ISSN 1809-6158
VOLUME 09 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2014
VOLUME 09 | NÚMERO 02 | JUL./DEZ. 2014
Coordenação Editorial Pedro Faria dos Santos Filho – UNICAMP Robson Fernandes de Farias – UFRN Wilon Mazalla Jr – Editora Átomo Conselho Editorial Adriana Vitorino Rossi – UNICAMP Gláucia Maria da Silva – USP|RP Marcelo Carneiro Leão – UFRPE Mário Sérgio Galhiane – UNESP Osvaldo Antonio Serra – FFCLRP-USP Ótom Anselmo de Oliveira – UFRN Sérgio Melo – UFC Yassuko Iamamoto – USP
Revista Brasileira de Ensino de Química (ReBEQ) é uma publicação semestral da Editora Átomo e colaboradores. Dentro do espírito maior da editora, que é a difusão do conhecimento por meio da democratização das valiosas pesquisas e avanços científico-educacionais, quase sempre em latência nas boas universidades, e pelo intercâmbio de ideias e experiências daqueles que participam do processo ensino/aprendizagem, a ReBEQ inaugura novo espaço, abrindo suas páginas para pesquisadores, docentes (ensino médio e superior), alunos de graduação e pós-graduação, com a visão de que o conhecimento deve ser construído e compartilhado coletivamente. O conhe cimento contemporâneo deve ser apresentado de forma inter/ transdisciplinar trazendo preocupações como a ética, o meio ambiente e a humanização dos processos e serviços. Centrada nas questões ensino/aprendizagem, visa contribuir para a atuali zação e otimização do Ensino de Química.
Conselho Ad hoc Marlon Herbert F. B. Soares – UFG Nidia Franca Roque – UFBA Viviani Alves de Lima – UFU Revista Brasileira de Ensino de Química rebeq@atomoealinea.com.br www.atomoealinea.com.br/rebeq
Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação PUC-Campinas Revista Brasileira de Ensino de Química Campinas, SP: Editora Átomo, 2006 v. 1, n. 1, jun./jun. 2006 Semestral Publicação científica-educacional
Revisão Helena Moysés Capa e Editoração Eletrônica
1. Química – Periódicos. 2. Ciências exatas – Periódicos.
Fabio Diego da Silva
CDD 540
Indexada
Índice para Catálogo Sistemático 1. Química
540
A division of the American Chemical Society Pede-se permuta. - Pide-se cange. We ask for exchange. - On demande l’echange. Si sollecita intercambio. Wir bitten un aurstausch un publikationen.
Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br
Sumário 7
Editorial
Artigos
10
Pedro L. O. Volpe
23
ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo
Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
Solange de Fátima Azevedo Dias e Carmem Lúcia Costa Amaral
35
A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos José Rodrigo Barreto, José Lucas Carvalho Gois, Erivanildo Lopes da Silva e Geraldo Humberto Silva
Relatos de Experiência
Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: 48 Atividades estratégias metodológicas para o Ensino de Química Ana Carolina Gomes Miranda, Mara Elisa Fortes Braibante, Maurícius Selvero Pazinato e Fernando Oliveira Vasconcelos
61
Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio Elane de Sousa Santos, Vanessa Coelho de Deus Brito, Josimara Cristina de Carvalho Oliveira, André Camargo de Oliveira e Régia Chacon Pessoa de Lima
72
Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio Leandro Severino de Oliveira, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Vanúbia Pontes dos Santos, Umberto Gomes da Silva Junior e Jailson Machado Ferreira
Química Verde
de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade 79 Compreensões possíveis influências na formação de professores de Química
Ambiental:
Carlos Alberto Marques, Franciani Becker Roloff, Leonardo Victor Marcelino, Leila Cristina Aoyama Barbosa e Aniara Ribeiro Machado
História da Química
93
A Dispersão da Luz e as Séries Espectrais José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias
99 Resenha 101
Normas para Publicação
Contents 7
Editorial
Articles
10 23
Thermodynamics of the Metabolism of Living Systems Pedro L. O. Volpe
The National High School Examination and the Contents of the Teachers Notebook and the Students Notebook Adopted by Secretaria da Educação do Estado de São Paulo in Public Schools Solange de Fátima Azevedo Dias and Carmem Lúcia Costa Amaral
35
The Innovative High School Chemistry Classes: soils project José Rodrigo Barreto, José Lucas Carvalho Gois, Erivanildo Lopes da Silva and Geraldo Humberto Silva
Experiences Account
Activities and Case Study Alliedto 48 Experimental methodological strategies for Teaching Chemistry
the Criminal Investigation:
Ana Carolina Gomes Miranda, Mara Elisa Fortes Braibante, Maurícius Selvero Pazinato and Fernando Oliveira Vasconcelos
61
Citronella: a theme for contextualization of Education of Organic Chemistry in secondary education Elane de Sousa Santos, Vanessa Coelho de Deus Brito, Josimara Cristina de Carvalho Oliveira, André Camargo de Oliveira and Régia Chacon Pessoa de Lima
72
Thematic Discipline of Chemistry: space for citizen formation of high school students Leandro Severino de Oliveira, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Vanúbia Pontes dos Santos, Umberto Gomes da Silva Junior and Jailson Machado Ferreira
Green Chemistry
79
Comprehensions of Chemists Researchers on Environmental Sustainability: possible influences on Chemistry teacher formation Carlos Alberto Marques, Franciani Becker Roloff, Leonardo Victor Marcelino, Leila Cristina Aoyama Barbosa and Aniara Ribeiro Machado
Chemistry History
93
Dispersion of Light and the Spectral Series JosĂŠ Maria F. Bassalo and Robson Fernandes de Farias
99 Review 101
Editorial Standards
Editorial Os problemas de ensino e aprendizagem nos níveis fundamental e médio têm sido incluídos nas pautas de todas as discussões sobre os rumos a serem tomados na educação do país. Problemas como falta de interesse dos alunos, despreparo dos professores, falta de tempo para estudar ou preparar aulas, desconexão do conteúdo estudado com a vivência dos alunos, ausência de problemas relacionados ao dia a dia dos alunos, são constantes em todas as discussões sobre o ensino que deve ser oferecido à nova geração de alunos que se apresenta. Nos fóruns de discussão sobre ensino, o termo ‘criatividade’ se tornou palavra de ordem; dependemos da criatividade dos educadores para estimular os alunos e despertar seu interesse pelos estudos. Entretanto, devido às dimensões de nosso país, não existe uma orientação geral que possa ser estendida para todas as regiões e que atenda às expectativas de professores e alunos. Além disso, até pouco tempo atrás, não existia um veículo de divulgação que congregasse toda a comunidade nacional de educadores, em particular para o ensino de química. Podemos dizer que, atualmente, a ReBEQ representa um dos melhores retratos da situação do ensino de química no nível médio do país, sua iniciativa de divulgar as variadas tentativas de professores e alunos, permite uma boa noção da situação do ensino/aprendizagem, nas mais diferentes regiões no Brasil. Neste número a ReBEQ apresenta um conjunto de relatos de experiência que contemplam variadas tentativas de professores, de superar a falta de estimulo e iniciativa dos alunos; em particular, devemos ressaltar a grande preocupação dos autores de desenvolver e aplicar atividades que despertem a atenção dos alunos de determinada região para problemas do cotidiano utilizando-se da sua própria vivência na construção do conhecimento. Temas como investigação criminal, preparação e utilização de repelentes caseiros em regiões que apresentam problemas de infestação de insetos, coleta e análise de água de rio, jogos lúdicos, reciclagem de papel, além de disciplinas de extensão e experimentais à distância, são encontrados neste número. Assim, a ReBEQ consolida sua participação na divulgação das mais diferentes iniciativas de professores e alunos. Dessa forma, Convocamos nossos leitores de todo o país a divulgarem suas vivências, para juntos conseguirmos a tão almejada contextualização no ensino de química.
Coordenação Editorial
Artigos Articles
Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos Thermodynamics of the Metabolism of Living Systems Pedro L. O. Volpe
ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo The National High School Examination and the Contents of the Teachers Notebook and the Students Notebook Adopted by Secretaria da Educação do Estado de São Paulo in Public Schools Solange de Fátima Azevedo Dias e Carmem Lúcia Costa Amaral
A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos The Innovative High School Chemistry Classes: soils project José Rodrigo Barreto, José Lucas Carvalho Gois, Erivanildo Lopes da Silva e Geraldo Humberto Silva
Artigo 01 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
p. 10-22
Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos Thermodynamics of the Metabolism of Living Systems Pedro L. O. Volpe1 2 Resumo Células de crescimento e respiração são sistemas vivos abertos. A energética dos sistemas vivos é estudada pela calorimetria, acompanhando, em tempo real, a produção de calor pelo metabolismo. O calor produzido durante um processo biológico é parâmetro fundamental para o estudo da bioenergética. Neste trabalho, as abordagens didáticas da bioenergética são apresentadas, mostrando como os princípios básicos da termodinâmica clássica devem ser tratados em sistemas vivos. As funções de estado termodinâmico, entalpia, entropia e energia livre de Gibbs dos sistemas vivos complexos também foram discutidas e apresentadas de forma apropriada para ser ensinadas a alunos de graduação de química e biologia. Palavras-chave: Bioenergética; Calorimetria; Metabolismo. Abstract Growing and respiring cells are open living systems. The energetic of living systems is studied by calorimetry, monitoring in real time the heat production of the metabolism. The heat produced during a biological process is the fundamental parameter for the study of bioenergetics. In this work, didactic approaches to bioenergetics are presented, showing how basic principles of classical thermodynamic should be treated in living systems. The thermodynamic state functions enthalpy, entropy and Gibbs free energy of these complex open living systems were also discussed and presented in an appropriated way to be taught to chemistry and biology undergraduate students. Key-words: Bioenergetics; Calorimetry; Metabolism. 1. Universidade Estadual de Campinas – Instituto de Química. 2. Agradecimentos: o autor agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo suporte financeiro, ao Professor Fred Y. Fujiwara e ao Dr. Carlos E. Perles pela revisão e sugestões.
Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
1
O calor é o parâmetro fundamental para o
A conversão da energia em sistemas biológicos
estudo energético do metabolismo de sistemas vivos, visto que todos os processos químicos e
A resolução dos mecanismos pelos quais a
bioquímicos que ocorrem nestes sistemas estão
energia flui em células vivas ocupou, durante mui-
associados com a produção ou consumo de ener-
tas décadas, a mente de biólogos, químicos e físi-
gia, gerando um fluxo de calor entre esse sis-
cos. Atualmente, já existe uma imagem bastante
tema e suas vizinhanças (Volpe, 1987, 1988;
detalhada dos eventos físicos e químicos que ocor-
Volpe; Montanari, 1997; Beezer, 1980; Beezer
rem nos processos metabólicos dos sistemas vivos.
et al., 1986; Lamprecht; Schaarschmidt, 1976;
Destes processos complexos, os mais importantes,
Lamprecht, 1978, 1980, 2003; James, 1987).
certamente, são a fotossíntese e o metabolismo de
A literatura dirigida à bioenergética é muito ampla
carboidratos, os quais estão representados pelo
e cobre uma grande variedade de tópicos, entretanto,
esquema a seguir:
uma interpretação físico-química da energética de sistemas vivos não faz parte dos programas de gra-
Metabolismo de carboidratos 6 CO2 + 6 H2O
duação dos cursos de química e ciências biológicas. O objetivo deste trabalho é, portanto, apresentar
C6H12 + O6 + 6 O6
ao aluno de graduação em química e ciências bioló-
Fotossíntese
gicas uma abordagem didática introdutória à bioenergética, utilizando os conceitos básicos da termo-
Em termos gerais, o processo de fotossíntese uti-
dinâmica e da cinética química, mostrando como as
liza a energia solar (luminosa) para transferir elétrons
leis da termodinâmica podem ser discutidas quando
da água para o dióxido de carbono. Como resultado
o sistema é uma célula biológica, um sistema aberto,
desse complexo processo bioquímico, moléculas
enfatizando a importância do calor liberado.
com alta energia (como a glicose) são sintetizadas.
As funções de estado, entalpia (H) entropia (S)
No entanto, animais são seres heterotróficos e se
e energia livre de Gibbs (G) serão analisadas para
alimentam de carboidratos provenientes direta ou
um sistema aberto a pressão e temperatura cons-
indiretamente do processo de fotossíntese. Na meta-
tantes, modelo representativo de uma célula do
bolização desses carboidratos, processo inverso da
ponto de vista termodinâmico.
fotossíntese, o O2 liberado durante a fotossíntese, é, agora, utilizado para oxidar carboidratos a CO2. Os processos de transferência de elétrons na
2
Conservação da energia
fotossíntese e no metabolismo de carboidratos pro-
Quase todos os argumentos e explicações em
movem um fluxo de prótons através das membranas
química se resumem na consideração de alguns
de compartimentos celulares especializados, gerando
aspectos de uma propriedade única, a energia.
um gradiente protônico. A energia armazenada nesse
Energia determina qual molécula pode se formar,
gradiente pode ser utilizada na síntese da adenosina
que reação pode ocorrer, com que velocidade, e em
trifosfato (ATP), um carregador de “energia quí-
que direção uma reação tende a ocorrer.
mica”. Esta transferência de elétrons direciona pro-
Por definição:
cessos bioquímicos tais como a biossíntese, contra-
• Energia é a capacidade de realizar trabalho.
ção muscular, divisão celular, impulsos nervosos e,
• Trabalho é movimento contra uma força
consequentemente, liberação de calor.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
contrária.
11
Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
Estas definições implicam que um peso de uma
são funcionalmente organizadas em sequências dife-
dada massa levantada tem mais energia que um de
rentes de reações consecutivas chamadas de rotas
mesma massa em repouso no chão, porque o peso
ou processos metabólicos. Algumas destas sequên-
levantado tem uma grande capacidade de realizar
cias de reações catalisadas por enzimas degradam
trabalho quando cai ao nível do peso que está em
nutrientes orgânicos complexos em compostos
repouso. A definição também implica que um gás
finais mais simples, extraindo sua energia química e
numa temperatura alta tem mais energia do que o
disponibilizando-a em uma forma útil para a célula.
mesmo gás numa temperatura baixa: o gás quente
Este processo metabólico é chamado catabolismo
tem maior pressão e pode realizar mais trabalho.
e pode ser considerado como uma combustão alta-
Em biologia, há muitos exemplos da relação
mente controlada, com a energia liberada na forma
entre energia e trabalho. Quando um músculo con-
de calor e trabalho. Assim, ainda que o metabolismo
trai e relaxa, a energia armazenada nas suas fibras
oxidativo de um carboidrato ou gordura em dióxido
de proteínas é liberada na forma de trabalho para,
de carbono e água seja altamente exotérmico, a
por exemplo, caminhar, levantar um peso etc. Em
energia é gasta realizando trabalho útil, com uma
células vivas, nutrientes e íons estão em constante
pequena parcela de energia sendo liberada na forma
movimento através de membranas entre comparti-
de calor pelo organismo.
mentos celulares. As sínteses de moléculas bioló-
Outras rotas de reações catalisadas por enzimas
gicas e divisões celulares são também manifesta-
se iniciam com moléculas pequenas (precursores),
ções de trabalho em nível molecular. A energia que
as quais são progressivamente convertidas em
produz todo este trabalho tem origem, principal-
moléculas maiores e mais complexas como, por
mente, no metabolismo de carboidratos.
exemplo, proteínas e ácidos nucleicos. Tais rotas
É de conhecimento geral que energia não pode
invariavelmente necessitam captar energia e, jun-
ser criada nem destruída, mas meramente convertida
tas, representam o anabolismo. A biossíntese do
de uma forma em outra ou transferida de um lugar
DNA pode ser considerada um processo anabólico
para outro. Esta característica é conhecida como
no qual a energia obtida do catabolismo é utili-
lei da conservação da energia e possui importantes
zada na realização de um trabalho útil, a síntese do
implicações na química. Muitas reações químicas –
genoma do organismo.
incluindo a maioria delas em células vivas – libe-
Células armazenam e transportam a energia em
ram ou absorvem energia quando ocorrem: então,
uma forma química, a adenosina trifosfato ATP,
de acordo com a lei da conservação da energia, há
representada na Figura 1.
a certeza de que todas estas mudanças – incluindo a vasta coleção de mudanças químicas e físicas chaH2N
madas de vida – são o resultado da conversão de uma forma energia para outra ou, simplesmente, sua transferência de um lugar para outro.
O O-
3
O-
A energética de sistemas vivos As inúmeras reações químicas que ocorrem nas células são endotérmicas ou exotérmicas, sejam elas enzimaticamente catalisadas ou não. Tais reações
12
P
O O
P O-
O O
P O-
N
N O
N
O
OH
N
OH
Figura 1. Molécula de adenosina trifosfato (ATP) em pH = 7.
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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
Na grande maioria das reações em sistemas
de hidrólise do ATP. O uso deste termo é infeliz
vivos, ATP é a fonte primária de energia utilizada
porque implica que a ligação P-O no ATP é dife-
na síntese de proteínas, transporte de nutrientes e
rente da ligação covalente normal P-O, o que não
metabólitos através da membrana celular, contra-
é verdade. Visto que a variação de energia livre de
ção muscular, impulsos nervosos e geração de gra-
Gibbs depende da diferença de energia livre entre
dientes iônicos. A energia necessária para executar
produtos e reagentes, é necessário examinar as
todo este trabalho tem origem na reação de hidró-
estruturas do ATP4- e do seu produto de hidrólise,
lise do ATP (em pH = 7), o qual deve ser correta-
ADP3- e HPO42-. Nessa análise, dois fatores devem
mente representado por ATP4-:
ser levados em consideração: a) em pH = 7, o ATP4- possui quatro cargas
ATP4-(aq) + H2O(l) → ADP3-(aq) + HPO42-(aq) + H+(aq)
negativas e, como resultado das proximida-
Esta reação é acompanhada por uma diminui-
des das cargas, há uma considerável repul-
ção de energia livre de Gibbs de 30 kJ por mol de
são eletrostática que é reduzida quando
ATP hidrolisado. A Figura 2 é uma representação
ATP4- é hidrolisado a ADP3- mais HPO42-.
geral dos principais processos metabólicos, enfati-
b) ADP3- e HPO42- juntos possuem mais estru-
zando as vias pelas quais a energia flui através dos
turas de ressonância do que o ATP4-. Por
processos celulares. A energia é extraída de com-
exemplo, o grupo HPO42-tem quatro estru-
postos orgânicos através de reações de oxidação,
turas de ressonância de mesma energia.
4-
nas quais as espécies NAD+ e NADP+ são reduzi-
Organismos vivos não são máquinas perfeita-
das a NADH e NADPH, atuando no metabolismo
mente eficientes porque nem toda a energia pro-
como carregadores iniciais de energia.
veniente do catabolismo é utilizada para realizar trabalho, pois uma parte é perdida na forma de
Fonte de Energia
calor. A dissipação de energia na forma de calor
Reações de Óxido-redução Espécies Reduzidas (tais como NADH)
Vizinhanças
CALOR
Transporte de Íons e Moléculas
Gradiente de Prótons
Trabalho Útil
para as vizinhanças da célula é, muitas vezes, utilizada para controlar a temperatura do organismo.
Catabolismo
O monitoramento deste calor liberado para as vizinhanças dos sistemas vivos é o dado mais impor-
ATP
Anabolismo
Figura 2. Diagrama mostrando o fluxo de energia nos organismos vivos. As setas indicam a direção na qual a energia flui.
tante no estudo experimental da bioenergética.
4
A medida do calor liberado nos sistemas vivos O metabolismo do mais simples microrganismo ao mais complexo sistema vivo, é sempre acompanhado por liberação de calor e, consequentemente,
É oportuno comentar um aspecto comumente
por um aumento de temperatura das vizinhanças
encontrado nos livros-textos de físico‑química e de
do sistema. O metabolismo é o resultado de uma
biologia. Muitos autores utilizam o termo “ligação
imensa quantidade de reações químicas ou bioquí-
fosfato de alta energia” quando explicam a grande
micas que ocorrem tanto no citoplasma quanto no
diminuição na energia livre de Gibbs no processo
interior de organelas específicas da célula.
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13
Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
Trata-se de reações enzimáticas em cadeia,
ratura do sistema. Essa característica é essencial,
rigorosamente controladas, cujo objetivo principal
pois o metabolismo celular é fortemente influen-
é a produção de ATP (energia química) e metabóli-
ciado pela temperatura do meio.
tos, suprindo as necessidades das vias anabólicas.
O monitoramento do calor liberado em siste-
A bioenergética tem apresentado um grande
mas vivos, associado ao monitoramento de outras
desenvolvimento,
principalmente
devido
aos
propriedades químicas como, por exemplo, con-
modernos calorímetros isotérmicos diferenciais, os
sumo de glicose e oxigênio, produção de meta-
quais tornaram possível o monitoramento do calor
bólitos, pH etc., permite o estudo termodinâmico
liberado em sistemas vivos. Estes equipamentos,
destes sistemas (Beezer, 1986).
também chamados de microcalorímetros, utilizam 60
(Volpe, 1993), conectadas à superfície externa da
50
pot. termica / µW
termopilhas (Peltier), como sensores térmicos cela, formando uma ponte para o escoamento do calor entre esta cela, que contêm o sistema vivo a ser estudado, e a sua vizinhança, normalmente um
40 30
Q
tf
ti
10
bloco metálico de alta capacidade calorífica (tro-
#
Q= Pdt
20
0
cador de calor), mantido à temperatura constante,
0
10
ti
conforme esquema apresentado na Figura 3. O
20 30 tempo/min.
40
50
tf
Figura 4. Curva calorimétrica Potência – tempo do metabolismo aeróbico da bactéria Chromobacterium violaceum em tampão fosfato pH = 7 com glicose (Perles; Volpe, 2005).
termo microcalorimetria surgiu em função da alta sensibilidade das termopilhas, as quais permitiram que quantidades de fluxo de calor na escala de microWatts (μW) pudessem ser detectadas. Desta forma, o prefixo micro refere-se à alta sensibilidade
O calor liberado durante o metabolismo de
dos calorímetros que utilizam esse tipo de sensor.
sistemas vivos é expresso em termos de potência ou fluxo de calor (dq/dt), propriedade relacionada à diferença de temperatura entre o sistema (cela
cela de fluxo
do calorímetro) e a sua vizinhança (bloco metálico trocador de calor), em função do tempo. Este registro é conhecido como curva Potência-tempo
BLOCO TROCADOR DE CALOR
(curva P-t), Figura 4. 5
termopilha
ambiente a T = cte Figura 3. Esquema da cela de fluxo, termopilhas e bloco trocador de calor de um microcalorímetro isotérmico diferencial de condução de calor.
Estes equipamentos atendem o requisito básico para o estudo termodinâmico de sistemas de natureza biológica, ou seja, a manutenção da tempe-
14
Físico química de sistemas vivos abertos Na físico-química, a termodinâmica estuda a tendência e a espontaneidade dos processos físicos ou químicos com base nas diferenças de energia livre entre os estados inicial e final do sistema estudado. Em termodinâmica, um sistema é uma parte do universo na qual há um objeto especial (uma reação química, um organismo, uma célula etc.),
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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
que se encontra separado das vizinhanças por
XY
fronteiras fictícias (MacQuarrie; Simon, 1997). A vizinhança ou os “arredores do sistema” é a porção do espaço onde são feitas as observações. O processo metabólico, num sistema vivo, pode ser representado, de forma bastante simplificada, pela conversão de uma molécula X em Y:
X"Y As espécies X e Y podem ser compostos químicos diferentes e, neste caso, o sistema representa uma transformação química de X em Y, em uma ou diversas etapas reacionais consecutivas, as quais, geralmente são catalisadas por enzimas. Como exemplo, esse processo genérico pode ser representado pela conversão da glicose (X) em piruvato (Y), através de uma sequência de reações catabólicas que ocorrem no citoplasma, conhecida como glicólise (Lehninger; Nelson; Cox, s/d). O estado termodinâmico de um processo metabólico em um sistema vivo, tal como X → Y, é defi-
Células vivas não são representadas por sistemas fechados, pois é conhecido que há um transporte contínuo de nutrientes (G) para o sistema e uma remoção contínua de metabólitos (Y) através das fronteiras do sistema e suas vizinhanças. O sistema, no caso, uma célula viva, é separado das vizinhanças por uma fronteira física (membrana celular). Membranas celulares apresentam canais e mecanismos específicos para o transporte de nutrientes para o interior da célula e remoção contínua dos metabólitos gerados nos processos metabólicos, além de permitirem troca de calor com as vizinhanças. Um sistema com tais características é mais realisticamente representado, do ponto de vista termodinâmico, como um sistema aberto, caracterizado pela troca de energia e matéria com as vizinhanças. Uma representação simplificada de um sistema metabólico é apresentada na Figura 5.
nido por propriedades como temperatura, pressão e concentrações de X e Y. Entretanto, para muitos
G
sistemas vivos, a temperatura e pressão podem ser assumidas como constantes em função do tempo, de forma que o único fator que influencia o estado ter-
X
Y
Y
Figura 5. Representação esquemática de um sistema aberto para uma célula.
modinâmico do sistema é a concentração das espécies intermediárias (Crabtree; Newsholm, 1985).
De acordo com esta representação, a contínua
Considerando-se que não exista, nas vizinhan-
transformação de X para Y e remoção de Y para
ças do sistema, uma fonte de fornecimento de X
fora do sistema, contrabalanceia a tendência natu-
para o referido sistema, proveniente de um subs-
ral de estabelecimento de equilíbrio entre as espé-
trato (G) como, por exemplo, a glicose e, também,
cies X e Y, evidenciando mais uma particularidade
nenhum processo responsável pela remoção de Y
dos sistemas abertos. Devido a esta caracterís-
do sistema, então nenhum material é trocado com
tica, tais sistemas são conhecidos como “sistemas
as vizinhanças. Esse tipo de sistema é conhecido
distantes do equilíbrio”. Diferente dos sistemas
como sistema fechado e acontecerá até que o
fechados, para o qual o equilíbrio é o único estado
estado de equilíbrio seja atingido, ou seja, até que
estável (a concentração dos compostos intermedi-
a conversão de X em Y seja contrabalançada por
ários não varia em função do tempo), um sistema
uma conversão oposta e cineticamente idêntica de
aberto pode existir em um estado estável, sem
Y em X, caracterizando-a como uma reação cineti-
estar em equilíbrio: esta condição é chamada de
camente reversível (Lehninger; Nelson; Cox, s/d):
estado estacionário.
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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
Dessa forma, se idealizarmos um sistema no
Tais reações são chamadas de geradores de
qual a taxa de produção de X é constante e a taxa
fluxo e um bom exemplo metabólico é a conversão
de remoção de Y aumenta quando a [Y] aumenta,
de 11 fontes endógenas de energia, como o glico-
a [Y] atinge um valor constante no qual a taxa de
gênio, em glicose-1-fosfato, reação que ocorre em
remoção de Y se iguala à taxa de formação a partir
tecidos musculares. Nos músculos, na condição
de X. Se a taxa de conversão de X em Y aumenta
de repouso, a enzima fosforilase que catalisa essa
quando a [X] aumenta, a [X] também atinge um
reação está saturada com o substrato glicogênio,
valor constante em que a taxa de conversão de
sendo capaz de gerar um fluxo de glicogênio em
X em Y é igual à taxa em que X é produzido no
estado estacionário, para glicose‑1-fosfato e daí
sistema. Dessa forma, desde que haja um forne-
para os produtos finais da via glicolítica como o
cimento constante de substrato (G), as concentra-
piruvato (Lehninger; Nelson; Cox, s/d).
ções de ambos X e Y atingem valores constantes
Segundo, para que haja uma remoção cons-
e estabelecem um fluxo de X para Y igual à taxa
tante do produto Y do sistema, a última reação
com que G é fornecido a partir das vizinhanças. O
de remoção de Y deve também ser cineticamente
sistema aberto encontra-se, então, em estado esta-
irreversível, caso contrário o contínuo acúmulo de
cionário (Crabtree; Newsholm, 1985).
produtos intermediários influenciaria a [Y] através
Uma vez que o estado estacionário é uma boa
do processo reverso desta reação e um estado esta-
aproximação para o metabolismo de muitos siste-
cionário entre X e Y seria impossível de ser estabe-
mas biológicos, torna-se necessário discutir, breve-
lecido (Crabtree; Newsholm, 1985).
mente, dois outros fatores importantes, necessários para a produção e manutenção do metabolismo. Primeiro, a taxa constante de produção de X deve, basicamente, resultar de uma reação cuja taxa não é significativamente afetada por mudanças
6
Aplicação das leis da termodinâmica em um processo metabólico no estado estacionário
da [G], ou seja, a primeira reação da sequência (G
A conservação da energia pode também ser
→ X) deve ser insensível a variações na [G], caso
aplicada ao processo metabólico num sistema vivo
contrário, a taxa de produção de X diminuiria con-
como o ilustrado na Figura 5. Neste sistema, calor
tinuamente se a [G] diminuísse, impossibilitando
pode ser liberado (ou absorvido) a partir das vizi-
um fluxo constante de G para X. A condição de
nhanças e trabalho pode ser realizado durante a
uma cinética de ordem zero, exigida nessa primeira
conversão de X para Y (ex. trabalho muscular).
reação, é facilmente alcançada através da catálise
Aqui, será representado por q o calor absor-
enzimática na condição em que a [G] seja mantida
vido pelo sistema e wt o trabalho total realizado
em um valor suficientemente alto para que ocorra
pelo sistema quando um mol de X é convertido em
a saturação enzimática, isto é, a ocupação de todos
um mol de Y. Se calor é produzido, q é negativo.
os sítios catalíticos das enzimas responsáveis pela
Se trabalho é feito sobre o sistema wt é positivo.
catálise da conversão de G em X. Além disso, se
Pela primeira lei da termodinâmica (conser-
a reação de fornecimento ou produção de X está
vação da Energia), esta variação de energia deve
saturada com G, ela deve ser unidirecional ou cine-
ser acompanhada por uma variação de energia
ticamente irreversível, pois a saturação enzimática
igual e oposta em qualquer outra parte do sistema,
sugere que todas as moléculas da enzima e seus res-
o que significa que há uma diferença em energia
pectivos sítios catalíticos estão interagindo com G.
entre um mol de X e um mol de Y. Esta energia é
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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
conhecida como energia interna (U) de modo que,
O trabalho útil (w) não é uma propriedade
pela primeira lei da termodinâmica, a variação de
comumente discutida em livros didáticos de Físico
energia interna (ΔU), quando um mol de X é con-
‑Química, onde se abordam sistemas gasosos ideais
vertido em Y, é dada pela Equação 1:
e o único tipo de trabalho abordado é o expansivo.
ΔU = q + wt [1] Desde que ΔU é a diferença de energia entre X e Y, seu valor não é afetado pela natureza do cami-
Aqui, trabalho útil pode, por exemplo, ser representado pelo trabalho feito durante a contração muscular ou a geração de um gradiente de prótons na célula. Dessa forma:
nho entre os dois estados. Uma função com esta
ΔU = q + wt [3]
propriedade é definida como função de estado. No entanto, nem o calor absorvido (q), nem o trabalho realizado (wt) são funções de estado, visto que dependem diretamente da rota metabólica
ΔU = q – w – pΔV [4] de modo que:
percorrida entre os estados inicial e final (X e Y).
