ReBEQ v.9 n.2 - Revista Brasileira de Ensino de Química

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ISSN 1809-6158

VOLUME 09 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2014


VOLUME 09 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2014

Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias – UFRN Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP

Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe­ cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali­ zação e otimização do Ensino de Química.

Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional

Revisão Helena Moysés Capa e Editoração Eletrônica

1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos.

Fabio Diego da Silva

CDD 540

Indexada

Índice para Catálogo Sistemático 1. Química

540

A division of the American Chemical Society Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.

Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br


Sumário 7

Editorial

Artigos

10

Pedro L. O. Volpe

23

ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

Solange de Fátima Azevedo Dias e Carmem Lúcia Costa Amaral

35

A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos José Rodrigo Barreto, José Lucas Carvalho Gois, Erivanildo Lopes da Silva e Geraldo Humberto Silva

Relatos de Experiência

Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: 48 Atividades estratégias metodológicas para o Ensino de Química Ana Carolina Gomes Miranda, Mara Elisa Fortes Braibante, Maurícius Selvero Pazinato e Fernando Oliveira Vasconcelos

61

Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio Elane de Sousa Santos, Vanessa Coelho de Deus Brito, Josimara Cristina de Carvalho Oliveira, André Camargo de Oliveira e Régia Chacon Pessoa de Lima

72

Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio Leandro Severino de Oliveira, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Vanúbia Pontes dos Santos, Umberto Gomes da Silva Junior e Jailson Machado Ferreira


Química Verde

de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade 79 Compreensões possíveis influências na formação de professores de Química

Ambiental:

Carlos Alberto Marques, Franciani Becker Roloff, Leonardo Victor Marcelino, Leila Cristina Aoyama Barbosa e Aniara Ribeiro Machado

História da Química

93

A Dispersão da Luz e as Séries Espectrais José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias

99 Resenha 101

Normas para Publicação


Contents 7

Editorial

Articles

10 23

Thermodynamics of the Metabolism of Living Systems Pedro L. O. Volpe

The National High School Examination and the Contents of the Teachers Notebook and the Students Notebook Adopted by Secretaria da Educação do Estado de São Paulo in Public Schools Solange de Fátima Azevedo Dias and Carmem Lúcia Costa Amaral

35

The Innovative High School Chemistry Classes: soils project José Rodrigo Barreto, José Lucas Carvalho Gois, Erivanildo Lopes da Silva and Geraldo Humberto Silva

Experiences Account

Activities and Case Study Alliedto 48 Experimental methodological strategies for Teaching Chemistry

the Criminal Investigation:

Ana Carolina Gomes Miranda, Mara Elisa Fortes Braibante, Maurícius Selvero Pazinato and Fernando Oliveira Vasconcelos

61

Citronella: a theme for contextualization of Education of Organic Chemistry in secondary education Elane de Sousa Santos, Vanessa Coelho de Deus Brito, Josimara Cristina de Carvalho Oliveira, André Camargo de Oliveira and Régia Chacon Pessoa de Lima

72

Thematic Discipline of Chemistry: space for citizen formation of high school students Leandro Severino de Oliveira, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Vanúbia Pontes dos Santos, Umberto Gomes da Silva Junior and Jailson Machado Ferreira


Green Chemistry

79

Comprehensions of Chemists Researchers on Environmental Sustainability: possible influences on Chemistry teacher formation Carlos Alberto Marques, Franciani Becker Roloff, Leonardo Victor Marcelino, Leila Cristina Aoyama Barbosa and Aniara Ribeiro Machado

Chemistry History

93

Dispersion of Light and the Spectral Series JosĂŠ Maria F. Bassalo and Robson Fernandes de Farias

99 Review 101

Editorial Standards


Editorial Os problemas de ensino e aprendizagem nos níveis fundamental e médio têm sido incluídos nas pautas de todas as discussões sobre os rumos a serem tomados na educação do país. Problemas como falta de interesse dos alunos, despreparo dos professores, falta de tempo para estudar ou preparar aulas, desconexão do conteúdo estudado com a vivência dos alunos, ausência de problemas relacionados ao dia a dia dos alunos, são constantes em todas as discussões sobre o ensino que deve ser oferecido à nova geração de alunos que se apresenta. Nos fóruns de discussão sobre ensino, o termo ‘criatividade’ se tornou palavra de ordem; dependemos da criatividade dos educadores para estimular os alunos e despertar seu interesse pelos estudos. Entretanto, devido às dimensões de nosso país, não existe uma orientação geral que possa ser estendida para todas as regiões e que atenda às expectativas de professores e alunos. Além disso, até pouco tempo atrás, não existia um veículo de divulgação que congregasse toda a comunidade nacional de educadores, em particular para o ensino de química. Podemos dizer que, atualmente, a ReBEQ representa um dos melhores retratos da situação do ensino de química no nível médio do país, sua iniciativa de divulgar as variadas tentativas de professores e alunos, permite uma boa noção da situação do ensino/aprendizagem, nas mais diferentes regiões no Brasil. Neste número a ReBEQ apresenta um conjunto de relatos de experiência que contemplam variadas tentativas de professores, de superar a falta de estimulo e iniciativa dos alunos; em particular, devemos ressaltar a grande preocupação dos autores de desenvolver e aplicar atividades que despertem a atenção dos alunos de determinada região para problemas do cotidiano utilizando-se da sua própria vivência na construção do conhecimento. Temas como investigação criminal, preparação e utilização de repelentes caseiros em regiões que apresentam problemas de infestação de insetos, coleta e análise de água de rio, jogos lúdicos, reciclagem de papel, além de disciplinas de extensão e experimentais à distância, são encontrados neste número. Assim, a ReBEQ consolida sua participação na divulgação das mais diferentes iniciativas de professores e alunos. Dessa forma, Convocamos nossos leitores de todo o país a divulgarem suas vivências, para juntos conseguirmos a tão almejada contextualização no ensino de química.

Coordenação Editorial



Artigos Articles

Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos Thermodynamics of the Metabolism of Living Systems Pedro L. O. Volpe

ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo The National High School Examination and the Contents of the Teachers Notebook and the Students Notebook Adopted by Secretaria da Educação do Estado de São Paulo in Public Schools Solange de Fátima Azevedo Dias e Carmem Lúcia Costa Amaral

A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos The Innovative High School Chemistry Classes: soils project José Rodrigo Barreto, José Lucas Carvalho Gois, Erivanildo Lopes da Silva e Geraldo Humberto Silva


Artigo 01 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

p. 10-22

Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos Thermodynamics of the Metabolism of Living Systems Pedro L. O. Volpe1 2 Resumo Células de crescimento e respiração são sistemas vivos abertos. A energética dos sistemas vivos é estudada pela calorimetria, acompanhando, em tempo real, a produção de calor pelo metabolismo. O calor produzido durante um processo biológico é parâmetro fundamental para o estudo da bioenergética. Neste trabalho, as abordagens didáticas da bioenergética são apresentadas, mostrando como os princípios básicos da termodinâmica clássica devem ser tratados em sistemas vivos. As funções de estado termodinâmico, entalpia, entropia e energia livre de Gibbs dos sistemas vivos complexos também foram discutidas e apresentadas de forma apropriada para ser ensinadas a alunos de graduação de química e biologia. Palavras-chave: Bioenergética; Calorimetria; Metabolismo. Abstract Growing and respiring cells are open living systems. The energetic of living systems is studied by calorimetry, monitoring in real time the heat production of the metabolism. The heat produced during a biological process is the fundamental parameter for the study of bioenergetics. In this work, didactic approaches to bioenergetics are presented, showing how basic principles of classical thermodynamic should be treated in living systems. The thermodynamic state functions enthalpy, entropy and Gibbs free energy of these complex open living systems were also discussed and presented in an appropriated way to be taught to chemistry and biology undergraduate students. Key-words: Bioenergetics; Calorimetry; Metabolism. 1. Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Química. 2. Agradecimentos: o autor agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo suporte financeiro, ao Professor Fred Y. Fujiwara e ao Dr. Carlos E. Perles pela revisão e sugestões.


Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

1

O calor é o parâmetro fundamental para o

A conversão da energia em sistemas biológicos

estudo energético do metabolismo de sistemas vivos, visto que todos os processos químicos e

A resolução dos mecanismos pelos quais a

bioquímicos que ocorrem nestes sistemas estão

energia flui em células vivas ocupou, durante mui-

associados com a produção ou consumo de ener-

tas décadas, a mente de biólogos, químicos e físi-

gia, gerando um fluxo de calor entre esse sis-

cos. Atualmente, já existe uma imagem bastante

tema e suas vizinhanças (Volpe, 1987, 1988;

detalhada dos eventos físicos e químicos que ocor-

Volpe; Montanari, 1997; Beezer, 1980; Beezer

rem nos processos metabólicos dos sistemas vivos.

et al., 1986; Lamprecht; Schaarschmidt, 1976;

Destes processos complexos, os mais importantes,

Lamprecht, 1978, 1980, 2003; James, 1987).

certamente, são a fotossíntese e o metabolismo de

A literatura dirigida à bioenergética é muito ampla

carboidratos, os quais estão representados pelo

e cobre uma grande variedade de tópicos, entretanto,

esquema a seguir:

uma interpretação físico-química da energética de sistemas vivos não faz parte dos programas de gra-

Metabolismo de carboidratos 6 CO2 + 6 H2O

duação dos cursos de química e ciências biológicas. O objetivo deste trabalho é, portanto, apresentar

C6H12 + O6 + 6 O6

ao aluno de graduação em química e ciências bioló-

Fotossíntese

gicas uma abordagem didática introdutória à bioenergética, utilizando os conceitos básicos da termo-

Em termos gerais, o processo de fotossíntese uti-

dinâmica e da cinética química, mostrando como as

liza a energia solar (luminosa) para transferir elétrons

leis da termodinâmica podem ser discutidas quando

da água para o dióxido de carbono. Como resultado

o sistema é uma célula biológica, um sistema aberto,

desse complexo processo bioquímico, moléculas

enfatizando a importância do calor liberado.

com alta energia (como a glicose) são sintetizadas.

As funções de estado, entalpia (H) entropia (S)

No entanto, animais são seres heterotróficos e se

e energia livre de Gibbs (G) serão analisadas para

alimentam de carboidratos provenientes direta ou

um sistema aberto a pressão e temperatura cons-

indiretamente do processo de fotossíntese. Na meta-

tantes, modelo representativo de uma célula do

bolização desses carboidratos, processo inverso da

ponto de vista termodinâmico.

fotossíntese, o O2 liberado durante a fotossíntese, é, agora, utilizado para oxidar carboidratos a CO2. Os processos de transferência de elétrons na

2

Conservação da energia

fotossíntese e no metabolismo de carboidratos pro-

Quase todos os argumentos e explicações em

movem um fluxo de prótons através das membranas

química se resumem na consideração de alguns

de compartimentos celulares especializados, gerando

aspectos de uma propriedade única, a energia.

um gradiente protônico. A energia armazenada nesse

Energia determina qual molécula pode se formar,

gradiente pode ser utilizada na síntese da adenosina

que reação pode ocorrer, com que velocidade, e em

trifosfato (ATP), um carregador de “energia quí-

que direção uma reação tende a ocorrer.

mica”. Esta transferência de elétrons direciona pro-

Por definição:

cessos bioquímicos tais como a biossíntese, contra-

• Energia é a capacidade de realizar trabalho.

ção muscular, divisão celular, impulsos nervosos e,

• Trabalho é movimento contra uma força

consequentemente, liberação de calor.

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contrária.

11


Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

Estas definições implicam que um peso de uma

são funcionalmente organizadas em sequências dife-

dada massa levantada tem mais energia que um de

rentes de reações consecutivas chamadas de rotas

mesma massa em repouso no chão, porque o peso

ou processos metabólicos. Algumas destas sequên-

levantado tem uma grande capacidade de realizar

cias de reações catalisadas por enzimas degradam

trabalho quando cai ao nível do peso que está em

nutrientes orgânicos complexos em compostos

repouso. A definição também implica que um gás

finais mais simples, extraindo sua energia química e

numa temperatura alta tem mais energia do que o

disponibilizando-a em uma forma útil para a célula.

mesmo gás numa temperatura baixa: o gás quente

Este processo metabólico é chamado catabolismo

tem maior pressão e pode realizar mais trabalho.

e pode ser considerado como uma combustão alta-

Em biologia, há muitos exemplos da relação

mente controlada, com a energia liberada na forma

entre energia e trabalho. Quando um músculo con-

de calor e trabalho. Assim, ainda que o metabolismo

trai e relaxa, a energia armazenada nas suas fibras

oxidativo de um carboidrato ou gordura em dióxido

de proteínas é liberada na forma de trabalho para,

de carbono e água seja altamente exotérmico, a

por exemplo, caminhar, levantar um peso etc. Em

energia é gasta realizando trabalho útil, com uma

células vivas, nutrientes e íons estão em constante

pequena parcela de energia sendo liberada na forma

movimento através de membranas entre comparti-

de calor pelo organismo.

mentos celulares. As sínteses de moléculas bioló-

Outras rotas de reações catalisadas por enzimas

gicas e divisões celulares são também manifesta-

se iniciam com moléculas pequenas (precursores),

ções de trabalho em nível molecular. A energia que

as quais são progressivamente convertidas em

produz todo este trabalho tem origem, principal-

moléculas maiores e mais complexas como, por

mente, no metabolismo de carboidratos.

exemplo, proteínas e ácidos nucleicos. Tais rotas

É de conhecimento geral que energia não pode

invariavelmente necessitam captar energia e, jun-

ser criada nem destruída, mas meramente convertida

tas, representam o anabolismo. A biossíntese do

de uma forma em outra ou transferida de um lugar

DNA pode ser considerada um processo anabólico

para outro. Esta característica é conhecida como

no qual a energia obtida do catabolismo é utili-

lei da conservação da energia e possui importantes

zada na realização de um trabalho útil, a síntese do

implicações na química. Muitas reações químicas –

genoma do organismo.

incluindo a maioria delas em células vivas – libe-

Células armazenam e transportam a energia em

ram ou absorvem energia quando ocorrem: então,

uma forma química, a adenosina trifosfato ATP,

de acordo com a lei da conservação da energia, há

representada na Figura 1.

a certeza de que todas estas mudanças – incluindo a vasta coleção de mudanças químicas e físicas chaH2N

madas de vida – são o resultado da conversão de uma forma energia para outra ou, simplesmente, sua transferência de um lugar para outro.

O O-

3

O-

A energética de sistemas vivos As inúmeras reações químicas que ocorrem nas células são endotérmicas ou exotérmicas, sejam elas enzimaticamente catalisadas ou não. Tais reações

12

P

O O

P O-

O O

P O-

N

N O

N

O

OH

N

OH

Figura 1.  Molécula de adenosina trifosfato (ATP) em pH = 7.

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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

Na grande maioria das reações em sistemas

de hidrólise do ATP. O uso deste termo é infeliz

vivos, ATP é a fonte primária de energia utilizada

porque implica que a ligação P-O no ATP é dife-

na síntese de proteínas, transporte de nutrientes e

rente da ligação covalente normal P-O, o que não

metabólitos através da membrana celular, contra-

é verdade. Visto que a variação de energia livre de

ção muscular, impulsos nervosos e geração de gra-

Gibbs depende da diferença de energia livre entre

dientes iônicos. A energia necessária para executar

produtos e reagentes, é necessário examinar as

todo este trabalho tem origem na reação de hidró-

estruturas do ATP4- e do seu produto de hidrólise,

lise do ATP (em pH = 7), o qual deve ser correta-

ADP3- e HPO42-. Nessa análise, dois fatores devem

mente representado por ATP4-:

ser levados em consideração: a) em pH = 7, o ATP4- possui quatro cargas

ATP4-(aq) + H2O(l) → ADP3-(aq) + HPO42-(aq) + H+(aq)

negativas e, como resultado das proximida-

Esta reação é acompanhada por uma diminui-

des das cargas, há uma considerável repul-

ção de energia livre de Gibbs de 30 kJ por mol de

são eletrostática que é reduzida quando

ATP hidrolisado. A Figura 2 é uma representação

ATP4- é hidrolisado a ADP3- mais HPO42-.

geral dos principais processos metabólicos, enfati-

b) ADP3- e HPO42- juntos possuem mais estru-

zando as vias pelas quais a energia flui através dos

turas de ressonância do que o ATP4-. Por

processos celulares. A energia é extraída de com-

exemplo, o grupo HPO42-tem quatro estru-

postos orgânicos através de reações de oxidação,

turas de ressonância de mesma energia.

4-

nas quais as espécies NAD+ e NADP+ são reduzi-

Organismos vivos não são máquinas perfeita-

das a NADH e NADPH, atuando no metabolismo

mente eficientes porque nem toda a energia pro-

como carregadores iniciais de energia.

veniente do catabolismo é utilizada para realizar trabalho, pois uma parte é perdida na forma de

Fonte de Energia

calor. A dissipação de energia na forma de calor

Reações de Óxido-redução Espécies Reduzidas (tais como NADH)

Vizinhanças

CALOR

Transporte de Íons e Moléculas

Gradiente de Prótons

Trabalho Útil

para as vizinhanças da célula é, muitas vezes, utilizada para controlar a temperatura do organismo.

Catabolismo

O monitoramento deste calor liberado para as vizinhanças dos sistemas vivos é o dado mais impor-

ATP

Anabolismo

Figura 2.  Diagrama mostrando o fluxo de energia nos organismos vivos. As setas indicam a direção na qual a energia flui.

tante no estudo experimental da bioenergética.

4

A medida do calor liberado nos sistemas vivos O metabolismo do mais simples microrganismo ao mais complexo sistema vivo, é sempre acompanhado por liberação de calor e, consequentemente,

É oportuno comentar um aspecto comumente

por um aumento de temperatura das vizinhanças

encontrado nos livros-textos de físico­‑química e de

do sistema. O metabolismo é o resultado de uma

biologia. Muitos autores utilizam o termo “ligação

imensa quantidade de reações químicas ou bioquí-

fosfato de alta energia” quando explicam a grande

micas que ocorrem tanto no citoplasma quanto no

diminuição na energia livre de Gibbs no processo

interior de organelas específicas da célula.

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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

Trata-se de reações enzimáticas em cadeia,

ratura do sistema. Essa característica é essencial,

rigorosamente controladas, cujo objetivo principal

pois o metabolismo celular é fortemente influen-

é a produção de ATP (energia química) e metabóli-

ciado pela temperatura do meio.

tos, suprindo as necessidades das vias anabólicas.

O monitoramento do calor liberado em siste-

A bioenergética tem apresentado um grande

mas vivos, associado ao monitoramento de outras

desenvolvimento,

principalmente

devido

aos

propriedades químicas como, por exemplo, con-

modernos calorímetros isotérmicos diferenciais, os

sumo de glicose e oxigênio, produção de meta-

quais tornaram possível o monitoramento do calor

bólitos, pH etc., permite o estudo termodinâmico

liberado em sistemas vivos. Estes equipamentos,

destes sistemas (Beezer, 1986).

também chamados de microcalorímetros, utilizam 60

(Volpe, 1993), conectadas à superfície externa da

50

pot. termica / µW

termopilhas (Peltier), como sensores térmicos cela, formando uma ponte para o escoamento do calor entre esta cela, que contêm o sistema vivo a ser estudado, e a sua vizinhança, normalmente um

40 30

Q

tf

ti

10

bloco metálico de alta capacidade calorífica (tro-

#

Q= Pdt

20

0

cador de calor), mantido à temperatura constante,

0

10

ti

conforme esquema apresentado na Figura 3. O

20 30 tempo/min.

40

50

tf

Figura 4. Curva calorimétrica Potência – tempo do metabolismo aeróbico da bactéria Chromobacterium violaceum em tampão fosfato pH = 7 com glicose (Perles; Volpe, 2005).

termo microcalorimetria surgiu em função da alta sensibilidade das termopilhas, as quais permitiram que quantidades de fluxo de calor na escala de microWatts (μW) pudessem ser detectadas. Desta forma, o prefixo micro refere-se à alta sensibilidade

O calor liberado durante o metabolismo de

dos calorímetros que utilizam esse tipo de sensor.

sistemas vivos é expresso em termos de potência ou fluxo de calor (dq/dt), propriedade relacionada à diferença de temperatura entre o sistema (cela

cela de fluxo

do calorímetro) e a sua vizinhança (bloco metálico trocador de calor), em função do tempo. Este registro é conhecido como curva Potência-tempo

BLOCO TROCADOR DE CALOR

(curva P-t), Figura 4. 5

termopilha

ambiente a T = cte Figura 3. Esquema da cela de fluxo, termopilhas e bloco trocador de calor de um microcalorímetro isotérmico diferencial de condução de calor.

Estes equipamentos atendem o requisito básico para o estudo termodinâmico de sistemas de natureza biológica, ou seja, a manutenção da tempe-

14

Físico química de sistemas vivos abertos Na físico-química, a termodinâmica estuda a tendência e a espontaneidade dos processos físicos ou químicos com base nas diferenças de energia livre entre os estados inicial e final do sistema estudado. Em termodinâmica, um sistema é uma parte do universo na qual há um objeto especial (uma reação química, um organismo, uma célula etc.),

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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

que se encontra separado das vizinhanças por

XY

fronteiras fictícias (MacQuarrie; Simon, 1997). A vizinhança ou os “arredores do sistema” é a porção do espaço onde são feitas as observações. O processo metabólico, num sistema vivo, pode ser representado, de forma bastante simplificada, pela conversão de uma molécula X em Y:

X"Y As espécies X e Y podem ser compostos químicos diferentes e, neste caso, o sistema representa uma transformação química de X em Y, em uma ou diversas etapas reacionais consecutivas, as quais, geralmente são catalisadas por enzimas. Como exemplo, esse processo genérico pode ser representado pela conversão da glicose (X) em piruvato (Y), através de uma sequência de reações catabólicas que ocorrem no citoplasma, conhecida como glicólise (Lehninger; Nelson; Cox, s/d). O estado termodinâmico de um processo metabólico em um sistema vivo, tal como X → Y, é defi-

Células vivas não são representadas por sistemas fechados, pois é conhecido que há um transporte contínuo de nutrientes (G) para o sistema e uma remoção contínua de metabólitos (Y) através das fronteiras do sistema e suas vizinhanças. O sistema, no caso, uma célula viva, é separado das vizinhanças por uma fronteira física (membrana celular). Membranas celulares apresentam canais e mecanismos específicos para o transporte de nutrientes para o interior da célula e remoção contínua dos metabólitos gerados nos processos metabólicos, além de permitirem troca de calor com as vizinhanças. Um sistema com tais características é mais realisticamente representado, do ponto de vista termodinâmico, como um sistema aberto, caracterizado pela troca de energia e matéria com as vizinhanças. Uma representação simplificada de um sistema metabólico é apresentada na Figura 5.

nido por propriedades como temperatura, pressão e concentrações de X e Y. Entretanto, para muitos

G

sistemas vivos, a temperatura e pressão podem ser assumidas como constantes em função do tempo, de forma que o único fator que influencia o estado ter-

X

Y

Y

Figura 5.  Representação esquemática de um sistema aberto para uma célula.

modinâmico do sistema é a concentração das espécies intermediárias (Crabtree; Newsholm, 1985).

De acordo com esta representação, a contínua

Considerando-se que não exista, nas vizinhan-

transformação de X para Y e remoção de Y para

ças do sistema, uma fonte de fornecimento de X

fora do sistema, contrabalanceia a tendência natu-

para o referido sistema, proveniente de um subs-

ral de estabelecimento de equilíbrio entre as espé-

trato (G) como, por exemplo, a glicose e, também,

cies X e Y, evidenciando mais uma particularidade

nenhum processo responsável pela remoção de Y

dos sistemas abertos. Devido a esta caracterís-

do sistema, então nenhum material é trocado com

tica, tais sistemas são conhecidos como “sistemas

as vizinhanças. Esse tipo de sistema é conhecido

distantes do equilíbrio”. Diferente dos sistemas

como sistema fechado e acontecerá até que o

fechados, para o qual o equilíbrio é o único estado

estado de equilíbrio seja atingido, ou seja, até que

estável (a concentração dos compostos intermedi-

a conversão de X em Y seja contrabalançada por

ários não varia em função do tempo), um sistema

uma conversão oposta e cineticamente idêntica de

aberto pode existir em um estado estável, sem

Y em X, caracterizando-a como uma reação cineti-

estar em equilíbrio: esta condição é chamada de

camente reversível (Lehninger; Nelson; Cox, s/d):

estado estacionário.

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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

Dessa forma, se idealizarmos um sistema no

Tais reações são chamadas de geradores de

qual a taxa de produção de X é constante e a taxa

fluxo e um bom exemplo metabólico é a conversão

de remoção de Y aumenta quando a [Y] aumenta,

de 11 fontes endógenas de energia, como o glico-

a [Y] atinge um valor constante no qual a taxa de

gênio, em glicose-1-fosfato, reação que ocorre em

remoção de Y se iguala à taxa de formação a partir

tecidos musculares. Nos músculos, na condição

de X. Se a taxa de conversão de X em Y aumenta

de repouso, a enzima fosforilase que catalisa essa

quando a [X] aumenta, a [X] também atinge um

reação está saturada com o substrato glicogênio,

valor constante em que a taxa de conversão de

sendo capaz de gerar um fluxo de glicogênio em

X em Y é igual à taxa em que X é produzido no

estado estacionário, para glicose­‑1-fosfato e daí

sistema. Dessa forma, desde que haja um forne-

para os produtos finais da via glicolítica como o

cimento constante de substrato (G), as concentra-

piruvato (Lehninger; Nelson; Cox, s/d).

ções de ambos X e Y atingem valores constantes

Segundo, para que haja uma remoção cons-

e estabelecem um fluxo de X para Y igual à taxa

tante do produto Y do sistema, a última reação

com que G é fornecido a partir das vizinhanças. O

de remoção de Y deve também ser cineticamente

sistema aberto encontra-se, então, em estado esta-

irreversível, caso contrário o contínuo acúmulo de

cionário (Crabtree; Newsholm, 1985).

produtos intermediários influenciaria a [Y] através

Uma vez que o estado estacionário é uma boa

do processo reverso desta reação e um estado esta-

aproximação para o metabolismo de muitos siste-

cionário entre X e Y seria impossível de ser estabe-

mas biológicos, torna-se necessário discutir, breve-

lecido (Crabtree; Newsholm, 1985).

mente, dois outros fatores importantes, necessários para a produção e manutenção do metabolismo. Primeiro, a taxa constante de produção de X deve, basicamente, resultar de uma reação cuja taxa não é significativamente afetada por mudanças

6

Aplicação das leis da termodinâmica em um processo metabólico no estado estacionário

da [G], ou seja, a primeira reação da sequência (G

A conservação da energia pode também ser

→ X) deve ser insensível a variações na [G], caso

aplicada ao processo metabólico num sistema vivo

contrário, a taxa de produção de X diminuiria con-

como o ilustrado na Figura 5. Neste sistema, calor

tinuamente se a [G] diminuísse, impossibilitando

pode ser liberado (ou absorvido) a partir das vizi-

um fluxo constante de G para X. A condição de

nhanças e trabalho pode ser realizado durante a

uma cinética de ordem zero, exigida nessa primeira

conversão de X para Y (ex. trabalho muscular).

reação, é facilmente alcançada através da catálise

Aqui, será representado por q o calor absor-

enzimática na condição em que a [G] seja mantida

vido pelo sistema e wt o trabalho total realizado

em um valor suficientemente alto para que ocorra

pelo sistema quando um mol de X é convertido em

a saturação enzimática, isto é, a ocupação de todos

um mol de Y. Se calor é produzido, q é negativo.

os sítios catalíticos das enzimas responsáveis pela

Se trabalho é feito sobre o sistema wt é positivo.

catálise da conversão de G em X. Além disso, se

Pela primeira lei da termodinâmica (conser-

a reação de fornecimento ou produção de X está

vação da Energia), esta variação de energia deve

saturada com G, ela deve ser unidirecional ou cine-

ser acompanhada por uma variação de energia

ticamente irreversível, pois a saturação enzimática

igual e oposta em qualquer outra parte do sistema,

sugere que todas as moléculas da enzima e seus res-

o que significa que há uma diferença em energia

pectivos sítios catalíticos estão interagindo com G.

entre um mol de X e um mol de Y. Esta energia é

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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

conhecida como energia interna (U) de modo que,

O trabalho útil (w) não é uma propriedade

pela primeira lei da termodinâmica, a variação de

comumente discutida em livros didáticos de Físico­

energia interna (ΔU), quando um mol de X é con-

‑Química, onde se abordam sistemas gasosos ideais

vertido em Y, é dada pela Equação 1:

e o único tipo de trabalho abordado é o expansivo.

ΔU = q + wt [1] Desde que ΔU é a diferença de energia entre X e Y, seu valor não é afetado pela natureza do cami-

Aqui, trabalho útil pode, por exemplo, ser representado pelo trabalho feito durante a contração muscular ou a geração de um gradiente de prótons na célula. Dessa forma:

nho entre os dois estados. Uma função com esta

ΔU = q + wt [3]

propriedade é definida como função de estado. No entanto, nem o calor absorvido (q), nem o trabalho realizado (wt) são funções de estado, visto que dependem diretamente da rota metabólica

ΔU = q – w – pΔV [4] de modo que:

percorrida entre os estados inicial e final (X e Y).

ΔU + pΔV = q – w [5]

Um exemplo bastante didático da dependência do

A função, ΔU + pΔV, do lado esquerdo da

caminho que as propriedades q e wt possuem, pode ser representado pelas células musculares, nas quais a hidrólise de ATP, catalisada pela enzima

Equação 5, é conhecida como variação de entalpia (ΔH), de modo que: ΔH = q – w [6]

miofibrilar ATPase, é acompanhada pela execução de trabalho muscular enquanto que nenhum traba-

A Equação 6 mostra que ΔH é análogo a ΔU

lho é realizado quando esta mesma reação ocorre

= (q + wt). Entretanto, desde que processos meta-

não enzimaticamente, isto é, por um caminho dife-

bólicos em sistemas vivos acontecem a pressões

rente; contudo, a variação de energia interna de um

essencialmente constantes, ΔH é a função termo-

mol de ATP quando convertido em ADP é a mesma

dinâmica mais adequada para descrever o calor e

em ambos os casos (Crabtree; Newsholm, 1985).

o trabalho realizado por estes sistemas. Da mesma

Se o processo metabólico X → Y no sistema

forma que ΔU, ΔH é uma função de estado e seu

vivo envolve uma mudança no volume, isto é, se

valor não é afetado por mudanças nas concentra-

os seus produtos são gasosos, o sistema tem que

ções dos intermediários.

realizar trabalho sobre as vizinhanças corres-

Por definição, o valor de ΔH é uma função

pondendo a uma variação no volume. À pressão

da pressão (p) e, por isso, para muitos processos

constante (p), uma mudança no volume do sistema

metabólicos em sistemas vivos (com exceção das

(V) realiza uma quantidade de trabalho (wt) igual

espécies que habitam as profundezas dos oceanos),

a -pΔV. Se o volume aumenta, -pΔV é negativo,

os valores relevantes de ΔH são aqueles à pressão

de modo que trabalho é realizado pelo sistema.

atmosférica (MacQuarrie; Simon, 1997).

