutritivo ou a degus-
GREEN, B. G. Oral Astringency: a tactile component of flavour. Acta Physiologica, v. 84, p. 119-125, 1993.
tação de um vinho. Ter o gosto das misturas e dos temperos ajuda muito a produção culinária, mas
HASLAM, E. Practical polyphenolics: from structure to molecular recognition and physiological action. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
esta preparação se aprimora quando há o conhecimento dos processos químicos que ali ocorrem. A reação de Maillard citada não é a única que
IWASAKI, M. et al. Heterocyclic amines content of meat and fish cooked by Brazilian methods. Journal of Food Composition and Analysis, v. 1, n. 23, p. 61-69, 2010.
ocorre no preparo de alimentos, mas contribui para compreender uma parcela da química que se processa neste ato tão importante para a sobrevivência
LUCK, G. et al. Polyphenols, astringency, and proline‑rich proteins. Phytochemistry, v. 37, p. 357-371, 1994.
humana que é cozinhar. O preparo de um alimento pode ser pensado como uma interessante aula de
MAILLARD, L.-C. Action des acides amines sur les sucres: formation de melanoidines par voie méthodique. Comptes Rendus de l’Académie des Sciences, Serie 2, v. 154, p. 66-68, 1912.
química, e o cozimento, como a manifestação de propriedades químicas das misturas. Utilizando eventos culinários do nosso coti-
SHIBAO J.; BASTOS D. H. M. Produtos da reação de Maillard em alimentos: implicações para a saúde. Revista de Nutrição, v. 24, n. 6, p. 895-904, 2011.
diano, podemos realizar diferentes abordagens no ensino de química, incluindo desde a forma histórica até a experimental na construção do conhecimento.
SILVA, F A. M.; BORGES, M. F. M.; FERREIRA, M. A. Métodos para avaliação do grau de oxidação lipídica e da capacidade antioxidante. Revista Química Nova, v. 22, n. 1, p. 94-103, 1999.
Essa abordagem química pode gerar desde conteúdos básicos até os mais complexos relativos aos processos que envolvem a preparação dos alimentos,
UNIVERSITY OF BRISTOL. The Maillard Reaction. Disponível em: <http://www.chm.bris.ac.uk/webprojects2002/rakotomalala/maillard.htm>. Acesso em: 30 jun. 2012.
além de promover um aprendizado significativo.
5
Referências BORGES, J. L. Como distinguir bons e maus taninos. Revista Wine Style, v. 25, p. 60-64, 2009. Disponível em <http://www.artwine.com.br/revista/ conteudo-wine-style-edicao-25-ano-2009>. Acesso em: 30 jun. 2012.
38
6
Bibliografia AMARANTE, J. O. A. Vinhos e vinícolas do Brasil. São Paulo: Summus Editorial Ltda., 1986.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Química, Sabores e Culinária
COSTA, P. et al. Substâncias Carboniladas e derivados. Porto Alegre: Bookman, 2003.
LONA, A. A. Vinhos: degustação, elaboração e serviço. Porto Alegre: Editora Age Ltda., 1996.
COSTA, A. F. Farmacognosia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1982.
NURSTEN, H. E. The Maillard Reaction: chemistry, biochemistry and implications. Londres: Royal Society of Chemistry, 2005.
LEHNINGER, A. L.; NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de Bioquímica. São Paulo: Sarvier, 2002.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
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Relatos de Experiência Experiences Account A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química The Approach of Scientific Models and their Representative Forms as a Previous Step to the Use of Visualizations in Chemistry Teaching Mauritz Gregório de Vries e Agnaldo Arroio
Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade Conceptions of High School Students about Models and the Relationship Model and Reality Uarison Rodrigues Barreto e Lailton Passos Cortes Junior
Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos Chemistry of smells: a multimodal approach to diagnosis of the misconceptions from the models expressed by students Danilo José Ferreira Pinto, Claudia Teixeira Siqueira, Jaqueline de Souza Reges, Valéria Campos dos Santos e Agnaldo Arroio
Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia Evaluation of Chemical Education: a study in five cities in the region of the Valley Jamari-Rondônia Renato André Zan, Alessandra Correa Pompeu, Dionatas Ulises de Oliveira Meneguetti e Filomena Maria Minetto Brondani
Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN Staying Strategies Versus School Dropout: a study on the undergraduate laboratory courses in Physics and Chemistry distance of UFRN Lucas da Silva Maia e Fábio Adriano Santos da Silva
Relato de Experiência 01 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
p. 42-49
A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química The Approach of Scientific Models and their Representative Forms as a Previous Step to the Use of Visualizations in Chemistry Teaching Mauritz Gregório de Vries1 e Agnaldo Arroio2 3
Resumo Neste trabalho realiza-se uma revisão da literatura a respeito da construção do conhecimento científico e sua relação com as formas representativas. Defende-se também a importância de uma visão mais clara sobre o processo de modelagem científica como ferramenta para tornar o processo de ensino/aprendizagem de ciências facilitado e afastado de uma recorrente visão empiricista. Com relação a esses objetivos, propõe-se uma atividade de investigação sobre um objeto em que os alunos são motivados a desenvolver um modelo explicativo, com a instrução explícita de haver a presença de representações. Reconhecendo as limitações e diferenciações dos processos científicos, tal atividade se mostrou bastante viável e útil para debater as mais variadas características implícitas nas atividades científicas, com ênfase nas visualizações construídas. Palavras-chave: Modelos e modelagem; Visualização; Ensino de Química.
1. Estudante de Bacharelado e Licenciatura em Química do Instituto de Química da USP, cursado período sanduíche 2012/2013 na Faculdade de Ciências da Universidade Autônoma de Madri, Madri, Espanha. 2. Bacharel em Química pela USP e em Imagem e Som pela UFSCAR, Mestre e Doutor em Físico ‑Química pela USP, Pós-doutorado em Educação pela USP, Livre Docente em Metodologia do Ensino pela Faculdade de Educação da USP. Professor Associado na Faculdade de Educação da USP. 3. Agradecemos aos alunos e alunas da Escola Técnica Estadual Guaracy Silveira e ao CNPq pela bolsa concedida para a realização do projeto.
A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química
Abstract This paper carries out a review of the literature regarding the scientific knowledge and its relationship with representative forms. It argues the importance of a clearer view of the scientific modeling process as a tool to make the teaching/learning process facilitated and away from science empiricist beliefs. To deal these objectives, it was proposed an activity. It was given to the students an object, so they were encouraged to develop an explanatory model followed by representations. Recognizing the limitations and differences of scientific processes, this activity proved quite viable and useful to discuss the various characteristics implied in scientific activities with an emphasis on the visualizations. Key-words: Models and modelling; Visualization; Chemistry teaching.
1
rar as novas investigações na temática. Artigos de
Introdução
revisão em visualização (Vavra et al., 2011; Teruya
O conhecimento científico e suas variadas for-
et al., 2013) têm mapeado questões sistemáticas
mas de representação chegam ao domínio público
com relação ao uso de ferramentas visuais. Como
com diferentes objetivos e níveis de complexi-
as visualizações influenciam a construção pessoal
dade. Um dos papéis dos professores de ciências
dos conceitos científicos? Qual é a natureza dessas
é o de planejar as atividades de ensino/aprendiza-
imagens? Quais são as estratégias pedagógicas que
gem com o objetivo de torná-las mais simples e
suportam os processos de ensino/aprendizagem
acessíveis de acordo com os objetivos propostos,
baseados nesses recursos? Que atividades podem
sempre evitando que tal redução de complexidade
ser ministradas para uma melhor compreensão do
não comprometa uma adequada formação concei-
uso representacional no ensino de química? Estas
tual seja dos conteúdos, seja de uma visão mais
são algumas das questões que motivam o desen-
geral da natureza dessa ciência.
volvimento dessa investigação.
Uma vez que a construção e a manipulação do
O estudo teórico dos modelos científicos, bem
conhecimento químico apresentam-se, muitas vezes,
como das suas representações, tem nos permitido
complexas e distantes da vida cotidiana dos nossos
aprofundar o entendimento da natureza do conhe-
alunos do ensino médio, diversas são as alternativas
cimento que origina tais produtos visuais e, por-
que docentes investigam e aplicam em sala de aula
tanto, uma melhor compreensão de suas intenções
para melhorar o ensino formal. O acelerado desen-
e limitações. Se essa abordagem nos tem sido de
volvimento das tecnologias de informação e comuni-
fundamental importância, por que não estendê-la à
cação, seguido de diversos estudos na área da teoria
sala de aula? Partimos do pressuposto que tal prá-
cognitiva, tem promovido a construção de diversas
tica poderia colaborar para a construção de con-
ferramentas visuais (modelos concretos 3D, imagens
cepções fundamentais dos alunos do ensino médio
estáticas e dinâmicas 2D e 3D, simulações, anima-
com respeito ao uso das visualizações científicas
ções, softwares interativos etc.) (Ferreira; Arroio,
em suas atividades de aprendizagem.
2009). Por motivos e resultados diversos, a introdução das mesmas em sala de aula tem sido um dos caminhos optados para enfrentar tais dificuldades. As pesquisas no ensino de química, sobretudo
2
Concepções de ciência e implicações no ensino e aprendizagem
as focadas na natureza do conhecimento científico
O principal valor da ciência é a desta ser um modo
e em visualização, vêm nos auxiliando a estrutu-
de entender o mundo (Justi; van Driel, 2005). Este
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
43
A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química
acesso não é realizado de modo direto, mas sim atra-
desafio está justamente em encontrar maneiras de
vés das diversas ferramentas culturais desenvolvidas
alcançar esse processo de enculturação na rotina
pela humanidade. Sendo assim, os objetos da ciência
da sala de aula comum, lembrando que essa pers-
não são os fenômenos da natureza, mas construções
pectiva a ser apresentada, muitas vezes, será confli-
desenvolvidas pela comunidade científica para inter-
tante com as ideias prévias dos estudantes.
pretá-la (Scott et al., 1999). Dentro desta perspectiva, Justi (2006) defende que uma das maneiras de definir a ciência é a de esta ser encarada como um processo
3
Modelos e modelagem
de construção de modelos com distintas capacidades
Ao discutirmos o termo “modelo”, inicial-
de previsão. Tais características possuem importantes
mente, temos de problematizar seu significado
implicações no ensino de ciências, entretanto, profes-
para a maioria dos alunos que estão iniciando seu
sores em formação e em atuação apresentam concep-
contato com a ciência. No dia a dia este é encarado
ções ingênuas sobre a natureza do conhecimento e de
como representação concreta de algo e reproduz,
suas formas representativas (Vries; Ferreira; Arroio,
muitas vezes, aspectos visuais fidedignos daquilo
2013; Ferreira; Arroio; Baptista, 2011).
que esta a ser representado, ou são uma cópia em
Nos últimos anos, a pesquisa no ensino de ciências tem dado ênfase sobre a importância de uma
diferentes escalas da realidade (objetos, acontecimentos, processos ou sistemas) (Justi, 2006).
visão sobre o conhecimento científico como social-
Já os modelos científicos, segundo Gilbert
mente construído, validado e expressado a diferen-
(2005), surgem quando cientistas ao explicarem
tes instâncias, em outras palavras, um conhecimento
um fenômeno passam a impor as principais ideias
simbólico por natureza e socialmente negociado.
sobre o exemplo estudado que é muito complexo.
Logo, a aprendizagem de ciências envolve iniciar
Por exemplo, químicos preferem trabalhar com
os aprendizes em formas científicas de se pensar.
soluções da substância pura do que com a mis-
Tal processo é encarado como um longo e não linear
tura em que ela seria encontrada na natureza. Isso
processo de enculturação, ampliando o papel do
é importante para explicar fundamentos básicos e
professor de organizador de processos pelos quais
realizar previsões do sistema. São escolhidas para
os alunos geram significados sobre o mundo natu-
auxiliar a formação de visualizações (percepção
ral, para um mediador que auxilia os estudantes a
visual) do nível macro. Posteriormente, modelos
entender como as asserções do conhecimento são
científicos terão uma importância ainda maior
geradas e validadas (Scott et al., 1999).
quando a sua construção é feita com o intuito de
Ainda de acordo com os autores (Scott et al.,
explicar fenômenos no campo submicroscópico.
1999), dentro de uma perspectiva socioconstruti-
Eles são uma idealização da realidade como é
vista, o conhecimento e o entendimento científico
imaginada, baseado em abstrações da teoria, pro-
são construídos quando os indivíduos se engajam
duzidos de maneira que as comparações com a
socialmente em conversações e atividades sobre
realidade sejam coerentes. Percebemos um longo
problemas e tarefas comuns, em que membros mais
processo humano na construção do conhecimento,
experientes são responsáveis por estruturar tarefas
que depende da validação de uma comunidade e a
que tornem possível o domínio das entidades e pro-
presença constante de subjetividade, sendo ainda
cessos apresentados. Estes se tornarão ferramentas
limitada pela linguagem envolvida.
culturais em que se pretende que os alunos atinjam
Cole (2007), na busca de explicar para leigos
um uso consciente. Consideram, portanto, que o
o modo de pensar da ciência, diz que “os modelos
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química
são tão absurdos quanto perfeitos”. As principais
• Aprender sobre ciência: os alunos devem
interpretações que tiramos de sua problematização
compreender adequadamente a natureza
são as de que estes podem ser considerados absur-
dos modelos e serem capazes de avaliarem
dos por se afastar bastante de toda complexidade
o papel dos mesmos no desenvolvimento e
dos objetos ou fenômenos a que estão se referindo.
difusão dos resultados de investigação;
Por outro lado, são perfeitos devido a sua própria
• Aprender a fazer ciência: os alunos
natureza de serem construídos para propósitos bas-
devem ser capazes de criar, expressar e
tante específicos.
comprovar seus próprios modelos (Justi; Gilbert, 2002).
No Quadro 1, apresentamos de modo sistemático como Gilbert (2005) define os status epistemológicos que os modelos são capazes de assumir, bem como seus possíveis modos de representação.
4
Objetivos
Uma proposta mais específica que atende essa
Realizar uma abordagem dos modelos cien-
perspectiva de ensino baseada na elaboração de
tíficos e suas formas representativas a alunos do
modelos é defendida por Justi (2006). Apesar de
ensino médio, com ênfase em características rela-
não termos nos apoiado de modo sistemático nessa
cionadas à interpretação e construção de visualiza-
proposta para realizarmos a que está descrita nesse
ções. Analisar a aplicabilidade de tal proposta, sua
trabalho, sua abordagem nos colabora a defender-
abrangência e implicações.
mos as implicações e importância da instrução sobre os processos de desenvolvimento da ciência, nesse caso mais específico, a construção e uso dos mode-
5
Metodologia
los científicos. Inicialmente, os argumentos e a finalidade que justificam sua inserção no ensino são:
Aplicou-se uma atividade a três diferentes turmas do terceiro ano do ensino médio da
• Aprender ciências: os alunos devem ter
Escola Técnica Estadual Guaracy Silveira (ETEC
conhecimento sobre a natureza, âmbito de
Guaracy Silveira) localizada em São Paulo – SP,
aplicação e limitação dos principais mode-
ao longo de uma aula com duração de 50 minutos.
los científicos consensuais e históricos (tais denominações serão discutidas a seguir);
A atividade prática consistiu em separar as turmas em grupos de, aproximadamente, seis alu-
Quadro 1. Modelos: status epistemológicos e modos representativos. Modelos “Status” epistemológicos:
Podem ser representados:
• Modelos mentais – Representação pessoal formada pelo indivíduo, sozinho ou em grupo; • Modelos expressos – Versão do modelo mental colocada no domínio público; • Modelos consensuais – versão de um modelo mental para um pequeno grupo, para determinado fim, como em uma sala de aula, utilizado para fins específicos, pontuais; • Modelos científicos – Modelo produzido, aceito e validado por um grupo social de cientistas de uma determinada área; • Modelos históricos – Modelo científico substituído, embora ainda seja aceito para determinados propósitos; • Modelos curriculares – Versões simplificadas de modelos históricos ou científico escolar;
• Modo concreto (ou material) - tridimensional, feito a partir de materiais resistentes, como por exemplo, um modelo do tipo bola-vareta; • Modo verbal - pode consistir de uma descrição de entidades, por exemplo; • Modo simbólico - consiste de fórmulas e símbolos químicos, equações e expressões; • Modo visual - faz o uso de representações gráficas, desenhos, diagramas, simulações, animações; • Modo gestual - faz uso do movimento do corpo no decorrer de uma explicação.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
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A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química
nos. Propôs-se que os mesmos realizassem uma investigação sobre um objeto e o explicassem de maneira gráfica e verbal (modo escrito) em uma folha de papel. Disponibilizou-se uma folha A4 a cada grupo e lápis de cor. Para essa etapa foi limitado um tempo de aproximadamente 15 minutos. O objeto de estudo era um aparelho denominado Sonzera®, o qual se imaginava ser pouco ou nada conhecido por parte dos estudantes. Trata-se de um equipamento em que a amplificação do som é realizada apenas quando o mesmo está em contato com determinadas superfícies. As Figuras 1 e 2 reproduzem as imagens externas do Sonzera®.
6
Resultados e discussão Pediu-se que os estudantes “explicassem” o objeto fornecido e reforçou-se ser importante a presença de elementos visuais e representações. As instruções, como um todo, ficaram vagas para alguns estudantes e foi necessário, então, explicá-la de outras formas, como, por exemplo, sugerir que os grupos devessem “vender” o objeto e assim deveriam explicá-lo, mostrar suas funções, entre outros aspectos que os parecessem convenientes. Tais argumentações “adicionais” podem ter gerado consequências sobre a produção da atividade, afastando um pouco os elementos que se esperavam obter nessa tarefa. No total, obtiveram-se dezessete atividades. A seguir, são mostrados cinco exemplos que nos chamaram bastante a atenção.
Figura 1. Fotografia da região externa frontal do aparelho.
Figura 3. Fotografia da atividade desenvolvida por um dos grupos.
Das atividades coletadas, a apresentada na Figura 3 exemplifica o modo mais comum que os alunos usaram para construir suas explicações, Figura 2. Fotografia da região externa traseira do aparelho (dir.) e um ímã, acessório do aparelho (esq.).
ou seja, realizar um cuidadoso desenho ilustrativo da parte frontal do equipamento com um pequeno texto informativo das suas funções. Acreditamos
O tempo restante da aula foi destinado à dis-
que isso indica, a princípio, que esses alunos
cussão das atividades desenvolvidas, resgatando
tenham uma concepção que subestima o papel
os pontos de interesse de maneira dialógica com
das visualizações, já que, nesse caso, a represen-
os resultados apresentados.
tação apresentou um caráter somente ilustrativo.
46
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química
Somente a linguagem verbal (escrita) teve o papel
explicar verbalmente os componentes desenhados.
de descrição, explicação, previsão etc. Como dis-
Entretanto, mais uma vez, o peso sobre a lingua-
cutido anteriormente, Justi (2006) aponta que o
gem verbal como veículo de explicação foi muito
senso comum sobre os modelos nos indica justa-
maior do que da linguagem visual.
mente essa tentativa de se aproximar de descrições “fidedignas” daquilo que se observa, ou seja, cópias da realidade.
Figura 4. Fotografia da atividade desenvolvida por um grupo de alunos.
Figura 5. Fotografia da atividade desenvolvida pelos alunos.
O desenho observado na Figura 4 se utiliza de uma analogia na busca de explicar as funções do objeto de estudo. O grupo que apresentou esta atividade foi um dos poucos que apontaram a semelhança do objeto de estudo com outro cotidiano de amplo conhecimento. Tal mediação entre o desconhecido com o conhecido, de fácil experimentação, trata-se de uma atividade bastante comum na construção e divulgação do conhecimento científico. Sendo assim, a discussão e referência a essa atividade tomou bastante tempo, captando a atenção dos alunos, principalmente dos que a desenvolveram. A atividade observada na Figura 5 exemplifica um grupo bastante dedicado que buscou represen-
Figura 6. Fotografia da atividade desenvolvida por um grupo de alunos.
tar a parte frontal, traseira e lateral, além de uma descrição por escrito bastante extensa. A repre-
Na Figura 6, observamos uma atividade desen-
sentação novamente teve um papel, sobretudo,
volvida por um grupo de alunos que estudavam
ilustrativo. Esta se difere da atividade apresentada
eletrônica no curso técnico do colégio e, assim,
pela Figura 3 por apontar a necessidade de mais de
usaram representações do circuito elétrico do
uma representação para explicar o mesmo objeto.
aparelho. A representação da esquerda indica ele-
Além disso, os estudantes se preocuparam em
mentos externos para explicar o objeto “desco-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
47
A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química
• A impossibilidade de se atingir uma expli-
nhecido”. Entretanto, a discussão maior foi dada
cação completa;
sobre a representação da direita, que indica o cir-
• Não existir a necessidade de se atingir uma
cuito eletrônico, pois esta não podia ser vista pelos
explicação completa;
estudantes pelo contato com o aparelho. Sendo assim, foi debatido sobre como os diferentes níveis
• Os nossos conhecimentos prévios influen-
de conhecimento podiam afetar nossos níveis de
ciam significativamente nossa produção de
explicação sobre um determinado objeto ou pro-
conhecimento e interpretação do mesmo;
cesso. Mostrou-se que aquela explicação dos estu-
• Dos conhecimentos prévios, de que maneira,
dantes mais complexa poderia, ou não, ser útil,
em especial, nosso conhecimento de mundo
dependendo do propósito estabelecido.
(do tangível) influência na produção e interpretação do conhecimento; • Uma investigação sobre um objeto de estudo pode resultar em explicações mais, ou menos, complexas – dependendo do que se pretende atingir; • Uma explicação pode ser desenvolvida a partir de novas descobertas e pontos de vista; • As representações resultantes e nossas interpretações sobre as mesmas possuem essas características citadas anteriormente; • A possibilidade do uso de diversas representa-
Figura 7. Descrição do objeto de estudo segundo um grupo de alunos.
