Telas que Ensinam - Mídia e aprendizagem: do cinema às tecnologias digitais

Page 1

Capítulo 1

Introdução

U

ma linha de tempo multimilenar se estende dos estudantes de agora, que assistem às teleaulas no seu celular, laptop, netbook, televisor de mesa ou outras modalidades de telas que ensinam, às representações em paredes de grutas do paleolítico superior – figuras que se articulam em mensagens feitas para ensinar, aprender e envolver quem as presencia. Mostrar e ver fazem parte das mais remotas tradi­ ções educacionais, cujos primórdios nos conduzem às imagens pintadas das cavernas pré-históricas. Presume­ se que essas toscas figuras, feitas por mãos humanas na aurora da humanidade em cavernas europeias, orientais, africanas, brasileiras e em outras regiões do mundo, tenham servido para propósitos rituais, propiciatórios e de ensino. As imagens de animais e as cenas de caçadas que ainda hoje podem ser contempladas em lugares como Altamira, na Espanha, Lascaux, na França, ou na Serra da Capivara, no Piauí, provavelmente eram empregadas tanto para ensinar os jovens a caçar como para obter a boa vontade de divindades ou espíritos benfazejos por ocasião das caçadas. Essas cenas são precursoras vetustas das telas que, hoje em dia, ensinam em computadores, televisores,


14

Capítulo 1 – Introdução

aparelhos de DVD, cinemas e telefones celulares, nos quais são exibidos textos e imagens estáticas ou em movimento. A fim de que haja ensino de fato, as palavras e imagens destinadas à captação pelo olhar humano numa tela precisam ser adequadamente concebidas, planejadas, exibidas e articuladas com conhecimentos anteriores dos aprendizes, com outros recursos e experiências, explicações, demonstrações e práticas, exercícios de fixação, avaliações a curto e a longo prazo. Eis porque, como regra geral, a criação e o emprego das mensagens que aparecem nas telas ensinadoras demandam o trabalho competente de equipes numerosas de profissionais qualificados. Jamais materializariam seus propósitos didáticos se dependessem tão somente do esforço isolado de apenas uma ou duas pessoas. O mais das vezes, dezenas, centenas e até milhares de pessoas são mobilizadas para a concretização dessa finalidade. Não só as pessoas que concebem e plasmam as mensagens, como também os técnicos incumbidos dos equipamentos, monitores, auxiliares e inúmeros profissionais anônimos participam de um empenho comum para a criação e transmissão das videoaulas. Este livro trata de itens essenciais para que o ensino por meio das telas seja realizado com êxito. Quem quer que pretenda se valer deste recurso inegavelmente poderoso que permite transferir conhecimentos, moldar comportamentos e modificar atitudes deve ter em conta não só os conteúdos específicos em vista, como também as bases psicológicas dos processos de ensino e aprendizagem e a carpintaria dos múltiplos recursos que precisam se mobilizados para a produção de sequências de imagens, sons e textos geradores das ideias, habilidades, práticas, atitudes e valores que os aprendizes deverão dominar de modo seguro e permanente. Desde tempos remotos os dicionários registram a presença dos verbetes tela e tele no idioma português. O primeiro, mais antigo, figurava no português medieval do século XIII com a acepção original de tecido ou tela e originou-se do latim. Na segunda metade do século dezenove, Caldas Aulete acrescentou em seu dicionário (1881) duas acepções extensivas para tela, ambas ligadas à pintura: quadro pintado sobre tela e tecido sobre o qual se pintam telas. Consignou igualmente o substantivo telão, designação do pano de anúncios nos palcos dos teatros, pendente