ΔU + pΔV = q – w [5]
Um exemplo bastante didático da dependência do
A função, ΔU + pΔV, do lado esquerdo da
caminho que as propriedades q e wt possuem, pode ser representado pelas células musculares, nas quais a hidrólise de ATP, catalisada pela enzima
Equação 5, é conhecida como variação de entalpia (ΔH), de modo que: ΔH = q – w [6]
miofibrilar ATPase, é acompanhada pela execução de trabalho muscular enquanto que nenhum traba-
A Equação 6 mostra que ΔH é análogo a ΔU
lho é realizado quando esta mesma reação ocorre
= (q + wt). Entretanto, desde que processos meta-
não enzimaticamente, isto é, por um caminho dife-
bólicos em sistemas vivos acontecem a pressões
rente; contudo, a variação de energia interna de um
essencialmente constantes, ΔH é a função termo-
mol de ATP quando convertido em ADP é a mesma
dinâmica mais adequada para descrever o calor e
em ambos os casos (Crabtree; Newsholm, 1985).
o trabalho realizado por estes sistemas. Da mesma
Se o processo metabólico X → Y no sistema
forma que ΔU, ΔH é uma função de estado e seu
vivo envolve uma mudança no volume, isto é, se
valor não é afetado por mudanças nas concentra-
os seus produtos são gasosos, o sistema tem que
ções dos intermediários.
realizar trabalho sobre as vizinhanças corres-
Por definição, o valor de ΔH é uma função
pondendo a uma variação no volume. À pressão
da pressão (p) e, por isso, para muitos processos
constante (p), uma mudança no volume do sistema
metabólicos em sistemas vivos (com exceção das
(V) realiza uma quantidade de trabalho (wt) igual
espécies que habitam as profundezas dos oceanos),
a -pΔV. Se o volume aumenta, -pΔV é negativo,
os valores relevantes de ΔH são aqueles à pressão
de modo que trabalho é realizado pelo sistema.
atmosférica (MacQuarrie; Simon, 1997).
Se o volume diminui, pΔV é positivo e trabalho
A entalpia obedece à primeira lei da termodi-
é realizado sobre o sistema. Consequentemente,
nâmica porque ambos, energia interna e o trabalho
o trabalho total feito pelo sistema (wt), é a soma
realizado durante uma mudança de volume, obede-
do trabalho decorrente da variação total do volume
cem a essa lei. Consequentemente, como a entalpia
(-pΔV), e o trabalho útil (w), ou seja:
e a energia interna são funções de estado, seu valor
wt = -(w + pΔV) [2]
para um sistema vivo complexo é igual à soma dos valores destes parâmetros termodinâmicos nas eta-
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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
7
pas de reação elementares componentes da reação
imediata sem a necessidade de perder tempo aque-
global (Lei de Hess). Em um sistema vivo aberto,
cendo seus músculos (Heinrich, 1972a, 1972b).
o processo metabólico é uma reação em um sis-
Newsholm et al. (1972) propuseram um meca-
tema estacionário, que não atinge o equilíbrio e,
nismo para explicar a produção de calor, nessas
portanto, não tem sentido se referir a uma varia-
condições, eles sugeriram a hidrólise do ATP, como
ção total de entalpia, a não ser durante um dado
resultado de um ciclo entre os intermediários gli-
intervalo de tempo. Neste caso, em bioenergética,
colíticos frutose-6-fosfato e frutose-1,6‑bisfosfato,
o importante é o monitoramento do calor liberado
que são produzidos pelas atividades simultâneas
pelo sistema vivo, o que é feito utilizando a micro-
das enzimas fosfofrutoquinase e frutose bisfosfa-
calorimetria de fluxo.
tase, como representado pelo esquema da Figura 6.
Produção de calor no metabolismo
ATP
Se nenhum trabalho útil é realizado pelo sis-
Frutose-6-fosfato
tema, isto é, w = 0, verifica-se pela Equação 6 que o calor absorvido ou produzido pelo sistema, à pressão constante, é igual à entalpia (ΔH = q). Assim, se ΔH é positivo, então q é positivo, calor é absorvido das vizinhanças e a reação ou sistema
fosfofrutoquinase
ADP Frutose-1,6-bisfosfato
frutose bisfosfatase H2PO4
Figura 6. Ciclo entre os intermediários glicolíticos frutose-6-fosfato e frutose-1,6-bisfosfato, catalisados pelas enzimas fosfofrutoquinase e frutose bisfosfatase, respectivamente.
é dito endotérmico. Se ΔH é negativo, então q é negativo, calor é produzido pelo sistema e flui para as vizinhanças, o qual é dito exotérmico; este é o caso para a grande maioria dos processos metabólicos em sistemas vivos (MacQuarrie; Simon, 1997). Desde que ΔH obedece à primeira lei da termodinâmica e não é influenciada pela concentração dos compostos intermediários, a variação de entalpia de um substrato metabolizável durante a sua oxidação em uma célula é a mesma que a obtida por um calorímetro. Desde que -ΔH representa o calor produzido por um processo metabólico em um sistema vivo (quando trabalho não é realizado) o conhecimento do seu valor pode ajudar a compreender o mecanismo proposto para a produção de calor em organismos vivos. Como exemplo, pode-se citar o caso das abelhas que, mesmo não
Desde que DH para a hidrólise de ATP libera, aproximadamente, -20 kJ mol-1 (Rawn, 1989) e, desde que nenhum trabalho é realizado, cada mol de ATP hidrolisado por este ciclo produz 20 kJ de calor para o aquecimento dos seus músculos. Entretanto, ADP e H2PO4– não acumulam, mas são convertidos, novamente, em ATP como um resultado do metabolismo de fontes de energia, como, por exemplo, a glicose. Consequentemente, o calor total liberado para as vizinhanças como um resultado do ciclo é a soma dos 20 kJ, devido à hidrólise do ATP e o calor liberado (por mol de ATP regenerado) pela reação representada pela seguinte equação: Fonte de carbono + n ADP3– + n H2PO4– → → produtos finais + n ATP4–
mantendo a temperatura de seus corpos constante,
Nas células, quando a glicose é a única fonte de
são capazes de manter temperatura dos seus mús-
substrato e é completamente oxidada, 2820 kJ de
culos acima dos 30 ºC enquanto se alimentam nas
calor são liberados pela hidrólise de 38 moles de
flores. Isto as permite retomarem o voo de forma
ATP provenientes do metabolismo aeróbico.
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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
Portanto, pela primeira lei da termodinâmica,
No entanto, processos metabólicos, assim como
o calor liberado durante a oxidação de um mol de
a grande maioria dos sistemas químicos, são defi-
glicose produzindo CO2 deve ser a soma dos calo-
nidos por situações intermediárias entre esses dois
res liberados pelas seguintes reações:
extremos, de forma que a diminuição da energia do
Glicose + 6 O2 + 38 ADP3– + 38 H2PO4– → → 6 CO2 + 6 H2O + 38 ATP4– 38 ATP4– → → 38 ADP3– + 38 H2PO4–
sistema ou o aumento da entropia não definem, por si só, a espontaneidade de um dado processo. Para esses casos intermediários, que representam a imensa maioria dos sistemas estudados, foi desenvolvida equação de Gibbs, a qual define a
8
Entropia e energia livre de Gibbs
espontaneidade com base nas duas propriedades de estado, entropia e energia (entalpia).
Como foi apresentado, a função mais adequada
Em sistemas fechados, os processos espontâneos
para o estudo energético do metabolismo, à pressão
ocorrem com ΔS > 0 atingindo um valor máximo no
constante, é a variação de entalpia DH. Entretanto,
equilíbrio. Por outro lado, em sistemas abertos, é
nem ΔH nem ΔU, para a reação metabólica X Y,
a soma das variações de entropia do sistema das
podem indicar se, para uma dada concentração de
vizinhanças que tende ao máximo. Porém, inde-
X e Y, a reação se aproxima do equilíbrio ou se
pendente do tipo de sistema, toda reação química
está, de fato, no equilíbrio.
espontânea, inclusive aquelas que direcionam os
Em um sistema vivo aberto, como o represen-
processos biológicos de crescimento e reprodução,
tado na Figura 5, a situação é mais complexa porque
são reações que ocorrem na direção em que há uma
a direção na qual uma reação ocorre é determinada
diminuição da energia livre de Gibbs.
pelo fluxo de material através da rota metabólica.
Com estas ideias em mente, é possível explicar
A informação sobre qual direção uma reação se
porque a vida, que pode ser considerada uma cole-
aproxima do equilíbrio, em um sistema aberto, é
ção de processos biológicos, acontece em acordo
resolvida pela aplicação da segunda lei da termo-
com a Segunda Lei da termodinâmica. Não é difícil
dinâmica, a qual é mais rigorosamente definida em
imaginar condições na célula que podem conduzir,
termos da função de estado entropia (S).
espontaneamente, muitas das reações de catabo-
A entropia é uma propriedade de estado ter-
lismo. Afinal, a quebra de moléculas grandes, tais
modinâmico que mede a dispersão de matéria no
como açúcares e lipídeos, em moléculas menores
espaço. Do ponto de vista estatístico, ela determina
conduz a uma dispersão de matéria na célula e,
em quantos microestados, ou seja, por quantas for-
consequentemente, a um aumento de entropia.
mas diferentes, energeticamente equivalentes, um dado sistema pode ser representado.
Energia é também dispersada quando ela é liberada devido à combustão de carboidratos.
Nos extremos, podemos admitir que a entropia,
Mais difícil de racionalizar é o requisito da vida
ou a entalpia, age exclusivamente na determinação
de organizar um grande número de moléculas em
da espontaneidade, ou seja, em um processo isoen-
células vivas as quais se agrupam em um orga-
trópico, a redução da energia do sistema responde,
nismo. Nesse processo de organização celular, a
exclusivamente, pela espontaneidade, enquanto
entropia do sistema é, certamente, reduzida por-
que em um sistema isoenergético, a espontanei-
que a matéria torna-se menos dispersa quando as
dade torna-se uma função exclusiva da variação de
moléculas se agrupam para formar células, teci-
entropia do sistema.
dos, órgãos etc. No entanto, a redução da entro-
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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
pia do sistema ocorre à custa de um aumento de
cessos metabólicos), a necessidade de se avaliar ΔS
entropia das vizinhanças, pois células crescem
para ambos, sistema e vizinhança, pode ser evitada
devido à conversão de energia da oxidação dos
usando outra função para o sistema, a qual é conhe-
carboidratos parcialmente em trabalho. A energia
cida como energia livre de Gibbs (ou simplesmente
remanescente é liberada como calor para as vizi-
função de Gibbs). Para o seu entendimento, é neces-
nhanças, de modo que qviz > 0 e ΔSviz > 0. Como
sário apresentar a definição clássica de entropia e do
em qualquer processo, a vida é espontânea, pois
conceito de reversibilidade termodinâmica.
o aumento de entropia das vizinhanças da célula
Um sistema é dito termodinamicamente rever-
compensa a diminuição da entropia decorrente da
sível se ele ocorre de forma infinitamente lenta, de
auto-organização do organismo.
maneira que o equilíbrio entre o sistema e as vizi-
Pela segunda lei, conforme já comentado, o cri-
nhanças não é perturbado de modo algum. As úni-
tério de espontaneidade é atendido quando a soma
cas reações metabólicas ou sistemas que satisfa-
das variações de entropia do sistema e da vizinhança
zem esta condição são aquelas que estão realmente
aumenta, conforme representado pela Equação 7:
em equilíbrio. Consequentemente, qualquer reação
ΔSsist + ΔSviz > 0 [7] Os sistemas vivos possuem características termodinâmicas bastante particulares, suas células são compostas por um conjunto de moléculas com alto grau de organização. Essa organização, embora pareça se opor à segunda lei da termodinâmica, indicando uma entropia negativa, está em perfeita concordância com a mesma. A energética de processos vivos é extraordinária, pois em um universo onde processos espontâneos são o resultado de um aumento da desordem (entropia), sistemas vivos são capazes de produzir
ou sistema que não está em equilíbrio é termodinamicamente irreversível, como é o caso de um sistema metabólico em estado estacionário. É muito importante não confundir reversibilidade termodinâmica com reversibilidade cinética. Somente uma reação realmente em equilíbrio é cineticamente e termodinamicamente reversível. Desta maneira, o estado estacionário representado na Figura 5, é uma reação cineticamente reversível, em uma rota metabólica, e é termodinamicamente irreversível. Quando um sistema se comporta de forma termodinamicamente reversível, a variação de entropia do sistema é definida como a razão entre o calor trocado com a vizinhança e a temperatura, assim:
diminuições localizadas de entropia (MacQuarrie;
ΔS = qrev / T [8]
Simon, 1997; Lehninger; Nelson; Cox, s/d). O aumento de entropia nas vizinhanças de um sistema vivo aberto ocorre basicamente de duas formas:
No equilíbrio, uma reação é termodina micamente reversível de modo que ΔH é igual a qrev. Logo,
• Liberação de uma quantidade de espécies metabólicas muito superiores à quantidade de espécies reagentes e pela geração de produtos gasosos;
ΔS = ΔH / T [9] ou ΔH – TΔS = 0 [10]
• Liberação de calor pelo sistema.
Para um sistema termodinamicamente irreversíSe a temperatura do sistema é constante (uma
vel, como o da Figura 5, o valor de q e, portanto,
condição que pode ser aplicada à maioria dos pro-
TΔS depende das concentrações [X] e [Y], tornando
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Termodinâmica do Metabolismo de Sistemas Vivos
a função ΔS diferente das funções de estado ΔH e
e produtos Y, no interior da célula, seja conhecida.
ΔU, pois o valor de ΔS depende diretamente das
Desta forma, a propriedade termodinâmica mais
concentrações dos substratos e produtos da reação.
importante para o estudo de sistemas vivos é o
No sistema metabólico representado pela
calor produzido nos processos metabólicos e este
Figura 5, uma mudança na razão [X]/[Y], altera a
calor pode ser obtido em tempo real, utilizando-se
natureza do processo e, desta forma, q e, também,
microcalorímetro isotérmico de condução, tanto
ΔS são alterados. Como já dito, ΔU e ΔH não são
na versão de fluxo contínuo quanto na de batelada.
afetados por tais mudanças na concentração. A definição quantitativa de ΔS, já comentada, permite a obtenção de uma função muito útil, a energia livre
9
Conclusão
de Gibbs, a partir da condição de espontaneidade
O monitoramento do calor liberado em siste-
apresentada na Equação 7. Multiplicando-se a
mas vivos, utilizando os modernos microcalorí-
Equação 7 pela temperatura (T), obtém-se:
metros isotérmicos de fluxo de condução de calor,
TΔSsist + TΔSviz > 0 [11]
tem possibilitado o estudo físico‑químico destes sistemas e, consequentemente, o avanço da bioe-
Desde que o calor absorvido pelo sistema seja
nergética. Diante da complexidade termodinâmica
igual à ΔH, a vizinhança pode ser restaurada ao
dos sistemas vivos e da inexistência nos livros-tex-
seu estado original, fornecendo uma quantidade de
tos de física-química da discussão termodinâmica
calor igual à ΔH. Por definição, variação de entro-
de um sistema vivo, a intenção deste trabalho foi
pia é ΔH/T e, desde que a entropia é uma função
desenvolver uma abordagem didática introdutória
de estado, a variação de entalpia deve ser igual e
à bioenergética.
oposta à que ocorreu durante o processo, portanto:
O texto é destinado a estudantes de graduação
ΔSviz = -ΔH/T [12]
em química e em ciências biológicas, mostrando
Consequentemente, a condição de espon
como os princípios básicos da termodinâmica clássica podem ser interpretados e discutidos quando
taneidade se torna:
se estuda um sistema vivo. Os princípios básicos
TΔS sist – ΔH > 0 [13]
da termodinâmica juntamente com uma discussão
ou
de como as funções de estado, entalpia, entropia ΔH – TΔS < 0 [14]
e energia livre de Gibbs podem ser usadas, enfa-
A função (H-TS) é conhecida como energia
liberado nos sistemas vivos.
tizando a importância do monitoramento do calor
livre de Gibbs ou função de Gibbs, de modo que a T e P sejam constantes: ΔG = ΔH – TΔS [15] Finalmente, desde que ΔS é diretamente afe-
10
Referências
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Artigo 02 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
p. 23-34
ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo The National High School Examination and the Contents of the Teachers Notebook and the Students Notebook Adopted by Secretaria da Educação do Estado de São Paulo in Public Schools Solange de Fátima Azevedo Dias1 e Carmem Lúcia Costa Amaral2
Resumo O governo do Estado de São Paulo, com o intuito de melhorar a qualidade do ensino público, resolveu implantar um currículo único para todas as escolas estaduais, do Ensino Fundamental e Médio. Para a implantação desse currículo foram elaborados dois materiais didáticos, intitulados Caderno do Professor (CP) e Caderno do Aluno (CA). Esse artigo tem o objetivo de identificar se os conteúdos presentes nos cadernos de Química são pertinentes aos conteúdos abordados em algumas questões de química que fizeram parte do Enem 2011. Considerando o Enem como a principal avaliação de alunos ao final da Educação Básica e que também teve como objetivo reformular o currículo do Ensino Médio, fizemos uma análise comparativa de algumas questões de química do Enem 2011 com os conteúdos e as competências do CP e do CA e, no final, apontamos quantas questões poderiam ser acertadas por alunos de escolas públicas estaduais que utilizam esses materiais. Palavras-chave: Currículo; Caderno do professor; Enem 2011. Abstract With a view to improving the quality of public education, the government of São Paulo state decided to implement a single curriculum for all public schools, including middle school and high school students. For this curriculum implementa1. Doutoranda do Programa de Pós-graduação de Ensino de Ciências e Matemática. 2. Orientadora do Programa de Pós-graduação de Ensino de Ciências e Matemática.
ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo
tion were developed teaching materials, titled as “Caderno do Professor-CP” (Teacher’s Notebook) and “Caderno do Aluno-CA” (Student’s Notebook). This article aims to identify if the contents present in the chemistry notebooks are relevant to the content discussed in some issues of chemistry discipline in Enem 2011. Considering the Enem as the main assessment of students at the end of basic education and also aim to review the high school curriculum, we start with a comparative analysis of some chemistry issues of Enem 2011 with the content and skills of the “CP” and “CA” materials and at the end we will point out how many issues could be settled by public schools students that use these materials. Key-words: Curriculum; Teacher’s notebook; Enem 2011.
1
O segundo eixo é formado por um conjunto de
Introdução
boas práticas que maximizam a gestão do currículo
O governo do Estado de São Paulo, com
na escola, especialmente construído para ter como
o intuito de melhorar a qualidade do ensino
interlocutores os diretores, vice-diretores, profes-
público, resolveu implantar um currículo único
sores coordenadores, assistentes técnico-pedagó-
para todas as escolas estaduais. Para a elabora-
gicos e supervisores de ensino. O terceiro eixo
ção desse currículo, em 2008, equipes de várias
trata da gestão do currículo na sala de aula e está
áreas do conhecimento se reuniram e elaboraram
estruturado em um material de apoio às atividades
um documento. A equipe de Química foi formada
do professor com sugestões de aulas, de materiais
por professores experientes em ensino, sendo que
complementares, de avaliação e até de projetos de
alguns deles também participaram da elaboração
recuperação paralela; esse material é chamado de
dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
Caderno do Professor (CP).
Médio (PCNEM), ou seja, são professores atu-
Para os alunos, foi elaborado o Caderno do
antes, com experiência tanto nas áreas de ensino
Aluno (CA), construído com o mesmo formato e
quanto de pesquisa e em elaboração de propostas
número de exemplares do CP, além de conter ati-
curriculares oficiais.
vidades escritas, espaço para a resolução de ativi-
Para a elaboração desse Currículo de Química
dades, exercícios e atividades experimentais. Esse
(CQSP), a Secretaria Estadual da Educação de São
CA é uma ferramenta preparada para ser utilizada
Paulo (SEESP) solicitou à equipe que se orientasse
pelos alunos para colocar em prática os conteúdos
nos documentos oficiais (PCN, DCN e OCN). O
determinados no CQSP para o Ensino Médio. O
CQSP foi organizado em três eixos bem específi-
ensino de química deve contemplar conteúdos que
cos, mas complementares em princípios e ações.
façam parte de um dos subsistemas da educação
O primeiro deles contém a proposta curricular
básica; entretanto, ele não pode ser isolado dos
propriamente dita (CQSP) e apresenta as ideias
demais e deve interagir e se relacionar, pois todos
norteadoras de todo o trabalho, os conceitos estru-
interferem nos processos sociais, econômicos,
turantes de todas as áreas e suas disciplinas con-
políticos, científicos, tecnológicos, éticos e cultu-
siderando série e nível de ensino, também com
rais, ou seja, deve constituir a ciência.
sugestões de organização bimestral das atividades de ensino.
24
Se a química for apresentada como ciência, com seus conceitos, métodos e linguagens pró-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo
prios, e como construção histórica, relacionada ao
tas, não sendo sempre, por isso, claramente perce-
desenvolvimento tecnológico e aos muitos aspec-
bido pela comunidade escolar, mas perpassando, o
tos da vida em sociedade, como descrevem os PCN
tempo todo, as atividades escolares. Desta forma, a
(Brasil, 1998), o CQSP pode ser utilizado como
implantação do CQSP pode não ser integralmente
um instrumento da formação humana, que amplia
colocada em prática na escola, pois esta tem vida e
os horizontes culturais e a autonomia, bem com o
nela são praticados vários tipos de currículos.
exercício da cidadania e promove um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade.
Embora existam vários tipos de currículos na escola, o cotidiano do aluno ainda não faz parte
Se o ensino de química pode ser um instru-
deles. Estudos mostram que o ensino de química
mento de formação, pode-se afirmar, então, que
ainda é de memorização passiva de conceitos e que
as ações da escola, através do CQSP, desempe-
a compartimentalização dos conteúdos leva a uma
nhadas pelos professores, podem levar a uma ação
aprendizagem puramente mecânica, desinteressante
educativa e, para colocar em prática essas ações
e de difícil compreensão, sem o menor sentido e vin-
deve-se definir com quais conteúdos o currículo
culação com o todo. Entretanto, segundo a SEESP,
deve ser recheado, pois, segundo Sacristán (2000),
com esse CQSP pretende-se um ensino de química
o currículo pode ser um percurso a ser atingido e
que leve o aluno a uma compreensão dos processos
deve ser recheado de conteúdo e guia que levam
químicos em estreita relação com suas aplicações
ao progresso do sujeito pela escolaridade, sendo
tecnológicas, ambientais e sociais, de modo a emitir
um caminho que apresenta grandes desafios em
juízos de valor, tomando decisões de maneira res-
sua trajetória. O currículo também é um meca-
ponsável e crítica, nos níveis individual e coletivo.
nismo de controle social – políticas educacionais e
Desta forma, ela assume que a implantação
culturais – e econômico, e cabe ao professor saber
desse currículo tem como um dos objetivos alterar
que o mesmo não é neutro e nem aleatório e que
de forma significativa o ensino e a função social
os conteúdos que são apresentados no documento
da escola, pois a elaboração deste CQSP partiu
têm um motivo para estarem ali, pois podem repre-
dos conhecimentos e de experiências práticas, da
sentar os interesses de um determinado grupo.
revisão da sistematização de documentos, publica-
Podemos afirmar, então, que a SEESP sendo
ções e diagnósticos e análise de resultados de pro-
responsável pelo sistema educacional no estado,
jetos já realizados no âmbito das escolas. Se esse
ao definir o CQSP, utilizando como princípios a
objetivo da SEESP for alcançado, sendo utilizado
formação humana, a organização dos saberes para
o CQSP e também os materiais pedagógicos (CP
auxiliar a comunidade escolar na execução de
e CA) pelos profissionais da educação, deve-se
seus trabalhos, o planejamento de suas aulas e o
diminuir as dificuldades encontradas no atual sis-
pleno desenvolvimento do currículo na escola, está
tema de ensino em termos de organização curricu-
desempenhando o seu controle social. Entretanto,
lar e material didático, levando a uma melhoria na
mesmo com esse controle através do currículo, a
qualidade de ensino.
educação não institucionalizada interfere na edu-
No entanto, esses materiais pedagógicos vêm
cação escolar que é a vivida por professores, alu-
sofrendo críticas severas por parte dos professo-
nos e comunidade escolar, levando a outros tipos
res, mas, de acordo com a SEESP, eles foram lidos,
de currículo, como o real e o oculto. O real é aquele
analisados, aplicados e causou excelente impacto
que, de fato, acontece na escola, e o oculto é aquele
na Rede Estadual de Ensino e ainda que, mesmo
que não está explicitado nos planos e nas propos-
com algumas críticas, foram realizadas indica-
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
25
ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo
ções no sentido de aperfeiçoá-los, que em nenhum
relação entre partes e totalidade. Ele organiza o
momento se considerou que os cadernos não deve-
conhecimento e auxilia no processo de ensino-
riam ser produzidos. Sendo assim, é de se esperar
-aprendizagem. Assim, os conteúdos curriculares
que esses materiais venham a ser utilizados pelos
devem servir como meios para constituição de
professores em seu fazer pedagógico. Porém, não
competências e valores, e não como objetivos do
se pode garantir que essa afirmação da Secretaria
ensino em si mesmos. O ensino é o conjunto de
venha a contemplar de forma efetiva a utilização
atividades que transformam o currículo na prática
do material, pois, muitas vezes, mesmo sendo o
para produzir a aprendizagem.
docente um dos membros da sua construção, ele
Desta forma, ambos os conceitos precisam ser
acaba criando o seu próprio currículo na sala de
entendidos como interação recíproca ou circular,
aula, mesmo quando afirma utilizar certo livro
o ensino não pode ser visto como perspectiva de
didático ou proposta alternativa. No entanto, a uti-
ser uma atividade instrumental para fins e conte-
lização dos mesmos será de forma mais compro-
údos preestabelecidos antes da ação, e sim como
metida e capaz de levar o professor a refletir sobre
prática, na qual os componentes curriculares são
sua prática e basear-se, também, em fundamenta-
transformados e o seu significado real torna-se
ções teóricas. Partindo-se dessa autonomia de criar
concreto para o aluno.
seu próprio currículo ele acaba criando uma inter-
Para Kemmis (1988), o currículo trata de como
venção na forma de ensinar, quando, como e o que
o projeto educativo é realizado nas aulas, dessa
ensinar.
forma, o que importa não é só um projeto escrito,
Ao observar a disposição dos conteúdos e ativi-
mas sim, seu desenvolvimento prático. O currí-
dades do CP e do CA, invariavelmente, questiona-
culo é muito importante, pois reagrupa diversas
-se o papel do professor como agente participativo
perspectivas e linhas de investigação em torno
na construção do CQSP. Ao utilizar sem adequa-
das decisões, organização e desenvolvimento na
ções o CP e o CA os professores passam a colo-
prática dos conteúdos educativos. Para atender
car em prática as políticas educacionais de forma
a esses aspectos é necessário o envolvimento de
imposta, sem autonomia nas tomadas de decisão
todos e dependerá da compreensão que se elabora
do que, quando e como ensinar. O conhecimento
sobre a realidade, as competências atribuídas aos
se constrói nas diferentes realidades dos alunos,
professores e às escolas, bem como a maneira de
ele se dá a partir do que é sabido pelo sujeito de
enfocá-lo.
seu cotidiano, do que ele internalizou ao longo de
No caso do CQSP, a SEESP não assume que é
seu desenvolvimento por meio das relações sociais
um currículo fechado e que não dá autonomia aos
estabelecidas como produção cultural. E o papel
profissionais que o utilizam. Segundo a mesma, a
do professor é o de ter autonomia para dominar
forma que o CP e o CA foram elaborados prepara
certas competências para agir de forma individual
o aluno para que, ao término da Educação Básica,
ou coletivamente no exercício de sua profissão, e é
enfrente os desafios do mundo contemporâneo e
com a interação com o aluno e nas relações sociais
atenda às necessidades da sociedade atual. O CQSP
que os sujeitos produzem conhecimento.
é um material que deve ser visto como um espaço
O currículo deve fazer parte das interações
de cultura, as competências têm como prioridade
entre todos os envolvidos, deve ser vivo, aberto à
a leitura e a escrita e a articulação dessas compe-
constantes mudanças da vida cotidiana da comu-
tências deve levar o aluno a aprender e a contex-
nidade escolar. O currículo assim pensado é uma
tualizar no mundo do trabalho e a dialogar com a
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo
realidade em sua volta. Nele, o ensino de Química
natureza e no sistema produtivo (1ª série); mate-
passa a enfatizar a compreensão dos processos quí-
riais e suas transformações (2ª série); e atmosfera,
micos e sua aproximação com aplicações tecnoló-
hidrosfera e biosfera como fontes de materiais
gicas, ambientais e sociais e tem, como um dos
para uso humano (3ª série). Com essa organiza-
objetivos, envolver o aluno no processo de cons-
ção, segundo a SEESP, os conhecimentos difundi-
trução de seus próprios conhecimentos. Propõe
dos no ensino da Química permitem a construção
uma modificação na ordem tradicional dos conteú-
de uma visão de mundo mais articulada e menos
dos, bem como uma nova forma de abordagem. No
fragmentada, contribuindo para que o indivíduo se
CQSP, deseja-se que os professores desenvolvam
veja como participante de um mundo em constante
os conteúdos de forma a reestruturar sua própria
transformação.
ação pedagógica. Os princípios do CQSP são:
Com o CQSP, à medida que o aluno aprende um conceito, ele traça um novo patamar de conhe-
1. Uma escola que também aprende;
cimento. Com ele, há uma mudança no foco do
2. O currículo como espaço de cultura;
ensino, deixando de lado a exposição de conteúdos
3. As competências como referência;
desinteressantes e desvinculados com a vida do
4. Prioridade para a competência da leitura e
aluno, incentivando-o a desenvolver as competên-
da escrita;
cias e habilidades adequadas, as quais o capacita-
5. Articulação das competências para aprender;
rão a tomar suas próprias decisões em situações
6. Articulação com o mundo do trabalho.
problematizadas, contribuindo, assim, para o seu
Esses princípios se fundamentam na consti-
desenvolvimento como cidadão participante da
tuição das competências previstas na LDB,
sociedade.
nas DCN para o Ensino Médio e na Matriz
Para alcançar a tão sonhada participação
de Competências do Exame Nacional do
cidadã, o currículo tem que apresentar significado
Ensino Médio (Enem). Os conteúdos apre-
para o aluno, pois ao final da Educação Básica ele
sentados no CP e no CA, bem como as
se defronta com dois grandes desafios: estar pre-
estratégias de ensino, tendo em vista a for-
parado para o mundo do trabalho e ter condições
mação de indivíduos que sejam capazes de
de dar continuidade aos estudos em nível superior.
se apropriar de saberes de maneira crítica
A tentativa de alcançar o segundo pode ser através
e ética, foram construídos a partir de estu-
do Enem.
dos empíricos da transformação química e
Uma vez que esse exame está sendo utilizado
das propriedades das substâncias. Nesses
como parte do processo seletivo de centenas de
materiais, os conteúdos foram estruturados
IES, públicas e privadas, o objetivo desse trabalho
sobre o tripé: transformações químicas,
é investigar se o CQSP desenvolve as competên-
materiais e suas propriedades e modelos
cias e habilidades exigidas para resolver questões
explicativos.
do Enem. Para atingir esse objetivo, realizou-se uma análise comparativa de algumas questões de
Os conteúdos são organizados por temas de acordo com as séries: transformação química na
Química do Enem 2011 com os conteúdos e as competências do CP e CA.
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ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo
2
Questão 1 – Um dos problemas dos combus-
Metodologia
tíveis que contêm carbono é que sua queima produz dióxido de carbono. Portanto, uma caracterís-
Inicialmente, realizou-se um levantamento das
tica importante, ao se escolher um combustível, é
competências e habilidades de Química descritas
analisar seu calor de combustão (∆HCº), definido
pelo CQSP com as competências e habilidades do
como a energia liberada na queima completa de
Enem, as quais estão apresentadas nos Quadros 1 e
um mol de combustível no estado padrão. O qua-
2, respectivamente.
dro seguinte relaciona algumas substâncias que
O Enem apresenta apenas uma competência
contém carbono e seu ∆HCº:
que é: apropriação de conhecimentos da Química para, em situações-problema, interpretar, avaliar
Substância
ou planejar intervenções científico-tecnológicas. Para essa competência, o aluno deve desenvolver as habilidades citadas no Quadro 2.