ções acerca de um mesmo modelo proposto; • As representações são construídas a partir do uso de diversas convenções que preci-
Por último, na Figura 7, observamos que os
samos compreender, sendo que as cores
alunos buscaram dividir as diversas partes do apa-
ganharam destaque nesse ponto.
relho e explicarem cada uma isoladamente. Tal descrição foi mais profunda que a apresentada pela
Por último, utilizando um livro de química,
Figura 5 e a linguagem verbal não apresentou uma
demonstraram-se sucintamente como as diversi-
importância central. As linguagens verbais e visu-
ficadas visualizações dos entes e processos quí-
ais estiveram mais integradas que anteriormente.
micos presentes no mesmo estavam relacionados
Estas e as demais atividades nos propiciaram,
com os pontos discutidos naquela aula, que tinha
no instante da aula, um conjunto de material muito
como função realizar a ligação entre a observação/
rico para abordar tanto a formação do conheci-
investigação com as representações científicas.
mento científico, como o papel e as características das representações. Resumindo, os principais pontos abordados com as três turmas, apoiados sobre suas próprias atividades foram:
7
Conclusão Envolver os estudantes em atividades práticas
• As investigações sobre um objeto de estudo
de produção e discussão de modelos resultou, em
nos servem para realizarmos explicações e
termos práticos, em uma aula bastante dinâmica
previsões;
e simples de se efetuar. Mesmo diante do curto
48
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
A Abordagem dos Modelos Científicos e suas Formas Representativas como Etapa Prévia ao Uso de Visualizações no Ensino de Química
tempo de aula, além do tempo gasto com procedimentos de organização de grupos, consideramos que houve um aproveitamento muito positivo em relação aos objetivos propostos devido à qualidade das discussões e das atividades desenvolvidas. Foi possível abordar os principais pontos que consideramos necessários para avançar em um uso mais eficiente e consciente dos produtos da ciência. Entretanto, é bastante importante estar ciente das limitações envolvidas nessa atividade, tanto porque que se realizou um recorte específico de todo um complexo conjunto de características das atividades dos cientistas em suas práticas investigativas, bem como porque o objeto de estudo proposto aqui é bastante diferente dos objetos de estudo da química. Sendo assim, é de suma importância monitorar constantemente os objetivos de cada etapa da atividade. Ampliar e aprofundar esse tipo de atividade se mostra necessário. Em relação ao objeto de estudo, acreditamos que o professor pode diversificá-lo de modo que este desperte a atenção dos alunos. No caso dessa pesquisa, observou-se que muitos estudantes já tinham usado o equipamento proposto, porém, isso não prejudicou a atividade. Entretanto, trabalhos adicionais ainda precisam ser realizados para que tenhamos uma visão maior do impacto dessa ativi-
8
FERREIRA, C.; ARROIO, A. Teacher’s Education and the use of Visualization in Chemistry Instruction. Problems of Education in the 21st Century, 16, 2009, p. 48-53. ______.; ARROIO, A.; BAPTISTA, M. O uso de visualizações no ensino de ciências: a formação continuada de professores. VIII Encontro Nacional de Educação em Ciências e I Congresso Iberoamericano de Investigación en Enseñanza de las Ciencias, Campinas, 2011. FERREIRA, P.; JUSTI, R. Modelagem e o “Fazer ciência”. Química Nova na Escola, 28, 2008, p. 32-36. GILBERT, J. K. Visualization: A Metacognitive Skill in Science and Science Education. In: GILBERT, J. K. (Ed.). Visualization in Science Education, Holland: Springer, 2005, p. 9-27. JUSTI, R. La Enseñanza de Ciencias Basada en la Elaboración de Modelos. Enseñanza de las Ciencias, v. 24, n. 2, p. 173-184, 2006. ______.; van DRIEL, J. The development of science teachers’ knowledge on models and modelling: promoting, characterizing, and understanding the process, International Journal of Science Education, v. 27, n. 5, p. 549-573, 2005. SCOTT, P. et al. Construindo conhecimento científico na sala de aula. Química Nova na Escola, v. 9, p. 31-40, 1999. TERUYA, L. C. et al. Visualização no Ensino de Química: Apontamentos para a pesquisa e desenvolvimento de recursos educacionais. Química Nova, v. 36, n. 4, p. 561-569, 2013.
dade, bem como das adaptações necessárias.
VAVRA, K. L. et al. Visualization in Science Education. Alberta Science Education Journal, v. 41, n. 1, p. 22-30, 2011.
Referências
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COLE, K. C. Primeiro você constrói uma nuvem. Trad. Elizabeth Leal, Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 33-55.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
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Relato de Experiência 02 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
p. 50-59
Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade Conceptions of High School Students about Models and the Relationship Model and Reality Uarison Rodrigues Barreto1 e Lailton Passos Cortes Junior2
Resumo Considerando a importância do uso dos modelos para a construção do conhecimento das Ciências e da Química em especial, e das dificuldades de aprendizagem dos estudantes de nível médio, esse trabalho, produto e recorte de um trabalho de conclusão de curso, teve como objetivo identificar e analisar as concepções dos estudantes sobre os modelos e sua relação com a realidade. A análise dos dados sugere que as concepções predominantes sobre modelos são apresentadas como uma forma de representação mais próxima do que seria a realidade e não cópia da realidade. As concepções dos estudantes da escola particular e os ingressantes do primeiro semestre do curso de graduação foram consideradas mais adequadas, sendo que as maiores distorções foram percebidas em relação aos estudantes da escola pública. Palavras-chave: Ensino de Química; Modelos; Concepções prévias. Abstract Considering the importance of the use of models for the construction of knowledge of science and chemistry in particular, and learning difficulties of students from the Middle Level, the work product and a clipping of a end-of-course work, aimed at identifying and analyzing students’ conceptions about the models and their relation 1. Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História da Ciência, Universidade Federal da Bahia / Universidade Estadual de Feira de Santana. 2. Universidade Federal da Bahia – UFBA, Departamento de Química Geral e Inorgânica, Salvador – Bahia.
Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade
to reality. Data analysis suggests that prevailing conceptions of models are presented as a form of representation that would be the closest to reality and not a copy of reality. The conceptions of the private school students and freshmen in the first semester of graduation were considered more appropriate, with the largest distortions were perceived in relation to public school students. Key-words: Teaching chemistry; Models; Conception.
1
Introdução
fenômeno que se deseja estudar. Em Ciências, um modelo pode ser definido como uma representa-
Nas últimas décadas, pesquisas realizadas
ção parcial de um objeto, evento, processo ou ideia
sobre o ensino de ciências têm revelado que algu-
que é produzida com propósitos específicos como,
mas dificuldades associadas aos processos de
por exemplo, facilitar a visualização, fundamentar
ensino e da aprendizagem em Ciências e, sobre-
a elaboração e teste de novas ideias, possibilitar
tudo, em Química, estão relacionadas aos aspectos
a elaboração de explicações e previsões sobre
abstratos das mesmas. Considerando a natureza
comportamentos e propriedades do sistema mode-
da Química, pode-se afirmar que essa ciência
lado (Gilbert; Boulter; Elmer, 2000; Justi; Gilbert,
estuda as transformações da matéria, formada por
2002a).
substâncias, e essas, por moléculas, que, por sua
Partindo de relatos de pesquisa sobre concep-
vez, são compostas de átomos que são formados
ções distorcidas, ingênuas e sobre as dificuldades
por... Mas como discutir sobre átomos se eles não
encontradas na aprendizagem dos modelos pela
podem ser vistos?
maioria dos estudantes do ensino médio, procura-
Como esses “entes” não são vistos, considera-
mos responder à seguinte pergunta: as concepções
mos que estamos lidando com aspectos intangíveis
dos estudantes do nível médio sobre modelos quí-
aos nossos sentidos, o que torna difícil a sua com-
micos e sua relação com a realidade são adequa-
preensão, uma vez que se imagina fazer parte da
das para a compreensão do processo de construção
complexidade do universo que nos cerca. Porém,
do conhecimento químico e da aprendizagem dos
aqueles que desejam estudar a Química precisam
conteúdos desse campo disciplinar?
buscar o entendimento de um mundo submicros-
Segundo Romanelli (1996), o processo de
cópico para explicar as possíveis realidades do
ensino-aprendizagem do conceito de átomo apre-
mundo fenomênico. Nesse sentido, uma das nos-
senta dificuldades inerentes aos alunos em repre-
sas preocupações está relacionada com as concep-
sentar uma ideia abstrata. Nesse sentido, em pes-
ções de estudantes do nível médio sobre modelos,
quisas desenvolvidas por Souza e Justi (2003)
na tentativa de entender as ciências e, em particu-
também foi constatada uma extrema dificuldade
lar, a Química.
dos alunos com relação à compreensão dos mode-
Atualmente, na comunidade científica, o conhe-
los atômicos. Assim, admitindo as dificuldades no
cimento tem sido considerado como processo de
entendimento dos estudantes sobre vários conteú-
construção apoiado em modelos, em que se busca
dos químicos muito abstratos, existe a constatação
fazer aproximações com a realidade. Portanto,
do quanto é importante se pesquisar sobre os pro-
estamos admitindo que os modelos assumem um
cessos de ensino e de aprendizagem que envolvem
papel de mediador entre a realidade que pode ser
tais conteúdos, o que nos motivou a desenvolver
modelada e as teorias existentes sobre um dado
esta investigação.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
51
Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade
Tendo como pressuposto que o ensino de
Morison e Morgan (1999); Pietrocola (1999).
Química no nível médio é relevante como uma das
Esses pesquisadores foram escolhidos em função
formas de entendimento do mundo, a necessidade
de terem realizado trabalhos de grande relevância
de se buscar respostas para as questões levantadas
neste campo e que são amplamente reconhecidos
nesse trabalho converge para uma melhor com-
por outros pesquisadores, além das contribuições
preensão sobre o significado da palavra modelo,
de suas pesquisas para o Ensino de Química.
que é reconhecidamente um vocábulo polissêmico
De acordo com Justi (1999), através de mode-
e muito utilizado na construção da Química e no
los, os cientistas formulam questões sobre o
seu ensino. Nesse sentido, este trabalho tem como
mundo, descrevem, interpretam, testam diversas
objetivos:
hipóteses e realizam previsões acerca do que está
• Identificar as concepções de alunos do
sendo investigado. Um modelo é compreendido
nível médio sobre os modelos na Ciência e
aqui como uma “entidade”, elaborado com um
na Química em particular;
ou mais objetivos e que pode sofrer modificação
• Analisar como os alunos percebem a rele-
ao longo do tempo. Nesse sentido, os estudantes
vância da utilização dos modelos no Ensino
precisam também saber como e por que os mode-
de Química;
los são construídos. Segundo Morisson e Morgan
• Investigar como os alunos compreendem a relação entre modelo e realidade.
(1999), a aprendizagem sobre os modelos pode ocorrer por mediação de dois processos, ou seja, a construção e a utilização.
2
Comentando sobre os aspectos essenciais e
Os modelos e o ensino de ciências
pouco discutidos relacionados aos modelos e a
A importância de modelos em Ciências é ampla-
modelagem, Justi (1999) apresenta um questiona-
mente reconhecida entre os cientistas e filósofos
mento de grande relevância: será que os professo-
da ciência, dentre eles, Giere (1988); Magnani,
res de Química atribuem à palavra “modelo” um
Nersessian e Thagard (1999); Morgan e Morrison
significado adequado? Nessa pesquisa, a autora
(1999). Nesse sentido, o trabalho com modelos é
percebe que os próprios educadores não possuem
próprio do ensino das Ciências, em decorrência da
clareza sobre o significado de modelos, nem sobre
necessidade de se fazer imagens de um mundo quase
o papel da modelagem na construção do conheci-
imaginário (Chassot, 1993, p. 244). Nesta área, a pes-
mento químico.
quisa sobre as concepções de modelos e sua rela-
Islas e Pesa (2002), discutindo as ideias que
ção com a realidade se faz necessária, haja vista
professores de Física do nível médio possuem a
que são observadas grandes lacunas nesse campo
respeito dos modelos, identificaram a existência
de investigação.
de uma falta de reflexão sobre seu significado e
No desenvolvimento deste trabalho, fizemos
perceberam a dificuldade dos estudantes e pro-
uma revisão da literatura referente aos modelos
fessores para interpretar a relação entre o modelo
e o ensino de ciências, incluindo-se, também, o
e a realidade. A ideia de modelo como cópia da
levantamento de relatos de pesquisas que tratam
realidade ou como uma representação simplificada
deste tema de investigação. Dentre os referenciais
dos fenômenos reais é comum nos textos e arti-
teóricos, destacamos os seguintes autores: Bunge
gos analisados. Por exemplo, a pesquisa realizada
(1974); Chalmers (1995); Chassot (1993); Islas e
por Souza e Justi (2003) aponta que estudantes do
Pesa (2002); Justi (1999); Justi e Gilbert (2006);
Ensino Médio admitem que os átomos são iguais
52
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade
às representações dos livros didáticos. Essa cons-
balho ficará claro que, embora de fundamental importância, as teorias por si só nada valem no contexto científico, pois sendo abstrações produzidas por nossa razão e intuição não se aplicariam a priori às coisas reais. Por outro lado, os dados empíricos apesar de mais próximos da realidade, não podem ser inseridos em sistemas lógicos e gerar conhecimento. Desta aparente dicotomia entre teórico e empírico, é introduzida a modelização como instância mediadora (p. 9).
tatação evidencia que os estudantes não conseguem compreender que os livros apresentam apenas modelos do átomo. Aqui, os estudantes passam a confundir o modelo com a realidade – o que é um erro grave. Nesse caso, é necessário que se discuta na formação de professores de ciências, que se busca representar uma entidade (o átomo), cuja realidade é muito mais complexa do que o modelo. Outras concepções tais como aquelas que consideram que os modelos se aproximam, mostram
As pesquisas apontam que a noção de mode-
e explicam a realidade são também identificadas
los transcende seu papel no ensino de ciências e,
nestes trabalhos.
sobretudo, do conhecimento químico. Nesta ótica,
Na literatura existem diversos significados para
acreditamos que os modelos no ensino de ciências,
modelos, sendo o de representação um dos mais
na sua essência, não são cópias das realidades em
importantes. Considerando-se que um modelo
si, mas podem ser vistos como formas de repre-
pode ser entendido como uma representação,
sentá-la.
propõe-se que, ao utilizar um modelo qualquer no
Portanto, a análise das pesquisas sobre mode-
ensino de ciências, deve ficar bem claro para os
los e sua relação com a realidade nos ajudou a
estudantes que esta é apenas uma representação
perceber a importância de novas investigações
que está sendo utilizada para explicar um deter-
empíricas sobre esta questão, buscando novas
minado fenômeno. Acreditamos que os modelos
metodologias para o ensino de modelos químicos
são construídos com a finalidade de reproduzir
e ampliando os estudos que possam contribuir para
uma parte de uma dada realidade que, em geral,
uma melhor qualidade do ensino de química.
não podemos observar por meio dos sentidos. Consideramos que, através de modelos, nas mais diversas situações, podemos fazer interferências e
3
Metodologia
previsões de propriedades dos sistemas estudados.
Fizemos uma abordagem de caráter qualita-
Mário Bunge analisa a função dos modelos na
tivo, que teve como principal instrumento para o
constituição do conhecimento teórico das ciências.
levantamento de dados um questionário, através
Segundo o autor, o caráter teórico do conheci-
do qual buscamos identificar as concepções pré-
mento serve como medida de progresso científico,
vias de estudantes sobre modelos e a relação entre
mais do que o volume de dados empíricos acumu-
o modelo e a realidade.
lados. Isto decorre do avanço teórico de determi-
A investigação foi realizada em uma turma
nada área da ciência em apreender o real. Diante
da primeira série do ensino médio de uma escola
desse contexto, Bunge (1974) afirma:
pública (número de sujeitos = 32), outra de uma
Os modelos são abordados na medida em que se procuram relações entre as teorias e os dados empíricos. Estes são os intermediários entre as duas instâncias limítrofes do fazer científico: conceitos e medidas. Ao longo de todo seu tra-
escola particular (número de sujeitos = 17), ambos da cidade de Salvador, além de outra turma de estudantes ingressantes no Curso de Graduação em Química de uma Universidade Pública (número de sujeitos = 18). A quantidade total de sujeitos inves-
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Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade
tigados nesse trabalho foi de 67 estudantes. Nessa pesquisa, foi utilizado como instrumento metodológico o questionário a seguir, para o levantamento de dados acerca do tema proposto. O presente questionário foi aplicado em dois momentos (Modelo 1 e Modelo 2). Modelo 1: Questionário aplicado no primeiro
4
Resultados As tabelas a seguir apresentam as categorias emergentes da análise de conteúdo das respostas dos estudantes. Os dados apresentados nas tabelas são referentes apenas aos alunos que responderam as questões.
momento. 1. O que você entende por modelo?
4.1
2. Qual a finalidade do uso de modelos nas ciências? 3. Em sua opinião, qual a importância dos modelos na Ciência e na Química em
Tabela 1. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 1 (Modelo 1). Categorias
particular? Após realizarmos a coleta dos dados no primeiro momento, aplicamos um segundo questionário referente ao segundo momento (Modelo 2): Modelo 2: Questionário aplicado no segundo momento.
que acha dessa afirmativa? Justifique. 2. Como acha que podemos falar sobre os átomos se eles não podem ser vistos? 3. Represente a partir de um desenho um
05
Modelo como Representação
06
Concepções Distorcidas sobre Modelos
08
Tabela 2. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 2 (Modelo 1). Categorias
02
Concepções distorcidas
07
Tabela 3. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 3 (Modelo 1). Categorias
o que você entende sobre ela: “o átomo é como se fosse um pudim de passas”.
Quantidade de Sujeitos
Simplificação da Realidade
modelo de átomo que você conhece. 4. Comente a afirmação a seguir, explicitando
Quantidade de Sujeitos
Modelo como simplificação ou explicação da realidade
1. Alguns cientistas afirmam que os modelos são simplificações da realidade. E, você, o
Concepções prévias dos estudantes da escola pública (32 alunos) – primeiro momento
Quantidade de Sujeitos
Modelo como explicação da realidade
10
Modelo como Representação
13
Modelos como construção científica
03
A partir das respostas dos estudantes foram elaboradas categorias que foram analisadas segundo Bardin (1977), em que a análise de conteúdos se
4.2
Concepções prévias dos estudantes da escola pública – segundo momento
define como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, possuindo rigor no método como forma de não se perder a heterogeneidade de seu objeto. Assim, esta análise visa obter, sistematicamente, a descrição dos conteúdos das mensagens.
54
Tabela 4. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 1 (Modelo 2). Categorias
Quantidade de Sujeitos
Aproximação/simplificação da Realidade
09
Outras Concepções
02
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade
Tabela 5. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 2 (Modelo 2). Quantidade de Sujeitos
Categorias Modelo com Representação
12
Na questão 3, na qual era solicitada a representação, a partir de um desenho, de um modelo de átomo que os alunos conheciam, 29 estudantes fizeram os desenhos. A Tabela 6 apresenta três desenhos escolhidos.
Categorias
Desenho 2
Desenho 3
Estudantes da Ingressantes Escola Particular Química UFBA
Simplificação e explicação da realidade
06
12
Modelo como construção científica
10
04
Tabela 10. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 3 (Modelo 1). Categorias
Tabela 6. Desenhos referentes às respostas da questão 3 (Modelo 2). Desenho 1
Tabela 9. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 2 (Modelo 1).
Estudantes da Ingressantes Escola Particular Química UFBA
Explicação da Realidade
03
07
Representação da realidade
05
01
-
05
Modelo como construção científica
Tabela 7. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 4 (Modelo 2).
4.4
Quantidade de Sujeitos
Categorias Átomo como um modelo analógico
05
Concepções Distorcidas
06
Concepções prévias dos estudantes da escola particular e ingressantes no curso de Graduação em Química – segundo momento
Tabela 11. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 1 (Modelo 2).
Concepções prévias dos estudantes da escola particular (17) e ingressantes no curso de Graduação em Química (18) – primeiro momento
Modelo como simplificação da Realidade
08
-
-
06
Tabela 8. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 1 (Modelo 1).
Modelo como aproximação/ simplificação da realidade
4.3
Categorias
Estudantes da Ingressantes Escola Particular Química UFBA
Representação e simplificação da realidade
10
04
Modelo como construção científica
–
09
Categorias
Estudantes da Ingressantes Escola Particular Química UFBA
Tabela 12. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 2 (Modelo 2). Categorias
Estudantes da Escola Particular
Modelo como representação científica
09
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
55
Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade
Na questão 3 (“Represente a partir de um dese-
em Química possuem uma visão mais ampla sobre
nho um modelo de átomo que você conhece”),
modelos, adequadas para este campo disciplinar e
12 estudantes da Escola Particular fizeram os
bastante coerente com a literatura.
desenhos. A Tabela 13 apresenta três desenhos
Por outro lado, dentre os estudantes da escola pública, observou-se que muitos deles admitiam os
escolhidos.
modelos como um padrão ou referência, a exemplo Tabela 13. Desenhos referentes às respostas da questão 3 (Modelo 2). Desenho 1
Desenho 2
Desenho 3
de manequins ou coisas do tipo. A seguir, reproduzimos dois exemplos de respostas: “Quando vejo falar sobre modelos penso logo em desfile de mulheres e homens” (Estudante da Escola Pública).
Quando esta mesma questão foi apresentada aos alunos ingressantes na universidade, 18 deles fizeram os desenhos. A Tabela 14 apresenta dois desenhos escolhidos.
determinado fenômeno, acontecimento ou situação que ocorre na natureza ou artificialmente” (Ingressante no curso de graduação em
Tabela 14. Desenhos referentes às respostas da questão 3 (Modelo 2). Desenho 1
“Modelo é uma tentativa de representar um
Desenho 2
Desenho 3
Química). 4.6
Análise comparativa da segunda questão (Modelo 1)
Analisando as respostas dos estudantes em geral, montamos a Tabela 16:
08
09
Átomo como modelo científico
–
4.5
Ingressantes Química UFBA
Concepções distorcidas de modelos como analogias
Estudantes Escola Particular
Ingressantes Química UFBA
Estudantes Escola Pública
Estudantes da Escola Particular
Categorias
Tabela 16. Relação das respostas dos estudantes em geral. Finalidade dos Modelos
Tabela 15. Categorias Emergentes referentes às respostas da questão 4 (Modelo 2).
6%
35%
67%
Construção científica
-
59%
22%
Concepções distorcidas
-
-
-
Simplificação ou explicação da realidade
04
Análise comparativa da primeira questão (Modelo 1)
Pretendíamos analisar se as concepções dos
Nenhuma
22%
-
-
Não responderam
72%
6%
11%
estudantes do nível médio sobre modelos são adequadas para a compreensão do conhecimento quí-
Verificou-se que 22% dos estudantes da escola
mico. De modo geral, entre as respostas obtidas,
pública apontavam que os modelos não possuem
podemos verificar que os estudantes da escola par-
qualquer finalidade. Essa questão chamou bastante
ticular e os ingressantes no Curso de Graduação
nossa atenção. Os resultados obtidos mostram
56
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade
que os estudantes apresentam grande dificuldade
Podemos observar que os estudantes da escola
para explicitar suas concepções sobre os mode-
pública, nessa questão, possuem uma concepção
los nas ciências, sobretudo, seu uso e construção.
aproximadamente adequada sobre a importância
Diferentemente, a maior parte dos estudantes da
dos modelos nas ciências. Estes admitem que os
escola particular e dos ingressantes no Curso de
modelos são considerados importantes porque
Graduação em Química admitem que o papel dos
ajudam a explicar e representar a realidade, con-
modelos é simplificar e explicar as ciências através
tribuindo para a construção do conhecimento em
das diversas representações, levando ao seu desen-
ciências. Em relação aos estudantes da escola
volvimento. Algumas respostas dos estudantes são
particular, 41% deles admitem que os mode-
reproduzidas a seguir:
los são importantes para representar a realidade.