Telas que Ensinam

15

do pano de boca. Quanto a tele, elemento de composição procedente do grego, Cunha (1982) informa que significa “longe, ao longe, longe de” e se acha documentado em numerosos compostos introduzidos na linguagem erudita a partir da primeira metade do século dezenove, como telégrafo (1813), telescópio (l844), telegrama (1874) e outros. Sob o ponto de vista etimológico, portanto, a aprendizagem e o ensino que ocorrem em virtude do que é mostrado em telas como as do cinema, televisor, monitor, telefone celular e smartphone, assim como os múltiplos processos aglutinados sob o rótulo genérico de teleducação ou educação a distância, envolvem designações bem mais remotas do que as tecnologias a que se acham associados. As telas ensinam desde tempos imemoriais. Se entendermos a palavra tela no sentido mais lato, designador não só do tipo especial de tecido ou pano empregado como suporte à pintura, mas de toda uma ampla variedade de superfícies com representações visuais fixas ou móveis de todos os tipos – painéis pintados em paredes, panos usados nos espetáculos de teatro de sombras ou de silhuetas e em pantomimas luminosas a que se refere Jeanne (1965), telas impressas com ilustrações isoladas ou em sequência, telas destinadas a projeções fixas ou móveis, telas de aparelhos de televisão e computadores, telões etc. –, podemos afirmar que, ao longo de toda a história da humanidade, a tela tem servido para concretizar propósitos de cunho religioso, artístico, recreativo, publicitário, comercial, industrial, social ou deliberadamente educativo. Mesmo no caso de representações visuais sem o objetivo específico de ensinar e aprender, os seres humanos vêm aprendendo desde tempos imemoriais graças à contemplação do que lhes é mostrado sobre super­ fícies tão diversas como paredes, rochas, peles, cerâmica, tecidos, metais, madeira e outros suportes. Desde fins do século XIX, os progressos tecnológicos acres­centaram às antigas telas, com representações pictóricas permanentes, as telas brancas para as imagens transitórias e móveis do cinema, da televisão, das gravações em vídeo e do computador. Grande ou pequena, como assinala Berger (1979, p. 98), é sempre “duma tela que se trata antes de mais nada”, tela que é, ao mesmo tempo, o lugar e o agente da mediação entre a fonte de informação e o ser humano que recebe as mensagens originadas dessa fonte. Prossegue


16

Capítulo 1 – Introdução

Berger lembrando que tela comporta uma ambiguidade que, impressa no passado em nossa experiência pelo cinema, transferiu-se nas últimas décadas, mais e mais, para a experiência que fazemos com a televisão, com o aparelho de reprodução de videocassete ou com o computador. “(A tela), numa primeira acepção, designa algo que intercepta; situa-se entre dois fenômenos, coisas ou objetos que mantém separados entre si. Assim, a tela mascara uma abertura. Doutra parte – tal é o paradoxo – a tela também é a superfície onde aparecem as imagens dos objetos ou acontecimentos. Seja qual for a diferença dos modos de aparecer – projeção de filme no caso do cinema, varredura eletrônica no caso da televisão (e do videocassete) –, importa pôr em evidência a ambigüidade dum termo que designa a um tempo o que intercepta e o que revela... O que se mostra na tela não se assemelha totalmente, em nossa consciência, ao fenômeno puramente físico do reflexo. Mesmo na transmissão direta, a emissão é objeto de elaboração e se presta à interpretação” (Berger, 1979, pp. 98-99). É verdade que as imagens que vemos numa tela convencional de cinema “consiste numa transformação das variações de intensidade luminosa no nível do objeto percebido (objeto-cena filmado pela câmara ótica) em variações químicas no nível do suporte denominado filme, o qual devolve por meio dum projetor essas variações químicas sob a forma de variações luminosas constitutivas da imagem sobre a tela”, enquanto na produção da imagem de televisão ou de gravações em vídeo temos intermediários mais complexos, pois “as variações luminosas são transformadas ou ‘analisadas’ em variações eletrônicas no nível dos tubos de tomada de vistas (câmara eletrônica); estas produzem variações eletromagnéticas no nível das cabeças de gravação (magnetoscópio) e a fita magnética que recebeu e conservou essas variações as devolve, num processo simétrico inverso, sob a forma de variações eletrônicas e, depois, de variações luminosas constitutivas da imagem da televisão”, de acordo com Roger Dadoun (cit. por Berger, 1979, p. 104). Em ambos os casos, todavia, a formação das imagens nos nossos olhos e a ilusão de movimento resultam do fenômeno conhecido como