Fórmula
Ƽc (kJ/mol)
Benzeno
C6H6(l)
- 3 268
Etanol
C2H5OH(l)
- 1 368 - 2 808
Em seguida, foram selecionadas cinco ques-
Glicose
(C6H12)6(s)
Metano
CH4(g)
- 890
tões relacionadas com os conteúdos de Química do
Octano
C6H18(l)
- 5 471
Enem 2011 e foi analisado se o CP e as atividades propostas para os alunos nos CA contemplam os
Neste contexto, qual dos combustíveis, quando
conteúdos e as respectivas competências relacio-
queimado completamente, libera mais dióxido de
nados a essas questões, de forma a dar-lhe condi-
carbono para o ambiente pela mesma quantidade
ções de resolução correta das mesmas. As questões
de energia produzida?
escolhidas foram:
Resposta correta: a glicose.
Quadro 1. As competências e habilidades do CQSP. Habilidades
Simbologia
Comunicação e expressão
Competência
Reconhecer e utilizar a linguagem química; analisar e interpretar textos científicos; e saber buscar informações, argumentar e posicionar-se criticamente.
C1H1
Compreensão e investigação
Identificar variáveis relevantes e regularidades; saber estabelecer relações; conhecer o papel dos modelos explicativos na ciência, saber interpretá-los e propô-los; e articular o conhecimento químico com outras áreas do saber.
C2H2
Contextualização e ação
Compreender a ciência e a tecnologia como partes integrantes da cultura humana contemporânea; reconhecer e avaliar o desenvolvimento da Química e suas relações com as ciências, seu papel na vida humana, sua presença no mundo cotidiano e seus impactos na vida social; reconhecer e avaliar o caráter ético do conhecimento científico e tecnológico; e utilizar esses conhecimentos no exercício da cidadania.
C3H3
Quadro 2. A competência e as habilidades de Química do Enem. Habilidades
Simbologia
Utilizar códigos e nomenclatura da química para caracterizar materiais, substâncias ou transformações químicas.
H1
Caracterizar materiais ou substâncias, identificando etapas, rendimentos ou implicações biológicas, sociais, econômicas ou ambientais de sua obtenção ou produção.
H2
Avaliar implicações sociais, ambientais e/ou econômicas na produção ou no consumo de recursos energéticos ou minerais, identificando transformações químicas ou de energia envolvidas nesses processos.
H3
Avaliar propostas de intervenção no meio ambiente aplicando conhecimentos químicos, observando riscos ou benefícios.
H4
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ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo
Questão 2 – Belém é cercada por 39 ilhas, e
De acordo com as normas internacionais, os valo-
suas populações convivem com ameaças de doen-
res mínimo e máximo das densidades para essas
ças. O motivo, apontado por especialistas, é a
ligas são de 8,74 g/mL e 8,82 g/mL, respectiva-
poluição da água do rio, principal fonte de sobre-
mente, 7,3 g/mL e 11,3 g/mL. Um lote contendo
vivência dos ribeirinhos. A diarreia é frequente nas
5 amostras de solda estanho-chumbo foi analisado
crianças e ocorre como consequência da falta de
por um técnico, por meio da determinação de sua
saneamento básico, já que a população não tem
composição percentual em massa, cujos resultados
acesso a água de boa qualidade. Como não há água
estão mostrados no quadro a seguir:
potável, a alternativa é consumir a do rio. O procedimento adequado para tratar a água dos rios, a fim de atenuar os problemas de saúde causados por
Amostra
Porcentagem de estanho em Sn (%)
Porcentagem de Pb (%) 40
I
60
Resposta correta: cloração.
II
62
38
III
65
35
Questão 3 – A pele humana, quando está
IV
63
37
V
59
41
microrganismos a essas populações ribeirinhas é:
bem hidratada, adquire boa elasticidade e aspecto macio e suave. Em contrapartida, quando está ressecada, perde sua elasticidade e se apresenta opaca e áspera. Para evitar o ressecamento da pele é necessário, sempre que possível, utilizar hidra-
Com base no texto e na análise realizada pelo técnico, as amostras que atendem às normas internacionais são? Resposta correta é: 8,82 g/mL e 8,78 g/mL.
tantes umectantes, feitos geralmente a base de glicerina e polietilenoglicol. A retenção de água na superfície da pele promovida pelos hidratantes é consequência da interação dos grupos hidroxila dos agentes umectantes com a umidade contida no ambiente por meio de: Resposta correta: forças dipolo-dipolo Questão 4. Certas ligas estanho-chumbo, com
Questão 5 – O peróxido de hidrogênio é comumente utilizado como antisséptico e alvejante. Também pode ser empregado em trabalhos de restauração de quadros enegrecidos e no clareamento de dentes. Na presença de soluções ácidas de oxidantes, como o permanganato de potássio, este óxido decompõe-se, conforme a equação a seguir:
composição específica, formam um eutético sim-
5 H2O2 (aq) + 2 KMnO4 (aq) + 3H2SO4 (aq) →
ples, o que significa que uma liga com essas carac-
5 O2(g) + 2 MnSO4 (aq) + K2SO4 (aq) +
terísticas se comporta como uma substância pura,
8 H2O (l)
com um ponto de fusão definido, no caso 183ºC. Essa é uma temperatura inferior mesmo que o
De acordo com a estequiometria da reação des-
ponto de fusão dos metais que compõem esta liga
crita, a quantidade de permanganato de potássio
(o estanho puro funde a 232ºC e o chumbo puro
necessária para reagir completamente com 20 ml
a 320ºC), o que justifica sua ampla utilização na
de uma solução 0,1 mol/L de peróxido de hidrogê-
soldagem de componentes eletrônicos, em que o
nio é igual a.
excesso de aquecimento deve ser sempre evitado.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Resposta correta: 8,0.10-4 mol.
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3
... que se inicia com um texto explicativo de ener-
Resultados e discussão As competências e habilidades para a resolução dessas questões estão apresentadas no Quadro 3.
gia liberada na combustão, com a reação: CH4 (g) + 2 CO2 (g) → 2 H2O (g) + CO2 (g) Após essa reação, é apresentado um modelo explicativo das ligações nos reagentes e produtos
Quadro 3. Habilidades e competências do CQSP e do Enem 2011.
da reação, indicando os valores de energia de ligação em kJ/mol, através de diagramas de representação de energia exotérmica e endotérmica.
Competências e Habilidades
Habilidades
CQSP
Enem
fessor (“se o professor achar conveniente”) utilize
1
C1H1, C2H2 e C3H3
H1, H2, H3 e H4
2
C1H1, C2H2 e C3H3
H1, H2, H3 e H4
o termo “entalpia”, utilizado para expressar varia-
3
C1H1, C2H2 e C3H3
H1, H2, H3 e H4
4
C1H1, C2H2 e C3H3
H1, H2, H3 e H4
5
C1H1, C2H2 e C3H3
H1, H2 e H3
Questões
Na p. 59, do mesmo CP, é sugerido que o pro-
ções de energia que acontecem à pressão contante. O texto relata o calor de combustão do propano e a respectiva variação de entalpia (∆H). Porém, dá ênfase na problematização das reações endotérminas e exotérmicas e solicita que os alunos
A partir dos dados comparativos do Quadro 3,
elaborem um texto relacionando o envolvimento
pode-se perceber que, para a questão 1, os alunos
de energia, quebra de ligação, significado de ∆H e
deveriam ter desenvolvido, segundo o Enem, as
calor de reação.
habilidades H1, H2, H3 e H4 e as competências e
No CA (2ª s, v2), p. 43, um exercício-desafio
habilidades C1 H1, C2 H2 e C3 H3 do CQSP, pois
sugere uma síntese de ideias sobre o assunto e
o exercício exige que o aluno saiba ler, interpretar
apresenta questões de ordem teórica sobre energia
e representar as equações químicas de combustão
envolvida em transformações químicas e um expe-
e relacionar a quantidade de energia envolvida por
rimento: comparação do poder calorífico entre o
mol de CO2 formado. O aluno deveria chegar à
querosene e etanol, em que é solicitado o cálculo
conclusão que a glicose, quando queimada com-
de massa consumida por diferentes combustíveis
pletamente, libera mais CO2 por mol, considerando
no aquecimento de um mesmo volume de água.
a mesma quantidade de energia produzida por cada
Na p. 46, do mesmo caderno, encontra-se um exercício de decomposição do carbonato de cálcio
uma das substâncias em questão. Analisando-se as competências e as habili-
(CaCO3) para que o aluno defina se a reação é endo
dades necessárias para resolver a questão, com
ou exotérmica. Para sua resolução, ele apresenta os
ambos os objetos de comparação, verifica-se que o
valores de decomposição e formação de CO2 (∆H),
aluno poderia resolvê-la diante dos objetivos pro-
sem propor qualquer tipo de cálculo de quantidade
postos tanto pelo CQSP como pelo Enem.
de energia/mol produzida na formação do CO2.
A seguir, apresenta-se a análise das atividades
Após a análise dos materiais chega-se à con-
propostas no CP e CA para verificar se os mesmos
clusão de que seria necessário que o professor
são capazes de auxiliar o aluno a resolver as ques-
utilizasse outro material didático que envolvesse
tões do Enem.
uma situação-problema envolvendo conhecimen-
No CP da 2ª série volume 2 (CP 2ª s, v 2) p.54 a
tos numéricos e outra envolvendo a variação de
atividade que poderia levar o aluno a resolver este
grandezas, direta ou inversamente proporcionais.
exercício é a enumerada como 3.2:
Desta forma, pode-se concluir que o aluno teria
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algumas dificuldades em resolver esta questão: (1)
reter moléculas de água por formar ligação hidro-
se as competências e habilidades propostas fossem
gênio, e esta é uma força dipolo-dipolo.
desenvolvidas apenas com os tipos de atividades
O conceito de modelos sobre estrutura da maté-
contidas no CA e CP, que são voltadas para a lei-
ria inicia-se no CP (2ª s, v2) p.11. Nesse volume,
tura, escrita, construção e leitura de diagramas e
são introduzidos os modelos de átomo de Dalton
pouco prioriza a utilização de cálculos.
a Rutherford-Bohr para explicar o comportamento
Para resolver a questão 2, o aluno deveria
da matéria demonstrando que as forças de atração
desenvolver as habilidades e competências C1
e repulsão elétrica estão relacionadas com as pro-
H1, C2 H2 e C3H3 do CQSP e H1, H2, H3 e H4
priedades das substâncias nas ligações químicas.
do Enem, pois envolve a leitura, interpretação
Ainda no mesmo caderno, na p.16 até a p. 29,
do texto, conhecer os processos de tratamento de
são definidos e exemplificados todos os tipos de
água, etapas e tipo de substâncias químicas utili-
ligações químicas. As interações dipolo-dipolo são
zadas em cada uma delas e, finalmente, relacionar
representadas para explicar ligações entre duas
que os microrganismos causadores de problemas
moléculas de HCl (ácido clorídrico). Esses mode-
de saúde só podem ser extintos na presença de
los explicam que este tipo de ligação admite uma
hipoclorito de sódio, no processo de cloração, pois
distribuição de elétrons de valência assimétrica,
este é um agente bactericida, capaz de eliminar
levando à formação de um dipolo permanente na
estes agentes biológicos.
molécula (p. 17). Porém, ainda, insuficiente para
No CP, (2ª s,v.1) p. 48 e 49, na atividade deno-
que o aluno chegue à resposta correta.
minada “Tratamento da água – uma questão de
Na p. 38 do mesmo caderno são demonstra-
sobrevivência”, propõe-se uma situação de apren-
das, através de desenhos, as forças de atração e
dizagem utilizando atividades experimentais atra-
repulsão do hidrogênio (H), formando a molécula
vés da Internet (www.), levando o aluno a resolver
de gás hidrogênio (H2), definindo que o comparti-
esta questão com facilidade. Na mesma página tem
lhamento dos dois elétrons resulta em uma ligação
um esquema que demonstra claramente a cloração
molecular, introduzindo a ideia de polaridade e de
da água no início e fim do processo de tratamento,
arranjo espacial entre elementos para formar molé-
esquema este que faz parte do material disponibili-
culas. Sugere-se, na p. 39, que o professor solicite
zado no endereço eletrônico citado anteriormente.
que os alunos discutam “sobre as forças de atração
Pode-se concluir que o aluno da escola pública
e repulsão existentes na molécula da água”.
que realizou as atividades propostas pelo professor,
A partir da p. 22, do mesmo caderno, é pro-
teria habilidade e competência para a resolução
posto que o aluno represente com um desenho a
correta desta questão, sem grandes dificuladades.
interação entre a molécula de água (polar) e um
Quanto a questão 3, seria necessário que o aluno
sal, o NaCl (cloreto de sódio). Esta atividade deve-
desenvolvesse as habilidades H1, H2, H3 e H4 do
ria levar o aluno a perceber que no modelo de atra-
Enem e as competências e habilidades, C1 H1, C2
ção eletrostática, as interações se dão entre cátions
H2 e C3H3 do CQSP, uma vez que a questão exige
e entre ânions.
que o aluno saiba ler, interpretar a ligação química
Na p. 26, do CA (2ª s, v 2), é sugerido que seja
em termos de atrações e repulsões entre elétrons,
efetuada uma avaliação de aprendizagem, na qual
e relacionar essas ligações com a solubilidade das
os alunos devem explicar, em termos das intera-
mesmas em água. O aluno deveria ter aprendido
ções intermoleculares, a solubilidade em água de
que a glicerina, por ser um polietilenoglicol, pode
substâncias como a glicose e a glicerina (lição de
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
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ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo
casa). Na página seguinte, sugere-se uma atividade
respectivas temperaturas de fusão, para permitir
extra, como ampliação de conhecimento, pro-
que o aluno entenda que, durante a fusão, a tempe-
pondo uma representação molecular entre a água
ratura se mantém constante para substâncias puras.
e metanol, etanol e ácido fórmico e as respectivas
No mesmo caderno, p. 45, o conceito de densi-
interações dipolo-dipolo entre as moléculas.
dade é definido, utilizando-se a fórmula (d = m/V)
Percebe-se que, nos volumes analisados, os
e unidades (massa em g, ou kg e volume em cm3
conceitos vão se constituindo de forma sistemá-
ou dm3) sugerindo ao professor que utilize, com
tica e gradativa, sendo de grande importância
seus alunos, uma atividade experimental, disponí-
para a aprendizagem do aluno. Se o aluno reali-
vel nos arquivos da Rede do Saber.
zasse todas as atividades propostas e o professor
Nas p. 55 e 56, são propostas duas questões
fizesse a correção de forma comentada relacio-
para aplicação em processo de avaliação de alunos.
nando as forças dipolo-dipolo com solubilidade de
Na primeira, solicita-se que os alunos identifiquem
soluções, estabelecendo ligações hidrogênio entre
os materiais indicados em tabelas e, na segunda,
suas moléculas e outras moléculas que apresentem
que o mesmo avalie os dados de uma tabela para
grande eletronegatividade, o aluno poderia perce-
análise de afirmações.
ber que as ligações hidrogênio são forças dipolo-
A primeira tabela da p. 55 apresenta cinco
-dipolo, porém com dificuldade. Pode-se concluir
amostras sólidas, identificadas com letras de A a
que o aluno, mesmo tendo resolvido todas as ativi-
E e suas respectivas massas (g), volume inicial
dades dos cadernos, teria dificuldades na resolução
(cm3), volume final (cm3) e intervalo de tempo
da questão 3.
desde o aquecimento até a fusão e a temperatura
Na questão 4 as competências e habilidades
(ºC) na qual ocorreu a mudança de estado.
necessárias para sua interpretação e resolução de
A segunda tabela (p. 56) apresenta uma coluna
forma correta são: empregar a linguagem química
com o nome de oito metais, entre eles, o chumbo
para expressar transformações químicas; construir
e o estanho e as respectivas densidades (g/cm3) e
e interpretar tabelas e gráficos com dados de pro-
as temperaturas de fusão (ºC). Com os dados das
priedades das substâncias e resolução de problema,
referidas tabelas, é solicitado ao aluno que elabore
as quais estão nas competências e habilidades C1
duas atividades relacionando as densidades e tem-
H1, C2 H2 e C3H3 do CQSP e H1, H2, H3 e H4
peraturas de fusão. A 2ª questão, p.56, apresenta o gráfico da curva
do Enem. No CP 1ªs, v1, p. 39, o termo “fusão”é utilizado
de aquecimento [T (ºC) e t (s)] de uma substância
para definir a mudança de estado físico para identi-
pura sólida. O aluno deve analisar o ponto de fusão
ficar uma substância pura.
e solidificação e os estados físicos das substâncias
O CP (1ª s, v1), p. 42 e 43, propõe uma atividade de representação gráfica com a finalidade de
contidas na questão anterior à uma temperatura abaixo da especificada na curva de aquecimento.
mostrar que uma substância pura mantém tempe-
No CP (1ªs v.3), p. 13, na atividade 2, intitu-
ratura constante, a uma pressão estabelecida, nos
lada “Classificação periódica dos elementos”, os
pontos de ebulição e fusão. Sugere ao professor que
alunos devem agrupar os elementos químicos uti-
amplie a interpretação gráfica de curvas de aqueci-
lizando o ponto de fusão como critério. As compe-
mento de temperaturas de fusão por meio de exer-
tências e habilidades a serem desenvolvidas pelos
cícios, utilizando um gráfico com elementos, entre
alunos descritas neste caderno, são ler os símbolos
eles, o chumbo e o estanho, no estado sólido, e as
e compreender o significado dessa simbologia.
32
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ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo
No mesmo caderno, nas p. 36 e 37, a atividade
O CP (1ªs, v.3), p. 26, na atividade “quantidade
1 “Metais no cotidiano” apresenta uma liga de Pb,
de partículas envolvidas em uma transformação
Sn e Sb, e mostra os seus respectivos pontos de
química”, introduz o conceito de massa atômica e
fusão. Este é um fato que poderia ser familiar ao
cálculos envolvendo n° de partículas e as respec-
aluno durante a resolução da questão 4, porém,
tivas massas atômicas de reagentes e produtos e
não demonstra nem sugere cálculos envolvendo o
balanceamento de equação química.
assunto. Desta forma, o conteúdo de ligas metá-
No CP (1ªs, v.4), p. 10 a p. 31, são introduzi-
licas e as atividades propostas nesses dois volu-
dos os conceitos da unidade mol e quantidade de
mes (CP e CA), da forma que estão propostas, não
partícula, utilizando experimentos simples, como
garantem que o aluno consiga resolver a questão
contagem de grãos. No CP (2ª s, v1), da p. 28 até
4 do Enem, pois, em nenhuma das atividades o
a p. 44, são propostas atividades envolvendo o
mesmo realiza cálculos de misturas de metais para
conceito de concentração (g/L), concentração em
formar ligas, dificultando a resolução correta da
mol/L, e concentração g/mol. No mesmo caderno,
questão do Enem.
nas p. 51 até a p. 54, a situação de aprendizagem
A questão 5 envolve o conhecimento sobre rea-
7 – as quantidades em transformações que ocorrem
ções químicas e cálculo de concentração e requer
em solução – apresenta um exercício que envolve
as competências e habilidades C1 H1, C2 H2 e
uma solução de Al2(SO4)3. Nessa atividade, é soli-
C3H3 do CQSP e as habilidades H1, H2 e H3 do
citado ao aluno que calcule a quantidade de maté-
Enem que são: perceber a conservação da massa
ria em g/mol e a relação com o volume (L) de água.
nas transformações químicas, analisar dados de
Se o aluno desenvolvesse todas as atividades
massas de reagentes e de produtos estabelecendo
citadas e compreendesse a relação entre concen-
relação de proporcionalidade entre eles, aplicar os
tração molar e volume de solução, acredita-se que,
conceitos de conservação e proporção em massa
mesmo assim, poderia ter dificuldade de resolver
na previsão de quantidades envolvidas nas trans-
a questão, pois nenhuma das atividades propostas
formações químicas.
nos CP e CA contemplam o conceito de número de mols necessários para iniciar a resolução da ques-
No CP (1ªs, v1), p. 20, é citada a efervescência
tão do Enem.
da água oxigenada devido à interação do peróxido com um catalisador, exemplificando que o aluno deve perceber que não existe a necessidade de mais reagentes para que ocorra uma transformação quí-
4
Considerações finais
mica, e que as substâncias envolvidas, nesse caso, não são reagentes e sim participantes da reação.
Ao comparar as competências e habilidades do CQSP e do Enem, pode-se concluir que, neste
Desde a p. 31 até a p. 36 são apresentadas ao
exame, em apenas uma das questões (Q.2) o aluno
aluno atividades que levam o aluno a ler e a inter-
teria todas as condições de responder. Quanto às
pretar dados de reações entre um ácido e um sal,
demais questões, percebe-se que a forma com
e calcular a massa de reagentes e produtos, atra-
que as atividades do CP e do CA são apresentadas
vés da proporção entre regentes e produtos. Cabe
acaba privilegiando a construção de texto, a leitura
citar que é trabalhada, nestes exercícios, a Lei da
e interpretação de gráficos e tabelas; porém, elas
Conservação da Massa – Lei de Lavoisier, não
não contemplam, ainda, a resolução de problemas
sendo introduzidos cálculos envolvendo número
simples envolvendo alguns conceitos e cálculos
de mol.
exigidos em algumas questões. Se as questões de
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
33
ENEM e os Conteúdos dos Cadernos do Professor e do Aluno das Escolas Estaduais de São Paulo
Química do Enem continuarem com características conceituais, os alunos que praticam somente atividades como as propostas no CP e CA terão algumas dificuldades em resolvê-las. Conclui-se, também, que o conjunto de materiais elaborados pela SEESP (CQSP, CP e CA) apresenta os conteúdos e atividades contextualizadas como os documentos oficiais assim exigem; porém, existe ainda a necessidade de articulação entre o conhecimento científico de todas as demais áreas do conhecimento para que a Educação Básica alcance os pressupostos dos órgãos superiores.
5
CONTRERAS J. Autonomia dos professores. São Paulo: Cortez, 1999. EISNER, E.W. The contribuition od painting to children’s cognitive development. J. Curr.St., v.11, n.2, 109-116, 1979. GUIMARÃES, A. A. O professor construtivista: desafios de um sujeito que aprende, 2010. http://www. nutes.ufrj.br/abrapec/viiienpec/resumos/R0237-1. pdf - Ijuí/RS MALDANER, O. A.; ZANON, L.B. Pesquisa educacional e produção de conhecimento do professor de Química. In: SANTOS, W. L. P. MALDANER, O. A. (Orgs.). Ensino de Química em foco. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2010. MOREIRA, A. F. B. Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: MEC, 2007.
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5.1
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34
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Artigo 03 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
p. 35-46
A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos The Innovative High School Chemistry Classes: soils project José Rodrigo Barreto1, José Lucas Carvalho Gois2, Erivanildo Lopes da Silva3 e Geraldo Humberto Silva4 Resumo O presente trabalho buscou investigar os avanços na aprendizagem de alguns temas, envolvendo 44 alunos de duas turmas do 2º ano do Ensino Médio de uma escola pública em Sergipe. Esses alunos participaram de um projeto nas aulas de Química com a temática solos inserida no Ensino Médio Inovador. A pesquisa é baseada em análise de conteúdo onde foram investigados os avanços das concepções dos alunos referentes a alguns temas trabalhados no projeto. Os resultados investigativos apontam evolução significativa nas concepções dos alunos quanto às variedades de fertilizantes, fertilização, consequências do uso de fertilizantes e importância da análise de solo. Por outro lado, as concepções sobre conceitos químicos trabalhados não apresentaram evolução satisfatória. Palavras-chave: Análise de solo; Fertilizantes; Ensino de Química. Abstract The present study sought to investigate advances in learning a few themes by 44 students from two classes in a public high school in Sergipe. These students par1. É graduado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe e Pós-graduando em Direitos Infanto-Juvenis no Ambiente Escolar “Escola que Protege” pela UFS. Atualmente é professor efetivo da rede estadual de Alagoas, atuando na Escola Estadual de Xingó I, em Piranhas-Al. 2. É graduado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe e Pós-graduando em Direitos Infanto-Juvenis no Ambiente Escolar “Escola que Protege” pela UFS. Atualmente é professor efetivo da rede estadual de Alagoas, atuando na Escola Estadual José Soares Pinto, em Pão de Açúcar-Al. 3. É Doutor em Ensino, Filosofia e História das Ciências pela UFBA. Atualmente é professor Adjunto do Campus Professor Alberto Carvalho e Membro Permanente do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal de Sergipe – NPGECIMA. 4. É graduado em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras, Mestre em Agroquímica pela Universidade Federal de Lavras e Doutor em Química pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005). Atualmente é Professor Adjunto 1 da Universidade Federal de Viçosa.
A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos
ticipated in a project in chemistry classes embedded in soils-themed high school innovator. The research is based on content analysis and the advances were investigated through students conceptions regarding some themes worked on the project. The investigative results indicate significant evolution in the students conceptions about the varieties of fertilizers, fertilization, consequences of the use of fertilizers and importance of soil analysis. On the other hand the conceptions about chemical concepts did not show satisfactory progress. Key-words: Soil analysis; Fertilizer; Chemistry Teaching.
1
Introdução
Hernández (1998), o fundamento básico do ensino por projeto é desencadear um conteúdo por meio de
De acordo com os Parâmetros Curriculares
uma situação problema, que por sua vez não deve
Nacionais para o Ensino Médio (PCN ), os con-
ser distante do contexto do aluno, levando sempre
teúdos de química estão divididos em nove temas
em conta o que o aluno já sabe. Considerando a
estruturadores, entre os quais podemos destacar
ideia de contexto, Paulo Freire (1988), apesar de
Química e Litosfera, tema que sugere o uso do
não trabalhar com ensino mediante projeto, já dei-
solo e suas consequências para o homem. Pode-se
xava claro em sua obra que, para ensinar, devemos
destacar, ainda, que, ao abordar estes temas, com-
levar em consideração os saberes dos educandos
petências tais como comunicar e representar,
adquiridos em sua vivência de mundo, relacio-
investigar e compreender, bem como contextua-
nando-os com as ciências dos homens.
+
lizar social ou historicamente os conhecimentos,
Em meio às grandes grades curriculares de química, surgem perguntas como: será que os alunos
estarão sendo desenvolvidas (Brasil, 2002). As ações governamentais na educação não têm
carecem mesmo desses conteúdos? Ensinar quí-
se limitado somente à elaboração de Parâmetros
mica para o vestibular ou para formar o cidadão?
Curriculares, elas também têm ocorrido na forma de
Pode-se afirmar que o Ensino de Química deve ter
projetos de intervenção. Neste sentido, o governo
a função de formar um cidadão crítico, capaz de
federal, com o argumento de garantir uma forma-
tomar suas próprias decisões, para isso devem se
ção eficaz dos jovens brasileiros, criou o programa
atrelar os conteúdos ao contexto do aluno (Santos;
Ensino Médio Inovador. Esse projeto apresenta
Schnetzler, 1996).
como principal meta superar a dualística entre pro-
Quando se trata de temas que atendam à
pedêutico e profissionalizante. O programa oferece
demanda do ensino por projetos, podemos desta-
suporte pedagógico e financeiro visando o desen-
car a temática ‘solos’ como uma das alternativas.
volvimento de ações escolares pelas instituições
A partir do tema solos surgem outros temas rele-
públicas. O intuito é que essas instituições entrela-
vantes, tais como os fertilizantes. Fertilizantes são
cem trabalho, ciência e cultura sem se distanciarem
materiais de origem mineral ou orgânica, natural
do PCN e abrangendo as necessidades e a realidade
ou sintética, fornecedores de um ou mais nutrien-
dos alunos e da sociedade (Brasil, 2009).
tes. A fertilização é uma das principais técnicas
O Ensino Médio Inovador pode ser encarado
agrícolas, pois tem como princípio básico forne-
como uma abordagem baseada na proposta meto-
cer, às plantas, os nutrientes de que o solo carece.
dológica de Ensino por Projetos, em outras pala-
As carências mais comuns são as de nitrogênio
vras, o ensino por projetos é uma ferramenta peda-
(N), fósforo (P) e potássio (K), que deu origem à
gógica que se aproxima desse programa. Segundo
indicação NPK presente nos rótulos de fertilizan-
36
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos
O projeto intitulado “Química e Meio Ambiente: degradação dos açudes/reservatórios
tes, representando, respectivamente, as porcentagens destes nutrientes (Fernandes; Dias, 2006). O uso do fertilizante não garante uma boa pro-
de água públicos do município de Moita Bonita
dução caso o solo esteja ácido, pois nele há a apari-
pela ação do homem”, realizado nas aulas de
ção de elementos que são tóxicos para planta, além
Química, está inserido no Ensino Médio Inovador
de causar diminuição de nutrientes importantes
do Colégio Estadual Djenal Tavares de Queiroz
para o crescimento do vegetal. O termo ‘acidez do
localizado no município de Moita Bonita-SE. Este
solo’ significa dizer que o solo está com pH baixo;
projeto é dividido entre os temas água e solo. No
segundo Atkins e Jones (2010), o potencial de
entanto, o tema água é trabalhado em turmas da 1ª
hidrogênio iônico (pH) é uma escala de zero a qua-
série e o tema solos em turmas da 2ª série, ambas
torze, que representa a concentração de íons H no
do Ensino Médio. A fim de investigar possíveis
meio. Para meios ácidos, o pH apresenta valores
aprendizagens em relação à temática solos, foram
menores que sete, para básicos, valores maiores
escolhidos 44 alunos, divididos entre duas turmas,
que sete e, para neutros, valor igual a sete.
“A” e “B” do 2º ano do Ensino Médio.
+
Para corrigir a acidez é recomendado o uso de
Esse trabalho buscou investigar, em um pri-
calcário calcítico (CaCO3), moído. Para explicar
meiro momento, os conhecimentos sobre questões
como o calcário age no solo é importante deixar claro
relacionadas aos fertilizantes e à fertilização, à
como ocorre uma reação de neutralização. Segundo
consciência das consequências do uso de fertili-
Goedert (1995), o calcário diminui a acidez porque,
zantes, à importância da análise de solo e, em um
ao ser adicionado ao solo, ocorre a seguinte reação:
segundo momento, às possíveis aprendizagens dos conceitos sobre as reações de calcário no solo e
CaCO3(s) + H2O(l) → Ca+2(aq) + 2 OH-(aq) + CO2(g) Podemos notar que o calcário, em contato com o solo, reage com água, liberando íons OH-, que reagem com os íons H+, ocorrendo a neutralização e, por consequência, o aumento do pH. Portanto, quanto mais ácido é o solo, menor o pH, e quanto menos ácido é o solo, maior será o pH. Para diagnosticar se realmente o solo está adequado para o plantio é necessário, antes de tudo, fazer a análise do mesmo. Essa técnica possui função muito importante na agricultura, pois identifica as principais características do solo e, assim, orienta qual fertilizante ou corretivo deve-se aplicar, bem como sua dosagem (Lopes; Guilherme, 2002; Goedert, 1995). Apesar de muitas áreas, no Brasil, terem a agricultura como principal fonte de renda, não há relatos na literatura sobre pesquisas relacionadas às concepções de alunos em temas como fertilização, análise do solo, calagem do solo e conceitos específicos de Química contextualizados com a agricultura.
sobre as variações e intervalos de pH do solo.
