Tecnologia da Gaseificação de Biomassa

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01 INTRODUÇÃO Caio Glauco Sánchez

Desde os primórdios da existência do homo sapiens a energia mostra-se necessária à sobrevivência. A transformação das diversas formas de energia em outras mais úteis ao homem, como os machados de pedra, melhorando a transformação de energia mecânica em cinética, ou as atuais células fotoelétricas, exigiram aprimoramento para aumentar a eficiência dessa transformação. A evolução da sociedade trouxe novas exigências energéticas e hoje, apesar do largo conhecimento da humanidade sobre as fontes conhecidas de energia e da crença generalizada de que toda energia provém do inesgotável Sol, dentro do limite de tempo da suposta sobrevivência da humanidade, sabemos que só alargaremos estes limites se usarmos adequadamente as fontes energéticas conhecidas, principalmente aumentando a utilização das chamadas fontes renováveis. Há três exceções que não dependem do sol: a) a energia das marés, que resulta da atração gravitacional Terra-Lua; b) a geotermia que provém do núcleo central da Terra composto de metais (Fe e Ni) fundidos; c) as energias nucleares, fissão e fusão. A humanidade, nos últimos 50 anos, experimentou um avanço técnico e científico nunca antes observado. O desenvolvimento de novos materiais, novos meios de produção, produtos químicos e novas fontes de energia, propiciou à sociedade uma visível melhoria na sua qualidade de vida. Um exemplo claro dessa melhoria é a expectativa de vida do ser humano. No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2006), a expectativa média de vida da população saltou de 38,9 anos em 1910 para 72


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anos em 2005. Com a melhoria na qualidade de vida, a população mundial cresce em taxas consideráveis. A população do Brasil, segundo os resultados revelados em 1940, era de 41,2 milhões de habitantes e, em 1º de agosto de 2000, atingiu um total de 169,8 milhões de habitantes. Portanto, ao longo do século XX, experimentou um aumento no seu contingente de 128,6 milhões de pessoas, tendo crescido cerca de quatro vezes. A previsão para 2050, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU, 2005), é de que a população do planeta aumente em cerca de 50 % em relação à 2000, como representado na Figura 1.1.

População Mundial (bilhões de pessoas)

10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050 2060

Figura 1.1. Crescimento da população mundial e estimativa para 2050, ONU (2005).

Os países com elevada geração elétrica de origem térmica apresentam perdas de transformação e distribuição entre 25 e 30 % da Oferta Interna de Energia. No Brasil, a alta participação da energia hidráulica na geração de eletricidade é uma vantagem complementada pela utilização considerável de biomassa, fazendo com que o país apresente uma taxa de emissão de 1,57 toneladas de CO2 por tonelada equivalente de petróleo (tep) consumida, valor perto de 34 % menor ao da média mundial. A Figura 1.2 ilustra a estrutura de participação das fontes renováveis e não renováveis no Brasil e no mundo (BEN, 2007).

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Introdução

Brasil (2006)

%100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

%100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0

54,9 45,1

Fontes renováveis

Mundo (2005)

87,3

12,7

Fontes não renováveis

Figura 1.2. Estrutura de participação das fontes renováveis e não renováveis no Brasil e no mundo (BEN, 2007).

Hoje, a utilização indiscriminada do petróleo leva a sucessivo aumento de seu preço (Figura 1.3). Sendo o petróleo matéria-prima para produtos nobres nas indústrias química e de transformação, deveria-se minimizar seu uso como combustível, aumentando os limites tecnológicos de sua transformação em matéria-prima.

ICE WTI Crude Futures Singapore 1 Min

145 140 135 130 125 120 115 110 105 100 95 90

J ul

© ICE Data

85 80 75 70 . 20

07

007 007 t. 2 v. 2 Se No

08 008 008 . 20 i. 2 r. 2 Ma J an Ma

J ul

08 . 20

008 t. 2 Se

Figura 1.3. Preço do barril de petróleo de janeiro de 2004 a novembro de 2007 (ICE, 2008).