Se o volume diminui, pΔV é positivo e trabalho

A entalpia obedece à primeira lei da termodi-

é realizado sobre o sistema. Consequentemente,

nâmica porque ambos, energia interna e o trabalho

o trabalho total feito pelo sistema (wt), é a soma

realizado durante uma mudança de volume, obede-

do trabalho decorrente da variação total do volume

cem a essa lei. Consequentemente, como a entalpia

(-pΔV), e o trabalho útil (w), ou seja:

e a energia interna são funções de estado, seu valor

wt = -(w + pΔV) [2]

para um sistema vivo complexo é igual à soma dos valores destes parâmetros termodinâmicos nas eta-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

7

pas de reação elementares componentes da reação

imediata sem a necessidade de perder tempo aque-

global (Lei de Hess). Em um sistema vivo aberto,

cendo seus músculos (Heinrich, 1972a, 1972b).

o processo metabólico é uma reação em um sis-

Newsholm et al. (1972) propuseram um meca-

tema estacionário, que não atinge o equilíbrio e,

nismo para explicar a produção de calor, nessas

portanto, não tem sentido se referir a uma varia-

condições, eles sugeriram a hidrólise do ATP, como

ção total de entalpia, a não ser durante um dado

resultado de um ciclo entre os intermediários gli-

intervalo de tempo. Neste caso, em bioenergética,

colíticos frutose-6-fosfato e frutose-1,6­‑bisfosfato,

o importante é o monitoramento do calor liberado

que são produzidos pelas atividades simultâneas

pelo sistema vivo, o que é feito utilizando a micro-

das enzimas fosfofrutoquinase e frutose bisfosfa-

calorimetria de fluxo.

tase, como representado pelo esquema da Figura 6.

Produção de calor no metabolismo

ATP

Se nenhum trabalho útil é realizado pelo sis-

Frutose-6-fosfato

tema, isto é, w = 0, verifica-se pela Equação 6 que o calor absorvido ou produzido pelo sistema, à pressão constante, é igual à entalpia (ΔH = q). Assim, se ΔH é positivo, então q é positivo, calor é absorvido das vizinhanças e a reação ou sistema

fosfofrutoquinase

ADP Frutose-1,6-bisfosfato

frutose bisfosfatase H2PO4

Figura 6.  Ciclo entre os intermediários glicolíticos frutose-6-fosfato e frutose-1,6-bisfosfato, catalisados pelas enzimas fosfofrutoquinase e frutose bisfosfatase, respectivamente.

é dito endotérmico. Se ΔH é negativo, então q é negativo, calor é produzido pelo sistema e flui para as vizinhanças, o qual é dito exotérmico; este é o caso para a grande maioria dos processos metabólicos em sistemas vivos (MacQuarrie; Simon, 1997). Desde que ΔH obedece à primeira lei da termodinâmica e não é influenciada pela concentração dos compostos intermediários, a variação de entalpia de um substrato metabolizável durante a sua oxidação em uma célula é a mesma que a obtida por um calorímetro. Desde que -ΔH representa o calor produzido por um processo metabólico em um sistema vivo (quando trabalho não é realizado) o conhecimento do seu valor pode ajudar a compreender o mecanismo proposto para a produção de calor em organismos vivos. Como exemplo, pode-se citar o caso das abelhas que, mesmo não

Desde que DH para a hidrólise de ATP libera, aproximadamente, -20 kJ mol-1 (Rawn, 1989) e, desde que nenhum trabalho é realizado, cada mol de ATP hidrolisado por este ciclo produz 20 kJ de calor para o aquecimento dos seus músculos. Entretanto, ADP e H2PO4– não acumulam, mas são convertidos, novamente, em ATP como um resultado do metabolismo de fontes de energia, como, por exemplo, a glicose. Consequentemente, o calor total liberado para as vizinhanças como um resultado do ciclo é a soma dos 20 kJ, devido à hidrólise do ATP e o calor liberado (por mol de ATP regenerado) pela reação representada pela seguinte equação: Fonte de carbono + n ADP3– + n H2PO4– → → produtos finais + n ATP4–

mantendo a temperatura de seus corpos constante,

Nas células, quando a glicose é a única fonte de

são capazes de manter temperatura dos seus mús-

substrato e é completamente oxidada, 2820 kJ de

culos acima dos 30 ºC enquanto se alimentam nas

calor são liberados pela hidrólise de 38 moles de

flores. Isto as permite retomarem o voo de forma

ATP provenientes do metabolismo aeróbico.

18

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

Portanto, pela primeira lei da termodinâmica,

No entanto, processos metabólicos, assim como

o calor liberado durante a oxidação de um mol de

a grande maioria dos sistemas químicos, são defi-

glicose produzindo CO2 deve ser a soma dos calo-

nidos por situações intermediárias entre esses dois

res liberados pelas seguintes reações:

extremos, de forma que a diminuição da energia do

Glicose + 6 O2 + 38 ADP3– + 38 H2PO4– → → 6 CO2 + 6 H2O + 38 ATP4– 38 ATP4– → → 38 ADP3– + 38 H2PO4–

sistema ou o aumento da entropia não definem, por si só, a espontaneidade de um dado processo. Para esses casos intermediários, que representam a imensa maioria dos sistemas estudados, foi desenvolvida equação de Gibbs, a qual define a

8

Entropia e energia livre de Gibbs

espontaneidade com base nas duas propriedades de estado, entropia e energia (entalpia).

Como foi apresentado, a função mais adequada

Em sistemas fechados, os processos espontâneos

para o estudo energético do metabolismo, à pressão

ocorrem com ΔS > 0 atingindo um valor máximo no

constante, é a variação de entalpia DH. Entretanto,

equilíbrio. Por outro lado, em sistemas abertos, é

nem ΔH nem ΔU, para a reação metabólica X  Y,

a soma das variações de entropia do sistema das

podem indicar se, para uma dada concentração de

vizinhanças que tende ao máximo. Porém, inde-

X e Y, a reação se aproxima do equilíbrio ou se

pendente do tipo de sistema, toda reação química

está, de fato, no equilíbrio.

espontânea, inclusive aquelas que direcionam os

Em um sistema vivo aberto, como o represen-

processos biológicos de crescimento e reprodução,

tado na Figura 5, a situação é mais complexa porque

são reações que ocorrem na direção em que há uma

a direção na qual uma reação ocorre é determinada

diminuição da energia livre de Gibbs.

pelo fluxo de material através da rota metabólica.

Com estas ideias em mente, é possível explicar

A informação sobre qual direção uma reação se

porque a vida, que pode ser considerada uma cole-

aproxima do equilíbrio, em um sistema aberto, é

ção de processos biológicos, acontece em acordo

resolvida pela aplicação da segunda lei da termo-

com a Segunda Lei da termodinâmica. Não é difícil

dinâmica, a qual é mais rigorosamente definida em

imaginar condições na célula que podem conduzir,

termos da função de estado entropia (S).

espontaneamente, muitas das reações de catabo-

A entropia é uma propriedade de estado ter-

lismo. Afinal, a quebra de moléculas grandes, tais

modinâmico que mede a dispersão de matéria no

como açúcares e lipídeos, em moléculas menores

espaço. Do ponto de vista estatístico, ela determina

conduz a uma dispersão de matéria na célula e,

em quantos microestados, ou seja, por quantas for-

consequentemente, a um aumento de entropia.

mas diferentes, energeticamente equivalentes, um dado sistema pode ser representado.

Energia é também dispersada quando ela é liberada devido à combustão de carboidratos.

Nos extremos, podemos admitir que a entropia,

Mais difícil de racionalizar é o requisito da vida

ou a entalpia, age exclusivamente na determinação

de organizar um grande número de moléculas em

da espontaneidade, ou seja, em um processo isoen-

células vivas as quais se agrupam em um orga-

trópico, a redução da energia do sistema responde,

nismo. Nesse processo de organização celular, a

exclusivamente, pela espontaneidade, enquanto

entropia do sistema é, certamente, reduzida por-

que em um sistema isoenergético, a espontanei-

que a matéria torna-se menos dispersa quando as

dade torna-se uma função exclusiva da variação de

moléculas se agrupam para formar células, teci-

entropia do sistema.

dos, órgãos etc. No entanto, a redução da entro-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

pia do sistema ocorre à custa de um aumento de

cessos metabólicos), a necessidade de se avaliar ΔS

entropia das vizinhanças, pois células crescem

para ambos, sistema e vizinhança, pode ser evitada

devido à conversão de energia da oxidação dos

usando outra função para o sistema, a qual é conhe-

carboidratos parcialmente em trabalho. A energia

cida como energia livre de Gibbs (ou simplesmente

remanescente é liberada como calor para as vizi-

função de Gibbs). Para o seu entendimento, é neces-

nhanças, de modo que qviz > 0 e ΔSviz > 0. Como

sário apresentar a definição clássica de entropia e do

em qualquer processo, a vida é espontânea, pois

conceito de reversibilidade termodinâmica.

o aumento de entropia das vizinhanças da célula

Um sistema é dito termodinamicamente rever-

compensa a diminuição da entropia decorrente da

sível se ele ocorre de forma infinitamente lenta, de

auto-organização do organismo.

maneira que o equilíbrio entre o sistema e as vizi-

Pela segunda lei, conforme já comentado, o cri-

nhanças não é perturbado de modo algum. As úni-

tério de espontaneidade é atendido quando a soma

cas reações metabólicas ou sistemas que satisfa-

das variações de entropia do sistema e da vizinhança

zem esta condição são aquelas que estão realmente

aumenta, conforme representado pela Equação 7:

em equilíbrio. Consequentemente, qualquer reação

ΔSsist + ΔSviz > 0 [7] Os sistemas vivos possuem características termodinâmicas bastante particulares, suas células são compostas por um conjunto de moléculas com alto grau de organização. Essa organização, embora pareça se opor à segunda lei da termodinâmica, indicando uma entropia negativa, está em perfeita concordância com a mesma. A energética de processos vivos é extraordinária, pois em um universo onde processos espontâneos são o resultado de um aumento da desordem (entropia), sistemas vivos são capazes de produzir

ou sistema que não está em equilíbrio é termodinamicamente irreversível, como é o caso de um sistema metabólico em estado estacionário. É muito importante não confundir reversibilidade termodinâmica com reversibilidade cinética. Somente uma reação realmente em equilíbrio é cineticamente e termodinamicamente reversível. Desta maneira, o estado estacionário representado na Figura 5, é uma reação cineticamente reversível, em uma rota metabólica, e é termodinamicamente irreversível. Quando um sistema se comporta de forma termodinamicamente reversível, a variação de entropia do sistema é definida como a razão entre o calor trocado com a vizinhança e a temperatura, assim:

diminuições localizadas de entropia (MacQuarrie;

ΔS = qrev / T [8]

Simon, 1997; Lehninger; Nelson; Cox, s/d). O aumento de entropia nas vizinhanças de um sistema vivo aberto ocorre basicamente de duas formas:

No equilíbrio, uma reação é termodina­ micamente reversível de modo que ΔH é igual a qrev. Logo,

• Liberação de uma quantidade de espécies metabólicas muito superiores à quantidade de espécies reagentes e pela geração de produtos gasosos;

ΔS = ΔH / T [9] ou ΔH – TΔS = 0 [10]

• Liberação de calor pelo sistema.

Para um sistema termodinamicamente irreversíSe a temperatura do sistema é constante (uma

vel, como o da Figura 5, o valor de q e, portanto,

condição que pode ser aplicada à maioria dos pro-

TΔS depende das concentrações [X] e [Y], tornando

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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

a função ΔS diferente das funções de estado ΔH e

e produtos Y, no interior da célula, seja conhecida.

ΔU, pois o valor de ΔS depende diretamente das

Desta forma, a propriedade termodinâmica mais

concentrações dos substratos e produtos da reação.

importante para o estudo de sistemas vivos é o

No sistema metabólico representado pela

calor produzido nos processos metabólicos e este

Figura 5, uma mudança na razão [X]/[Y], altera a

calor pode ser obtido em tempo real, utilizando-se

natureza do processo e, desta forma, q e, também,

microcalorímetro isotérmico de condução, tanto

ΔS são alterados. Como já dito, ΔU e ΔH não são

na versão de fluxo contínuo quanto na de batelada.

afetados por tais mudanças na concentração. A definição quantitativa de ΔS, já comentada, permite a obtenção de uma função muito útil, a energia livre

9

Conclusão

de Gibbs, a partir da condição de espontaneidade

O monitoramento do calor liberado em siste-

apresentada na Equação 7. Multiplicando-se a

mas vivos, utilizando os modernos microcalorí-

Equação 7 pela temperatura (T), obtém-se:

metros isotérmicos de fluxo de condução de calor,

TΔSsist + TΔSviz > 0 [11]

tem possibilitado o estudo físico­‑químico destes sistemas e, consequentemente, o avanço da bioe-

Desde que o calor absorvido pelo sistema seja

nergética. Diante da complexidade termodinâmica

igual à ΔH, a vizinhança pode ser restaurada ao

dos sistemas vivos e da inexistência nos livros-tex-

seu estado original, fornecendo uma quantidade de

tos de física-química da discussão termodinâmica

calor igual à ΔH. Por definição, variação de entro-

de um sistema vivo, a intenção deste trabalho foi

pia é ΔH/T e, desde que a entropia é uma função

desenvolver uma abordagem didática introdutória

de estado, a variação de entalpia deve ser igual e

à bioenergética.

oposta à que ocorreu durante o processo, portanto:

O texto é destinado a estudantes de graduação

ΔSviz = -ΔH/T [12]

em química e em ciências biológicas, mostrando

Consequentemente, a condição de espon­

como os princípios básicos da termodinâmica clássica podem ser interpretados e discutidos quando

taneidade se torna:

se estuda um sistema vivo. Os princípios básicos

TΔS sist – ΔH > 0 [13]

da termodinâmica juntamente com uma discussão

ou

de como as funções de estado, entalpia, entropia ΔH – TΔS < 0 [14]

e energia livre de Gibbs podem ser usadas, enfa-

A função (H-TS) é conhecida como energia

liberado nos sistemas vivos.

tizando a importância do monitoramento do calor

livre de Gibbs ou função de Gibbs, de modo que a T e P sejam constantes: ΔG = ΔH – TΔS [15] Finalmente, desde que ΔS é diretamente afe-

10

Referências

tada pela concentração dos substratos e produtos,

BEEZER, A. E. Biological microcalorimetry. New York: Academic Press, 1980.

este também será o caso para ΔG. Entretanto, dife-

______. et al. Int. J. Pharm., v. 29, 1986.

rentemente de ΔU e ΔH, o valor de ΔG para uma reação em um sistema celular não pode ser calcu-

CRABTREE, B.; NEWSHOLM, E. A. Curr. Topics Cell Regul, v. 25, 1985.

lado a menos que a concentração dos substratos X

HEINRICH, B. J. Science, v. 175, 185, 1972.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos

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22

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Artigo 02 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

p. 23-34

ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo The National High School Examination and the Contents of the Teachers Notebook and the Students Notebook Adopted by Secretaria da Educação do Estado de São Paulo in Public Schools Solange de Fátima Azevedo Dias1 e Carmem Lúcia Costa Amaral2

Resumo O governo do Estado de São Paulo, com o intuito de melhorar a qualidade do ensino público, resolveu implantar um currículo único para todas as escolas estaduais, do Ensino Fundamental e Médio. Para a implantação desse currículo foram elaborados dois materiais didáticos, intitulados Caderno do Professor (CP) e Caderno do Aluno (CA). Esse artigo tem o objetivo de identificar se os conteúdos presentes nos cadernos de Química são pertinentes aos conteúdos abordados em algumas questões de química que fizeram parte do Enem 2011. Considerando o Enem como a principal avaliação de alunos ao final da Educação Básica e que também teve como objetivo reformular o currículo do Ensino Médio, fizemos uma análise comparativa de algumas questões de química do Enem 2011 com os conteúdos e as competências do CP e do CA e, no final, apontamos quantas questões poderiam ser acertadas por alunos de escolas públicas estaduais que utilizam esses materiais. Palavras-chave: Currículo; Caderno do professor; Enem 2011. Abstract With a view to improving the quality of public education, the government of São Paulo state decided to implement a single curriculum for all public schools, including middle school and high school students. For this curriculum implementa1. Doutoranda do Programa de Pós-graduação de Ensino de Ciências e Matemática. 2. Orientadora do Programa de Pós-graduação de Ensino de Ciências e Matemática.


ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

tion were developed teaching materials, titled as “Caderno do Professor-CP” (Teacher’s Notebook) and “Caderno do Aluno-CA” (Student’s Notebook). This article aims to identify if the contents present in the chemistry notebooks are relevant to the content discussed in some issues of chemistry discipline in Enem 2011. Considering the Enem as the main assessment of students at the end of basic education and also aim to review the high school curriculum, we start with a comparative analysis of some chemistry issues of Enem 2011 with the content and skills of the “CP” and “CA” materials and at the end we will point out how many issues could be settled by public schools students that use these materials. Key-words: Curriculum; Teacher’s notebook; Enem 2011.

1

O segundo eixo é formado por um conjunto de

Introdução

boas práticas que maximizam a gestão do currículo

O governo do Estado de São Paulo, com

na escola, especialmente construído para ter como

o intuito de melhorar a qualidade do ensino

interlocutores os diretores, vice-diretores, profes-

público, resolveu implantar um currículo único

sores coordenadores, assistentes técnico-pedagó-

para todas as escolas estaduais. Para a elabora-

gicos e supervisores de ensino. O terceiro eixo

ção desse currículo, em 2008, equipes de várias

trata da gestão do currículo na sala de aula e está

áreas do conhecimento se reuniram e elaboraram

estruturado em um material de apoio às atividades

um documento. A equipe de Química foi formada

do professor com sugestões de aulas, de materiais

por professores experientes em ensino, sendo que

complementares, de avaliação e até de projetos de

alguns deles também participaram da elaboração

recuperação paralela; esse material é chamado de

dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino

Caderno do Professor (CP).

Médio (PCNEM), ou seja, são professores atu-

Para os alunos, foi elaborado o Caderno do

antes, com experiência tanto nas áreas de ensino

Aluno (CA), construído com o mesmo formato e

quanto de pesquisa e em elaboração de propostas

número de exemplares do CP, além de conter ati-

curriculares oficiais.

vidades escritas, espaço para a resolução de ativi-

Para a elaboração desse Currículo de Química

dades, exercícios e atividades experimentais. Esse

(CQSP), a Secretaria Estadual da Educação de São

CA é uma ferramenta preparada para ser utilizada

Paulo (SEESP) solicitou à equipe que se orientasse

pelos alunos para colocar em prática os conteúdos

nos documentos oficiais (PCN, DCN e OCN). O

determinados no CQSP para o Ensino Médio. O

CQSP foi organizado em três eixos bem específi-

ensino de química deve contemplar conteúdos que

cos, mas complementares em princípios e ações.

façam parte de um dos subsistemas da educação

O primeiro deles contém a proposta curricular

básica; entretanto, ele não pode ser isolado dos

propriamente dita (CQSP) e apresenta as ideias

demais e deve interagir e se relacionar, pois todos

norteadoras de todo o trabalho, os conceitos estru-

interferem nos processos sociais, econômicos,

turantes de todas as áreas e suas disciplinas con-

políticos, científicos, tecnológicos, éticos e cultu-

siderando série e nível de ensino, também com

rais, ou seja, deve constituir a ciência.

sugestões de organização bimestral das atividades de ensino.

24

Se a química for apresentada como ciência, com seus conceitos, métodos e linguagens pró-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

prios, e como construção histórica, relacionada ao

tas, não sendo sempre, por isso, claramente perce-

desenvolvimento tecnológico e aos muitos aspec-

bido pela comunidade escolar, mas perpassando, o

tos da vida em sociedade, como descrevem os PCN

tempo todo, as atividades escolares. Desta forma, a

(Brasil, 1998), o CQSP pode ser utilizado como

implantação do CQSP pode não ser integralmente

um instrumento da formação humana, que amplia

colocada em prática na escola, pois esta tem vida e

os horizontes culturais e a autonomia, bem com o

nela são praticados vários tipos de currículos.

exercício da cidadania e promove um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade.

Embora existam vários tipos de currículos na escola, o cotidiano do aluno ainda não faz parte

Se o ensino de química pode ser um instru-

deles. Estudos mostram que o ensino de química

mento de formação, pode-se afirmar, então, que

ainda é de memorização passiva de conceitos e que

as ações da escola, através do CQSP, desempe-

a compartimentalização dos conteúdos leva a uma

nhadas pelos professores, podem levar a uma ação

aprendizagem puramente mecânica, desinteressante

educativa e, para colocar em prática essas ações

e de difícil compreensão, sem o menor sentido e vin-

deve-se definir com quais conteúdos o currículo

culação com o todo. Entretanto, segundo a SEESP,

deve ser recheado, pois, segundo Sacristán (2000),

com esse CQSP pretende-se um ensino de química

o currículo pode ser um percurso a ser atingido e

que leve o aluno a uma compreensão dos processos

deve ser recheado de conteúdo e guia que levam

químicos em estreita relação com suas aplicações

ao progresso do sujeito pela escolaridade, sendo

tecnológicas, ambientais e sociais, de modo a emitir

um caminho que apresenta grandes desafios em

juízos de valor, tomando decisões de maneira res-

sua trajetória. O currículo também é um meca-

ponsável e crítica, nos níveis individual e coletivo.

nismo de controle social – políticas educacionais e

Desta forma, ela assume que a implantação

culturais – e econômico, e cabe ao professor saber

desse currículo tem como um dos objetivos alterar

que o mesmo não é neutro e nem aleatório e que

de forma significativa o ensino e a função social

os conteúdos que são apresentados no documento

da escola, pois a elaboração deste CQSP partiu

têm um motivo para estarem ali, pois podem repre-

dos conhecimentos e de experiências práticas, da

sentar os interesses de um determinado grupo.

revisão da sistematização de documentos, publica-

Podemos afirmar, então, que a SEESP sendo

ções e diagnósticos e análise de resultados de pro-

responsável pelo sistema educacional no estado,

jetos já realizados no âmbito das escolas. Se esse

ao definir o CQSP, utilizando como princípios a

objetivo da SEESP for alcançado, sendo utilizado

formação humana, a organização dos saberes para

o CQSP e também os materiais pedagógicos (CP

auxiliar a comunidade escolar na execução de

e CA) pelos profissionais da educação, deve-se

seus trabalhos, o planejamento de suas aulas e o

diminuir as dificuldades encontradas no atual sis-

pleno desenvolvimento do currículo na escola, está

tema de ensino em termos de organização curricu-

desempenhando o seu controle social. Entretanto,

lar e material didático, levando a uma melhoria na

mesmo com esse controle através do currículo, a

qualidade de ensino.

educação não institucionalizada interfere na edu-

No entanto, esses materiais pedagógicos vêm

cação escolar que é a vivida por professores, alu-

sofrendo críticas severas por parte dos professo-

nos e comunidade escolar, levando a outros tipos

res, mas, de acordo com a SEESP, eles foram lidos,

de currículo, como o real e o oculto. O real é aquele

analisados, aplicados e causou excelente impacto

que, de fato, acontece na escola, e o oculto é aquele

na Rede Estadual de Ensino e ainda que, mesmo

que não está explicitado nos planos e nas propos-

com algumas críticas, foram realizadas indica-

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

25


ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

ções no sentido de aperfeiçoá-los, que em nenhum

relação entre partes e totalidade. Ele organiza o

momento se considerou que os cadernos não deve-

conhecimento e auxilia no processo de ensino-

riam ser produzidos. Sendo assim, é de se esperar

-aprendizagem. Assim, os conteúdos curriculares

que esses materiais venham a ser utilizados pelos

devem servir como meios para constituição de

professores em seu fazer pedagógico. Porém, não

competências e valores, e não como objetivos do

se pode garantir que essa afirmação da Secretaria

ensino em si mesmos. O ensino é o conjunto de

venha a contemplar de forma efetiva a utilização

atividades que transformam o currículo na prática

do material, pois, muitas vezes, mesmo sendo o

para produzir a aprendizagem.

docente um dos membros da sua construção, ele

Desta forma, ambos os conceitos precisam ser

acaba criando o seu próprio currículo na sala de

entendidos como interação recíproca ou circular,

aula, mesmo quando afirma utilizar certo livro

o ensino não pode ser visto como perspectiva de

didático ou proposta alternativa. No entanto, a uti-

ser uma atividade instrumental para fins e conte-

lização dos mesmos será de forma mais compro-

údos preestabelecidos antes da ação, e sim como

metida e capaz de levar o professor a refletir sobre

prática, na qual os componentes curriculares são

sua prática e basear-se, também, em fundamenta-

transformados e o seu significado real torna-se

ções teóricas. Partindo-se dessa autonomia de criar

concreto para o aluno.

seu próprio currículo ele acaba criando uma inter-

Para Kemmis (1988), o currículo trata de como

venção na forma de ensinar, quando, como e o que

o projeto educativo é realizado nas aulas, dessa

ensinar.

forma, o que importa não é só um projeto escrito,

Ao observar a disposição dos conteúdos e ativi-

mas sim, seu desenvolvimento prático. O currí-

dades do CP e do CA, invariavelmente, questiona-

culo é muito importante, pois reagrupa diversas

-se o papel do professor como agente participativo

perspectivas e linhas de investigação em torno

na construção do CQSP. Ao utilizar sem adequa-

das decisões, organização e desenvolvimento na

ções o CP e o CA os professores passam a colo-

prática dos conteúdos educativos. Para atender

car em prática as políticas educacionais de forma

a esses aspectos é necessário o envolvimento de

imposta, sem autonomia nas tomadas de decisão

todos e dependerá da compreensão que se elabora

do que, quando e como ensinar. O conhecimento

sobre a realidade, as competências atribuídas aos

se constrói nas diferentes realidades dos alunos,

professores e às escolas, bem como a maneira de

ele se dá a partir do que é sabido pelo sujeito de

enfocá-lo.

seu cotidiano, do que ele internalizou ao longo de

No caso do CQSP, a SEESP não assume que é

seu desenvolvimento por meio das relações sociais

um currículo fechado e que não dá autonomia aos

estabelecidas como produção cultural. E o papel

profissionais que o utilizam. Segundo a mesma, a

do professor é o de ter autonomia para dominar

forma que o CP e o CA foram elaborados prepara

certas competências para agir de forma individual

o aluno para que, ao término da Educação Básica,

ou coletivamente no exercício de sua profissão, e é

enfrente os desafios do mundo contemporâneo e

com a interação com o aluno e nas relações sociais

atenda às necessidades da sociedade atual. O CQSP

que os sujeitos produzem conhecimento.

é um material que deve ser visto como um espaço

O currículo deve fazer parte das interações

de cultura, as competências têm como prioridade

entre todos os envolvidos, deve ser vivo, aberto à

a leitura e a escrita e a articulação dessas compe-

constantes mudanças da vida cotidiana da comu-

tências deve levar o aluno a aprender e a contex-

nidade escolar. O currículo assim pensado é uma

tualizar no mundo do trabalho e a dialogar com a

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

realidade em sua volta. Nele, o ensino de Química

natureza e no sistema produtivo (1ª série); mate-

passa a enfatizar a compreensão dos processos quí-

riais e suas transformações (2ª série); e atmosfera,

micos e sua aproximação com aplicações tecnoló-

hidrosfera e biosfera como fontes de materiais

gicas, ambientais e sociais e tem, como um dos

para uso humano (3ª série). Com essa organiza-

objetivos, envolver o aluno no processo de cons-

ção, segundo a SEESP, os conhecimentos difundi-

trução de seus próprios conhecimentos. Propõe

dos no ensino da Química permitem a construção

uma modificação na ordem tradicional dos conteú-

de uma visão de mundo mais articulada e menos

dos, bem como uma nova forma de abordagem. No

fragmentada, contribuindo para que o indivíduo se

CQSP, deseja-se que os professores desenvolvam

veja como participante de um mundo em constante

os conteúdos de forma a reestruturar sua própria

transformação.

ação pedagógica. Os princípios do CQSP são:

Com o CQSP, à medida que o aluno aprende um conceito, ele traça um novo patamar de conhe-

1. Uma escola que também aprende;

cimento. Com ele, há uma mudança no foco do

2. O currículo como espaço de cultura;

ensino, deixando de lado a exposição de conteúdos

3. As competências como referência;

desinteressantes e desvinculados com a vida do

4. Prioridade para a competência da leitura e

aluno, incentivando-o a desenvolver as competên-

da escrita;

cias e habilidades adequadas, as quais o capacita-

5. Articulação das competências para aprender;

rão a tomar suas próprias decisões em situações

6. Articulação com o mundo do trabalho.

problematizadas, contribuindo, assim, para o seu

Esses princípios se fundamentam na consti-

desenvolvimento como cidadão participante da

tuição das competências previstas na LDB,

sociedade.

nas DCN para o Ensino Médio e na Matriz

Para alcançar a tão sonhada participação

de Competências do Exame Nacional do

cidadã, o currículo tem que apresentar significado

Ensino Médio (Enem). Os conteúdos apre-

para o aluno, pois ao final da Educação Básica ele

sentados no CP e no CA, bem como as

se defronta com dois grandes desafios: estar pre-

estratégias de ensino, tendo em vista a for-

parado para o mundo do trabalho e ter condições

mação de indivíduos que sejam capazes de

de dar continuidade aos estudos em nível superior.

se apropriar de saberes de maneira crítica

A tentativa de alcançar o segundo pode ser através

e ética, foram construídos a partir de estu-

do Enem.

dos empíricos da transformação química e

Uma vez que esse exame está sendo utilizado

das propriedades das substâncias. Nesses

como parte do processo seletivo de centenas de

materiais, os conteúdos foram estruturados

IES, públicas e privadas, o objetivo desse trabalho

sobre o tripé: transformações químicas,

é investigar se o CQSP desenvolve as competên-

materiais e suas propriedades e modelos

cias e habilidades exigidas para resolver questões

explicativos.

do Enem. Para atingir esse objetivo, realizou-se uma análise comparativa de algumas questões de

Os conteúdos são organizados por temas de acordo com as séries: transformação química na

Química do Enem 2011 com os conteúdos e as competências do CP e CA.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

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ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

2

Questão 1 – Um dos problemas dos combus-

Metodologia

tíveis que contêm carbono é que sua queima produz dióxido de carbono. Portanto, uma caracterís-

Inicialmente, realizou-se um levantamento das

tica importante, ao se escolher um combustível, é

competências e habilidades de Química descritas

analisar seu calor de combustão (∆HCº), definido

pelo CQSP com as competências e habilidades do

como a energia liberada na queima completa de

Enem, as quais estão apresentadas nos Quadros 1 e

um mol de combustível no estado padrão. O qua-

2, respectivamente.

dro seguinte relaciona algumas substâncias que

O Enem apresenta apenas uma competência

contém carbono e seu ∆HCº:

que é: apropriação de conhecimentos da Química para, em situações-problema, interpretar, avaliar

Substância

ou planejar intervenções científico-tecnológicas. Para essa competência, o aluno deve desenvolver as habilidades citadas no Quadro 2.

Fórmula

Ƽc (kJ/mol)

Benzeno

C6H6(l)

- 3 268

Etanol

C2H5OH(l)

- 1 368 - 2 808

Em seguida, foram selecionadas cinco ques-

Glicose

(C6H12)6(s)

Metano

CH4(g)

- 890

tões relacionadas com os conteúdos de Química do

Octano

C6H18(l)

- 5 471

Enem 2011 e foi analisado se o CP e as atividades propostas para os alunos nos CA contemplam os

Neste contexto, qual dos combustíveis, quando

conteúdos e as respectivas competências relacio-

queimado completamente, libera mais dióxido de

nados a essas questões, de forma a dar-lhe condi-

carbono para o ambiente pela mesma quantidade

ções de resolução correta das mesmas. As questões

de energia produzida?

escolhidas foram:

Resposta correta: a glicose.

Quadro 1.  As competências e habilidades do CQSP. Habilidades

Simbologia

Comunicação e expressão

Competência

Reconhecer e utilizar a linguagem química; analisar e interpretar textos científicos; e saber buscar informações, argumentar e posicionar-se criticamente.