2
Metodologia 2.1
Aulas 1 e 2: análise prévia dos alunos e apresentação do projeto
O primeiro passo foi mapear os conhecimentos já existentes dos alunos a respeito de questões relacionadas ao tema abordado na investigação e, consequentemente, no projeto. Na primeira aula de aplicação do projeto, foi realizada uma coleta de informações através de questionário. A cada questionário foi atribuída uma simbologia para identificação. Na turma “A”, foi atribuído An e, na turma “B”, foi atribuído o símbolo Bn, onde (n) varia de 1 a 20 na turma “A” e de 1 a 24 na turma “B”, totalizando os 44 questionários. Nesse questionário, denominado pré-projeto, foram introduzidas questões sobre a localidade onde residem, as culturas
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A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos
e fertilizantes que conhecem, noções de preparo e correção do solo para o plantio, consequências do uso de fertilizantes, composição dos fertilizantes, análise de solo, ideias sobre intervalos e correção do pH e sobre a técnica de calagem do solo. Em seguida, o projeto foi apresentado pelo professor. Entre os alunos e o professor, foram discutidos e estabelecidos os locais para serem feitas as coletas de solo para análise. As turmas foram divididas em 5 grupos onde cada um seria responsável por uma das principais atividades.
para análise de solo, os alunos determinaram o teor dos nutrientes e os valores de pH das amostras de solo a partir da mudança da coloração com a adição de reagentes e fazendo a comparação em tabelas com os valores relacionados à coloração. 2.5
Aulas 9 e 10: fundamentação teórica
Nessas aulas, foram abordados conceitos teóricos relacionados ao tema ‘solos’. Foram trabalhados os conceitos de ácido e base de Arrhenius, pH e reações de neutralização, além de se levar para a
Aulas 3 e 4: desenvolvimento de questionário pelos alunos
sala de aula alguns produtos com caráter ácido ou
Nestas aulas, os alunos elaboraram um questionário que foi utilizado em entrevistas com agricultores pelo grupo 1. Todos os grupos elaboraram questões voltadas a assuntos relacionados ao preparo da terra para cultivo, formas de cultivo, formas de adubação, formas de uso de agrotóxicos e outros. Após a elaboração, cada grupo foi convidado para digitar uma questão, com projeção por data show, para toda a turma acompanhar dando opiniões, sugestões e tendo conhecimento das perguntas elaboradas por outros grupos. Por fim, foram reunidas as questões levantadas pelas duas turmas e preparado um único questionário.
dos os valores de pH dos produtos e realizado o
2.2
2.3
básico. Com a fita indicadora de pH, foram mediexperimento do sopro. A partir dessa dinâmica, o professor explicou como funciona o processo, tratando os conceitos de ácido, base, pH e reações de neutralização. Também se trabalhou com as reações envolvidas no processo de calagem do solo e tratou-se da temática de fertilizantes, onde se levou em consideração a rotulagem dos mesmos e os conhecimentos prévios dos alunos. Finalmente, ressaltou-se a importância da análise do solo para saber qual o melhor tipo de fertilizante a ser utilizado. 2.6
As atividades atribuídas aos grupos foram
Aulas 5 e 6: aula de campo
O grupo 1 realizou entrevistas com agricultores das proximidades dos reservatórios de água e região de cultivo, alvo do projeto. O grupo 2 fez a coleta de solo utilizando o equipamento e as técnicas de coleta. Integrantes do grupo 5 fizeram o registro por meio de fotografias e filmagens do processo de coleta e de partes das entrevistas. Essas aulas ocorreram em horário extra.
apresentadas em forma de seminário pelos integrantes do grupo para toda a classe. Esse foi um momento muito importante porque todos os alunos tiveram conhecimento de algumas etapas do projeto em que não participaram. Após a conclusão das apresentações, foi realizado um debate, onde as questões apresentadas pelos grupos foram discutidas por toda a turma. 2.7
2.4
Aulas 11 e 12: seminário e debate
Aulas 7 e 8: aula experimental
Aulas 13 e 14: questionário pós-projeto e apresentação do vídeo
As amostras de solo coletadas nas aulas 5 e 6
Na última aula do projeto, os alunos respon-
foram submetidas à análise no laboratório de ciên-
deram a um questionário denominado pós-projeto,
cias do colégio. Através de um eco kit, específico
baseado no questionário pré-projeto, aplicado na
38
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A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos
primeira aula. Do questionário da primeira aula
(Moraes, 1999). Nesta análise, procuramos organi-
foram retiradas apenas algumas questões, relaciona-
zar os dados obtidos das respostas dos alunos, agru-
das aos conceitos de ácido, base, pH, calagem e uma
pando-as em categorias e subcategorias significati-
questão geral destinada à apresentação de comentá-
vas emergentes (Pacca; Villani, 1990). Para analisar
rios pessoais a respeito do que acharam do projeto.
os questionários e a entrevista, foi desenvolvido um
Nesse questionário, foram introduzidas as respostas
esquema de categorização que permite analisar as
individuais apresentadas pelos alunos no questioná-
concepções dos alunos na maioria dos temas investi-
rio pré-projeto, com intuito de dar a oportunidade
gados. A esquematização foi baseada na metodologia
ao aluno de analisar sua resposta apresentada antes
de redes sistêmicas, cuja ideia principal é organizar
da participação no projeto e a partir dela permane-
os dados de forma sistematizada. A rede sistêmica
cer, modificar ou rejeitar e apresentar uma resposta
mostrada na Figura 1 é referência de análise dos
diferente. Vale ressaltar que o questionário foi igual
dados brutos, adquiridos em diferentes questões dos
para todos os alunos; a única diferença foram as res-
questionários pré-projeto, pós-projeto e na entrevista.
postas iniciais retiradas individualmente do questionário pré-projeto. Em seguida, foi mostrado o vídeo
3.1
desenvolvido pelo grupo 5, que sintetizava tudo o que aconteceu no decorrer do projeto. Só não ficaram registradas no vídeo as aulas 1, 2, 13 e 14. 2.8
Cerca de 4 meses depois: entrevista
Para obter uma boa quantidade de informações utilizando técnicas diferentes, foi realizada uma entrevista semiestruturada com alguns alunos que participaram do projeto. Com base nas observações feitas no decorrer do projeto, foi escolhida uma amostra de 4 alunos da turma “A” e 5 da turma “B” com perfis de comportamento, empenho e participação variados ao longo da disciplina. Na entrevista foram tratados, principalmente, temas como variedades de fertilizantes, fertilização, consequências do uso de fertilizantes e a importância da análise do solo para fins agrícolas. Essa etapa foi realizada cerca de quatro meses após o término do projeto. As entrevistas foram realizadas individualmente na
1ª Categorização
Baseada no esquema de categorias e subcategorias descritas na Figura 1, foi desenvolvida a rede sistêmica 1 (Figura 2) para organizar os dados brutos do questionário pré-projeto e da entrevista. Foram utilizadas as seguintes questões: Se sua propriedade não estiver produzindo bem, qual dos fertilizantes mencionados anteriormente você usaria para aumentar sua colheita? Qual motivo da escolha desse fertilizante? O que significa o NPK presente nos rótulos dos sacos de adubo? Para comprar um fertilizante geralmente é usado como referência seu NPK, exemplo 18:18:18 ou 10:15:10. Entre o 18:18:18 e o 10:15:10, qual você usaria para adubação? Qual a principal diferença entre um fertilizante 18:18:18 e um 10:15:10? Todas essas questões são direcionadas para o conhecimento dos alunos em relação à composição das variedades de fertilizantes e à fertilização.
biblioteca do colégio, sendo registradas por grava-
3.2
dor de áudio, como sugerido por Triviños (1987).
2ª Categorização
Outra rede sistêmica do questionário pré 3
Análise das informações
‑projeto e da entrevista apresentando as categorias e subcategorias com o objetivo de organizar as con-
Depois de coletados os dados, esses foram ana-
cepções dos alunos em relação às consequências
lisados utilizando a técnica de análise de conteúdo
do uso de fertilizantes foi esquematizada. A Rede
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A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos
2 (Figura 3) permite analisar a seguinte problemá-
Rede 4 (Figura 5) para organizar os dados da seguinte
tica, introduzida no questionário pré-projeto, e que
questão presente nos questionários pré‑projeto e pós-
também surge na entrevista de forma adaptada:
-projeto. Por que o calcário diminui a acidez do solo?
Imagine uma propriedade que usou, anualmente, uma quantidade fixa de adubo químico durante muitos anos, e que passou a diminuir a produção. Para voltar a produzir bem, deve-se aumentar a quantidade do mesmo adubo? Por quê? 3.3
3ª Categorização
Para organizar as ideias dos alunos em relação à importância da análise de solo, foi desenvolvida outra rede sistêmica, a partir dos dados brutos adquiridos no questionário pré-projeto e na entrevista. As categorias e subcategorias descritas na Rede 3 (Figura 4) dão conta de analisar as seguintes questões: Você já ouviu falar em análise do solo? Qual a importância da análise? Quais as principais diferenças entre um agricultor que faz análise de solo e um que não faz? Essas questões são pertencentes ao questionário pré-projeto e a entrevista. 3.4
4ª Categorização
Apesar de o ensino dos temas ácidos e bases ser alvo de muitas pesquisas no Ensino de Química, não são encontrados relatos na literatura deste tema contextualizado com a agricultura. Com essa necessidade, a partir dos dados brutos, foi desenvolvida a
40
3.5
5ª e 6ª Categorizações
Seguindo o esquema da rede sistêmica mostrada no Modelo I (Figura 1), também foram organizadas as concepções dos alunos em relação aos intervalos de Ph com a seguinte problemática, presente nos questionários pré-projeto e pós-projeto: Um grande proprietário rural notou que suas terras estavam pouco produtivas e resolveu fazer uma análise do solo. Quando recebeu os dados da análise percebeu pelo valor do pH que suas terras estavam bastante ácidas. Qual o intervalo de possíveis valores de pH ele encontrou? Também foram organizadas as concepções sobre as variações de pH do solo após a correção com calcário agrícola a partir da seguinte questão presente nos questionários pré-projeto e pós‑projeto: Muitos proprietários usam calcário agrícola na correção do solo para diminuir sua acidez. Após a correção do solo o pH aumenta ou diminui? Para simplificar, não serão mostradas, especificamente, suas redes sistêmicas; a única diferença entre estas redes e a do Modelo I é que existem apenas as subcategorias (satisfatório), (concepções errôneas) e (fora do contexto). Os resultados dessas categorizações serão mostrados mais adiante.
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A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos
Coerente São declarações coerentes sobre o tema investigado, mesmo que parciais
Satisfatório São respostas coerentes que demonstram um bom nível de conhecimentos sobre o tema investigado
Tema Investigado
Parcialmente satisfatório São respostas que não estão incorretas, mas apresentam superficialidade sobre o tema investigado
Incoerente São declarações incorretas do ponto de vista científico
Concepções errôneas São respostas incorretas, mas que mostram claramente uma forma de pensamento sobre o tema
Fora do contexto Falta de respostas ou respostas desconexas, que não demonstram pensamento sobre o tema
Fertilizantes e Fertilização
Figura 1. Modelo I – Rede sistêmica referência para análise de grande parte dos questionários pré-projeto, pós projeto e da entrevista.
Coerente São declarações coerentes sobre a composição das variedades de fertilizantes e a fertilização, mesmo que parciais
Incoerente São declarações incorretas do ponto de vista científico
Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria afirmações corretas sobre o significado do NPK e da necessidade de análise de solo na escolha de um fertilizante
Parcialmente Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria afirmações apontando melhora na produção independente de qual tipo de fertilizante é usado
Concepções Errôneas Se enquadram nesta subcategoria afirmações incorretas como: o fertilizante deixa o solo mais forte, o adubo orgânico (esterco) é natural, uso determinado fertilizante porque é melhor ou porque é mais popular
Fora do Contexto Falta de respostas ou respostas desconexas, que não demonstram pensamento sobre o tema
Figura 2. Rede 1 – Rede sistêmica para análise das concepções dos alunos em relação à composição das variedades de fertilizantes e a fertilização.
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Consequências do Uso de Fertilizantes
A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos
Coerente São declarações coerentes sobre as consequências do uso de fertilizantes, mesmo que parciais
Incoerente São declarações incorretas do ponto de vista científico
Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria afirmações corretas sobre as consequências do uso de fertilizantes como: equilibrar os nutrientes do solo, solo saturado, mudar adubo com análise do solo
Parcialmente Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria declarações afirmando que deve-se verificar o solo ou conhecer suas necessidades
Concepções Errôneas Se enquadram nesta subcategoria afirmações incorretas como: o solo é acostumado, o fertilizante parou de fazer efeito, trocar de adubo sem análise do solo, os adubos industriais são tóxicos ou aumentar a quantidade do fertilizante
Fora do Contexto Falta de respostas ou respostas desconexas, que não demonstram pensamento sobre o tema
Importância da Análise do Solo
Figura 3. Rede 2 – Rede sistêmica para análise das concepções dos alunos em relação às consequências do uso de fertilizantes.
Coerente São declarações coerentes sobre a importância da análise do solo, mesmo que parciais
Incoerente São declarações incorretas do ponto de vista científico
Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria afirmações corretas sobre a importância da análise do solo para uma boa fertilização ou para correção do pH
Parcialmente Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria declarações afirmando que a análise é importante para saber qual cultura é apropriado para o local ou para saber a fertilidade do solo.
Concepções Errôneas Se enquadram nesta subcategoria afirmações incorretas alegando que a análise serve para: saber se o solo está forte ou fraco, a saúde do solo ou a qualidade do solo
Fora do Contexto Falta de respostas ou respostas desconexas, que não demonstram pensamento sobre o tema
Figura 4. Rede 3 – Rede sistêmica para análise das concepções dos alunos sobre a importância da análise de solo.
42
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A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos
Neutralização de Ácido com Calcário
Coerente São declarações coerentes sobre as reações do calcário agrícola no solo, mesmo que parciais
Incoerente São declarações incorretas do ponto de vista científico
Satisfatório Se enquadram nesta subcategoria definições corretas sobre o porquê da diminuição da acidez do solo com calcário agrícola (age como base, neutraliza o ácido)
Concepções Errôneas Se enquadram nesta subcategoria definições incorretas sobre o porquê da diminuição da acidez do solo com calcário (é uma base, fortalece a terra)
Fora do Contexto Falta de respostas ou respostas desconexas, que não demonstram pensamento sobre o tema
Figura 5. Rede 4 – Rede sistêmica para análise das concepções dos alunos em relação às reações do calcário no solo.
Fertilizantes e fertilização
Resultados
Consequências do uso de fertilizantes
Importância da análise de solo
Neutralização de ácido com calcário
Intervalos de pH
pH do solo após correção com calcário
Satisfatório
Antes = 0,0%
Depois = 88,9%
Parcialmente satisfatório
Antes = 11,4%
Depois = 11,1%
Concepções errôneas
Antes = 56,7%
Depois = 0,0%
Fora do contexto
Antes = 31,8%
Depois = 0,0%
Satisfatório
Antes = 2,3%
Depois = 88,9%
Parcialmente satisfatório
Antes = 4,5%
Depois = 0,0%
Concepções errôneas
Antes = 77,3%
Depois = 0,0%
Fora do contexto
Antes = 16,0%
Depois = 11,1%
Satisfatório
Antes = 2,3%
Depois = 100%
Parcialmente satisfatório
Antes = 9,1%
Depois = 0,0%
Concepções errôneas
Antes = 72,7%
Depois = 0,0%
Fora do contexto
Antes = 15,9%
Depois = 0,0%
Satisfatório
Antes = 0,0%
Depois = 13,7%
Concepções errôneas
Antes = 18,2%
Depois = 34,1%
Fora do contexto
Antes = 81,8%
Depois = 52,3%
Satisfatório
Antes = 2,3%
Depois = 20,5%
Concepções errôneas
Antes = 13,6%
Depois = 43,2%
Fora do contexto
Antes = 84,1%
Depois = 36,4%
Satisfatório
Antes = 20,4%
Depois = 40,8%
Concepções errôneas
Antes = 52,3%
Depois = 43,2%
Fora do contexto
Antes = 27,3%
Depois = 16,0%
Figura 6. Rede Geral – Rede sistêmica com o percentual das concepções dos alunos relacionados a cada tema investigado.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
43
A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos
4
possuem concepções coerentes sobre a composição
Resultados e discussão
das variedades de fertilizantes e a fertilização antes
Como relatado na metodologia, foram utiliza-
da participação nas aulas do projeto. E, além disso,
das três formas diferentes de coleta de informações,
esse percentual não se enquadra na subcategoria
sendo que cada uma teve um diferencial na busca
“satisfatório” e, sim, na “parcialmente satisfató-
dessas informações. A partir do questionário pré-
rio”. Por outro lado, 56,7 % dos alunos apresentam
-projeto, foi possível ter conhecimento do contexto dos alunos. Dos 44 alunos participantes, 52,3% residem na Zona Rural e 47,7% na Zona Urbana. Independentemente do local onde residem, todos afirmaram ter conhecimento do funcionamento de pelo menos uma cultura. A batata-doce foi a cultura mais citada, apesar de milho, amendoim e mandioca também serem bastante mencionados. Os fertilizantes mais indicados pelos alunos foram a ureia, adubo
concepções errôneas, que são respostas incorretas, mas que apresentam claramente um pensamento sobre o tema. Essas concepções foram essenciais para o desenvolvimento do projeto, pois serviram de alavanca para aprimorar esses conhecimentos com a participação ativa no projeto. Dessas concepções errôneas, podemos destacar a resposta de um aluno no questionário pré-projeto.
18:18 e adubo 10:15:10, sendo que o adubo orgânico
“Porque deixa o solo mais forte. NPK não
(esterco) foi o mais mencionado. Esses resultados
sei o que significa” (Aluno A4).
reforçam o projeto na medida em que se aproxima das ideias de Hernández (1998), que aponta a neces-
Utilizando o mesmo esquema, foram analisados
sidade de um projeto ser baseado em temas presen-
os dados brutos pertencentes à entrevista realizada
tes no contexto familiar dos alunos. Além disso, é
133 dias após o término do projeto. Os resultados
reforçado pelas ideias de que para ensinar devem-se
referentes às concepções dos alunos sobre a com-
levar em consideração os saberes dos educandos,
posição das variedades de fertilizantes e a fertiliza-
adquiridos em sua vivência de mundo.
ção comprovaram a evolução dessas concepções.
Os resultados do percentual de concepções dos
Antes do projeto, 88,5 % dos alunos possuíam con-
alunos referente aos temas abordados nas redes sis-
cepções incorretas e depois do projeto 100% dos
têmicas, mostradas na metodologia de análise das
alunos investigados apontaram declarações corre-
informações, estão sendo mostrados na rede geral.
tas sobre o tema, do ponto de vista científico. Essa
Os percentuais estão divididos em antes e depois, demonstrando as concepções dos alunos sobre os temas investigados antes do projeto e após a finalização do projeto. É importante destacar que, na grande rede, as categorias estão implícitas. Os
evolução pode ser percebida na entrevista com a fala do mesmo aluno. Nesta fala, o aluno mostra conhecimento da diferença entre dois tipos de fertilizantes e ao significado do termo NPK.
valores estão relacionados com as subcategorias,
“Eu usaria o 10:15:10, porque nem sempre
que podem ser diretamente relacionadas com as
o terreno vai precisar de 18% de potássio,
categorias, através do Modelo I.
nitrogênio e fósforo. E sim em quantidades
A análise das informações feita com o esquema
menos variáveis” (Aluno A4).
da Rede 1 (Figura 2), nos deu resultados que chamam a atenção. Apesar de todos os alunos terem
A análise das informações pela rede 2 (Figura
conhecimento de pelo menos um tipo de cultura e
3) nos deu resultados mostrando que 6,8 % dos
um tipo de fertilizante, apenas 11,4 % dos alunos
alunos possuíam concepções coerentes e 93,2 %
44
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos
incoerentes sobre as consequências do uso de
todos os temas investigados. A análise feita pelos
fertilizantes, antes do projeto. Depois do projeto,
esquemas das redes 1, 2 e 3 mostrou resultados
esses valores, praticamente, inverteram e 88,9%
satisfatórios. Houve uma evolução significativa,
dos alunos entrevistados apresentaram concepções
a grande maioria dos alunos conseguiu passar do
coerentes e 11,1 % incoerentes.
nível de concepções incorretas para corretas. Tais
A partir do esquema da rede 3 (Figura 4),
dados comprovam a eficiência do projeto quanto
foram analisados os dados brutos referentes às
aos avanços dos conhecimentos sobre as varieda-
concepções dos alunos sobre a importância da
des de fertilizantes e a fertilização, consciência das
análise do solo. Os resultados mostram que 11,4
consequências do uso de fertilizantes e a impor-
% dos alunos possuíam concepções corretas e
tância da análise de solo. Esses conhecimentos
88,6 % incorretas, antes do projeto. Já os resulta-
são fundamentais na formação do cidadão, já que
dos da análise feita com os dados brutos, obtidos
eles não possuem interesses exclusivamente prag-
após o término do projeto, mostram que todos os
máticos. Esses alunos, além de desenvolverem
alunos investigados passaram a apresentar con-
competências pessoais, podem estar participando
cepções corretas.
da evolução da sociedade, da conscientização dos
Também foram analisadas as concepções dos
produtores rurais em relação a temas que, muitas
alunos pelo esquema da rede 4 (Figura 5), refe-
vezes, são tratados pelo conhecimento popular
rente às reações do calcário agrícola no solo. Os
advindo de suas tradições. Desse modo, podemos
resultados mostram que, antes do projeto, nenhum
afirmar que existe uma aproximação dos resul-
dos alunos apresentava concepções coerentes e
tados desse projeto com as ideias de Santos e
100 % incoerentes. Os resultados depois do pro-
Schnetzler (1996).
jeto apontam que apenas 13,7 % passaram a apre-
Por outro lado, os resultados da investigação
sentar concepções coerentes e 86,3 permaneceram
sobre temas como as reações do calcário agrícola
com concepções incoerentes.
no solo, intervalos e variações de pH, mostraram
Os resultados sobre as concepções dos alunos
que o projeto apresenta deficiências em relação à
referentes aos intervalos de pH mostram que antes
aprendizagem de conceitos químicos por parte dos
do projeto 2,3 % dos alunos apresentam concep-
alunos. Apesar de haver evolução das concepções
ções coerentes e 97,7 % incoerentes. Depois do
dos alunos, essa evolução não pode ser conside-
projeto, 20,5 % dos alunos apresentaram concep-
rada significativa já que os níveis de concepções
ções coerentes e 79,5 % incoerentes. Já os resul-
incoerentes são apresentados pela maioria dos alu-
tados referentes às concepções dos alunos sobre
nos do grupo investigado.
as variações de pH do solo, após correção com
É importante destacar que este trabalho não
calcário agrícola, mostram que, antes do projeto,
tem como objetivo avaliar o projeto, mas, sim,
20,4 % dos alunos apresentam concepções coe-
mostrar sua aplicação prática, bem como revelar
rentes e 79,6 % incoerentes. Depois do projeto,
quais pontos apresentam resultados satisfatórios.
40,8 % dos alunos apresentaram concepções coe-
Vale a pena ressaltar que a pequena quantidade de
rentes e 59,2 % incoerentes.
aulas com fundamentação teórica (apenas duas)
Analisando os resultados mostrados na rede
pode ter contribuído para a ausência de melhores
geral podemos perceber a evolução dos alunos em
resultados na assimilação dos conceitos químicos.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
45
A Química no Ensino Médio Inovador: projeto solos
5
FERNANDES, E.; DIAS, V. P. Fertilizantes: uma visão global sintética. BNDES. [S.l.]. 2006.
Conclusões O ensino por projetos é uma proposta que ainda tem muitos obstáculos a serem superados. Com este trabalho, podemos perceber que o Ensino Médio Inovador é um programa que auxilia o ensino e o projeto de análise de solos atende ao contexto social dos alunos. Concluímos que os avanços dos alunos em relação às concepções sobre temas como as variedades de fertilizantes, fertilização, consequências do uso de fertilizantes e a importância da análise de solo foram considerados satisfatórios. Apesar de haver avanço nas concepções dos alunos em relação aos conceitos químicos trabalhados, esses avanços não foram considerados satisfatórios.
6
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46
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Relatos de Experiência Experiences Account
Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química Experimental Activities and Case Study Alliedto the Criminal Investigation: methodological strategies for Teaching Chemistry Ana Carolina Gomes Miranda, Mara Elisa Fortes Braibante, Maurícius Selvero Pazinato e Fernando Oliveira Vasconcelos
Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio Citronella: a theme for contextualization of Education of Organic Chemistry in secondary education Elane de Sousa Santos, Vanessa Coelho de Deus Brito, Josimara Cristina de Carvalho Oliveira, André Camargo de Oliveira e Régia Chacon Pessoa de Lima
Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio Thematic Discipline of Chemistry: space for citizen formation of high school students Leandro Severino de Oliveira, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão, Vanúbia Pontes dos Santos, Umberto Gomes da Silva Junior e Jailson Machado Ferreira
Relato de Experiência 01 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
p. 48-60
Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química Experimental Activities and Case Study Alliedto the Criminal Investigation: methodological strategies for Teaching Chemistry Ana Carolina Gomes Miranda1, Mara Elisa Fortes Braibante2, Maurícius Selvero Pazinato3 e Fernando Oliveira Vasconcelos4
Resumo A educação, de maneira geral, vem passando por constantes reformulações na forma do ensinar/aprender. Não bastando apenas os métodos tradicionais de ensino é preciso também a utilização de estratégias que contextualizem os conteúdos de Química. Assim, a temática investigação criminal, juntamente com atividades experimentais e estudo de caso, surge como uma possibilidade para o ensino de Química. Neste contexto, este trabalho apresenta uma proposta didática construída a partir destas proposições metodológicas e aplicada a alunos da 3ª série do ensino médio. Com o desenvolvimento deste trabalho, além de favorecer a aprendizagem, procurou-se desenvolver habilidades como comunicação oral e escrita, resolução de problemas e o estímulo à pesquisa. Palavras-chave: Atividades experimentais; Estudo de caso e investigação criminal. 1. Formada em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela UFSM. 2. Formada em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Doutora em Ciências (Química Orgânica) pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), é professora do Departamento de Química da UFSM e coordenadora do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) subprojeto Química – UFSM. 3. Formado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestre em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela mesma instituição e doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde/UFSM. 4. Formado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela UFSM.
Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
Abstract The education, in general, has been undergoing constant reformulations in the form of teaching/learning. Not just simply the traditional teaching methods is also necessary the use of strategies that contextualize the contents of Chemistry. Thus, the thematic “criminal investigation” along with experimental activities and case study, arises as a possibility for teaching Chemistry. In this context, this paper presents a didactic proposal from these methodological propositions and was applied to students of 3ª grade of high school. With the development of this work, addition to favor the learning, sought to develop skills such as oral and written communication, resolution of the problems and stimulus the research. Key-words: Experimental activities; Case study; Criminal investigation.
1
conhecimento, proporcionando aos mesmos serem
Introdução
protagonistas da sua aprendizagem.
A educação tradicional, predominante na maioria
Dessa forma, a integração da experimentação
das escolas, não tem contribuído de forma significa-
ao processo de investigação criminal pode facilitar
tiva na formação científica e cidadã dos estudantes.
o entendimento dos conteúdos de Química, propor-
Em específico, a Química, muitas vezes é apresen-
cionando o aprofundamento do conhecimento em
tada desconectada do dia a dia, pois seu ensino ainda
Ciências; além disso, acredita-se que o estudo de caso
é atribuído à memorização de fórmulas, equações,
permite ao estudante atuar como pesquisador/inves-
reações e nomes de substâncias, tornando-se desin-
tigador, contribuindo para que reconheça o valor do
teressante para os estudantes e contribuindo muito
trabalho coletivo e individual da investigação.
pouco para sua atuação na sociedade.
A seguir, apresentam-se algumas possibilida-
Segundo Cachapuz et al. (2011), o conheci-
des da abordagem da temática investigação cri-
mento científico deve ser usado na interpretação
minal no ensino de Química, uma breve revisão
de fenômenos naturais e de fatos da vida cotidiana,
teórica das atividades experimentais e do estudo
proporcionando a capacidade de reflexão crítica
de caso, bem como a proposta didática aplicada, os
frente à realidade contemporânea. Uma das dificul-
resultados obtidos e as considerações finais.
dades enfrentadas pelos professores de Química no processo de ensino e aprendizagem que detectamos é encontrar meios e propostas que correlacionem o
2
Investigação criminal no Ensino de Química
conteúdo teórico, o conhecimento prévio e o con-
Química Forense é a aplicação dos conheci-
texto social dos estudantes. Nessa perspectiva, o
mentos da Química e da Toxicologia no campo da
objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta
investigação criminal, com o objetivo de atender
de ensino que busque contextualizar a Química
os aspectos de interesse judiciário. Técnicas e aná-
através do tema investigação criminal, na tentativa
lises químicas, bioquímicas e toxicológicas são
de auxiliar na aprendizagem dos conceitos cientí-
utilizadas para ajudar a compreender a face sofis-
ficos por parte dos estudantes do ensino médio.
ticada e complexa dos crimes, seja em homicídios,
Para isso, optou-se por trabalhar com uma proposta
roubos, envenenamento ou qualquer tipo de delito
didática alternativa ao ensino tradicional por meio
que esteja fora da lei (Farias, 2008).
de atividades experimentais aliadas ao estudo de
A partir de 1990, os canais de televisão come-
caso. Estas atividades têm como propósito colocar
çaram a exibir séries de cunho policial, programas
o aluno como sujeito ativo na construção do seu
como Law & Order: Special Victims Unit e Arquivo
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
49
Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
X, despertando interesse nos telespectadores por
de outras substâncias como: compostos nitrogena-
este tema. Essas séries fizeram tanto sucesso que
dos, ácidos graxos, ácido lático, glicídios, lipídios,
as emissoras começaram a produzir mais seria-
além de compostos inorgânicos, tais como: ânions
dos envolvendo essa temática, tais como: CSI:
cloreto, sulfato e fosfato, cátions metálicos como
Crime Scene Investigation; Cold Case; CSI: New
sódio, potássio e ferro (Farias, 2008).
York; CSI: Miami; Crossing Jordan, entre outros
Nessa perspectiva, a busca por estratégias
(Filho, 2010). Os episódios de CSI, por exemplo,
metodológicas que visem à contextualização dos
oferecem uma gama de materiais para as aulas de
conteúdos científicos na elucidação de um crime
Química, como: quais tipos de substâncias quími-
pode favorecer o processo de aprendizagem dos
cas estão presentes na composição do suor? Como
conteúdos de Química.
detectar impressões digitais na cena de um crime? Como um perito criminal determina se uma mancha é de sangue ou não? Existe algum meio de
3
Atividades experimentais
relacionar a mancha de sangue à vítima? Estas são
O conhecimento químico não é algo pronto e
algumas questões que podem auxiliar na proble-
inquestionável, mas que está em constante trans-
matização do ensino de Química a partir da temá-
formação. Sabe-se que uma das estratégias de
tica em questão.
ensino que permite aos alunos o entendimento
É indispensável o conhecimento de alguns conteúdos de Química para entender o papel dos
desta concepção de construção do conhecimento científico são as atividades experimentais.
peritos em um local onde foi cometido um pos-
Segundo a epistemologia indutivista, as ativida-
sível delito. Primeiramente, o trabalho do perito
des experimentais no ensino de Química são geral-
e sua relação com a Química começam antes de
mente orientadas por um conjunto de instruções,
chegar à cena do crime, pois é necessário preparar
as quais são sequenciadas linearmente, seguindo
as soluções que serão utilizadas para revelar possí-
roteiros e procedimentos preestabelecidos. Neste
veis manchas orgânicas encontradas no local. Para
tipo de concepção, os alunos fazem anotações e
isso, é necessário saber com precisão a quantidade
manipulam instrumentos sem saber os objetivos da
de cada substância presente nas soluções que serão
experimentação, o que, consequentemente, pouco
utilizadas. Dessa forma, pode-se abordar diferen-
favorece sua aprendizagem (Silva; Zanon, 2000).
tes tipos de concentração: concentração em mas-
Logo, é importante evitar atividades experimentais
sas, concentração em volume e concentração em
que induzam a visão de Ciência neutra, ainda pre-
quantidade de matéria, mais usualmente conhecida
sente em muitas práticas escolares.
como concentração molar (Santos, 2005).