Samuel Pfromm Netto

17

persistência retiniana. No caso das imagens cinematográficas, a ilusão de movimento origina-se de uma série de fotografias inanimadas ou fotogramas, cada um levemente diferente do anterior, projetados na tela em rápida sequência, com intervalos escuros entre si, à razão de 24 quadros por segundo (movimento estroboscópico). Na televisão, as imagens são formadas graças à corrida de um só ponto luminoso, que varre a tela de alto a baixo. Os principais padrões de televisão existentes no mundo são o norte-americano NTSC (National Television Systems Committee), que corresponde a 30 quadros por segundo, e os europeus PAL (Phase Alternative Line) e SECAM (Système Eletronique Couleur Avec Mémoire), ambos com 25 quadros por segundo. No Brasil, a televisão adotou um outro padrão, conhecido como PAL-M, que, no entanto, sob muitos aspectos é idêntico ao padrão dos EUA, com 30 quadros por segundo (Chaves, 1991). Tudo que foi dito até aqui sobre imagens no cinema e na televisão referiu-se a ambos como tecnologias mais tradicionais, do tipo analógico. Ocorre, no entanto, que “os computadores armazenam e manipulam os dados e a informação, programas, imagens etc., sob a forma de números, não os decimais, mas os do sistema binário, com somente dois dígitos, 1 e 0. Cada dígito, 1 ou 0, é representado no computador por estados elétricos alternativos: uma corrente elétrica (“on”) representa o numero 1 e a ausencia da corrente (“off”) equivale a zero. Imagens e sons são, dessa forma, transformados em números... As imagens são divididas em parcelas de uma grelha de milhares de minúsculos pontos coloridos e a cada parcela é atribuído um número que corresponde à cor respectiva. A imagem passa a ser, assim, informação digitalizada” (Whitehorn e outros, 1996). Já presente nos estúdios e sistemas fechados, com as imagens transmitidas na televisão via satélite ou via microondas terrestres, a televisão digital aberta é o passo seguinte, como explica Siqueira (2008, p. 37): a tecnologia de transmissão digital transforma tanto os sons como as imagens em códigos digitais transmitidos aos usuários finais. Asseveranos Siqueira (op. cit.) que o mundo se transformou “numa plataforma digital. Como consequência, tudo se reduz a bits: voz, som, ruídos, dados, textos, vídeo, imagens fixas ou móveis” (p. 33). Bit é abreviatura de “bynary


18

Capítulo 1 – Introdução

digit”. O chip ou microprocessador, por um lado, e a adoção da linguagem binária possibilitaram o surgimento não só dos modernos computadores como serviram de fundamento para a integração ou convergência das tecnologias da informação e da comunicação da atualidade. Ainda de acordo com Siqueira, tudo agora “se reduz a bits: voz, sons, ruídos, dados, textos, vídeo, imagens fixas ou móveis... Como tudo virou bits, os meios de comunicação acabaram convergindo, fundindo-se”. No âmbito das telas que ensinam, “o analógico mais e mais vem sendo substituído pelo digital... A convergência digital que envolve as maiores tendências da eletrônica moderna é resultado da ação de numerosas forças, entre as quais a microeletrônica, o software e as redes sem fio de alta capacidade... Com a convergência digital, fundem-se serviços, redes, produtos, aplica­ ções e áreas até há poucos anos distintas” (pp. 35-36). O autor aqui citado prognostica para os anos dez o “triunfo da imagem de alta definição, a começar pela TV a cabo, nos monitores de computadores, nos projetores de alta performance (e baixo custo), e telões de cristal líquido a preços mais acessíveis” (Siqueira, 2008, p. 194). O desenvolvimento da televisão digital, ou mais precisamente da radiodifusão digital de sons e imagens, vem modificando de maneira significativa o panorama tecnológico da televisão no mundo. Desde a década de 80, na Europa, nos EUA e no Japão a televisão digital tem avançado mais e mais, avanço que se traduz principalmente pela qualidade superior das imagens de alta definição e pela interatividade. Três sistemas ou padrões de televisão digital emergiram em decorrência dos esforços nesse sentido: o ATSC (Advanced Television System Commitee) norte-americano, o sistema europeu DVB (Digital Vídeo Broadcasting) e o sistema ISDB japonês (Integrated Services Digital Broadcating). No Brasil, foi estabelecido a partir de 2003 pelo Ministério das Comunicações o SBTVD, Sistema Brasileiro de Televisão Digital, um sistema híbrido nipo-brasileiro. O início da operação do sistema ocorreu na região da Grande São Paulo em 2/12/2007. Prevê-se que antes de 2015 a televisão digital cubra todo o Brasil, a partir das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Salvador, Recife, Fortaleza e outras (Siqueira, 2008). É importante assinalar que a recepção do sinal de TV digital está prevista