C1H1

Compreensão e investigação

Identificar variáveis relevantes e regularidades; saber estabelecer relações; conhecer o papel dos modelos explicativos na ciência, saber interpretá-los e propô-los; e articular o conhecimento químico com outras áreas do saber.

C2H2

Contextualização e ação

Compreender a ciência e a tecnologia como partes integrantes da cultura humana contemporânea; reconhecer e avaliar o desenvolvimento da Química e suas relações com as ciências, seu papel na vida humana, sua presença no mundo cotidiano e seus impactos na vida social; reconhecer e avaliar o caráter ético do conhecimento científico e tecnológico; e utilizar esses conhecimentos no exercício da cidadania.

C3H3

Quadro 2.  A competência e as habilidades de Química do Enem. Habilidades

Simbologia

Utilizar códigos e nomenclatura da química para caracterizar materiais, substâncias ou transformações químicas.

H1

Caracterizar materiais ou substâncias, identificando etapas, rendimentos ou implicações biológicas, sociais, econômicas ou ambientais de sua obtenção ou produção.

H2

Avaliar implicações sociais, ambientais e/ou econômicas na produção ou no consumo de recursos energéticos ou minerais, identificando transformações químicas ou de energia envolvidas nesses processos.

H3

Avaliar propostas de intervenção no meio ambiente aplicando conhecimentos químicos, observando riscos ou benefícios.

H4

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ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

Questão 2 – Belém é cercada por 39 ilhas, e

De acordo com as normas internacionais, os valo-

suas populações convivem com ameaças de doen-

res mínimo e máximo das densidades para essas

ças. O motivo, apontado por especialistas, é a

ligas são de 8,74 g/mL e 8,82 g/mL, respectiva-

poluição da água do rio, principal fonte de sobre-

mente, 7,3 g/mL e 11,3 g/mL. Um lote contendo

vivência dos ribeirinhos. A diarreia é frequente nas

5 amostras de solda estanho-chumbo foi analisado

crianças e ocorre como consequência da falta de

por um técnico, por meio da determinação de sua

saneamento básico, já que a população não tem

composição percentual em massa, cujos resultados

acesso a água de boa qualidade. Como não há água

estão mostrados no quadro a seguir:

potável, a alternativa é consumir a do rio. O procedimento adequado para tratar a água dos rios, a fim de atenuar os problemas de saúde causados por

Amostra

Porcentagem de estanho em Sn (%)

Porcentagem de Pb (%) 40

I

60

Resposta correta: cloração.

II

62

38

III

65

35

Questão 3 – A pele humana, quando está

IV

63

37

V

59

41

microrganismos a essas populações ribeirinhas é:

bem hidratada, adquire boa elasticidade e aspecto macio e suave. Em contrapartida, quando está ressecada, perde sua elasticidade e se apresenta opaca e áspera. Para evitar o ressecamento da pele é necessário, sempre que possível, utilizar hidra-

Com base no texto e na análise realizada pelo técnico, as amostras que atendem às normas internacionais são? Resposta correta é: 8,82 g/mL e 8,78 g/mL.

tantes umectantes, feitos geralmente a base de glicerina e polietilenoglicol. A retenção de água na superfície da pele promovida pelos hidratantes é consequência da interação dos grupos hidroxila dos agentes umectantes com a umidade contida no ambiente por meio de: Resposta correta: forças dipolo-dipolo Questão 4. Certas ligas estanho-chumbo, com

Questão 5 – O peróxido de hidrogênio é comumente utilizado como antisséptico e alvejante. Também pode ser empregado em trabalhos de restauração de quadros enegrecidos e no clareamento de dentes. Na presença de soluções ácidas de oxidantes, como o permanganato de potássio, este óxido decompõe-se, conforme a equação a seguir:

composição específica, formam um eutético sim-

5 H2O2 (aq) + 2 KMnO4 (aq) + 3H2SO4 (aq) →

ples, o que significa que uma liga com essas carac-

5 O2(g) + 2 MnSO4 (aq) + K2SO4 (aq) +

terísticas se comporta como uma substância pura,

8 H2O (l)

com um ponto de fusão definido, no caso 183ºC. Essa é uma temperatura inferior mesmo que o

De acordo com a estequiometria da reação des-

ponto de fusão dos metais que compõem esta liga

crita, a quantidade de permanganato de potássio

(o estanho puro funde a 232ºC e o chumbo puro

necessária para reagir completamente com 20 ml

a 320ºC), o que justifica sua ampla utilização na

de uma solução 0,1 mol/L de peróxido de hidrogê-

soldagem de componentes eletrônicos, em que o

nio é igual a.

excesso de aquecimento deve ser sempre evitado.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

Resposta correta: 8,0.10-4 mol.

29


ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

3

... que se inicia com um texto explicativo de ener-

Resultados e discussão As competências e habilidades para a resolução dessas questões estão apresentadas no Quadro 3.

gia liberada na combustão, com a reação: CH4 (g) + 2 CO2 (g) → 2 H2O (g) + CO2 (g) Após essa reação, é apresentado um modelo explicativo das ligações nos reagentes e produtos

Quadro 3.  Habilidades e competências do CQSP e do Enem 2011.

da reação, indicando os valores de energia de ligação em kJ/mol, através de diagramas de representação de energia exotérmica e endotérmica.

Competências e Habilidades

Habilidades

CQSP

Enem

fessor (“se o professor achar conveniente”) utilize

1

C1H1, C2H2 e C3H3

H1, H2, H3 e H4

2

C1H1, C2H2 e C3H3

H1, H2, H3 e H4

o termo “entalpia”, utilizado para expressar varia-

3

C1H1, C2H2 e C3H3

H1, H2, H3 e H4

4

C1H1, C2H2 e C3H3

H1, H2, H3 e H4

5

C1H1, C2H2 e C3H3

H1, H2 e H3

Questões

Na p. 59, do mesmo CP, é sugerido que o pro-

ções de energia que acontecem à pressão contante. O texto relata o calor de combustão do propano e a respectiva variação de entalpia (∆H). Porém, dá ênfase na problematização das reações endotérminas e exotérmicas e solicita que os alunos

A partir dos dados comparativos do Quadro 3,

elaborem um texto relacionando o envolvimento

pode-se perceber que, para a questão 1, os alunos

de energia, quebra de ligação, significado de ∆H e

deveriam ter desenvolvido, segundo o Enem, as

calor de reação.

habilidades H1, H2, H3 e H4 e as competências e

No CA (2ª s, v2), p. 43, um exercício-desafio

habilidades C1 H1, C2 H2 e C3 H3 do CQSP, pois

sugere uma síntese de ideias sobre o assunto e

o exercício exige que o aluno saiba ler, interpretar

apresenta questões de ordem teórica sobre energia

e representar as equações químicas de combustão

envolvida em transformações químicas e um expe-

e relacionar a quantidade de energia envolvida por

rimento: comparação do poder calorífico entre o

mol de CO2 formado. O aluno deveria chegar à

querosene e etanol, em que é solicitado o cálculo

conclusão que a glicose, quando queimada com-

de massa consumida por diferentes combustíveis

pletamente, libera mais CO2 por mol, considerando

no aquecimento de um mesmo volume de água.

a mesma quantidade de energia produzida por cada

Na p. 46, do mesmo caderno, encontra-se um exercício de decomposição do carbonato de cálcio

uma das substâncias em questão. Analisando-se as competências e as habili-

(CaCO3) para que o aluno defina se a reação é endo

dades necessárias para resolver a questão, com

ou exotérmica. Para sua resolução, ele apresenta os

ambos os objetos de comparação, verifica-se que o

valores de decomposição e formação de CO2 (∆H),

aluno poderia resolvê-la diante dos objetivos pro-

sem propor qualquer tipo de cálculo de quantidade

postos tanto pelo CQSP como pelo Enem.

de energia/mol produzida na formação do CO2.

A seguir, apresenta-se a análise das atividades

Após a análise dos materiais chega-se à con-

propostas no CP e CA para verificar se os mesmos

clusão de que seria necessário que o professor

são capazes de auxiliar o aluno a resolver as ques-

utilizasse outro material didático que envolvesse

tões do Enem.

uma situação-problema envolvendo conhecimen-

No CP da 2ª série volume 2 (CP 2ª s, v 2) p.54 a

tos numéricos e outra envolvendo a variação de

atividade que poderia levar o aluno a resolver este

grandezas, direta ou inversamente proporcionais.

exercício é a enumerada como 3.2:

Desta forma, pode-se concluir que o aluno teria

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

algumas dificuldades em resolver esta questão: (1)

reter moléculas de água por formar ligação hidro-

se as competências e habilidades propostas fossem

gênio, e esta é uma força dipolo-dipolo.

desenvolvidas apenas com os tipos de atividades

O conceito de modelos sobre estrutura da maté-

contidas no CA e CP, que são voltadas para a lei-

ria inicia-se no CP (2ª s, v2) p.11. Nesse volume,

tura, escrita, construção e leitura de diagramas e

são introduzidos os modelos de átomo de Dalton

pouco prioriza a utilização de cálculos.

a Rutherford-Bohr para explicar o comportamento

Para resolver a questão 2, o aluno deveria

da matéria demonstrando que as forças de atração

desenvolver as habilidades e competências C1

e repulsão elétrica estão relacionadas com as pro-

H1, C2 H2 e C3H3 do CQSP e H1, H2, H3 e H4

priedades das substâncias nas ligações químicas.

do Enem, pois envolve a leitura, interpretação

Ainda no mesmo caderno, na p.16 até a p. 29,

do texto, conhecer os processos de tratamento de

são definidos e exemplificados todos os tipos de

água, etapas e tipo de substâncias químicas utili-

ligações químicas. As interações dipolo-dipolo são

zadas em cada uma delas e, finalmente, relacionar

representadas para explicar ligações entre duas

que os microrganismos causadores de problemas

moléculas de HCl (ácido clorídrico). Esses mode-

de saúde só podem ser extintos na presença de

los explicam que este tipo de ligação admite uma

hipoclorito de sódio, no processo de cloração, pois

distribuição de elétrons de valência assimétrica,

este é um agente bactericida, capaz de eliminar

levando à formação de um dipolo permanente na

estes agentes biológicos.

molécula (p. 17). Porém, ainda, insuficiente para

No CP, (2ª s,v.1) p. 48 e 49, na atividade deno-

que o aluno chegue à resposta correta.

minada “Tratamento da água – uma questão de

Na p. 38 do mesmo caderno são demonstra-

sobrevivência”, propõe-se uma situação de apren-

das, através de desenhos, as forças de atração e

dizagem utilizando atividades experimentais atra-

repulsão do hidrogênio (H), formando a molécula

vés da Internet (www.), levando o aluno a resolver

de gás hidrogênio (H2), definindo que o comparti-

esta questão com facilidade. Na mesma página tem

lhamento dos dois elétrons resulta em uma ligação

um esquema que demonstra claramente a cloração

molecular, introduzindo a ideia de polaridade e de

da água no início e fim do processo de tratamento,

arranjo espacial entre elementos para formar molé-

esquema este que faz parte do material disponibili-

culas. Sugere-se, na p. 39, que o professor solicite

zado no endereço eletrônico citado anteriormente.

que os alunos discutam “sobre as forças de atração

Pode-se concluir que o aluno da escola pública

e repulsão existentes na molécula da água”.

que realizou as atividades propostas pelo professor,

A partir da p. 22, do mesmo caderno, é pro-

teria habilidade e competência para a resolução

posto que o aluno represente com um desenho a

correta desta questão, sem grandes dificuladades.

interação entre a molécula de água (polar) e um

Quanto a questão 3, seria necessário que o aluno

sal, o NaCl (cloreto de sódio). Esta atividade deve-

desenvolvesse as habilidades H1, H2, H3 e H4 do

ria levar o aluno a perceber que no modelo de atra-

Enem e as competências e habilidades, C1 H1, C2

ção eletrostática, as interações se dão entre cátions

H2 e C3H3 do CQSP, uma vez que a questão exige

e entre ânions.

que o aluno saiba ler, interpretar a ligação química

Na p. 26, do CA (2ª s, v 2), é sugerido que seja

em termos de atrações e repulsões entre elétrons,

efetuada uma avaliação de aprendizagem, na qual

e relacionar essas ligações com a solubilidade das

os alunos devem explicar, em termos das intera-

mesmas em água. O aluno deveria ter aprendido

ções intermoleculares, a solubilidade em água de

que a glicerina, por ser um polietilenoglicol, pode

substâncias como a glicose e a glicerina (lição de

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

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ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

casa). Na página seguinte, sugere-se uma atividade

respectivas temperaturas de fusão, para permitir

extra, como ampliação de conhecimento, pro-

que o aluno entenda que, durante a fusão, a tempe-

pondo uma representação molecular entre a água

ratura se mantém constante para substâncias puras.

e metanol, etanol e ácido fórmico e as respectivas

No mesmo caderno, p. 45, o conceito de densi-

interações dipolo-dipolo entre as moléculas.

dade é definido, utilizando-se a fórmula (d = m/V)

Percebe-se que, nos volumes analisados, os

e unidades (massa em g, ou kg e volume em cm3

conceitos vão se constituindo de forma sistemá-

ou dm3) sugerindo ao professor que utilize, com

tica e gradativa, sendo de grande importância

seus alunos, uma atividade experimental, disponí-

para a aprendizagem do aluno. Se o aluno reali-

vel nos arquivos da Rede do Saber.

zasse todas as atividades propostas e o professor

Nas p. 55 e 56, são propostas duas questões

fizesse a correção de forma comentada relacio-

para aplicação em processo de avaliação de alunos.

nando as forças dipolo-dipolo com solubilidade de

Na primeira, solicita-se que os alunos identifiquem

soluções, estabelecendo ligações hidrogênio entre

os materiais indicados em tabelas e, na segunda,

suas moléculas e outras moléculas que apresentem

que o mesmo avalie os dados de uma tabela para

grande eletronegatividade, o aluno poderia perce-

análise de afirmações.

ber que as ligações hidrogênio são forças dipolo-

A primeira tabela da p. 55 apresenta cinco

-dipolo, porém com dificuldade. Pode-se concluir

amostras sólidas, identificadas com letras de A a

que o aluno, mesmo tendo resolvido todas as ativi-

E e suas respectivas massas (g), volume inicial

dades dos cadernos, teria dificuldades na resolução

(cm3), volume final (cm3) e intervalo de tempo

da questão 3.

desde o aquecimento até a fusão e a temperatura

Na questão 4 as competências e habilidades

(ºC) na qual ocorreu a mudança de estado.

necessárias para sua interpretação e resolução de

A segunda tabela (p. 56) apresenta uma coluna

forma correta são: empregar a linguagem química

com o nome de oito metais, entre eles, o chumbo

para expressar transformações químicas; construir

e o estanho e as respectivas densidades (g/cm3) e

e interpretar tabelas e gráficos com dados de pro-

as temperaturas de fusão (ºC). Com os dados das

priedades das substâncias e resolução de problema,

referidas tabelas, é solicitado ao aluno que elabore

as quais estão nas competências e habilidades C1

duas atividades relacionando as densidades e tem-

H1, C2 H2 e C3H3 do CQSP e H1, H2, H3 e H4

peraturas de fusão. A 2ª questão, p.56, apresenta o gráfico da curva

do Enem. No CP 1ªs, v1, p. 39, o termo “fusão”é utilizado

de aquecimento [T (ºC) e t (s)] de uma substância

para definir a mudança de estado físico para identi-

pura sólida. O aluno deve analisar o ponto de fusão

ficar uma substância pura.

e solidificação e os estados físicos das substâncias

O CP (1ª s, v1), p. 42 e 43, propõe uma atividade de representação gráfica com a finalidade de

contidas na questão anterior à uma temperatura abaixo da especificada na curva de aquecimento.

mostrar que uma substância pura mantém tempe-

No CP (1ªs v.3), p. 13, na atividade 2, intitu-

ratura constante, a uma pressão estabelecida, nos

lada “Classificação periódica dos elementos”, os

pontos de ebulição e fusão. Sugere ao professor que

alunos devem agrupar os elementos químicos uti-

amplie a interpretação gráfica de curvas de aqueci-

lizando o ponto de fusão como critério. As compe-

mento de temperaturas de fusão por meio de exer-

tências e habilidades a serem desenvolvidas pelos

cícios, utilizando um gráfico com elementos, entre

alunos descritas neste caderno, são ler os símbolos

eles, o chumbo e o estanho, no estado sólido, e as

e compreender o significado dessa simbologia.

32

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ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

No mesmo caderno, nas p. 36 e 37, a atividade

O CP (1ªs, v.3), p. 26, na atividade “quantidade

1 “Metais no cotidiano” apresenta uma liga de Pb,

de partículas envolvidas em uma transformação

Sn e Sb, e mostra os seus respectivos pontos de

química”, introduz o conceito de massa atômica e

fusão. Este é um fato que poderia ser familiar ao

cálculos envolvendo n° de partículas e as respec-

aluno durante a resolução da questão 4, porém,

tivas massas atômicas de reagentes e produtos e

não demonstra nem sugere cálculos envolvendo o

balanceamento de equação química.

assunto. Desta forma, o conteúdo de ligas metá-

No CP (1ªs, v.4), p. 10 a p. 31, são introduzi-

licas e as atividades propostas nesses dois volu-

dos os conceitos da unidade mol e quantidade de

mes (CP e CA), da forma que estão propostas, não

partícula, utilizando experimentos simples, como

garantem que o aluno consiga resolver a questão

contagem de grãos. No CP (2ª s, v1), da p. 28 até

4 do Enem, pois, em nenhuma das atividades o

a p. 44, são propostas atividades envolvendo o

mesmo realiza cálculos de misturas de metais para

conceito de concentração (g/L), concentração em

formar ligas, dificultando a resolução correta da

mol/L, e concentração g/mol. No mesmo caderno,

questão do Enem.

nas p. 51 até a p. 54, a situação de aprendizagem

A questão 5 envolve o conhecimento sobre rea-

7 – as quantidades em transformações que ocorrem

ções químicas e cálculo de concentração e requer

em solução – apresenta um exercício que envolve

as competências e habilidades C1 H1, C2 H2 e

uma solução de Al2(SO4)3. Nessa atividade, é soli-

C3H3 do CQSP e as habilidades H1, H2 e H3 do

citado ao aluno que calcule a quantidade de maté-

Enem que são: perceber a conservação da massa

ria em g/mol e a relação com o volume (L) de água.

nas transformações químicas, analisar dados de

Se o aluno desenvolvesse todas as atividades

massas de reagentes e de produtos estabelecendo

citadas e compreendesse a relação entre concen-

relação de proporcionalidade entre eles, aplicar os

tração molar e volume de solução, acredita-se que,

conceitos de conservação e proporção em massa

mesmo assim, poderia ter dificuldade de resolver

na previsão de quantidades envolvidas nas trans-

a questão, pois nenhuma das atividades propostas

formações químicas.

nos CP e CA contemplam o conceito de número de mols necessários para iniciar a resolução da ques-

No CP (1ªs, v1), p. 20, é citada a efervescência

tão do Enem.

da água oxigenada devido à interação do peróxido com um catalisador, exemplificando que o aluno deve perceber que não existe a necessidade de mais reagentes para que ocorra uma transformação quí-

4

Considerações finais

mica, e que as substâncias envolvidas, nesse caso, não são reagentes e sim participantes da reação.

Ao comparar as competências e habilidades do CQSP e do Enem, pode-se concluir que, neste

Desde a p. 31 até a p. 36 são apresentadas ao

exame, em apenas uma das questões (Q.2) o aluno

aluno atividades que levam o aluno a ler e a inter-

teria todas as condições de responder. Quanto às

pretar dados de reações entre um ácido e um sal,

demais questões, percebe-se que a forma com

e calcular a massa de reagentes e produtos, atra-

que as atividades do CP e do CA são apresentadas

vés da proporção entre regentes e produtos. Cabe

acaba privilegiando a construção de texto, a leitura

citar que é trabalhada, nestes exercícios, a Lei da

e interpretação de gráficos e tabelas; porém, elas

Conservação da Massa – Lei de Lavoisier, não

não contemplam, ainda, a resolução de problemas

sendo introduzidos cálculos envolvendo número

simples envolvendo alguns conceitos e cálculos

de mol.

exigidos em algumas questões. Se as questões de

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

33


ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo

Química do Enem continuarem com características conceituais, os alunos que praticam somente atividades como as propostas no CP e CA terão algumas dificuldades em resolvê-las. Conclui-se, também, que o conjunto de materiais elaborados pela SEESP (CQSP, CP e CA) apresenta os conteúdos e atividades contextualizadas como os documentos oficiais assim exigem; porém, existe ainda a necessidade de articulação entre o conhecimento científico de todas as demais áreas do conhecimento para que a Educação Básica alcance os pressupostos dos órgãos superiores.

5

CONTRERAS J. Autonomia dos professores. São Paulo: Cortez, 1999. EISNER, E.W. The contribuition od painting to children’s cognitive development. J. Curr.St., v.11, n.2, 109-116, 1979. GUIMARÃES, A. A. O professor construtivista: desafios de um sujeito que aprende, 2010. http://www. nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R0237-1. pdf - Ijuí/RS MALDANER, O. A.; ZANON, L.B. Pesquisa educacional e produção de conhecimento do professor de Química. In: SANTOS, W. L. P. MALDANER, O. A. (Orgs.). Ensino de Química em foco. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2010. MOREIRA, A. F. B. Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: MEC, 2007.

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5.1

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34

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Artigo 03 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

p. 35-46

A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos The Innovative High School Chemistry Classes: soils project José Rodrigo Barreto1, José Lucas Carvalho Gois2, Erivanildo Lopes da Silva3 e Geraldo Humberto Silva4 Resumo O presente trabalho buscou investigar os avanços na aprendizagem de alguns temas, envolvendo 44 alunos de duas turmas do 2º ano do Ensino Médio de uma escola pública em Sergipe. Esses alunos participaram de um projeto nas aulas de Química com a temática solos inserida no Ensino Médio Inovador. A pesquisa é baseada em análise de conteúdo onde foram investigados os avanços das concepções dos alunos referentes a alguns temas trabalhados no projeto. Os resultados investigativos apontam evolução significativa nas concepções dos alunos quanto às variedades de fertilizantes, fertilização, consequências do uso de fertilizantes e importância da análise de solo. Por outro lado, as concepções sobre conceitos químicos trabalhados não apresentaram evolução satisfatória. Palavras-chave: Análise de solo; Fertilizantes; Ensino de Química. Abstract The present study sought to investigate advances in learning a few themes by 44 students from two classes in a public high school in Sergipe. These students par1. É graduado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe e Pós-graduando em Direitos Infanto-Juvenis no Ambiente Escolar “Escola que Protege” pela UFS. Atualmente é professor efetivo da rede estadual de Alagoas, atuando na Escola Estadual de Xingó I, em Piranhas-Al. 2. É graduado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe e Pós-graduando em Direitos Infanto-Juvenis no Ambiente Escolar “Escola que Protege” pela UFS. Atualmente é professor efetivo da rede estadual de Alagoas, atuando na Escola Estadual José Soares Pinto, em Pão de Açúcar-Al. 3. É Doutor em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela UFBA. Atualmente é professor Adjunto do Campus Professor Alberto Carvalho e Membro Permanente do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal de Sergipe – NPGECIMA. 4. É graduado em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras, Mestre em Agroquímica pela Universidade Federal de Lavras e Doutor em Química pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005). Atualmente é Professor Adjunto 1 da Universidade Federal de Viçosa.


A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos

ticipated in a project in chemistry classes embedded in soils-themed high school innovator. The research is based on content analysis and the advances were investigated through students conceptions regarding some themes worked on the project. The investigative results indicate significant evolution in the students conceptions about the varieties of fertilizers, fertilization, consequences of the use of fertilizers and importance of soil analysis. On the other hand the conceptions about chemical concepts did not show satisfactory progress. Key-words: Soil analysis; Fertilizer; Chemistry Teaching.

1

Introdução

Hernández (1998), o fundamento básico do ensino por projeto é desencadear um conteúdo por meio de

De acordo com os Parâmetros Curriculares

uma situação problema, que por sua vez não deve

Nacionais para o Ensino Médio (PCN ), os con-

ser distante do contexto do aluno, levando sempre

teúdos de química estão divididos em nove temas

em conta o que o aluno já sabe. Considerando a

estruturadores, entre os quais podemos destacar

ideia de contexto, Paulo Freire (1988), apesar de

Química e Litosfera, tema que sugere o uso do

não trabalhar com ensino mediante projeto, já dei-

solo e suas consequências para o homem. Pode-se

xava claro em sua obra que, para ensinar, devemos

destacar, ainda, que, ao abordar estes temas, com-

levar em consideração os saberes dos educandos

petências tais como comunicar e representar,

adquiridos em sua vivência de mundo, relacio-

investigar e compreender, bem como contextua-

nando-os com as ciências dos homens.

+

lizar social ou historicamente os conhecimentos,

Em meio às grandes grades curriculares de química, surgem perguntas como: será que os alunos

estarão sendo desenvolvidas (Brasil, 2002). As ações governamentais na educação não têm

carecem mesmo desses conteúdos? Ensinar quí-

se limitado somente à elaboração de Parâmetros

mica para o vestibular ou para formar o cidadão?

Curriculares, elas também têm ocorrido na forma de

Pode-se afirmar que o Ensino de Química deve ter

projetos de intervenção. Neste sentido, o governo

a função de formar um cidadão crítico, capaz de

federal, com o argumento de garantir uma forma-

tomar suas próprias decisões, para isso devem se

ção eficaz dos jovens brasileiros, criou o programa

atrelar os conteúdos ao contexto do aluno (Santos;

Ensino Médio Inovador. Esse projeto apresenta

Schnetzler, 1996).

como principal meta superar a dualística entre pro-

Quando se trata de temas que atendam à

pedêutico e profissionalizante. O programa oferece

demanda do ensino por projetos, podemos desta-

suporte pedagógico e financeiro visando o desen-

car a temática ‘solos’ como uma das alternativas.

volvimento de ações escolares pelas instituições

A partir do tema solos surgem outros temas rele-

públicas. O intuito é que essas instituições entrela-

vantes, tais como os fertilizantes. Fertilizantes são

cem trabalho, ciência e cultura sem se distanciarem

materiais de origem mineral ou orgânica, natural

do PCN e abrangendo as necessidades e a realidade

ou sintética, fornecedores de um ou mais nutrien-

dos alunos e da sociedade (Brasil, 2009).

tes. A fertilização é uma das principais técnicas

O Ensino Médio Inovador pode ser encarado

agrícolas, pois tem como princípio básico forne-

como uma abordagem baseada na proposta meto-

cer, às plantas, os nutrientes de que o solo carece.

dológica de Ensino por Projetos, em outras pala-

As carências mais comuns são as de nitrogênio

vras, o ensino por projetos é uma ferramenta peda-

(N), fósforo (P) e potássio (K), que deu origem à

gógica que se aproxima desse programa. Segundo

indicação NPK presente nos rótulos de fertilizan-

36

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos

O projeto intitulado “Química e Meio Ambiente: degradação dos açudes/reservatórios

tes, representando, respectivamente, as porcentagens destes nutrientes (Fernandes; Dias, 2006). O uso do fertilizante não garante uma boa pro-

de água públicos do município de Moita Bonita

dução caso o solo esteja ácido, pois nele há a apari-

pela ação do homem”, realizado nas aulas de

ção de elementos que são tóxicos para planta, além

Química, está inserido no Ensino Médio Inovador

de causar diminuição de nutrientes importantes

do Colégio Estadual Djenal Tavares de Queiroz

para o crescimento do vegetal. O termo ‘acidez do

localizado no município de Moita Bonita-SE. Este

solo’ significa dizer que o solo está com pH baixo;

projeto é dividido entre os temas água e solo. No

segundo Atkins e Jones (2010), o potencial de

entanto, o tema água é trabalhado em turmas da 1ª

hidrogênio iônico (pH) é uma escala de zero a qua-

série e o tema solos em turmas da 2ª série, ambas

torze, que representa a concentração de íons H no

do Ensino Médio. A fim de investigar possíveis

meio. Para meios ácidos, o pH apresenta valores

aprendizagens em relação à temática solos, foram

menores que sete, para básicos, valores maiores

escolhidos 44 alunos, divididos entre duas turmas,

que sete e, para neutros, valor igual a sete.

“A” e “B” do 2º ano do Ensino Médio.

+

Para corrigir a acidez é recomendado o uso de

Esse trabalho buscou investigar, em um pri-

calcário calcítico (CaCO3), moído. Para explicar

meiro momento, os conhecimentos sobre questões

como o calcário age no solo é importante deixar claro

relacionadas aos fertilizantes e à fertilização, à

como ocorre uma reação de neutralização. Segundo

consciência das consequências do uso de fertili-

Goedert (1995), o calcário diminui a acidez porque,

zantes, à importância da análise de solo e, em um

ao ser adicionado ao solo, ocorre a seguinte reação:

segundo momento, às possíveis aprendizagens dos conceitos sobre as reações de calcário no solo e

CaCO3(s) + H2O(l) → Ca+2(aq) + 2 OH-(aq) + CO2(g) Podemos notar que o calcário, em contato com o solo, reage com água, liberando íons OH-, que reagem com os íons H+, ocorrendo a neutralização e, por consequência, o aumento do pH. Portanto, quanto mais ácido é o solo, menor o pH, e quanto menos ácido é o solo, maior será o pH. Para diagnosticar se realmente o solo está adequado para o plantio é necessário, antes de tudo, fazer a análise do mesmo. Essa técnica possui função muito importante na agricultura, pois identifica as principais características do solo e, assim, orienta qual fertilizante ou corretivo deve-se aplicar, bem como sua dosagem (Lopes; Guilherme, 2002; Goedert, 1995). Apesar de muitas áreas, no Brasil, terem a agricultura como principal fonte de renda, não há relatos na literatura sobre pesquisas relacionadas às concepções de alunos em temas como fertilização, análise do solo, calagem do solo e conceitos específicos de Química contextualizados com a agricultura.

sobre as variações e intervalos de pH do solo.