“Nenhuma, por que não tem nada a ver com a química e nem com a ciência” (Estudante da Escola Pública).
Comparando as concepções prévias dos estudantes ingressantes no Curso de Graduação em Química com os estudantes da escola pública e particular constata-se que as concepções dos estudantes, em
“Modelo é uma forma de simplificar a ciência, uma forma de demonstrar a realidade de maneira explicativa” (Estudante da Escola Particular).
geral, são adequadas, pois esses consideram que os modelos ajudam na construção, explicação, representação e progresso das ciências. 4.8
“Os modelos tem por finalidade a evolução da ciência garantindo uma melhor percepção de como as partículas são formadas” (Ingressante na graduação em Química).
Análise comparativa da primeira questão (Modelo 2)
Os dados coletados dos estudantes em geral, são mostrados na Tabela 18. Tabela 18. Relação das respostas dos estudantes em geral. Estudantes Escola Pública
Estudantes Escola Particular
Ingressantes Química UFBA
Análise comparativa da terceira questão (Modelo 1)
Importância dos modelos
4.7
Simplificação/explicação da realidade
28%
-
33%
-
47%
-
Propõe-se, nessa questão, analisar o que os estudantes pensam sobre a importância dos modelos nas ciências e na química. Com os dados coletados dos estudantes, montamos a Tabela 17.
-
5%
66%
53%
62%
Explicação da realidade
31%
-
39%
Construção científica
9%
-
28%
questão, 47% concordam com essa afirmativa,
Representação
41%
41%
5%
justificando com a ideia de que os modelos são
Não responderam
19%
59%
28%
Importância dos Modelos
Ingressantes Química UFBA
6%
Não responderam
Estudantes Escola Particular
Outras concepções
Estudantes Escola Pública
Tabela 17. Relação das respostas dos estudantes em geral.
Aproximação da realidade
Com relação aos dados obtidos, observarmos que 28% dos estudantes da escola pública possuem uma visão limitada. Entretanto, dentre os estudantes da escola particular que responderam essa
representações mais próximas do que seria a realidade. Para os ingressantes no curso de graduação
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
57
Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade
em Química, 33% deles consideram os modelos
4.11 Análise comparativa da quarta questão
(Modelo 2)
como explicações da realidade. Vale ressaltar que a quantidade de sujeitos que não responderam essa
A partir das respostas dos alunos, apresenta-
questão foi bastante relevante. Temos, a seguir,
mos os resultados na Tabela 19.
duas respostas dos estudantes:
mas também que eles nem sempre conseguem seguir a realidade para chegar ao mais próximo possível” (Estudante da Escola Particular). 4.9
Análise comparativa da segunda questão (Modelo 2)
Ingressantes Química UFBA
“Eu acho que são simplificações da realidade,
Estudantes Escola Pública
Escola Pública).
Analogia
explicar algo real de importante” (Estudante da
Estudantes Escola Particular
Tabela 19. Relação das respostas dos estudantes em geral.
“Eu entendo que é uma forma de teoria para
Analogia como modelo
16%
-
1%
Concepções distorcidas
19%
53%
50%
Não responderam
65%
47%
49%
Verifica-se que as concepções dos estudantes da escola pública, particular e dos ingressantes do
A partir dos dados coletados dos estudantes da
Curso de Graduação em Química sobre o uso de
escola pública, particular, e os estudantes ingres-
analogia do átomo de Thomson, como se fosse um
santes no Curso de Graduação em Química, é pos-
pudim de passas, apresentam muitas distorções.
sível afirmar que a ideia de representação é comum
Vale ressaltar, ainda, que a quantidade de sujeitos
para os estudantes investigados. Eles admitem que
que não responderam a essa questão foi bastante
os átomos não podem ser vistos, porém, com a uti-
relevante. Algumas respostas dos estudantes são
lização dos modelos, podemos estudá-los e com-
reproduzidas a seguir:
preender certos conhecimentos nas ciências.
“Por que os átomos são elementos pretinhos
4.10 Análise comparativa da terceira questão
como as passas” (Estudante da Escola Pública).
(Modelo 2)
“Deve ser pinguinhos pretos e mássicos”
Verificamos que, dos 32 estudantes da escola
(Estudante da Escola Particular).
pública investigados, 91% deles utilizaram desenhos com distorções, ou seja, desenhos como casa,
“Ele quis dizer que o pudim é o núcleo de pró-
flor ou coisas do tipo. Apenas 3% desses estudantes
ton estava gravejado de passas (elétrons) todos
apresentaram uma concepção aproximada do que
juntos no núcleo” (Ingressante na graduação
seria um átomo de acordo com a literatura. O mesmo
em Química).
ocorreu com os estudantes da escola particular, pois verificamos que 71% dos desenhos apresentaram distorções acerca dos modelos. Entretanto, 89% dos estudantes ingressantes no Curso de Graduação em
5
Considerações finais
Química apresentaram um desenho adequado de
Os resultados apontam para uma predominân-
um modelo, que também estava de acordo com a
cia das concepções sobre modelos aproximada-
literatura. Apenas 11% destes estudantes apresenta-
mente adequadas para os estudantes da escola par-
ram desenhos com distorções.
ticular e para os estudantes ingressantes do curso
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Concepções de Estudantes sobre Modelos e a Relação entre Modelo e Realidade
de graduação em Química. Tais concepções são baseadas na ideia de que o modelo não é uma cópia da realidade, mas uma forma de representação mais próxima do que seria a realidade. Verificou-se, também, que entre os estudantes da escola pública, a maior parte deles possui uma concepção ingênua e, muitas vezes, distorcida sobre modelos e sua relação com a realidade. Para muitos estudantes, o significado mais comum da palavra “modelos” está relacionado com manequins ou miniaturas, isto é, uma representação concreta de algo que existe. Talvez seja por isso que muitos estudantes possuem uma visão distorcida e pensam que os modelos são como cópias da realidade. Vale lembrar que encontramos concepções distorcidas entre os estudantes nas três instituições de ensino, porém, a escola pública foi o local onde pudemos observar o maior número destas distorções. Portanto, o desenvolvimento deste trabalho nos trouxe algumas reflexões relevantes, sobretudo quanto às concepções distorcidas dos estudantes acerca deste tema. Acreditamos que os modelos utilizados nas Ciências precisam ser melhor compreendidos pelos estudantes para melhorar o entendimento de sua relação com a realidade.
6
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Relato de Experiência 03 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
p. 60-69
Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos Chemistry of smells: a multimodal approach to diagnosis of the misconceptions from the models expressed by students Danilo José Ferreira Pinto1, Claudia Teixeira Siqueira2, Jaqueline de Souza Reges3, Valéria Campos dos Santos4 e Agnaldo Arroio5 6
Resumo Neste artigo descrevemos uma sequência didática realizada dentro da temática química dos cheiros, no qual foram aplicadas atividades de modelagem, produção textual e discursiva. A partir de representações pictóricas acerca do estado de agregação da matéria, pretendeu-se analisar o modelo expresso pelos alunos com o intuito de compreender melhor quais as características, semelhanças e diferenças 1. Formado em química licenciatura pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). Cursando mestrado em ensino de química pelo programa de Pós-graduação Interunidades em Ensino de Ciências. 2. Formada em química licenciatura pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). 3. Estudante do curso de Licenciatura em Química pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP). 4. Graduada em Química (licenciatura) pela Universidade Federal de Lavras e mestre em Agroquímica pela Universidade Federal de Lavras. Atualmente é aluna de doutorado em Ensino de Química pela Universidade de São Paulo. 5. Bacharel em Química pela USP e em Imagem e Som pela UFSCAR, Mestre e Doutor em Físico ‑Química pela USP, Pós-doutorado em Educação pela USP, Livre Docente em Metodologia do Ensino pela Faculdade de Educação da USP. Professor Associado na Faculdade de Educação da USP. 6. Agradecemos a colaboração dos alunos e funcionários da Escola de Aplicação da FEUSP, aos alunos de cursinho voluntários e à CAPES por contribuir para a valorização do magistério a partir do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID).
Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos
do modelo mental formulado por eles e identificar possíveis concepções alternativas. Concluímos que a abordagem multimodal auxiliou nesse processo, pois obtivemos mais pistas acerca do modelo mental formulado pelos alunos. Palavras-chave: Multimodalidade; Concepções alternativas; Modelagem molecular. Abstract The present article describes a didactical sequence performed within the chemistry of smells topic, in which modelling activities have been applied along with written and oral production. Based on pictorial representations of the physical state of matter, an analysis of the models expressed by students was intended; aiming at a better understanding of the characteristics, similarities and differences of the mental model formulated by them and identify possible misconceptions. We conclude that the multimodal approach helped in this process, as we have obtained more clues about the mental model formulated by the student. Key-words: Multimedia learning; Misconceptions; molecular modeling.
1
Utilização de atividades de modelagem como ferramenta de ensino e avaliação
tratos pela criação de estruturas por meio das quais ele pode explorar seu objeto de estudo e testar seu modelo, desenvolvendo conhecimentos mais complexos (Ferreira; Justi, 2008). Muitas vezes,
Johnstone (2000, 1983 e 1982) defende que,
a explicação de um determinado fenômeno é con-
para compreensão da química e de suas transfor-
templada por mais de um modelo, com poderes de
mações, é necessário transitar por entre três modos
explicação e predição diferentes (Monteiro; Justi,
de representação, macroscópico (campo do feno-
2000). Como os modelos atômicos, por exemplo,
menológico, compreendido a partir dos sentidos),
o modelo de Dalton deu suporte para as teorias de
submicroscópico (não observável, de natureza
Lavoisier e Proust (conservação da matéria e lei da
abstrata) e o simbólico (símbolos e códigos pró-
proporção definida, respectivamente), enquanto o
prios das ciências). As compreensões submicros-
modelo de Bohr explica as irradiações atômicas.
cópica e simbólica são especialmente difíceis para
Ambos explicam o átomo e são amplamente uti-
os estudantes porque são abstratas e o pensamento
lizados, dependendo do sistema ou do fenômeno
dos alunos é construído sobre a informação senso-
que se quer interpretar.
rial (Ben-Zvi; Eylon; Silberstein, 1987).
No processo de ensino e aprendizagem de
Para auxiliar nesse processo de transição, por
química, o aluno formula um modelo mental ao
entre os três modos de representação, utilizam-se
estabelecer relação entre a escala nuclear e o fenô-
modelos representacionais. Modelos têm papel
meno observado (Chittleborough; Treagust, 2007).
central no ensino e aprendizagem de química, são
Rapp e Gilbert (2007) propõem que um modelo
as principais ferramentas e produtos da ciência no
mental pode ser considerado uma estrutura de
qual, a partir da formulação destes, pode-se des-
conhecimento organizada e internalizada com
crever, interpretar, explicar fenômenos, fazer pre-
relações individuais de causa, tempo e espaço e
visões, elaborar e testar hipóteses. A construção de
formadas por fragmentos de informação externa.
modelos permite ao aluno visualizar conceitos abs-
Os estudantes, frequentemente, não estabelecem
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Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos
relações apropriadas entre o nível macro e o sub-
dante é estimulado sensorialmente a partir de instru-
microscópico (Pozo, 2001; Kozma; Russell, 1997;
ções verbais e não verbais. Parte desta informação
Gillespie, 1997) e não conseguem compreender as
é selecionada para a memória de trabalho na qual
relações entre as diferentes representações quími-
as múltiplas representações são organizadas, inte-
cas (Wu; Krajcik; Soloway, 2001).
gradas e recicladas, ou seja, onde se formulam os
Dentro da temática química dos cheiros foi
modelos mentais. A memória de longo prazo é onde
aplicada uma proposta de trabalho multimodal.
o novo conhecimento é instaurado causando moti-
Foram utilizadas atividades de modelagem pelo
vação e efeitos de metacognição no aluno. Esta é
uso de representações pictóricas, produção textual
classificada em duas partes, a semântica (registro
e discursiva. A partir desta abordagem, pretendeu-
estruturado de fatos) e episódica (carga emocional
-se investigar qual o modelo mental formulado
do contexto do evento). Resumindo, os diversos
pelos alunos e diagnosticar as possíveis concep-
modos de instrução são utilizados para estimular a
ções alternativas acerca dos estados de agregação
memória sensorial em várias vias a fim de promover
da matéria.
a motivação dos alunos ao integrar, organizar e reciclar novas informações acerca dos conceitos.
2
Em seu estudo acerca da aprendizagem multi-
A utilização de representações pictóricas no contexto da abordagem multimodal
mídia, Mayer (2003) define como aprendizagem multimídia quando o professor se preocupa em
Para construir as representações mentais, o
utilizar imagens e palavras para promover a apren-
aluno precisa integrar as diversas modalidades de
dizagem (Figura 2). O autor avalia o potencial do
informações disponíveis (Mayer, 1997). A aprendi-
método multimídia a partir da capacidade do aluno
zagem pela abordagem multimodal ocorre quando
de resolver uma situação problema e conclui que
o estudante constrói uma representação mental
ele aprende melhor quando relaciona imagens,
a partir de palavras e figuras que são apresenta-
palavras e conhecimento prévio.
das a ele (Mayer, 2003). Moreno (2005) propôs
Souza e Arroio (2012) exploraram a aprendiza-
um modelo de aprendizagem a partir da concep-
gem multimodal em aulas de química para ensinar
ção multimodal (Figura 1), o qual foi denominado
o conceito de equilíbrio químico. Como produto
CATLM (Cognitive-affective Theory of Learning
final, os estudantes elaboraram um relatório de
with Media). De acordo com este modelo, o estu-
atividades onde apresentaram “o que é equilíbrio
Modo de instrução Sons narração
Memória sensorial
Memória de longo prazo
Integra
Conhecimento semântico
Audição Visão Olfato
Textos imagens
Memória de trabalho
Tato
Percepção e atenção
Seleciona
Organiza Recicla
Conhecimento episódico
Paladar
Motivação de efeito metacognitivo
Figura 1. Modelo de aprendizagem a partir da concepção multimodal adaptado de Moreno e Mayer (2007).
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Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos
Escritas
entre eles. As ideias prévias apresentadas pelos estudantes acerca dos fenômenos observados são
Palavras Faladas Aprendizagem multimídia
provenientes da influência de seu ambiente cotidiano, sendo que estas não se relacionam necessa-
Estáticas
riamente com os conceitos cientificamente aceitos. Ao interagi-las com as atividades promovidas em
Imagens Dinâmicas
Figura 2. Esquema das ferramentas disponíveis para a aprendizagem multimídia adaptado de Mayer (2003).
sala de aula, considerando-se a linguagem científica, os estudantes são instigados a refletir e conciliar seus modelos mentais com aqueles cientificamente aceitos (Fernandes; Marcondes, 2006). Carrascosa (2005) descreve as principais con-
químico” a partir de um discurso verbal e escrito.
cepções alternativas, acerca de diferentes conteú-
Os autores identificaram falta de coerência entre
dos de domínio científico, identificadas após apli-
o texto e as imagens nos relatórios produzidos
car um questionário a alunos de diferentes níveis
pelos alunos. Moreno e Mayer (2007) alertam que
escolares (inclusive professores em formação). A
a grande quantidade de informações advindas por
respeito da natureza da matéria, o autor relata as
várias vias pode sobrecarregar o sistema cognitivo.
concepções alternativas mais frequentes, como o
Neste trabalho, adotou-se a abordagem multi-
fato dos alunos pensarem que os gases não pos-
modal como fomento para a produção das repre-
suem peso, frequentemente influenciados pela não
sentações pictóricas, pois acreditamos que a ativa-
visualização do gás, ou seja, como o ar é trans-
ção de mais de um dos sentidos, durante o processo
parente ele não é considerado matéria. Também
de ensino e aprendizagem, acarreta na formulação
é comum atribuírem propriedades macroscópicas
de um modelo mental mais coeso com o modelo
aos átomos, por exemplo, quando o ferro funde
aceito pela comunidade científica.
são as próprias partículas que se fundem e se um gás se comprime as partículas reduzem o tamanho.
3
Concepções alternativas acerca dos estados de agregação da matéria
O autor destaca que as causas da origem e persistências das ideias alternativas no campo da ciência são, principalmente, a influência das experiências
As concepções alternativas podem ser defini-
físicas cotidianas e da linguagem que usamos no
das como explicações, sem base científica, para
nosso dia a dia, das nossas relações interpessoais,
os fenômenos observados, e têm como origem as
dos meios de comunicação, da existência de gra-
experiências pessoais e de socialização (Bastos,
ves erros conceituais em alguns livros didáticos,
1998; Driver et al., 1999; Mulford; Robinson,
das ideias alternativas dos professores e da utili-
2002). Todavia, alguns autores advertem que mui-
zação de estratégias de ensino e metodologias de
tos educadores e livros didáticos também colabo-
trabalho pouco adequadas. Silvia et al. (2005) aplicaram questionários a
ram para promover novas concepções alternativas (Horton, 2007).
alunos do curso de licenciatura em química com
Estudos apontam que, mesmo após uma edu-
o objetivo de identificar a persistência de concep-
cação formal em química, os estudantes tendem
ções alternativas acerca dos estados de agregação
a apresentar falhas na compreensão de conceitos
da matéria, solubilidade e expansão térmica do ar.
químicos e têm dificuldade em estabelecer relações
Os autores diagnosticaram que os alunos têm difi-
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Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos
culdades em representar as partículas em posições
Projeto Potência e, após sofrer adaptações, tam-
aleatórias (desorganizadas) para os estados líquido e
bém foi aplicada, no segundo semestre de 2013,
gasoso, pois, na maioria das produções, as partículas
com um aluno do nono ano do ensino fundamen-
são representadas em fileiras. Também notaram que
tal. Os alunos de cursinho (três grupos de cinco ou
as mesmas partículas são representadas com volume
seis integrantes) participaram de um minicurso e
maior no estado gasoso do que no estado líquido.
tiveram mais atividades do que o aluno do ensino
Barboza, Diniz e Araújo (2011) publicaram os
fundamental. Este participou das intervenções dos
resultados de uma atividade aplicada a alunos do
alunos do PIBID (Programa Institucional de Bolsa
ensino médio, no qual eles deveriam representar os
de Iniciação à Docência) e, no dia da intervenção,
estados físicos da matéria pelo modelo de partícu-
era o único aluno presente. Portanto, não se pre-
las. Nessas produções, foram identificadas repre-
tende comparar os resultados das duas aplicações,
sentações pictóricas icônicas, tais como uma nuvem
pois as atividades foram aplicadas em momen-
para representar os gases, uma gota representando
tos e para alunos de níveis de ensino distintos.
o líquido e uma forma geométrica para representar
Entretanto, os resultados são passíveis de análise
o sólido, apresentando uma relação de semelhança
pois condizem com o objetivo proposto: investigar
ou analogia do submicroscópico com o objeto que
as potencialidades e limitações da estratégia ado-
o representa no macroscópico. Nesse caso, os alu-
tada para a avaliação da aprendizagem e diagnós-
nos não consideraram as diferenças do estado de
tico das concepções alternativas.
agregação da matéria para os diferentes estados
É importante ressaltar que, apesar deste traba-
físicos, mesmo sendo solicitados a representarem
lho focar nas concepções alternativas identificadas
pelo modelo de partículas, eles demonstraram uma
a partir da atividade de modelagem, utilizou-se
visão puramente macroscópica da matéria.
também da concepção multimodal para fomentar
Com base nas experiências relatadas, elaborou-
as produções dos alunos, tanto no campo discursivo
-se uma sequência didática, nos moldes da con-
quanto no escrito (Kress et al., 2001). Nestas duas
cepção multimodal, com o objetivo de promover
oportunidades, foram propostas sequências de ati-
melhor aprendizagem na temática química dos
vidades que levaram em consideração as habilida-
cheiros. Utilizando-se a atividade de modelagem
des dos alunos, dentro da sala de aula, provenientes
como principal ferramenta de avaliação dos mode-
de suas experiências de vida. Considerou-se que os
los elaborados pelos alunos, foram analisadas as
alunos não são iguais e procurou-se respeitar suas
produções (verbais e não verbais) a fim de inves-
habilidades provenientes de origens sociais, cultu-
tigar as potencialidades e limitações da estratégia
rais e econômicas das mais diversas, com saberes,
adotada para a avaliação da aprendizagem e diag-
valores, desejos e vivências (Moreira, 2008).
nóstico das concepções alternativas.
Utilizaram-se ferramentas de ensino variadas como a utilização de experimento e desenvolvi-
4
Proposta de utilização de modelagem para o entendimento de conceitos químicos dentro do contexto multimodal
mento representacional de modelos microscópicos e considerou-se que a apresentação do conteúdo não tem utilidade se o estudante não conseguir decifrar a linguagem com a qual o professor se
Esta proposta foi aplicada em dois contextos
expressa. Essas atividades ampliam o desenvol-
diferentes, primeiramente, no segundo semestre
vimento cognitivo, integradas por modalidades
de 2012, com alunos do Cursinho Comunitário
sensoriais como a visão, audição e olfato, sendo
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Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos
importantes para alcançar o objetivo da aprendi-
aula objetivou evidenciar, aos alunos, que o pro-
zagem. Os alunos precisam compreender e utilizar
cesso de identificação de substâncias a partir do
a linguagem da ciência ao combinar, relacionar e
cheiro é um processo individual construído social-
integrar um conceito a outros e uma linguagem a
mente. A atividade consistiu em retirar três alunos
outras (Souza; Arroio, 2012).
da sala e vendá-los (um aluno e dois voluntários,
A proposta de realização do experimento é
no caso da intervenção do PIBID). Com o intuito
uma maneira dos alunos desenvolverem habilida-
de identificar as substâncias apenas pelo olfato,
des procedimentais bem como aprender conceitos
os alunos foram trazidos, um a um, para experi-
ao identificar, classificar, descrever e comparar
mentar cheiros que, teoricamente, são próximos
acontecimentos e transformações químicas. Deste
ao seu cotidiano (etanol, essência de banana, den-
modo, ao interpretar suas observações (a partir de
tre outras) e outros, distantes (tetracloroetileno e
concepções prévias, a princípio, e com base em teo-
essência de maça verde). Os resultados demonstra-
rias e modelos discutidos pelo professor), a cons-
ram que, o sucesso em identificar materiais a par-
trução dos conceitos trabalhados pode ocorrer de
tir do cheiro depende exclusivamente da memória
forma mais efetiva para os alunos (Giordan, 1999).
olfativa do experimentador.