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Muito se fala na revolução energética dos combustíveis renováveis. Deve-se lembrar que seja petróleo, seja biomassa, a tecnologia de obtenção de energia continua sendo a oxidação do carbono. Uma revolução só surgirá quando um novo elemento for o gerador básico da energia. A catástrofe de Chernobyl e a escala contínua de perigos da proliferação de bombas atômicas demonstram as limitações da geração da energia elétrica de origem atômica e sugerem que o uso de tecnologias nucleares não é viável para o futuro imediato. De outro lado, o uso do hidrogênio produzido por hidrólise ou reforma ainda esbarra em seu alto custo, monetário e ecológico. Cada região terrestre tem necessidades específicas de energia e fontes adequadas a cada situação poderão ser encontradas. Alguns programas já tiveram sucesso ao redor do mundo. Devemos destacar indubitavelmente o Próálcool, que apesar dos percalços políticos, segue firme e, provavelmente, sem ele o Brasil nunca teria chegado à tão esperada autossuficiência em petróleo! Outro destaque pode ser feito aos maiores parques eólicos do mundo, na Alemanha e na Espanha. Porém, para casos particulares, há uma forma específica de transformação energética, principalmente de resíduos, que pode ser muito bem-vinda: a gaseificação. A gaseificação é um processo de conversão térmica de produtos carbonáceos (biomassa, carvão mineral, óleos, resíduos plásticos etc) em gases. Uma etapa intermediária da conversão, a pirólise, produz líquidos. A pirólise pode ser, por si, um processo para produzir combustíveis líquidos ou outro produto líquido para a indústria química. Se o objetivo é produzir gases, sejam combustíveis, sejam para síntese de outros produtos, inclusive produção de hidrogênio, esses líquidos são indesejáveis e deverão ser convertidos em gases ou retirados do sistema. A pirólise é um processo utilizado há muito tempo. Já os gregos e fenícios utilizavam a pirólise de madeira para obter alcatrão para calafetar seus barcos e “alcatroar” cordas para conservá-las, protegendo-as da água do mar, processo que chegou até nossos dias, em que comunidades pesqueiras em várias partes do mundo ainda o usam. Já os ingleses pirolisavam carvão mineral com o mesmo intuito. Os alquimistas da Idade Média utilizavam a pirólise, a que chamavam de destilação seca, para produzir essências, ou utilizar o alcatrão e os ácidos como remédios, curativos ou bálsamos. Desconhece-se se utilizavam os gases da pirólise. A gaseificação como um processo comercial para produzir gás combustível, surgiu por volta de 1780, com o desenvolvimento do processo de preparação de carvão em coque para a siderurgia. Também surgiram nessa época os primeiros gaseificadores para produzir gás para iluminação pública. Rapidamente se disseminaram pelo mundo: Londres em 1812, Rio de Janeiro em 1854, Berlim e Paris em 1860, Nova York, Natal etc Em São Paulo, surgiu,

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Introdução

em 1872, com o gás produzido, por gaseificação em retortas de carvão mineral importado dos Estados Unidos, sendo utilizado nos lampiões de iluminação pública que substituiram os antigos lampiões de óleo de baleia (Souza, 2004). Foram utilizados, pela primeira vez, em motores de combustão, em 1881. No Brasil, 15000 veículos foram equipados com gaseificadores entre 1942 e 1943, enquanto que, no mundo, mais de 910000 veículos também os utilizaram nesse mesmo período (Knoef, 2005) Também foram utilizados para distribuir gás às residências, surgindo grandes redes de distribuição, ainda em uso atualmente, porém, tendo o gás sido substituído posteriormente por Gás Natural, como sucedeu com São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. A utilização de pequenos equipamentos de gaseificação em veículos diversos, como automóveis, caminhões e barcos, deu-se durante os conflitos mundiais, havendo um rápido desenvolvimento dos mesmos. Porém, com o surgimento de combustíveis derivados de petróleo, baratos e com distribuição fácil, praticamente desapareceram. O aumento do preço do petróleo na década de 1970, devido aos conflitos no Oriente Médio, trouxe novamente à baila a necessidade de outras fontes energéticas, voltando as pesquisas a estudarem a gaseificação. Atualmente, outro motivo existe: a necessidade de substituir os combustíveis fósseis por renováveis, na tentativa de frear os efeitos das emissões de CO2, um dos gases causadores do efeito estufa. O CO2 emitido pela combustão de biomassa e seus derivados se enquadram em um ciclo em que há a sua reabsorção quando do crescimento de nova biomassa. Por outro lado, o CO2 emitido pela combustão dos combustíveis fósseis não é absorvido imediatamente de forma cíclica, aumentando sua concentração na atmosfera. Desta forma, a gaseificação pode ser uma das alternativas às necessidades energéticas da humanidade, pois gera-se um combustível nobre a partir de biomassa e resíduos. Deve-se destacar que não haverá um combustível único no futuro. Cada região do planeta deve desenvolver os melhores processos para suas necessidades locais de forma que estes combustíveis ou energia gerada sejam baratos, provoquem pouca agressão ao meio ambiente e sejam independentes de outras regiões.

REFERÊNCIAS BEN, Balanço Energético Nacional, Ministério das Minas e Energia, ano base 2006, Brasília, 2007. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Indicadores Sociodemográficos, Prospectivos para o Brasil 1991-2030, Arbeit, Ed. e Comunicação, Rio de Janeiro, 2006. Tecnologia da Gaseificação de Biomassa

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ICE WTI Crude Futures Marker. Disp onív el em: <https: //www.theice.com/ marketdata/wtiCrudeFuturesView/wtiMarkersView.jsp>. Acesso em: 16 set. 2008. KNOEF, H. Handbook: biomass gasification, BTG – Biomass Technology Group, The Netherlands, 2005. ONU, Organização das Nações Unidas, UNITED NATIONS POPULATION DIVISION. World Population Prospects. The 2004 Revision. New York, Feb. 2005. SOUZA, O. São Paulo, 450 anos luz, a redescoberta de uma cidade, COMGÁS Natural e Editora de Cultura, 2004.

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