2

Metodologia 2.1

Aulas 1 e 2: análise prévia dos alunos e apresentação do projeto

O primeiro passo foi mapear os conhecimentos já existentes dos alunos a respeito de questões relacionadas ao tema abordado na investigação e, consequentemente, no projeto. Na primeira aula de aplicação do projeto, foi realizada uma coleta de informações através de questionário. A cada questionário foi atribuída uma simbologia para identificação. Na turma “A”, foi atribuído An e, na turma “B”, foi atribuído o símbolo Bn, onde (n) varia de 1 a 20 na turma “A” e de 1 a 24 na turma “B”, totalizando os 44 questionários. Nesse questionário, denominado pré-projeto, foram introduzidas questões sobre a localidade onde residem, as culturas

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37


A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos

e fertilizantes que conhecem, noções de preparo e correção do solo para o plantio, consequências do uso de fertilizantes, composição dos fertilizantes, análise de solo, ideias sobre intervalos e correção do pH e sobre a técnica de calagem do solo. Em seguida, o projeto foi apresentado pelo professor. Entre os alunos e o professor, foram discutidos e estabelecidos os locais para serem feitas as coletas de solo para análise. As turmas foram divididas em 5 grupos onde cada um seria responsável por uma das principais atividades.

para análise de solo, os alunos determinaram o teor dos nutrientes e os valores de pH das amostras de solo a partir da mudança da coloração com a adição de reagentes e fazendo a comparação em tabelas com os valores relacionados à coloração. 2.5

Aulas 9 e 10: fundamentação teórica

Nessas aulas, foram abordados conceitos teóricos relacionados ao tema ‘solos’. Foram trabalhados os conceitos de ácido e base de Arrhenius, pH e reações de neutralização, além de se levar para a

Aulas 3 e 4: desenvolvimento de questionário pelos alunos

sala de aula alguns produtos com caráter ácido ou

Nestas aulas, os alunos elaboraram um questionário que foi utilizado em entrevistas com agricultores pelo grupo 1. Todos os grupos elaboraram questões voltadas a assuntos relacionados ao preparo da terra para cultivo, formas de cultivo, formas de adubação, formas de uso de agrotóxicos e outros. Após a elaboração, cada grupo foi convidado para digitar uma questão, com projeção por data show, para toda a turma acompanhar dando opiniões, sugestões e tendo conhecimento das perguntas elaboradas por outros grupos. Por fim, foram reunidas as questões levantadas pelas duas turmas e preparado um único questionário.

dos os valores de pH dos produtos e realizado o

2.2

2.3

básico. Com a fita indicadora de pH, foram mediexperimento do sopro. A partir dessa dinâmica, o professor explicou como funciona o processo, tratando os conceitos de ácido, base, pH e reações de neutralização. Também se trabalhou com as reações envolvidas no processo de calagem do solo e tratou-se da temática de fertilizantes, onde se levou em consideração a rotulagem dos mesmos e os conhecimentos prévios dos alunos. Finalmente, ressaltou-se a importância da análise do solo para saber qual o melhor tipo de fertilizante a ser utilizado. 2.6

As atividades atribuídas aos grupos foram

Aulas 5 e 6: aula de campo

O grupo 1 realizou entrevistas com agricultores das proximidades dos reservatórios de água e região de cultivo, alvo do projeto. O grupo 2 fez a coleta de solo utilizando o equipamento e as técnicas de coleta. Integrantes do grupo 5 fizeram o registro por meio de fotografias e filmagens do processo de coleta e de partes das entrevistas. Essas aulas ocorreram em horário extra.

apresentadas em forma de seminário pelos integrantes do grupo para toda a classe. Esse foi um momento muito importante porque todos os alunos tiveram conhecimento de algumas etapas do projeto em que não participaram. Após a conclusão das apresentações, foi realizado um debate, onde as questões apresentadas pelos grupos foram discutidas por toda a turma. 2.7

2.4

Aulas 11 e 12: seminário e debate

Aulas 7 e 8: aula experimental

Aulas 13 e 14: questionário pós-projeto e apresentação do vídeo

As amostras de solo coletadas nas aulas 5 e 6

Na última aula do projeto, os alunos respon-

foram submetidas à análise no laboratório de ciên-

deram a um questionário denominado pós-projeto,

cias do colégio. Através de um eco kit, específico

baseado no questionário pré-projeto, aplicado na

38

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos

primeira aula. Do questionário da primeira aula

(Moraes, 1999). Nesta análise, procuramos organi-

foram retiradas apenas algumas questões, relaciona-

zar os dados obtidos das respostas dos alunos, agru-

das aos conceitos de ácido, base, pH, calagem e uma

pando-as em categorias e subcategorias significati-

questão geral destinada à apresentação de comentá-

vas emergentes (Pacca; Villani, 1990). Para analisar

rios pessoais a respeito do que acharam do projeto.

os questionários e a entrevista, foi desenvolvido um

Nesse questionário, foram introduzidas as respostas

esquema de categorização que permite analisar as

individuais apresentadas pelos alunos no questioná-

concepções dos alunos na maioria dos temas investi-

rio pré-projeto, com intuito de dar a oportunidade

gados. A esquematização foi baseada na metodologia

ao aluno de analisar sua resposta apresentada antes

de redes sistêmicas, cuja ideia principal é organizar

da participação no projeto e a partir dela permane-

os dados de forma sistematizada. A rede sistêmica

cer, modificar ou rejeitar e apresentar uma resposta

mostrada na Figura 1 é referência de análise dos

diferente. Vale ressaltar que o questionário foi igual

dados brutos, adquiridos em diferentes questões dos

para todos os alunos; a única diferença foram as res-

questionários pré-projeto, pós-projeto e na entrevista.

postas iniciais retiradas individualmente do questionário pré-projeto. Em seguida, foi mostrado o vídeo

3.1

desenvolvido pelo grupo 5, que sintetizava tudo o que aconteceu no decorrer do projeto. Só não ficaram registradas no vídeo as aulas 1, 2, 13 e 14. 2.8

Cerca de 4 meses depois: entrevista

Para obter uma boa quantidade de informações utilizando técnicas diferentes, foi realizada uma entrevista semiestruturada com alguns alunos que participaram do projeto. Com base nas observações feitas no decorrer do projeto, foi escolhida uma amostra de 4 alunos da turma “A” e 5 da turma “B” com perfis de comportamento, empenho e participação variados ao longo da disciplina. Na entrevista foram tratados, principalmente, temas como variedades de fertilizantes, fertilização, consequências do uso de fertilizantes e a importância da análise do solo para fins agrícolas. Essa etapa foi realizada cerca de quatro meses após o término do projeto. As entrevistas foram realizadas individualmente na

1ª Categorização

Baseada no esquema de categorias e subcategorias descritas na Figura 1, foi desenvolvida a rede sistêmica 1 (Figura 2) para organizar os dados brutos do questionário pré-projeto e da entrevista. Foram utilizadas as seguintes questões: Se sua propriedade não estiver produzindo bem, qual dos fertilizantes mencionados anteriormente você usaria para aumentar sua colheita? Qual motivo da escolha desse fertilizante? O que significa o NPK presente nos rótulos dos sacos de adubo? Para comprar um fertilizante geralmente é usado como referência seu NPK, exemplo 18:18:18 ou 10:15:10. Entre o 18:18:18 e o 10:15:10, qual você usaria para adubação? Qual a principal diferença entre um fertilizante 18:18:18 e um 10:15:10? Todas essas questões são direcionadas para o conhecimento dos alunos em relação à composição das variedades de fertilizantes e à fertilização.

biblioteca do colégio, sendo registradas por grava-

3.2

dor de áudio, como sugerido por Triviños (1987).

2ª Categorização

Outra rede sistêmica do questionário pré­ 3

Análise das informações

‑projeto e da entrevista apresentando as categorias e subcategorias com o objetivo de organizar as con-

Depois de coletados os dados, esses foram ana-

cepções dos alunos em relação às consequências

lisados utilizando a técnica de análise de conteúdo

do uso de fertilizantes foi esquematizada. A Rede

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A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos

2 (Figura 3) permite analisar a seguinte problemá-

Rede 4 (Figura 5) para organizar os dados da seguinte

tica, introduzida no questionário pré-projeto, e que

questão presente nos questionários pré­‑projeto e pós-

também surge na entrevista de forma adaptada:

-projeto. Por que o calcário diminui a acidez do solo?

Imagine uma propriedade que usou, anualmente, uma quantidade fixa de adubo químico durante muitos anos, e que passou a diminuir a produção. Para voltar a produzir bem, deve-se aumentar a quantidade do mesmo adubo? Por quê? 3.3

3ª Categorização

Para organizar as ideias dos alunos em relação à importância da análise de solo, foi desenvolvida outra rede sistêmica, a partir dos dados brutos adquiridos no questionário pré-projeto e na entrevista. As categorias e subcategorias descritas na Rede 3 (Figura 4) dão conta de analisar as seguintes questões: Você já ouviu falar em análise do solo? Qual a importância da análise? Quais as principais diferenças entre um agricultor que faz análise de solo e um que não faz? Essas questões são pertencentes ao questionário pré-projeto e a entrevista. 3.4

4ª Categorização

Apesar de o ensino dos temas ácidos e bases ser alvo de muitas pesquisas no Ensino de Química, não são encontrados relatos na literatura deste tema contextualizado com a agricultura. Com essa necessidade, a partir dos dados brutos, foi desenvolvida a

40

3.5

5ª e 6ª Categorizações

Seguindo o esquema da rede sistêmica mostrada no Modelo I (Figura 1), também foram organizadas as concepções dos alunos em relação aos intervalos de Ph com a seguinte problemática, presente nos questionários pré-projeto e pós-projeto: Um grande proprietário rural notou que suas terras estavam pouco produtivas e resolveu fazer uma análise do solo. Quando recebeu os dados da análise percebeu pelo valor do pH que suas terras estavam bastante ácidas. Qual o intervalo de possíveis valores de pH ele encontrou? Também foram organizadas as concepções sobre as variações de pH do solo após a correção com calcário agrícola a partir da seguinte questão presente nos questionários pré-projeto e pós­‑projeto: Muitos proprietários usam calcário agrícola na correção do solo para diminuir sua acidez. Após a correção do solo o pH aumenta ou diminui? Para simplificar, não serão mostradas, especificamente, suas redes sistêmicas; a única diferença entre estas redes e a do Modelo I é que existem apenas as subcategorias (satisfatório), (concepções errôneas) e (fora do contexto). Os resultados dessas categorizações serão mostrados mais adiante.

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A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos

Coerente São declarações coerentes sobre o tema investigado, mesmo que parciais

Satisfatório São respostas coerentes que demonstram um bom nível de conhecimentos sobre o tema investigado

Tema Investigado

Parcialmente satisfatório São respostas que não estão incorretas, mas apresentam superficialidade sobre o tema investigado

Incoerente São declarações incorretas do ponto de vista científico

Concepções errôneas São respostas incorretas, mas que mostram claramente uma forma de pensamento sobre o tema

Fora do contexto Falta de respostas ou respostas desconexas, que não demonstram pensamento sobre o tema

Fertilizantes e Fertilização

Figura 1.  Modelo I – Rede sistêmica referência para análise de grande parte dos questionários pré-projeto, pós projeto e da entrevista.

Coerente São declarações coerentes sobre a composição das variedades de fertilizantes e a fertilização, mesmo que parciais

Incoerente São declarações incorretas do ponto de vista científico

Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria afirmações corretas sobre o significado do NPK e da necessidade de análise de solo na escolha de um fertilizante

Parcialmente Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria afirmações apontando melhora na produção independente de qual tipo de fertilizante é usado

Concepções Errôneas Se enquadram nesta subcategoria afirmações incorretas como: o fertilizante deixa o solo mais forte, o adubo orgânico (esterco) é natural, uso determinado fertilizante porque é melhor ou porque é mais popular

Fora do Contexto Falta de respostas ou respostas desconexas, que não demonstram pensamento sobre o tema

Figura 2.  Rede 1 – Rede sistêmica para análise das concepções dos alunos em relação à composição das variedades de fertilizantes e a fertilização.

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Consequências do Uso de Fertilizantes

A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos

Coerente São declarações coerentes sobre as consequências do uso de fertilizantes, mesmo que parciais

Incoerente São declarações incorretas do ponto de vista científico

Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria afirmações corretas sobre as consequências do uso de fertilizantes como: equilibrar os nutrientes do solo, solo saturado, mudar adubo com análise do solo

Parcialmente Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria declarações afirmando que deve-se verificar o solo ou conhecer suas necessidades

Concepções Errôneas Se enquadram nesta subcategoria afirmações incorretas como: o solo é acostumado, o fertilizante parou de fazer efeito, trocar de adubo sem análise do solo, os adubos industriais são tóxicos ou aumentar a quantidade do fertilizante

Fora do Contexto Falta de respostas ou respostas desconexas, que não demonstram pensamento sobre o tema

Importância da Análise do Solo

Figura 3.  Rede 2 – Rede sistêmica para análise das concepções dos alunos em relação às consequências do uso de fertilizantes.

Coerente São declarações coerentes sobre a importância da análise do solo, mesmo que parciais

Incoerente São declarações incorretas do ponto de vista científico

Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria afirmações corretas sobre a importância da análise do solo para uma boa fertilização ou para correção do pH

Parcialmente Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria declarações afirmando que a análise é importante para saber qual cultura é apropriado para o local ou para saber a fertilidade do solo.

Concepções Errôneas Se enquadram nesta subcategoria afirmações incorretas alegando que a análise serve para: saber se o solo está forte ou fraco, a saúde do solo ou a qualidade do solo

Fora do Contexto Falta de respostas ou respostas desconexas, que não demonstram pensamento sobre o tema

Figura 4.  Rede 3 – Rede sistêmica para análise das concepções dos alunos sobre a importância da análise de solo.

42

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A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos

Neutralização de Ácido com Calcário

Coerente São declarações coerentes sobre as reações do calcário agrícola no solo, mesmo que parciais

Incoerente São declarações incorretas do ponto de vista científico

Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria definições corretas sobre o porquê da diminuição da acidez do solo com calcário agrícola (age como base, neutraliza o ácido)

Concepções Errôneas Se enquadram nesta subcategoria definições incorretas sobre o porquê da diminuição da acidez do solo com calcário (é uma base, fortalece a terra)

Fora do Contexto Falta de respostas ou respostas desconexas, que não demonstram pensamento sobre o tema

Figura 5.  Rede 4 – Rede sistêmica para análise das concepções dos alunos em relação às reações do calcário no solo.

Fertilizantes e fertilização

Resultados

Consequências do uso de fertilizantes

Importância da análise de solo

Neutralização de ácido com calcário

Intervalos de pH

pH do solo após correção com calcário

Satisfatório

Antes = 0,0%

Depois = 88,9%

Parcialmente satisfatório

Antes = 11,4%

Depois = 11,1%

Concepções errôneas

Antes = 56,7%

Depois = 0,0%

Fora do contexto

Antes = 31,8%

Depois = 0,0%

Satisfatório

Antes = 2,3%

Depois = 88,9%

Parcialmente satisfatório

Antes = 4,5%

Depois = 0,0%

Concepções errôneas

Antes = 77,3%

Depois = 0,0%

Fora do contexto

Antes = 16,0%

Depois = 11,1%

Satisfatório

Antes = 2,3%

Depois = 100%

Parcialmente satisfatório

Antes = 9,1%

Depois = 0,0%

Concepções errôneas

Antes = 72,7%

Depois = 0,0%

Fora do contexto

Antes = 15,9%

Depois = 0,0%

Satisfatório

Antes = 0,0%

Depois = 13,7%

Concepções errôneas

Antes = 18,2%

Depois = 34,1%

Fora do contexto

Antes = 81,8%

Depois = 52,3%

Satisfatório

Antes = 2,3%

Depois = 20,5%

Concepções errôneas

Antes = 13,6%

Depois = 43,2%

Fora do contexto

Antes = 84,1%

Depois = 36,4%

Satisfatório

Antes = 20,4%

Depois = 40,8%

Concepções errôneas

Antes = 52,3%

Depois = 43,2%

Fora do contexto

Antes = 27,3%

Depois = 16,0%

Figura 6.  Rede Geral – Rede sistêmica com o percentual das concepções dos alunos relacionados a cada tema investigado.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

43


A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos

4

possuem concepções coerentes sobre a composição

Resultados e discussão

das variedades de fertilizantes e a fertilização antes

Como relatado na metodologia, foram utiliza-

da participação nas aulas do projeto. E, além disso,

das três formas diferentes de coleta de informações,

esse percentual não se enquadra na subcategoria

sendo que cada uma teve um diferencial na busca

“satisfatório” e, sim, na “parcialmente satisfató-

dessas informações. A partir do questionário pré-

rio”. Por outro lado, 56,7 % dos alunos apresentam

-projeto, foi possível ter conhecimento do contexto dos alunos. Dos 44 alunos participantes, 52,3% residem na Zona Rural e 47,7% na Zona Urbana. Independentemente do local onde residem, todos afirmaram ter conhecimento do funcionamento de pelo menos uma cultura. A batata-doce foi a cultura mais citada, apesar de milho, amendoim e mandioca também serem bastante mencionados. Os fertilizantes mais indicados pelos alunos foram a ureia, adubo

concepções errôneas, que são respostas incorretas, mas que apresentam claramente um pensamento sobre o tema. Essas concepções foram essenciais para o desenvolvimento do projeto, pois serviram de alavanca para aprimorar esses conhecimentos com a participação ativa no projeto. Dessas concepções errôneas, podemos destacar a resposta de um aluno no questionário pré-projeto.

18:18 e adubo 10:15:10, sendo que o adubo orgânico

“Porque deixa o solo mais forte. NPK não

(esterco) foi o mais mencionado. Esses resultados

sei o que significa” (Aluno A4).

reforçam o projeto na medida em que se aproxima das ideias de Hernández (1998), que aponta a neces-

Utilizando o mesmo esquema, foram analisados

sidade de um projeto ser baseado em temas presen-

os dados brutos pertencentes à entrevista realizada

tes no contexto familiar dos alunos. Além disso, é

133 dias após o término do projeto. Os resultados

reforçado pelas ideias de que para ensinar devem-se

referentes às concepções dos alunos sobre a com-

levar em consideração os saberes dos educandos,

posição das variedades de fertilizantes e a fertiliza-

adquiridos em sua vivência de mundo.

ção comprovaram a evolução dessas concepções.

Os resultados do percentual de concepções dos

Antes do projeto, 88,5 % dos alunos possuíam con-

alunos referente aos temas abordados nas redes sis-

cepções incorretas e depois do projeto 100% dos

têmicas, mostradas na metodologia de análise das

alunos investigados apontaram declarações corre-

informações, estão sendo mostrados na rede geral.

tas sobre o tema, do ponto de vista científico. Essa

Os percentuais estão divididos em antes e depois, demonstrando as concepções dos alunos sobre os temas investigados antes do projeto e após a finalização do projeto. É importante destacar que, na grande rede, as categorias estão implícitas. Os

evolução pode ser percebida na entrevista com a fala do mesmo aluno. Nesta fala, o aluno mostra conhecimento da diferença entre dois tipos de fertilizantes e ao significado do termo NPK.

valores estão relacionados com as subcategorias,

“Eu usaria o 10:15:10, porque nem sempre

que podem ser diretamente relacionadas com as

o terreno vai precisar de 18% de potássio,

categorias, através do Modelo I.

nitrogênio e fósforo. E sim em quantidades

A análise das informações feita com o esquema

menos variáveis” (Aluno A4).

da Rede 1 (Figura 2), nos deu resultados que chamam a atenção. Apesar de todos os alunos terem

A análise das informações pela rede 2 (Figura

conhecimento de pelo menos um tipo de cultura e

3) nos deu resultados mostrando que 6,8 % dos

um tipo de fertilizante, apenas 11,4 % dos alunos

alunos possuíam concepções coerentes e 93,2 %

44

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos

incoerentes sobre as consequências do uso de

todos os temas investigados. A análise feita pelos

fertilizantes, antes do projeto. Depois do projeto,

esquemas das redes 1, 2 e 3 mostrou resultados

esses valores, praticamente, inverteram e 88,9%

satisfatórios. Houve uma evolução significativa,

dos alunos entrevistados apresentaram concepções

a grande maioria dos alunos conseguiu passar do

coerentes e 11,1 % incoerentes.

nível de concepções incorretas para corretas. Tais

A partir do esquema da rede 3 (Figura 4),

dados comprovam a eficiência do projeto quanto

foram analisados os dados brutos referentes às

aos avanços dos conhecimentos sobre as varieda-

concepções dos alunos sobre a importância da

des de fertilizantes e a fertilização, consciência das

análise do solo. Os resultados mostram que 11,4

consequências do uso de fertilizantes e a impor-

% dos alunos possuíam concepções corretas e

tância da análise de solo. Esses conhecimentos

88,6 % incorretas, antes do projeto. Já os resulta-

são fundamentais na formação do cidadão, já que

dos da análise feita com os dados brutos, obtidos

eles não possuem interesses exclusivamente prag-

após o término do projeto, mostram que todos os

máticos. Esses alunos, além de desenvolverem

alunos investigados passaram a apresentar con-

competências pessoais, podem estar participando

cepções corretas.

da evolução da sociedade, da conscientização dos

Também foram analisadas as concepções dos

produtores rurais em relação a temas que, muitas

alunos pelo esquema da rede 4 (Figura 5), refe-

vezes, são tratados pelo conhecimento popular

rente às reações do calcário agrícola no solo. Os

advindo de suas tradições. Desse modo, podemos

resultados mostram que, antes do projeto, nenhum

afirmar que existe uma aproximação dos resul-

dos alunos apresentava concepções coerentes e

tados desse projeto com as ideias de Santos e

100 % incoerentes. Os resultados depois do pro-

Schnetzler (1996).

jeto apontam que apenas 13,7 % passaram a apre-

Por outro lado, os resultados da investigação

sentar concepções coerentes e 86,3 permaneceram

sobre temas como as reações do calcário agrícola

com concepções incoerentes.

no solo, intervalos e variações de pH, mostraram

Os resultados sobre as concepções dos alunos

que o projeto apresenta deficiências em relação à

referentes aos intervalos de pH mostram que antes

aprendizagem de conceitos químicos por parte dos

do projeto 2,3 % dos alunos apresentam concep-

alunos. Apesar de haver evolução das concepções

ções coerentes e 97,7 % incoerentes. Depois do

dos alunos, essa evolução não pode ser conside-

projeto, 20,5 % dos alunos apresentaram concep-

rada significativa já que os níveis de concepções

ções coerentes e 79,5 % incoerentes. Já os resul-

incoerentes são apresentados pela maioria dos alu-

tados referentes às concepções dos alunos sobre

nos do grupo investigado.

as variações de pH do solo, após correção com

É importante destacar que este trabalho não

calcário agrícola, mostram que, antes do projeto,

tem como objetivo avaliar o projeto, mas, sim,

20,4 % dos alunos apresentam concepções coe-

mostrar sua aplicação prática, bem como revelar

rentes e 79,6 % incoerentes. Depois do projeto,

quais pontos apresentam resultados satisfatórios.

40,8 % dos alunos apresentaram concepções coe-

Vale a pena ressaltar que a pequena quantidade de

rentes e 59,2 % incoerentes.

aulas com fundamentação teórica (apenas duas)

Analisando os resultados mostrados na rede

pode ter contribuído para a ausência de melhores

geral podemos perceber a evolução dos alunos em

resultados na assimilação dos conceitos químicos.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

45


A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos

5

FERNANDES, E.; DIAS, V. P. Fertilizantes: uma visão global sintética. BNDES. [S.l.]. 2006.

Conclusões O ensino por projetos é uma proposta que ainda tem muitos obstáculos a serem superados. Com este trabalho, podemos perceber que o Ensino Médio Inovador é um programa que auxilia o ensino e o projeto de análise de solos atende ao contexto social dos alunos. Concluímos que os avanços dos alunos em relação às concepções sobre temas como as variedades de fertilizantes, fertilização, consequências do uso de fertilizantes e a importância da análise de solo foram considerados satisfatórios. Apesar de haver avanço nas concepções dos alunos em relação aos conceitos químicos trabalhados, esses avanços não foram considerados satisfatórios.

6

Referências AKTINS, P.; JONES, L. Princípios de química: questionando a vida moderna e meio ambiente. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2012. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. MEC/SEB. Brasília, 2002. BRASIL. Ensino Médio Inovador. MEC/SEB. Brasilia, p. 39. 2009.

46

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 37. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. GOEDERT, W. J. Calagem e adubação. Brasília: EMBRAPA-CPAC, 1995. HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998. LOPES, A. S.; GUILHERME, L. R. G. Uso eficiente de fertilizantes e corretivos agrícolas. ANDA – Associação Nacional para Difusão de Adubos. São Paulo, 2000. LUDKE, M.; ANDRE, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Pedagógica e Universitaria Ltda, 1983. MORAES, R. Análise de conteúdo. Revista Educação, Porto Alegre, v. 22, p. 7-32, 1999. PACCA, J. L. D. A.; VILANNI, A. Categorias de Análise nas Pesquisas sobre Conceitos Alternativos. Revista de Ensino de Física, v. 12, p. 123-138, dez. 1990. SANTOS, W. L. P. D.; SCHNETZLER, R. P. Função Social: o que significa ensino de química para formar o cidadão? Química Nova na Escola, v. 4, p. 28-34, nov. 1996. TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução a pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. 7. ed. São Paulo: Atlas S.A., 1987.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Relatos de Experiência Experiences Account

Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química Experimental Activities and Case Study Alliedto the Criminal Investigation: methodological strategies for Teaching Chemistry Ana Carolina Gomes Miranda, Mara Elisa Fortes Braibante, Maurícius Selvero Pazinato e Fernando Oliveira Vasconcelos

Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio Citronella: a theme for contextualization of Education of Organic Chemistry in secondary education Elane de Sousa Santos, Vanessa Coelho de Deus Brito, Josimara Cristina de Carvalho Oliveira, André Camargo de Oliveira e Régia Chacon Pessoa de Lima

Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio Thematic Discipline of Chemistry: space for citizen formation of high school students Leandro Severino de Oliveira, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Vanúbia Pontes dos Santos, Umberto Gomes da Silva Junior e Jailson Machado Ferreira


Relato de Experiência 01 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

p. 48-60

Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química Experimental Activities and Case Study Alliedto the Criminal Investigation: methodological strategies for Teaching Chemistry Ana Carolina Gomes Miranda1, Mara Elisa Fortes Braibante2, Maurícius Selvero Pazinato3 e Fernando Oliveira Vasconcelos4

Resumo A educação, de maneira geral, vem passando por constantes reformulações na forma do ensinar/aprender. Não bastando apenas os métodos tradicionais de ensino é preciso também a utilização de estratégias que contextualizem os conteúdos de Química. Assim, a temática investigação criminal, juntamente com atividades experimentais e estudo de caso, surge como uma possibilidade para o ensino de Química. Neste contexto, este trabalho apresenta uma proposta didática construída a partir destas proposições metodológicas e aplicada a alunos da 3ª série do ensino médio. Com o desenvolvimento deste trabalho, além de favorecer a aprendizagem, procurou-se desenvolver habilidades como comunicação oral e escrita, resolução de problemas e o estímulo à pesquisa. Palavras-chave: Atividades experimentais; Estudo de caso e investigação criminal. 1. Formada em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela UFSM. 2. Formada em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Doutora em Ciências (Química Orgânica) pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é professora do Departamento de Química da UFSM e coordenadora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) subprojeto Química – UFSM. 3. Formado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestre em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela mesma instituição e doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde/UFSM. 4. Formado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela UFSM.


Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

Abstract The education, in general, has been undergoing constant reformulations in the form of teaching/learning. Not just simply the traditional teaching methods is also necessary the use of strategies that contextualize the contents of Chemistry. Thus, the thematic “criminal investigation” along with experimental activities and case study, arises as a possibility for teaching Chemistry. In this context, this paper presents a didactic proposal from these methodological propositions and was applied to students of 3ª grade of high school. With the development of this work, addition to favor the learning, sought to develop skills such as oral and written communication, resolution of the problems and stimulus the research. Key-words: Experimental activities; Case study; Criminal investigation.

1

conhecimento, proporcionando aos mesmos serem

Introdução

protagonistas da sua aprendizagem.

A educação tradicional, predominante na maioria

Dessa forma, a integração da experimentação

das escolas, não tem contribuído de forma significa-

ao processo de investigação criminal pode facilitar

tiva na formação científica e cidadã dos estudantes.

o entendimento dos conteúdos de Química, propor-

Em específico, a Química, muitas vezes é apresen-

cionando o aprofundamento do conhecimento em

tada desconectada do dia a dia, pois seu ensino ainda

Ciências; além disso, acredita-se que o estudo de caso

é atribuído à memorização de fórmulas, equações,

permite ao estudante atuar como pesquisador/inves-

reações e nomes de substâncias, tornando-se desin-

tigador, contribuindo para que reconheça o valor do

teressante para os estudantes e contribuindo muito

trabalho coletivo e individual da investigação.

pouco para sua atuação na sociedade.

A seguir, apresentam-se algumas possibilida-

Segundo Cachapuz et al. (2011), o conheci-

des da abordagem da temática investigação cri-

mento científico deve ser usado na interpretação

minal no ensino de Química, uma breve revisão

de fenômenos naturais e de fatos da vida cotidiana,

teórica das atividades experimentais e do estudo

proporcionando a capacidade de reflexão crítica

de caso, bem como a proposta didática aplicada, os

frente à realidade contemporânea. Uma das dificul-

resultados obtidos e as considerações finais.

dades enfrentadas pelos professores de Química no processo de ensino e aprendizagem que detectamos é encontrar meios e propostas que correlacionem o

2

Investigação criminal no Ensino de Química

conteúdo teórico, o conhecimento prévio e o con-

Química Forense é a aplicação dos conheci-

texto social dos estudantes. Nessa perspectiva, o

mentos da Química e da Toxicologia no campo da

objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta

investigação criminal, com o objetivo de atender

de ensino que busque contextualizar a Química

os aspectos de interesse judiciário. Técnicas e aná-

através do tema investigação criminal, na tentativa

lises químicas, bioquímicas e toxicológicas são

de auxiliar na aprendizagem dos conceitos cientí-

utilizadas para ajudar a compreender a face sofis-

ficos por parte dos estudantes do ensino médio.

ticada e complexa dos crimes, seja em homicídios,

Para isso, optou-se por trabalhar com uma proposta

roubos, envenenamento ou qualquer tipo de delito

didática alternativa ao ensino tradicional por meio

que esteja fora da lei (Farias, 2008).

de atividades experimentais aliadas ao estudo de

A partir de 1990, os canais de televisão come-

caso. Estas atividades têm como propósito colocar

çaram a exibir séries de cunho policial, programas

o aluno como sujeito ativo na construção do seu

como Law & Order: Special Victims Unit e Arquivo

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

49


Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

X, despertando interesse nos telespectadores por

de outras substâncias como: compostos nitrogena-

este tema. Essas séries fizeram tanto sucesso que

dos, ácidos graxos, ácido lático, glicídios, lipídios,

as emissoras começaram a produzir mais seria-

além de compostos inorgânicos, tais como: ânions

dos envolvendo essa temática, tais como: CSI:

cloreto, sulfato e fosfato, cátions metálicos como

Crime Scene Investigation; Cold Case; CSI: New

sódio, potássio e ferro (Farias, 2008).

York; CSI: Miami; Crossing Jordan, entre outros

Nessa perspectiva, a busca por estratégias

(Filho, 2010). Os episódios de CSI, por exemplo,

metodológicas que visem à contextualização dos

oferecem uma gama de materiais para as aulas de

conteúdos científicos na elucidação de um crime

Química, como: quais tipos de substâncias quími-

pode favorecer o processo de aprendizagem dos

cas estão presentes na composição do suor? Como

conteúdos de Química.

detectar impressões digitais na cena de um crime? Como um perito criminal determina se uma mancha é de sangue ou não? Existe algum meio de

3

Atividades experimentais

relacionar a mancha de sangue à vítima? Estas são

O conhecimento químico não é algo pronto e

algumas questões que podem auxiliar na proble-

inquestionável, mas que está em constante trans-

matização do ensino de Química a partir da temá-

formação. Sabe-se que uma das estratégias de

tica em questão.

ensino que permite aos alunos o entendimento

É indispensável o conhecimento de alguns conteúdos de Química para entender o papel dos

desta concepção de construção do conhecimento científico são as atividades experimentais.

peritos em um local onde foi cometido um pos-

Segundo a epistemologia indutivista, as ativida-

sível delito. Primeiramente, o trabalho do perito

des experimentais no ensino de Química são geral-

e sua relação com a Química começam antes de

mente orientadas por um conjunto de instruções,

chegar à cena do crime, pois é necessário preparar

as quais são sequenciadas linearmente, seguindo

as soluções que serão utilizadas para revelar possí-

roteiros e procedimentos preestabelecidos. Neste

veis manchas orgânicas encontradas no local. Para

tipo de concepção, os alunos fazem anotações e

isso, é necessário saber com precisão a quantidade

manipulam instrumentos sem saber os objetivos da

de cada substância presente nas soluções que serão

experimentação, o que, consequentemente, pouco

utilizadas. Dessa forma, pode-se abordar diferen-

favorece sua aprendizagem (Silva; Zanon, 2000).

tes tipos de concentração: concentração em mas-

Logo, é importante evitar atividades experimentais

sas, concentração em volume e concentração em

que induzam a visão de Ciência neutra, ainda pre-

quantidade de matéria, mais usualmente conhecida

sente em muitas práticas escolares.

como concentração molar (Santos, 2005).