Em oposição a essa concepção, as atividades
Outro conceito químico fundamental na elu-
experimentais podem assumir um caráter constru-
cidação de crimes é o de funções orgânicas. Do
tivista e possibilitar a reelaboração, reestrutura-
ponto de vista da Química Forense, os compostos
ção e reconstrução do conhecimento (Gonçalves;
orgânicos têm um importante papel na revelação de
Marques, 2006). Dessa forma, deve-se buscar
impressões digitais e, consequentemente, na iden-
desenvolver no estudante a capacidade de elaborar
tificação de determinado indivíduo. As substâncias
seus próprios argumentos, através de atividades
presentes no suor das mãos são responsáveis pela
experimentais que partam da problematização de
formação das impressões digitais. A composição
situações reais, na qual o aluno deve entendê-las
química do suor é basicamente água (99%) e 1 %
e procurar solucioná-las, permitindo que reflita e
50
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
questione sobre a prática e a teoria. Nessa pers-
oral e escrita. Além disso, tem como característi-
pectiva, a atividade experimental pode ser uma
cas estimular o pensamento crítico e a habilidade
eficiente metodologia para o ensino de Química.
de trabalho em grupo.
A experimentação pode ser entendida como
Para Serra e Vieira (2006), estudo de casos são
uma intervenção que possibilita relacionar os
narrativas de situações ocorridas no cotidiano, apre-
conceitos teóricos com o dia a dia do aluno, evi-
sentadas aos estudantes com a finalidade de utilizar
denciando a relação da Química com a reali-
a problematização como elemento motivador e inte-
dade. Além disso, pode auxiliar os estudantes no
grador do conhecimento. As autoras Luciana Passos
desenvolvimento de sua capacidade de investigar,
Sá e Salete Linhares Queiroz, no livro Estudo de
questionar e argumentar sobre teorias e fórmu-
casos no ensino de Química, expõem:
las. Ainda, segundo Galiazzi e Gonçalves (2004),
Estudo de casos é um método que oferece aos estudantes a oportunidade de investigar aspectos científicos e sociocientíficos, presentes em situações reais ou simuladas, de complexidade variável. Esse método consiste na utilização de narrativas sobre dilemas vivenciados por pessoas que necessitam tomar decisões importantes a respeito de determinadas questões. Tais narrativas são chamadas casos (Sá; Queiroz, 2009, p. 12).
realizar um experimento seguido de discussão para interpretação de resultados é uma atividade extremamente rica em termos de aprendizagem. Desta forma, torna-se importante o planejamento de atividades experimentais que coloquem o estudante frente a situações problema, pois, além de estimulá-lo a levantar hipóteses e questionamentos, proporciona, também, a construção do próprio conhecimento. 4
A utilização dessa metodologia de ensino não é tão simples quanto parece, pois exige a partici-
Estudo de caso
pação ativa do professor em todas as etapas de sua
A metodologia de ensino estudo de caso sur-
aplicação (Figura 1).
giu a partir do método “Aprendizagem Baseada
É interessante ressaltar que, nos últimos anos,
em Problemas” (ABP). O método ABP, também
houve um crescente número de publicações no
conhecido como Problem Based Learning, teve
ensino de Química envolvendo o estudo de casos.
sua origem, na década de 1970, na Escola de
Dentre estas pesquisas, o trabalho de Sousa et
Medicina da Universidade de McMaster, locali-
al. (2012) utiliza esse método para desenvolver
zada na província de Ontário, no Canadá (Queiroz
conteúdos de Química com alunos da 3ª série do
et al., 2007). Este método tem por objetivo estimu-
ensino médio. O “caso das macieiras da serra” foi
lar os estudantes na resolução de problemas e no
elaborado pelos bolsistas do subprojeto Química
desenvolvimento da capacidade de comunicação
do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Preparação para a aula
Seleção do caso
Preparação para a aplicação
Roteiro para utilização
Aplicação
Tarefa pós-aula
Discussão em sala de aula
Avaliação
Figura 1. Processo de utilização do estudo de casos. Fonte: Serra e Vieira (2006).
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
51
Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
a Docência (PIBID) para a abordagem do tópico
pesquisa, os conteúdos de Química foram relacio-
isomeria de molécula. Durante este trabalho, os
nados com a temática alimentos e através do caso
autores enaltecem que, por meio desse método,
elaborado pelo autor, “A saúde de Maria Eduarda”,
os estudantes têm a oportunidade de direcionar
os estudantes participantes deveriam buscar possí-
sua própria aprendizagem enquanto exploram a
veis soluções para os problemas de saúde de Maria
Ciência envolvida na situação. Os autores afirmam:
Eduarda fundamentados nos conceitos científicos desenvolvidos em intervenções anteriores. Dentre
Os estudos de casos se utilizam de narrativas sobre indivíduos enfrentando decisões ou dilemas. Na aplicação desse método, o aluno é incentivado a familiarizar com personagens e circunstancias mencionadas em um caso, de modo a compreender fatos, valores e contextos neles presentes com intuito de solucioná-lo (Sousa et al., 2012, p. 220-228).
as constatações deste trabalho, ressalta que uma característica importante desse método é a pesquisa bibliográfica, pois exige um senso crítico do aluno ao acessar, avaliar e usar as informações para as possíveis soluções do caso proposto. Expõe que: A solução do problema exige que os estudantes formulem hipóteses, parte essencial de uma pesquisa. Para Cachapuz et al. (2011) a hipótese tem um papel de articulação e de diálogo entre as teorias, as observações e as experimentações, servindo de guia à própria investigação (Pazinato, 2012, p. 149).
Os autores ressaltam que, por meio do estudo de caso, foi possível avaliar as contribuições desse método quanto ao desenvolvimento de habilidades como: trabalho em grupo, busca de soluções para problemáticas, estímulo à argumentação, curiosidade, entre outros.
Com o intuito de relacionar os conteúdos de
Já no trabalho de Silva et al. (2011), é abordada
Química com a investigação criminal e desenvol-
a problemática da poluição ambiental por meio do
ver as competências e habilidades já mencionadas,
caso “SOS Mogi-Guaçu”. Os autores destacam
foi elaborado, seguindo algumas características
que a aplicação do estudo de caso proporciona a
recomendadas por Herreid (1998) para um “bom”
articulação entre os conteúdos científicos e o con-
caso, o “Mistério do assassinato de Marina” que
texto de estudo, favorecendo aos estudantes uma
foi aplicado aos alunos do ensino médio.
melhor compreensão do mundo social em que
Com o intuito de relacionar os conteúdos de
estão inseridos e o desenvolvimento da capacidade
Química com a investigação criminal e desenvol-
de tomada de decisão com maior consciência e res-
ver as competências e habilidades já mencionadas,
ponsabilidade. Afirmam que:
o caso “Mistério do assassinato de Marina” foi elaborado e aplicado aos estudantes do ensino médio.
Demonstrar a aplicação de conceitos químicos na prática, analisar situações problemáticas, levantar hipóteses, avaliar as possíveis causas do problema e tomar decisões diante de potenciais formas de solucioná-lo são habilidades requeridas e desenvolvidas durante o estudo com casos (Silva et al., 2011, p. 190).
Este caso foi estruturado conforme algumas recomendações sugeridas por Herreid (1998), tais como: abordar um assunto relevante e atual, empatia entre os estudantes e os personagens centrais, apresentar fatos controversos e um objetivo didático claro.
Pazinato (2012), em sua dissertação de mestrado, pesquisou a influência do estudo de caso na
5
Metodologia
aplicação dos conceitos químicos pelos estudantes
O presente trabalho foi desenvolvido com 43
de uma turma da 3ª série do ensino médio. Nesta
alunos de duas turmas da 3ª série do Ensino Médio
52
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
de uma escola pública do município de São Sepé,
investigação criminal, tais como: concentração de
situado na região central do estado do Rio Grande
soluções e funções orgânicas através de uma apre-
do Sul. O desenvolvimento do trabalho foi funda-
sentação de slides com o propósito de desenvolver
mentado nas metodologias estudo de casos e ativi-
o conteúdo proposto. É importante ressaltar que,
dades experimentais.
além dos conteúdos de Química, nesta etapa tam-
No Quadro 1, estão descritas de maneira
bém foram abordados tópicos da Ciência Forense,
sucinta as intervenções, as atividades desenvolvi-
tais como: locais de crime; indícios; vestígios;
das bem como sua duração em horas/aula.
principais provas encontradas em locais de crime;
Inicialmente, foi aplicado um questionário diagnóstico inicial para o levantamento dos conhe-
métodos de identificação humana; impressão digital; balística forense e código penal.
cimentos prévios apresentados pelos alunos sobre o
A segunda etapa, com duração 3 horas/aula,
tema abordado. Os estudantes foram questionados
consistiu de duas atividades experimentais, nas
sobre a relação da Química orgânica e a impressão
quais os materiais e reagentes necessários e os pro-
digital, funções orgânicas presentes na estrutura da
cedimentos são especificados a seguir:
fenolftaleína – indicador que será utilizado no teste 5.1
de Kastle-Meyer – e preparo de soluções.
Revelando a impressão digital
Após o questionário inicial, foi apresentado aos
O método se baseia na absorção do vapor de
estudantes um vídeo sobre a história da Química
iodo pelos compostos gordurosos do suor. Apesar
Forense e trechos da minissérie CSI com o obje-
das gorduras insaturadas não serem excretadas
tivo de instigar a curiosidade dos mesmos sobre o
pelas mãos, elas acabam agregando o suor pelo
tema proposto. Essa intervenção teve a duração de
contato prévio das mãos com outras partes do
uma hora/aula.
corpo, como as maçãs do rosto e couro cabeludo,
A segunda intervenção foi dividida em duas
onde há a presença de glândulas sebáceas, que
etapas e teve duração de 6 horas/aula. A primeira
liberam os compostos gordurosos com os quais
etapa (3 hora/aula) constou de uma aula teórico-
o vapor de iodo irá interagir. Os cristais de iodo
-expositiva, na qual foram abordados conteúdos de
sublimam-se ao serem aquecidos, ou seja, passam
Química que estão diretamente relacionados com a
do estado sólido para o gasoso e, desta forma, o
Quadro 1. Descrição das atividades desenvolvidas. Intervenções Apresentação da proposta
Atividades desenvolvidas • Aplicação do questionário diagnóstico inicial; • Apresentação de um vídeo sobre a história da Química Forense.
Aplicação e desenvolvimento Desenvolvimento dos seguintes conteúdos: dos conteúdos científicos • Concentração de soluções relacionados com a • Funções orgânicas: Hidrocarbonetos, álcool, cetonas, ácidos carboxílicos, amina, investigação criminal amida, fenol, éter, éster e aldeídos.
Duração 1 h/aula 6 h/aula
Atividades experimentais: 1. Revelando a impressão digital; 2. Revelando manchas de sangue com reagente de Kastle-Mayer. Estudo de caso
• Aplicação do estudo de caso; • Análise da cena de um crime; • Produção do relatório pericial pelos estudantes.
Encerramento
• Aplicação do Questionário diagnóstico final
Total
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4 h/aula
1 h/aula 12 h/aula
53
Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
iodo adere aos compostos gordurosos da impres-
de peróxido de hidrogênio, a atividade catalítica
são digital, revelando-a (Farias, 2008).
das moléculas de homoglobina decompõe o peró-
Material e reagentes: Erlenmeyer, Iodo (I2),
xido de hidrogênio em água e oxigênio nascente,
papel filtro.
que reage com a fenolftaleína transformando-a
Procedimento: Foram coletadas impressões
em sua forma oxidada (vermelha), evidenciando
digitais deixadas em objetos com auxílio do papel
que a amostra contém sangue (Filho, 2010). A
filtro. Colocou-se o material a ser examinado junto
representação das reações é exemplificada na
com os cristais de Iodo no interior do erlenmeyer
Figura 2.
vedado e agitou-se bem. A agitação gerou calor
Para a revelação das manchas de sangue é
suficiente para a sublimação dos cristais. Quando
necessária a preparação do reagente de Kastle-
o erlenmeyer estava cheio de vapor de iodo, reti-
Meyer. A seguir, estão descritos os reagentes e
rou-se a amostra com o auxílio de uma pinça, e em
materiais, bem como o procedimento utilizado
seguida, cobriu-se com fita adesiva para a proteção
para a sua preparação. Material e reagentes: Béquer, espátula, hidró-
e revelação. 5.2
xido de sódio, fenolftaleína, zinco em pó, água
Revelação de manchas de sangue
oxigenada, haste flexível, soro fisiológico, chapa de aquecimento, pedaços de carne e vidro com
As manchas de sangue coletadas em cenas de
conta-gotas.
crime são reveladas através de testes que envolvem o uso de um agente oxidante. O reagente de
Procedimentos: Em um béquer adicionou-se
Kastle-Meyer é um indicador que sinaliza a oxi-
20 g de hidróxido de sódio a 90 ml de água desti-
dação catalisada pela hemoglobina. Após a adição
lada. Em seguida, dissolveu-se 1 g de fenolftaleína
-O
HO OH
Zn(s) + 2 H2O(l) + 2NaOH(aq) +
Na2[Zn(OH)4(s) + H2(g) + O COO-
O
O Fenolftaleína (incolor)
Fenolftaleína (vermelho) HO
-O OH
Na2[Zn(OH)4(s) + H2(g) +
+ Hb O
+
H2O2(l)
Hb + H2O(l) + O2(g) +
Hemoglobina
COO-
O Fenolftaleína (incolor)
O
Fenolftaleína (vermelho)
Figura 2. Representação das reações envolvidas na revelação de manchas de sangue.
54
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Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
em 10 ml de etanol. Colocou-se 20 g de zinco
ções para o caso “O mistério do assassinato de
metálico em pó no béquer e aqueceu-se até o desa-
Marina”. Este caso foi elaborado com o objetivo de
parecimento da cor vermelha, dando lugar a uma
estimular os estudantes na resolução de problemas,
solução incolor. Após, colocou-se a solução prepa-
demonstrar a aplicação de conceitos químicos na
rada em um vidro conta-gotas.
prática, desenvolver a capacidade de comunicação
Para a realização da atividade experimental,
oral, escrita, o pensamento crítico e a habilidade de
cada aluno recebeu uma faca e foram orientados a
trabalho em grupo. O estudo de caso foi aplicado
fazer cortes em uma carne crua. Em seguida, pas-
em três etapas.
saram a haste flexível levemente umedecida em
Na primeira etapa, com o objetivo de envolver
soro fisiológico na lâmina da faca. Com o auxílio
os estudantes, foi produzido um vídeo narrando a
do conta-gotas, adicionou-se 2 gotas do reagente
estória do caso, o qual simulava os últimos momen-
de Kastle-Meyer na haste flexível. E, em seguida,
tos da vida de uma jovem publicitária que foi mis-
gotas de água oxigenada. E observaram o ocorrido.
teriosamente assassinada. Este vídeo está disponí-
A partir dos conhecimentos científicos adqui-
vel no seguinte endereço eletrônico: <http://www.
ridos nas etapas anteriores, e após a execução dos
youtube.com/watch?v=9bdHUZjZfWY>. O caso,
experimentos, os estudantes foram orientados a
além de filmado, foi entregue aos estudantes na
investigar um suposto assassinato e propor solu-
forma de narrativa, conforme o Quadro 2.
Quadro 2. Estudo de caso desenvolvido com os estudantes. O MISTÉRIO DO ASSASSINATO DE MARINA A estória a seguir, retrata os últimos momentos da vida de Marina, uma jovem publicitária de 25 anos que foi brutalmente assassinada. Acompanhe os fatos e ajude a resolver esse caso. Mais uma semana de trabalho começa na empresa de Marketing e Projetu’s, onde Marina trabalhava. No início da manhã, Henrique e sua esposa chegaram para uma reunião semanal da empresa, onde receberam da diretora Ana as pautas e orientações para a reunião. Alguns minutos depois, Marina chegou ao escritório muito preocupada e abatida. Os próprios colegas notaram que ela não estava em seu estado normal. E logo, Henrique se mostrou o mais preocupado, pois mantinha uma paixão secreta por ela. Todo esse interesse foi percebido por Bibiana, que não gostava da afinidade do seu marido com Marina. No dia seguinte, Marina chegou à empresa ainda mais agitada e inquieta, analisou sua agenda e seus documentos com muito nervosismo. Logo depois, recebeu um telefonema misterioso. Após desligar o telefone, ela resolveu pedir a chefe para sair mais cedo, alegando mal estar. Marina saiu com muita pressa e Henrique decidiu segui-la. Ele observou que um carro vermelho de vidros escuros se aproximou de Marina. Dele, saiu um homem que se chamava Roberto (o qual era desconhecido por todos os amigos de Marina), de aproximadamente 25 anos, que a beijou na testa e a acompanhou até que entrasse no carro. Os dois arrancaram rapidamente e todo este mistério causou um sentimento de angústia e preocupação em Henrique. Já em casa, transtornado, Henrique discutiu seriamente com sua esposa, Bibiana, que não aguentava mais a situação, alegando que o marido não disfarçava mais a paixão que sentia por Marina. Assim, decidiu ir embora, sair de casa e encerrar aquele casamento. Na manhã seguinte, Henrique foi o primeiro a chegar ao escritório, queria ver o semblante de Marina e saber o que realmente aconteceu. Porém, ela ainda não havia chegado, o que o deixou mais preocupado. As horas se passaram e Marina não apareceu para trabalhar, deixando todos com uma interrogação sobre o que teria acontecido. Os jornais do dia seguinte publicaram a trágica notícia, que abalou todo o pessoal do escritório: o corpo de Marina foi encontrado sem vida em um terreno baldio, apresentando ferimentos provocados por arma de fogo e um corte profundo no pescoço. O enterro e as últimas homenagens à Marina foram acompanhados por todos, era visível no semblante de cada um de seus amigos, o sentimento de tristeza pela perda daquela jovem de 25 anos. E permanecia no ar, a dúvida! Quem teria tirado a vida de Marina? Você pode ajudar a desvendar esse caso.
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Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
Na segunda etapa da aplicação do estudo
Os grupos tiveram quatro dias para pesquisar e
de caso, os alunos foram levados para a cena do
organizar suas propostas de solução para o caso “O
crime, construída no pátio da escola, com o obje-
Mistério do assassinato de Marina”. No dia mar-
tivo de coletar provas, vestígios, fotografar e ana-
cado, cada grupo apresentou e entregou por escrito
lisar minuciosamente a cena fictícia do assassinato
a pesquisa e a solução para o caso.
de Marina. Além disso, foi disponibilizado aos estudantes o que se chamou de “arquivo pericial”, que continha as impressões digitais de todos os suspeitos envolvidos no crime (Figura 3). Ainda, no local, estavam objetos, como faca, arma de fogo e copos quebrados que continham algumas impressões digitais do(s) possível(is) assassino(s).
6
Resultados e discussões A seguir, serão apresentados os resultados obtidos durante as atividades realizadas com as duas turmas da 3ª série do ensino médio que participaram das intervenções. Com o objetivo de verificar a evolução do conhecimento dos estudantes a respeito do trabalho desenvolvido foram utilizados dois questionários diagnósticos, um inicial e outro final. No início da primeira intervenção, os alunos foram questionados: “Você acha que existe alguma relação entre a revelação da impressão digital e a Química Orgânica? Comente”. Somente um estudante (estudante 23) acreditava que não existia tal relação. Os demais conseguiram formular uma resposta apontando algumas relações entre a Química
Figura 3. Impressões digitais dos suspeitos.
Orgânica e a impressão digital, apesar de encon-
A partir das provas coletadas, os estudantes deveriam propor soluções para o caso. Para auxiliar nesta tarefa, cada grupo recebeu um “kit” pericial contendo: luvas, pinças, embalagem para armazenamento das provas, lupas, máquina foto-
trarem dificuldades em expressarem suas ideias de uma forma mais elaborada. Algumas respostas dos estudantes estão transcritas a seguir, nas quais se destaca a(s) palavra(s) chave(s) que utilizaram para fazer esta relação.
gráfica, e os reagentes de revelação de mancha de
Estudante 05: “Sim, algumas substâncias
sangue e impressão digital, previamente prepara-
revelam esse tipo de início”.
dos no laboratório.
Estudante 08: “Sim, pois alguns testes
Após análise da cena do crime, com base em
podem desvendar a identidade do sujeito”.
pesquisas bibliográficas em artigos, textos de
Estudante 12: “Sim, para analisar uma
divulgação científica e revistas, provas coletadas,
impressão digital são utilizados produtos
vestígios e nos conhecimentos adquiridos durante
químicos”.
as aulas, os estudantes foram orientados a produzir
Estudante 16: “Existe sim, acredito que
um relatório pericial, no qual deveriam descrever o
várias substâncias químicas possam ajudar
processo de resolução do caso, apontando em deta-
na conclusão de provas coletadas”.
lhes que tipo de provas foi coletado e as possíveis
Estudante 22: “Sim, pois a química mostra
soluções.
de quem é a digital”.
56
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Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
Estudante 23: “Acho que não”.
Estudante 22: “Sim, no suor existem compos-
Estudante 32: “Sim, a partir de reações”.
tos orgânicos, como aminoácidos, ácidos gra-
Estudante 41: “Sim, deve haver a realiza-
xos, glicerídeos e colesterol que são responsá-
ção de alguma reação química”.
veis pela revelação da impressão digital”. Estudante 23: “Sim, pois diversos compos-
Com o desenvolvimento das intervenções, per-
tos orgânicos podem ser encontrados no
cebe-se que os estudantes evoluíram em seu conhe-
suor, um exemplo são os lipídeos”.
cimento, pois todos conseguiram citar pelo menos
Estudante 32: “A composição química do
um ponto relacionando a importância da Química
suor das mãos é composta basicamente por
orgânica na identificação humana. Os alunos 05,
compostos orgânicos”.
08, 12 e 41, conseguiram explicar esta relação de
Estudante 41: “Sim, os compostos orgânicos
forma mais completa, enquanto os estudantes 16,
são liberados pelo suor e ao tocar em objetos
22, 23 e 32 forneceram respostas mais gerais, mas
deixamos nossas impressões digitais”.
com informações corretas. Através das respostas
A segunda pergunta do questionário: “A fenolf-
dos alunos, foi perceptível essa evolução.
taleína é utilizada como indicador no teste de Kastle-
Estudante 05: “Sim, com certeza! Quando
Meyer para detectar vestígios de sangue em uma
suamos, liberamos compostos gordurosos
cena de um crime. Você saberia identificar quais
e outras substâncias orgânicas que são res-
funções orgânicas estão presentes na molécula de
ponsáveis pela formação da impressão digi-
fenolftaleína?”, apresentava as seguintes alternati-
tal deixadas nos objetos”.
vas: (a) Fenol e éter; (b) Fenol e cetona; (c) Fenol e
Estudante 08: “Sim, a partir de compostos
éster; (d) Álcool e cetona; (e) Álcool e éster.
orgânicos presente no suor das mãos é que as impressões digitais podem ser reveladas”.
HO
Estudante 12: “Sim, pois nossas mãos,
OH
quando suamos, liberam inúmeros compostos orgânicos, assim quando encostamos em algo, nossas digitais ficam ali”.
O
Estudante 16: “Sim, existem no suor muitos componentes da Química orgânica”.
O
100% Questionário inicial Questionário final
80%
90%
60% 45%
40% 20%
21% 4%
0%
A
18% 7% 3%
0%
B
C Opções
D
9%
3%
E
Figura 4. Gráfico comparativo entre o questionário inicial e final.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
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Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
A Figura 4 apresenta o comparativo entre o questionário inicial e final, bem como relação entre as alternativas e a porcentagem de alunos para cada opção escolhida. Dos 43 alunos que responderam o questionário inicial, apenas oito alunos, que corresponde a 18%, marcaram a opção correta. Porém, no questionário diagnóstico final, esse número aumentou
90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%
para 39 alunos, 90% dos estudantes. É perceptível que, durante o desenvolvimento do trabalho, tenha havido uma evolução do conhecimento dos estudan-
Questionário inicial Questionário final
79
52 34 14
10
4
7
0
A
B
C
D
Opções
Figura 5. Gráfico comparativo entre o questionário inicial e final.
tes em relação ao conteúdo de funções orgânicas. Outra questão proposta tratava-se de um exercício de concentração molar das soluções. Apesar
blemas na interpretação do exercício. Porém, com
de ser uma questão objetiva, para a sua análise
o desenvolvimento das intervenções e analisando
também foi considerado o desenvolvimento dos
os cálculos apresentados no questionário final,
cálculos e o raciocínio empregado pelos estudan-
percebeu-se que houve uma evolução significativa
tes: “Um teste comumente utilizado para a detec-
no entendimento sobre o conteúdo de concentra-
ção de vestígios de disparo de arma de fogo nas
ção molar das soluções, pois o número de alunos
mãos de um possível suspeito, consiste no preparo
que acertou a questão aumentou de quatro para 39
de 100 ml de solução tampão 0,1M de tartarato de
(79%). Dessa forma, constatou-se que a integração
sódio e potássio (C4H4KNaO6). Você saberia cal-
de metodologias diferenciadas com a investigação
cular qual a massa necessária para preparar essa
criminal é uma alternativa que favoreceu o pro-
solução?”. E as alternativas propostas foram: (a)
cesso de aprendizagem dos conteúdos de Química
2,0g; (b) 2,1g; (c) 21g; (d) 210g.
que foram trabalhados.
A Figura 5 apresenta uma comparação entre as respostas dos estudantes no questionário inicial e final.
6.1
Análise e discussão do estudo de caso: “O Mistério do assassinato de Marina”
Através da análise da Figura 5 e dos cálculos
O estudo de caso foi aplicado aos estudantes
apresentados pelos estudantes na resolução do
com intuito de favorecer o desenvolvimento de
questionário inicial, pôde-se verificar que os mes-
habilidades como a comunicação oral e escrita,
mos apresentaram muita dificuldade no exercício
resolução de problemas e o estímulo à pesquisa.
proposto. Apenas quatro alunos, ou seja 10%, con-
A turma foi dividida em dois grupos, e cada um
seguiram marcar à opção correta. Um fator que
ficou responsável em escrever um relatório peri-
pode ter influenciado foi a não disponibilização
cial apontando as possíveis soluções para o caso.
das fórmulas no questionário. Outra observação
Analisando o relatório produzido pelos estu-
foi que a maioria dos estudantes marcou a opção
dantes, constatou-se que o estudo de caso os moti-
D, cujo valor corresponde exatamente à massa
vou a pesquisar em diversas fontes bibliográficas
molar do tartarato de sódio e potássio, e através
sobre as técnicas utilizadas na análise de vestígios
da análise dos cálculos no questionário desses
em cenas de crime. Isso pode ser observado no
alunos, pôde-se verificar que apresentaram pro-
seguinte trecho retirado do relatório do grupo 1:
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
Grupo 1: “Para encontrar a solução pesqui-
No trecho do relatório produzido pelo grupo
samos em sites e artigos científicos sobre as
1, fica evidente a compreensão dos estudantes em
técnicas analíticas para verificação se uma
relação a importância da Química nas investiga-
pessoa atirou ou não com arma de fogo, for-
ções periciais. Os estudantes deste grupo se basea-
mas de intoxicação e envenenamento, qui-
ram na atividade de revelação de manchas de san-
miluminescência e espectroscopia de infra-
gue para indicar que a faca também foi utilizada no
vermelho para analisar evidências como
crime. O grupo 2 chegou à conclusão do assassino
drogas e fibras”.
através da comparação da impressão digital coletada na arma de fogo, encontrada na cena do crime,
Segundo Sá e Queiroz (2009), uma das prin-
com o “arquivo pericial” disponibilizado, que con-
cipais características desse método é a pesquisa
tinha as impressões digitais dos suspeitos. Desta
bibliográfica, já que motiva o aluno a acessar,
forma, o caso proporcionou aos estudantes reali-
avaliar e utilizar as informações para solucionar
zarem investigações a partir dos dados coletados e
o problema. Dessa forma, uma das habilidades
das informações fornecidas. De acordo com Pozo
desenvolvidas pelos estudantes foi a busca de
(1998), o ensino baseado na solução de problemas
informações em diferentes fontes.
pressupõe promover nos alunos o domínio de pro-
No que se refere à aplicação e à discussão dos
cedimentos bem como a utilização dos conheci-
conteúdos científicos a partir do problema pro-
mentos disponíveis para dar solução às situações
posto, observa-se que os estudantes conseguiram
propostas.
propor possíveis soluções baseados nos conteúdos
Dessa forma, com a aplicação do estudo de
estudados durante as intervenções. As atividades
caso, atingiu-se a proposta inicial da utilização
experimentais desenvolvidas na segunda interven-
dessa metodologia de ensino, que é estimular
ção foram utilizadas para analisar os vestígios da
inserção à pesquisa e favorecer a tomada de deci-
cena do crime, o que levou os estudantes a apon-
são por parte dos estudantes.
tarem os possíveis culpados pelo crime. Conforme os relatos:
7
Considerações finais
Grupo 1: “Para chegar no verdadeiro culpado do crime, nós analisamos os objetos encontrados no local do crime. A faca tinha sangue, e isso ficou evidente pela reação com o reagente de Kastle-Mayer. Portanto, o criminoso usou uma faca para matar a Marina”.
O desenvolvimento deste trabalho oportunizou a percepção de que a aplicação de metodologias diferenciadas, como atividades experimentais e estudo de caso, podem ser uma alternativa ao ensino tradicional ou mesmo utilizadas para complementá-lo. A utilização de atividades experimentais, aliadas ao estudo de caso, ou seja, a uma
Grupo 2: “Na arma, devido à composição
proposta baseada na resolução de problemas, pode
química do suor das mãos, revelou-se atra-
favorecer a construção dos conceitos científicos
vés do teste de vapor de iodo, uma impres-
pelos estudantes, proporcionando-os a atuarem em
são digital que pertence a Bibiana. Com
pequenas investigações (Goi; Santos, 2009).
o mesmo teste, constatou-se também, que
Em específico, neste trabalho, através da busca
a faca com sangue da vítima, possuía a
de soluções para o caso “O mistério do assassinato
impressão digital de outro suspeito”.
de Marina”, os estudantes tiveram a oportunidade
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
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Atividades Experimentais e Estudo de Caso Aliados a Investigação Criminal: estratégias metodológicas para o Ensino de Química
de elaborar hipóteses, analisar as provas do crime e aplicar a Química, por meio das atividades experimentais, para a resolução do problema. Um dos propósitos deste trabalho foi relacionar as técnicas que são habitualmente utilizadas em perícias criminais com os conteúdos de Química do Ensino Médio. A exploração da temática “investigação criminal” estimulou a curiosidade e despertou o interesse discente, o que contribui para o processo de ensino e aprendizagem. Os resultados obtidos com a aplicação desta proposta didática foram satisfatórios, no que se refere à aprendizagem dos conteúdos de Química pelos estudantes. A partir deste resultado, conclui-se que a utilização desta temática para a contextualização do ensino de Química, juntamente com as metodologias de ensino propostas, podem ser alternativas para minimizar as dificuldades dos estudantes no estudo desta disciplina. 8
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60
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Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Relato de Experiência 02 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
p. 61-71
Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio Citronella: a theme for contextualization of Education of Organic Chemistry in secondary education Elane de Sousa Santos1, Vanessa Coelho de Deus Brito1, Josimara Cristina de Carvalho Oliveira2, André Camargo de Oliveira3 e Régia Chacon Pessoa de Lima2
Resumo A utilização da citronela como tema norteador para o ensino de Química Orgânica na 3ª série do Ensino Médio regular objetivou inserir a contextualização, segundo as perspectivas do cotidiano discente, nas aulas de química como forma de motivar os alunos na sua formação. A proposta buscou por alternativas que pudessem restaurar o conhecimento prévio dos alunos, utilizando exemplos do cotidiano, experimentos adaptados e inserindo-se nas aulas os recursos das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Com base na avaliação de mapas de conceitos elaborados pelos estudantes e analisados com base na teoria semiótica, foi possível perceber três categorias de domínios de significação – descritivo, conceitual e Argumentativo. Palavras-chave: Citronela; Ensino de Química; Contextualização; Aprendizagem significativa. Abstract The use of citronella as a guiding theme for teaching Organic Chemistry in 3rd grade of high school regular theme aimed to put the context, from the standpoint of the student daily, in chemistry classes as a way to motivate students in their 1. Mestranda em Ensino de Ciências. Universidade Estadual de Roraima – UERR. 2. Doutora em Química. Universidade Estadual de Roraima – UERR. 3. Doutor em Ciências. Universidade Estadual de Roraima – UERR.
Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio
training. The proposal sought theoretical support in meaningful learning of David Ausubel regarding the search for alternatives that could restore the students’ prior knowledge, using examples from everyday life, alternative experiments and inserting in class resources of information and communication technologies (ICT). Based on the assessment of concept maps drawn by students and analyzed based on semiotic theory, it was possible to see three categories of areas of significance - descriptive, conceptual and argumentative. Key-words: Citronella; Chemistry teaching; Contextualization; Meaningful learning.
1
2000; Teixeira; Monteiro, 2009; Wartha; Silva;
Introdução
Bejarano, 2013).
Exercer a docência nos dias atuais, em muitos
Assim sendo, concebe-se que ensinar os
casos, implica ter determinadas capacidades que as
conhecimentos científicos da química é também
vezes deixam de ser discutidas nos cursos de for-
considerar nesse processo que o aluno reconheça
mação inicial. Muito mais que dominar a matéria
o valor dessa ciência na busca do conhecimento da
de estudo, o professor necessita ressignificar sua
realidade objetiva e insiram no cotidiano.
prática visando atingir o primordial objetivo da educação, que é fazer com que o aluno aprenda.
Nessa busca, planejou-se e desenvolveu-se uma proposta didática para o conteúdo de Química
Entretanto, atualmente, espera-se que o estu-
Orgânica, na 3ª série do Ensino Médio regular,
dante aprenda para a resolução dos problemas da
tendo como suporte teórico a aprendizagem signi-
vida em sociedade, isto é, que seja capaz de tomar
ficativa na ótica ausubeliana e como tema norte-
decisões conscientes e que adquira capacidades
ador, a planta aromática citronela, conhecida por
contemporâneas para pensar e agir na vida em
sua ação de repelência natural contra insetos, tais
comunidade. Desse modo, é pertinente que as prá-
como moscas e mosquitos. Além disso, a proposta
ticas pedagógicas sejam planejadas e executadas
contou com o apoio das TIC e experimentos adap-
de modo a possibilitar o aprendizado significativo
tados às condições de escola localizada em períme-
dos conhecimentos científicos pelo aluno.
tro rural do município de Rorainópolis – Roraima.
Aprender significativamente implica aprender
Nessa perspectiva, trabalharam-se contextos
coisas que poderão apresentar utilidade em algum
que tivessem significado para o aluno e que pudes-
momento e aspecto do cotidiano. Nessa ótica, a
sem levá-lo a aprender de forma significativa.
legislação nacional para a educação, tais como os
Desse modo, o problema de pesquisa deste traba-
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
lho está voltado à questão do Ensino de Química
Médio (Brasil, 1999) e os PCN+ (Brasil, 2002)
Orgânica na educação básica, tendo em vista que
orientam que uma forma de atingir um ensino sig-
esta é uma parte da química que possui caracterís-
nificativo é por meio da contextualização.
ticas específicas e que requer uma linguagem pró-
A partir da orientação contida nessas legisla-
pria bem como habilidades para a representação
ções, houve crescente defesa por diversos educa-
estrutural, sendo necessário correlacionar estru-
dores, pesquisadores e grupos ligados à educação,
turas, nomenclatura e as propriedades químicas e
em relação ao tema. De fato, especificamente no
físicas. Entretanto, tão importante quanto escrever
caso do ensino de química, existem inúmeras pes-
e formular corretamente os compostos orgânicos
quisas comunicando experiências relacionando
é reconhecer sua presença e importância no dia-a-
o conhecimento químico e o contexto (De Lima,
-dia de cada um, pois assim o conhecimento ganha
62
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio
significado, já que será útil em algum aspecto da
o aluno da condição de espectador passivo (Brasil,
vida.
1999, p. 91) de sorte que é possível generalizar a
Desta forma, o objetivo desta proposta foi
contextualização como recurso para tornar a apren-
verificar se o ensino contextualizado por meio da
dizagem significativa ao associá-la com experiên-
temática citronela, utilizando os recursos das TIC
cias da vida cotidiana ou com os conhecimentos
e experimentos adaptados, potencializa o aprendi-
adquiridos espontaneamente (Brasil, 1999, p. 94).
zado significativo dos conceitos científicos de quí-
A contextualização dos conteúdos é necessária
mica e melhora a motivação dos alunos a quererem
porque relaciona o conhecimento prévio dos alu-
participar das atividades escolares nessa disciplina.
nos com os conhecimentos científicos adquiridos através do ensino, respeitando as diversidades
2
O Ensino de Química contextualizado e a proposta significativa de aprendizagem ausubeliana
das comunidades e visando a formação do cidadão para um senso mais crítico, e ajuda na prática docente (Teixeira; Monteiro, 2009). A contextualização no ensino é uma proposta
Defende-se neste trabalho que as contextuali-
que se encaixa perfeitamente nas ideias de apren-
zações dos conteúdos são de extrema importância
dizagem defendidas por Ausubel, no que concerne
para ajudar a motivar o alunado a se interessar pelo
à aproximação do cotidiano do aluno aos saberes
que está sendo ensinado e para a construção signi-
científicos das matérias, pois com esta ação, valo-
ficativa desse saber. Conforme De Lima (2000), a
riza-se o conhecimento de mundo, como denomi-
não contextualização da química pode ser respon-
nado por Ausubel, conhecimento prévio.
sável pelo alto nível de rejeição do estudo desta
Ausubel define que a aprendizagem signifi-
ciência pelos alunos, dificultando o processo de
cativa dá-se especialmente pela recepção, isto é,
ensino-aprendizagem, pois o ensino no contexto
aprendizagem por recepção verbal significativa,
possibilita a aproximação do dia-a-dia dos alunos
tendo em vista que a aquisição de conhecimentos
do conhecimento científico.
de matérias em qualquer cultura é, essencialmente,
O termo contextualização passou a fazer parte
uma manifestação de aprendizagem por recepção
do cenário de comunicação científica da comu-
(Ausubel, 2003, p. 22). Nessa perspectiva, o autor
nidade de educação química após os Parâmetros
define que na aprendizagem por recepção signifi-
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
cativa as tarefas de aprendizagem são relacionadas
e os PCN+ (Wartha; Silva; Bejarano, 2013).
de modo substantivo, não arbitrário e não literal,
Curiosamente, a palavra contextualização, con-
pois esta aprendizagem caracteriza-se pela valori-
forme os autores supracitados, é um termo recente
zação do conhecimento prévio, uma vez que este
na língua portuguesa e que começou a ser larga-
é isoladamente, a variável que mais influencia a
mente utilizado a partir da promulgação dos dis-
aprendizagem.
positivos legais ora citados, que orientam a com-
A valorização do conhecimento prévio dis-
preensão dos conhecimentos para uso no cotidiano
cente, de acordo com as ideias ausubelianas, se
contemplando a relação informação científica e
justifica pelo fato de a aprendizagem ocorrer atra-
contexto social.
vés da interação da nova informação com uma teia
Desse modo, conforme as recomendações dos
de conhecimento específica, existente na estrutura
PCNEM, o tratamento contextualizado do conhe-
cognitiva do estudante, denominada subsunçor,
cimento é o recurso que a escola tem para retirar
que é, nessa concepção, um conceito facilitador
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
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Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio
para um novo assunto, ou seja, o conhecimento
cial, podem tornar as aulas mais atraentes e ajuda a
prévio que será o suporte ou sustento para a anco-
motivar o interesse em saber mais.
ragem (fixação) de um novo conhecimento que se
A introdução das novas tecnologias na educação, sobretudo da informática, deve-se à busca de
deseja reter. Conforme Geintens (2013), a prática pedagó-
soluções para promover melhorias no ensinar e no
gica é mais significativa quando relacionada com
aprendizado dos alunos, pois os recursos compu-
o conhecimento do aluno, seu cotidiano. O docente
tacionais, adequadamente empregados, podem
é o mediador do diálogo entre o conhecimento pré-
ampliar o conceito de aula, além de criar novas
vio e os conceitos químicos e o discente é o sujeito
pontes cognitivas (Brito, 2001).
no processo, tornando o ensino de Química mais
Souza et al. (2009) parafraseados por Vieira et
interessante, menos cansativo e, com certeza,
al. (2011) corroboram no sentido de que o uso de
mais significativo. Sendo assim, na aprendizagem
Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)
por recepção significativa, o conteúdo principal
e de jogos tem mostrado ser eficiente não só na
daquilo que será aprendido pelo estudante é apre-
compreensão de conceitos, mas também por des-
sentado em sua forma final visando a interioriza-
pertar o interesse por esta área da ciência.
ção cognitiva desse material para uma disponibi-
No âmbito de experiências subsidiadas pelo
lidade ou usos futuros, ou seja, para reprodução,
uso pedagógico de aparelhos e recursos multimídia
para aprendizagem relacionada, quer para resolução de
de modo a possibilitar o ensino de química contex-
problemas no futuro (Ausubel, 2003, p. 22).
tual, Silva e Silva (2012) relatam a experiência de
Isto significa que o conteúdo principal a ser
acrescentar o uso de vídeos na aula de Química, a
aprendido não precisará ser descoberto pelo estu-
fim de melhorar a interpretação dos alunos, dina-
dante (aprendizagem por descoberta). Também
mizarem as aulas e relacionar os conteúdos do
significa um continuum da aprendizagem mecâ-
livro didático com os vídeos e os slides na apre-
nica ou por memorização, na qual as tarefas de
sentação oral da aula. Conforme os pesquisado-
aprendizagem são relacionadas de forma arbitrária
res, essa nova didática, com o uso de vídeo, pode
e literal, haja vista que as novas informações são
representar um dos grandes progressos no sentido
aprendidas praticamente sem interagir com con-
de se conseguir atrair a atenção do aluno, assim
ceitos relevantes existentes na estrutura cognitiva,
como instigar a curiosidade no campo do ensino
sem se fixar a subsunçores específicos.
de Química, sendo considerada uma boa estratégia
Nesse processo, alguns fatores podem ser utili-
para o ensino e aprendizagem significativos.
zados pelo docente visando alcançar a aprendiza-
Outros fatores também contribuem para um
gem significativa na ótica de Ausubel, tais como
aprender significativo, dentre eles o material instru-
organizadores avançados, que são materiais intro-
cional potencialmente significativo, para o desen-
dutórios apresentados antes do assunto a ser apren-
volvimento dos subsunçores e trabalhar a estrutura
dido estabelecendo uma ligação entre aquilo que o
cognitiva, considerando a apresentação dos ele-
aprendiz já sabe e aquilo que precisa saber.
mentos mais gerais, mais inclusivos, em primeiro
Assim, os recursos das TIC, como os vídeos,
lugar, até que o conceito seja progressivamente
podem ser utilizados como organizadores prévios
diferenciado, em termos de detalhes e especifici-
de conteúdos uma vez que são recursos multimí-
dade. Nessa perspectiva, esse material deve ser ela-
dia, ou seja, transferem informações por intermé-
borado considerando os princípios da diferenciação
dio de mais de um dos sentidos. Com esse poten-
progressiva e da reconciliação integradora.
64
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio
O primeiro princípio reconhece que a maioria
Em um mapa conceitual, em geral cada con-
da aprendizagem e toda a retenção e a organiza-
ceito encontra-se no interior de um círculo ou
ção das matérias é hierárquica por natureza, proce-
retângulo. A inter-relação entre os conceitos é indi-
dendo de cima para baixo em termos de abstração,
cada por linhas que os unem. Usualmente é uti-
generalidade e inclusão. Já a reconciliação inte-
lizada uma palavra ou frase de ligação, colocada
gradora tem a tarefa facilitada no ensino exposi-
sobre cada linha, para especificar a relação entre
tivo, se o professor e/ou os materiais de instrução
dois conceitos, formando uma proposição, ou
anteciparem e contra-atacarem, explicitamente,
seja, uma declaração significativa sobre um objeto
as semelhanças e diferenças confusas entre novas
ou evento (Novak; Cañas, 2008 apud Machado;
ideias e ideias relevantes existentes e já estabele-
Nardi, 2008).
cidas nas estruturas cognitivas dos aprendizes. Por
Assim sendo, concebe-se que propostas que
fim, o aprendiz deve estar disposto a relacionar de
contemplem o ensino contextual e utilizando fer-
modo não literal e não arbitrário o material a ser
ramentas adequadas como os recursos das TIC,
aprendido. Caso contrário, todos os demais fatores
experimentos adaptados à realidade escolar e
serão irrelevantes.
uma temática para nortear as atividades de ensino
Outro ponto a se considerar na aprendizagem
podem motivar o aluno a querer aprender signifi-
receptiva verbal é a verificação da ocorrência
cativamente.
dessa aprendizagem, isto é, a avaliação do processo visando que o aprendiz não simule o aprendizado, ainda que inconscientemente. Nessa pers-
3
Metodologia da proposta
pectiva estão os mapas conceituais, instrumentos
A proposta foi desenvolvida no 1º semestre de
capazes de ajudar no curso da aprendizagem sig-
2012, na Escola Estadual Tenente João de Azevedo
nificativa no ensino de ciências, uma vez que são
Cruz, localizada no perímetro rural do município
instrumentos que favorecem, para o professor, a
de Rorainópolis – RR, em uma turma de 3º ano do
identificação, na estrutura cognitiva de seus alu-
Ensino Médio regular e contou com a participação
nos, dos subsunçores, organizadores essenciais
dos 14 estudantes regulamente matriculados e fre-
para os conhecimentos sobre determinado con-
quentando as aulas.
ceito (Gomes et al., 2010). Mapas conceituais aparecem como possíveis estratégias facilitadoras
Para o desenvolvimento da proposta, realizaram-se as seguintes ações:
da aprendizagem significativa bem como instru-
a) Aplicação de questionário para aferir o
mentos possibilitadores de avaliação desse tipo de
conhecimento prévio discente sobre a
aprendizagem (Moreira, 2011).
planta capim citronela e se viam alguma
Mapas conceituais são diagramas bidimensio-
relação da química com essa planta.
nais mostrando relações hierárquicas entre concei-
b) Explanação do conteúdo de Química
tos de uma disciplina e que derivam sua existência
Orgânica enfatizando as funções químicas
da própria estrutura da disciplina (Moreira; Rosa,
orgânicas, isomerismo e ligações inter-
1986, p. 17 apud Machado; Nardi, 2008, p. 246).
moleculares e suas relações com a temá-
São construídos com base nos princípios da dife-
tica em questão. Discutiu-se as substân-
renciação progressiva e da reconciliação integra-
cias orgânicas presentes no óleo essencial
tiva e podem ser usados em qualquer momento do
extraído do capim citronela, técnica de
processo educacional e de diversas formas.
extração de óleos essenciais pelo método
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
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Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio
de destilação por arraste à vapor, utiliza-
Outras mídias também foram selecionadas, ou
ção dessa planta em benefício humano e
seja, “A viagem de Kemi – Funções inorgânicas
ambiental, impacto causado à saúde do
e orgânicas”, cuja produção é da Universidade
homem e prejuízos ao meio ambiente pelo
Federal de Santa Maria e uma Realização do
uso de inseticidas sintéticos e efeitos alelo-
Fundo Nacional de Educação, Ministério da
páticos positivos da citronela.
Educação e Ministério da Ciência e Tecnologia.
c) Exibição de vídeos e leitura de hipertexto,
“Química aqui, Química ali, Tem química aí?” e
como organizadores prévios e introdutó-
“Nem ciclano, nem beltrano... funções orgânicas”
rios do conteúdo trabalhado.
são vídeos que tem o objetivo de conceituar funções orgânicas, os compostos orgânicos e mos-
No total foram exibidos seis vídeos e um hiper-
trar usos dos compostos orgânicos no cotidiano.
texto com o propósito de auxiliar o entendimento
“Ureia! Ureia! Sintetizei o primeiro composto
da história da química orgânica, formulação e
orgânico!” objetiva conceituar química orgânica
nomenclatura das funções orgânicas, isomerismo
e mostrar um breve histórico do surgimento dessa
e classificação das plantas, para entender como a
área da química.
planta citronela é classificada biologicamente.
Os recursos multimídia utilizados foram aces-
O hipertexto Botânica: as plantas visou contri-
sados gratuitamente, inclusive o download, no
buir com a formação do aluno no aprendizado de
repositório de objetos de aprendizagem do portal
botânica, enfatizando a classificação das plantas,
do professor, disponível em: <http://portaldo-
pois além de ser um organizador prévio forneceu
professor.mec.gov.br/index.html>, em conteúdos
um conhecimento interdisciplinar entre os compo-
multimídia. Todos os vídeos foram selecionados
nentes curriculares de Química e Biologia, tendo
por terem conteúdos diretamente envolvidos e rele-
em vista que a instituição escolar não possui pro-
vantes com o conteúdo de Química Orgânica e por
fessor com formação específica na disciplina de
terem duração média de 10 minutos, o que não os
Biologia.
torna cansativos e, além disso, oportuniza explica-
Os vídeos selecionados fazem parte dos progra-
ções e discussões posteriores às exibições.
mas “Aí tem química!”, desenvolvidos pelo Projeto
Portanto, a explanação do conteúdo aliado à
Condigital MEC – MCT, Pontifícia Universidade
temática foi realizada de forma dialogada, com o
Católica do Rio de Janeiro – PUC Rio. Desse
auxílio do quadro branco e com apoio de apresen-
programa, foram utilizados o episódio “Química
tações em slides e vídeos projetados por meio de
Orgânica – Química do Carbono” com o objetivo
data show. Para ter acesso ao hipertexto, os alunos
de introduzir o estudo da Química Orgânica atra-
foram levados ao laboratório de informática da
vés de situações baseadas em diferentes aspec-
escola.
tos da realidade de estudantes de ensino médio, mesmo daqueles que vivem em localidades distan-
Além disso, também foram realizadas as seguintes ações:
tes dos grandes centros urbanos e “Nomenclatura
1. Realização de experimento alternativo para
– Química Orgânica” visando auxiliar o aluno a
extração de solução hidroalcoólica con-
compreender as regras adotadas na nomenclatura
tendo óleo essencial de citronela por meio
dos compostos orgânicos. O episódio “Química
do solvente orgânico álcool a 70% e expli-
Orgânica – Isomeria”, visa relacionar diversos con-
cações sobre ligações intermoleculares
ceitos envolvidos no conteúdo de isomeria.
e solubilidade nos compostos orgânicos.
66
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio
Para a extração da solução hidroalcoólica
Após a confecção das velas, as ações realizadas
contendo as substâncias químicas presen-
foram:
tes no óleo essencial de citronela, utilizou-
1. Verificação da eficácia das velas aromático-
-se 100 g da planta seca e triturada, um
-repelentes, utilizando-as nas residências
recipiente de boca larga para acondicionar
dos alunos envolvidos, almejando detectar
o material e álcool a 70% até cobrir toda a
se haveria diminuição dos pernilongos ou
planta. Cobriu-se o recipiente com tecido
se não haveria modificações perceptíveis
escuro para evitar contato direto com a luz
quanto à incidência desses insetos.
e prevenir reações indesejáveis. O material
2. Aplicação de questionário final para aferir
ficou contido no recipiente durante 10 dias
a opinião dos estudantes sobre a proposta
e nesse tempo, o conteúdo foi agitado duas
e sua relação com a química ensinada em
vezes ao dia. Essa atividade foi realizada
sala de aula.
na cozinha da escola.
3. Elaboração de mapas conceituais pelos estu-
2. Confecção de velas e incorporação da
dantes abordando os conceitos aprendidos.
solução extraída contendo óleo essencial de citronela, visando demonstrar o pro-
Para a elaboração dos mapas conceituais, prepa-
cesso de tornar produtos aromático-repe-
rou-se apresentação visual para explicar o que são,
lentes. As velas também foram produzidas
para que servem e como devem ser construídos.
na cozinha da escola e utilizou-se parafina em barra, estearina para untar as forminhas de empada e facilitar a retirada das velas
4
Resultados e discussão
prontas, palitos de dentes para segurar o
Questionário inicial
fio das velas e fio de barbante parafinado.
4.1
Para as velas, utilizou-se 500 g de parafina
As informações coletadas no questionário diag-
em barra, cortada em pedaços para facilitar
nóstico evidenciaram que 28% dos estudantes acre-
e acelerar o derretimento em banho-maria,
ditavam que citronela se tratava de uma fruta, 50%
e após a liquefação da parafina e com fogo
de uma planta (Figura 2) e 22% de um pássaro.
desligado, acrescentou-se 100 mL de solução hidroalcoólica de citronela. Este procedimento está representado na Figura 1. (a)
(b)
(c)
Figura 1. Produção de velas contendo solução hidroalcoólica de citronela; a) Derretimento da parafina; b) Colocação da parafina no molde e centralização do pavio; c) vela pronta.
Figura 2. Capim Citronela (Cymbopogon winterianus).
Foto: Elane S. Santos (2013).
Foto: Elane S. Santos (2013).
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Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio
Sobre a relação da química estudada em sala de
mações antes de o conteúdo ser desenvolvido e
aula com a temática citronela, 36% dos estudantes
auxiliar na elaboração de subsunçores na estrutura
não viam nenhuma relação da temática com a dis-
cognitiva dos estudantes.
ciplina e 64% afirmaram que deveria haver alguma
Na concepção ausubeliana, a aprendizagem
relação, pois a química está em tudo (fala de estu-
significativa de matérias escolares é, por exce-
dante), porém não souberam especificar.
lência, receptiva, ou seja, a principal forma de
A citronela pertence à família Poaceae, é uma
aprendizagem dos conhecimentos escolares ocorre
planta perene, aromática, conhecida por sua ação
mostrando-se o material a ser aprendido na sua
de repelência natural, possui efeitos repelentes não
forma final, uma vez que o aluno não terá de des-
tóxicos (Maia; Parente Junior, 2008; Oliveira, et
cobrir o que deve ser ensinado e não poderá apenas
al., 2011). A planta é conhecida por dois nomes
memorizá-lo.
principais: Cymbopogon nardus var. lenabatu
Para atingir a aprendizagem significativa por
(L.) Rendle e Cymbopogon winterianus Jowitt
recepção, a explanação dos conteúdos deu-se de
(Wijesekera et al., 1973). O capim-citronela,
forma dialogada, apoiando-se em projeções audio-
Cymbopogon winterianum Jowitt., é uma planta
visuais, por intermédio do data show. Ainda, o
medicinal e devido à grande procura pelo seu óleo
ensino receptivo para gerar aprendizagem signi-
essencial tem se tornado importante no Brasil,
ficativa precisa contar com a motivação discente,
tanto no mercado interno, quanto para exportação
isto é, o aluno precisa querer aprender de forma
(Rocha et al., 2000). O óleo extraído das folhas é
substantiva o conteúdo e não apenas decorá-lo.
rico em aldeído citronelal e quantidades menores
Nesse caso, o ensino contextualizado, conforme os
de geraniol, citronelol e ésteres. O óleo essencial
autores (De Lima, 2000; Teixeira; Monteiro, 2009;
de citronela é utilizado na fabricação de perfumes,
Wartha; Silva; Bejarano, 2013) pode contribuir
velas, incensos, repelentes, desinfetantes, na aro-
para uma melhor disposição do alunado em que-
materapia e armazenagem de alimentos.
rer aprender significativamente os conhecimentos
De acordo com as informações iniciais, per-
científicos químicos.
cebeu-se que o conhecimento prévio dos estudan-
Sabendo-se que conhecimento significativo
tes ainda era bastante debilitado sobre a temática
é conhecimento útil em algum aspecto da vida,
e sua relação com os conhecimentos químicos.
buscou-se mostrar aos sujeitos participantes desta
Conforme Ausubel (2003), a disponibilidade de
proposta o aspecto útil da temática citronela rela-
subsunçores ou conhecimentos prévios facilita a
cionando-se a informação química e o contexto
ancoragem de novos conhecimentos; no entanto,
social.
caso a estrutura cognitiva de quem aprende ainda
Questionário final
não tenha subsunçores adequados para estabilizar
4.2
novas informações, pode-se criar esse ambiente
A maioria dos estudantes (79%) afirmou que
cognitivo adequado por meio de recursos facili-
a agregação de um tema gerador à disciplina de
tadores da aprendizagem significativa. Segundo o
Química melhorou a compreensão do conteúdo de
autor, cabe ao professor descobrir ou possibilitar o
Química Orgânica, além de tornar as aulas mais
surgimento desses subsunçores.
atraentes, uma vez que o conhecimento socializado
Para atingir este objetivo, utilizaram-se orga-
poderia, de fato, ser útil no cotidiano. Por outro
nizadores prévios do tipo multimídia, no formato
lado, 14% afirmaram que essa proposta contri-
hipertexto e vídeo, visando apresentar as infor-
buiu um pouco com a aprendizagem do conteúdo,
68
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio
enquanto que 7% afirmaram que essa proposta não
à utilização deste artefato, foi muito produtivo no
contribuiu com a aprendizagem do conteúdo.
sentido de possibilitar ao educando compreender a
Com base em observações dos próprios estudantes, sobre o teste dos efeitos aromático-repe-
importância do método científico na validação do conhecimento.
lentes das velas confeccionadas na cozinha da
Análise dos mapas conceituais
escola, 100% afirmaram que houve diminuição da
4.3
presença de insetos voadores patógenos, no local
A análise dos mapas conceituais foi baseada na
próximo à queima da vela aromático-repelente, e
teoria semiótica (Peirce, 2005). A teoria semiótica
levantaram a hipótese de que esta diminuição seria
baseia-se no estudo de saber como o ser humano
uma evidência da presença da substância citronelol
constrói significados utilizando recursos cultu-
na solução contendo o óleo essencial de citronela,
rais de sistemas de palavras, imagens, símbolos e
extraído pela técnica alternativa de extração com
ações, uma vez que, segundo as ideias desta teoria,
solvente orgânico (álcool a 70%). Todos os alunos
um objeto é muito mais que um objeto material,
consideraram a vela aromático-repelente agradá-
quando a pessoa que o vê, o interpreta como um
vel ao olfato humano e levantaram a hipótese de
signo portador de significado.
que poderia ser devido à presença da substância
A partir da análise dos mapas de conceitos sobre
citronelal, que dá ao óleo essencial de citronela
o tema citronela e o ensino contextual de Química
seu odor de limão acentuado, uma evidência de sua
Orgânica (Q.O), foi possível estabelecer três cate-
presença na solução extraída.
gorias de domínios de significação (Peirce, 2005).
Assim, pode-se dizer que a contextualização
Essas categorias evidenciam tipos de domínios de
do ensino de conhecimentos científicos químicos,
conhecimento que foram mais bem alicerçados na
por meio do tema organizador citronela, colaborou
construção do conceito de Q.O, aliados à temática:
para uma disposição positiva da maioria dos estu-
domínio descritivo (que envolve preceitos básicos
dantes em querer aprender química.
do conteúdo de Q.O, como classificação das fun-
O experimento de extração do óleo essencial
ções orgânicas, nomenclatura e formulação); domí-
de citronela em solução não é o recomendado para
nio conceitual (termos relacionados à definição de
extrair óleos essenciais, pois além deste, com esta
conceitos) e domínio argumentativo ou valorativo
técnica alternativa, extrai-se todos os demais pig-
(que envolve a discussão econômico-social sobre
mentos presentes, como é o caso da clorofila. O
o tema). Essa categorização dos termos usados na
método de destilação por arraste à vapor seria o
elaboração dos mapas conceituais convergiu com
mais adequado para a extração do óleo essencial
as ideias ausubelianas, pois defende-se o ensino
da citronela; entretanto, o método utilizado permi-
de matérias de maneira hierárquica, indo do con-
tiu que se atingisse os objetivos desejados.
ceito mais abrangente para as especificidades do
Sabendo-se que as hipóteses são possíveis res-
conteúdo.
postas a um problema, o teste das velas aromático-
A teoria semiótica partilha dessa questão do
-repelentes, embora não possam significar um
ensino hierarquizado haja vista que a construção
conhecimento científico, no sentido de afirmar que
do conhecimento apresenta características distin-
a diminuição de insetos, como moscas, mosquitos
tas durante o processo de construção de um con-
e borrachudos, bastantes persistentes na localidade
ceito. A Tabela 1 apresenta os domínios de conhe-
em que a proposta de ensino se realizou, se devam
cimento observados partir dos mapas conceituais.
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Citronela: uma temática para a contextualização do Ensino de Química Orgânica no ensino médio
Tabela 1. Domínios de conceitos observados na análise dos mapas conceituais. Domínio de Significação
%
Apenas Descritivo
02 mapas (14,3%)
Descritivo/Conceitual
05 mapas (35,7%)
Descritivo/Conceitual/Argumentativo ou Valorativo
07 mapas (50,0%)
Conforme Ausubel, o aprendiz deve apresentar
ria, assimilassem de forma satisfatória o conte-
disposição para aprender de forma significativa, ou
údo, tornando o aprendizado agradável e útil. Os
seja, alicerçando o novo conhecimento em pontes
conhecimentos prévios presentes na estrutura cog-
cognitivas já existentes, denominadas por ele de
nitiva dos alunos ancoraram as novas informações,
subsunçores, de modo que esse subsunçor se trans-
ganharam um sentido mais elaborado e, possivel-
forme e ganhe significado para quem aprende. Por
mente, se mantenham armazenados por muito mais
outro lado, se o estudante apenas deseja memori-
tempo, podendo servir de novos ancoradouros a
zar algum aspecto do conteúdo, ou simplesmente
novos tipos de conhecimentos e aprendizagens.
não está disposto a internalizar significativamente o conteúdo, qualquer recurso que se utilize a fim de facilitar a aprendizagem significativa, falhará. Possivelmente, os mapas conceituais construídos apenas na categoria de significação descritiva se reportem ao desejo discente de apenas memorizar algum aspecto do conteúdo, sem explicar do que se tratava o conceito e suas implicações em sociedade. Já os mapas analisados e classificados como apresentando as categorias descritiva e conceitual demonstram que, apesar da assimilação do conteúdo trabalhado ter sido satisfatória, o poder argumentativo da implicação do conhecimento científico de química com a temática trabalhada e as questões da vida prática não foram bem exploradas pelos estudantes na construção de seus mapas. Nessa perspectiva, a contextualização do ensino de química pode contribuir para que o estudante melhore sua capacidade de utilização dos recursos culturais para poder melhor explicar o impacto dos conhecimentos científicos na vida em sociedade. 5
Considerações finais A proposta de ensino de química, contextualizada por meio do tema organizador citronela, contribuiu para que os estudantes, em sua maio-
70
6
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Relato de Experiência 03 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
p. 72-78
Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio Thematic Discipline of Chemistry: space for citizen formation of high school students Leandro Severino de Oliveira1, Nathália Kellyne Silva Marinho Falcão2, Vanúbia Pontes dos Santos2, Umberto Gomes da Silva Junior3 e Jailson Machado Ferreira3
Resumo O presente trabalho tem por finalidade mostrar a importância do planejamento e desenvolvimento de uma disciplina de Química para o Ensino Médio, baseada na contextualização, interdisciplinaridade e experimentação no Ensino de Química. Oferecida pelo Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Licenciatura em Química aos alunos do Ensino Médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB), a disciplina de Química buscou contribuir para a formação de cidadãos que estejam preparados para fazer uso de conhecimentos químicos necessários a sua participação efetiva na sociedade. Em consequência dos resultados provenientes do processo de ensino e aprendizagem, destaca-se a relevância que esta disciplina proporcionou ao Ensino de Química na comunidade discente do IFPB. Palavras-chave: Ensino médio; Ensino de Química; Cidadania.