A sequência de atividades aplicadas aos alunos 4.2
do cursinho fez parte de um minicurso, oferecido pelos alunos da disciplina EDM432 – Metodologia
Atividade 2 – Calculando as concentrações pelo uso de software educativo
do Ensino de Química II. O minicurso teve carga
Esta atividade foi aplicada apenas aos alunos do
horária de quatro horas distribuídas igualmente
cursinho. Foi utilizado um software educacional dis-
em dois encontros e foi realizado no laboratório
ponível no portal do Ministério da Educação (MEC)
de química da Faculdade de Educação da USP
denominado Fábrica de Perfumes (Figura 3).
(FE-USP). Na segunda oportunidade, algumas modificações foram feitas levando em consideração que o aluno é de ensino fundamental e que a sequência de atividades teria que ser realizada em apenas uma hora. A aula foi uma das intervenções realizadas pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) e foi realizada na Escola de Aplicação da FE-USP. As atividades deste programa foram desenvolvidas com alunos de ciências do ensino fundamental e se preocupou em utilizar recursos didáticos que facilitassem a visualização do aluno em todos os modos de representação (Santos; Gouvêa; Arroio, 2013). Segue breve descrição da sequência de atividades. 4.1
Atividade 1 – Experimento: identificando os materiais pelo cheiro
Além de introduzir o tema de maneira descontraída e contextualizada, este momento inicial da
Figura 3. Página inicial da simulação Fábrica de Perfumes.
Utilizando a simulação proposta, cada grupo escolheu um tipo de aromatizante corporal e calculou a quantidade necessária de essência, em volume, para fabricar três frascos de volumes diferentes.
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Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos
4.3
Atividade 3 – Atividade de modelagem
Nessa atividade, os alunos representaram as partículas, no submicroscópio, presentes dentro de um frasco de perfume esquematizado em uma folha sulfite A4 (Figura 4). Os resultados desta atividade e da próxima são o foco da análise deste trabalho.
Figura 5. Resultados da atividade de modelagem com os alunos do cursinho.
Na Figura 5c, nota-se a ausência de moléculas no estado gasoso dentro do frasco; quando questionados, alguns alunos assumiram acreditar que “não há nada ali”, ou seja, só há matéria quando esta pode ser vista. Carrascosa (2005) identificou ideias semelhantes em sua pesquisa ao aplicar Figura 4. Desenho na cartolina para representação do modelo.
questionários sobre o assunto para alunos de diferentes níveis escolares. O ar é representado como um agente de solvatação de moléculas nas Figuras 5b e 5c. Os alunos
4.4
Atividade 4 – Discussão dos resultados da análise das representações pictóricas com base nas principais concepções alternativas apontadas pela literatura
Neste momento, foi realizada uma análise dialogada com os alunos acerca dos resultados da atividade anterior. 4.5
frasco. O professor reforçou com eles o fato de que o ar é composto de moléculas de O2, N2, Ar, dentre outros, que poderiam ter sido representados. Os alunos também afirmaram acreditar que, na Figura
Os estudantes representaram as moléculas em
à turma do cursinho. Trata-se de um experimento que explora as relações entre a energia e a volatilidade de substâncias puras.
tamanhos diferentes na figura 5a e, quando questionados se isso afetaria a volatilidade responderam que sim, pois “moléculas menores evaporam mais rápido”. Chama a atenção na figura 5b, a representação da molécula de água como uma gota, pois os alunos
Análise das representações e identificação das concepções alternativas
utilizaram uma visualização do macroscópico como modelo para representar a molécula no submicros-
As representações produzidas pelos alunos do
66
como um “elemento” presente apenas fora do
uma nova substância, “um ar que têm cheiro”.
Atividade 5 – Experimento: relação entre volatilidade e energia
cursinho estão representadas nas Figuras 5.
las gasosas”. Além disto, o ar está representado
5b, a “solvatação do ar” promove a formação de
Esta atividade também foi aplicada somente
5
afirmaram acreditar que o “ar envolve as molécu-
cópico. Quando questionados, os estudantes afirmaram entender que, no mundo submicroscópico,
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a molécula de água não deve se parecer com uma gota e que apenas escolheram representá-la desta forma. Representações icônicas também foram encontradas na pesquisa apresentada por Barboza et al. (2011) na qual os alunos fazem uma relação de semelhança ou analogia representando o estado físico líquido pelo desenho de uma gota de água. Nota-se o mesmo distanciamento das moléculas, mesmo em estados físicos diferentes, nas figuras 5a e 5b. Os alunos revelaram que não pensaram nas interações intermoleculares e nas relações com a energia ao elaborar as representações. Na Figura 5a, as moléculas são representadas
Figura 6. Resultado da atividade de modelagem com o aluno de ensino fundamental.
de maneiras diferentes nos estados físicos gasoso e líquido. Quando questionados, o grupo que produziu a representação assumiu acreditar que as molécu-
comentou ter optado por utilizar cores diferentes
las ficam maiores (infladas) quando passam para o
para representar os estados físicos diferentes.
estado gasoso. Tal concepção também foi identifi-
O aluno também afirmou ter utilizado cores
cada por Silvia et al. (2005) nas respostas dos ques-
diferentes para representar a ausência ou a presença
tionários aplicados à alunos do curso de licenciatura.
da interação intermolecular da molécula responsá-
Na intervenção do PIBID, após realizar a ati-
vel pelo cheiro com a água. Portanto, compreende-
vidade experimental “Identificando os materiais
-se que não se trata da concepção de que a molécula
pelo cheiro”, iniciou-se um colóquio dialogado
transforma-se em outra ao mudar de estado físico.
com o intuito de fomentar e instigar o estudante.
O fato de o aluno não representar as molécu-
Perguntou-se ao aluno “o que há neste frasco de
las presentes no ar suscitou outra questão: “dentro
perfume?”, “tem ar? Água? Oxigênio? O que
deste frasco tem ar?”, o aluno admitiu que sim; “o
mais?”, “de onde vem o cheiro?” “como percebe-
ar é composto por moléculas?”, o aluno também
mos este cheiro?“, dentre outras questões. Pediu-se
concordou, afirmando que há oxigênio, dióxido
para o aluno representar as moléculas presentes em
de carbono e outras moléculas. Contudo, assumiu
um frasco de perfume (Figura 4) em uma folha sul-
não ter representado todas essas moléculas porque
fite com algumas canetinhas coloridas. O resultado
daria muito trabalho. Algumas outras questões foram levantadas
está disposto na Figura 6. Ao analisar a Figura 6, nota-se que a “subs-
pelos professores a fim de investigar o que o aluno
tância cheirosa” muda de cor ao passar do sis-
quis dizer com o modo de representar o sistema
tema aquoso para o gasoso (cor laranja para o que
proposto, tais como: “o que há entre uma molécula
ele chamou de “substância cheirosa” em solução
e outra? Tem ar? Ou não há nada?”; “as moléculas
aquosa e a cor azul para a substância cheirosa no
estão distanciadas pelo mesmo comprimento no
estado gasoso). Supondo que o aluno possua a con-
estado líquido quanto no gasoso?”; “a molécula de
cepção de que, ao mudar de estado físico, a molé-
água está sempre representada pela mesma direção
cula sofre transformação, perguntou-se, “ainda
espacial, por quê?” e; “na fração gasosa, dentro do
é a mesma molécula?”. Ele respondeu que sim e
frasco de perfume, tem água?”.
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Química dos Cheiros: uma abordagem multimodal para diagnóstico de concepções alternativas dos modelos expressos pelos alunos
Apenas observando a figura, pudemos identifi-
foi representada como gota, levando o professor a
car pelo menos uma concepção alternativa, mas ao
acreditar que o aluno possui a concepção alterna-
entrevistar o aluno, percebeu-se que não era o caso. O
tiva de que o mundo submicroscópico é idêntico
ocorrido suporta a necessidade de se avaliar o aluno
ao macroscópico em forma, mas não em tamanho
por diversas vias discursivas (textual, fala, represen-
(Carrascosa, 2005). Contudo, na discussão, o aluno
tações, dentre outras). O discurso dialógico permitiu
revelou não acreditar que esta seja a correta repre-
que o aluno externalizasse suas ideias e construísse
sentação de uma molécula de água e que, apenas
os conceitos com a mediação dos professores.
escolheu representá-la desta maneira porque não se
Apesar das atividades 3 e 5 (simulação computa-
lembrava da fórmula estrutural correta.
cional e experimento) não fazerem parte do foco de
A identificação equivocada de algumas das
análise deste trabalho e terem sido aplicadas somente
concepções alternativas dos alunos, ao analisar as
aos alunos do cursinho, cabe ressaltar a importância
representações pictóricas, evidencia a fragilidade
destas para a contextualização do tema e fomento
deste tipo de atividade enquanto única forma de
multimídia para o processo de produção das repre-
comunicação entre o aluno e seu modelo mental e
sentações pictóricas. A partir delas, avaliou-se que os
o professor. Por outro lado, os resultados obtidos
alunos precisam aprimorar a habilidade de interpre-
neste trabalho expõem a potencialidade do uso das
tar gráficos e tabelas e apresentaram dificuldades em
representações pictóricas como ferramenta de ava-
aplicar o conceito de proporcionalidade.
liação quando combinadas com a produção textual e verbal. Isto reforça a nossa opção de utilizar modos de comunicação diversificados e reitera a
6
Conclusão
necessidade de estruturar estratégias didáticas dentro desta concepção.
Compreendemos que são necessárias mais pesquisas em torno das potencialidades e limitações das ferramentas avaliativas e dos referenciais conceituais, próprios da química, dos processos de modelação e, portanto, não se pretendeu esgotar o tema com este trabalho. Porém, podemos constatar que a análise das representações pictóricas, em conjunto com a produção discursiva e textual, propiciou uma avaliação mais justa do modelo internalizado pelo aluno, pois promoveu um diagnóstico mais completo de concepções alternativas. Diversos momentos da discussão suportam essa afirmação, como ao analisar a Figura 6, o professor supõe que o aluno entende que a substância sofre uma transformação ao mudar de estado físico, pois ele representou esses sistemas com cores diferentes; entretanto, durante a entrevista, o aluno assumiu o contrário. Outra identificação equivocada ocorreu na análise da Figura 5b, em que a molécula de água
68
7
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
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Relato de Experiência 04 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
p. 70-79
Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia Evaluation of Chemical Education: a study in five cities in the region of the Valley Jamari-Rondônia Renato André Zan1, Alessandra Correa Pompeu2, Dionatas Ulises de Oliveira Meneguetti3 e Filomena Maria Minetto Brondani4
Resumo O presente trabalho objetivou a averiguação da atual situação que se encontra o ensino de química na Região do Vale do Jamari - RO em escolas de Ensino Médio da Rede Pública e Privada. Para a execução do mesmo foi elaborado um questionário direcionado aos professores visto que eles são fundamentais para o fortalecimento do ensino e possuem uma visão amadurecida, franca e crítica sobre a disciplina de química. O resultado da pesquisa aponta um grande déficit de professores da disciplina, a dificuldade que os mesmos encontram no que se refere à contextualização do conteúdo da disciplina, a falta de infraestrutura para aulas práticas, a excessiva carga horária e as salas de aulas superlotadas. Por outro lado, os professores também demonstram vontade e disposição para melhorar a qualidade do processo ensino-aprendizagem na disciplina de química. Palavras-chave: Química; Formação de professores; Ensino médio. 1. Mestre em Química – Docente Instituto Federal de Rondônia – IFRO – Campus de Ji-Paraná – Rondônia. 2. Discente de Especialização de Educação em Ciências e Matemática – FAEMA – Ariquemes – Rondônia. 3. Mestre em Genética e Toxicologia Aplicada, Discente do Programa de Pós-graduação de Doutorado em Biologia Experimental (PPGBIOEXP), da (UNIR), Porto Velho, RO. 4. Mestre em Biologia – Docente do Curso de Química Licenciatura – Faculdade de Educação e Meio Ambiente – FAEMA.
Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia
Abstract The present work objectified the current situation inquiry that is ised the chemistry teaching in the Valley Region of Jamari – RO. in laugh at schools of Average Teaching of the Public Net and Closet. For the execution of the same was elaborated a questionnaire designated to the teachers since they are fundamental pieces to the Teaching Brazilian system invigoration and own a matured, frank and critical vision about the chemistry discipline teaching. The result of research points a teachers’ chemistry great deficit, the dissatisfaction of the same to the that refers toed the contextualization of the chemistry content, the infrastructure lack for classes practices, the excessive workload and of rooms of overcrowded classes, as well as it also demonstrates for wish and disposition to improving the discipline teaching-learning quality of chemistry. Key-words: Chemistry. Teacher education; High school.
1
Introdução A formação de profissionais na área da educação e, principalmente, na licenciatura em quí-
primeiros trabalhos, que tiveram início na década de 1970, mas sim com o tempo necessário para que se firme uma sólida comunidade de pesquisadores com peso no ensino de química.
mica, ainda hoje ocorre de forma lenta, pois são
Existem poucos profissionais formados na área
poucos os incentivos para formação de profissio-
e vem sendo cada vez menor o interesse por parte
nais na área para atuarem em sala de aula. O baixo
da sociedade em cursar uma licenciatura, sobre-
investimento na rede de ensino público se reflete
tudo em química. A maior parte dos acadêmicos
em uma desvalorização, tanto das escolas quanto
dos cursos de licenciatura em química está nas
dos profissionais da rede pública, especificamente
universidades públicas; além disso, o baixo poder
no ensino de química. A desmotivação e a falta
aquisitivo dos acadêmicos que cursam a licencia-
de capacitação dos profissionais atuantes que não
tura em química em faculdades privadas faz com
apresentam formação na área podem conferir des-
que exerçam atividades paralelas o que, de certa
crédito à disciplina (Pontes et al., 2008).
forma, pode comprometer sua formação.
No Brasil, muitos dos professores que estão 1.1
atuando hoje na área de química não têm formação específica, e outros que estão atuando nas
Estatísticas em nível nacional sobre professores do ensino médio
escolas ainda não concluíram o curso nesta área
Um estudo realizado pelo Instituto Nacional de
e/ou possuem formação em diferentes áreas do
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
conhecimento como matemática, física, biologia e
(INEP), divulgado em 27 de março de 2003, mos-
ciências, entre outras. Estes professores de outras
trava que o sistema de ensino brasileiro precisava,
áreas estão substituindo os químicos licenciados
urgentemente, de professores. Só no ensino médio,
por falta destes no mercado de trabalho.
para atender à demanda, seriam necessários 235
Pouco se tem estudado sobre as condições reais
mil professores, e a situação ficava ainda mais crí-
da qualidade do ensino de química no nível médio
tica quando se trata da disciplina de química, que
brasileiro e menos ainda na região norte. Ainda,
tinha um déficit de 23,5 mil professores, apesar
segundo Bejarano (2000), a razão para a pequena
do estudo na época prever uma expectativa de 25
quantidade de pesquisas sobre o ensino de química
mil formandos nesta área até 2010. A situação da
não está relacionada com o tempo decorrido dos
química continua preocupante, pois há um grande
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71
Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia
crescimento de alunos ingressando no ensino
como a melhor faculdade pública da região Norte
médio, além da elevada carga horária de trabalho,
(Brasil, 2011). Sua sede está na capital do Estado em
levando os professores a optarem por outras ativi-
Porto Velho e possui sete campi distribuídos pelo
dades ou profissões (BRASIL, 2000).
estado, sendo que somente em Porto Velho é minis-
Farias e Ferreira (2008) apontam que, na Região
trado o curso de Licenciatura em Química. Outras
Norte, o início da formação de professores de quí-
instituições de ensino superior em Rondônia tam-
mica iniciou-se tardiamente comparado com o
bém possuem o curso de Licenciatura em Química
restante do país; devido à sua grande extensão ter-
sendo que as cadastradas pelo MEC são: Faculdade
ritorial, existem muitas vagas para o profissional
de Ciências Biomédicas de Cacoal (FACIMED) e
licenciado em química e, devido ao pequeno número
Faculdade de Educação e Meio Ambiente (FAEMA)
de profissionais formados atuando, abre uma grande
e o Instituto Federal de Rondônia – Campus de
disponibilidade de vagas nas instituições de ensino.
Ji-Paraná (IFRO) (Brasil, 2011).
Isto se deve ao aumento crescente de alunos ingres-
Pode-se mencionar que as quatro instituições de
santes no Ensino Médio, tanto da rede de ensino
ensino que disponibilizam o curso de Licenciatura
pública quanto na rede de ensino privada.
em Química são recentes e, por isso, são poucos os
1.2
formados na área por tais instituições. Além disso,
Estatísticas regionais de professores do ensino médio
como as quatro instituições estão localizadas em regiões distantes umas das outras, elas não abran-
Em Rondônia, a necessidade de professores de
gem a mesma clientela.
química não é diferente do parâmetro nacional. De
A Região do Vale do Jamari abrange uma área
acordo com dados levantados pela Secretaria de
de 32.141,20 Km2 e é composta por 9 municípios:
Estado da Educação de Rondônia (SEDUC/RO),
Alto Paraíso, Ariquemes, Buritis, Cacaulândia,
que nos mostram o número de professores por for-
Campo Novo de Rondônia, Cujubim, Machadinho
mação e por atuação em 2010, na rede estadual os
D`Oeste, Monte Negro e Rio Crespo. A popula-
professores com formação superior completa em
ção total do território é de 211.089 habitantes, dos
licenciatura em todo Estado, que atuam no ensino,
quais 82.680 vivem na área rural, o que corres-
são 2.981, na rede federal, os professores atuantes
ponde a 39,17% do total, sendo16.020 agriculto-
são 73 e, na rede privada, são 426 (Brasil, 2011).
res familiares, 15.842 famílias assentadas e 1 terra
Ainda assim a situação é preocupante, pois estes
indígena. O IDH médio é 0,72 e, em relação à eco-
2.981 professores da rede pública têm que atender
nomia, o forte da região é a pecuária, a produção
cerca de 55.894 alunos.
de café, cacau, guaraná e cereais, além de possuir
1.3
o maior garimpo a céu aberto do planeta. Ainda
Expectativa de formação de licenciados em química no estado de Rondônia
reúne inúmeras indústrias de diversos segmentos, gerando uma economia que vem se destacando no
O curso de química em Rondônia teve aprova-
país (Rondônia, 2011).
ção no ano 2000 e iniciou a primeira turma no ano de 2002 pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR, a única Instituição Pública de Ensino
2
Metodologia
Superior (IES) no Estado. Esta instituição foi fun-
Este estudo foi realizado nas escolas de ensino
dada em 1982 e, anos mais tarde, em 2008, foi
médio em cinco cidades do Vale do Jamari – RO,
considerada, pelo Ministério da Educação (MEC),
compreendido pelas cidades: Ariquemes, Alto
72
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia
Paraíso, Monte Negro, Cacaulândia e Rio Crespo.
alguns dias foram disponibilizados para o profes-
Para tanto, foram realizadas as seguintes etapas:
sor respondê-lo; retornou-se às escolas e obteve-se
• escolha do local para realizar o estudo, para
100% de retorno dos questionários;
que o mesmo seja representativo das condi-
As 3 (três) primeiras questões são de cunho
ções de ensino da região;
informativo e não serão levadas em consideração
• visitas a todas as escolas, sendo 12 (doze)
para a discussão dos resultados, a fim de manter a
públicas e 3 (três) privadas das referidas
privacidade dos entrevistados. As questões: 04 à
cidades delimitadas na pesquisa;
08 e 14, são de cunho quantitativo e as de cunho
• apresentação da pesquisa devidamente jus-
qualitativo são representadas pelas questões 09 à
tificada e notificada documentalmente, aos
13, 15 e 16. Após todos os questionários serem res-
diretores responsáveis pelas instituições
pondidos, desenvolveu-se a parte de levantamento
envolvidas, exceto por uma única recusa de
dos dados das questões que foram avaliadas qua-
uma escola da rede privada, todas as demais
litativamente e quantitativamente e representadas
autorizaram e incentivaram a realização do
por tabelas e figuras.
trabalho em sua escola;
No aspecto geral levantado por este trabalho, foram envolvidas 05 (cinco) cidades, 14 (quatorze)
Inicialmente, foi apresentado aos professo-
instituições de ensino que possuem o ensino médio
res das escolas o intuito do estudo, dando-lhes o
e 24 (vinte e quatro) professores entrevistados,
livre arbítrio de participar ou não, sendo que os
estes responsáveis pela disciplina de química na
que concordaram responderam ao questionário
região estudada.
contendo dezesseis questões de níveis quantitativos e qualitativos e um termo de consentimento livre e esclarecido autorizando a divulgação dos
3
Resultados e discussão
dados obtidos. A distribuição do questionário, que
A questão 4 teve como objetivo verificar o
tem por objetivo avaliar a atual situação do ensino
número de disciplinas diferentes que o professor
de química nas cinco cidades da região do Vale
leciona, levando-se em conta a quantidade de dis-
do Jamari, ocorreu nesta mesma etapa, sendo que
ciplinas. Observou-se que grande parte dos profes-
9 8 Professor rede pública estadual
Professores
7
Professor rede pública federal
6
Professor rede privada
5 4 3 2 1 0 Somente Química
Química e mais 1 disciplina
Química e mais 2 disciplinas
Química e mais 3 disciplinas
Figura 1. Relação entre o número disciplinas ministradas por professor e a rede de ensino analisada.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
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Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia
sores que leciona química e outra disciplina, esta
Podemos observar claramente, na Figura 2, tra-
outra está vinculada a área de exatas como mate-
tando sobre a questão da formação dos professo-
mática e física ou ciências naturais como a biologia
res que ministram a disciplina de química, que os
e a própria disciplina de ciências, que faz parte da
professores formados em química estão na Rede
matriz curricular do 9º ano do ensino fundamental,
de Ensino Federal e Rede de Ensino Privada, o
em que muitos dos professores assumem esta série
que pode garantir um processo de ensino-apren-
para fechar a carga horária. A Figura 1 mostra o
dizagem mais qualificado. A Rede de Ensino
resultado por número de disciplinas diferentes
Estadual possui apenas 32% de seus professores
ministrada por professor participante da pesquisa.
com formação em Licenciatura em Química e
Segundo dados do MEC (Brasil, 2011), no
11% Bacharelado em Química, totalizando 43%
Brasil, 49,54% dos professores ministram 1 dis-
de professores com formação específica na área
ciplina, 28,97 % duas e 10,77 % três, sendo que
de Química. Este número corresponde a menos da
ao comparar com Rondônia 32,72 % uma, 32,55%
metade dos profissionais que deveriam estar atu-
duas e 19,01 % três, e representam resultados
ando nas escolas de ensino médio da rede estadual,
muito semelhantes aos coletados por esta pesquisa.
o que faz com que outros profissionais venham a
Observa-se nas duas pesquisas que apesar de a
ocupar o espaço que deveria ser preenchido por
maioria ministrar apenas uma disciplina, existe um
profissionais da área da licenciatura em química. A questão número 06 trata sobre a carga horá-
número significativo de professores que lecionam
ria de um professor, acreditando que esta carga
100%
duas e três disciplinas.