Em oposição a essa concepção, as atividades

Outro conceito químico fundamental na elu-

experimentais podem assumir um caráter constru-

cidação de crimes é o de funções orgânicas. Do

tivista e possibilitar a reelaboração, reestrutura-

ponto de vista da Química Forense, os compostos

ção e reconstrução do conhecimento (Gonçalves;

orgânicos têm um importante papel na revelação de

Marques, 2006). Dessa forma, deve-se buscar

impressões digitais e, consequentemente, na iden-

desenvolver no estudante a capacidade de elaborar

tificação de determinado indivíduo. As substâncias

seus próprios argumentos, através de atividades

presentes no suor das mãos são responsáveis pela

experimentais que partam da problematização de

formação das impressões digitais. A composição

situações reais, na qual o aluno deve entendê-las

química do suor é basicamente água (99%) e 1 %

e procurar solucioná-las, permitindo que reflita e

50

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

questione sobre a prática e a teoria. Nessa pers-

oral e escrita. Além disso, tem como característi-

pectiva, a atividade experimental pode ser uma

cas estimular o pensamento crítico e a habilidade

eficiente metodologia para o ensino de Química.

de trabalho em grupo.

A experimentação pode ser entendida como

Para Serra e Vieira (2006), estudo de casos são

uma intervenção que possibilita relacionar os

narrativas de situações ocorridas no cotidiano, apre-

conceitos teóricos com o dia a dia do aluno, evi-

sentadas aos estudantes com a finalidade de utilizar

denciando a relação da Química com a reali-

a problematização como elemento motivador e inte-

dade. Além disso, pode auxiliar os estudantes no

grador do conhecimento. As autoras Luciana Passos

desenvolvimento de sua capacidade de investigar,

Sá e Salete Linhares Queiroz, no livro Estudo de

questionar e argumentar sobre teorias e fórmu-

casos no ensino de Química, expõem:

las. Ainda, segundo Galiazzi e Gonçalves (2004),

Estudo de casos é um método que oferece aos estudantes a oportunidade de investigar aspectos científicos e sociocientíficos, presentes em situações reais ou simuladas, de complexidade variável. Esse método consiste na utilização de narrativas sobre dilemas vivenciados por pessoas que necessitam tomar decisões importantes a respeito de determinadas questões. Tais narrativas são chamadas casos (Sá; Queiroz, 2009, p. 12).

realizar um experimento seguido de discussão para interpretação de resultados é uma atividade extremamente rica em termos de aprendizagem. Desta forma, torna-se importante o planejamento de atividades experimentais que coloquem o estudante frente a situações problema, pois, além de estimulá-lo a levantar hipóteses e questionamentos, proporciona, também, a construção do próprio conhecimento. 4

A utilização dessa metodologia de ensino não é tão simples quanto parece, pois exige a partici-

Estudo de caso

pação ativa do professor em todas as etapas de sua

A metodologia de ensino estudo de caso sur-

aplicação (Figura 1).

giu a partir do método “Aprendizagem Baseada

É interessante ressaltar que, nos últimos anos,

em Problemas” (ABP). O método ABP, também

houve um crescente número de publicações no

conhecido como Problem Based Learning, teve

ensino de Química envolvendo o estudo de casos.

sua origem, na década de 1970, na Escola de

Dentre estas pesquisas, o trabalho de Sousa et

Medicina da Universidade de McMaster, locali-

al. (2012) utiliza esse método para desenvolver

zada na província de Ontário, no Canadá (Queiroz

conteúdos de Química com alunos da 3ª série do

et al., 2007). Este método tem por objetivo estimu-

ensino médio. O “caso das macieiras da serra” foi

lar os estudantes na resolução de problemas e no

elaborado pelos bolsistas do subprojeto Química

desenvolvimento da capacidade de comunicação

do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação

Preparação para a aula

Seleção do caso

Preparação para a aplicação

Roteiro para utilização

Aplicação

Tarefa pós-aula

Discussão em sala de aula

Avaliação

Figura 1.  Processo de utilização do estudo de casos. Fonte:  Serra e Vieira (2006).

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

51


Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

a Docência (PIBID) para a abordagem do tópico

pesquisa, os conteúdos de Química foram relacio-

isomeria de molécula. Durante este trabalho, os

nados com a temática alimentos e através do caso

autores enaltecem que, por meio desse método,

elaborado pelo autor, “A saúde de Maria Eduarda”,

os estudantes têm a oportunidade de direcionar

os estudantes participantes deveriam buscar possí-

sua própria aprendizagem enquanto exploram a

veis soluções para os problemas de saúde de Maria

Ciência envolvida na situação. Os autores afirmam:

Eduarda fundamentados nos conceitos científicos desenvolvidos em intervenções anteriores. Dentre

Os estudos de casos se utilizam de narrativas sobre indivíduos enfrentando decisões ou dilemas. Na aplicação desse método, o aluno é incentivado a familiarizar com personagens e circunstancias mencionadas em um caso, de modo a compreender fatos, valores e contextos neles presentes com intuito de solucioná-lo (Sousa et al., 2012, p. 220-228).

as constatações deste trabalho, ressalta que uma característica importante desse método é a pesquisa bibliográfica, pois exige um senso crítico do aluno ao acessar, avaliar e usar as informações para as possíveis soluções do caso proposto. Expõe que: A solução do problema exige que os estudantes formulem hipóteses, parte essencial de uma pesquisa. Para Cachapuz et al. (2011) a hipótese tem um papel de articulação e de diálogo entre as teorias, as observações e as experimentações, servindo de guia à própria investigação (Pazinato, 2012, p. 149).

Os autores ressaltam que, por meio do estudo de caso, foi possível avaliar as contribuições desse método quanto ao desenvolvimento de habilidades como: trabalho em grupo, busca de soluções para problemáticas, estímulo à argumentação, curiosidade, entre outros.

Com o intuito de relacionar os conteúdos de

Já no trabalho de Silva et al. (2011), é abordada

Química com a investigação criminal e desenvol-

a problemática da poluição ambiental por meio do

ver as competências e habilidades já mencionadas,

caso “SOS Mogi-Guaçu”. Os autores destacam

foi elaborado, seguindo algumas características

que a aplicação do estudo de caso proporciona a

recomendadas por Herreid (1998) para um “bom”

articulação entre os conteúdos científicos e o con-

caso, o “Mistério do assassinato de Marina” que

texto de estudo, favorecendo aos estudantes uma

foi aplicado aos alunos do ensino médio.

melhor compreensão do mundo social em que

Com o intuito de relacionar os conteúdos de

estão inseridos e o desenvolvimento da capacidade

Química com a investigação criminal e desenvol-

de tomada de decisão com maior consciência e res-

ver as competências e habilidades já mencionadas,

ponsabilidade. Afirmam que:

o caso “Mistério do assassinato de Marina” foi elaborado e aplicado aos estudantes do ensino médio.

Demonstrar a aplicação de conceitos químicos na prática, analisar situações problemáticas, levantar hipóteses, avaliar as possíveis causas do problema e tomar decisões diante de potenciais formas de solucioná-lo são habilidades requeridas e desenvolvidas durante o estudo com casos (Silva et al., 2011, p. 190).

Este caso foi estruturado conforme algumas recomendações sugeridas por Herreid (1998), tais como: abordar um assunto relevante e atual, empatia entre os estudantes e os personagens centrais, apresentar fatos controversos e um objetivo didático claro.

Pazinato (2012), em sua dissertação de mestrado, pesquisou a influência do estudo de caso na

5

Metodologia

aplicação dos conceitos químicos pelos estudantes

O presente trabalho foi desenvolvido com 43

de uma turma da 3ª série do ensino médio. Nesta

alunos de duas turmas da 3ª série do Ensino Médio

52

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

de uma escola pública do município de São Sepé,

investigação criminal, tais como: concentração de

situado na região central do estado do Rio Grande

soluções e funções orgânicas através de uma apre-

do Sul. O desenvolvimento do trabalho foi funda-

sentação de slides com o propósito de desenvolver

mentado nas metodologias estudo de casos e ativi-

o conteúdo proposto. É importante ressaltar que,

dades experimentais.

além dos conteúdos de Química, nesta etapa tam-

No Quadro 1, estão descritas de maneira

bém foram abordados tópicos da Ciência Forense,

sucinta as intervenções, as atividades desenvolvi-

tais como: locais de crime; indícios; vestígios;

das bem como sua duração em horas/aula.

principais provas encontradas em locais de crime;

Inicialmente, foi aplicado um questionário diagnóstico inicial para o levantamento dos conhe-

métodos de identificação humana; impressão digital; balística forense e código penal.

cimentos prévios apresentados pelos alunos sobre o

A segunda etapa, com duração 3 horas/aula,

tema abordado. Os estudantes foram questionados

consistiu de duas atividades experimentais, nas

sobre a relação da Química orgânica e a impressão

quais os materiais e reagentes necessários e os pro-

digital, funções orgânicas presentes na estrutura da

cedimentos são especificados a seguir:

fenolftaleína – indicador que será utilizado no teste 5.1

de Kastle-Meyer – e preparo de soluções.

Revelando a impressão digital

Após o questionário inicial, foi apresentado aos

O método se baseia na absorção do vapor de

estudantes um vídeo sobre a história da Química

iodo pelos compostos gordurosos do suor. Apesar

Forense e trechos da minissérie CSI com o obje-

das gorduras insaturadas não serem excretadas

tivo de instigar a curiosidade dos mesmos sobre o

pelas mãos, elas acabam agregando o suor pelo

tema proposto. Essa intervenção teve a duração de

contato prévio das mãos com outras partes do

uma hora/aula.

corpo, como as maçãs do rosto e couro cabeludo,

A segunda intervenção foi dividida em duas

onde há a presença de glândulas sebáceas, que

etapas e teve duração de 6 horas/aula. A primeira

liberam os compostos gordurosos com os quais

etapa (3 hora/aula) constou de uma aula teórico-

o vapor de iodo irá interagir. Os cristais de iodo

-expositiva, na qual foram abordados conteúdos de

sublimam-se ao serem aquecidos, ou seja, passam

Química que estão diretamente relacionados com a

do estado sólido para o gasoso e, desta forma, o

Quadro 1.  Descrição das atividades desenvolvidas. Intervenções Apresentação da proposta

Atividades desenvolvidas • Aplicação do questionário diagnóstico inicial; • Apresentação de um vídeo sobre a história da Química Forense.

Aplicação e desenvolvimento Desenvolvimento dos seguintes conteúdos: dos conteúdos científicos • Concentração de soluções relacionados com a • Funções orgânicas: Hidrocarbonetos, álcool, cetonas, ácidos carboxílicos, amina, investigação criminal amida, fenol, éter, éster e aldeídos.

Duração 1 h/aula 6 h/aula

Atividades experimentais: 1. Revelando a impressão digital; 2. Revelando manchas de sangue com reagente de Kastle-Mayer. Estudo de caso

• Aplicação do estudo de caso; • Análise da cena de um crime; • Produção do relatório pericial pelos estudantes.

Encerramento

• Aplicação do Questionário diagnóstico final

Total

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

4 h/aula

1 h/aula 12 h/aula

53


Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

iodo adere aos compostos gordurosos da impres-

de peróxido de hidrogênio, a atividade catalítica

são digital, revelando-a (Farias, 2008).

das moléculas de homoglobina decompõe o peró-

Material e reagentes: Erlenmeyer, Iodo (I2),

xido de hidrogênio em água e oxigênio nascente,

papel filtro.

que reage com a fenolftaleína transformando-a

Procedimento: Foram coletadas impressões

em sua forma oxida­da (vermelha), evidenciando

digitais deixadas em objetos com auxílio do papel

que a amostra contém sangue (Filho, 2010). A

filtro. Colocou-se o material a ser examinado junto

representação das reações é exemplificada na

com os cristais de Iodo no interior do erlenmeyer

Figura 2.

vedado e agitou-se bem. A agitação gerou calor

Para a revelação das manchas de sangue é

suficiente para a sublimação dos cristais. Quando

necessária a preparação do reagente de Kastle-

o erlenmeyer estava cheio de vapor de iodo, reti-

Meyer. A seguir, estão descritos os reagentes e

rou-se a amostra com o auxílio de uma pinça, e em

materiais, bem como o procedimento utilizado

seguida, cobriu-se com fita adesiva para a proteção

para a sua preparação. Material e reagentes: Béquer, espátula, hidró-

e revelação. 5.2

xido de sódio, fenolftaleína, zinco em pó, água

Revelação de manchas de sangue

oxigenada, haste flexível, soro fisiológico, chapa de aquecimento, pedaços de carne e vidro com

As manchas de sangue coletadas em cenas de

conta-gotas.

crime são reveladas através de testes que envolvem o uso de um agente oxidante. O reagente de

Procedimentos: Em um béquer adicionou-se

Kastle-Meyer é um indicador que sinaliza a oxi-

20 g de hidróxido de sódio a 90 ml de água desti-

dação catalisada pela hemoglobina. Após a adição

lada. Em seguida, dissolveu-se 1 g de fenolftaleína

-O

HO OH

Zn(s) + 2 H2O(l) + 2NaOH(aq) +

Na2[Zn(OH)4(s) + H2(g) + O COO-

O

O Fenolftaleína (incolor)

Fenolftaleína (vermelho) HO

-O OH

Na2[Zn(OH)4(s) + H2(g) +

+ Hb O

+

H2O2(l)

Hb + H2O(l) + O2(g) +

Hemoglobina

COO-

O Fenolftaleína (incolor)

O

Fenolftaleína (vermelho)

Figura 2.  Representação das reações envolvidas na revelação de manchas de sangue.

54

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

em 10 ml de etanol. Colocou-se 20 g de zinco

ções para o caso “O mistério do assassinato de

metálico em pó no béquer e aqueceu-se até o desa-

Marina”. Este caso foi elaborado com o objetivo de

parecimento da cor vermelha, dando lugar a uma

estimular os estudantes na resolução de problemas,

solução incolor. Após, colocou-se a solução prepa-

demonstrar a aplicação de conceitos químicos na

rada em um vidro conta-gotas.

prática, desenvolver a capacidade de comunicação

Para a realização da atividade experimental,

oral, escrita, o pensamento crítico e a habilidade de

cada aluno recebeu uma faca e foram orientados a

trabalho em grupo. O estudo de caso foi aplicado

fazer cortes em uma carne crua. Em seguida, pas-

em três etapas.

saram a haste flexível levemente umedecida em

Na primeira etapa, com o objetivo de envolver

soro fisiológico na lâmina da faca. Com o auxílio

os estudantes, foi produzido um vídeo narrando a

do conta-gotas, adicionou-se 2 gotas do reagente

estória do caso, o qual simulava os últimos momen-

de Kastle-Meyer na haste flexível. E, em seguida,

tos da vida de uma jovem publicitária que foi mis-

gotas de água oxigenada. E observaram o ocorrido.

teriosamente assassinada. Este vídeo está disponí-

A partir dos conhecimentos científicos adqui-

vel no seguinte endereço eletrônico: <http://www.

ridos nas etapas anteriores, e após a execução dos

youtube.com/watch?v=9bdHUZjZfWY>. O caso,

experimentos, os estudantes foram orientados a

além de filmado, foi entregue aos estudantes na

investigar um suposto assassinato e propor solu-

forma de narrativa, conforme o Quadro 2.

Quadro 2.  Estudo de caso desenvolvido com os estudantes. O MISTÉRIO DO ASSASSINATO DE MARINA A estória a seguir, retrata os últimos momentos da vida de Marina, uma jovem publicitária de 25 anos que foi brutalmente assassinada. Acompanhe os fatos e ajude a resolver esse caso. Mais uma semana de trabalho começa na empresa de Marketing e Projetu’s, onde Marina trabalhava. No início da manhã, Henrique e sua esposa chegaram para uma reunião semanal da empresa, onde receberam da diretora Ana as pautas e orientações para a reunião. Alguns minutos depois, Marina chegou ao escritório muito preocupada e abatida. Os próprios colegas notaram que ela não estava em seu estado normal. E logo, Henrique se mostrou o mais preocupado, pois mantinha uma paixão secreta por ela. Todo esse interesse foi percebido por Bibiana, que não gostava da afinidade do seu marido com Marina. No dia seguinte, Marina chegou à empresa ainda mais agitada e inquieta, analisou sua agenda e seus documentos com muito nervosismo. Logo depois, recebeu um telefonema misterioso. Após desligar o telefone, ela resolveu pedir a chefe para sair mais cedo, alegando mal estar. Marina saiu com muita pressa e Henrique decidiu segui-la. Ele observou que um carro vermelho de vidros escuros se aproximou de Marina. Dele, saiu um homem que se chamava Roberto (o qual era desconhecido por todos os amigos de Marina), de aproximadamente 25 anos, que a beijou na testa e a acompanhou até que entrasse no carro. Os dois arrancaram rapidamente e todo este mistério causou um sentimento de angústia e preocupação em Henrique. Já em casa, transtornado, Henrique discutiu seriamente com sua esposa, Bibiana, que não aguentava mais a situação, alegando que o marido não disfarçava mais a paixão que sentia por Marina. Assim, decidiu ir embora, sair de casa e encerrar aquele casamento. Na manhã seguinte, Henrique foi o primeiro a chegar ao escritório, queria ver o semblante de Marina e saber o que realmente aconteceu. Porém, ela ainda não havia chegado, o que o deixou mais preocupado. As horas se passaram e Marina não apareceu para trabalhar, deixando todos com uma interrogação sobre o que teria acontecido. Os jornais do dia seguinte publicaram a trágica notícia, que abalou todo o pessoal do escritório: o corpo de Marina foi encontrado sem vida em um terreno baldio, apresentando ferimentos provocados por arma de fogo e um corte profundo no pescoço. O enterro e as últimas homenagens à Marina foram acompanhados por todos, era visível no semblante de cada um de seus amigos, o sentimento de tristeza pela perda daquela jovem de 25 anos. E permanecia no ar, a dúvida! Quem teria tirado a vida de Marina? Você pode ajudar a desvendar esse caso.

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Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

Na segunda etapa da aplicação do estudo

Os grupos tiveram quatro dias para pesquisar e

de caso, os alunos foram levados para a cena do

organizar suas propostas de solução para o caso “O

crime, construída no pátio da escola, com o obje-

Mistério do assassinato de Marina”. No dia mar-

tivo de coletar provas, vestígios, fotografar e ana-

cado, cada grupo apresentou e entregou por escrito

lisar minuciosamente a cena fictícia do assassinato

a pesquisa e a solução para o caso.

de Marina. Além disso, foi disponibilizado aos estudantes o que se chamou de “arquivo pericial”, que continha as impressões digitais de todos os suspeitos envolvidos no crime (Figura 3). Ainda, no local, estavam objetos, como faca, arma de fogo e copos quebrados que continham algumas impressões digitais do(s) possível(is) assassino(s).

6

Resultados e discussões A seguir, serão apresentados os resultados obtidos durante as atividades realizadas com as duas turmas da 3ª série do ensino médio que participaram das intervenções. Com o objetivo de verificar a evolução do conhecimento dos estudantes a respeito do trabalho desenvolvido foram utilizados dois questionários diagnósticos, um inicial e outro final. No início da primeira intervenção, os alunos foram questionados: “Você acha que existe alguma relação entre a revelação da impressão digital e a Química Orgânica? Comente”. Somente um estudante (estudante 23) acreditava que não existia tal relação. Os demais conseguiram formular uma resposta apontando algumas relações entre a Química

Figura 3.  Impressões digitais dos suspeitos.

Orgânica e a impressão digital, apesar de encon-

A partir das provas coletadas, os estudantes deveriam propor soluções para o caso. Para auxiliar nesta tarefa, cada grupo recebeu um “kit” pericial contendo: luvas, pinças, embalagem para armazenamento das provas, lupas, máquina foto-

trarem dificuldades em expressarem suas ideias de uma forma mais elaborada. Algumas respostas dos estudantes estão transcritas a seguir, nas quais se destaca a(s) palavra(s) chave(s) que utilizaram para fazer esta relação.

gráfica, e os reagentes de revelação de mancha de

Estudante 05: “Sim, algumas substâncias

sangue e impressão digital, previamente prepara-

revelam esse tipo de início”.

dos no laboratório.

Estudante 08: “Sim, pois alguns testes

Após análise da cena do crime, com base em

podem desvendar a identidade do sujeito”.

pesquisas bibliográficas em artigos, textos de

Estudante 12: “Sim, para analisar uma

divulgação científica e re­vistas, provas coletadas,

impressão digital são utilizados produtos

vestígios e nos conhecimentos adquiridos durante

químicos”.

as aulas, os estudantes foram orientados a produzir

Estudante 16: “Existe sim, acredito que

um relatório pericial, no qual deveriam descrever o

várias substâncias químicas possam ajudar

processo de resolução do caso, apontando em deta-

na conclusão de provas coletadas”.

lhes que tipo de provas foi coletado e as possíveis

Estudante 22: “Sim, pois a química mostra

soluções.

de quem é a digital”.

56

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

Estudante 23: “Acho que não”.

Estudante 22: “Sim, no suor existem compos-

Estudante 32: “Sim, a partir de reações”.

tos orgânicos, como aminoácidos, ácidos gra-

Estudante 41: “Sim, deve haver a realiza-

xos, glicerídeos e colesterol que são responsá-

ção de alguma reação química”.

veis pela revelação da impressão digital”. Estudante 23: “Sim, pois diversos compos-

Com o desenvolvimento das intervenções, per-

tos orgânicos podem ser encontrados no

cebe-se que os estudantes evoluíram em seu conhe-

suor, um exemplo são os lipídeos”.

cimento, pois todos conseguiram citar pelo menos

Estudante 32: “A composição química do

um ponto relacionando a importância da Química

suor das mãos é composta basicamente por

orgânica na identificação humana. Os alunos 05,

compostos orgânicos”.

08, 12 e 41, conseguiram explicar esta relação de

Estudante 41: “Sim, os compostos orgânicos

forma mais completa, enquanto os estudantes 16,

são liberados pelo suor e ao tocar em objetos

22, 23 e 32 forneceram respostas mais gerais, mas

deixamos nossas impressões digitais”.

com informações corretas. Através das respostas

A segunda pergunta do questionário: “A fenolf-

dos alunos, foi perceptível essa evolução.

taleína é utilizada como indicador no teste de Kastle-

Estudante 05: “Sim, com certeza! Quando

Meyer para detectar vestígios de sangue em uma

suamos, liberamos compostos gordurosos

cena de um crime. Você saberia identificar quais

e outras substâncias orgânicas que são res-

funções orgânicas estão presentes na molécula de

ponsáveis pela formação da impressão digi-

fenolftaleína?”, apresentava as seguintes alternati-

tal deixadas nos objetos”.

vas: (a) Fenol e éter; (b) Fenol e cetona; (c) Fenol e

Estudante 08: “Sim, a partir de compostos

éster; (d) Álcool e cetona; (e) Álcool e éster.

orgânicos presente no suor das mãos é que as impressões digitais podem ser reveladas”.

HO

Estudante 12: “Sim, pois nossas mãos,

OH

quando suamos, liberam inúmeros compostos orgânicos, assim quando encostamos em algo, nossas digitais ficam ali”.

O

Estudante 16: “Sim, existem no suor muitos componentes da Química orgânica”.

O

100% Questionário inicial Questionário final

80%

90%

60% 45%

40% 20%

21% 4%

0%

A

18% 7% 3%

0%

B

C Opções

D

9%

3%

E

Figura 4.  Gráfico comparativo entre o questionário inicial e final.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

57


Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

A Figura 4 apresenta o comparativo entre o questionário inicial e final, bem como relação entre as alternativas e a porcentagem de alunos para cada opção escolhida. Dos 43 alunos que responderam o questionário inicial, apenas oito alunos, que corresponde a 18%, marcaram a opção correta. Porém, no questionário diagnóstico final, esse número aumentou

90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%

para 39 alunos, 90% dos estudantes. É perceptível que, durante o desenvolvimento do trabalho, tenha havido uma evolução do conhecimento dos estudan-

Questionário inicial Questionário final

79

52 34 14

10

4

7

0

A

B

C

D

Opções

Figura 5.  Gráfico comparativo entre o questionário inicial e final.

tes em relação ao conteúdo de funções orgânicas. Outra questão proposta tratava-se de um exercício de concentração molar das soluções. Apesar

blemas na interpretação do exercício. Porém, com

de ser uma questão objetiva, para a sua análise

o desenvolvimento das intervenções e analisando

também foi considerado o desenvolvimento dos

os cálculos apresentados no questionário final,

cálculos e o raciocínio empregado pelos estudan-

percebeu-se que houve uma evolução significativa

tes: “Um teste comumente utilizado para a detec-

no entendimento sobre o conteúdo de concentra-

ção de vestígios de disparo de arma de fogo nas

ção molar das soluções, pois o número de alunos

mãos de um possível suspeito, consiste no preparo

que acertou a questão aumentou de quatro para 39

de 100 ml de solução tampão 0,1M de tartarato de

(79%). Dessa forma, constatou-se que a integração

sódio e potássio (C4H4KNaO6). Você saberia cal-

de metodologias diferenciadas com a investigação

cular qual a massa necessária para preparar essa

criminal é uma alternativa que favoreceu o pro-

solução?”. E as alternativas propostas foram: (a)

cesso de aprendizagem dos conteúdos de Química

2,0g; (b) 2,1g; (c) 21g; (d) 210g.

que foram trabalhados.

A Figura 5 apresenta uma comparação entre as respostas dos estudantes no questionário inicial e final.

6.1

Análise e discussão do estudo de caso: “O Mistério do assassinato de Marina”

Através da análise da Figura 5 e dos cálculos

O estudo de caso foi aplicado aos estudantes

apresentados pelos estudantes na resolução do

com intuito de favorecer o desenvolvimento de

questionário inicial, pôde-se verificar que os mes-

habilidades como a comunicação oral e escrita,

mos apresentaram muita dificuldade no exercício

resolução de problemas e o estímulo à pesquisa.

proposto. Apenas quatro alunos, ou seja 10%, con-

A turma foi dividida em dois grupos, e cada um

seguiram marcar à opção correta. Um fator que

ficou responsável em escrever um relatório peri-

pode ter influenciado foi a não disponibilização

cial apontando as possíveis soluções para o caso.

das fórmulas no questionário. Outra observação

Analisando o relatório produzido pelos estu-

foi que a maioria dos estudantes marcou a opção

dantes, constatou-se que o estudo de caso os moti-

D, cujo valor corresponde exatamente à massa

vou a pesquisar em diversas fontes bibliográficas

molar do tartarato de sódio e potássio, e através

sobre as técnicas utilizadas na análise de vestígios

da análise dos cálculos no questionário desses

em cenas de crime. Isso pode ser observado no

alunos, pôde-se verificar que apresentaram pro-

seguinte trecho retirado do relatório do grupo 1:

58

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

Grupo 1: “Para encontrar a solução pesqui-

No trecho do relatório produzido pelo grupo

samos em sites e artigos científicos sobre as

1, fica evidente a compreensão dos estudantes em

técnicas analíticas para verificação se uma

relação a importância da Química nas investiga-

pessoa atirou ou não com arma de fogo, for-

ções periciais. Os estudantes deste grupo se basea-

mas de intoxicação e envenenamento, qui-

ram na atividade de revelação de manchas de san-

miluminescência e espectroscopia de infra-

gue para indicar que a faca também foi utilizada no

vermelho para analisar evidências como

crime. O grupo 2 chegou à conclusão do assassino

drogas e fibras”.

através da comparação da impressão digital coletada na arma de fogo, encontrada na cena do crime,

Segundo Sá e Queiroz (2009), uma das prin-

com o “arquivo pericial” disponibilizado, que con-

cipais características desse método é a pesquisa

tinha as impressões digitais dos suspeitos. Desta

bibliográfica, já que motiva o aluno a acessar,

forma, o caso proporcionou aos estudantes reali-

avaliar e utilizar as informações para solucionar

zarem investigações a partir dos dados coletados e

o problema. Dessa forma, uma das habilidades

das informações fornecidas. De acordo com Pozo

desenvolvidas pelos estudantes foi a busca de

(1998), o ensino baseado na solução de problemas

informações em diferentes fontes.

pressupõe promover nos alunos o domínio de pro-

No que se refere à aplicação e à discussão dos

cedimentos bem como a utilização dos conheci-

conteúdos científicos a partir do problema pro-

mentos disponíveis para dar solução às situações

posto, observa-se que os estudantes conseguiram

propostas.

propor possíveis soluções baseados nos conteúdos

Dessa forma, com a aplicação do estudo de

estudados durante as intervenções. As atividades

caso, atingiu-se a proposta inicial da utilização

experimentais desenvolvidas na segunda interven-

dessa metodologia de ensino, que é estimular

ção foram utilizadas para analisar os vestígios da

inserção à pesquisa e favorecer a tomada de deci-

cena do crime, o que levou os estudantes a apon-

são por parte dos estudantes.

tarem os possíveis culpados pelo crime. Conforme os relatos:

7

Considerações finais

Grupo 1: “Para chegar no verdadeiro culpado do crime, nós analisamos os objetos encontrados no local do crime. A faca tinha sangue, e isso ficou evidente pela reação com o reagente de Kastle-Mayer. Portanto, o criminoso usou uma faca para matar a Marina”.

O desenvolvimento deste trabalho oportunizou a percepção de que a aplicação de metodologias diferenciadas, como atividades experimentais e estudo de caso, podem ser uma alternativa ao ensino tradicional ou mesmo utilizadas para complementá-lo. A utilização de atividades experimentais, aliadas ao estudo de caso, ou seja, a uma

Grupo 2: “Na arma, devido à composição

proposta baseada na resolução de problemas, pode

química do suor das mãos, revelou-se atra-

favorecer a construção dos conceitos científicos

vés do teste de vapor de iodo, uma impres-

pelos estudantes, proporcionando-os a atuarem em

são digital que pertence a Bibiana. Com

pequenas investigações (Goi; Santos, 2009).

o mesmo teste, constatou-se também, que

Em específico, neste trabalho, através da busca

a faca com sangue da vítima, possuía a

de soluções para o caso “O mistério do assassinato

impressão digital de outro suspeito”.

de Marina”, os estudantes tiveram a oportunidade

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

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Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química

de elaborar hipóteses, analisar as provas do crime e aplicar a Química, por meio das atividades experimentais, para a resolução do problema. Um dos propósitos deste trabalho foi relacionar as técnicas que são habitualmente utilizadas em perícias criminais com os conteúdos de Química do Ensino Médio. A exploração da temática “investigação criminal” estimulou a curiosidade e despertou o interesse discente, o que contribui para o processo de ensino e aprendizagem. Os resultados obtidos com a aplicação desta proposta didática foram satisfatórios, no que se refere à aprendizagem dos conteúdos de Química pelos estudantes. A partir deste resultado, conclui-se que a utilização desta temática para a contextualização do ensino de Química, juntamente com as metodologias de ensino propostas, podem ser alternativas para minimizar as dificuldades dos estudantes no estudo desta disciplina. 8

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60

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Relato de Experiência 02 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

p. 61-71

Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio Citronella: a theme for contextualization of Education of Organic Chemistry in secondary education Elane de Sousa Santos1, Vanessa Coelho de Deus Brito1, Josimara Cristina de Carvalho Oliveira2, André Camargo de Oliveira3 e Régia Chacon Pessoa de Lima2

Resumo A utilização da citronela como tema norteador para o ensino de Química Orgânica na 3ª série do Ensino Médio regular objetivou inserir a contextualização, segundo as perspectivas do cotidiano discente, nas aulas de química como forma de motivar os alunos na sua formação. A proposta buscou por alternativas que pudessem restaurar o conhecimento prévio dos alunos, utilizando exemplos do cotidiano, experimentos adaptados e inserindo-se nas aulas os recursos das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Com base na avaliação de mapas de conceitos elaborados pelos estudantes e analisados com base na teoria semiótica, foi possível perceber três categorias de domínios de significação – descritivo, conceitual e Argumentativo. Palavras-chave: Citronela; Ensino de Química; Contextualização; Aprendizagem significativa. Abstract The use of citronella as a guiding theme for teaching Organic Chemistry in 3rd grade of high school regular theme aimed to put the context, from the standpoint of the student daily, in chemistry classes as a way to motivate students in their 1. Mestranda em Ensino de Ciências. Universidade Estadual de Roraima – UERR. 2. Doutora em Química. Universidade Estadual de Roraima – UERR. 3. Doutor em Ciências. Universidade Estadual de Roraima – UERR.


Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio

training. The proposal sought theoretical support in meaningful learning of David Ausubel regarding the search for alternatives that could restore the students’ prior knowledge, using examples from everyday life, alternative experiments and inserting in class resources of information and communication technologies (ICT). Based on the assessment of concept maps drawn by students and analyzed based on semiotic theory, it was possible to see three categories of areas of significance - descriptive, conceptual and argumentative. Key-words: Citronella; Chemistry teaching; Contextualization; Meaningful learning.

1

2000; Teixeira; Monteiro, 2009; Wartha; Silva;

Introdução

Bejarano, 2013).

Exercer a docência nos dias atuais, em muitos

Assim sendo, concebe-se que ensinar os

casos, implica ter determinadas capacidades que as

conhecimentos científicos da química é também

vezes deixam de ser discutidas nos cursos de for-

considerar nesse processo que o aluno reconheça

mação inicial. Muito mais que dominar a matéria

o valor dessa ciência na busca do conhecimento da

de estudo, o professor necessita ressignificar sua

realidade objetiva e insiram no cotidiano.

prática visando atingir o primordial objetivo da educação, que é fazer com que o aluno aprenda.

Nessa busca, planejou-se e desenvolveu-se uma proposta didática para o conteúdo de Química

Entretanto, atualmente, espera-se que o estu-

Orgânica, na 3ª série do Ensino Médio regular,

dante aprenda para a resolução dos problemas da

tendo como suporte teórico a aprendizagem signi-

vida em sociedade, isto é, que seja capaz de tomar

ficativa na ótica ausubeliana e como tema norte-

decisões conscientes e que adquira capacidades

ador, a planta aromática citronela, conhecida por

contemporâneas para pensar e agir na vida em

sua ação de repelência natural contra insetos, tais

comunidade. Desse modo, é pertinente que as prá-

como moscas e mosquitos. Além disso, a proposta

ticas pedagógicas sejam planejadas e executadas

contou com o apoio das TIC e experimentos adap-

de modo a possibilitar o aprendizado significativo

tados às condições de escola localizada em períme-

dos conhecimentos científicos pelo aluno.

tro rural do município de Rorainópolis – Roraima.

Aprender significativamente implica aprender

Nessa perspectiva, trabalharam-se contextos

coisas que poderão apresentar utilidade em algum

que tivessem significado para o aluno e que pudes-

momento e aspecto do cotidiano. Nessa ótica, a

sem levá-lo a aprender de forma significativa.

legislação nacional para a educação, tais como os

Desse modo, o problema de pesquisa deste traba-

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

lho está voltado à questão do Ensino de Química

Médio (Brasil, 1999) e os PCN+ (Brasil, 2002)

Orgânica na educação básica, tendo em vista que

orientam que uma forma de atingir um ensino sig-

esta é uma parte da química que possui caracterís-

nificativo é por meio da contextualização.

ticas específicas e que requer uma linguagem pró-

A partir da orientação contida nessas legisla-

pria bem como habilidades para a representação

ções, houve crescente defesa por diversos educa-

estrutural, sendo necessário correlacionar estru-

dores, pesquisadores e grupos ligados à educação,

turas, nomenclatura e as propriedades químicas e

em relação ao tema. De fato, especificamente no

físicas. Entretanto, tão importante quanto escrever

caso do ensino de química, existem inúmeras pes-

e formular corretamente os compostos orgânicos

quisas comunicando experiências relacionando

é reconhecer sua presença e importância no dia-a-

o conhecimento químico e o contexto (De Lima,

-dia de cada um, pois assim o conhecimento ganha

62

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio

significado, já que será útil em algum aspecto da

o aluno da condição de espectador passivo (Brasil,

vida.

1999, p. 91) de sorte que é possível generalizar a

Desta forma, o objetivo desta proposta foi

contextualização como recurso para tornar a apren-

verificar se o ensino contextualizado por meio da

dizagem significativa ao associá-la com experiên-

temática citronela, utilizando os recursos das TIC

cias da vida cotidiana ou com os conhecimentos

e experimentos adaptados, potencializa o aprendi-

adquiridos espontaneamente (Brasil, 1999, p. 94).

zado significativo dos conceitos científicos de quí-

A contextualização dos conteúdos é necessária

mica e melhora a motivação dos alunos a quererem

porque relaciona o conhecimento prévio dos alu-

participar das atividades escolares nessa disciplina.

nos com os conhecimentos científicos adquiridos através do ensino, respeitando as diversidades

2

O Ensino de Química contextualizado e a proposta significativa de aprendizagem ausubeliana

das comunidades e visando a formação do cidadão para um senso mais crítico, e ajuda na prática docente (Teixeira; Monteiro, 2009). A contextualização no ensino é uma proposta

Defende-se neste trabalho que as contextuali-

que se encaixa perfeitamente nas ideias de apren-

zações dos conteúdos são de extrema importância

dizagem defendidas por Ausubel, no que concerne

para ajudar a motivar o alunado a se interessar pelo

à aproximação do cotidiano do aluno aos saberes

que está sendo ensinado e para a construção signi-

científicos das matérias, pois com esta ação, valo-

ficativa desse saber. Conforme De Lima (2000), a

riza-se o conhecimento de mundo, como denomi-

não contextualização da química pode ser respon-

nado por Ausubel, conhecimento prévio.

sável pelo alto nível de rejeição do estudo desta

Ausubel define que a aprendizagem signifi-

ciência pelos alunos, dificultando o processo de

cativa dá-se especialmente pela recepção, isto é,

ensino-aprendizagem, pois o ensino no contexto

aprendizagem por recepção verbal significativa,

possibilita a aproximação do dia-a-dia dos alunos

tendo em vista que a aquisição de conhecimentos

do conhecimento científico.

de matérias em qualquer cultura é, essencialmente,

O termo contextualização passou a fazer parte

uma manifestação de aprendizagem por recepção

do cenário de comunicação científica da comu-

(Ausubel, 2003, p. 22). Nessa perspectiva, o autor

nidade de educação química após os Parâmetros

define que na aprendizagem por recepção signifi-

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

cativa as tarefas de aprendizagem são relacionadas

e os PCN+ (Wartha; Silva; Bejarano, 2013).

de modo substantivo, não arbitrário e não literal,

Curiosamente, a palavra contextualização, con-

pois esta aprendizagem caracteriza-se pela valori-

forme os autores supracitados, é um termo recente

zação do conhecimento prévio, uma vez que este

na língua portuguesa e que começou a ser larga-

é isoladamente, a variável que mais influencia a

mente utilizado a partir da promulgação dos dis-

aprendizagem.

positivos legais ora citados, que orientam a com-

A valorização do conhecimento prévio dis-

preensão dos conhecimentos para uso no cotidiano

cente, de acordo com as ideias ausubelianas, se

contemplando a relação informação científica e

justifica pelo fato de a aprendizagem ocorrer atra-

contexto social.

vés da interação da nova informação com uma teia

Desse modo, conforme as recomendações dos

de conhecimento específica, existente na estrutura

PCNEM, o tratamento contextualizado do conhe-

cognitiva do estudante, denominada subsunçor,

cimento é o recurso que a escola tem para retirar

que é, nessa concepção, um conceito facilitador

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

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Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio

para um novo assunto, ou seja, o conhecimento

cial, podem tornar as aulas mais atraentes e ajuda a

prévio que será o suporte ou sustento para a anco-

motivar o interesse em saber mais.

ragem (fixação) de um novo conhecimento que se

A introdução das novas tecnologias na educação, sobretudo da informática, deve-se à busca de

deseja reter. Conforme Geintens (2013), a prática pedagó-

soluções para promover melhorias no ensinar e no

gica é mais significativa quando relacionada com

aprendizado dos alunos, pois os recursos compu-

o conhecimento do aluno, seu cotidiano. O docente

tacionais, adequadamente empregados, podem

é o mediador do diálogo entre o conhecimento pré-

ampliar o conceito de aula, além de criar novas

vio e os conceitos químicos e o discente é o sujeito

pontes cognitivas (Brito, 2001).

no processo, tornando o ensino de Química mais

Souza et al. (2009) parafraseados por Vieira et

interessante, menos cansativo e, com certeza,

al. (2011) corroboram no sentido de que o uso de

mais significativo. Sendo assim, na aprendizagem

Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)

por recepção significativa, o conteúdo principal

e de jogos tem mostrado ser eficiente não só na

daquilo que será aprendido pelo estudante é apre-

compreensão de conceitos, mas também por des-

sentado em sua forma final visando a interioriza-

pertar o interesse por esta área da ciência.

ção cognitiva desse material para uma disponibi-

No âmbito de experiências subsidiadas pelo

lidade ou usos futuros, ou seja, para reprodução,

uso pedagógico de aparelhos e recursos multimídia

para aprendizagem relacionada, quer para resolução de

de modo a possibilitar o ensino de química contex-

problemas no futuro (Ausubel, 2003, p. 22).

tual, Silva e Silva (2012) relatam a experiência de

Isto significa que o conteúdo principal a ser

acrescentar o uso de vídeos na aula de Química, a

aprendido não precisará ser descoberto pelo estu-

fim de melhorar a interpretação dos alunos, dina-

dante (aprendizagem por descoberta). Também

mizarem as aulas e relacionar os conteúdos do

significa um continuum da aprendizagem mecâ-

livro didático com os vídeos e os slides na apre-

nica ou por memorização, na qual as tarefas de

sentação oral da aula. Conforme os pesquisado-

aprendizagem são relacionadas de forma arbitrária

res, essa nova didática, com o uso de vídeo, pode

e literal, haja vista que as novas informações são

representar um dos grandes progressos no sentido

aprendidas praticamente sem interagir com con-

de se conseguir atrair a atenção do aluno, assim

ceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva,

como instigar a curiosidade no campo do ensino

sem se fixar a subsunçores específicos.

de Química, sendo considerada uma boa estratégia

Nesse processo, alguns fatores podem ser utili-

para o ensino e aprendizagem significativos.

zados pelo docente visando alcançar a aprendiza-

Outros fatores também contribuem para um

gem significativa na ótica de Ausubel, tais como

aprender significativo, dentre eles o material instru-

organizadores avançados, que são materiais intro-

cional potencialmente significativo, para o desen-

dutórios apresentados antes do assunto a ser apren-

volvimento dos subsunçores e trabalhar a estrutura

dido estabelecendo uma ligação entre aquilo que o

cognitiva, considerando a apresentação dos ele-

aprendiz já sabe e aquilo que precisa saber.

mentos mais gerais, mais inclusivos, em primeiro

Assim, os recursos das TIC, como os vídeos,

lugar, até que o conceito seja progressivamente

podem ser utilizados como organizadores prévios

diferenciado, em termos de detalhes e especifici-

de conteúdos uma vez que são recursos multimí-

dade. Nessa perspectiva, esse material deve ser ela-

dia, ou seja, transferem informações por intermé-

borado considerando os princípios da diferenciação

dio de mais de um dos sentidos. Com esse poten-

progressiva e da reconciliação integradora.

64

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio

O primeiro princípio reconhece que a maioria

Em um mapa conceitual, em geral cada con-

da aprendizagem e toda a retenção e a organiza-

ceito encontra-se no interior de um círculo ou

ção das matérias é hierárquica por natureza, proce-

retângulo. A inter-relação entre os conceitos é indi-

dendo de cima para baixo em termos de abstração,

cada por linhas que os unem. Usualmente é uti-

generalidade e inclusão. Já a reconciliação inte-

lizada uma palavra ou frase de ligação, colocada

gradora tem a tarefa facilitada no ensino exposi-

sobre cada linha, para especificar a relação entre

tivo, se o professor e/ou os materiais de instrução

dois conceitos, formando uma proposição, ou

anteciparem e contra-atacarem, explicitamente,

seja, uma declaração significativa sobre um objeto

as semelhanças e diferenças confusas entre novas

ou evento (Novak; Cañas, 2008 apud Machado;

ideias e ideias relevantes existentes e já estabele-

Nardi, 2008).

cidas nas estruturas cognitivas dos aprendizes. Por

Assim sendo, concebe-se que propostas que

fim, o aprendiz deve estar disposto a relacionar de

contemplem o ensino contextual e utilizando fer-

modo não literal e não arbitrário o material a ser

ramentas adequadas como os recursos das TIC,

aprendido. Caso contrário, todos os demais fatores

experimentos adaptados à realidade escolar e

serão irrelevantes.

uma temática para nortear as atividades de ensino

Outro ponto a se considerar na aprendizagem

podem motivar o aluno a querer aprender signifi-

receptiva verbal é a verificação da ocorrência

cativamente.

dessa aprendizagem, isto é, a avaliação do processo visando que o aprendiz não simule o aprendizado, ainda que inconscientemente. Nessa pers-

3

Metodologia da proposta

pectiva estão os mapas conceituais, instrumentos

A proposta foi desenvolvida no 1º semestre de

capazes de ajudar no curso da aprendizagem sig-

2012, na Escola Estadual Tenente João de Azevedo

nificativa no ensino de ciências, uma vez que são

Cruz, localizada no perímetro rural do município

instrumentos que favorecem, para o professor, a

de Rorainópolis – RR, em uma turma de 3º ano do

identificação, na estrutura cognitiva de seus alu-

Ensino Médio regular e contou com a participação

nos, dos subsunçores, organizadores essenciais

dos 14 estudantes regulamente matriculados e fre-

para os conhecimentos sobre determinado con-

quentando as aulas.

ceito (Gomes et al., 2010). Mapas conceituais aparecem como possíveis estratégias facilitadoras

Para o desenvolvimento da proposta, realizaram-se as seguintes ações:

da aprendizagem significativa bem como instru-

a) Aplicação de questionário para aferir o

mentos possibilitadores de avaliação desse tipo de

conhecimento prévio discente sobre a

aprendizagem (Moreira, 2011).

planta capim citronela e se viam alguma

Mapas conceituais são diagramas bidimensio-

relação da química com essa planta.

nais mostrando relações hierárquicas entre concei-

b) Explanação do conteúdo de Química

tos de uma disciplina e que derivam sua existência

Orgânica enfatizando as funções químicas

da própria estrutura da disciplina (Moreira; Rosa,

orgânicas, isomerismo e ligações inter-

1986, p. 17 apud Machado; Nardi, 2008, p. 246).

moleculares e suas relações com a temá-

São construídos com base nos princípios da dife-

tica em questão. Discutiu-se as substân-

renciação progressiva e da reconciliação integra-

cias orgânicas presentes no óleo essencial

tiva e podem ser usados em qualquer momento do

extraído do capim citronela, técnica de

processo educacional e de diversas formas.

extração de óleos essenciais pelo método

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

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Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio

de destilação por arraste à vapor, utiliza-

Outras mídias também foram selecionadas, ou

ção dessa planta em benefício humano e

seja, “A viagem de Kemi – Funções inorgânicas

ambiental, impacto causado à saúde do

e orgânicas”, cuja produção é da Universidade

homem e prejuízos ao meio ambiente pelo

Federal de Santa Maria e uma Realização do

uso de inseticidas sintéticos e efeitos alelo-

Fundo Nacional de Educação, Ministério da

páticos positivos da citronela.

Educação e Ministério da Ciência e Tecnologia.

c) Exibição de vídeos e leitura de hipertexto,

“Química aqui, Química ali, Tem química aí?” e

como organizadores prévios e introdutó-

“Nem ciclano, nem beltrano... funções orgânicas”

rios do conteúdo trabalhado.

são vídeos que tem o objetivo de conceituar funções orgânicas, os compostos orgânicos e mos-

No total foram exibidos seis vídeos e um hiper-

trar usos dos compostos orgânicos no cotidiano.

texto com o propósito de auxiliar o entendimento

“Ureia! Ureia! Sintetizei o primeiro composto

da história da química orgânica, formulação e

orgânico!” objetiva conceituar química orgânica

nomenclatura das funções orgânicas, isomerismo

e mostrar um breve histórico do surgimento dessa

e classificação das plantas, para entender como a

área da química.

planta citronela é classificada biologicamente.

Os recursos multimídia utilizados foram aces-

O hipertexto Botânica: as plantas visou contri-

sados gratuitamente, inclusive o download, no

buir com a formação do aluno no aprendizado de

repositório de objetos de aprendizagem do portal

botânica, enfatizando a classificação das plantas,

do professor, disponível em: <http://portaldo-

pois além de ser um organizador prévio forneceu

professor.mec.gov.br/index.html>, em conteúdos

um conhecimento interdisciplinar entre os compo-

multimídia. Todos os vídeos foram selecionados

nentes curriculares de Química e Biologia, tendo

por terem conteúdos diretamente envolvidos e rele-

em vista que a instituição escolar não possui pro-

vantes com o conteúdo de Química Orgânica e por

fessor com formação específica na disciplina de

terem duração média de 10 minutos, o que não os

Biologia.

torna cansativos e, além disso, oportuniza explica-

Os vídeos selecionados fazem parte dos progra-

ções e discussões posteriores às exibições.

mas “Aí tem química!”, desenvolvidos pelo Projeto

Portanto, a explanação do conteúdo aliado à

Condigital MEC – MCT, Pontifícia Universidade

temática foi realizada de forma dialogada, com o

Católica do Rio de Janeiro – PUC Rio. Desse

auxílio do quadro branco e com apoio de apresen-

programa, foram utilizados o episódio “Química

tações em slides e vídeos projetados por meio de

Orgânica – Química do Carbono” com o objetivo

data show. Para ter acesso ao hipertexto, os alunos

de introduzir o estudo da Química Orgânica atra-

foram levados ao laboratório de informática da

vés de situações baseadas em diferentes aspec-

escola.

tos da realidade de estudantes de ensino médio, mesmo daqueles que vivem em localidades distan-

Além disso, também foram realizadas as seguintes ações:

tes dos grandes centros urbanos e “Nomenclatura

1. Realização de experimento alternativo para

– Química Orgânica” visando auxiliar o aluno a

extração de solução hidroalcoólica con-

compreender as regras adotadas na nomenclatura

tendo óleo essencial de citronela por meio

dos compostos orgânicos. O episódio “Química

do solvente orgânico álcool a 70% e expli-

Orgânica – Isomeria”, visa relacionar diversos con-

cações sobre ligações intermoleculares

ceitos envolvidos no conteúdo de isomeria.

e solubilidade nos compostos orgânicos.

66

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio

Para a extração da solução hidroalcoólica

Após a confecção das velas, as ações realizadas

contendo as substâncias químicas presen-

foram:

tes no óleo essencial de citronela, utilizou-

1. Verificação da eficácia das velas aromático-

-se 100 g da planta seca e triturada, um

-repelentes, utilizando-as nas residências

recipiente de boca larga para acondicionar

dos alunos envolvidos, almejando detectar

o material e álcool a 70% até cobrir toda a

se haveria diminuição dos pernilongos ou

planta. Cobriu-se o recipiente com tecido

se não haveria modificações perceptíveis

escuro para evitar contato direto com a luz

quanto à incidência desses insetos.

e prevenir reações indesejáveis. O material

2. Aplicação de questionário final para aferir

ficou contido no recipiente durante 10 dias

a opinião dos estudantes sobre a proposta

e nesse tempo, o conteúdo foi agitado duas

e sua relação com a química ensinada em

vezes ao dia. Essa atividade foi realizada

sala de aula.

na cozinha da escola.

3. Elaboração de mapas conceituais pelos estu-

2. Confecção de velas e incorporação da

dantes abordando os conceitos aprendidos.

solução extraída contendo óleo essencial de citronela, visando demonstrar o pro-

Para a elaboração dos mapas conceituais, prepa-

cesso de tornar produtos aromático-repe-

rou-se apresentação visual para explicar o que são,

lentes. As velas também foram produzidas

para que servem e como devem ser construídos.

na cozinha da escola e utilizou-se parafina em barra, estearina para untar as forminhas de empada e facilitar a retirada das velas

4

Resultados e discussão

prontas, palitos de dentes para segurar o

Questionário inicial

fio das velas e fio de barbante parafinado.

4.1

Para as velas, utilizou-se 500 g de parafina

As informações coletadas no questionário diag-

em barra, cortada em pedaços para facilitar

nóstico evidenciaram que 28% dos estudantes acre-

e acelerar o derretimento em banho-maria,

ditavam que citronela se tratava de uma fruta, 50%

e após a liquefação da parafina e com fogo

de uma planta (Figura 2) e 22% de um pássaro.

desligado, acrescentou-se 100 mL de solução hidroalcoólica de citronela. Este procedimento está representado na Figura 1. (a)

(b)

(c)

Figura 1.  Produção de velas contendo solução hidroalcoólica de citronela; a) Derretimento da parafina; b) Colocação da parafina no molde e centralização do pavio; c) vela pronta.

Figura 2.  Capim Citronela (Cymbopogon winterianus).

Foto:  Elane S. Santos (2013).

Foto:  Elane S. Santos (2013).

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Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio

Sobre a relação da química estudada em sala de

mações antes de o conteúdo ser desenvolvido e

aula com a temática citronela, 36% dos estudantes

auxiliar na elaboração de subsunçores na estrutura

não viam nenhuma relação da temática com a dis-

cognitiva dos estudantes.

ciplina e 64% afirmaram que deveria haver alguma

Na concepção ausubeliana, a aprendizagem

relação, pois a química está em tudo (fala de estu-

significativa de matérias escolares é, por exce-

dante), porém não souberam especificar.

lência, receptiva, ou seja, a principal forma de

A citronela pertence à família Poaceae, é uma

aprendizagem dos conhecimentos escolares ocorre

planta perene, aromática, conhecida por sua ação

mostrando-se o material a ser aprendido na sua

de repelência natural, possui efeitos repelentes não

forma final, uma vez que o aluno não terá de des-

tóxicos (Maia; Parente Junior, 2008; Oliveira, et

cobrir o que deve ser ensinado e não poderá apenas

al., 2011). A planta é conhecida por dois nomes

memorizá-lo.

principais: Cymbopogon nardus var. lenabatu

Para atingir a aprendizagem significativa por

(L.) Rendle e Cymbopogon winterianus Jowitt

recepção, a explanação dos conteúdos deu-se de

(Wijesekera et al., 1973). O capim-citronela,

forma dialogada, apoiando-se em projeções audio-

Cymbopogon winterianum Jowitt., é uma planta

visuais, por intermédio do data show. Ainda, o

medicinal e devido à grande procura pelo seu óleo

ensino receptivo para gerar aprendizagem signi-

essencial tem se tornado importante no Brasil,

ficativa precisa contar com a motivação discente,

tanto no mercado interno, quanto para exportação

isto é, o aluno precisa querer aprender de forma

(Rocha et al., 2000). O óleo extraído das folhas é

substantiva o conteúdo e não apenas decorá-lo.

rico em aldeído citronelal e quantidades menores

Nesse caso, o ensino contextualizado, conforme os

de geraniol, citronelol e ésteres. O óleo essencial

autores (De Lima, 2000; Teixeira; Monteiro, 2009;

de citronela é utilizado na fabricação de perfumes,

Wartha; Silva; Bejarano, 2013) pode contribuir

velas, incensos, repelentes, desinfetantes, na aro-

para uma melhor disposição do alunado em que-

materapia e armazenagem de alimentos.

rer aprender significativamente os conhecimentos

De acordo com as informações iniciais, per-

científicos químicos.

cebeu-se que o conhecimento prévio dos estudan-

Sabendo-se que conhecimento significativo

tes ainda era bastante debilitado sobre a temática

é conhecimento útil em algum aspecto da vida,

e sua relação com os conhecimentos químicos.

buscou-se mostrar aos sujeitos participantes desta

Conforme Ausubel (2003), a disponibilidade de

proposta o aspecto útil da temática citronela rela-

subsunçores ou conhecimentos prévios facilita a

cionando-se a informação química e o contexto

ancoragem de novos conhecimentos; no entanto,

social.

caso a estrutura cognitiva de quem aprende ainda

Questionário final

não tenha subsunçores adequados para estabilizar

4.2

novas informações, pode-se criar esse ambiente

A maioria dos estudantes (79%) afirmou que

cognitivo adequado por meio de recursos facili-

a agregação de um tema gerador à disciplina de

tadores da aprendizagem significativa. Segundo o

Química melhorou a compreensão do conteúdo de

autor, cabe ao professor descobrir ou possibilitar o

Química Orgânica, além de tornar as aulas mais

surgimento desses subsunçores.

atraentes, uma vez que o conhecimento socializado

Para atingir este objetivo, utilizaram-se orga-

poderia, de fato, ser útil no cotidiano. Por outro

nizadores prévios do tipo multimídia, no formato

lado, 14% afirmaram que essa proposta contri-

hipertexto e vídeo, visando apresentar as infor-

buiu um pouco com a aprendizagem do conteúdo,

68

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio

enquanto que 7% afirmaram que essa proposta não

à utilização deste artefato, foi muito produtivo no

contribuiu com a aprendizagem do conteúdo.

sentido de possibilitar ao educando compreender a

Com base em observações dos próprios estudantes, sobre o teste dos efeitos aromático-repe-

importância do método científico na validação do conhecimento.

lentes das velas confeccionadas na cozinha da

Análise dos mapas conceituais

escola, 100% afirmaram que houve diminuição da

4.3

presença de insetos voadores patógenos, no local

A análise dos mapas conceituais foi baseada na

próximo à queima da vela aromático-repelente, e

teoria semiótica (Peirce, 2005). A teoria semiótica

levantaram a hipótese de que esta diminuição seria

baseia-se no estudo de saber como o ser humano

uma evidência da presença da substância citronelol

constrói significados utilizando recursos cultu-

na solução contendo o óleo essencial de citronela,

rais de sistemas de palavras, imagens, símbolos e

extraído pela técnica alternativa de extração com

ações, uma vez que, segundo as ideias desta teoria,

solvente orgânico (álcool a 70%). Todos os alunos

um objeto é muito mais que um objeto material,

consideraram a vela aromático-repelente agradá-

quando a pessoa que o vê, o interpreta como um

vel ao olfato humano e levantaram a hipótese de

signo portador de significado.

que poderia ser devido à presença da substância

A partir da análise dos mapas de conceitos sobre

citronelal, que dá ao óleo essencial de citronela

o tema citronela e o ensino contextual de Química

seu odor de limão acentuado, uma evidência de sua

Orgânica (Q.O), foi possível estabelecer três cate-

presença na solução extraída.

gorias de domínios de significação (Peirce, 2005).

Assim, pode-se dizer que a contextualização

Essas categorias evidenciam tipos de domínios de

do ensino de conhecimentos científicos químicos,

conhecimento que foram mais bem alicerçados na

por meio do tema organizador citronela, colaborou

construção do conceito de Q.O, aliados à temática:

para uma disposição positiva da maioria dos estu-

domínio descritivo (que envolve preceitos básicos

dantes em querer aprender química.

do conteúdo de Q.O, como classificação das fun-

O experimento de extração do óleo essencial

ções orgânicas, nomenclatura e formulação); domí-

de citronela em solução não é o recomendado para

nio conceitual (termos relacionados à definição de

extrair óleos essenciais, pois além deste, com esta

conceitos) e domínio argumentativo ou valorativo

técnica alternativa, extrai-se todos os demais pig-

(que envolve a discussão econômico-social sobre

mentos presentes, como é o caso da clorofila. O

o tema). Essa categorização dos termos usados na

método de destilação por arraste à vapor seria o

elaboração dos mapas conceituais convergiu com

mais adequado para a extração do óleo essencial

as ideias ausubelianas, pois defende-se o ensino

da citronela; entretanto, o método utilizado permi-

de matérias de maneira hierárquica, indo do con-

tiu que se atingisse os objetivos desejados.

ceito mais abrangente para as especificidades do

Sabendo-se que as hipóteses são possíveis res-

conteúdo.

postas a um problema, o teste das velas aromático-

A teoria semiótica partilha dessa questão do

-repelentes, embora não possam significar um

ensino hierarquizado haja vista que a construção

conhecimento científico, no sentido de afirmar que

do conhecimento apresenta características distin-

a diminuição de insetos, como moscas, mosquitos

tas durante o processo de construção de um con-

e borrachudos, bastantes persistentes na localidade

ceito. A Tabela 1 apresenta os domínios de conhe-

em que a proposta de ensino se realizou, se devam

cimento observados partir dos mapas conceituais.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

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Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio

Tabela 1.  Domínios de conceitos observados na análise dos mapas conceituais. Domínio de Significação

%

Apenas Descritivo

02 mapas (14,3%)

Descritivo/Conceitual

05 mapas (35,7%)

Descritivo/Conceitual/Argumentativo ou Valorativo

07 mapas (50,0%)

Conforme Ausubel, o aprendiz deve apresentar

ria, assimilassem de forma satisfatória o conte-

disposição para aprender de forma significativa, ou

údo, tornando o aprendizado agradável e útil. Os

seja, alicerçando o novo conhecimento em pontes

conhecimentos prévios presentes na estrutura cog-

cognitivas já existentes, denominadas por ele de

nitiva dos alunos ancoraram as novas informações,

subsunçores, de modo que esse subsunçor se trans-

ganharam um sentido mais elaborado e, possivel-

forme e ganhe significado para quem aprende. Por

mente, se mantenham armazenados por muito mais

outro lado, se o estudante apenas deseja memori-

tempo, podendo servir de novos ancoradouros a

zar algum aspecto do conteúdo, ou simplesmente

novos tipos de conhecimentos e aprendizagens.

não está disposto a internalizar significativamente o conteúdo, qualquer recurso que se utilize a fim de facilitar a aprendizagem significativa, falhará. Possivelmente, os mapas conceituais construídos apenas na categoria de significação descritiva se reportem ao desejo discente de apenas memorizar algum aspecto do conteúdo, sem explicar do que se tratava o conceito e suas implicações em sociedade. Já os mapas analisados e classificados como apresentando as categorias descritiva e conceitual demonstram que, apesar da assimilação do conteúdo trabalhado ter sido satisfatória, o poder argumentativo da implicação do conhecimento científico de química com a temática trabalhada e as questões da vida prática não foram bem exploradas pelos estudantes na construção de seus mapas. Nessa perspectiva, a contextualização do ensino de química pode contribuir para que o estudante melhore sua capacidade de utilização dos recursos culturais para poder melhor explicar o impacto dos conhecimentos científicos na vida em sociedade. 5

Considerações finais A proposta de ensino de química, contextualizada por meio do tema organizador citronela, contribuiu para que os estudantes, em sua maio-

70

6

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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


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Relato de Experiência 03 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

p. 72-78

Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio Thematic Discipline of Chemistry: space for citizen formation of high school students Leandro Severino de Oliveira1, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão2, Vanúbia Pontes dos Santos2, Umberto Gomes da Silva Junior3 e Jailson Machado Ferreira3

Resumo O presente trabalho tem por finalidade mostrar a importância do planejamento e desenvolvimento de uma disciplina de Química para o Ensino Médio, baseada na contextualização, interdisciplinaridade e experimentação no Ensino de Química. Oferecida pelo Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Licenciatura em Química aos alunos do Ensino Médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), a disciplina de Química buscou contribuir para a formação de cidadãos que estejam preparados para fazer uso de conhecimentos químicos necessários a sua participação efetiva na sociedade. Em consequência dos resultados provenientes do processo de ensino e aprendizagem, destaca-se a relevância que esta disciplina proporcionou ao Ensino de Química na comunidade discente do IFPB. Palavras-chave: Ensino médio; Ensino de Química; Cidadania.