Telas que Ensinam

19

não somente para os televisores dotados de sintonizador digital integrado ou embutido, ou em televisores comuns do tipo analógico que disponham de sintonizador digital, com também em telefones celulares, laptops ou desktops com sintonizadores e receptores em veículos. Na televisão digital há diferentes graus de definição da imagem ou de nitidez desta. Siqueira (op. cit.) classifica-os em quatro grupos: 1. baixa definição ou LDTV, em celulares, assistentes digitais pessoais (pdas) ou laptops, com imagens de 288 linhas por segundo e 352 pixels por linha (pixel é abreviatura de “Picture element” e corresponde aos pequenos pontos que formam as linhas na tela; quanto mais pixels a tela tiver, melhor será a definição da imagem); 2. definição-padrão ou “standard definition”, SDTV, para televi­ sores de definição normal como os atuais, com 480 linhas de 720 pixels por linha; 3. definição melhorada – em inglês, “enhanced definition” ou EDTV – com 480 linhas entrelaçadas de 853 pixels, como nos DVDS de melhor qualidade; 4. alta definição, “high definition” ou HDTV, de 1.080 linhas de 1.920 pixels por linha, na qual o maior número de pontos ou pixels ocasiona melhor imagem. É pacífico que o ser humano aprende por meio da observação deliberada, atenta, do que seus olhos captam “ao vivo” ou graças a meios substitutivos que lhe proporcionem experiências icônicas. Estas abrangem desde imagens relativamente simples e estáticas até representações complexas, por exemplo, do que não é visível a olho nu, como os movimentos de uma ameba ou a mitose celular; registros relativos ao passado (episódios, cenários e personagens de interesse histórico); itens que fazem parte do macrocosmo (planetas, cometas, estrelas); lugares, eventos e pessoas demasiado distantes do observador, como a selva amazônica, o rio Nilo ou o Himalaia. As pessoas também aprendem em virtude da exposição a demonstrações e a dramatizações com atores sobre temas de múltipla natureza, muito mais envolventes do que a simples exposição oral ou a leitura de um compêndio.


20

Capítulo 1 – Introdução

Mayer (2001) chega a afirmar taxativamente que, no futuro próximo, “os livros ficarão obsoletos nas escolas e os alunos serão ensinados por meio dos olhos. É possível ensinar com filmes qualquer ramo do conhecimento humano. Nosso sistema escolar mudará totalmente dentro de dez anos” (p. xxiv). Boa parte da literatura científica a respeito da psicologia da percepção se concentra especificamente na aprendizagem perceptiva. A teorização e a pesquisa neste campo deitam raízes na filosofia, notadamente nas questões ontológicas e epistemológicas sobre a natureza da realidade e do nosso conhecimento desta (Norberg, 1962). As contribuições essenciais acerca da percepção e da aprendizagem perceptiva, na segunda metade do século passado e na atualidade, originaram-se de pesquisadores como Gibson e Gibson, Fantz, Kagan, Sigel, Paivio, Arnheim, Becker e outros (v., para sínteses do que se sabe a este respeito, Forgus e Melamed, 1976; Hochberg e Brooks, 1978; Randhawa e Coffman, 1978; Hagen, 1980; Currie, 1995; Schiffman, 2001; Wolfe e outros, 2005; Mather, 2008). Essas contribuições são, na verdade, a culminância de um laborioso trabalho de investigação empírica, acumulado em muitas centenas de livros e artigos científicos, ao longo de mais de uma centena de anos. Parte expressiva desta literatura trata especificamente da aprendizagem por meio de filmes cinematográficos, programas de televisão e gravações em vídeo, desde investigações pioneiras como a de Lashley e Watson (1922) e as que figuram em obra coletiva editada por Freeman (1924), assim como resultados de programas sistemáticos de pesquisa como os dos grupos liderados por Hovland (1949), May e Lumsdaine (1958) e Carpenter (1953-1954), até uma infinidade de contribuições mais recentes, passadas em revista por Peters (s/d., c. 1973), Leifer (1976), Schramm (1977), Wilkinson (1980), Howe (1983), Nickerson e Zodhiates (1988), Dorr (1992), Heinich, Molenda e Russel (1993), Wetzel, Radtke e Stern (1994) e outros.[1] As pinturas rupestres nas grutas pré-históricas da Europa, da África e das Américas compõem um primeiro e fascinante capítulo da história da aprendizagem pela imagem, que precede o desenvolvimento de outros métodos de representação pictórica permanente, culminando com as telas, os frescos e as esculturas da era cristã, em épocas que desconheciam a fotografia e seus desdobramentos e aperfeiçoamentos.