Professor rede pública estadual 67%
Professor rede pública federal
Licenciatura em Química
Bacharelado em Química
Licenciatura Biologia
Licenciatura Matemática
Licenciatura Física
5%
16%
5%
16%
11%
16%
32%
33%
Professor rede privada
Ciências Física e Biológicas
Engenharia Agronômica
12 horas
13%
8%
6 horas
4%
8%
29%
38%
Figura 2. Área de formação do professor de Química por Rede de Ensino da região analisada.
18 horas
26 horas
40 horas
60 horas
Figura 3. Carga horária semanal dos professores das três redes de ensino avaliadas.
74
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia
horária tenha uma influência significativa na qua-
fatores, tais como o número adequado de alunos
lidade do processo de ensino-aprendizagem, o que
por classe, o número de turmas e, também, quais
deverá refletir no rendimento tanto do professor,
as séries que são subordinadas a ele. A questão 07
como dos alunos. A Figura 3 apresenta os dados
(sete) mencionada no questionário revela através
obtidos sobre esta questão.
das respostas dos professores estes dados.
Um professor sobrecarregado em carga horária
Quando verifica-se o número de alunos que os
acaba desmotivado pelo cansaço e, assim, ministra
professores têm sob sua responsabilidade de ensinar,
aulas mais tediosas e mais teóricas do que dinâmi-
ter um bom relacionamento e, acima de tudo, obter
cas e práticas; consequentemente, não despertará o
bons resultados nas avaliações exigidas pela escola,
interesse do aluno para a disciplina de química e,
temos o mesmo número (20,8%) de professores tra-
desta forma, ele acabará não enxergando o porquê
balhando com 100, 200 e 400 adolescentes distribuí-
de aprender tal disciplina se não observa a relação
dos em turmas, turnos e séries diferentes, agravando
da mesma com o seu cotidiano.
ainda mais a qualidade de ensino oferecida.
As cargas horárias de 06 e 12 horas/sema-
Ainda na mesma questão, tem-se outro dado
nais são de professores da rede privada e federal,
importante a ser avaliado, que diz respeito ao
respectivamente, em que apenas um professor
número de turmas atendidas pelos professores.
da rede privada tem a carga horária de 40 horas.
As Figuras 4 e 5 levantam estes dados. A Figura 4
Com maior percentual, ou seja, com 38% do total
apresenta a quantidade de turmas em múltiplos de
de entrevistados, está com carga horária de 26
cinco para facilitar a visualização e por professores
horas em sala de aula, constituído por professores
em percentual, já que as respostas vão de 2 até 28
da rede pública de ensino estadual que, pela lei
turmas sem serem múltiplos.
vigente, têm contrato de 40 horas, das quais 26 são
A Figura 5 considera o número de turmas aten-
em sala de aula e as outras 14 horas para atividades
didas por professores segundo a rede de ensino em
extraclasse.
que se encontra. Em ambos as figuras, o maior per-
Para que haja um bom rendimento do profes-
centual de 33% está na faixa de 11 a 15 turmas por
sor durante a aula devem ser considerados alguns
professor, percentual que se refere à rede de ensino
35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% 1-5
6-10
11-15
16-20
21-25
26-30
Professores
Figura 4. Número de turmas por percentual de professores.
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Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia
35%
Professor rede pública estadual Professor rede pública federal
30%
Professor rede privada
25% 20% 15% 10% 5% 0% 1-5
6-10
11-15
16-20
21-25
26-30
Professores
Figura 5. Número de turmas por percentual de professor por rede de ensino.
pública estadual, já que nas intuições privadas
fessores que possuem 14 ou mais turmas. Na Bahia,
encontra-se na faixa de 1 a 5 turmas e na Federal
24 professores entrevistados lecionam em mais de
na faixa de 6 a 10 turmas por professor.
14 turmas e atendem a uma média de 650 alunos,
Em 2009, uma pesquisa realizada pelo MEC avaliou o número de professores por turma no ensino
ocasionando um desânimo geral na educação, com sérias implicações no processo educativo.
médio, segundo a região geográfica e a unidade da
A qualidade do ensino depende, fundamental-
federação, em que Rondônia apresentou o maior
mente, da formação e do envolvimento do pro-
percentual, pois cerca de 20% de seus professores
fessor, o que irá refletir em sala de aula; quanto
trabalham com 10 ou mais turmas (Brasil, 2010).
maior for o número de séries em que o professor
Segundo Maia (2008), que realizou um estudo
atua, maior será a necessidade de que ele tenha
similar a este em Itabuna e Ilhéus, na Bahia, é muito
uma formação metodológica na área específica, de
difícil a melhoria da qualidade das aulas para os pro-
forma a propiciar, aos alunos, uma aprendizagem
9 Tele ensino
8
6º-9º ano ens. fund. + alguma série do ens. médio
7
1º ano ens. médio
6
1º e 2º ano ens. médio
5
1º a 3º ano ens. médio
4 3 2 1 0 Professor rede pública estadual
Professor rede pública federal
Professor rede privada
Figura 6. Quantidade de professores por séries assumidas.
76
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia
significativa que ultrapasse os conteúdos do livro
separação de misturas, densidade/concentração,
didático e relacione a química com seu dia a dia.
identificação de ácido/base, reações químicas.
Pode-se observar, ainda, através da Figura 6, que a
Alguns professores responderam que não utilizam
rede de ensino estadual é a que envolve um maior
práticas experimentais em suas aulas devido à falta
número de diferentes séries por professor, desta-
de infraestrutura adequada. Percebe-se que das
cando aqueles professores que, além de as séries
práticas citadas por 7 dos 24 professores envolvi-
de ensino médio, ainda trabalham com séries do
dos no estudo, a mais utilizada é a prática de sepa-
ensino fundamental. Já os professores da rede pri-
ração de mistura, devido ao fato da facilidade de
vada e da rede federal trabalham apenas com as
executá-la podendo ser feita dentro da sala de aula
séries referentes ao ensino médio.
em instituições que não possuem laboratório.
A Química, por se tratar de uma ciência exata, tem
Questionados sobre a possibilidade de terem
toda sua fundamentação teórica baseada em experi-
acesso a um material didático de apoio para aulas
mentos, portanto, esta disciplina requer, além de aulas
práticas, ou curso de aperfeiçoamento, 22 profes-
teóricas, aulas práticas, já que muitos conteúdos serão
sores que lecionam a disciplina de química, das
melhores assimilados através de experiências, princi-
três redes de ensino analisadas, demonstraram
palmente, se estas estiverem ligadas a acontecimentos
interesse. Quando questionados se possuem difi-
do cotidiano do aluno. Este trabalho também averigou
culdades em explicar algum conteúdo de química,
qual a atual situação das 14 (quatorze) instituições de
a maioria deles (54%) alegou não ter dificuldades;
ensino do Vale do Jamari sobre espaços físicos propí-
entretanto, 46% dos professores elencaram 6 (seis)
cios para a realização de práticas.
conteúdos que consideram como os mais comple-
Apesar de a maioria das instituições da rede
xos para desenvolver em sala de aula. O despre-
estadual (73%) não possuir um espaço específico
paro do professor em algum conteúdo é percebido
adequado para a realização de aulas práticas, de
pelo aluno, pois o mesmo não transmite segurança
todos os entrevistados 13 professores desenvol-
ao explicar a matéria, transformando a disciplina
vem técnicas que podem ser adaptadas para a sala
de química em algo desinteressante com aulas
de aula, sendo que 5 professores responderam não
cansativas e, por consequência, é cada vez menor
desenvolver aulas práticas.
a procura pelos vestibulandos para os cursos de
Isso mostra a importância de se ter profissio-
licenciatura em química.
nais formados na área específica de atuação, que
Outro questionamento direcionado aos pro-
se sentiriam bem mais à vontade para desenvol-
fessores foi em relação aos conteúdos que eles
ver estas atividades práticas adaptadas à sala de
possuem maior afinidade. Dos 24 (vinte e quatro)
aula, o que não é o caso da rede pública estadual
professores entrevistados, metade do percentual
de ensino, não só nas instituições de algumas cida-
(50%) considera a química orgânica o conteúdo
des do Vale do Jamari, como em todo o estado de
de maior afinidade, justificado por obter mais
Rondônia, devido ao déficit desses profissionais
conexão com o cotidiano do aluno e por sua fácil
no mercado de trabalho. Já os professores da rede
compreensão, e por propocionar discussões que
federal e da rede privada fazem uso dos laborató-
promovem a participação dos alunos nas aulas.
rios ministrando aulas práticas, sendo esses forma-
Além disso, há uma crescente divulgação na mídia
dos em Licenciatura em Química.
sobre novos compostos e materiais derivados de
Das práticas desenvolvidas citadas pelos pro-
compostos orgânicos – derivados de petróleo, fár-
fessores destacam-se 4 (quatro) experimentos:
macos, cosméticos, plásticos, pesticidas e outros
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
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Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia
29% 21%
21%
21%
8% 0%
0-5
6-10
11-15
16-20
21-25
26-30
Figura 7. Representação do número em anos de atuação como professor.
–, o que vem a contribuir com as discussões em
focando principalmente as aulas experimentais, a
sala de aula.
utilização da informática e de jogos lúdicos como
De acordo com a Figura 7, houve um aumento
uma forma de favorecer o entendimento do conte-
de 13% no ingresso de professores, já que os 8%
údo para o aluno.
de professores com 30 (trinta) anos de atuação
Através destes relatos, pode-se evidenciar a
passou para 21% após um intervalo de 5 (cinco)
difícil realidade do ambiente escolar nesta região,
anos sem ingresso de professores. A partir do grá-
mas, apesar disso, existem professores preocupa-
fico 7 pode-se concluir, também, que vem sendo
dos e interessados em melhorar a qualidade do
cada vez menor o interesse pelo curso de licencia-
ensino de química.
tura em química, bem como pelas licenciaturas em outras disciplinas. Os dados da 15ª questão, relacionada à moti-
4
Considerações finais
vação da escolha pela profissão, mostraram os
Os dados levantados através da execução deste
professores bem divididos, destacando-se: influ-
trabalho permitem tecer algumas considerações
ência de um professor (4%); estabilidade finan-
fundamentais. A primeira delas refere-se ao déficit
ceira (8%); disponibilidade da área em que foram
de profissionais formados em licenciatura em quí-
enquadrados (17%); falta de outra opção na época
mica atuando nas escolas de ensino médio das cida-
(29%); gostar da área e lecionar (42%).
des da Região do Vale do Jamari, onde os espaços
No último ponto do questionário foi aberto um
vêm sendo preenchidos por profissionais de outras
espaço para que o professor expusesse um comen-
áreas da educação e, por vezes, nem graduados.
tário referente à disciplina de química apontando
Apesar desta constatação, acreditamos haver uma
necessidades e sugestões para melhoria. Grande
boa perspectiva para solucionar tal questão, devido
parte comentou sobre as dificuldades, a desmoti-
ao curso de graduação em Licenciatura em Química
vação do professor, o despreparo dos alunos com
disponível na região que, em breve, proverá a for-
relação à interdisciplinaridade, sentindo muita
mação de licenciados em química para suprir as
dificuldade na resolução de atividades com cálcu-
necessidades nesta região do Vale do Jamari.
los. Além disso, os professores destacaram a forma
A segunda situação está ligada à desmotivação
descontextualizada de ensinar os conteúdos, a pre-
dos professores que, por estarem atuando em uma
cariedade das instituições, a falta de laboratórios
área que não é de seu domínio total, agravam a
e de uma abordagem mais didática ao explicar a
qualidade de ensino. Entretanto, outros fatores de
química, aulas de reforço para os alunos aos sába-
cunho administrativo também provocam a desmo-
dos, cursos de aperfeiçoamentos para professores
tivação destes professores, como a excessiva carga
78
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Avaliação do Ensino de Química: um estudo em cinco cidades na região do Vale do Jamari-Rondônia
horária, grande quantidade de alunos por turma,
Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/basica-censo-escolar-sinopse-sinopse>. Acesso em: 20 mai. 2012.
infraestrutura precária para realização de aulas práticas, má remuneração e conteúdos descontextualizados. Tudo isso acaba gerando o descontentamento dos professores, induzindo o mesmo sentimento nos alunos, que tratam com desdém a disciplina de química. A terceira diz respeito à possibilidade de qualificação dos professores através de cursos de educação continuada, com enfoque em práticas experimentais que permitam a aquisição de novos conhecimentos, troca de saberes, reflexões sobre a prática do professor, na perspectiva de buscar melhorias para o ensino de química praticado nas escolas. Grande parte dos professores mostrou interesse, até mesmo aqueles com vasta experiência na profissão, revelando a necessidade urgente de novas metodologias para a atualização e inovação do ensino de química. De modo geral, acreditamos que os dados descritos neste trabalho são importantes, pois permitem conhecer a realidade do ensino de química, e as dificuldades e necessidades que a região do Vale do Jamari apresenta. Dessa forma, ele pode servir como base para futuras pesquisas relacionadas ao ensino de química, como também para o desenvolvimento de políticas públicas que visem à melhoria do ensino-aprendizagem de química nas escolas de ensino médio da região.
5
Referências BEJANARO, N. R. R.; CARVALHO, A. Mª. P. de. A educação química no Brasil: uma visão através das pesquisas e publicações da área. Educación Química, [S.I.:s.n.], v. 11, n. 1, 2000. Disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/artigos_teses/ Qu%EDmica/educacao_quimica_no_brasil.pdf>. Acesso em: 13 set. 2012. BRASIL. Ministério da Educação/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/ Notícias. Sinopses Estatísticas da Educação Básica.
______. Ministério da Educação. Instituição de Educação Superior e Cursos Cadastrados. Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 18 mai. 2012. ______. Ministério da Educação/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/ Notícias. Sistema de ensino precisa de 250 mil professores. Disponível em: <http://portal.inep.gov. br/c/journal/view_article_content?groupId=10157& articleId=1215&version=1.1>. Acesso em: 20 abr. 2012. ______. Portal da Cidadania. Territórios da Cidadania – Vale do Jamari – RO. Disponível em: <http:// www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/valedojamarro/one-community?page_ num=0#>. Acesso em: 17 jun. 2013. FARIAS, S. A.; FERREIRA, L. H. Um breve diagnóstico sobre a formação do professor de química na região norte. SIMPEQUI. Fortaleza/CE, 2008. Disponível em: <http://www.abq.org.br/simpequi/2008/trabalhos/24-4217.htm>. Acesso em: 14 mar. 2012. MAIA, J. O. et al. Um retrato do ensino de química nas escolas de ensino médio de Itabuna e Ilhéus, BA. XIV ENEQ. Curitiba/PR, 2008. Disponível em: <http://www.quimica.ufpr.br/eduquim/eneq2008/ resumos/R0400-2.pdf>. Acesso em: 13 set. 2012. PONTES, A. N. et al. O Ensino de Química no Nível Médio: Um olhar a Respeito da Motivação. XIV ENEQ. Curitiba/PR, 2008. Disponível em: <https:// www.quimica.ufpr.br/eduquim/eneq2008/resumos/ R0428-1.pdf>. Acesso em: 13 set. 2012. RONDÔNIA. SEDUC. Secretaria de Estado da Educação de Rondônia. PEP – Projeto de Estatísticas e Pesquisas. Total geral de matrículas no Estado de Rondônia em 2010. Disponível em: <http://www.seduc.ro.gov.br/2007/editor/jscripts/ tiny_mce/plugins/filemanager/files/arquivos/ pep/2010/docente_escolariz_x_atuacao_2010.pdf>. Acesso em: 14 mai. 2012. _______. SEDUC. Secretaria de Estado da Educação de Rondônia. PEP – Projeto de Estatísticas e Pesquisas. Número de docentes, por formação e por atuação em 2010. Disponível em: <http://www. seduc.ro.gov.br/2007/editor/jscripts/tiny_mce/plugins/filemanager/files/arquivos/pep/2010/docente_ escolariz_x_atuacao_2010.pdf>. Acesso em: 14 mai. 2012.
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Relato de Experiência 05 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
p. 80-90
Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN Staying Strategies Versus School Dropout: a study on the undergraduate laboratory courses in Physics and Chemistry distance of UFRN Lucas da Silva Maia1 e Fábio Adriano Santos da Silva2
Resumo Neste estudo, objetivamos apresentar as estratégias criadas pelos tutores de disciplinas experimentais do Polo Maceió dos cursos das licenciaturas em Física e Química à distância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, no sentido de estimular a permanência dos discentes nos cursos e evitar um elevado número de reprovação nas disciplinas de laboratório. Partimos do pressuposto de que a permanência no curso: (i) teria uma relação direta com a aprovação e (ii) seria consequência de um conjunto de estratégias e ações dos discentes e também dos tutores que acompanham este público. Assim, buscamos elaborar estratégias que fomentassem a aprendizagem e a aprovação, atendendo às peculiaridades da cada recorte específico. No nosso caso, destacamos a flexibilização do tempo, o acompanhamento constante e a postura ativa dos alunos nas atividades pedagógicas como fatores que contribuíram para alcançarmos os objetivos desejados. Palavras-chave: Educação à distância; Estratégias de ensino; Evasão.
1. Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Doutorando no Programa de Pós-graduação em Educação. 2. Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Campus Acadêmico do Agreste – CAA. Professor Assistente.
Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN
Abstract This experience report aims to present the strategies created by the tutors of the experimental subjects of academic courses at a distance of Physics and Chemistry, Federal University of Rio Grande do Norte – UFRN, at Maceió, to avoid a large number disapproval of these disciplines and stimulate the remaining courses. We assumed that staying the course (i) have a direct relationship with the approval and (ii) would result in a set of strategies and actions of the students and the tutors also accompanying this audience. Thus, we seek to develop strategies that foster learning and adoption, given the peculiarities of each specific crop. In our case, we highlight the flexibility of time, constant monitoring and active attitude of students in educational activities as the main factors to reach the proposed objectives. Key-words: School dropout; Long-distance education; Staying strategy.
1
Introdução
Desenvolvemos este trabalho nos laboratórios do Polo Maceió das Licenciaturas em
Neste trabalho, relatamos estratégias diversas
Física, Química e Matemática à Distância da
que utilizamos com o intuito de reduzir a evasão
UFRN. O Polo Maceió fica situado no Campus
e os índices de reprovação, bem como elevar a
da Universidade Federal de Alagoas, na cidade
participação e motivação dos discentes nas disci-
de Maceió. Contamos com a participação de
plinas experimentais das Licenciaturas em Física
11 discentes da Licenciatura em Física e 19 da
e Química à distância da Universidade Federal do
Licenciatura em Química, os quais cursavam dis-
Rio Grande do Norte – UFRN, no Polo Maceió.
ciplinas experimentais nas respectivas graduações
Objetivamos apresentar as estratégias utilizadas e
em diferentes períodos. Os licenciandos partici-
avaliar os objetivos almejados.
pantes do estudo têm entre 25 e 49 anos, trabalham
Partimos do pressuposto de que um dos moti-
na área de educação como professores de Ciências,
vos que leva ao abandono nos cursos de graduação
Física ou Química nas redes pública e particular de
à distância diz respeito às reprovações nas discipli-
ensino, residem nas cidades em que trabalham ou
nas. Tais reprovações podem ter as mais diferentes
nas suas proximidades, 80% se deslocam de dife-
origens e, partindo da vivência como tutores em
rentes cidades do interior de Alagoas para o Polo,
cursos à distância, entendemos que uma delas é a
50% cursam, concomitantemente, pelo menos
falta de estímulo dos alunos para cursar determi-
uma disciplina experimental e uma disciplina de
nada disciplina. Dessa forma, defendemos que a
Estágio Supervisionado, ambas necessitando da
permanência dos estudantes seria incitada por um
presença dos licenciandos no Polo para a execução
conjunto de estratégias e ações dos tutores e dos
de algumas atividades que não podem ser feitas à
próprios discentes a fim de manter o estímulo e
distância.
interesse destes. Assim, consideramos adequado
Acreditamos que esse estudo é relevante porque
cultivar a motivação dos alunos desde o início do
(i) as estratégias que desenvolvemos e utilizamos
curso, reforçando-a no decorrer de cada disciplina.
foram construídas à luz dos diálogos com os dis-
Do nosso ponto de vista, esta é uma das ações pos-
centes, sendo que, dentre estes, alguns pensavam
síveis para evitar a reprovação, desistência e/ou
em abandonar seus respectivos cursos, e com tuto-
evasão, ou fazer com que estas, quando ocorram,
res de diferentes polos que relataram a observa-
não atinjam patamares indesejados.
ção e preocupação com os índices de reprovação,
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
81
Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN
evasão, desistência e desestímulo dos licenciandos
A partir das respostas elaboramos e desen-
com as aulas experimentais; (ii) com essas estra-
volvemos metodologias para um melhor desem-
tégias objetivamos melhorar os índices dos cursos
penho e participação dos graduandos nas aulas
e manter o estímulo e motivação dos discentes; e
experimentais no decorrer de 2010. No curso de
(iii) os professores têm o dever de acompanhar,
Licenciatura em Química à distância as discipli-
motivar, orientar e estimular a aprendizagem dos
nas cujos trabalhos se desenvolveram sob essa
estudantes, utilizando metodologias e estratégias
proposta foram: medidas e transformações quí-
que favoreçam o processo de ensino-aprendiza-
micas; vivenciando a química ambiental; mani-
gem considerando as necessidades inerentes à rea-
pulação de compostos orgânicos; experimentos
lidade local.
de termoquímica; síntese de produtos naturais e;
Fizemos a coleta de dados a partir:
cinética experimental. Na Licenciatura em física
• da aplicação de questionários com os licen-
à distância seguimos tal vertente em: física expe-
ciandos no segundo semestre de 2009;
rimental e análise estatística de dados e; física
• do registro em diário de bordo da participa-
moderna e experimental.