1. Graduando em Licenciatura em Química no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Campus João Pessoa / Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET). 2. Graduada em Licenciatura em Química no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Campus João Pessoa. 3. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Campus João Pessoa / Orientador.


Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio

Abstract This paper aims to expose the planning and development of a Chemistry Course for High School, using the context, interdisciplinarity and experimentation in Chemistry Teaching, offered by Tutorial Education Program (PET) of the Bachelor’s Degree in Chemistry students of the School of IFPB. The Chemistry course sought to educate citizens who are prepared to make use of chemical knowledge necessary for their effective participation in society. In consequence of the results from the process of teaching and learning, highlights the relevance that this provided the Teaching of Chemistry in the city of João Pessoa - PB. Key-words: High school; Chemistry teaching; Citizenship.

1

Introdução

como construção histórica, relacionada ao desenvolvimento tecnológico e aos muitos aspectos da vida em sociedade (Brasil, 2002, p. 87).

O presente trabalho, cuja temática central é o Ensino de Química, configurou-se na necessidade de denotar à referida disciplina, um caráter tal que estimule os alunos do ensino médio a serem críticos mediante as transformações do mundo que os cerca. Levando-se em conta que a cidadania dar-se-á na participação efetiva dos indivíduos na sociedade, torna-se evidente que eles devem possuir conhecimentos químicos e científicos que lhes subsidiem na compreensão dos fenômenos que ocorrem ao seu redor (Santos; Schnetzler, 2010). O aprendizado de Química durante o Ensino

Desta forma, faz-se necessário que o Ensino de Química componha em suas raízes a interdisciplinaridade, a contextualização e a experimentação, ações pedagógicas que visem atender os anseios de um ensino de qualidade e significativo para os estudantes, de forma que os mesmos possam utilizar o conhecimento desenvolvido em sala de aula em seu ambiente comunitário. Nesse sentido, Silva (2006) expõe o objetivo social que a escola deve desempenhar na vida escolar do indivíduo: A cidadania é conquistada durante o nosso desenvolvimento, podendo ser percebida rapidamente ou não, dependendo do meio que o sujeito vive. Por isso, a escola deve ter como objetivo, o desenvolvimento do aluno voltado para soluções de problemas que beneficiem a comunidade (Silva, 2006, p. 49).

Médio deve possibilitar que o aluno desenvolva habilidades e competências que lhe permitam a compreensão tanto dos processos químicos em si quanto da construção de um conhecimento científico em estreita relação com as aplicações tecnológicas e suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas (PCNEM, 1999, p. 107). Dessa forma, foi esta-

belecido nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN +) que: [...] a Química pode ser um instrumento da formação humana que amplia os horizontes culturais e a autonomia no exercício da cidadania, se o conhecimento químico for promovido como um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade, se for apresentado como ciência, com seus conceitos, métodos e linguagens próprios, e

Segundo Santos e Schnetzler (2010) a presença da Química no dia a dia das pessoas é mais do que suficiente para justificar a necessidade de o cidadão ser informado sobre ela (p. 15).

No Ensino da Química, existem vários temas que podem ser utilizados pelo professor como ponto de partida para a contextualização de suas aulas. O pesquisador Chassot (1993) argumenta que a Química contextualizada é aquela em que

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Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio

o indivíduo aplica os conhecimentos na explica-

em Química do IFPB, Campus João Pessoa, plane-

ção dos diversos fenômenos químicos presentes

jou e desenvolveu uma disciplina de Química vol-

em sua vida cotidiana. Logo, ensinar Química de

tada para os alunos do Ensino Médio da referida

modo contextualizado é abrir as janelas da sala de

instituição. Este, por sua vez, teve como objetivo a

aula para o mundo, é promover relação entre o que se

formação de cidadãos que possam compreender a

aprende e o que é preciso para a vida (Chassot, 1993,

Química como uma ciência indispensável em suas

p. 47). O processo de corrosão em estruturas metá-

vidas e nas relações que os mesmos estabelecem

licas próximas ao mar, as doenças causadas pela

com o meio ambiente e com a sociedade.

poluição atmosférica e as novas fontes energéticas que estão adentrando no país são todos exemplos que podem ser destacados no ensino de Química.

2

Metodologia

Outra possibilidade de ação pedagógica a ser

A metodologia desse trabalho se deu em três

desenvolvida, complementar à contextualização,

importantes momentos, os quais serão descritos a

é a abordagem interdisciplinar dos conteúdos.

seguir:

De acordo com Fazenda (2000), a interdiscipli-

Primeiro momento: planejamento do curso

naridade é uma exigência natural das ciências, no

2.1

sentido de uma melhor assimilação da realidade

A disciplina de Química para o Ensino Médio

que vivemos. A partir dessa perspectiva, a autora

foi concebida, durante os últimos meses do ano de

defende que a interdisciplinaridade não é uma

2010, tendo como base estrutural as experiências

categoria de conhecimento, mas sim de ação, de

vivenciadas em aulas de núcleo com os alunos dos

atitudes. Nesse caso, a atitude do professor é con-

cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio do

siderada como eixo principal, e responsável, do

IFPB, bem como a aprendizagem desenvolvida

processo interdisciplinar.

ao longo das disciplinas pedagógicas da gradua-

Entretanto, não se pode perder de vista que as

ção em Licenciatura em Química. Com o intuito

aulas práticas de Química são de suma importância

de tornar as aulas de núcleo, até então baseadas na

para sua compreensão, visto que esta é uma ciên-

metodologia expositiva, em um espaço de expe-

cia basicamente experimental. A experimentação

rimentação e aplicação de novas metodologias

no ensino pode ser compreendida como uma ati-

educacionais no Ensino de Química, planejou-se

vidade que permite a articulação entre fenômenos

a disciplina valendo-se da interdisciplinaridade,

e teorias. Assim, a aprendizagem de Ciências, tal

experimentação e contextualização, com vista à

como a Química, deve ser sempre uma relação

formação de cidadãos que estejam preparados para

constante entre o fazer e o pensar em sala de aula

fazer uso de conhecimentos químicos necessários

(Santos; Maldaner, 2010). Logo, as atividades

à participação efetiva na sociedade.

experimentais não devem apenas servir para verifi-

Durante o planejamento foram estabelecidos os

car aquilo que foi ministrado teoricamente em sala

temas de cada aula segundo os nove pilares estru-

de aula, mas deve garantir que esse momento crie

turadores expostos no PCN+ Ensino Médio, os

condições para o desenvolvimento de habilidades,

quais são uma maneira de selecionar e organizar os

tais como: planejar, refletir, analisar, compreender,

conteúdos de forma a permitir o desenvolvimento

descrever e desenvolver ideias.

de um conjunto de conhecimentos em torno de um

Diante das considerações anteriores, o Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Licenciatura

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eixo central. Sendo assim, escolheu-se 9 unidades temáticas, como constam no Quadro 1.

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Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio

Quadro 1.  Unidades temáticas estruturadas a partir de temas geradores. Temas Estruturadores

Unidades Temáticas

1. Reconhecimento e Caracterização das Transformações Químicas;

• Conhecendo a matéria e suas transformações físicas e químicas • Por que o gelo flutua?

2. Primeiros Modelos de Constituição da Matéria;

• A Química do Cabelo Elétrico

3. Energia e Transformação Química;

• Reações Químicas • Maresia: como ocorre?

4. Aspectos Dinâmicos das Transformações Químicas;

• Porque os óculos fotocromáticos mudam de cor?

5. Química e Atmosfera;

• Química da Atmosfera • A Química dos Refrigerantes

6. Química e Hidrosfera;

• Água Mole e Pedra Dura • Mar: uma grande solução

7. Química e Litosfera;

• Quem é Lutécio? • O Fantástico Mundo dos Polímeros

8. Química e Biosfera;

• • • •

9. Modelos Quânticos e Propriedades Químicas.

• Fogos de Artifício: um espetáculo químico • A Química dos Metais

Petróleo: o ouro negro Bafômetro: como funciona? Zumbis existem? Como domar o seu dragão?

Em seguida, estabeleceram-se os recursos

templavam o modelo dialógico associado a experi-

didáticos de acordo com o perfil de cada aula.

mentos práticos de Química. Tais aulas aconteciam

Foram estes: quadro, datashow, modelos molecu-

tanto no Laboratório de Química, como também na

lares, vídeos, livros, artigos, entre outros. Além

sala do grupo PET Química IFPB, sendo ministra-

disso, propôs-se a metodologia construtivista para

das pelos alunos bolsistas do PET, sob a supervisão

o planejamento das aulas, por esta reunir várias

e acompanhamento do Tutor do grupo, que tam-

tendências atuais do pensamento educacional e por

bém é docente do quadro efetivo de professores do

levar em consideração a aprendizagem como um

curso de Licenciatura em Química.

processo interligado às experiências vivenciadas

As aulas eram iniciadas com uma situação-pro-

pelos estudantes. Estas e outras informações, no

blema, a partir da qual eram geradas discussões

que diz respeito à quantidade de vagas disponíveis

a respeito do referente tema a ser contemplado,

aos estudantes e o período de realização da disci-

tomando como base a leitura de textos, artigos e

plina, constavam no Plano de Curso, como tam-

experiências vivenciadas pelos estudantes. Em

bém os planos das respectivas aulas.

seguida, abordava-se o conhecimento químico e

2.2

Segundo momento: realização da disciplina

A disciplina de Química iniciou-se no dia 14 de março de 2011, e seu término foi em 12 de dezem-

científico do tema, enfatizando o método científico da construção desse conhecimento pelo homem ao longo da sua manipulação e estudo da ciência Química.

bro de 2011, com carga horária total de 88 horas. As 2.3

aulas ocorreram nas segundas feiras no intervalo de 8h00min as 11h30min, com a presença de 20

Terceiro momento: avaliação da aprendizagem e da disciplina

estudantes dos quatro anos do Técnico Integrado ao

A avaliação deve ser concebida de forma pro-

Ensino Médio do IFPB. As aulas ministradas con-

cessual e formativa, sob os condicionantes do

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Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio

diagnóstico e da continuidade (BRASIL, 1999).

Temas como “Química na Atmosfera” e

Desta forma, a avaliação do curso era orientada

“Química do Petróleo” puderam levantar situa-

para as vertentes envolvidas: docentes e discentes.

ções-problemas em que foram discutidos efei-

Ao término das aulas, os professores minis-

tos socioeconômicos, ambientais e tecnológicos.

trantes discutiam a atividade com o restante do

Nenhum conhecimento específico de química foi

grupo PET Química a fim de avaliar o seu desen-

esquecido; pelo contrário, foi possível abordá-los e

volvimento. Neste momento, eram mencionados

relacioná-los com saberes interdisciplinares, escla-

os aspectos mais relevantes e as maiores dificulda-

recendo dúvidas e contribuindo para o enriqueci-

des encontradas, a fim de melhorar o processo de

mento cultural dos educandos.

ensino aprendizagem. Esta avaliação dos professo-

Para Pinheiro et al. (2007), novas formas de

res faz-se necessária, já que havia um revezamento

trabalho em sala de aula deverão ser propostas,

dos integrantes do grupo PET Química na condu-

pois fazem-se necessárias metodologias de ensino

ção das aulas da disciplina, e é de suma importân-

e de avaliação que estimulem a iniciativa dos

cia que todos os professores acompanhem a evolu-

estudantes. Dessa forma, caso persista o processo

ção dos discentes no ensino básico, seja intelectual

ensino-aprendizagem atual, não será formado

ou socialmente.

um cidadão dotado das habilidades que o Ensino

Já a avaliação dos alunos era realizada de

Médio pretende. Urge pensar em novas formas de

acordo com o plano de aula apresentado pelos

trabalho, de metodologia, de enfoque e de postu-

professores no planejamento da disciplina. Assim,

ras. É preciso estimular o aluno a desenvolver a

propiciava-se a avaliação como um momento

adaptabilidade e flexibilidade, formando-o como

investigativo da autonomia do processo de apren-

pessoa que tome decisões, avalie o papel das deci-

dizagem dos alunos, utilizando-se de instrumentos

sões humanas na determinação da sobrevivência e

avaliativos tais como: prova (objetiva/disserta-

da vida na sociedade futura.

tiva); seminário; trabalho em grupo; debate; rela-

Dessa forma, devido às ferramentas utilizadas

tório pós-experimentação; auto avaliação e obser-

nas aulas, como lúdicos, práticas experimentais,

vação escolar.

relatórios, listas de exercícios, seminários etc. ampliaram-se as técnicas de avaliação, que leva-

3

ram em consideração o desenvolvimento proxi-

Resultados e discussões

mal, a evolução formativa, postura e conhecimento

A utilização de temas do cotidiano na disci-

específico da disciplina Química, dente outros.

plina proposta levou os discentes a participarem

Trazendo em contrapartida a avaliação da dis-

de aulas dinâmicas, interdisciplinares e contex-

ciplina, foi aplicado um questionário pós-disci-

tualizadas, que alcançaram uma formação eficaz,

plina aos alunos, contendo alguns questionamen-

nas quais os alunos puderam compreender melhor

tos referentes ao método de ensino utilizado pelos

fenômenos ocorrentes a nossa volta. Sendo assim,

ministrantes, sugestões de aprimoramentos e a

encontramos um caminho onde é possível sairmos

contribuição da ciência para sua formação cidadã

do senso comum ao saber científico, associando as

a partir dos temas trabalhados em sala de aula.

transformações cotidianas aos conhecimentos das

Em relação à motivação para aprender Química,

ciências, buscando formar cidadãos críticos e atu-

proporcionada pela disciplina, foi unânime a res-

antes na sociedade, dispostos a diagnosticar pro-

posta entre os alunos, em que eles afirmaram esta-

blemas e encontrar as possíveis soluções.

rem motivados, com justificativas muito positivas

76

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio

como, por exemplo: “o curso me apresentou mui-

vidos, visto que estes estão inseridos no curso de

tas coisas novas e muitas experiências surpreen-

Licenciatura em Química, que proporciona uma

dentes que explicam acontecimentos do meu dia

visão paradigmática do ensino de química, à luz

a dia.” Quanto à metodologia de ensino utilizada

da interdisciplinaridade e contextualização. Sendo

pelos ministrantes obteve-se respostas como: “os

assim, tornar concreta esta visão de um ensino

professores são dinâmicos, comunicativos e ami-

diferenciado para alunos do Ensino Médio, pro-

gáveis. Se relacionam conosco e nos tratam de

porciona uma sensação de êxito profissional.

igual para igual.” Tais situações trazem à tona que

As metas objetivadas da disciplina foram cum-

o objetivo de um ensino dialético, no qual o pro-

pridas e todo o conteúdo programático foi efeti-

fessor e o aluno socializam os conhecimentos, foi

vamente concluído. A repercussão da disciplina de

alcançado, fazendo assim com que o aluno possa

Química dentro do IFPB foi bastante significativa,

se sentir mais à vontade para expor suas dúvidas e

o trabalho de todo um ano letivo foi reconhecido

compartilhar experiências vividas.

e a disciplina passou a ter caráter de extensão, abrangendo, desta forma, toda a comunidade em

4

seu entorno.

Conclusão Tendo em vista os expostos do PCN+ (2002), que ressalta que a ciência química pode ser um instrumento da formação humana que amplia os horizontes culturais e a autonomia no exercício da cidadania, a disciplina de Química para o Ensino Médio apropria-se desse novo modelo de ensino para promover o conhecimento como um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade. Dessa forma os estudantes podem julgar com fundamentos as informações advindas da tradição cultural, da mídia e da própria escola e tomar decisões autonomamente, enquanto indivíduos e cidadãos (Brasil, 1999).

A aprendizagem efetiva dos alunos foi possibilitada pela metodologia aplicada pelos docentes. De maneira dinâmica e construtivista, os discentes puderam perceber a disciplina Química e tornarem-se sujeitos críticos, capazes de opinar e modificar a sociedade que os cercam. Sendo assim, as aulas, por partirem de temas geradores e por estes requererem um pensamento interdisciplinar, possibilitaram aos discentes uma contribuição essencial na concretização do processo de ensino/aprendizagem. A experiência docente vivenciada pelos integrantes do PET Química contribuiu significativamente para a formação profissional dos envol-

5

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Química Verde 01 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

p. 79-92

Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental: possíveis influências na formação de professores de Química Comprehensions of Chemists Researchers on Environmental Sustainability: possible influences on Chemistry teacher formation Carlos Alberto Marques1, Franciani Becker Roloff2, Leonardo Victor Marcelino2, Leila Cristina Aoyama Barbosa2 e Aniara Ribeiro Machado2 3 RESumo Este artigo analisa possíveis influências na formação de professores de química e suas compreensões acerca da relação entre química e sustentabilidade ambiental, considerando suas respostas a um questionário investigativo e suas produções científicas. A aplicação da técnica de Cluster indicou a formação de subgrupos de acordo com a semelhança das respostas nas quais os fatores de separação auto-organizada entre os grupos convergiram, tanto na consideração da limitação entrópica ao desenvolvimento sustentável, quanto na conservação das massas e uso de fontes renováveis. Apesar de todos justificarem motivações ambientais em suas produções acadêmicas, suas respostas apontam: que tais relações de significado são pouco claras para uma crença na ciência e na tecnologia como resolução aos problemas ambientais; e, ainda, a “ausência” de olhar crítico sobre os limites termodinâmicos ao alcance da Sustentabilidade Ambiental. Palavras-chave: Termodinâmica; Sustentabilidade ambiental; Formação de professores de química. 1. Departamento de Metodologia de Ensino, Universidade Federal de Santa Catarina. 2. Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina. 3. Agradecemos ao CNPq – Projeto Universal 47346/2010-2; à CAPES por meio do Acordo Internacional CAPES-FCT (Projeto 289/11) e aos pesquisadores que participaram da pesquisa.


Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

Abstract This paper analyzes possible influences of Chemistry researcher’s comprehensions about the relation between their scientific area and environmental sustainability upon Chemistry teachers’ formation, based on a survey and on their scientific production. The Cluster technique was applied and indicated the formation of groups and subgroups by resemblance of answers and differences concerning both to the entropic limitations to sustainable development, to the mass conservation and to the use of renewable resources. Despite all the selected Chemistry researchers approach environmental concerns in their papers, their answers point out: that these relations are not made clear to a belief in the ability of science and technology to solve environmental problems; and yet to the “absence” of a critical view on the thermodynamic limits to the reach of environmental sustainability. Key-words: Thermodynamic; Environmental sustainability; Chemistry teacher formation.

1

causar danos ao ambiente. Visando responder parte

Introdução

dos problemas ambientais gerados pela própria

A busca pela sustentabilidade na dimensão

química, emerge, nos anos 90, a chamada Química

ambiental compreende, entre outras medidas, o

Verde (QV), que pode ser definida como a utiliza-

uso racional dos recursos naturais e a melhoria na

ção de técnicas químicas e de metodologias que

eficiência técnica quanto às transformações mate-

reduzem a geração de produtos nocivos à saúde

riais e ao uso da energia. Todavia, por mais jus-

humana ou ao ambiente (Anastas; Warner, 1998).

tas que sejam as medidas para a manutenção das

Marques et al. (2013) comentam que a QV vem

condições de vida e para a diminuição da degrada-

contribuindo para o desenvolvimento científico e na ino-

ção do meio ambiente, isso não fornece garantias

vação tecnológica associada à sustentabilidade (p. 914),

quanto ao futuro do planeta e da vida. Portanto,

ainda que um dos autores tivesse, em artigo poste-

é preciso alterar o atual ritmo e forma de desen-

rior (Marques; Machado, 2014), salientado sobre

volvimento devido aos limites impostos pelas leis

os limites que os postulados termodinâmicos têm

da termodinâmica, especialmente, da Segunda Lei

imposto à própria ideia-força da sustentabilidade

(Georgescu-Roegen, 2012; Nascimento, 2012).

ambiental (SA) e do desenvolvimento sustentá-

Aliada à problemática da sustentabilidade, a

vel (DS). Além disso, ressaltam que, embora em

complexidade de fatores envolvidos nas trans-

menor grau, existe a necessidade das práticas da

formações e degradação do ambiente, o enfren-

QV orientarem o ensino da química e a formação

tamento da crise ambiental e a minimização dos

dos químicos (incluindo seus professores) nas

impactos sobre o meio biofísico requerem o com-

questões relacionadas ao ambiente (Marques et

promisso das diversas áreas do saber (Roloff;

al., 2013). Do mesmo modo, Karpudewan, Ismail

Marques, 2014). Neste contexto, a Química repre-

e Roth (2012) consideram que os futuros profes-

senta um papel importante, pois algumas de suas

sores da área tenham uma base sólida de conhe-

atividades geram produtos e resíduos que podem

cimentos químicos capazes de articular e discu-

80

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

tir questões ambientais em sala de aula. Geiger

quências dos problemas ambientais, ou pelas con-

e Donohoe (2012), por sua vez, acreditam que a

cepções sobre a influência que recebem do atual

busca por processos químicos mais limpos, e sem

modelo de desenvolvimento: I) a produção de

efeitos nocivos ao ambiente – cuja redução se dará

mais mercadorias, utilizando-se de menos recursos

mediante o uso de solventes orgânicos ou rea-

naturais e energia (Solow, 2000) e argumentando-

gentes tóxicos, conforme propõe a QV –, seja um

-se em favor da maior eficiência tecnológica; II) a

excelente modo de abordar questões ambientais no

definição-conceito de DS, formulada no Relatório

curso de Química.

Brundtland (WCED, 1987), em que o uso racional

Devido à importância das relações entre essas

e parcimonioso dos recursos naturais garantiria o

dimensões para a formação de professores, julga-

desenvolvimento sem comprometer as necessidades

mos necessária a investigação de possíveis inter-

das gerações futuras (na busca por uma economia

ligações entre a sustentabilidade e aspectos eco-

socioambiental mais eficiente que poupe energia e

nômicos, sociais e ambientais, buscando mostrar

recursos naturais) (Nascimento, 2012); e III) a que

em que medida as ciências da natureza, incluindo

considera que o atual modelo de desenvolvimento

a Química (Verde), podem atuar nesse importante

nos levará à autodestruição, sendo necessário um

e urgente tema. Para tal propósito, no presente tra-

decrescimento econômico (Latouche, 2012). Essa

balho, apresentamos resultados complementares

corrente se fundamenta, dentre outras linhas, na tese

de uma pesquisa anterior (Marques et al., 2013),

de Georgescu-Roegen (2012), cujo autor afirma que

por meio de análise qualitativa das respostas de

o processo econômico, do ponto de vista puramente

pesquisadores químicos a um questionário, com o

físico, não faz mais do que transformar recursos natu-

objetivo de caracterizar suas compreensões sobre

rais de valor (baixa entropia) em resíduos (alta entropia)

o significado e o alcance dos termos SA e DS no

(p. 62). Portanto, a produção econômica é, no fundo,

âmbito da Química, apontando para possíveis des-

uma transformação entrópica.4

dobramentos na formação de professores da área.

Ao se considerar as hipóteses sobre os efeitos do desenvolvimento (econômico) ancoradas por tais

2

Limites termodinâmicos à sustentabilidade ambiental

vertentes, é preciso levar em consideração que a física e a química, em particular, podem contribuir para um melhor entendimento acerca dessas “ameaças”. Isso

Parece consenso que o futuro da humanidade

seria possível a partir de alguns de seus princípios e

esteja ameaçado (IPCC, 2000) e que as causas disso

de conhecimentos científicos já estabelecidos, espe-

residiriam, principalmente, no aquecimento global.

cialmente os postulados da termodinâmica, como

Tal constatação resulta no enunciado de quatro ver-

também no desenvolvimento de alternativas tecno-

sões dessas ameaças: I) comprometimento da manu-

lógicas. Nesse sentido, é necessário que a Química

tenção do planeta Terra; II) obstáculo à existência

reveja como tem encarado esse desafio societário da

da vida em geral; III) extinção do gênero humano;

busca pela SA, o que implicaria no reconhecimento,

e IV) degradação das condições de vida humana

dentre outras coisas, da ineficácia de seus paradigmas

– vertente que incorpora as variáveis socioeconô-

clássicos da diluição e do risco (Thornton, 2000).

micas e ambientais em sua análise (Nascimento, 2012). Como consequência disso, três proposições são sugeridas para o seu enfrentamento, as quais se distinguem, ou pelo modo como avaliam as conse-

4. Maiores caracterizações sobre os fundamentos defendidos por Georgescu-Roegen que relacionam os postulados termodinâmicos e a SA são encontrados no trabalho de Barbosa e Marques (2013).

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

81


Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

3

vendo a QV no Brasil, que mostrou que ainda há

Sustentabilidade ambiental no contexto de formação de professores de Química

pouca disponibilidade de propostas de atividades e materiais para serem incluídos em conteúdos pro-

Uma das principais características dos cursos

gramáticos de ensino, apesar do crescente aumento

para a formação de professores é a inserção de dis-

de exemplos de utilidade da QV no enfrentamento

ciplinas pedagógicas no currículo dos bacharela-

dos problemas de prevenção ambiental.

dos (Gauche et al., 2008), cujo modelo, segundo

Considerando-se a importância do tema da SA,

Gatti (Gatti, 2010, p. 1357), foi consagrado no iní-

busca-se problematizá-lo e analisá-lo do ponto de

cio do século XX para as licenciaturas. Esse modelo,

vista do reconhecimento da ideia-conceito nele

por sua vez, desfavoreceu orientações mais inte-

contida, de suas formas históricas de apropria-

gradoras, como a formação disciplinar/formação

ção, uso e discussão. É nesse âmbito que se julga

para a docência, favorecendo abordagens mais

importante analisar se os pesquisadores químicos

disciplinares e conteudistas. No entanto, através

veem esse tema enquanto um “desafio” e como

desses aspectos, é possível entrever que, tanto a

isso os orienta na atuação profissional, pois, em

formação inicial quanto a continuada, incluindo a

suma, são formadores de professores de Química.

de professores, é relevante e demanda pesquisas

As ideias por eles expressas, ao interpretarem e

(Gonçalves, 2009). Do mesmo modo, é igual-

responderem às perguntas do questionário de pes-

mente importante o desenvolvimento de estudos

quisa – assim como a análise de vários de seus arti-

que envolvam a inserção de temas ambientais e de

gos publicados – podem possibilitar uma melhor

aspectos interdisciplinares ao ensino de química,

compreensão acerca de como percebem a relação

como os que tratam da questão da SA e do DS.

da Química com a SA e o DS, além de indicar pos-

Sendo assim, as Diretrizes Curriculares

síveis compartilhamentos de suas ideias e práticas

Nacionais para os Cursos de Química expres-

com a comunidade científica da área.

sam uma preocupação com uma formação mais geral dos estudantes, reforçando que o ensino de Química deve compreender e avaliar criticamente os

4

Procedimentos metodológicos

aspectos sociais, tecnológicos, ambientais, políticos e

A análise apresenta uma abordagem qualita-

éticos relacionados às aplicações da Química na socie-

tiva ao englobar a obtenção de dados descritivos,

dade (Brasil, 2001, p. 7, grifo nosso).

referindo-se e dialogando com os resultados da

Nesse sentido, Maximiano et al. (2009) des-

pesquisa de Marques et al. (2013), cujo universo

tacam que a existência dos problemas ambientais

amostral incluiu 456 pesquisadores nível 1 (A, B,

e suas consequentes implicações econômicas exi-

C, D) do Conselho Nacional de Desenvolvimento

gem novos desafios aos profissionais de química,

Científico e Tecnológico (CNPq) – Área da

ao ressaltarem a necessidade da abordagem de tais

Química. Por meio de uma carta-convite e de um

aspectos no ensino dessa ciência, haja vista que a

link de acesso, obteve-se a resposta de 82 pes-

necessária consciência para a sustentabilidade, deverá

quisadores ao questionário de pesquisa.5 Este era

orientar a atuação do profissional de química seja no

formado por Nove questões de múltipla escolha

sistema produtivo, seja como educador em quaisquer níveis de ensino (p. 399). Algo também salientado

por Zuin e Marques (2014a, 2014b) ao analisarem ideias e práticas expressas em produções envol-

82

5. O questionário utilizado se encontra no material suplementar do artigo de Marques et al. Sustentabilidade ambiental: um estudo com pesquisadores Químicos no Brasil. Química Nova, v. 36, n. 6, p. 914-920, 2013.

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

(em grau de concordância) que, por sua vez, se

suas produções acadêmicas, constituem-se como

dividiam em quatro blocos: 1) definição concei-

um conjunto de especialistas que dissemina ideias

tual de desenvolvimento sustentável (conforme

buscando relacionar química e meio ambiente.

o Relatório Brundtland) (WCED, 1987); 2) defi-

A fim de avaliar esses indícios, comparou-se o

nição conceitual de SA quanto à sua amplitude;

conjunto de escolhas (respostas) de cada pesqui-

3) relação entre os fenômenos químicos e a SA;

sador com as de outros pesquisadores dentro de

e 4) compreensões sobre os paradigmas clássicos

F1, por meio da técnica de Análise Multivariada

da Química (risco e diluição) e a sinalização de

de Agrupamento Hierárquico – Técnica de Cluster

um “paradigma ecológico” (Thornton, 2000). O

(Scatena, 2005; Cohen et al., 2003). O uso dessa

foco desta análise corresponde às primeiras cinco

técnica permitiu levantar e discutir aproximações

questões do questionário (blocos 1, 2 e 3), por se

e/ou distanciamentos entre as respostas acerca dos

referirem mais diretamente às compreensões de

entendimentos compartilhados relacionados aos

SA e DS. As demais questões não foram analisa-

conceitos e às situações apresentadas nas pergun-

das devido ao escopo alargado, o que expandiria

tas do referido questionário, cujo tema focava os

consideravelmente este trabalho.

limites à SA.

Na pesquisa atual, buscamos traçar o perfil acadêmico de cada um dos 82 pesquisadores que responderam ao questionário por meio do currículo na Plataforma Lattes do CNPq, seguido

5

Análise de cluster: algumas explicações metodológicas

de um levantamento e análise de artigos por eles

A Análise Multivariada de Agrupamento

publicados, a fim de verificar quais abordavam

Hierárquico (conglomerados ou Cluster) permite

questões ambientais. Para o acesso às publicações,

classificar sujeitos entre si, o mais próximo pos-

utilizamos as plataformas de pesquisa Scifinder

sível, dentro de um grupo, e este, o mais distante

e Google Acadêmico, com as seguintes palavras-

possível, de outros grupos, sendo útil para detectar

-chaves: green chemistry, environment, environ-

a percepção do coletivo sobre temáticas educativas

mental sustentability e sustainable development.