Samuel Pfromm Netto

21

Essas imagens registradas diretamente por mãos humanas em tempos tão remotos, parte das quais perdura até aos dias que correm, podem ser encaradas como “lições” que ensinaram às crianças e aos adultos de outros tempos, da mesma forma que, hoje em dia, uma gravação em videocassete ou DVD, em um pen drive, um MP4 ou um MP5, um filme cinematográfico ou uma emissão de televisão constituem vias de aprendizagem e ensino. As telas ensinam em virtude do que se põe nelas e pode ser observado, analisado, compreendido e retido. Pode se tratar de um tipo extremamente simples de aprendizagem: “isto é um triângulo”, “este homem é D. Pedro I”, “esta é uma ameba”, “esta é a bandeira do Brasil”. Ou tipos consideravelmente mais complexos e abstratos de ensino-aprendizagem, como uma aula universitária de física pela televisão. O ponto essencial é que se trata sempre de uma experiência visual em que o aprendiz detecta, esquadrinha e interpreta uma ou muitas organizações deliberadas de estímulos presentes na tela e retira desta experiência algum tipo de ensinamento, que gera uma mudança mais ou menos duradoura em seu sistema nervoso, traduzida por expressões segundo as quais ele passa a “saber”, “conhecer”, “entender”, “lembrar”. O tipo de experiência humana aqui considerado é por excelência visual, frente à imagem ou ao conjunto de imagens a que a pessoa está atenta e inspeciona com o olhar. Nas modalidades audiovisuais (cinema, televisão, gravações em videocassete, videodisco, computador), da mesma forma que no uso conjugado de imagens fixas, legendas e sons, os componentes visuais se articulam com os auditivos, de maneira a enriquecer a experiência de aprendizagem-ensino, tornando-a mais atraente, significativa e fecunda. Não é difícil imaginar as razões por trás do surgimento e do florescimento dos produtos pedagógicos audiovisuais, fornecidos por grande número de organizações que produzem e distribuem materiais destinados tanto às escolas como à aprendizagem independente e que correspondem a centenas de milhares de títulos, em catálogos especializados editados no mundo inteiro. Antes do aparecimento do cinema, os produtos disponíveis para aprendizagem e ensino limitavamse a coleções de imagens fixas para as antigas lanternas mágicas e seus sucessores, os projetores de diapositivos. Toulet (1995) assinala que,


22

Capítulo 1 – Introdução

conquanto as lanternas mágicas existissem desde o século XVII para simples entretenimento, só no século dezenove “as pessoas descobriram o impacto educacional de uma imagem projetada e a lanterna mágica passou a ser associada a um movimento em favor da educação popular na segunda metade do século XIX. Os projetores, que podiam ter várias lentes, ganharam crescente refinamento, permitindo a reconstituição de movimentos e a metamorfose de uma imagem ou a sua dissolução na imagem seguinte” (p. 54). Anderson (1961) acentua que a lanterna mágica era um “recurso audiovisual no estrito sentido moderno desta expressão”. Em virtude da combi­nação da fotografia com os princípios da projeção, lanternas mágicas e stereopticons (projetores de imagens fixas baseados no estereoscópio, que possibilitava a visão tridimensional a partir de duas fotografias) passaram a figurar entre os recursos a serviço do ensino-aprendizagem muito antes da instalação dos primeiros sistemas de produção e distribuição de energia elétrica. Anderson (op. cit.) referese a catálogos de lanternas mágicas e estereopticons, editados na segunda metade do século XIX em Nova York e Chicago, que empregavam óleo, hidrogênio ou cálcio como fontes de luz para a projeção. As primeiras centrais e redes de eletricidade só surgiriam nas duas últimas décadas do século XIX, graças principalmente às invenções e iniciativas de Thomas Alva Edison nos Estados Unidos. Os filmes cinematográficos educativos começaram a ser usados em escolas no início do século vinte, poucos anos após a invenção do cinema. Com o correr dos anos, os catálogos de películas dessa natureza se multiplicaram e a bitola em 16 milímetros se impôs como padrão mundial do cinema educativo. Na segunda metade do século surgiram as fitas em videocassete e, mais recentemente, as cópias em videodisco. À atual pletora de aulas e cursos armazenados ou “congelados” em diferentes tipos de suporte acrescente-se o surgimento, primeiro, da televisão, e, depois, do computador e dos satélites de comunicação, como meios a serviço da transmissão de imagens e sons a distância, de modo a tornar exequíveis projetos ambiciosos de cursos e escolas a distância, que atravessam fronteiras regionais e nacionais, unem continentes e envolvem milhões de alunos. Facilitações crescentes estão possibilitando a rápida expansão de um ensino a distância em que