ção e comentários dos discentes nas aulas
Na apresentação deste trabalho optamos, ini-
experimentais do decorrer de 2010;
cialmente, por descrever, de forma sucinta, o labo-
• do levantamento dos índices de reprova-
ratório de Ciências nas universidades e o papel do
ção, desistência e evasão nas disciplinas de
tutor, em seguida, apresentar alguns pontos que
laboratório das Licenciaturas em Física e
consideramos relevantes sobre as disciplinas expe-
Química à distância, no período compreen-
rimentais nas licenciaturas à distância da UFRN
dido de 2008 a 2010.
e, por fim, relatar as ações que tomamos com o intuito de incentivar e manter os discentes nas dis-
Perpetramos o levantamento dos índices de
ciplinas de laboratório.
reprovação, desistência e evasão a partir dos nossos registros pessoais de acompanhamento dos discentes com o intuito de verificar se houve mudanças significativas nesses valores, com-
2
O laboratório de ciências no ensino superior e a atuação dos tutores
parando os períodos antes e depois do uso das
No decorrer de um curso de nível superior,
estratégias. No diário de bordo, registramos as
duas questões se apresentam como grandes pre-
observações das aulas experimentais no tocante
ocupações por parte daqueles envolvidos no pro-
a frequência e participação dos licenciandos, bem
cesso educativo: 1 – o número de reprovação em
como os seus comentários sobre as estratégias
disciplinas; 2 – o número de alunos desistentes e/
adotadas. Por fim, no questionário, tratamos do
ou evadidos (Silva Filho et al., 2007; Almeida;
levantamento do perfil dos discentes e solicita-
Schimiguel, 2011; Silva; Marques, 2012).
mos suas respostas para duas perguntas que con-
As graduações à distância não são exceções à
sideramos pertinentes e que nortearam a escolha
regra, conforme relatório do censo sobre educação
das estratégias de ensino:
à distância no Brasil (Censo ead.br, 2010), no qual
1. Quais são os principais obstáculos para o
se destaca que o abandono aos cursos é próximo
seu comparecimento nas aulas experimen-
dos 21%, sendo a falta de tempo para estudar e a
tais? Por quê?
não adaptação à educação à distância os pretextos
2. Como sanar ou minimizar esses obstáculos?
82
mais citados para a desistência, apontados, respec-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN
tivamente, por cerca de 40% e 48% dos discentes
contribuem para o engajamento em atividades sub-
participantes do levantamento.
sequentes, conforme apontam Francisco Júnior,
Atentos a Collins (2004 apud Neves, 2006),
Ferreira e Hartwing (2008), ao destacar que tais
vê-se que são vários os fatores que levam ao aban-
atividades constituem um dos aspectos-chave do
dono nos cursos de educação à distância. Na sua
processo de ensino-aprendizagem de ciências, res-
pesquisa, Neves (2006) observa que os problemas
saltando que por meio das aulas experimentais é
pessoais compõem os maiores motivadores da
possível estreitar o elo entre motivação e apren-
desistência/evasão nos cursos de educação à dis-
dizagem.
tância, em que 59% dos participantes da pesquisa
No tocante à motivação, necessário se faz recor-
apontam para a falta de tempo e excesso de ati-
rer a Campos (1997) quando afirma que:
vidades como principal motivo para abandonar o
[...] a motivação passa a ser considerada como um processo constituído de três passos essenciais: o de deflagração do comportamento inicial, o da manutenção da atividade em curso, e o da orientação geral da atividade, o que faz pressupor intenção, propósito, fins a serem atingidos (p. 89).
curso, enquanto 19% destacam a desmotivação e solidão nas atividades como pretextos à desistência/evasão. Sobre as aulas experimentais, atentos a Maar (2004), observa-se que a utilização do laboratório de Ciências como instrumento didático nas universidades é feita há mais de duzentos anos. Apesar
Sob esse norte, os estudos que defendem que a
disso, ressaltam Grandini e Grandini (2004) que
atuação do tutor deve se alicerçar apenas no acom-
os estudos com fins pedagógicos e curriculares
panhamento dos estudantes, esclarecendo que tais
acerca do tema datam da década de 1960, abor-
profissionais não possuem autonomia para o pla-
dando seu uso tanto na Educação Básica quanto
nejamento das aulas e estratégias pedagógicas, não
Superior. Justamente no Ensino Superior é onde
têm fundamento, uma vez que, para atender aos
fica mais clara a concepção da importância do
pressupostos básicos da manutenção do interesse
laboratório e das aulas experimentais na formação
dos discentes, o tutor deve acompanhar, orientar,
inicial dos licenciandos em Ciências, tanto por
motivar e estimular a aprendizagem autônoma dos
parte dos docentes quanto dos discentes.
alunos, coordenando a seleção de conteúdos, discu-
À luz dessa importância, as discussões que abor-
tindo as estratégias de aprendizagem, suscitando a
dam o tema tratam do laboratório como ferramenta
criação de percursos acadêmicos, problematizando
para, dentre outras: entrar em contato de modo mais
o conhecimento, utilizando metodologias e meios
“concreto” com a teoria ensinada em sala; alicerçar
adequados que facilitem a aprendizagem (Barros,
o conhecimento científico; dotar o licenciando de
2005; Giannasi et al., 2005; Kratochwill, 2009).
conhecimento técnico específico para atuação em laboratório; propiciar a construção de um ambiente motivador, agradável, estimulante e rico em situações novas e desafiadoras; estimular a capacidade
3
As disciplinas experimentais nas licenciaturas à distância da UFRN
ativa dos discentes (Thomaz, 2000; Maldaner, 2003;
As disciplinas de laboratório dos cursos de
Galiazzi; Gonçalves, 2004; Grandini; Grandini,
Licenciatura em Física e Química à distância da
2004; Navarro et al., 2005; Machado; Mól, 2008).
UFRN têm uma característica preponderante: elas
É importante salientar que as atividades expe-
envolvem tanto momentos presenciais quanto à
rimentais estimulam o interesse dos estudantes e
distância. Observamos os momentos à distância
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
83
Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN
quando os licenciandos precisam responder as ati-
laboratório, a critério do docente, formam-se gru-
vidades on-line, acessar fóruns, contatar docentes
pos com 3 ou 4 discentes. No caso da Licenciatura
e monitores por meio das páginas das disciplinas,
em Física, não há sugestão de formação de equi-
entre outros procedimentos inerentes aos cursos
pes de trabalho. Em seguida, os alunos, em grupo
de educação à distância. Por sua vez, observamos
ou individualmente, seguem um roteiro que des-
os momentos presenciais quando os alunos preci-
creve, passo a passo, o procedimento experimen-
sam comparecer ao laboratório para efetivamente
tal. Aos discentes compete a execução e registro
“fazer” os experimentos, isto é, executar a aula
do que é observado nos procedimentos durante o
prática sugerida pelos docentes responsáveis pelas
desenvolvimento da atividade experimental. Na
disciplinas. É sobre os momentos presenciais que
Licenciatura em Química à distância, os proce-
pretendemos discorrer.
dimentos trazem perguntas que reforçam alguns
Antes de tudo, destacamos haver procedimen-
pontos dos experimentos e cujas respostas são con-
tos comuns às disciplinas experimentais das duas
seguidas apenas com a execução da aula prática,
licenciaturas e outros específicos. Assim, nos
competindo aos estudantes os registros das respos-
casos em que houver semelhanças procederemos
tas durante ou depois do experimento.
com uma descrição única e quando houver parti-
Por fim, são executados os procedimentos do
cularidades identificaremos a qual licenciatura nos
pós-laboratório. Essa etapa pode ser feita tanto
referimos.
no laboratório quanto em casa, individualmente
Salientamos, ainda, que as aulas de laboratório
ou em grupo. Aqui, solicitamos aos licenciandos a
envolvem atividades as quais os discentes devem
confecção de um relatório, que pode ser entregue
fazer antes, durante e depois dos experimentos.
impresso ou em cópia virtual, a critério de cada
A atividade que antecede a aula experimental
docente. Além disso, há a sugestão de pesquisas
é denominada pré-laboratório. Essa etapa envolve
sobre a aula e exercícios complementares que
a leitura de textos, pesquisas, respostas de exer-
objetivam o aprofundamento do assunto da ativi-
cícios que norteiam os licenciandos na execução
dade de laboratório. Em seus relatórios, os alunos
dos experimentos, chats na plataforma moodle e
descrevem os experimentos, as observações feitas
participação em fóruns de discussão, enriquecendo
durante a execução da aula de laboratório, as con-
o conhecimento prévio para o andamento da aula
siderações finais, dentre outros pontos relevantes.
prática. Tal etapa deve ser cumprida em casa ou
Essa etapa tem por objetivo consolidar os concei-
no Polo do curso, através de pesquisa em livros e
tos e fundamentos teóricos frente às atividades
Internet.
práticas, além de estimular o desenvolvimento da
A etapa imediatamente posterior ao pré-labo-
escrita técnica.
ratório trata do desenvolvimento do experimento.
Uma vez destacados os pontos gerais que
Nela objetivamos fortalecer os aspectos conceitu-
envolvem as disciplinas de laboratório, passemos
ais e procedimentais referentes aos conhecimentos
para as estratégias que utilizamos para estimular a
específicos dos graduandos. No momento das ati-
presença dos discentes nas aulas experimentais. É
vidades no laboratório, um procedimento carac-
importante destacar que adotamos procedimentos
terístico na Licenciatura em Química à distância
para incentivar as ações dos alunos antes, durante
remete à formação de grupos. Durante a aula de
e depois das atividades práticas.
84
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN
4
experimentos propostos para as aulas de laboratório,
Estratégias adotadas durante as etapas das disciplinas experimentais
bem como o horário que iniciamos as atividades,
A seguir, apresentamos as estratégias usadas para incentivar o comparecimento dos discentes às aulas experimentais, as quais acreditamos serem adequadas para manter o estímulo pelas disciplinas de laboratório, reduzir a desistência/evasão e favorecer as aprovações nas Licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN. 4.1
seguindo o cronograma reformulado. Normalmente, agendamos as aulas experimentais para os sábados, já que os graduandos trabalham e ficam impossibilitados de comparecer em outro dia da semana. Na reformulação do cronograma, consideramos a sobreposição de atividades e a existência de dois grupos distintos: • Grupo 1 – formado por discentes que cursam apenas as disciplinas de laboratório;
Procedimentos adotados antes das aulas experimentais
• Grupo 2 – formado por alunos que cursam simultaneamente as disciplinas de laborató-
A análise dos dados aponta que os principais
rio e Estágio Supervisionado.
obstáculos que antecedem as aulas de laboratório envolvem: 1 – falta de tempo; 2 – problemas para
Com o Grupo 1 não há maiores obstáculos
se deslocar ao Polo; 3 – choque de atividades; 4 –
para começar as aulas de laboratório às 9h00.
dificuldades para responder as atividades propostas.
Com o Grupo 2 combinamos para que os discen-
da
tes primeiro participem das atividades de Estágio
Licenciatura em Física e 57% dos discentes da
Supervisionado e, posteriormente, das atividades
Licenciatura em Química apontam a falta de
experimentais. Nesse caso, começamos as aulas
tempo, a sobreposição de atividades e/ou o deslo-
práticas por volta das 11h00.
Observamos
que
63%
dos
alunos
Combinamos com os licenciandos os experi-
camento para o Polo como obstáculos que encontram para participar das aulas de laboratório.
mentos que serão feitos e pedimos que leiam com
As estratégias que adotamos antes das aulas de
antecedência o roteiro e respondam ao pré-labora-
laboratório levaram em consideração esses apon-
tório, esclarecendo a importância dessa ação. Se
tamentos dos estudantes. Para tentar minimizá-los,
algum aluno faltar nesse primeiro encontro, ten-
inicialmente comunicamos aos licenciandos que
tamos contatá-lo por telefone para informar sobre
estão matriculados nas disciplinas experimentais,
os encaminhamentos da reunião. Caso não consi-
via e-mail, o cronograma preparado pelos docen-
gamos contato por telefone, enviamos uma mensa-
tes da UFRN e um cronograma reformulado que
gem por e-mail informando os detalhes e acordos
preparamos considerando os feriados prolonga-
feitos no encontro que antecedeu o início das ativi-
dos, participação em encontros/congressos, dentre
dades de laboratório.
outros pontos, informando a semana de cada aula
Observamos que o acordo das aulas nos sába-
experimental, em cada uma das disciplinas ofer-
dos e a flexibilização do horário de início das ati-
tadas, se houver duas ou mais ocorrendo simulta-
vidades experimentais se configurou, no nosso
neamente. Aproveitamos esse e-mail e acertamos
contexto, como um elemento importante na per-
um encontro presencial antes do início das aulas
manência dos estudantes nos componentes curri-
de laboratório.
culares. Isso porque os licenciandos trabalham nos
No encontro presencial combinamos com os discentes um único dia da semana para executarmos os
dias de semana e cursam, concomitantemente, disciplinas experimentais e Estágio Supervisionado.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
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Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN
Contudo, no caso da Licenciatura em Química à
Licenciatura em Química destacam como cata-
distância, há alunos que cursam ao mesmo tempo 3
lisadores da desistência/evasão problemas na
disciplinas, sendo uma de Estágio Supervisionado
interpretação e compreensão dos roteiros devido
e duas de laboratório, inviabilizando o início das
ao desconhecimento e/ou receio em manipular
atividades a partir das 11h00. Para solucionar esse
reagentes, vidrarias e equipamentos. Verificamos
problema, combinamos com os graduandos que
que as dificuldades dos discentes estão relaciona-
faríamos um experimento a mais no sábado que
das aos aspectos conceituais e procedimentais que
houvesse aula apenas de laboratório de química,
envolvem os experimentos, justamente aqueles
desde que a compreensão geral dos assuntos de
indispensáveis para a sua formação no tocante ao
cada aula não fosse prejudicada, começando a prá-
desenvolvimento de aulas práticas. Considerando essa observação, antes de ini-
tica às 9h00.
ciarmos a experimentação, deixamos os materiais
Com essas ações, conseguimos: 1. disponibilizar sábados para repetir os
e equipamentos à disposição nas bancadas e discutimos juntos quais são e para que servem alguns
experimentos com os alunos faltosos; 2. tirar dúvidas sobre a parte teórica da aula
deles, principalmente se for o primeiro contato dos estudantes com tais materiais ou se estes forem
de laboratório; 3. repetir os experimentos caso algum dis-
a matriz do experimento (por exemplo, caso um experimento de química trate de destilação, enfati-
cente tenha dúvidas; 4. deixar sábados livres para os discentes
zamos as principais vidrarias utilizadas para o pro-
confeccionarem os relatórios das discipli-
cesso, mesmo que os licenciandos já tenham tido
nas de laboratório (tanto individualmente
algum outro contato com as vidrarias). Em se tratando das disciplinas da Licenciatura
quanto em grupo); 5. disponibilizar sábados para os discentes
em Física, discutimos com os alunos as atividades
fazerem outras atividades do curso, como
sugeridas pelos professores, lembrando sempre a
estudar para provas de laboratório, fazer
importância da etapa de pré-laboratório.
pesquisas, estudar ou preparar materiais de
4.2
No caso das disciplinas da Licenciatura em Química, procuramos não verificar individual-
outras disciplinas.
mente se os graduandos fizeram o pré-laborató-
Procedimentos adotados durante as aulas experimentais
rio. Então, para não começarmos os experimentos sem as respostas dessa atividade, discutimos
A análise dos dados aponta que os principais
em conjunto as questões apresentadas. Assim,
obstáculos no momento das aulas de laboratório
os licenciandos podem responder os exercícios
abordam:
nesse momento ou depois, com mais calma, em
1. compreensão dos procedimentos experi-
casa, mas estão cientes do que trata o pré-laboratório. Entretanto, em qualquer situação, fazemos
mentais; 2. conhecimentos dos materiais que serão uti-
um alerta da importância da atividade para uma melhor compreensão das propriedades físicas e
lizados;
químicas dos reagentes, dos equipamentos, das
3. receio em efetuar os experimentos.
vidrarias, enfim, uma melhor compreensão do Observamos que 27% dos discentes da
experimento. Aproveitamos esse momento para
Licenciatura em Física e 26% dos graduandos da
perguntar aos discentes sobre suas dúvidas acerca
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Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN
dos experimentos, equipamentos e vidrarias cuja
organizamos, digitamos e enviamos os dados obti-
abordagem não fizemos. Sanadas as dúvidas ini-
dos via e-mail a todos os alunos que comparecem
ciais, começamos as atividades de laboratório pro-
a aula. Neste mesmo e-mail reforçamos os prazos
postas elegendo alguns alunos que se destacam nas
de entrega do pós-laboratório e dos relatórios,
aulas de laboratório para atuarem como monitores,
indicando sites, textos e livros em que os discentes
nos auxiliando durante o procedimento e ajudando
encontram a fundamentação teórica necessária a
seus colegas.
cada aula. Observamos que essa estratégia se mos-
No decorrer das aulas de laboratório discuti-
trou muito importante, pois foi útil para os alunos
mos e registramos no quadro os resultados obtidos
organizarem seus registros e relembrarem os pas-
durante o experimento e, ao final da aula, com-
sos durante os experimentos, facilitando a prepara-
paramos e tratamos os resultados expressos no
ção dos relatórios.
quadro. A escolha de monitores tem se mostrado,
Quando há faltosos, escrevemos um e-mail
no nosso caso, como um elemento fomentador
informando a data e hora da reposição dos expe-
de estímulo, já que aqueles escolhidos veem seu
rimentos efetuados. Se o aluno faltar na aula de
esforço reconhecido.
reposição, tentamos contatá-lo por telefone para
Com essas ações conseguimos: (i) desenvolver
saber o que ocorreu. Nesse contato, reforçamos a
nos discentes o interesse pela leitura e compreen-
data da próxima atividade de laboratório e desta-
são das atividades propostas; (ii) estimular a parti-
camos que ele ainda poderá fazer os experimentos
cipação nas aulas e; (iii) fortalecer os conhecimen-
da aula que faltou. Costumamos agir assim para
tos teóricos e práticos ligados aos experimentos.
disponibilizar aos discentes mais de uma oportu-
4.3
Procedimentos adotados após as aulas experimentais
A análise dos dados aponta que os principais obstáculos após as aulas de laboratório abordam:
nidade para repor os experimentos, mesmo que apenas nos sábados, desde que o cronograma de entrega das atividades de pré e pós-laboratório seja cumprido. Dessa forma, procuramos acompanhar de maneira mais próxima a caminhada dos estu-
1. falta de tempo;
dantes para que possamos auxiliar na superação
2. dificuldade para escrever os relatórios;
das suas dificuldades. Para os momentos de confecção dos relatórios,
3. dificuldades para encontrar com os colegas.
no caso da produção em grupo, sugerimos aos licenVerificamos que a falta de tempo e problemas
ciandos que mantenham contato e busquem elaborar
relacionados à confecção dos relatórios são apon-
seus relatórios de forma colaborativa. Assim, busca-
tados como agentes para perder o estímulo pela
mos meios de fazer com que mantenham contato,
disciplina por 45% dos alunos da Licenciatura em
estimulem-se mutuamente, tirem dúvidas e confir-
Física e 31,2% dos estudantes da Licenciatura em
mem dados e fundamentações uns com os outros.
Química.
Evidentemente eles têm autonomia e liberdade para
Considerando essas causas, após as aulas práti-
escolher o que melhor lhes convêm.
cas, mas ainda no laboratório, discutimos sobre os
É importante destacar que, no decorrer do
resultados e respondemos as atividades e pós-labo-
semestre, tentamos negociar com os professo-
ratório, principalmente se estes estiverem relacio-
res da UFRN mudanças no prazo para entrega
nados com os resultados dos experimentos. No
dos pré e pós-laboratórios e relatórios, tendo em
caso das disciplinas da Licenciatura em Química,
vista imprevistos que impossibilitam a execução
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Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN
dos experimentos no prazo previsto. É necessário
No caso da Licenciatura em Química, a repro-
reforçar que, em feriados prolongados, normal-
vação girava em torno de 52%, sendo metade
mente, os discentes pedem para não ter ativida-
representada por alunos desistentes/evadidos.
des de laboratório, mesmo quando a programação
A adoção das estratégias apresentadas reduziu
vinda da UFRN apresenta a aula, pois eles querem
esse índice para 36,4%, onde apenas 1/7 corres-
aproveitar o período para viajar, ficar com a famí-
pondem a alunos que desistiram ou evadiram do
lia, descansar ou até resolver problemas e corrigir
curso.
provas e exercícios acumulados e atrasados das
Em ambos os cursos observamos também uma
escolas onde trabalham, uma vez que já ministram
melhora significativa na produção dos relatórios e
aulas na Educação Básica.
no aproveitamento geral das disciplinas, tomando
Mais uma vez, vemos que a flexibilização
como referência as notas dos alunos.
do tempo, no nosso caso, é elemento de extrema
Salientamos, entretanto, que esta flexibiliza-
importância na permanência dos estudantes nas
ção está condicionada aos prazos estabelecidos
disciplinas experimentais.
pelos docentes da cada disciplina para a realização dos experimentos e entrega das atividades de
5
pré e pós-laboratório. Ainda neste sentido, outra
Considerações finais
observação importante a ser considerada remete
Diante da experiência nas disciplinas de labo-
à flexibilização que favoreça a compreensão dos
ratório nos cursos de Licenciatura em Física e
assuntos trabalhados pelo experimento proposto e
Química à distância da Universidade Federal do
o conteúdo acessado pelos alunos.
Rio Grande do Norte, no Polo Maceió, podemos
Considerando esses apontamentos, vemos a
apontar a flexibilização como questão central.
existência da possibilidade das disciplinas experi-
Percebemos esta como ferramenta essencial para
mentais nos cursos de licenciatura à distância da
estimular a permanência dos estudantes nas disci-
UFRN serem elementos de incentivo e de manu-
plinas, quer seja pela negociação de horários com
tenção do interesse dos estudantes em seus respec-
outras atividades do curso, quer seja pela criação
tivos cursos, conforme destacam Francisco Júnior,
de um calendário próprio que atenda ao que estava
Ferreira e Hartwing (2008), desde que o tempo
proposto nas disciplinas e se adéque às disponibi-
que os discentes despendem para participar das
lidades dos alunos.
atividades de laboratório não se torne um fardo
Vemos que a combinação de estratégias diver-
para os mesmos. No caso dos cursos à distância de
sas com a flexibilização foram fundamentais para o
Ciências, cujos Projetos Político-pedagógicos pro-
melhor desempenho dos alunos, contribuindo para
põem o desenvolvimento de aulas experimentais
a redução no número de faltas, evasão, desistências
feitas presencialmente, o abandono e desmotiva-
e reprovações. Antes do uso das estratégias apresen-
ção podem ser ainda maiores, haja vista que, além
tadas, os índices de reprovação e desistência/eva-
do tempo necessário para os estudos à distância,
são nas disciplinas de laboratório na Licenciatura
é exigida a presença dos graduandos para a exe-
em Física no Polo Maceió giravam em torno de
cução dos experimentos, demandando tempo tanto
45%, sendo 2/5 desse percentual proveniente de
para o desenvolvimento dos experimentos quanto
desistências. Com a mudança na nossa metodolo-
para o deslocamento antes e depois das atividades
gia, o percentual de reprovações reduziu para 18%
de laboratório, bem como para a produção dos
e não houve nenhuma desistência/evasão.
relatórios dos experimentos realizados.