1. Graduando em Licenciatura em Química no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Campus João Pessoa / Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET). 2. Graduada em Licenciatura em Química no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Campus João Pessoa. 3. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba, Campus João Pessoa / Orientador.
Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio
Abstract This paper aims to expose the planning and development of a Chemistry Course for High School, using the context, interdisciplinarity and experimentation in Chemistry Teaching, offered by Tutorial Education Program (PET) of the Bachelor’s Degree in Chemistry students of the School of IFPB. The Chemistry course sought to educate citizens who are prepared to make use of chemical knowledge necessary for their effective participation in society. In consequence of the results from the process of teaching and learning, highlights the relevance that this provided the Teaching of Chemistry in the city of João Pessoa - PB. Key-words: High school; Chemistry teaching; Citizenship.
1
Introdução
como construção histórica, relacionada ao desenvolvimento tecnológico e aos muitos aspectos da vida em sociedade (Brasil, 2002, p. 87).
O presente trabalho, cuja temática central é o Ensino de Química, configurou-se na necessidade de denotar à referida disciplina, um caráter tal que estimule os alunos do ensino médio a serem críticos mediante as transformações do mundo que os cerca. Levando-se em conta que a cidadania dar-se-á na participação efetiva dos indivíduos na sociedade, torna-se evidente que eles devem possuir conhecimentos químicos e científicos que lhes subsidiem na compreensão dos fenômenos que ocorrem ao seu redor (Santos; Schnetzler, 2010). O aprendizado de Química durante o Ensino
Desta forma, faz-se necessário que o Ensino de Química componha em suas raízes a interdisciplinaridade, a contextualização e a experimentação, ações pedagógicas que visem atender os anseios de um ensino de qualidade e significativo para os estudantes, de forma que os mesmos possam utilizar o conhecimento desenvolvido em sala de aula em seu ambiente comunitário. Nesse sentido, Silva (2006) expõe o objetivo social que a escola deve desempenhar na vida escolar do indivíduo: A cidadania é conquistada durante o nosso desenvolvimento, podendo ser percebida rapidamente ou não, dependendo do meio que o sujeito vive. Por isso, a escola deve ter como objetivo, o desenvolvimento do aluno voltado para soluções de problemas que beneficiem a comunidade (Silva, 2006, p. 49).
Médio deve possibilitar que o aluno desenvolva habilidades e competências que lhe permitam a compreensão tanto dos processos químicos em si quanto da construção de um conhecimento científico em estreita relação com as aplicações tecnológicas e suas implicações ambientais, sociais, políticas e econômicas (PCNEM, 1999, p. 107). Dessa forma, foi esta-
belecido nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN +) que: [...] a Química pode ser um instrumento da formação humana que amplia os horizontes culturais e a autonomia no exercício da cidadania, se o conhecimento químico for promovido como um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade, se for apresentado como ciência, com seus conceitos, métodos e linguagens próprios, e
Segundo Santos e Schnetzler (2010) a presença da Química no dia a dia das pessoas é mais do que suficiente para justificar a necessidade de o cidadão ser informado sobre ela (p. 15).
No Ensino da Química, existem vários temas que podem ser utilizados pelo professor como ponto de partida para a contextualização de suas aulas. O pesquisador Chassot (1993) argumenta que a Química contextualizada é aquela em que
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Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio
o indivíduo aplica os conhecimentos na explica-
em Química do IFPB, Campus João Pessoa, plane-
ção dos diversos fenômenos químicos presentes
jou e desenvolveu uma disciplina de Química vol-
em sua vida cotidiana. Logo, ensinar Química de
tada para os alunos do Ensino Médio da referida
modo contextualizado é abrir as janelas da sala de
instituição. Este, por sua vez, teve como objetivo a
aula para o mundo, é promover relação entre o que se
formação de cidadãos que possam compreender a
aprende e o que é preciso para a vida (Chassot, 1993,
Química como uma ciência indispensável em suas
p. 47). O processo de corrosão em estruturas metá-
vidas e nas relações que os mesmos estabelecem
licas próximas ao mar, as doenças causadas pela
com o meio ambiente e com a sociedade.
poluição atmosférica e as novas fontes energéticas que estão adentrando no país são todos exemplos que podem ser destacados no ensino de Química.
2
Metodologia
Outra possibilidade de ação pedagógica a ser
A metodologia desse trabalho se deu em três
desenvolvida, complementar à contextualização,
importantes momentos, os quais serão descritos a
é a abordagem interdisciplinar dos conteúdos.
seguir:
De acordo com Fazenda (2000), a interdiscipli-
Primeiro momento: planejamento do curso
naridade é uma exigência natural das ciências, no
2.1
sentido de uma melhor assimilação da realidade
A disciplina de Química para o Ensino Médio
que vivemos. A partir dessa perspectiva, a autora
foi concebida, durante os últimos meses do ano de
defende que a interdisciplinaridade não é uma
2010, tendo como base estrutural as experiências
categoria de conhecimento, mas sim de ação, de
vivenciadas em aulas de núcleo com os alunos dos
atitudes. Nesse caso, a atitude do professor é con-
cursos Técnicos Integrados ao Ensino Médio do
siderada como eixo principal, e responsável, do
IFPB, bem como a aprendizagem desenvolvida
processo interdisciplinar.
ao longo das disciplinas pedagógicas da gradua-
Entretanto, não se pode perder de vista que as
ção em Licenciatura em Química. Com o intuito
aulas práticas de Química são de suma importância
de tornar as aulas de núcleo, até então baseadas na
para sua compreensão, visto que esta é uma ciên-
metodologia expositiva, em um espaço de expe-
cia basicamente experimental. A experimentação
rimentação e aplicação de novas metodologias
no ensino pode ser compreendida como uma ati-
educacionais no Ensino de Química, planejou-se
vidade que permite a articulação entre fenômenos
a disciplina valendo-se da interdisciplinaridade,
e teorias. Assim, a aprendizagem de Ciências, tal
experimentação e contextualização, com vista à
como a Química, deve ser sempre uma relação
formação de cidadãos que estejam preparados para
constante entre o fazer e o pensar em sala de aula
fazer uso de conhecimentos químicos necessários
(Santos; Maldaner, 2010). Logo, as atividades
à participação efetiva na sociedade.
experimentais não devem apenas servir para verifi-
Durante o planejamento foram estabelecidos os
car aquilo que foi ministrado teoricamente em sala
temas de cada aula segundo os nove pilares estru-
de aula, mas deve garantir que esse momento crie
turadores expostos no PCN+ Ensino Médio, os
condições para o desenvolvimento de habilidades,
quais são uma maneira de selecionar e organizar os
tais como: planejar, refletir, analisar, compreender,
conteúdos de forma a permitir o desenvolvimento
descrever e desenvolver ideias.
de um conjunto de conhecimentos em torno de um
Diante das considerações anteriores, o Programa de Educação Tutorial (PET) do curso de Licenciatura
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eixo central. Sendo assim, escolheu-se 9 unidades temáticas, como constam no Quadro 1.
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Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio
Quadro 1. Unidades temáticas estruturadas a partir de temas geradores. Temas Estruturadores
Unidades Temáticas
1. Reconhecimento e Caracterização das Transformações Químicas;
• Conhecendo a matéria e suas transformações físicas e químicas • Por que o gelo flutua?
2. Primeiros Modelos de Constituição da Matéria;
• A Química do Cabelo Elétrico
3. Energia e Transformação Química;
• Reações Químicas • Maresia: como ocorre?
4. Aspectos Dinâmicos das Transformações Químicas;
• Porque os óculos fotocromáticos mudam de cor?
5. Química e Atmosfera;
• Química da Atmosfera • A Química dos Refrigerantes
6. Química e Hidrosfera;
• Água Mole e Pedra Dura • Mar: uma grande solução
7. Química e Litosfera;
• Quem é Lutécio? • O Fantástico Mundo dos Polímeros
8. Química e Biosfera;
• • • •
9. Modelos Quânticos e Propriedades Químicas.
• Fogos de Artifício: um espetáculo químico • A Química dos Metais
Petróleo: o ouro negro Bafômetro: como funciona? Zumbis existem? Como domar o seu dragão?
Em seguida, estabeleceram-se os recursos
templavam o modelo dialógico associado a experi-
didáticos de acordo com o perfil de cada aula.
mentos práticos de Química. Tais aulas aconteciam
Foram estes: quadro, datashow, modelos molecu-
tanto no Laboratório de Química, como também na
lares, vídeos, livros, artigos, entre outros. Além
sala do grupo PET Química IFPB, sendo ministra-
disso, propôs-se a metodologia construtivista para
das pelos alunos bolsistas do PET, sob a supervisão
o planejamento das aulas, por esta reunir várias
e acompanhamento do Tutor do grupo, que tam-
tendências atuais do pensamento educacional e por
bém é docente do quadro efetivo de professores do
levar em consideração a aprendizagem como um
curso de Licenciatura em Química.
processo interligado às experiências vivenciadas
As aulas eram iniciadas com uma situação-pro-
pelos estudantes. Estas e outras informações, no
blema, a partir da qual eram geradas discussões
que diz respeito à quantidade de vagas disponíveis
a respeito do referente tema a ser contemplado,
aos estudantes e o período de realização da disci-
tomando como base a leitura de textos, artigos e
plina, constavam no Plano de Curso, como tam-
experiências vivenciadas pelos estudantes. Em
bém os planos das respectivas aulas.
seguida, abordava-se o conhecimento químico e
2.2
Segundo momento: realização da disciplina
A disciplina de Química iniciou-se no dia 14 de março de 2011, e seu término foi em 12 de dezem-
científico do tema, enfatizando o método científico da construção desse conhecimento pelo homem ao longo da sua manipulação e estudo da ciência Química.
bro de 2011, com carga horária total de 88 horas. As 2.3
aulas ocorreram nas segundas feiras no intervalo de 8h00min as 11h30min, com a presença de 20
Terceiro momento: avaliação da aprendizagem e da disciplina
estudantes dos quatro anos do Técnico Integrado ao
A avaliação deve ser concebida de forma pro-
Ensino Médio do IFPB. As aulas ministradas con-
cessual e formativa, sob os condicionantes do
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Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio
diagnóstico e da continuidade (BRASIL, 1999).
Temas como “Química na Atmosfera” e
Desta forma, a avaliação do curso era orientada
“Química do Petróleo” puderam levantar situa-
para as vertentes envolvidas: docentes e discentes.
ções-problemas em que foram discutidos efei-
Ao término das aulas, os professores minis-
tos socioeconômicos, ambientais e tecnológicos.
trantes discutiam a atividade com o restante do
Nenhum conhecimento específico de química foi
grupo PET Química a fim de avaliar o seu desen-
esquecido; pelo contrário, foi possível abordá-los e
volvimento. Neste momento, eram mencionados
relacioná-los com saberes interdisciplinares, escla-
os aspectos mais relevantes e as maiores dificulda-
recendo dúvidas e contribuindo para o enriqueci-
des encontradas, a fim de melhorar o processo de
mento cultural dos educandos.
ensino aprendizagem. Esta avaliação dos professo-
Para Pinheiro et al. (2007), novas formas de
res faz-se necessária, já que havia um revezamento
trabalho em sala de aula deverão ser propostas,
dos integrantes do grupo PET Química na condu-
pois fazem-se necessárias metodologias de ensino
ção das aulas da disciplina, e é de suma importân-
e de avaliação que estimulem a iniciativa dos
cia que todos os professores acompanhem a evolu-
estudantes. Dessa forma, caso persista o processo
ção dos discentes no ensino básico, seja intelectual
ensino-aprendizagem atual, não será formado
ou socialmente.
um cidadão dotado das habilidades que o Ensino
Já a avaliação dos alunos era realizada de
Médio pretende. Urge pensar em novas formas de
acordo com o plano de aula apresentado pelos
trabalho, de metodologia, de enfoque e de postu-
professores no planejamento da disciplina. Assim,
ras. É preciso estimular o aluno a desenvolver a
propiciava-se a avaliação como um momento
adaptabilidade e flexibilidade, formando-o como
investigativo da autonomia do processo de apren-
pessoa que tome decisões, avalie o papel das deci-
dizagem dos alunos, utilizando-se de instrumentos
sões humanas na determinação da sobrevivência e
avaliativos tais como: prova (objetiva/disserta-
da vida na sociedade futura.
tiva); seminário; trabalho em grupo; debate; rela-
Dessa forma, devido às ferramentas utilizadas
tório pós-experimentação; auto avaliação e obser-
nas aulas, como lúdicos, práticas experimentais,
vação escolar.
relatórios, listas de exercícios, seminários etc. ampliaram-se as técnicas de avaliação, que leva-
3
ram em consideração o desenvolvimento proxi-
Resultados e discussões
mal, a evolução formativa, postura e conhecimento
A utilização de temas do cotidiano na disci-
específico da disciplina Química, dente outros.
plina proposta levou os discentes a participarem
Trazendo em contrapartida a avaliação da dis-
de aulas dinâmicas, interdisciplinares e contex-
ciplina, foi aplicado um questionário pós-disci-
tualizadas, que alcançaram uma formação eficaz,
plina aos alunos, contendo alguns questionamen-
nas quais os alunos puderam compreender melhor
tos referentes ao método de ensino utilizado pelos
fenômenos ocorrentes a nossa volta. Sendo assim,
ministrantes, sugestões de aprimoramentos e a
encontramos um caminho onde é possível sairmos
contribuição da ciência para sua formação cidadã
do senso comum ao saber científico, associando as
a partir dos temas trabalhados em sala de aula.
transformações cotidianas aos conhecimentos das
Em relação à motivação para aprender Química,
ciências, buscando formar cidadãos críticos e atu-
proporcionada pela disciplina, foi unânime a res-
antes na sociedade, dispostos a diagnosticar pro-
posta entre os alunos, em que eles afirmaram esta-
blemas e encontrar as possíveis soluções.
rem motivados, com justificativas muito positivas
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Disciplina Temática de Química: espaço para a formação cidadã dos estudantes do ensino médio
como, por exemplo: “o curso me apresentou mui-
vidos, visto que estes estão inseridos no curso de
tas coisas novas e muitas experiências surpreen-
Licenciatura em Química, que proporciona uma
dentes que explicam acontecimentos do meu dia
visão paradigmática do ensino de química, à luz
a dia.” Quanto à metodologia de ensino utilizada
da interdisciplinaridade e contextualização. Sendo
pelos ministrantes obteve-se respostas como: “os
assim, tornar concreta esta visão de um ensino
professores são dinâmicos, comunicativos e ami-
diferenciado para alunos do Ensino Médio, pro-
gáveis. Se relacionam conosco e nos tratam de
porciona uma sensação de êxito profissional.
igual para igual.” Tais situações trazem à tona que
As metas objetivadas da disciplina foram cum-
o objetivo de um ensino dialético, no qual o pro-
pridas e todo o conteúdo programático foi efeti-
fessor e o aluno socializam os conhecimentos, foi
vamente concluído. A repercussão da disciplina de
alcançado, fazendo assim com que o aluno possa
Química dentro do IFPB foi bastante significativa,
se sentir mais à vontade para expor suas dúvidas e
o trabalho de todo um ano letivo foi reconhecido
compartilhar experiências vividas.
e a disciplina passou a ter caráter de extensão, abrangendo, desta forma, toda a comunidade em
4
seu entorno.
Conclusão Tendo em vista os expostos do PCN+ (2002), que ressalta que a ciência química pode ser um instrumento da formação humana que amplia os horizontes culturais e a autonomia no exercício da cidadania, a disciplina de Química para o Ensino Médio apropria-se desse novo modelo de ensino para promover o conhecimento como um dos meios de interpretar o mundo e intervir na realidade. Dessa forma os estudantes podem julgar com fundamentos as informações advindas da tradição cultural, da mídia e da própria escola e tomar decisões autonomamente, enquanto indivíduos e cidadãos (Brasil, 1999).
A aprendizagem efetiva dos alunos foi possibilitada pela metodologia aplicada pelos docentes. De maneira dinâmica e construtivista, os discentes puderam perceber a disciplina Química e tornarem-se sujeitos críticos, capazes de opinar e modificar a sociedade que os cercam. Sendo assim, as aulas, por partirem de temas geradores e por estes requererem um pensamento interdisciplinar, possibilitaram aos discentes uma contribuição essencial na concretização do processo de ensino/aprendizagem. A experiência docente vivenciada pelos integrantes do PET Química contribuiu significativamente para a formação profissional dos envol-
5
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Química Verde 01 | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
p. 79-92
Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental: possíveis influências na formação de professores de Química Comprehensions of Chemists Researchers on Environmental Sustainability: possible influences on Chemistry teacher formation Carlos Alberto Marques1, Franciani Becker Roloff2, Leonardo Victor Marcelino2, Leila Cristina Aoyama Barbosa2 e Aniara Ribeiro Machado2 3 RESumo Este artigo analisa possíveis influências na formação de professores de química e suas compreensões acerca da relação entre química e sustentabilidade ambiental, considerando suas respostas a um questionário investigativo e suas produções científicas. A aplicação da técnica de Cluster indicou a formação de subgrupos de acordo com a semelhança das respostas nas quais os fatores de separação auto-organizada entre os grupos convergiram, tanto na consideração da limitação entrópica ao desenvolvimento sustentável, quanto na conservação das massas e uso de fontes renováveis. Apesar de todos justificarem motivações ambientais em suas produções acadêmicas, suas respostas apontam: que tais relações de significado são pouco claras para uma crença na ciência e na tecnologia como resolução aos problemas ambientais; e, ainda, a “ausência” de olhar crítico sobre os limites termodinâmicos ao alcance da Sustentabilidade Ambiental. Palavras-chave: Termodinâmica; Sustentabilidade ambiental; Formação de professores de química. 1. Departamento de Metodologia de Ensino, Universidade Federal de Santa Catarina. 2. Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina. 3. Agradecemos ao CNPq – Projeto Universal 47346/2010-2; à CAPES por meio do Acordo Internacional CAPES-FCT (Projeto 289/11) e aos pesquisadores que participaram da pesquisa.
Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental
Abstract This paper analyzes possible influences of Chemistry researcher’s comprehensions about the relation between their scientific area and environmental sustainability upon Chemistry teachers’ formation, based on a survey and on their scientific production. The Cluster technique was applied and indicated the formation of groups and subgroups by resemblance of answers and differences concerning both to the entropic limitations to sustainable development, to the mass conservation and to the use of renewable resources. Despite all the selected Chemistry researchers approach environmental concerns in their papers, their answers point out: that these relations are not made clear to a belief in the ability of science and technology to solve environmental problems; and yet to the “absence” of a critical view on the thermodynamic limits to the reach of environmental sustainability. Key-words: Thermodynamic; Environmental sustainability; Chemistry teacher formation.
1
causar danos ao ambiente. Visando responder parte
Introdução
dos problemas ambientais gerados pela própria
A busca pela sustentabilidade na dimensão
química, emerge, nos anos 90, a chamada Química
ambiental compreende, entre outras medidas, o
Verde (QV), que pode ser definida como a utiliza-
uso racional dos recursos naturais e a melhoria na
ção de técnicas químicas e de metodologias que
eficiência técnica quanto às transformações mate-
reduzem a geração de produtos nocivos à saúde
riais e ao uso da energia. Todavia, por mais jus-
humana ou ao ambiente (Anastas; Warner, 1998).
tas que sejam as medidas para a manutenção das
Marques et al. (2013) comentam que a QV vem
condições de vida e para a diminuição da degrada-
contribuindo para o desenvolvimento científico e na ino-
ção do meio ambiente, isso não fornece garantias
vação tecnológica associada à sustentabilidade (p. 914),
quanto ao futuro do planeta e da vida. Portanto,
ainda que um dos autores tivesse, em artigo poste-
é preciso alterar o atual ritmo e forma de desen-
rior (Marques; Machado, 2014), salientado sobre
volvimento devido aos limites impostos pelas leis
os limites que os postulados termodinâmicos têm
da termodinâmica, especialmente, da Segunda Lei
imposto à própria ideia-força da sustentabilidade
(Georgescu-Roegen, 2012; Nascimento, 2012).
ambiental (SA) e do desenvolvimento sustentá-
Aliada à problemática da sustentabilidade, a
vel (DS). Além disso, ressaltam que, embora em
complexidade de fatores envolvidos nas trans-
menor grau, existe a necessidade das práticas da
formações e degradação do ambiente, o enfren-
QV orientarem o ensino da química e a formação
tamento da crise ambiental e a minimização dos
dos químicos (incluindo seus professores) nas
impactos sobre o meio biofísico requerem o com-
questões relacionadas ao ambiente (Marques et
promisso das diversas áreas do saber (Roloff;
al., 2013). Do mesmo modo, Karpudewan, Ismail
Marques, 2014). Neste contexto, a Química repre-
e Roth (2012) consideram que os futuros profes-
senta um papel importante, pois algumas de suas
sores da área tenham uma base sólida de conhe-
atividades geram produtos e resíduos que podem
cimentos químicos capazes de articular e discu-
80
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Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental
tir questões ambientais em sala de aula. Geiger
quências dos problemas ambientais, ou pelas con-
e Donohoe (2012), por sua vez, acreditam que a
cepções sobre a influência que recebem do atual
busca por processos químicos mais limpos, e sem
modelo de desenvolvimento: I) a produção de
efeitos nocivos ao ambiente – cuja redução se dará
mais mercadorias, utilizando-se de menos recursos
mediante o uso de solventes orgânicos ou rea-
naturais e energia (Solow, 2000) e argumentando-
gentes tóxicos, conforme propõe a QV –, seja um
-se em favor da maior eficiência tecnológica; II) a
excelente modo de abordar questões ambientais no
definição-conceito de DS, formulada no Relatório
curso de Química.
Brundtland (WCED, 1987), em que o uso racional
Devido à importância das relações entre essas
e parcimonioso dos recursos naturais garantiria o
dimensões para a formação de professores, julga-
desenvolvimento sem comprometer as necessidades
mos necessária a investigação de possíveis inter-
das gerações futuras (na busca por uma economia
ligações entre a sustentabilidade e aspectos eco-
socioambiental mais eficiente que poupe energia e
nômicos, sociais e ambientais, buscando mostrar
recursos naturais) (Nascimento, 2012); e III) a que
em que medida as ciências da natureza, incluindo
considera que o atual modelo de desenvolvimento
a Química (Verde), podem atuar nesse importante
nos levará à autodestruição, sendo necessário um
e urgente tema. Para tal propósito, no presente tra-
decrescimento econômico (Latouche, 2012). Essa
balho, apresentamos resultados complementares
corrente se fundamenta, dentre outras linhas, na tese
de uma pesquisa anterior (Marques et al., 2013),
de Georgescu-Roegen (2012), cujo autor afirma que
por meio de análise qualitativa das respostas de
o processo econômico, do ponto de vista puramente
pesquisadores químicos a um questionário, com o
físico, não faz mais do que transformar recursos natu-
objetivo de caracterizar suas compreensões sobre
rais de valor (baixa entropia) em resíduos (alta entropia)
o significado e o alcance dos termos SA e DS no
(p. 62). Portanto, a produção econômica é, no fundo,
âmbito da Química, apontando para possíveis des-
uma transformação entrópica.4
dobramentos na formação de professores da área.
Ao se considerar as hipóteses sobre os efeitos do desenvolvimento (econômico) ancoradas por tais
2
Limites termodinâmicos à sustentabilidade ambiental
vertentes, é preciso levar em consideração que a física e a química, em particular, podem contribuir para um melhor entendimento acerca dessas “ameaças”. Isso
Parece consenso que o futuro da humanidade
seria possível a partir de alguns de seus princípios e
esteja ameaçado (IPCC, 2000) e que as causas disso
de conhecimentos científicos já estabelecidos, espe-
residiriam, principalmente, no aquecimento global.
cialmente os postulados da termodinâmica, como
Tal constatação resulta no enunciado de quatro ver-
também no desenvolvimento de alternativas tecno-
sões dessas ameaças: I) comprometimento da manu-
lógicas. Nesse sentido, é necessário que a Química
tenção do planeta Terra; II) obstáculo à existência
reveja como tem encarado esse desafio societário da
da vida em geral; III) extinção do gênero humano;
busca pela SA, o que implicaria no reconhecimento,
e IV) degradação das condições de vida humana
dentre outras coisas, da ineficácia de seus paradigmas
– vertente que incorpora as variáveis socioeconô-
clássicos da diluição e do risco (Thornton, 2000).
micas e ambientais em sua análise (Nascimento, 2012). Como consequência disso, três proposições são sugeridas para o seu enfrentamento, as quais se distinguem, ou pelo modo como avaliam as conse-
4. Maiores caracterizações sobre os fundamentos defendidos por Georgescu-Roegen que relacionam os postulados termodinâmicos e a SA são encontrados no trabalho de Barbosa e Marques (2013).
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
81
Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental
3
vendo a QV no Brasil, que mostrou que ainda há
Sustentabilidade ambiental no contexto de formação de professores de Química
pouca disponibilidade de propostas de atividades e materiais para serem incluídos em conteúdos pro-
Uma das principais características dos cursos
gramáticos de ensino, apesar do crescente aumento
para a formação de professores é a inserção de dis-
de exemplos de utilidade da QV no enfrentamento
ciplinas pedagógicas no currículo dos bacharela-
dos problemas de prevenção ambiental.
dos (Gauche et al., 2008), cujo modelo, segundo
Considerando-se a importância do tema da SA,
Gatti (Gatti, 2010, p. 1357), foi consagrado no iní-
busca-se problematizá-lo e analisá-lo do ponto de
cio do século XX para as licenciaturas. Esse modelo,
vista do reconhecimento da ideia-conceito nele
por sua vez, desfavoreceu orientações mais inte-
contida, de suas formas históricas de apropria-
gradoras, como a formação disciplinar/formação
ção, uso e discussão. É nesse âmbito que se julga
para a docência, favorecendo abordagens mais
importante analisar se os pesquisadores químicos
disciplinares e conteudistas. No entanto, através
veem esse tema enquanto um “desafio” e como
desses aspectos, é possível entrever que, tanto a
isso os orienta na atuação profissional, pois, em
formação inicial quanto a continuada, incluindo a
suma, são formadores de professores de Química.
de professores, é relevante e demanda pesquisas
As ideias por eles expressas, ao interpretarem e
(Gonçalves, 2009). Do mesmo modo, é igual-
responderem às perguntas do questionário de pes-
mente importante o desenvolvimento de estudos
quisa – assim como a análise de vários de seus arti-
que envolvam a inserção de temas ambientais e de
gos publicados – podem possibilitar uma melhor
aspectos interdisciplinares ao ensino de química,
compreensão acerca de como percebem a relação
como os que tratam da questão da SA e do DS.
da Química com a SA e o DS, além de indicar pos-
Sendo assim, as Diretrizes Curriculares
síveis compartilhamentos de suas ideias e práticas
Nacionais para os Cursos de Química expres-
com a comunidade científica da área.
sam uma preocupação com uma formação mais geral dos estudantes, reforçando que o ensino de Química deve compreender e avaliar criticamente os
4
Procedimentos metodológicos
aspectos sociais, tecnológicos, ambientais, políticos e
A análise apresenta uma abordagem qualita-
éticos relacionados às aplicações da Química na socie-
tiva ao englobar a obtenção de dados descritivos,
dade (Brasil, 2001, p. 7, grifo nosso).
referindo-se e dialogando com os resultados da
Nesse sentido, Maximiano et al. (2009) des-
pesquisa de Marques et al. (2013), cujo universo
tacam que a existência dos problemas ambientais
amostral incluiu 456 pesquisadores nível 1 (A, B,
e suas consequentes implicações econômicas exi-
C, D) do Conselho Nacional de Desenvolvimento
gem novos desafios aos profissionais de química,
Científico e Tecnológico (CNPq) – Área da
ao ressaltarem a necessidade da abordagem de tais
Química. Por meio de uma carta-convite e de um
aspectos no ensino dessa ciência, haja vista que a
link de acesso, obteve-se a resposta de 82 pes-
necessária consciência para a sustentabilidade, deverá
quisadores ao questionário de pesquisa.5 Este era
orientar a atuação do profissional de química seja no
formado por Nove questões de múltipla escolha
sistema produtivo, seja como educador em quaisquer níveis de ensino (p. 399). Algo também salientado
por Zuin e Marques (2014a, 2014b) ao analisarem ideias e práticas expressas em produções envol-
82
5. O questionário utilizado se encontra no material suplementar do artigo de Marques et al. Sustentabilidade ambiental: um estudo com pesquisadores Químicos no Brasil. Química Nova, v. 36, n. 6, p. 914-920, 2013.
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental
(em grau de concordância) que, por sua vez, se
suas produções acadêmicas, constituem-se como
dividiam em quatro blocos: 1) definição concei-
um conjunto de especialistas que dissemina ideias
tual de desenvolvimento sustentável (conforme
buscando relacionar química e meio ambiente.
o Relatório Brundtland) (WCED, 1987); 2) defi-
A fim de avaliar esses indícios, comparou-se o
nição conceitual de SA quanto à sua amplitude;
conjunto de escolhas (respostas) de cada pesqui-
3) relação entre os fenômenos químicos e a SA;
sador com as de outros pesquisadores dentro de
e 4) compreensões sobre os paradigmas clássicos
F1, por meio da técnica de Análise Multivariada
da Química (risco e diluição) e a sinalização de
de Agrupamento Hierárquico – Técnica de Cluster
um “paradigma ecológico” (Thornton, 2000). O
(Scatena, 2005; Cohen et al., 2003). O uso dessa
foco desta análise corresponde às primeiras cinco
técnica permitiu levantar e discutir aproximações
questões do questionário (blocos 1, 2 e 3), por se
e/ou distanciamentos entre as respostas acerca dos
referirem mais diretamente às compreensões de
entendimentos compartilhados relacionados aos
SA e DS. As demais questões não foram analisa-
conceitos e às situações apresentadas nas pergun-
das devido ao escopo alargado, o que expandiria
tas do referido questionário, cujo tema focava os
consideravelmente este trabalho.
limites à SA.
Na pesquisa atual, buscamos traçar o perfil acadêmico de cada um dos 82 pesquisadores que responderam ao questionário por meio do currículo na Plataforma Lattes do CNPq, seguido
5
Análise de cluster: algumas explicações metodológicas
de um levantamento e análise de artigos por eles
A Análise Multivariada de Agrupamento
publicados, a fim de verificar quais abordavam
Hierárquico (conglomerados ou Cluster) permite
questões ambientais. Para o acesso às publicações,
classificar sujeitos entre si, o mais próximo pos-
utilizamos as plataformas de pesquisa Scifinder
sível, dentro de um grupo, e este, o mais distante
e Google Acadêmico, com as seguintes palavras-
possível, de outros grupos, sendo útil para detectar
-chaves: green chemistry, environment, environ-
a percepção do coletivo sobre temáticas educativas
mental sustentability e sustainable development.