Telas que Ensinam

23

milhares de quilômetros, de um continente a outro, separam o aluno do professor, graças a novas tecnologias interativas que levam literalmente o mestre e os materiais de ensino-aprendizagem às residências ou às escolas de estudantes em todo o mundo e em todos os níveis de ensino. As “estradas da informação” da Internet são igualmente “estra­ das da educação”, realidade nova de que mal nos damos conta e que está suscitando o repensar e a reestruturação de boa parte do que habitualmente concebemos como ensinar e aprender.[2] Toda a vastíssima gama de materiais e equipamentos de imagens e som[3] mobilizados para educar depende, para produzir resultados que se traduzam em efetivo aprendizado, de boa qualidade e duradouro, de uma combinação ótima do trabalho sinérgico de profissionais com diferentes competências: (a) profissionais que dominem os múltiplos processos e meios técnico-artísticos necessários ao planejamento e à produção de materiais educativos – diretores, produtores, roteiristas, operadores de câmara, operadores de áudio, profissionais de informática, engenheiros de som, cenógrafos, iluminadores etc.; (b) especialistas em diferentes áreas do conhecimento, respon­sáveis pela qualidade do conteúdo a ser ensinado/aprendido; (c) especialistas que se incumbam da orientação psicopedagógica da produção, segundo os princípios e as regras originados das pesquisas sobre como os seres humanos aprendem, retêm e aplicam o que aprenderam. Quando não ocorre essa combinação ótima dos três grupos distintos de profissionais aqui mencionados, os aprendizes são expostos a programas ou materiais que pouco ou nada ensinam de fato, ou que, em que pese uma ostensiva preocupação com o conteúdo ou com os processos de ensino-aprendizagem, podem deixar muito a desejar quanto à forma das mensagens e se assemelham mais aos produtos de amadores bisonhos, de modo que não conseguem captar e manter a atenção dos estudantes. Longos anos dedicados à produção, coordenação e transmissão de programas de televisão educativa, assim como às áreas associadas do vídeo e do cinema e à promoção do uso dos computadores nas salas de aula, paralelamente a uma história de vida de seis décadas dedicadas ao ensino e à pesquisa da aprendizagem escolar, convenceram-nos de que, às vésperas de uma generalização em larguíssima escala do uso


24

Capítulo 1 – Introdução

das telas que ensinam, da multimídia e da teleducação, é premente a necessidade de explicitar, expandir, aprofundar e difundir em nosso meio as bases do conhecimento científico sobre os quais se apoiam a elaboração e o emprego de mensagens audiovisuais para enriquecer o repertório cognitivo, emocional, social e comportamental de estudantes de todas as idades. Lamentavelmente, no entanto, são escassas, para não dizer inexistentes, as tentativas, entre nós, de integração e síntese das múltiplas linhas de investigação, teorização e aplicação de conhecimentos que redundem em mais e melhor aprendizagem. Não dispomos em nosso idioma de bons manuais de iniciação audiovisual em multimídia e em ensino a distância, como os que existem em outros idiomas. As pesquisas empíricas nesta área são relativamente escassas. Quando chegam a ganhar a forma de teses, dissertações e artigos, têm pouca divulgação e acabam esquecidas nas prateleiras desta ou daquela biblioteca universitária. O texto que o leitor tem em mãos, agora em edição revista e atualizada, originou-se do desejo de minorar o infeliz estado de coisas mencionado acima, pondo ao alcance de estudantes e estudiosos um conjunto essencial de informações, resultados de pesquisas e conside­ rações úteis para todos quantos se interessam por esta modalidade de psicopedagogia, centrada nas imagens em movimento e com apoio sonoro. Mais adiante, ver-se-á que, a despeito de suas histórias distintas e da diversidade de equipamentos, materiais e recursos que empregam, o cinema, a televisão “ao vivo” e o registro de imagens e sons em fitas, discos, no computador e em recursos mais recentes de preservação audiovisual como o pen drive e os MPs compõem um universo coerente, obediente aos mesmos princípios e normas fundamentais, no que respeita ao seu uso para ensinar e aprender. Ver-se-á, além disso, que cada vez mais avançaremos no sentido de integrar o que se faz e o que se sabe sobre cada meio de comunicação num conjunto de diretivas, cuidados e produtos para que pessoas de todas as partes do mundo, de todas as idades e de diferentes categorias socioeconômicas se apropriem bem e com o máximo proveito de tudo quanto lhes for efetivamente ensinado nas “telas educativas” e idealmente “em qualquer lugar e em qualquer momento”.