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Estratégias de Ensino Versus Evasão: um estudo nas disciplinas de laboratório das licenciaturas em Física e Química à distância da UFRN
Considerando uma visão global desse estudo, vemos que um desafio da educação à distância remete à oferta de cursos que forneçam garantia para a autoaprendizagem do aluno a partir da utilização de estratégias pedagógicas bem definidas e, para isso, faz-se necessário que os tutores estejam preparados para atender às expectativas dos discentes, conforme descrevem Giannasi et al. (2005). Finalmente, destacamos que, por meio da vivência nos cursos de educação à distância nas disciplinas experimentais, percebemos ser preciso um trabalho de percepção e avaliação da realidade onde se desenvolvem as atividades, de forma a detectar as estratégias específicas para cada grupo. No caso do Polo Maceió, a flexibilização se tornou uma importante ferramenta que, combinada com o acompanhamento dos discentes, nos ajudou a mergulhar em seu universo e ajudá-los no caminho da aprendizagem. 6
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Química Verde 01 | Volume 09 | Número 01 | Jan./Jun. 2014
p. 91-106
A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química Green Chemistry as a Scientific Reference for Teaching Mediation in CTSA Perspective on Chemistry Teacher Training Courses Marlene Rios Melo1, Alberto Villani2 e Walter Brito Santos3
RESUMO Nosso trabalho tem por objetivo apresentar um relato de experiência sobre o planejamento, elaboração e aplicação de Metodologia de Ensino na perspectiva CTSA em cursos de formação de professores de Química, tanto em Instituição de Ensino Superior no interior do Estado de São Paulo (2009), quanto em Instituição Federal de Ensino Superior do Nordeste (2012). Essa metodologia tem como principais referenciais teóricos, os pilares norteadores de uma educação CTSA (Aikenhead, 1994; Santos; Schentzler, 2003); Jonas (1995) estabelecendo os princípios da ética para uma civilização tecnológica; os princípios básicos da Química Verde, bem como o conceito de Avaliação do Ciclo de Vida e a concepção de Sociedade de Risco (Beck, 2010). Discutiremos as modificações feitas nessa Metodologia de Ensino quando aplicada na Instituição Federal, como a inclusão do referencial teórico da MMD (Oliveira et al., 2007) estabelecendo parâmetros para uma melhoria na mediação da Metodologia de Ensino. Os Discursos do Professor (Villani; Barolli, 2006) foram utilizados na análise da mediação dessa metodologia pelo professor formador. Discutiremos também os avanços e dificuldades encontrados 1. Professora Adjunto II do curso de Licenciatura em Química pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). 2. Colaborador Aposentado da Universidade de São Paulo. 3. Estudante de graduação da Universidade Federal de Sergipe e Bolsista PIBIC/CNPq.
A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química
pelos licenciandos das duas Instituições na compreensão e aplicação dos fundamentos dessa Metodologia de Ensino para a elaboração de projetos de ensino aplicados em Escolas Públicas do Sudeste e do Nordeste. Palavras-chave: Metodologia de Ensino CTSA; Formação de Professores; Química Verde. Abstract Our work aims to present an account of experience on the planning, development and implementation of teaching methodology in STSE perspective in teacher training courses in chemistry, in a Institution of higher education within the State of São Paulo (2009), and also in Federal Institution of higher education in the northeast (2012). This methodology has as its main theoretical references, the guiding pillars of a STSE education (Aikenhead, 1994; Santos and Schentzler, 2003); Jonas (1995) establishing the principles of ethics in a technological civilization; the basic principles of Green Chemistry, as well as the concept of life cycle assessment and the design of Risk Society (Beck, 2010). We will discuss the modifications made in this teaching methodology when applied to Federal Institution, as the incorporation of theoretical reference of the MMD (Oliveira et al. 2007), establishing parameters for an improvement in the mediation of the teaching methodology. The Speeches of Professor (Villani and Barolli, 2006) were used in the analysis of mediation of this methodology by the teacher trainer. This work discuss also the advances and difficulties encountered by the students of the two Institutions on the understanding and application of the fundamentals of teaching methodology for the elaboration of projects of teaching applied in public schools of Southeast and Northeast. Key-words: STSE Teaching Methodology; training of teachers; Green Chemistry.
1
mineral e desenvolvimento científico, tecnológico
Introdução A adoção pelos professores de química da abordagem curricular CTSA em sua atuação profissio-
e social; ocupação humana e poluição ambiental; destino do lixo e o impacto sobre o ambiente; desenvolvimento da agroindústria e os impactos
nal implica que estes deverão se comprometer com
ambientais; as fontes energéticas, efeitos socio-
a formação da cidadania de seus alunos (Santos;
ambientais e aspectos políticos (Santos; Mortimer,
Schentzler, 2003), e com o desenvolvimento nestes
2002).
da capacidade da tomada de decisão (Aikenhead;
O planejamento dessa instrução envolve um
Solomon, 1994) sobre questões tecnocientíficas,
modelo de ensino que se inspira numa visão cons-
já que o mundo atual está profundamente compro-
trutivista de ensino-aprendizagem, na qual o aluno
metido e envolvido com essas questões. A adoção
é parte fundamental e participante no processo
dessa abordagem curricular implica, também, na
de ensino e aprendizagem, ou seja: a aprendiza-
instrumentalização do aluno para que este possa
gem se dá através do ativo envolvimento do aprendiz
participar de decisões sobre questões tecnocientí-
na construção do conhecimento e as ideias prévias dos
ficas, com consequentes reflexos socioambientais,
estudantes desempenham um papel fundamental no
nas comunidades onde vive.
processo de aprendizagem, já que essa só é possível
Consequentemente, parece necessário que a
a partir do que o aluno já conhece (Mortimer, 2006).
discussão dos conteúdos químicos envolva proble-
Consequentemente, um dos aspectos fundamentais
mas reais de forma contextualizada com a adoção
é escolher temas que estejam relacionados à reali-
de temas socioambientais tais como: exploração
dade do aluno para que este se envolva de forma
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A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química
mais significativa com a construção do conheci-
dedicado ao conteúdo científico e para a cobertura
mento, levando em consideração o que o aluno já
do currículo tradicional; crença de que os alunos
sabe sobre a discussão desse tema socioambiental.
não aceitarão conteúdos históricos, filosóficos e
No entanto, a implementação dessa aborda-
políticos em aulas de ciências; e outros mais.
gem curricular na sala de aula apresenta proble-
Percebemos por essas pesquisas que, embora a
mas como a dificuldade dos alunos em estabelecer
proposta curricular CTS/CTSA seja interessante e
relação entre os conteúdos científicos apreendidos
relevante aos olhos da maioria dos profissionais de
na escola com os problemas do cotidiano e com
educação, há desafios a serem enfrentados e esse
os problemas socioambientais enfrentados pela
enfrentamento envolve não só um comprometi-
humanidade (Solbes; Vilches, 2004).
mento profissional como também pessoal.
Os professores também alegam dificuldades
Em função das dificuldades de implementação
pessoais, profissionais e institucionais para colo-
dessa abordagem curricular, especificamente em
car em prática a ênfase curricular CTSA. Firme e
relação aos professores em formação, iniciamos,
Amaral (2011) apontam os obstáculos apresentados
em 2006, pesquisas (Melo, 2010; Melo; Villani,
por professores brasileiros para a implementação
2011; Melo, 2011; Melo; Costa, 2012; Santos;
dessa abordagem curricular nas escolas, tais como:
Melo; Costa, 2012; Reis; Melo, 2013) cujo obje-
dificuldade em articular de forma adequada os con-
tivo é analisar e implementar formas de capacita-
ceitos tecnocientíficos com as questões sociais; a
ção de professores para a inclusão da perspectiva
falta de material didático que auxilie na implemen-
curricular CTSA nas escolas de Ensino Médio.
tação dessa perspectiva para o ensino de ciências;
Uma dessas ações envolve a constituição de uma
as concepções alternativas dos professores sobre
metodologia de ensino para as disciplinas Prática
ciência, tecnologia e suas implicações sociais e; a
de Ensino e Estágio Supervisionado em cursos
ausência dessa abordagem curricular durante a for-
de licenciatura em química, nos quais a Química
mação inicial dos professores atuantes.
Verde (Lenardão et al., 2003) e a concepção de
Ainda em relação às dificuldades enfrentadas
Sociedade de Risco (Beck, 2010) constituem dois
pelos professores atuantes, Ainkenhead (2005)
dos principais referenciais teóricos. No entanto,
constatou, em levantamento bibliográfico sobre a
em função das análises feitas no decorrer de nos-
pesquisa envolvendo o movimento CTS na educa-
sos trabalhos, outros referenciais foram acrescen-
ção em ciências, que a maioria dos professores de
tados e algumas modificações foram feitas.
ciências pesquisados considera relevante a inserção da abordagem curricular CTS nas escolas, mas aponta diversos motivos que dificultam a imple-
2
Metodologia de pesquisa
mentação dessa abordagem curricular, tais como:
Nossa metodologia de ensino começou a ser
a complexidade causada pela combinação de fatos
elaborada em uma Instituição de Ensino Particular
cotidianos e científicos; os professores não se sen-
no Sudeste e sofreu alterações quando foi imple-
tem habilitados nem para elaborar estratégias de
mentada em uma Instituição de Ensino Federal do
ensino nessa perspectiva, como também avalia-
Nordeste. Discutiremos, a seguir, como a Química
ções que considerem não só o conteúdo científico,
Verde e a concepção de Sociedade de Risco foram
mas também a complexidade dos aspectos envol-
utilizadas na constituição dessa metodologia e os
vidos; falta de apoio da instituição educacional;
resultados atingidos com licenciandos do curso de
preocupação da comunidade escolar com o tempo
Química.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 01 | jan./jun. 2014
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A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química
2.1
no plano individual como a ética Kantiana propõe,
Instituição de Ensino Superior particular de São Paulo: 2006-2009
mas com uma abrangência coletiva:
Em uma Instituição de Ensino Superior no interior de São Paulo, nos envolvemos com a elaboração e planejamento de atividades didáticas que colaborassem com a formação de professores de química comprometidos com a perspectiva curricular CTSA. Nossos referenciais teóricos utilizados para a elaboração e planejamento de atividades didáticas para os licenciandos foram incrementados com o decorrer do trabalho. Iniciamos com a visão de Hans Jonas (1995) sobre o Principio da Responsabilidade e o ensaio de uma ética para uma civilização tecnológica; nessa perspectiva, torna-se importante que os químicos, ao trabalhar com a transformação da matéria se utilizando do conhecimento tecnocientífico, tenham presente e reflitam sobre os princípios éticos correspondentes. A tecnologia química é responsável pela transformação dos recursos físicos da terra, renováveis e não renováveis, em produtos de consumo humano:
Jonas considerou que a humanidade, de posse de um poder (tecnológico) até então inexistente, necessitaria de uma ética que norteasse seus atos, não somente no plano individual, mas, sobretudo, no âmbito coletivo e político, pois são ações que produzem efeitos e possuem abrangência espaço-temporal de tal ordem que, em épocas anteriores, não poderiam ter sido cogitados devido à inexistência, ainda, de tais condições (Alencastro, 2009).
A escola é um espaço coletivo que permite a discussão de como o conhecimento científico esta sendo utilizado e se essa utilização compromete, ou não, tanto as gerações atuais quanto futuras, bem como o Meio Ambiente Natural, já que a sobrevivência humana está diretamente relacionada ao cuidado dos recursos físicos, flora e fauna, e ainda, não só o cuidado com todos os seres viventes, mas também para com aqueles que estão para nascer, pois não podemos comprometer as gerações futuras, sendo necessário o estabelecimento de parâmetros éticos:
a tecnologia é, de forma geral, a ciência que trata os métodos, processos e transformação da matéria prima (produtos da natureza) em artigos de consumo e meios de produção (Simó; Pietro, 1984 apud Silva, 2009).
Procurar não só o bem humano, mas também o bem de coisas extra-humanas, ou seja, alargar o conhecimento dos “fins em si mesmos” para além da esfera humana e fazer com que o bem humano incluísse o cuidado delas (Jonas, 1995).
A adequação das formas de produção de bens
Em um primeiro momento, caminhamos na
de consumo a essa ética implica que estas devem
busca por temas socioambientais que contemplas-
ser planejadas de tal forma a minimizar, ou, ainda,
sem as tecnologias químicas comprometidas com
a evitar a contaminação do solo, ar e água gerando
a ética de Jonas, ou seja, o agir humano deveria
desenvolvimento com equidade social. Tais méto-
continuar a produzir, mas contemplando tecnolo-
dos têm que se fundamentar no princípio da res-
gias o menos impactantes possíveis tanto para os
ponsabilidade. Essa responsabilidade, para Jonas
seres viventes, como para os que ainda estão por
(1995), não se restringe ao sujeito, mas ao coletivo,
nascer, bem como para o Meio Ambiente Natural.
tendo como preocupação básica os efeitos cumulati-
A busca de tecnologias comprometidas com
vos e irreversíveis da intervenção tecnológica sobre
a ética de Jonas nos levou a Michael C. Cann, da
o Meio Ambiente Natural e Social. Para Jonas, as
Universidade de Scranton (EUA) e sua proposta
ações humanas deveriam ser norteadas não apenas
educacional de trabalhar a Química Verde na for-
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A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química
mação de químicos (Cann, 2012). Tal proposta contempla a disponibilização, na rede mundial de computadores, de módulos de ensino para que ocorra um ‘esverdeamento’ do currículo de Química em função da necessidade da formação de químicos comprometidos com um futuro sustentável. A proposta da Química verde é “promover a inovação das tecnologias químicas para que estas reduzam ou eliminem tanto a geração quanto o uso de substâncias perigosas desde a concepção, produção e uso dos produtos químicos (Lancaster, 2002).
de experimentos didáticos comprometidos com as ideias de Jonas e da Química Verde, ressaltando para professores em formação a razão de determinadas escolhas a partir do esclarecimento sobre esses referenciais teóricos. Primeiro estabelecemos discussões sobre formas de diminuir o impacto ambiental das práticas experimentais apoiando-nos nos doze princípios da Química Verde:
Os módulos propostos por Michael Cann, para a inclusão da Química Verde nos cursos de formação de químicos, inclui um módulo introdutório à Química Verde no qual é apresentado um histórico do surgimento da química verde a partir das necessidades sociais expressas pelo estabelecimento de leis de proteção ambiental pela EPA (Environmental Protection Agency) nos EUA, bem como a explicitação dos doze princípios básicos da Química Verde (Anastas; Warner, 1998). Em seguida, o autor apresenta sete Módulos Verdes para Química Geral, Química Inorgânica, Bioquímica, Química Ambiental, Química de Polímeros, Química toxicológica e Química Industrial e estes apresentam em comum a comparação entre uma tecnologia química chamada de ‘marrom’, impactante, com a ‘verde’, comprometida com um mundo sustentável. Um ponto importante da estratégia educacional é que essa comparação seja feita para a produção de um mesmo produto químico e que haja uma discussão de forma inter-relacionada das questões tecnocientíficas e das ambientais. O autor, provavelmente para não tornar muito complexa a realização das sequências didáticas, não inclui nas discussões os problemas sociais envolvidos. A partir do estudo da Química Verde, decidimos incluir, nos cursos de licenciatura, a discussão de tecnologias químicas que estivessem associadas a questões socioambientais, bem como a mediação
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1. prevenção – o planejamento de experimentos deveria contemplar a prevenção de formação de resíduos; 2. economia atômica – experimentos envolvendo reações químicas deveriam produzir, preferencialmente, apenas o produto desejado (como as reações de adição, isomerização e rearranjo), evitando a formação de subprodutos; 3. síntese segura – as práticas experimentais deveriam contemplar, sempre que possível, a utilização de substâncias de baixa ou nenhuma toxicidade; 4. desenvolvimento de produtos seguros – os produtos resultantes das reações químicas não deveriam trazer impacto ambiental, ou seja, deveriam ter baixa ou nenhuma toxicidade; 5. uso de solventes e auxiliares seguros – nas reações químicas contempladas pelos experimentos deveriam evitar a utilização de solventes impactantes como benzeno, tolueno, ou mesmo Compostos Orgânicos Voláteis (COVs), já que estes últimos são responsáveis pela produção de ozônio troposférico como poluente secundário, optando de preferência por água, inclusive em reações orgânicas; 6. busca pela eficiência de energia – buscar sínteses que ocorram na temperatura e pressão ambiente, já que o desperdício de energia implica em um maior consumo
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A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química
de combustíveis fósseis ou renováveis,
acético, ou seja, reagentes orgânicos com
com consequente produção, por exemplo,
degradação segura (Gettys; Jacobson, 2003);
de gases estufa. Outra opção é substituir o
c) síntese de AAS utilizando radiação de
aquecimento convencional, para reações
micro-ondas como fonte alternativa de
mais exigentes energeticamente, por radiação de microondas; 7. uso de fontes de matéria-prima renováveis
et al., 2004) tanto para discutir tratamento
– preferencialmente às não renováveis;
alternativo de água como tratamento de
8. evitar a formação de derivados – evitar reações onde se utilize reagentes de proteção, bloqueadores etc.;
efluentes (Luca; Deus; Luca, 2002) e; e) síntese de biodiesel a partir de óleo de soja (Ferrari; Oliveira; Scabio, 2005).
9. catálise – procurar experimentos onde ocorra a utilização de catalisadores no lugar de reagentes estequiométricos; 10. produtos degradáveis – os produtos devem se degradar, preferencialmente, em produtos inócuos ao Meio Ambiente Natural; 11. análise em tempo real para prevenção da poluição – ou seja, o professor deve avaliar se os produtos e subprodutos produzidos no experimento químico se degradarão em compostos inócuos ambientalmente e; 12. prevenção de acidentes – a seleção dos experimentos deve ocorrer levando em consideração a prevenção de acidentes.
No entanto, esses experimentos, da forma como estavam sendo propostos, eram bastante distantes dos eventos e dos contextos familiares dos licenciandos e de seus futuros alunos, não nos permitindo uma discussão mais articulada da perspectiva curricular CTSA. Mesmo assim, iniciamos nossa metodologia de ensino para a disciplina Prática de Ensino do curso de licenciatura em Química dessa Instituição de Ensino Superior com alguns dos módulos propostos por Michael Cann, que permitiam confrontar duas tecnologias para a produção de um mesmo produto de consumo e evidenciar a possibilidade de redução dos impactos ambientais nas reações químicas.
Para auxiliar os futuros professores a dimensionar a utilização desses princípios na prática escolar, iniciamos a busca por experimentos comprometidos com a Química Verde e com a ética de Jonas para que estes fossem parte da nossa metodologia de ensino. Adequamos os seguintes experimentos para: a) cinética química (Wright, 2002), nos quais os reagentes e produtos têm baixa toxicidade e degradação em substâncias pouco impactantes, exceto o iodo; b) discussão da formação de chuva ácida e seu impacto em distintos solos, utilizando indicador ácido/base produzido a partir de repolho roxo e acidificação da água com ácido
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energia (Rosini; Nascente; Nóbrega, 2004); d) produção de ferrato em microescala (Ibanez
Percebemos, durante esse percurso, a necessidade da inclusão da discussão do conceito de Avaliação de Ciclo de Vida (ACV), pois, se íamos comparar duas tecnologias para a produção de um mesmo produto químico, precisávamos avaliar o ciclo de vida de ambas definido por Anastas e Lankey (1998) como sendo: [...] a avaliação das cargas ambientais de um produto, processo ou atividade, através da quantificação da utilização dos recursos e emissões, da avaliação tanto do impacto ao meio ambiente natural quanto à saúde humana. E ainda, levanta a possibilidade de implementação de oportunidades para a melhoria desses processos ou atividades.
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A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química
No nosso caso, percebemos a necessidade de
Outro ponto levantado por Beck (2010), que
incluir a avaliação dos impactos sociais e ambien-
reforça a necessidade da formação tecnocientífica
tais do processo químico desde a extração da maté-
do sujeito, é a que a maioria dos riscos a que esta-
ria-prima até o descarte final do produto químico
mos expostos não podem ser dimensionados pelos
produzido, tanto para a rota verde quanto marrom.
sentidos humanos, sendo necessária a utilização de
A idealização da Química Verde, como a detentora
instrumentos produzidos pela ciência capazes de
das soluções para o mundo comprometido com a
identificar substâncias químicas, radiações, conta-
produção tecnológica de bens de consumo, foi redi-
minação biológica etc. Identificar ameaças de uma
mensionada durante o planejamento dos conteúdos
civilização comprometida com distintas tecnolo-
teóricos e práticos dos módulos e durante as dis-
gias exige [...] os “órgãos sensoriais” da ciência – teo-
cussões estabelecidas nos grupos de pesquisa de
rias, experimentos, instrumentos de medição – para que
Iniciação Científica e Doutorado. Percebemos pro-
possam chegar a ser “visíveis” e interpretáveis como
blemas para tratar os efluentes dos experimentos,
ameaça (Beck, 2010).
como, por exemplo, do biodiesel e ferrato, e deci-
As colocações de Beck reforçam a necessi-
dimos utilizar os efluentes destes para a produção
dade da aprendizagem da perspectiva CTSA. A
de sabão já que a produção de ferrato era feita em
sociedade civil deve ter conhecimento do quanto
meio básico. No entanto, precisávamos incluir em
à produção tecnocientífica (CT) de um produto
nosso balanço também o fato de que o sabão tam-
químico, por exemplo, implica em riscos socio-
bém traria impactos ambientais quando descartado.
ambientais (SA), pois esse conhecimento permite
A percepção de que qualquer solução para os
uma avaliação da compensação, ou não, dos riscos
descartes dos rejeitos experimentais implicava em
favorecidos fundamentalmente durante a produ-
impactos, maiores ou menores, nos fez adotar a
ção, pelos benefícios advindos do consumo desse
concepção de sociedade como referencial teórico
produto.
na constituição de nossa metodologia de ensino.
Estabelecidos os referenciais teóricos que
Para Beck (2010), a produção de riqueza é acom-
iriam orientar os conteúdos de nossos módulos,
panhada da produção de riscos. Uma sociedade
selecionamos alguns temas socioambientais e pla-
comprometida com a utilização de distintas tec-
nejamos a instrução CTS adequando a sequência
nologias, verdes ou não, para a produção de bens
proposta por Santos e Schnetzler (2003), através
de consumo, inevitavelmente contempla impactos
da consideração da variável Ambiental (CTSA) e
socioambientais para a comunidade civil. Ressalta,
confronto de duas tecnologias (marrom e verde):
ainda, que, embora alguns riscos atinjam sujeitos
1. uma questão socioambiental relacionada à
pertencentes a qualquer condição social, os mais
realidade dos licenciandos era selecionada;
pobres estão mais expostos a eles, tanto em função
2. analisávamos duas tecnologias químicas,
da condição socioeconômica que facilita o viver
verde e marrom, relacionadas à questão
em locais onde os riscos se estabelecem com facili-
socioambiental;
dade – uma indústria poluente dificilmente conse-
3. em seguida, discutíamos o conteúdo cien-
gue se estabelecer em locais de classe média alta,
tífico relacionado à questão socioambien-
pois lá moram pessoas instruídas cientificamente –,
tal selecionada e às duas tecnologias intro-
quanto pela falta do conhecimento tecnocientífico
duzidas;
para avaliar os riscos, já que a pobreza também está associada a uma educação científica precária.