(Cohen et al., 2003) e da área ambiental (Scatena,
Dessa busca, resultaram 565 artigos, os quais
2005). Usamos o programa Statistical Pack for
foram analisados através de uma leitura crítica do
Social Science (SPSS, 21ª versão), da IBM, para
resumo, palavras-chaves, introdução, justificati-
a análise de agrupamentos hierárquicos, a progra-
vas e das referências bibliográficas. Observou-se,
mação de aglomeração e o método de Ward, em
principalmente, se estas serviam de referência e
conjunto com a distância euclidiana quadrada.
sustentação às ideias gerais de seus autores às res-
Buscando validar os resultados iniciais obtidos,
postas que haviam dado ao questionário, sobretudo
repetimos a análise dos dados com outro programa
aquelas relacionadas à QV, à SA e ao DS. Após
(Action, versão 2.4.163.322), obtendo os mesmos
esse momento, encontramos 15 pesquisadores
resultados.
que utilizaram, em seus trabalhos, um conjunto de
Por outro lado, para uma adequação das res-
referências internacionais e/ou nacionais de auto-
postas do questionário à escala Likert (Carifio;
res considerados precursores da QV e que, ao dis-
Rocco, 2007), fizeram-se as seguintes relações:
cuti-la, estabeleciam alguma relação com a SA e o
1 = muito em desacordo; 2 = em desacordo; 3 =
DS. Esse grupo, chamado de F1, foi o objeto desta
indiferente; 4 = de acordo; e 5 = muito de acordo.
investigação, pois compreendemos que, devido às
Entretanto, para as questões 5A e 5B, assim se
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
83
Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental
relacionou: 5 = muito; 4 = pouco; 3 = indiferente;
25
2 = nenhuma; e 1 = não se relaciona (sobre isso, conferir os Resultados).
Corte 1
20
Esse tipo de análise gera um gráfico chamado dendrograma, ao plotar os casos (pesquisados) Distância relativa
versus a distância euclidiana relativa entre suas respostas. Quanto mais próximo do zero, menor a distância entre os casos e, portanto, maior a similaridade entre suas compreensões. Quanto maior
15
10
Corte 2
a distância, maior o afastamento entre os grupos.
GC
GB GD
GA
5
Convenciona-se dizer que a mudança abrupta de distâncias é um fator decisivo para a separação de agrupamento, com o auxílio de teorias que possam recomende um número mínimo de 25 casos para
P03
P37
P74
P56
P33
P78
P75
P44
P24
P59
P22
P17
P48
P54
P15
0
auxiliar na divisão. Embora a técnica de Cluster
Pesquisadores
se considerar uma análise mais segura, operou-se
Figura 1. Agrupamento de pesquisadores do grupo F1 a partir de suas respostas às questões sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, sua extensão e limitações.
com 15 deles, o que não diminui a confiabilidade dos agrupamentos, uma vez que foi comparada com as análises das respostas dos questionários e com a produção científica dos pesquisados. Ou
Paralelamente à análise de Cluster, com o intuito
seja, apoiou-se numa teoria que embasasse os
de atestar a consistência dos subgrupos formados,
agrupamentos formados, conforme recomenda
aplicamos, ainda, o método da matriz de correlação
essa metodologia analítica (Cohen et al., 2003).
(Cohen et al., 2003), o qual demonstrou aproximação e precisão com os grupos gerados na análise de
6
Cluster. Realizamos também uma pesquisa de agru-
Resultados
pamentos com os demais pesquisadores químicos investigados, além de F1, com 67 sujeitos.
No dendrograma (Figura 1) que representa as
Um esquema geral dos posicionamentos de F1
respostas fornecidas pelos pesquisadores constituin-
é visto no Quadro 1.
tes do grupo F1, observa-se que o primeiro aumento abrupto de distância está entre os pontos 5 e 10 do eixo vertical da figura, ponto em que se fez o “corte 1” para a delimitação dos subgrupos. Temos, assim,
7
Análise das respostas dos subgrupos
quatro subgrupos, compostos e denominados: GA:
É interessante notar que GA, ao reconhecer
P75, P78, P33, P56, P74, P76, P37, P03; subgrupo
suas diversas dimensões, assume concordar com
GB: P24; subgrupo GC: P15, P17, P22, P59, P48,
a definição-conceito de Brundtland, mas também
P54; e por fim, subgrupo GD: P44.
com a limitação do uso sustentável de materiais
6
renováveis e com a necessidade de uso condicional. O grupo igualmente acredita que existe a pos6. Aqui, a letra “G” representa os grupos formados, enquanto a letra “P” foi utilizada para codificar cada um dos pesquisadores-respondentes do questionário.
84
sibilidade de transformar os problemas em riquezas. Dessa aparente contradição, contudo, pode resultar a indiferença quanto ao papel da inovação
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014 MdA MdA
NsR NsR
ind dA
Pca Pca
4C - O princípio de Lavoisier sobre a conservação da matéria é fundamental para a sustentabilidade, uma vez que propicia que se trabalhe para a eliminação de problemas ambientais por meio de reações e processos químicos, o que permitirá transformar as causas de tais problemas em riqueza e bem-estar das pessoas.
Apesar do princípio da conservação da energia, os fenômenos 5A - A relação entre Sustentabilidade Ambiental e Degradação da Energia é direta. químicos envolvem degradação de energia. Isso permite concluir que: 5B - Que extensão essa degradação afeta a sustentabilidade ambiental é:
À primeira vista, o argumento de que existe uma contradição insuperável entre um mundo com recursos finitos e um crescimento ilimitado da produção é convincente, reforçando a idéia de que a sociedade humana se defronta, em sua evolução, com limites físicos. Segundo esta compreensão:
3C - O uso condicional deverá ser determinado local e temporalmente de forma que seu consumo não ultrapasse a formação de novos estoques.
Manter um Estado de Equilíbrio (EEq) é uma das definições de 3A - Um EEq é dinâmico e as mudanças no meio ambiente se cancelam. Desenvolvimento Sustentável. Isto significa que: 3B - Manter este EEq pode implicar no uso condicional dos recursos renováveis.
4B - O desenvolvimento da tecnologia permitirá superar as limitações dos recursos ao crescimento da produção.
2F - Ética Ambiental
dA
eD
dA
2E - Social
dA
eD
dA
2D - Planejamento
4A - O uso sustentável e o regime de utilização de materiais renováveis (ex. biomassa) têm uma limitação dinâmica, que depende do nível da retroalimentação.
eD
dA
2C - Sociológica
MeD
eD
dA
2B - Econômica
dA
eD
dA
2 - Biológica
dA
eD
dA
1C - Vaga e contraditória
MeD
dA MeD
dA eD
1B - Eficiente
dA
dA
dA
1A - Suficiente
ind
O DS envolve as dimensões:
A definição-conceito de DS proposta por Brundtland é:
inp
inp
eD
ind
dA
dA
dA
eD
dA
ind
ind
dA
dA
dA
eD
dA
dA
GC
Respostas GB
GA
Questões
NsR
NsR
MeD
eD
MdA
MdA
eD
MdA
MdA
dA
eD
MdA
MeD
MdA
MdA
MeD
MeD
GD
Quadro 1. Respostas compartilhadas pelos pesquisadores químicos nos grupos formados pelo dendrograma (dA: de acordo; MdA: muito de acordo; ind: indiferente; eD: em desacordo; MeD: muito em desacordo; Pca: pouca; NsR: não se relaciona; inp: independe).
Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental
85
Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental
tecnológica para superar problemas ambientais.
mento de processos mais limpos nas atividades
Eles são os únicos que veem alguma relação entre
químicas. No entanto, na análise de suas produ-
DS e entropia, ainda que pouca.
ções científicas, não foi possível apreender even-
Do levantamento relativo à trajetória acadê-
tuais ideias e afirmações, explícitas ou implícitas,
mica e produções científicas, foi possível identi-
sobre a relação que estabelecem entre os limites
ficar certo grau de compartilhamento dentro do
termodinâmicos e o alcance da SA, talvez porque
grupo GA acerca de referenciais teóricos que dis-
esse aspecto não tenha sido o foco de seus artigos,
cutem a QV, ao justificar preocupações ambientais
como observado em nosso levantamento.
envolvendo a química, no âmbito ou não da SA
O grupo GB apresenta compreensões mais
e do DS. O destaque foi quanto ao uso frequente
coerentes. É adepto da definição-conceito de
dos trabalhos de Dupont (1998) e Paul Anastas et
Brundtland, pois discorda da necessidade de uso
al. (1998, 1996). Os pesquisadores que se funda-
condicional e acredita que a inovação tecnológica
mentaram em Dupont apresentaram um olhar mais
e a conservação das massas possibilitam superar
técnico e aplicado da QV, enquanto os que cita-
problemas e transformá-los em riquezas. Para
ram Anastas, um discurso mais argumentativo, em
o grupo, DS e entropia não se relacionam. Suas
favor de uma química sustentável, ao explicitarem
produções estão mais relacionadas aos princípios
a preocupação com a SA das atividades químicas.
5 e 9 da QV, embora isso não seja explicitamente
Além disso, alguns participaram ou têm trabalhos
enfatizado nas publicações. Nos artigos analisa-
como membros de outros círculos de pesquisado-
dos, este membro compartilha autoria com colegas
res pertencentes à Química como, por exemplo,
pesquisadores de instituições do sudeste brasileiro
um coletivo que discute Economia Verde (P74).
e da Ásia, mas não aparece como primeiro autor
Três desses pesquisadores comentaram em seus
em nenhum deles, o que pode indicar um menor
artigos sobre mudanças de atitudes em relação ao
grau de envolvimento com as ideias veiculadas.
ambiente e sobre a necessidade de rever os para-
Do mesmo modo, nesses estudos, o pesquisador
digmas da Química, inclusive o ambiental (P78);
não trata diretamente sobre SA ou DS, e tam-
já outros dois, citando o Relatório Brundtland,
pouco aborda questões termodinâmicas. E, ainda
comentaram a respeito do desenvolvimento de
que trate superficialmente sobre a QV, usa-a para
uma “química sustentável” (P75 e P03):
justificar processos mais amigáveis ao ambiente,
“O grande desafio atual da Química Verde é reduzir os danos causados ao meio ambiente. Isto requer uma nova conduta química para o aprimoramento dos processos, com o objetivo de gerar cada vez menos resíduos, efluentes tóxicos e gases indesejáveis ao ambiente. Este novo caminho é chamado de química sustentável” (P03). Algo comum entre os sete pesquisadores
citando autores de referência da área, como Sheldon (2007). A eventual desconexão entre a sua área de formação e as respostas dadas ao questionário, desconsiderando os limitantes termodinâmicos ao DS e à SA, pode decorrer da aproximação de outros círculos de pensamento (pesquisadores de outras três instituições universitárias), que abordam o tema sob outro viés ou por falta de consciência acerca dessa relação limitante.
que formam o subgrupo GA, atuantes na área da
Próximo de GA, o grupo GC está de acordo com
Química Orgânica, é que seus estudos indicam
Brundtland, mas reconhece a importância do uso
uma preocupação ambiental via o desenvolvi-
condicional e da limitação dinâmica para a reno-
86
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental
vabilidade. É indiferente à resolução de problemas
tizam a Química dos Produtos Naturais. Apesar
por novas tecnologias e discorda da possibilidade
de ser o mais cético quanto à ideia de DS e SA,
de transformar causas de problemas ambientais em
em seus artigos, ele se aproxima da definição-
riquezas. Argumenta que DS e entropia são con-
-conceito expressa no Relatório Brundtland, ao
ceitos que independem um do outro.
se concentrar na análise sobre problemas ener-
Do levantamento relativo à trajetória acadê-
géticos (exaurimento das fontes não renováveis),
mica e às produções científicas de GC, os seis
propondo os derivados de biomassa e da energia
pesquisadores são formados em Química, com
solar como respostas e desafios à produção, esto-
publicações recentes: de 2004 em diante. P17 se
cagem e transporte de combustíveis, pelo qual se
diferencia dos demais pesquisadores de GC por-
pode inferir atenção aos princípios da economia
que publicou um trabalho teórico sobre a forma-
atômica (princípio 2) e da eficiência energética
ção do químico em revista internacional da área
(princípio 6), conforme apregoado na QV. Sua
do ensino/educação, sendo o único que trata (por
linha de pesquisa em fontes renováveis pode tê-lo
meio da educação) da QV aliada à sustentabili-
levado a promover o tema, pensando que seu uso
dade, ainda que não referencie o termo na litera-
só colabora para manter o estado de equilíbrio, não
tura. Entretanto, percebe-se que ele se aproxima da
podendo, por isso, ser limitado.
definição de DS dada por Brundtland em seu tra-
GD, portanto, ao acreditar na criação do “com-
balho, embora esta pareça ter sido usada sem uma
portamento verde”, preocupa-se com a formação
reflexão mais crítica ou expresso um pensamento
do químico e defende a interdisciplinaridade e sus-
consolidado. Os trabalhos dos demais pesquisado-
tentabilidade para promover a QV. Para ele:
res se resumem a realizações experimentais com
“A Química Verde deve deixar de ser apenas um conceito, para ser uma atitude responsável, em que a atividade química não agrida o meio ambiente, eliminando-se ou minimizando-se, ao máximo, a produção de rejeitos e de solventes agressivos ao ambiente. Para tanto, precisamos ‘inocular’ nos estudantes e profissionais o ‘comportamento verde’. Nesse novo cenário, a inovação emerge como o principal combustível para a longevidade das corporações [...]. Os termos invenção e inovação são termos-chave na era industrial moderna e, ao mesmo tempo, inerentes à própria natureza da Química. Inventar e inovar são, pois, dois verbos que devem ser incorporados à cultura dos cursos técnicos e superiores de Química” (P44).
fundamentos na QV, com dimensões mais práticas, dos quais citamos Sheldon (2007), Anastas e Warner (1998), enquanto P17, em um trabalho mais geral, de revisão da área, cita Anastas e Kirchhoff (2002). Salienta-se, então, que P59 e P15 compartilham o mesmo grupo de pesquisa e a mesma referência que P17. GD apresenta comportamento solitário. Ele discorda da definição-conceito de Brundtland, embora concorde que um equilíbrio dinâmico é necessário ao DS. Contudo, discorda da necessidade do uso condicional de recursos para manter esse equilíbrio, mas concorda com a limitação da renovabilidade. Discorda também tanto da inovação tecnológica como solução aos problemas ambientais quanto da conservação de massas como meio de transformar causas de problemas ambientais em riquezas. Para ele, DS e entropia não se relacionam. Esse pesquisador possui douto-
Por esse trecho, parece que o autor defende a
rado em Química Orgânica e seus trabalhos enfa-
inovação (tecnológica, científica) como elemento
Revista Brasileira de Ensino de química | Volume 09 | Número 02 | Jul./Dez. 2014
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Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental
fundamental nesse processo de mudança da menta-
bilidade de transformá-los em riqueza devido à
lidade química, o que parece contrariar sua opinião
conservação das massas (9 respostas conformes).
no questionário. Em seus trabalhos, cita o livro
Em seus trabalhos, esses pesquisadores tendem a
Sustainability in the Chemical Industry: Grand
investigar soluções tecnocientíficas para os proble-
Challenges and Research Needs – A Workshop
mas atuais (troca de solvente, catalisadores etc.).
Report (workshop que contou com a participa-
Isso tem sua carga de importância, mas trabalhos
ção de Paul T. Anastas, Amy S. Cannon, Mary
recentes, usando métricas verdes – de avaliação da
M. Kirchhoff, entre outros), baseado no conceito
benignidade ambiental dos processos – (Machado,
de Sustentabilidade, conforme o relatório “Nosso
2014), indicam que nem sempre essas mudanças
Futuro Comum” (WCED, 1987). Com isso, justi-
são ambientalmente amigáveis. A ideia fundamen-
fica a abordagem desse conceito em suas publica-
tal parece ser resolver os problemas tecnológicos
ções, como a “aceitação” do alcance da sustenta-
com mais tecnologia.
bilidade pelo uso dos recursos renováveis, sem se referir às limitações termodinâmicas.
Em via contrária, ao estudar historicamente as visões de mundo com relação à ação humana sobre
Percebe-se que, entre os pesquisadores analisa-
a natureza e seus impactos, Rifkin (1980) propõe
dos, não há uma compreensão definida da relação
o conceito de entropia como a grande chave para
entre termodinâmica e SA. Jeremy Rifkin (1980),
uma possível mudança que possibilitará abordar os
por sua vez, aponta que a educação atual é base-
grandes problemas atuais: a degradação ambien-
ada na visão de mundo moderna, newtoniana,
tal, a falta de recursos materiais, o esgotamento
que se preocupa em promover a apropriação de
energético e as condições necessárias para a vida
“fatos” desconexos e gerar rankings por meio de
humana. Promover a entropia, portanto, como
avaliações. A era moderna, e sua visão, é a era da
elemento de visão de mundo, significa aceitar a
máquina: época da precisão, da velocidade e da
finitude das reservas materiais e a degradação de
exatidão. Nessa lógica, o mundo é analisado como
energia como linha de horizonte, guiando nossa
uma série de relações causais, desconsiderando-se
ação de transformação da matéria, de consumo e
suas interações contextuais.
de desenvolvimento econômico. Uma educação
Nesse sentido, parece ser justificável que a maio-
que propicie essa visão entrópica deve superar a
ria dos pesquisados não tenha considerado a relação
noção newtoniana de exploração de blocos isola-
entre DS e entropia, por se tratarem de temas que
dos de fatos e começar a examinar o fluxo interco-
pertencem a especialidades diferentes e que, ape-
nexo dos fenômenos. Nessa abordagem entrópica
nas recentemente, começaram a se entrelaçar nas
da educação, o mundo externo será examinado não
pesquisas. Mesmo que uma parcela significativa
como uma série de relações causais isoladas, mas como
dos pesquisadores tenha reconhecido as múltiplas
uma rede de fenômenos inter-relacionados expres-
dimensões da sustentabilidade, nenhum deles acres-
sando múltiplos cenários possíveis para movimento e
centou à lista a dimensão física (termodinâmica), na
mudança (Rifkin, 1980, p. 231). O objetivo da edu-
questão aberta que lhes havia sido oportunizada.
cação e da pesquisa vai além do entender como as
Outro reflexo da educação, contudo, de acordo
coisas acontecem, para se perguntar por que elas
com a visão newtoniana, na compreensão dos pes-
ocorrem; não apenas a transformação do mundo
quisados, é sua indiferença quanto à possibilidade
como pressuposto universal, mas a busca por pro-
da tecnologia vir a superar os problemas e à via-
longar a vida na Terra.
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Compreensões de Pesquisadores Químicos sobre Sustentabilidade Ambiental
8
Conclusões
As respostas dadas ao questionário da pesquisa expressaram uma visão individual e provavel-
Nossas análises sugerem que as compreensões
mente instantânea. Já as publicações analisadas e
de um pequeno número de professores formadores
utilizadas por nós, no confronto com as respostas
superam a crença ou certo senso comum quanto
dos pesquisadores, geralmente possuem caráter
ao conceito de DS à observância dos limites ter-
coletivo, sendo mais elaboradas, em que os pon-
modinâmicos ao alcance da SA. Com exceção do
tos de vista apresentados partem de uma negocia-
subgrupo GD, todos os demais pesquisados (14)
ção entre seus autores, que são assimetricamente
são favoráveis, em alguma extensão, à definição-
representados. Tais contradições entre as respostas
-conceito de DS em Brundtland, aspecto relatado
ao questionário e as ideias veiculadas em artigos se
por Marques et al. (2013) sobre os 82 pesquisado-
tornam mais compreensíveis.
res, existindo, no geral, uma concordância quanto
Como discutido, estas se fundamentam em
à eficiência e suficiência dessa definição-conceito.
uma visão de mundo mais geral e ampla, basea-
Entretanto, no que se refere aos condicionantes
das na dominação e exploração da natureza (por-
impostos pela Segunda Lei da Termodinâmica, os
tanto, também do homem) por meio de processos
quatro subgrupos formados se aglutinam em dois
fragmentados e disjuntos. Caso essas relações não
agrupamentos mais abrangentes. O primeiro, for-
sejam desveladas, problematizadas e superadas –
mado pelos subgrupos GB, GC e GD, apresentou
e, para isso, a educação química tem um grande
pouca clareza sobre a SA, além de contradições nas
papel –, podem servir à manutenção e ao reforço
respostas dadas ao questionário. Caracteriza-se,
da visão de mundo newtoniana, acelerando, cada
assim, por discordar que haja relação direta entre
vez mais, o esgotamento dos recursos naturais
degradação da energia útil (exergia) nas transfor-
(enquanto meios de subsistência humana), refor-
mações materiais e o alcance e manutenção da
çando as desigualdades sociais e precipitando o
SA. Já o segundo agrupamento (subgrupo GA)
fim da vida.
demonstrou sensibilidade e interesse pelos aspec-
Para superar essa visão, cremos que discussões
tos ambientais ao considerar a existência de limi-
que envolvam SA, DS e QV poderiam ser mais
tações físicas impostas pela termodinâmica, na
exploradas de forma multidimensional e inter-
medida em que vê pouca relação entre a SA e a
disciplinar em disciplinas do currículo de cursos
degradação de energia – ainda assim a vê.
de Química.. Tal abordagem não deve ser apenas
Por outro lado, quando a análise das respostas foi
conceitual, mas reflexiva, de modo a incitar ques-
confrontada com as produções acadêmicas dos pes-
tionamentos sobre os problemas que envolvem a
quisadores, as relações entre os aspectos termodinâ-
crise ambiental no planeta por conta das atividades
micos e a SA ainda permaneceram pouco evidentes,
antrópicas (Zuin; Marques, 2014a; Zuin; Marques,
até mesmo no subgrupo GA. Logo, tais constatações
2014b). Nesse sentido, os alunos de graduação –
sobre a “ausência” de um olhar mais crítico sobre
futuros químicos e futuros professores – podem
os limites (físicos ou termodinâmicos) ao alcance
tornar-se mais críticos em relação ao tema e, por
da SA é algo que não surpreende, como evidenciam
conseguinte, educar novos cidadãos com atitu-
Marques e Machado (2014), ao analisar as produ-
des/reflexões mais elaboradas sobre os assuntos
ções científicas dos chamados precursores da QV.
discutidos.
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A Dispersão da Luz e as Séries Espectrais Dispersion of Light and the Spectral Series José Maria F. Bassalo e Robson Fernandes de Farias
Parece ter sido Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), estadista e filósofo romano, o primeiro a fazer uma observação espectroscópica ao ver a luz solar sofrer uma decomposição, nas cores do arco-íris, ao atravessar um pedaço de vidro. A partir daí, certamente, muitos físicos perceberam a decomposição espectral de tal luz,, porém, foi o físico inglês Sir Isaac Newton (1642-1727) quem fez um estudo mais apurado dessa dispersão. Com efeito, em 1666, em um quarto escuro e ao fazer passar a luz solar branca em um prisma – comprado na feira de Sturbridge, por volta de 1665 –, ele observou a sua decomposição nas cores do arco-íris. Convencido de que essas cores estavam presentes na própria luz branca solar e que as mesmas não foram criadas no prisma, Newton realizou outro tipo de experiência na qual fez passar as cores dispersadas, pelo primeiro prisma, por um segundo prisma invertido em relação ao primeiro, reproduzindo, dessa forma, e em tela, a luz branca original. É oportuno registrar que Newton, em suas experiências sobre a dispersão da luz e no relato que fez delas e de outras experiências em óptica, no livro intitulado Opticks or A Treatise of the Reflexions, Refractions, Inflexions and Colours of Light, publicado em 1704, não tenha feito nenhum registro relevante das famosas raias espectrais. É provável que ele, se as observou, tenha considerado-as decorrentes de defeitos do vidro. Aliás, essas raias também foram registradas pelo químico e físico inglês William Hyde Wollaston (1766-1828), em 1802 (Philosophical Transactions 92, p. 365), depois de observar o espectro solar. Nessa ocasião, ele chegou a observar cerca de sete linhas escuras, as quais denominou com letras do alfabeto. No
A Dispersão da Luz e as Séries Espectrais
entanto, pensando tratar-se apenas dos limites das cores do espectro solar não aprofundou essa descoberta. O estudo sistemático das raias (linhas) espectrais, conhecido como espectroscopia, foi iniciado pelo físico alemão Joseph von Fraunhofer (1787-1826), em 1814. O resultado de tal estudo, contudo, foi apresentado no artigo publicado na Denkschrift der Königlichen Akademie Wissenschaften zu München 5, p. 193, 1814-1815, no qual descreveu suas observações sobre a presença de linhas escuras no espectro solar, cujas oito principais ele distinguiu com letras.
Fraunhofer
Dentre elas quais, destacam-se: A (vermelho escuro), D (amarelo claro) e H (violeta). Ao construir uma rede de difração, em 1819, Fraunhofer começou a medir o comprimento de onda das raias espectrais solares – mais tarde conhecidas como raias de Fraunhofer –, e identificá-las com as letras do alfabeto, como fizera anteriormente. Os resultados dessa medida foram apresentados por ele na Denkschrift der Königlichen Akademie Wissenschaften zu München 8, p. 1, de 1821-1822. Destaque-se que as linhas B, D, b, F, G e H coincidem, respectivamente, com as linhas A, B, f, g, D e E, de Wollaston, segundo historiador da ciência inglês Sir Edmund Taylor Whittaker (1873-1956) registrou em seu A History of the Theories of Aether and Electricity: The Classical Theories (Thomas Nelson and Sons Ltd, 1951). Nas mais de 600 linhas estudadas por Fraunhofer, este observou que suas posições eram constantes para o mesmo espectro de um dado elemento químico, quaisquer que fossem as fontes de luz utilizadas para a obtenção do espectro, isto é, ora luz solar direta do Sol, ora refletida pela Lua ou pelos planetas, por um gás, ou por um metal aquecido. Desse modo, concluiu, então, que cada elemento químico é caracterizado por um espectro, como se fosse uma verdadeira impressão digital. Hoje, dessa forma, a difração da luz proveniente de fontes bem afastadas de uma rede de difração é chamada de difração de Fraunhofer. Uma fórmula empírica para determinar as linhas espectrais do hidrogênio (H) foi obtida pelo físico e matemático suíço Johann Jakob Balmer (1825-1898),
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A Dispersão da Luz e as Séries Espectrais
em 1885 (Verhandlungen der Naturforscher Gesellchaft zu Basel 7, p. 548). Sua expressão é a seguinte (em milímetros - mm): λ=h
m2 m2 −7 = # c m 3645 , 6 10 m2 − n2 m2 − n2
Com essa fórmula, Balmer chegou a calcular a posição de 19 das linhas do H na região do espectro luminoso, constituindo, assim, o que passou a ser conhecido como série de Balmer. É interessante observar que foi um amigo do cientista, o professor Eduard Hagenbach (1833-1910), quem lhe indicou os comprimentos de onda de algumas linhas do espectro de H para que descobrisse uma relação entre esses comprimentos.
Balmer
Em 1890 (Philosophical Magazine 29, p. 331), o físico sueco Johannes Robert Rydberg (1854-1919) expressou a fórmula de Balmer em termos do número de ondas (inverso do comprimento de onda: vr = 1/λ ) e observou, ainda, que as posições das linhas espectrais de qualquer elemento químico apresentavam em seus cálculos um fator numérico constante, fator esse que, a partir daí, ficou conhecido como a constante de Rydberg (R). Esse resultado ficou, então, conhecido como a fórmula de Rydberg: vr =
1 1 4 R = − = vr3 − 2 2 λ b bm m
Em 1896, (Annalen der Physik 58, p. 674) Rydberge, e, independentemente, em 1897 (Nature 55, p. 200; 223), o físico germano-inglês Sir Arthur Schuster (18511934), mostraram a convergência das frequências de diferentes séries espectrais da mesma substância. Tal resultado ficou conhecido como a lei de Rydberg-Schuster e, na atual notação, apresenta o seguinte aspecto (para H): 1/λ = RH ^1/m 2 − 1/n 2h , com RH = 10967757.6 ! 1.2m −1 . Ainda em 1896 (Astrophysical Journal 4, p. 369), o físico e astrônomo norte-americano Edward Charles Pickering (1846-1919) descreveu as experiências que realizou sobre o espectro de algumas estrelas, dentre elas as ζ-Puppis, que ficaram
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conhecidas com as séries de Pickering. Note-se que tais séries apresentavam um fato curioso: elas praticamente coincidiam com as séries de Balmer, apenas de maneira alternada, isto é, a primeira série de Balmer (Hα) praticamente coincidia com a primeira da série de Pickering. No entanto, a segunda de Balmer (Hβ) só correspondia à terceira de Pickering e, assim, sucessivamente. Em vista disso, essas séries eram atribuídas ao H. Em 1908, dois novos resultados para o estudo da Espectroscopia foram encontrados. O primeiro deles (Annales de Physique Leipzig 27, p. 537) foi obtido pelo físico alemão Louis Carl Heinrich Friedrich Paschen (1865-1947). Ele descobriu uma nova série de linhas espectrais do hidrogênio na região do infravermelho, hoje conhecida como a série de Paschen.1 O outro resultado foi o princípio formulado pelo físico suíço Walter Ritz (18781909), no Zeitschrift für Physik 9, p. 591. Segundo esse princípio, hoje conhecido como princípio da combinação de Ritz, a frequência (v = c/λ) de uma linha arbitrária do espectro de qualquer átomo pode ser representada como a soma algébrica das frequências de duas outras linhas quaisquer do mesmo espectro, ou seja: v(n, n – 1) + v(n – 1, n – 2) = v(n, n – 2) Com esse princípio, Ritz explicou um fato que intrigava os espectroscopistas, qual seja, o de que existiam mais raias claras (espectro de emissão) do que escuras (espectro de absorção). Note-se que, no espectro de um determinado elemento químico, as raias escuras sempre coincidem com as raias claras. Apesar dessa explicação, havia uma questão maior: como demonstrá-la? Além disso, não se conseguia demonstrar as fórmulas de Balmer e de Rydberg-Schuster. Tais explicações, portanto, só ocorreram com o modelo atômico proposto pelo físico dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962; PNF, 1922), em 1913. Aliás, esse modelo, além de explicar as séries de Pickering como devidas ao hélio (He), previu também a existência de outras raias espectrais do H. A primeira delas, na região do ultravioleta, foi descoberta, em 1914, (Physical Review 3, p. 504) pelo físico norte-americano Theodore Lyman (1874-1954), hoje conhecida como série de Lyman. Em 1922 (Nature 109, p. 209), o físico norte-americano Frederick Sumner Brackett (1896-1972) descobriu uma nova série espectral do hidrogênio na região do infravermelho longínquo – a série de Brackett. Por fim, em 1924 (Journal of the Optical Society of America 9, p. 193), o físico norte-americano August Herman Pfund (1879-1949) descobriu uma outra série espectral do hidrogênio, também na região do infravermelho longínquo – a série de Pfund.
1. Note-se que Paschen, em 1916 (Annalen der Physik 1, p. 901), foi o primeiro a observar o desdobramento das linhas espectrais do hélio ionizado (He–), desdobramento esse conhecido como estrutura fina.
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A Dispersão da Luz e as Séries Espectrais
É oportuno registrar que a dispersão da luz foi explicada pelo físico holandês Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928; PNF, 1902) usando a Teoria do Elétron que elaborou, em 1892, baseada na Teoria Eletromagnética Maxwelliana. Com sua Teoria do Elétron, Lorentz mostrou que o índice de refração n de um material transparente depende da frequência (v) da luz que o atravessa e sofre dispersão, isto é: n(v). Esse resultado indicava, ainda, que a cor depende da frequência, e não do comprimento de onda. Registre-se também que, em 1871 (Poggendorff´s Annalen der Physik und Chemie 143, p. 271), W. Sellmeier encontrou essa mesma dependência em uma substância gasosa.
Lorentz
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Resenha Histórias Periódicas Hugh Aldersey-Williams Editora Record | 2013 | 415 páginas
Num estilo que lembra o do livro A tabela periódica de Primo Levy, em suas Histórias periódicas Hugh AlderseyWilliams, conta-nos uma história dos elementos químicos por meio de histórias que os inserem na vida cotidiana e na história da humanidade. Dividido em cinco partes (poder, fogo, artefato, beleza e terra), o livro consegue apresentar a história dos elementos químicos de forma contextualizada e interdisciplinar, numa leitura extremamente agradável, dando leveza e humanidade a um tema potencialmente denso e árido.
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