(Cohen et al., 2003) e da área ambiental (Scatena,

Dessa busca, resultaram 565 artigos, os quais

2005). Usamos o programa Statistical Pack for

foram analisados através de uma leitura crítica do

Social Science (SPSS, 21ª versão), da IBM, para

resumo, palavras-chaves, introdução, justificati-

a análise de agrupamentos hierárquicos, a progra-

vas e das referências bibliográficas. Observou-se,

mação de aglomeração e o método de Ward, em

principalmente, se estas serviam de referência e

conjunto com a distância euclidiana quadrada.

sustentação às ideias gerais de seus autores às res-

Buscando validar os resultados iniciais obtidos,

postas que haviam dado ao questionário, sobretudo

repetimos a análise dos dados com outro programa

aquelas relacionadas à QV, à SA e ao DS. Após

(Action, versão 2.4.163.322), obtendo os mesmos

esse momento, encontramos 15 pesquisadores

resultados.

que utilizaram, em seus trabalhos, um conjunto de

Por outro lado, para uma adequação das res-

referências internacionais e/ou nacionais de auto-

postas do questionário à escala Likert (Carifio;

res considerados precursores da QV e que, ao dis-

Rocco, 2007), fizeram-se as seguintes relações:

cuti-la, estabeleciam alguma relação com a SA e o

1 = muito em desacordo; 2 = em desacordo; 3 =

DS. Esse grupo, chamado de F1, foi o objeto desta

indiferente; 4 = de acordo; e 5 = muito de acordo.

investigação, pois compreendemos que, devido às

Entretanto, para as questões 5A e 5B, assim se

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

83


Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

relacionou: 5 = muito; 4 = pouco; 3 = indiferente;

25

2 = nenhuma; e 1 = não se relaciona (sobre isso, conferir os Resultados).

Corte 1

20

Esse tipo de análise gera um gráfico chamado dendrograma, ao plotar os casos (pesquisados) Distância relativa

versus a distância euclidiana relativa entre suas respostas. Quanto mais próximo do zero, menor a distância entre os casos e, portanto, maior a similaridade entre suas compreensões. Quanto maior

15

10

Corte 2

a distância, maior o afastamento entre os grupos.

GC

GB GD

GA

5

Convenciona-se dizer que a mudança abrupta de distâncias é um fator decisivo para a separação de agrupamento, com o auxílio de teorias que possam recomende um número mínimo de 25 casos para

P03

P37

P74

P56

P33

P78

P75

P44

P24

P59

P22

P17

P48

P54

P15

0

auxiliar na divisão. Embora a técnica de Cluster

Pesquisadores

se considerar uma análise mais segura, operou-se

Figura 1.  Agrupamento de pesquisadores do grupo F1 a partir de suas respostas às questões sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, sua extensão e limitações.

com 15 deles, o que não diminui a confiabilidade dos agrupamentos, uma vez que foi comparada com as análises das respostas dos questionários e com a produção científica dos pesquisados. Ou

Paralelamente à análise de Cluster, com o intuito

seja, apoiou-se numa teoria que embasasse os

de atestar a consistência dos subgrupos formados,

agrupamentos formados, conforme recomenda

aplicamos, ainda, o método da matriz de correlação

essa metodologia analítica (Cohen et al., 2003).

(Cohen et al., 2003), o qual demonstrou aproximação e precisão com os grupos gerados na análise de

6

Cluster. Realizamos também uma pesquisa de agru-

Resultados

pamentos com os demais pesquisadores químicos investigados, além de F1, com 67 sujeitos.

No dendrograma (Figura 1) que representa as

Um esquema geral dos posicionamentos de F1

respostas fornecidas pelos pesquisadores constituin-

é visto no Quadro 1.

tes do grupo F1, observa-se que o primeiro aumento abrupto de distância está entre os pontos 5 e 10 do eixo vertical da figura, ponto em que se fez o “corte 1” para a delimitação dos subgrupos. Temos, assim,

7

Análise das respostas dos subgrupos

quatro subgrupos, compostos e denominados: GA:

É interessante notar que GA, ao reconhecer

P75, P78, P33, P56, P74, P76, P37, P03; subgrupo

suas diversas dimensões, assume concordar com

GB: P24; subgrupo GC: P15, P17, P22, P59, P48,

a definição-conceito de Brundtland, mas também

P54; e por fim, subgrupo GD: P44.

com a limitação do uso sustentável de materiais

6

renováveis e com a necessidade de uso condicional. O grupo igualmente acredita que existe a pos6. Aqui, a letra “G” representa os grupos formados, enquanto a letra “P” foi utilizada para codificar cada um dos pesquisadores-respondentes do questionário.

84

sibilidade de transformar os problemas em riquezas. Dessa aparente contradição, contudo, pode resultar a indiferença quanto ao papel da inovação

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014 MdA MdA

NsR NsR

ind dA

Pca Pca

4C - O princípio de Lavoisier sobre a conservação da matéria é fundamental para a sustentabilidade, uma vez que propicia que se trabalhe para a eliminação de problemas ambientais por meio de reações e processos químicos, o que permitirá transformar as causas de tais problemas em riqueza e bem-estar das pessoas.

Apesar do princípio da conservação da energia, os fenômenos 5A - A relação entre Sustentabilidade Ambiental e Degradação da Energia é direta. químicos envolvem degradação de energia. Isso permite concluir que: 5B - Que extensão essa degradação afeta a sustentabilidade ambiental é:

À primeira vista, o argumento de que existe uma contradição insuperável entre um mundo com recursos finitos e um crescimento ilimitado da produção é convincente, reforçando a idéia de que a sociedade humana se defronta, em sua evolução, com limites físicos. Segundo esta compreensão:

3C - O uso condicional deverá ser determinado local e temporalmente de forma que seu consumo não ultrapasse a formação de novos estoques.

Manter um Estado de Equilíbrio (EEq) é uma das definições de 3A - Um EEq é dinâmico e as mudanças no meio ambiente se cancelam. Desenvolvimento Sustentável. Isto significa que: 3B - Manter este EEq pode implicar no uso condicional dos recursos renováveis.

4B - O desenvolvimento da tecnologia permitirá superar as limitações dos recursos ao crescimento da produção.

2F - Ética Ambiental

dA

eD

dA

2E - Social

dA

eD

dA

2D - Planejamento

4A - O uso sustentável e o regime de utilização de materiais renováveis (ex. biomassa) têm uma limitação dinâmica, que depende do nível da retroalimentação.

eD

dA

2C - Sociológica

MeD

eD

dA

2B - Econômica

dA

eD

dA

2 - Biológica

dA

eD

dA

1C - Vaga e contraditória

MeD

dA MeD

dA eD

1B - Eficiente

dA

dA

dA

1A - Suficiente

ind

O DS envolve as dimensões:

A definição-conceito de DS proposta por Brundtland é:

inp

inp

eD

ind

dA

dA

dA

eD

dA

ind

ind

dA

dA

dA

eD

dA

dA

GC

Respostas GB

GA

Questões

NsR

NsR

MeD

eD

MdA

MdA

eD

MdA

MdA

dA

eD

MdA

MeD

MdA

MdA

MeD

MeD

GD

Quadro 1.  Respostas compartilhadas pelos pesquisadores químicos nos grupos formados pelo dendrograma (dA: de acordo; MdA: muito de acordo; ind: indiferente; eD: em desacordo; MeD: muito em desacordo; Pca: pouca; NsR: não se relaciona; inp: independe).

Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

85


Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

tecnológica para superar problemas ambientais.

mento de processos mais limpos nas atividades

Eles são os únicos que veem alguma relação entre

químicas. No entanto, na análise de suas produ-

DS e entropia, ainda que pouca.

ções científicas, não foi possível apreender even-

Do levantamento relativo à trajetória acadê-

tuais ideias e afirmações, explícitas ou implícitas,

mica e produções científicas, foi possível identi-

sobre a relação que estabelecem entre os limites

ficar certo grau de compartilhamento dentro do

termodinâmicos e o alcance da SA, talvez porque

grupo GA acerca de referenciais teóricos que dis-

esse aspecto não tenha sido o foco de seus artigos,

cutem a QV, ao justificar preocupações ambientais

como observado em nosso levantamento.

envolvendo a química, no âmbito ou não da SA

O grupo GB apresenta compreensões mais

e do DS. O destaque foi quanto ao uso frequente

coerentes. É adepto da definição-conceito de

dos trabalhos de Dupont (1998) e Paul Anastas et

Brundtland, pois discorda da necessidade de uso

al. (1998, 1996). Os pesquisadores que se funda-

condicional e acredita que a inovação tecnológica

mentaram em Dupont apresentaram um olhar mais

e a conservação das massas possibilitam superar

técnico e aplicado da QV, enquanto os que cita-

problemas e transformá-los em riquezas. Para

ram Anastas, um discurso mais argumentativo, em

o grupo, DS e entropia não se relacionam. Suas

favor de uma química sustentável, ao explicitarem

produções estão mais relacionadas aos princípios

a preocupação com a SA das atividades químicas.

5 e 9 da QV, embora isso não seja explicitamente

Além disso, alguns participaram ou têm trabalhos

enfatizado nas publicações. Nos artigos analisa-

como membros de outros círculos de pesquisado-

dos, este membro compartilha autoria com colegas

res pertencentes à Química como, por exemplo,

pesquisadores de instituições do sudeste brasileiro

um coletivo que discute Economia Verde (P74).

e da Ásia, mas não aparece como primeiro autor

Três desses pesquisadores comentaram em seus

em nenhum deles, o que pode indicar um menor

artigos sobre mudanças de atitudes em relação ao

grau de envolvimento com as ideias veiculadas.

ambiente e sobre a necessidade de rever os para-

Do mesmo modo, nesses estudos, o pesquisador

digmas da Química, inclusive o ambiental (P78);

não trata diretamente sobre SA ou DS, e tam-

já outros dois, citando o Relatório Brundtland,

pouco aborda questões termodinâmicas. E, ainda

comentaram a respeito do desenvolvimento de

que trate superficialmente sobre a QV, usa-a para

uma “química sustentável” (P75 e P03):

justificar processos mais amigáveis ao ambiente,

“O grande desafio atual da Química Verde é reduzir os danos causados ao meio ambiente. Isto requer uma nova conduta química para o aprimoramento dos processos, com o objetivo de gerar cada vez menos resíduos, efluentes tóxicos e gases indesejáveis ao ambiente. Este novo caminho é chamado de química sustentável” (P03). Algo comum entre os sete pesquisadores

citando autores de referência da área, como Sheldon (2007). A eventual desconexão entre a sua área de formação e as respostas dadas ao questionário, desconsiderando os limitantes termodinâmicos ao DS e à SA, pode decorrer da aproximação de outros círculos de pensamento (pesquisadores de outras três instituições universitárias), que abordam o tema sob outro viés ou por falta de consciência acerca dessa relação limitante.

que formam o subgrupo GA, atuantes na área da

Próximo de GA, o grupo GC está de acordo com

Química Orgânica, é que seus estudos indicam

Brundtland, mas reconhece a importância do uso

uma preocupação ambiental via o desenvolvi-

condicional e da limitação dinâmica para a reno-

86

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

vabilidade. É indiferente à resolução de problemas

tizam a Química dos Produtos Naturais. Apesar

por novas tecnologias e discorda da possibilidade

de ser o mais cético quanto à ideia de DS e SA,

de transformar causas de problemas ambientais em

em seus artigos, ele se aproxima da definição-

riquezas. Argumenta que DS e entropia são con-

-conceito expressa no Relatório Brundtland, ao

ceitos que independem um do outro.

se concentrar na análise sobre problemas ener-

Do levantamento relativo à trajetória acadê-

géticos (exaurimento das fontes não renováveis),

mica e às produções científicas de GC, os seis

propondo os derivados de biomassa e da energia

pesquisadores são formados em Química, com

solar como respostas e desafios à produção, esto-

publicações recentes: de 2004 em diante. P17 se

cagem e transporte de combustíveis, pelo qual se

diferencia dos demais pesquisadores de GC por-

pode inferir atenção aos princípios da economia

que publicou um trabalho teórico sobre a forma-

atômica (princípio 2) e da eficiência energética

ção do químico em revista internacional da área

(princípio 6), conforme apregoado na QV. Sua

do ensino/educação, sendo o único que trata (por

linha de pesquisa em fontes renováveis pode tê-lo

meio da educação) da QV aliada à sustentabili-

levado a promover o tema, pensando que seu uso

dade, ainda que não referencie o termo na litera-

só colabora para manter o estado de equilíbrio, não

tura. Entretanto, percebe-se que ele se aproxima da

podendo, por isso, ser limitado.

definição de DS dada por Brundtland em seu tra-

GD, portanto, ao acreditar na criação do “com-

balho, embora esta pareça ter sido usada sem uma

portamento verde”, preocupa-se com a formação

reflexão mais crítica ou expresso um pensamento

do químico e defende a interdisciplinaridade e sus-

consolidado. Os trabalhos dos demais pesquisado-

tentabilidade para promover a QV. Para ele:

res se resumem a realizações experimentais com

“A Química Verde deve deixar de ser apenas um conceito, para ser uma atitude responsável, em que a atividade química não agrida o meio ambiente, eliminando-se ou minimizando-se, ao máximo, a produção de rejeitos e de solventes agressivos ao ambiente. Para tanto, precisamos ‘inocular’ nos estudantes e profissionais o ‘comportamento verde’. Nesse novo cenário, a inovação emerge como o principal combustível para a longevidade das corporações [...]. Os termos invenção e inovação são termos-chave na era industrial moderna e, ao mesmo tempo, inerentes à própria natureza da Química. Inventar e inovar são, pois, dois verbos que devem ser incorporados à cultura dos cursos técnicos e superiores de Química” (P44).

fundamentos na QV, com dimensões mais práticas, dos quais citamos Sheldon (2007), Anastas e Warner (1998), enquanto P17, em um trabalho mais geral, de revisão da área, cita Anastas e Kirchhoff (2002). Salienta-se, então, que P59 e P15 compartilham o mesmo grupo de pesquisa e a mesma referência que P17. GD apresenta comportamento solitário. Ele discorda da definição-conceito de Brundtland, embora concorde que um equilíbrio dinâmico é necessário ao DS. Contudo, discorda da necessidade do uso condicional de recursos para manter esse equilíbrio, mas concorda com a limitação da renovabilidade. Discorda também tanto da inovação tecnológica como solução aos problemas ambientais quanto da conservação de massas como meio de transformar causas de problemas ambientais em riquezas. Para ele, DS e entropia não se relacionam. Esse pesquisador possui douto-

Por esse trecho, parece que o autor defende a

rado em Química Orgânica e seus trabalhos enfa-

inovação (tecnológica, científica) como elemento

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014

87


Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

fundamental nesse processo de mudança da menta-

bilidade de transformá-los em riqueza devido à

lidade química, o que parece contrariar sua opinião

conservação das massas (9 respostas conformes).

no questionário. Em seus trabalhos, cita o livro

Em seus trabalhos, esses pesquisadores tendem a

Sustainability in the Chemical Industry: Grand

investigar soluções tecnocientíficas para os proble-

Challenges and Research Needs – A Workshop

mas atuais (troca de solvente, catalisadores etc.).

Report (workshop que contou com a participa-

Isso tem sua carga de importância, mas trabalhos

ção de Paul T. Anastas, Amy S. Cannon, Mary

recentes, usando métricas verdes – de avaliação da

M. Kirchhoff, entre outros), baseado no conceito

benignidade ambiental dos processos – (Machado,

de Sustentabilidade, conforme o relatório “Nosso

2014), indicam que nem sempre essas mudanças

Futuro Comum” (WCED, 1987). Com isso, justi-

são ambientalmente amigáveis. A ideia fundamen-

fica a abordagem desse conceito em suas publica-

tal parece ser resolver os problemas tecnológicos

ções, como a “aceitação” do alcance da sustenta-

com mais tecnologia.

bilidade pelo uso dos recursos renováveis, sem se referir às limitações termodinâmicas.

Em via contrária, ao estudar historicamente as visões de mundo com relação à ação humana sobre

Percebe-se que, entre os pesquisadores analisa-

a natureza e seus impactos, Rifkin (1980) propõe

dos, não há uma compreensão definida da relação

o conceito de entropia como a grande chave para

entre termodinâmica e SA. Jeremy Rifkin (1980),

uma possível mudança que possibilitará abordar os

por sua vez, aponta que a educação atual é base-

grandes problemas atuais: a degradação ambien-

ada na visão de mundo moderna, newtoniana,

tal, a falta de recursos materiais, o esgotamento

que se preocupa em promover a apropriação de

energético e as condições necessárias para a vida

“fatos” desconexos e gerar rankings por meio de

humana. Promover a entropia, portanto, como

avaliações. A era moderna, e sua visão, é a era da

elemento de visão de mundo, significa aceitar a

máquina: época da precisão, da velocidade e da

finitude das reservas materiais e a degradação de

exatidão. Nessa lógica, o mundo é analisado como

energia como linha de horizonte, guiando nossa

uma série de relações causais, desconsiderando-se

ação de transformação da matéria, de consumo e

suas interações contextuais.

de desenvolvimento econômico. Uma educação

Nesse sentido, parece ser justificável que a maio-

que propicie essa visão entrópica deve superar a

ria dos pesquisados não tenha considerado a relação

noção newtoniana de exploração de blocos isola-

entre DS e entropia, por se tratarem de temas que

dos de fatos e começar a examinar o fluxo interco-

pertencem a especialidades diferentes e que, ape-

nexo dos fenômenos. Nessa abordagem entrópica

nas recentemente, começaram a se entrelaçar nas

da educação, o mundo externo será examinado não

pesquisas. Mesmo que uma parcela significativa

como uma série de relações causais isoladas, mas como

dos pesquisadores tenha reconhecido as múltiplas

uma rede de fenômenos inter-relacionados expres-

dimensões da sustentabilidade, nenhum deles acres-

sando múltiplos cenários possíveis para movimento e

centou à lista a dimensão física (termodinâmica), na

mudança (Rifkin, 1980, p. 231). O objetivo da edu-

questão aberta que lhes havia sido oportunizada.

cação e da pesquisa vai além do entender como as

Outro reflexo da educação, contudo, de acordo

coisas acontecem, para se perguntar por que elas

com a visão newtoniana, na compreensão dos pes-

ocorrem; não apenas a transformação do mundo

quisados, é sua indiferença quanto à possibilidade

como pressuposto universal, mas a busca por pro-

da tecnologia vir a superar os problemas e à via-

longar a vida na Terra.

88

Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014


Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

8

Conclusões

As respostas dadas ao questionário da pesquisa expressaram uma visão individual e provavel-

Nossas análises sugerem que as compreensões

mente instantânea. Já as publicações analisadas e

de um pequeno número de professores formadores

utilizadas por nós, no confronto com as respostas

superam a crença ou certo senso comum quanto

dos pesquisadores, geralmente possuem caráter

ao conceito de DS à observância dos limites ter-

coletivo, sendo mais elaboradas, em que os pon-

modinâmicos ao alcance da SA. Com exceção do

tos de vista apresentados partem de uma negocia-

subgrupo GD, todos os demais pesquisados (14)

ção entre seus autores, que são assimetricamente

são favoráveis, em alguma extensão, à definição-

representados. Tais contradições entre as respostas

-conceito de DS em Brundtland, aspecto relatado

ao questionário e as ideias veiculadas em artigos se

por Marques et al. (2013) sobre os 82 pesquisado-

tornam mais compreensíveis.

res, existindo, no geral, uma concordância quanto

Como discutido, estas se fundamentam em

à eficiência e suficiência dessa definição-conceito.

uma visão de mundo mais geral e ampla, basea-

Entretanto, no que se refere aos condicionantes

das na dominação e exploração da natureza (por-

impostos pela Segunda Lei da Termodinâmica, os

tanto, também do homem) por meio de processos

quatro subgrupos formados se aglutinam em dois

fragmentados e disjuntos. Caso essas relações não

agrupamentos mais abrangentes. O primeiro, for-

sejam desveladas, problematizadas e superadas –

mado pelos subgrupos GB, GC e GD, apresentou

e, para isso, a educação química tem um grande

pouca clareza sobre a SA, além de contradições nas

papel –, podem servir à manutenção e ao reforço

respostas dadas ao questionário. Caracteriza-se,

da visão de mundo newtoniana, acelerando, cada

assim, por discordar que haja relação direta entre

vez mais, o esgotamento dos recursos naturais

degradação da energia útil (exergia) nas transfor-

(enquanto meios de subsistência humana), refor-

mações materiais e o alcance e manutenção da

çando as desigualdades sociais e precipitando o

SA. Já o segundo agrupamento (subgrupo GA)

fim da vida.

demonstrou sensibilidade e interesse pelos aspec-

Para superar essa visão, cremos que discussões

tos ambientais ao considerar a existência de limi-

que envolvam SA, DS e QV poderiam ser mais

tações físicas impostas pela termodinâmica, na

exploradas de forma multidimensional e inter-

medida em que vê pouca relação entre a SA e a

disciplinar em disciplinas do currículo de cursos

degradação de energia – ainda assim a vê.

de Química.. Tal abordagem não deve ser apenas

Por outro lado, quando a análise das respostas foi

conceitual, mas reflexiva, de modo a incitar ques-

confrontada com as produções acadêmicas dos pes-

tionamentos sobre os problemas que envolvem a

quisadores, as relações entre os aspectos termodinâ-

crise ambiental no planeta por conta das atividades

micos e a SA ainda permaneceram pouco evidentes,

antrópicas (Zuin; Marques, 2014a; Zuin; Marques,

até mesmo no subgrupo GA. Logo, tais constatações

2014b). Nesse sentido, os alunos de graduação –

sobre a “ausência” de um olhar mais crítico sobre

futuros químicos e futuros professores – podem

os limites (físicos ou termodinâmicos) ao alcance

tornar-se mais críticos em relação ao tema e, por

da SA é algo que não surpreende, como evidenciam

conseguinte, educar novos cidadãos com atitu-

Marques e Machado (2014), ao analisar as produ-

des/reflexões mais elaboradas sobre os assuntos

ções científicas dos chamados precursores da QV.

discutidos.

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Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental

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História da Química 01 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014 | p. 93-98

A Dispersão da Luz e as Séries Espectrais Dispersion of Light and the Spectral Series José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias

Parece ter sido Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), estadista e filósofo romano, o primeiro a fazer uma observação espectroscópica ao ver a luz solar sofrer uma decomposição, nas cores do arco-íris, ao atravessar um pedaço de vidro. A partir daí, certamente, muitos físicos perceberam a decomposição espectral de tal luz,, porém, foi o físico inglês Sir Isaac Newton (1642-1727) quem fez um estudo mais apurado dessa dispersão. Com efeito, em 1666, em um quarto escuro e ao fazer passar a luz solar branca em um prisma – comprado na feira de Sturbridge, por volta de 1665 –, ele observou a sua decomposição nas cores do arco-íris. Convencido de que essas cores estavam presentes na própria luz branca solar e que as mesmas não foram criadas no prisma, Newton realizou outro tipo de experiência na qual fez passar as cores dispersadas, pelo primeiro prisma, por um segundo prisma invertido em relação ao primeiro, reproduzindo, dessa forma, e em tela, a luz branca original. É oportuno registrar que Newton, em suas experiências sobre a dispersão da luz e no relato que fez delas e de outras experiências em óptica, no livro intitulado Opticks or A Treatise of the Reflexions, Refractions, Inflexions and Colours of Light, publicado em 1704, não tenha feito nenhum registro relevante das famosas raias espectrais. É provável que ele, se as observou, tenha considerado-as decorrentes de defeitos do vidro. Aliás, essas raias também foram registradas pelo químico e físico inglês William Hyde Wollaston (1766-1828), em 1802 (Philosophical Transactions 92, p. 365), depois de observar o espectro solar. Nessa ocasião, ele chegou a observar cerca de sete linhas escuras, as quais denominou com letras do alfabeto. No


A Dispersão da Luz e as Séries Espectrais

entanto, pensando tratar-se apenas dos limites das cores do espectro solar não aprofundou essa descoberta. O estudo sistemático das raias (linhas) espectrais, conhecido como espectroscopia, foi iniciado pelo físico alemão Joseph von Fraunhofer (1787-1826), em 1814. O resultado de tal estudo, contudo, foi apresentado no artigo publicado na Denkschrift der Königlichen Akademie Wissenschaften zu München 5, p. 193, 1814-1815, no qual descreveu suas observações sobre a presença de linhas escuras no espectro solar, cujas oito principais ele distinguiu com letras.

Fraunhofer

Dentre elas quais, destacam-se: A (vermelho escuro), D (amarelo claro) e H (violeta). Ao construir uma rede de difração, em 1819, Fraunhofer começou a medir o comprimento de onda das raias espectrais solares – mais tarde conhecidas como raias de Fraunhofer –, e identificá-las com as letras do alfabeto, como fizera anteriormente. Os resultados dessa medida foram apresentados por ele na Denkschrift der Königlichen Akademie Wissenschaften zu München 8, p. 1, de 1821-1822. Destaque-se que as linhas B, D, b, F, G e H coincidem, respectivamente, com as linhas A, B, f, g, D e E, de Wollaston, segundo historiador da ciência inglês Sir Edmund Taylor Whittaker (1873-1956) registrou em seu A History of the Theories of Aether and Electricity: The Classical Theories (Thomas Nelson and Sons Ltd, 1951). Nas mais de 600 linhas estudadas por Fraunhofer, este observou que suas posições eram constantes para o mesmo espectro de um dado elemento químico, quaisquer que fossem as fontes de luz utilizadas para a obtenção do espectro, isto é, ora luz solar direta do Sol, ora refletida pela Lua ou pelos planetas, por um gás, ou por um metal aquecido. Desse modo, concluiu, então, que cada elemento químico é caracterizado por um espectro, como se fosse uma verdadeira impressão digital. Hoje, dessa forma, a difração da luz proveniente de fontes bem afastadas de uma rede de difração é chamada de difração de Fraunhofer. Uma fórmula empírica para determinar as linhas espectrais do hidrogênio (H) foi obtida pelo físico e matemático suíço Johann Jakob Balmer (1825-1898),

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A Dispersão da Luz e as Séries Espectrais

em 1885 (Verhandlungen der Naturforscher Gesellchaft zu Basel 7, p. 548). Sua expressão é a seguinte (em milímetros - mm): λ=h

m2 m2 −7 = # c m 3645 , 6 10 m2 − n2 m2 − n2

Com essa fórmula, Balmer chegou a calcular a posição de 19 das linhas do H na região do espectro luminoso, constituindo, assim, o que passou a ser conhecido como série de Balmer. É interessante observar que foi um amigo do cientista, o professor Eduard Hagenbach (1833-1910), quem lhe indicou os comprimentos de onda de algumas linhas do espectro de H para que descobrisse uma relação entre esses comprimentos.

Balmer

Em 1890 (Philosophical Magazine 29, p. 331), o físico sueco Johannes Robert Rydberg (1854-1919) expressou a fórmula de Balmer em termos do número de ondas (inverso do comprimento de onda: vr = 1/λ ) e observou, ainda, que as posições das linhas espectrais de qualquer elemento químico apresentavam em seus cálculos um fator numérico constante, fator esse que, a partir daí, ficou conhecido como a constante de Rydberg (R). Esse resultado ficou, então, conhecido como a fórmula de Rydberg: vr =

1 1 4 R = − = vr3 − 2 2 λ b bm m

Em 1896, (Annalen der Physik 58, p. 674) Rydberge, e, independentemente, em 1897 (Nature 55, p. 200; 223), o físico germano-inglês Sir Arthur Schuster (18511934), mostraram a convergência das frequências de diferentes séries espectrais da mesma substância. Tal resultado ficou conhecido como a lei de Rydberg-Schuster e, na atual notação, apresenta o seguinte aspecto (para H): 1/λ = RH ^1/m 2 − 1/n 2h , com RH = 10967757.6 ! 1.2m −1 . Ainda em 1896 (Astrophysical Journal 4, p. 369), o físico e astrônomo norte-americano Edward Charles Pickering (1846-1919) descreveu as experiências que realizou sobre o espectro de algumas estrelas, dentre elas as ζ-Puppis, que ficaram

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A Dispersão da Luz e as Séries Espectrais

conhecidas com as séries de Pickering. Note-se que tais séries apresentavam um fato curioso: elas praticamente coincidiam com as séries de Balmer, apenas de maneira alternada, isto é, a primeira série de Balmer (Hα) praticamente coincidia com a primeira da série de Pickering. No entanto, a segunda de Balmer (Hβ) só correspondia à terceira de Pickering e, assim, sucessivamente. Em vista disso, essas séries eram atribuídas ao H. Em 1908, dois novos resultados para o estudo da Espectroscopia foram encontrados. O primeiro deles (Annales de Physique Leipzig 27, p. 537) foi obtido pelo físico alemão Louis Carl Heinrich Friedrich Paschen (1865-1947). Ele descobriu uma nova série de linhas espectrais do hidrogênio na região do infravermelho, hoje conhecida como a série de Paschen.1 O outro resultado foi o princípio formulado pelo físico suíço Walter Ritz (18781909), no Zeitschrift für Physik 9, p. 591. Segundo esse princípio, hoje conhecido como princípio da combinação de Ritz, a frequência (v = c/λ) de uma linha arbitrária do espectro de qualquer átomo pode ser representada como a soma algébrica das frequências de duas outras linhas quaisquer do mesmo espectro, ou seja: v(n, n – 1) + v(n – 1, n – 2) = v(n, n – 2) Com esse princípio, Ritz explicou um fato que intrigava os espectroscopistas, qual seja, o de que existiam mais raias claras (espectro de emissão) do que escuras (espectro de absorção). Note-se que, no espectro de um determinado elemento químico, as raias escuras sempre coincidem com as raias claras. Apesar dessa explicação, havia uma questão maior: como demonstrá-la? Além disso, não se conseguia demonstrar as fórmulas de Balmer e de Rydberg-Schuster. Tais explicações, portanto, só ocorreram com o modelo atômico proposto pelo físico dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962; PNF, 1922), em 1913. Aliás, esse modelo, além de explicar as séries de Pickering como devidas ao hélio (He), previu também a existência de outras raias espectrais do H. A primeira delas, na região do ultravioleta, foi descoberta, em 1914, (Physical Review 3, p. 504) pelo físico norte-americano Theodore Lyman (1874-1954), hoje conhecida como série de Lyman. Em 1922 (Nature 109, p. 209), o físico norte-americano Frederick Sumner Brackett (1896-1972) descobriu uma nova série espectral do hidrogênio na região do infravermelho longínquo – a série de Brackett. Por fim, em 1924 (Journal of the Optical Society of America 9, p. 193), o físico norte-americano August Herman Pfund (1879-1949) descobriu uma outra série espectral do hidrogênio, também na região do infravermelho longínquo – a série de Pfund.

1. Note-se que Paschen, em 1916 (Annalen der Physik 1, p. 901), foi o primeiro a observar o desdobramento das linhas espectrais do hélio ionizado (He–), desdobramento esse conhecido como estrutura fina.

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A Dispersão da Luz e as Séries Espectrais

É oportuno registrar que a dispersão da luz foi explicada pelo físico holandês Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928; PNF, 1902) usando a Teoria do Elétron que elaborou, em 1892, baseada na Teoria Eletromagnética Maxwelliana. Com sua Teoria do Elétron, Lorentz mostrou que o índice de refração n de um material transparente depende da frequência (v) da luz que o atravessa e sofre dispersão, isto é: n(v). Esse resultado indicava, ainda, que a cor depende da frequência, e não do comprimento de onda. Registre-se também que, em 1871 (Poggendorff´s Annalen der Physik und Chemie 143, p. 271), W. Sellmeier encontrou essa mesma dependência em uma substância gasosa.

Lorentz

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Resenha Histórias Periódicas Hugh Aldersey-Williams Editora Record | 2013 | 415 páginas

Num estilo que lembra o do livro A tabela periódica de Primo Levy, em suas Histórias periódicas Hugh AlderseyWilliams, conta-nos uma história dos elementos químicos por meio de histórias que os inserem na vida cotidiana e na história da humanidade. Dividido em cinco partes (poder, fogo, artefato, beleza e terra), o livro consegue apresentar a história dos elementos químicos de forma contextualizada e interdisciplinar, numa leitura extremamente agradável, dando leveza e humanidade a um tema potencialmente denso e árido.



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