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4. estudávamos os conteúdos científicos contextualizados às tecnologias verde e mar-
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A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química
rom, bem como os impactos socioambien-
A seleção dos temas foi feita em função das
tais das mesmas através da ACV das duas
discussões em mídia da comunidade escolar dos
tecnologias; e
licenciandos dessa instituição.
5. estimulávamos ao final uma rediscussão
Os licenciandos foram então convidados a ela-
da questão socioambiental original em
borar projetos de ensino de química na perspectiva
função do conhecimento apreendido e dos
CTSA, orientados pela professora formadora. A ava-
impactos levantados a partir da perspectiva
liação dos projetos de ensino, que deviam ser apre-
da Sociedade de Risco.
sentados de forma escrita e oral e deviam contemplar a perspectiva curricular CTSA, mostraram que a
Para a elaboração dos módulos utilizamos diversas referências para a fundamentação teórica e contextualizada envolvendo as múltiplas relações entre C-T-S-A, entre elas a Revista Química Nova na Escola, tanto os cadernos temáticos quanto os outros. Colocaremos as referências quando da descrição dos mesmos.
maioria dos licenciandos tinha dificuldades em: a) relacionar
adequadamente
problemas
socioambientais com conceitos químicos; b) limitar os conceitos químicos pertinentes ao tema desenvolvido; c) elaborar avaliações que contemplassem não só o conhecimento químico, mas também
Quadro 1. Módulo de ensino da perspectiva CTSA. Módulo / Tema
Conteúdo Teórico e Experimental
Tecnologias verdes Química verde
Abordagem histórica, diferenciação entre QV e Química ambiental. Avaliação do índice de rejeito de distintos setores industriais. Princípios básicos da QV e sua utilização no planejamento de tecnologias verdes. Avaliação de Ciclo de Vida e sua utilização na justificativa para a implementação de tecnologias verdes em substituição às marrons. Concepção de Sociedade de Risco (Beck, 2010) e as implicações desta para a idealização das tecnologias verdes (Lenardão et al., 2003; Sanseverino, 2002).
Energia Combustíveis alternativos Biodiesel
Interesses políticos envolvidos no estabelecimento de uma política de produção de biodiesel no Brasil e no mundo. Impactos para agricultura doméstica da monocultura da soja. Biodiesel versus Diesel. Avaliação de impactos e benefícios, via ACV, das produções de biodiesel via catálise ácida, básica, enzimática e fluídos supercríticos (Ulf; Serchelia; Vargas, 1998; Castro; Mendes; Santos, 2004). Mediação experimental da produção de biodiesel catalisado por base (Ferrari; Oliveira; Scabio, 2005).
Recursos hídricos Água
Avaliação das reservas de água doce, bem como formas de contaminação dessas reservas. Estudo das propriedades físico- químicas da água através de um paralelo entre o macroscópico e o modelado cientificamente. Mediação de experimentos envolvendo a reprodução tanto do tratamento tradicional de água utilizando sulfato de alumínio como coagulante (Maia; Oliveira; Osório, 2003) e hipoclorito como desinfetante como tratamento alternativo da água utilizando ferrato como coagulante como desinfetante (Melo; Oliveira, 2007). Cont. Módulo de ensino da perspectiva CTSA.
Recursos hídricos Tratamento de efluentes
Impactos da produção de efluentes humanos e industriais para as reversas de água doce. Formas de tratamento de efluentes: Aeróbico, anaeróbico e Processos Oxidativos Avançados (Guimarães; Nour, 2001). Tratamento de efluentes utilizando ferrato (Luca; Deus; Luca, 2002). Mediação de experimento de tratamento de efluentes com corantes orgânicos utilizando ferrato (Melo; Oliveira, 2007).
Transformações químicas e tecnologia Vidro
Impactos da extração de areia para a produção de vidro. Avaliação do Ciclo de Vida da produção de vidro versus produção de plásticos. Reciclagem do vidro versus reciclagem de plásticos (Alves; Gimenez; Mazali, 2001).
Energia Combustíveis alternativos Álcool
Impactos da produção de cana de açúcar para a agricultura doméstica, solo e clima. Avaliação da produção de etanol tanto via catálise com H3PO4, quanto por fermentação de açúcar oriundo da cana de açúcar. Mediação experimental da produção de álcool a partir de suco de frutas (Ferreira; Montes, 1999).
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A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química
relacionar este adequadamente com as ques-
conhecimento produzido por especialistas, ou seja,
tões socioambientais do cotidiano do aluno;
o professor se coloca como o guardião do conhe-
d) assumir de forma plena a responsabili-
cimento científico a ser apreendido pelo aluno.
dade pessoal no processo de preservação
Consideramos que esse tipo de discurso se estabe-
ambiental e;
lecia em nosso curso quando havia uma cobrança
e) em propor formas de discussão de temas
bastante exigente em relação à aprendizagem tanto
socioambientais que permitissem aos
do conhecimento químico relacionado às ques-
alunos expressar seus posicionamentos.
tões tecnocientíficas como da compreensão das
Mesmo com essas limitações, e mesmo
relações destas com os impactos socioambientais.
com as diferentes atuações dos licencian-
Enfim, o conhecimento científico e pedagógico,
dos, ficou claro que houve uma mudança
principalmente referente à ACV das tecnologias
básica de todos eles, no sentido de ampliar
estudadas, à concepção de Sociedade de Risco,
o horizonte de sua atuação didática e de
para além da idealização das tecnológicas verdes,
incluir a preocupação com o ambiente e
foram considerados como a lei a ser seguida pelos
sua sustentabilidade.
licenciandos, implicando uma avaliação positiva dos que se esforçassem nesse sentido e negativa
A análise da experiência, principalmente a rea-
dos que tentassem burlá-la.
lizada no ano de 2009, além de focalizar o conte-
No Discurso da Histérica, o professor mani-
údo científico e pedagógico discutido durante os
festa uma relação de inclusão com os alunos, esti-
módulos em sala de aula foi feita também tendo
mulando sua preocupação com a aprendizagem
presente as relações subjetivas estabelecidas entre
deles: mesmo quando demonstra sua insatisfação
a professora e os licenciandos, tendo como orien-
pessoal com a situação atual, ele aponta para os
tação teórica os diferentes tipos de Discursos do
alunos de que algo está faltando na formação e pro-
Professor (Villani; Barolli, 2006). As relações fun-
cura desafiá-los. O professor age, então, como um
damentais foram localizadas em quatro discursos.
provocador, tentando gerar no aluno um avanço
No Discurso do Mestre, o professor assume uma
no saber. Interpretamos que esse tipo de discurso
posição de autoridade e domínio sobre o conheci-
se estabelecia em nosso curso, quando o profes-
mento a ser apresentado e os alunos são totalmente
sor procurava de todas as maneiras problematizar
dependentes, se deixando conduzir pelos convites
os experimentos, as ideias de senso comum sobre
e pela sustentação dele. Interpretamos que esse
questões tecnocientíficas e seus impactos socio-
tipo de discurso se estabelecia em nosso curso,
ambientais, os problemas socioambientais viven-
quando o foco da atuação da professora era o con-
ciados pelos licenciandos. Provavelmente, o efeito
vite para os licenciandos dedicar-se ao ensino, à
mais importante desse tipo de discurso se dava nas
luta pela preservação ambiental e a um comprome-
discussões dos pré-projetos de ensino produzidos
timento, pessoal e profissional, com a abordagem
pelos licenciandos, nos quais as considerações e
curricular na perspectiva CTSA. Nesse caso havia
os estímulos do professor referiam-se a produtos
pouco espaço para a escuta dos licenciandos e a
elaborados pelos próprios estudantes.
referência era seguir a orientação da professora em sua cruzada contra a degradação do ambiente.
E, finalmente, o Discurso do Analista marca uma relação caracterizada por uma aprendizagem
No Discurso da Universidade, o professor
autônoma por parte do aluno. O professor passa a
passa a ser o mediador entre o aluno e algum tipo de
respeitar efetivamente as ideias dos alunos e foca-
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A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química
liza seus esforços para que estas se concretizem
piciava uma aproximação tanto das leituras de arti-
da melhor maneira possível. Consideramos que,
gos de periódicos envolvendo pesquisas em ensino
apesar de não ser frequente, esse tipo de discurso
de ciências, como também com a leitura científica
ocorre quando da orientação dos projetos de ensino
(Andrade et al., 2012). Como consequência, os
de química; os licenciandos escolhiam os temas e
licenciandos apresentavam concepções simplistas
o professor formador os auxiliava na busca pela
sobre o processo de ensino e aprendizagem de edu-
seleção das melhores referências bibliográficas,
cação em ciências.
da melhor organização e das melhores estratégias para que os projetos tivessem sucesso. 2.2
Com relação à perspectiva curricular CTS/ CTSA, os licenciandos a desconheciam, até 2010, quando passaram a estudar e discutir compreen-
Instituição de Ensino Federal – 2010-2012
sões dessa perspectiva educacional (Melo, 2011;
No início de 2010, assumimos a docência em uma Universidade Federal do Nordeste, encon-
Melo; Costa, 2012; Santos; Melo; Costa, 2012; Reis; Melo, 2013).
trando diversos problemas como as condições
Diagnosticada a problemática local, iniciamos,
físicas precárias nas salas de aula, o acesso limi-
em 2011, estratégias de ensino e aprendizagem
tado à Internet e condições humanas inadequadas,
nas disciplinas ministradas por um de nós (pes-
que começaram a melhorar a partir de meados
quisa em ensino de Química I e II; metodologia
de 2011. A maioria dos professores formadores
e Instrumentação para o Ensino; fundamentos de
do Departamento de Química desconhecia tanto
Química e ESEQ I a IV) para minimizar os três
as formas de atuação de pesquisadores da área
problemas fundamentais: formação conceitual,
Educação em Ciências, bem como apresentava
tanto da química, quanto das teorias de ensino e
concepções alternativas sobre as pesquisas envol-
aprendizagem, ambas muito limitadas; familiari-
vendo teorias de ensino e aprendizagem (Borges;
dade com as leituras científicas, pois estas quase
Silva; Melo, 2011).
inexistiam e quando feitas voltavam-se para a
Em 2010 e 2011 constatamos que os licen-
memorização e; desconhecimento da abordagem
ciandos apresentavam um conhecimento precário
curricular CTSA. Nossas estratégias foram apoia-
sobre o conteúdo científico básico (Melo; Lima
das nos resultados de nossas pesquisas, associadas
Neto, 2013; Santos; Melo, 2012), pois podiam cur-
tanto a projetos de Iniciação Científica e Mestrado,
sar as disciplinas de Estágio Supervisionado em
como a pesquisas individuais não vinculadas a
Ensino de Química (ESEQ) I a IV e Metodologia
projetos. Neste sentido, aproveitamos bastante dos
e Instrumentação para o Ensino de Química, sem
referenciais utilizados na experiência de São Paulo.
terem sido aprovados em nenhuma disciplina com
Como os licenciandos estavam habituados ao
conteúdos disciplinares de química (fundamentos
domínio sistemático do Discurso do Mestre em
de Química geral, Orgânica e Físico-química).
sua relação com os professores formadores, eles
Como consequência, dessa estrutura curricular,
reclamavam das tentativas de promoção, durante
havia uma grande possibilidade de o licenciando
nossa docência em 2010 e 2011, de outros tipos
estagiar na escola pública e ministrar aulas com o
de relação, como o Discurso da Universidade e da
conhecimento extremamente limitado alcançado
Histérica, alegando que fazíamos muitos questio-
durante o Ensino Médio.
namentos e isso os deixava confusos.
Por outro lado, a organização das disciplinas
Em função de toda essa problemática, decidi-
relacionada com a educação em ciências não pro-
mos, em 2012, estabelecer uma forma de mediação
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dos módulos (Quadro 1), desenvolvidos no Sudeste
alunos, demonstrava sua preocupação com
com os referenciais teóricos citados anteriormente,
a aprendizagem deles, e apontava para os
durante os ESEQ I e II de 2012. Essa mediação
alunos elementos novos necessários para
foi feita utilizando a Metodologia da Mediação
uma aprendizagem consistente; sobretudo,
Dialética (MMD) (Oliveira; Almeida; Arnoni, 2007)
procurava desafiá-los, sugerindo que todo
permeada com a promoção de uma alternância de
o processo estava ao alcance deles;
Discursos, para auxiliá-los na elaboração de oficinas experimentais.
b) problematizando é o momento no qual o saber imediato é confrontado com o saber
O planejamento da mediação dos módulos
mediato pretendido. A professora forma-
apoiado na MMD passou a ser o nosso referencial
dora convidava os licenciandos ao estudo
teórico complementar, pois ele leva em considera-
do tema, através de textos por ela sele-
ção uma abordagem epistemológica e ontológica
cionados, da Revista Química Nova na
moderna e se mostra coerente com uma perspec-
Escola, e introduzia a discussão e media-
tiva curricular CTSA.
ção dos módulos de ensino (Quadro 1)
A Metodologia da Mediação Dialética (MMD)
que contemplam os referenciais teóricos
propõe-se a problematizar situações capazes de
discutidos anteriormente. A consequên-
gerar contradição entre um ponto de partida do
cia esperada era uma negação recíproca,
processo, chamado imediato (saber imediato ou
gerando uma necessidade de superação
cotidiano) e o ponto de chegada chamado mediato
do imediato no mediato. De fato, nessa
(Saber mediato ou apreendido). Entre estes saberes
fase, havia o predomínio dos Discursos
divergentes ocorrem contradição, negação recí-
da Universidade, já que a professora for-
proca, superação do imediato no mediato e a síntese.
madora operava como o guardião do
A MMD é apresentada em quatro momentos
conhecimento científico a ser apreendido
pedagógicos, utilizados tanto para a mediação
pelo licenciado. No entanto, essa relação,
dos módulos CTSA, quanto para os licencian-
muitas vezes, era deslocada para outra,
dos mediarem suas propostas experimentais nas
pelo menos com uma boa parte dos licen-
Escolas Públicas do Estado. Os quatro momentos
ciandos, mais semelhante ao Discurso da
pedagógicos, bem como os correspondentes dis-
Histérica, no qual a formadora agia como
cursos promovidos serão descritos a seguir:
provocadora, tentando gerar no aluno um
a) resgatando é o momento do levantamento
avanço no saber.
e registro das primeiras ideias dos licen-
c) sistematizando, neste momento deveria
ciandos (saber imediato) referente ao con-
ocorrer uma síntese, como um produto
teúdo de estudo. No nosso caso, o tema
da superação, ou seja, elementos do saber
era escolhido pelo professor formador e
científico deveriam ser incorporados no
relacionado ao tema do módulo, envol-
repertório dos licenciandos. Para susten-
vendo questões socioambientais advindas
tar esse processo, a professora formadora
de produções tecnocientíficas (módulos de
discutia com os licenciandos, através de
ensino). Durante esse momento, ocorreu o
aulas dialogadas, as principais dificul-
predomínio do Discurso da Histérica: de
dades tanto em relação ao conhecimento
um lado, a professora formadora procurava
tecnocientífico envolvido nos módulos de
manifestar uma relação de inclusão com os
ensino, quanto ao reconhecimento, através
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A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química
da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) do
de Sociedade de Risco (Beck, 2010), para
processo químico, dos impactos socioam-
o planejamento da versão ‘verde’ e ‘mar-
bientais resultantes da implementação de
rom’. Nesse momento, a professora for-
uma dada tecnologia na sociedade. Nesse
madora assumiu a postura do Discurso da
momento, havia um forte envolvimento
Universidade, já que os licenciandos eram
da professora, que assumiu uma posição
avaliados positivamente quando seguiam
de autoridade e domínio sobre o conheci-
as propostas expressadas pelos referen-
mento apresentado e, sobretudo, não dava
ciais teóricos e negativamente quando
espaço para posturas duvidosas em relação
tentassem burlá-la. No entanto, havia
à preservação do ambiente: era o predomí-
também o esforço de se iniciar uma nova
nio do Discurso do Mestre, numa versão
relação, em parte semelhante ao Discurso
na qual os princípios éticos eram reforça-
do Analista, pois a professora, durante a
dos constantemente. Temos a impressão
elaboração das oficinas, respeitava ao
de que vários dos licenciandos aderiram
máximo as ideias dos licenciandos e cola-
a este convite e começaram a rever suas
borava para que estas se concretizassem
posições pessoais.
da melhor maneira possível, através da
d) produzindo é o momento que deveria corresponder ao ponto de chegada (saber
indicação de referências bibliográficas e organização das oficinas.
mediato) com a concretização do trabalho
102
educativo que num dado momento pode
Acompanhamos esses licenciandos por dois
tornar-se um novo ponto de partida. No
semestres (ESEQ I e ESEQ II) e, de modo geral,
nosso caso, foi o momento no qual a pro-
percebemos um avanço nas concepções científi-
fessora formadora propôs uma avaliação
cas, na capacidade de relacionar questões tecno-
para os licenciandos, que consistia em
científicas com socioambientais, na capacidade de
uma dissertação sobre sua compreensão
produzir textos sobre suas compreensões das leitu-
das leituras dos artigos sobre a temática
ras e discussões mediadas pela MMD. A utilização
socioambiental da Revista QNEsc, bem
dessa estrutura de mediação possibilitou à profes-
como dos módulos. A análise dessas ava-
sora formadora organizar melhor as informações a
liações permitia o dimensionamento da
serem debatidas e aprimoradas.
aprendizagem da proposta na perspectiva
No entanto, a mediação das oficinas experi-
CTSA por parte dos licenciandos. Novas
mentais, feitas pelos licenciandos em salas de aula
discussões e ajustes foram feitos para pre-
de escolas públicas de ensino médio, demonstrou
parar os licenciandos na elaboração de
alguns problemas, tais como:
suas propostas de ensino que foram apli-
a) a compreensão inadequada da Avaliação
cadas em sala de aula de escola pública da
do Ciclo de Vida, já que limitaram essa
região. Essas propostas de ensino se resu-
avaliação à produção e ao pós-consumo,
miram a elaboração de oficinas experi-
não levando em consideração, por exem-
mentais, através da busca e/ou elaboração
plo, a extração da matéria-prima;
dos experimentos apoiando-se nos refe-
b) a dificuldade em estimular a tomada de
renciais teóricos da abordagem curricular
decisão em seus alunos sobre problemas
CTSA, da Química Verde e da Concepção
da vida real; e
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A Química Verde como Referencial Científico para Mediação de Ensino na Perspectiva CTSA em Cursos de Formação de Professores de Química
c) a maioria das avaliações propostas não se
Outro ponto a ser considerado é o fato de ter-
mostraram coerentes com as discussões
mos solicitado a comparação entre duas tecnolo-
dos conteúdos CTSA, pois se concentra-
gias para o mesmo tema; isso permitiu aos licen-
vam ora em questionamentos tecnocientí-
ciandos, quase na totalidade, uma visão menos
ficas, ora nos socioambientais.
idealizada da ciência, especificamente da Química Verde, como aquela que apresenta as soluções para
3
os problemas socioambientais advindos da uti-
Conclusões finais
lização da Ciência e da Tecnologia. Finalmente,
Nossa metodologia apresentou duas modifica-
acreditamos que o esforço da professora, em enca-
ções para a Instituição Federal quando comparada
minhar diferentes tipos de relação com os licen-
com a utilizada na Instituição particular. Primeiro,
ciandos, contribuiu fortemente para afastá-los de
a utilização da MMD para mediação dos módulos,
uma posição fixa e estimulá-los a investir em sua
pois os licenciandos reclamavam que a professora,
aprendizagem.
formadora, no lugar de explicar o que era correto, fazia muitas perguntas, o que os deixava mais confusos. A MMD permitiu organizar a discussão dos módulos permitindo os questionamentos, mas inserindo também sistematizações de que eles necessitavam. Segundo, em função da falta de fundamentação do conhecimento químico, definimos que os textos deveriam ser referentes aos temas dos módulos e solicitamos a elaboração de uma dissertação sobre as leituras feitas e depois outra após as discussões estabelecidas com a professora formadora. Essa prática se mostrou muito interessante e caracterizou um avanço de um semestre para outro, pois partilhamos das ideias de Moraes (2007): Não aprendemos recebendo os conhecimentos prontos dos outros, mas nos apropriamos de conhecimentos sociais a partir da interação ativa com diferentes vozes. A linguagem exerce papel de grande importância no aprender, seja a linguagem falada, seja a escrita, além de outras.
O referencial teórico da Química Verde, desta vez, nos permitiu aprofundamento das discussões tecnocientíficas, já que os princípios básicos da QV apresentam propostas de alterações de rotas que estão diretamente relacionadas à compreensão de temas como: cinética química; reações químicas; catálise homogênea e heterogênea etc., de forma contextualizada.
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Vincenzo Cascariolo e as Origens da Luminescência Vincenzo Cascariolo and the Origins of Luminescence José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias
E
mbora pareçam diferentes, os fenômenos da fluorescência a da fosforescência são, na realidade, aspectos de um único fenômeno: a luminescência,
que é a re-emissão de radiação luminosa por parte de alguns corpos quando iluminados por radiação eletromagnética. Eles, contudo, diferem, apenas no tempo que levam para re-emitirem a radiação recebida. No caso da fluorescência, o tempo entre a incidência e a re-emissão é da ordem de 10-8s; no caso da fosforescência, esse tempo varia entre 10-3s, dias ou mesmo anos, dependendo das circunstâncias. Registre-se que esse nome foi dado ao se observar uma luminescência permanente do elemento químico fósforo (P). Segundo nos contam o matemático inglês Sir Edmund Taylor Whittaker (1873-1956) no livro intitulado A history of the theories of aether and electricity: the classical theories (Thomas Nelson and Sons Ltd., 1951) e o físico brasileiro Fernando de Souza Barros (nº 1929), na Ciência Hoje (1982, v. 1, p. 50), a primeira observação de um fenômeno fosforescente foi realizada pelo sapateiro-alquimista italiano Vincenzo Cascariolo (1571-1624), ao observar em 1603, a existência de uma luz persistente azul-púrpura nos resíduos de queima de um minério conhecido como ‘barita’ (sulfato de bário: BaSO4). Ele
encontrou esse minério no Monte Paderno, perto de Bolonha, o qual denominou de lápis solaris (palavra latina que significa “pedra solar”). Esse minério ficou mais tarde conhecido como pedra de Bolonha ou fósforo de Bolonha. Por sua vez, em 1852 (Philosophical transactions of the royal society, p. 463), o matemático e físico inglês Sir George Gabriel Stokes (1819-1903) observou que a fluorita (fluoreto de cálcio: CaF2) emitia luz violeta quando iluminada
Vincenzo Cascariolo e as Origens da Luminescência
com radiação ultravioleta. A esse novo fenômeno físico, Stokes deu o nome de fluorescência. É oportuno notar que ao interpretar esse novo fenômeno físico, Stokes demonstrou que a radiação ultravioleta poderia ser refletida, refratada, interferida e polarizada.
Stokes
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