Samuel Pfromm Netto

25

Notas [1] Um marco de fundamental importância no domínio da aprendizagem perceptiva está ligado ao nome do psicólogo Albert Bandura. De acordo com sua teoria da aprendizagem social, as pessoas aprendem vários comportamentos simplesmente observando outras pessoas, que servem como modelos, ao vivo, nas imagens em movimento. Denominada igualmente “aprendizagem por meio de observação”, a contribuição de Bandura teve ampla divulgação e ganhou reconhecimento desde a década de 60, após a publicação de uma série de pesquisas com crianças (Bandura; Walters, 1963), sobre aprendizagem de comportamento agressivo. A aprendizagem por meio da observação envolve, de acordo com Bandura, quatro processos: (1) o aprendiz deve prestar atenção a um modelo que exibe um dado comportamento; (2) o aprendiz se vale de suas capacidades cognitivas para organizar o comportamento modelado e lembrarse deste; (3) o aprendiz deve ser capaz de pôr em prática o que foi observado; (4) o aprendiz deve decidir se deseja repetir o comportamento modelado, em virtude do modelo ter sido reforçado (ou punido) ou por ter sentimentos positivos em relação ao modelo. Posteriormente, Bandura ampliou essa con­ cepção de aprendizagem por meio da observação, valendo-se do conceito de “auto-eficácia”, entendida esta última como expectativas aprendidas sobre a probabilidade de êxito em dadas situações. Segundo Bandura, a expectativa de ser bem-sucedido numa dada situação pode ser suficiente para garantir o êxito e atenuar o impacto de pequenos malogros. Por conseguinte, o comportamento aprendido graças à observação é em grande parte controlado (isto é, pode manifestar-se ou não) pela expectativa de êxito da pessoa que aprende esse comportamento (v. Bandura e Walters, 1963, sobre os fundamentos da apren­ dizagem por observação, assim como Bandura, 1977, 1979, 1986, 1997, 2001, 2003, 2008). [2] Sobre a “estrada da informação”, seus desdobramentos e repercussões e sua importância capital para repensarmos a educação em geral, a escola e o papel do professor, ver Gates (1995), particularmente o capítulo 9 (“Educação: o maior investimento”, pp. 231-254). Ver igualmente o importante capítulo 6, “Teleducação e informatização da escola”, em Siqueira (2007), assim como obra mais recente deste último (Siqueira, 2008). [3] A verdadeira avalanche de inovações, aperfeiçoamentos e desdobramentos no âmbito da tecnologia digital, tanto para fins profissionais e de lazer como para propósitos de ensino e aprendizagem, caracteriza um estado de coisas atual e no futuro próximo que, ao mesmo tempo, fascina, desnorteia e dificulta qualquer tentativa de esboçar um panorama desse caleidoscópio tecnológico que mais e mais invade os lares, as empresas, o mundo do entreterimento, comunicação interpessoal, os negócios, a política, as escolas, a mídia, tudo enfim. Como é impossível resumir aqui o quadro sempre mutável e em expansão acelerada da revolução digital da atualidade e no futuro próximo, sugerimos ao leitor que recorra às várias revistas especializadas, como, por exemplo, Vídeosom e Tecnologia da Editora Europa, que em novembro de


26

Capítulo 1 – Introdução

2009 publicou um excelente “Guia de sobrevivência digital”, ou a revista Info, da Editora Abril, cuja edição de dezembro de 2009 igualmente fornece ao leitor um extenso e bem urdido quadro do “estado da arte”, rotulado como “Overdose de informação”. Nas palavras de Marco Clivati, editor da primeira publicação aqui citada, “nada mudou tanto e afetou nosso cotidiano e nossas relações como a era digital... Ficar de fora desse universo é quase como se marginalizar... Não há quem resista ao poder de sedução da tecnologia... Muito em breve, seremos seres de zeros e uns” (p. 4).


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.