câncer de útero Sexualidade de Mulheres com
horizontes de possibilidades
Lélia Marília dos Reis e Maria Alves de Toledo Bruns
DIRETOR GERAL Wilon Mazalla Jr. COORDENAÇÃO EDITORIAL Willian F. Mighton COORDENAÇÃO DE REVISÃO E COPYDESK Catarina C. Costa REVISÃO DE TEXTOS Paola Maria Felipe dos Anjos EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Fabio Diego da Silva Tatiane de Lima CAPA Camila Lagoeiro Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Reis, Lélia Marília dos Sexualidade de mulheres com câncer de útero : horizontes de possibilidades / Lélia Marília dos Reis, Maria Alves de Toledo Bruns. -- Campinas, SP : Editora Átomo, 2015. -- (Coleção sexualidade e vida) Bibliografia. 1. Colo do útero - Câncer 2. Comportamento sexual 3. Fenomenologia 4. Mulheres - Sexualidade 5. Sexualidade (Psicologia) I. Bruns, Maria Alves de Toledo. II. Título. III. Série. 15-08576
CDD-155.3
Índices para catálogo sistemático: 1. Câncer de colo de útero : Sexualidade : Psicologia 155.3 ISBN 978-85-7670-259-7 Todos os direitos reservados ao
Grupo Átomo e Alínea Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br Impresso no Brasil
Sumário Prefácio..................................................................................................5 Apresentação........................................................................................ 11 Capítulo 1 Corpo e Sexualidade............................................................................15 O corpo e a sexualidade na história – o olhar de Michel Foucault.....16 O corpo e a existência da perspectiva de Merleau-Ponty...............21 Adoecimento e sexualidade............................................................24 Capítulo 2 O Corpo Feminino (Des)Sexuado no Trânsito da História..................27 Capítulo 3 Política Nacional de Saúde da Mulher e Estratégias em Atenção Básica de Saúde..........................................33 Capítulo 4 O Encontro com Mulheres Diagnosticadas com Câncer de Útero......45
Capítulo 5 O Mundo-vida de Mulheres com Câncer de Colo de Útero................49 Berenice..........................................................................................49 Constanza.......................................................................................65 Flora...............................................................................................77 Hera................................................................................................91 Horizontes de sentidos desvelam o mundo-vida de mulheres com câncer de útero.................................................109 Posfácio Pós-modernidade e posicionamento existencial................................ 117 Referências.........................................................................................121 Sobre as Autoras................................................................................125
Prefácio
Recebi, com alegria, o convite para prefaciar este livro das amigas pesquisadoras Lélia Reis e Maria Alves de Toledo Bruns. Esse sentimento surgiu da perspectiva de ver que um estudo realizado com seriedade e sensibilidade se transformara (ou transformará) em mais uma publicação do Grupo de Pesquisa Sexualidadevida/USP-CNPq. Além disso, percebi, na leitura do texto, a grande contribuição que esta pesquisa traz para se pensar o cuidado e a assistência às pessoas com diferentes agravos de saúde; em especial, aquelas com câncer de colo de útero. A tarefa de falar de um texto tão rico como este, que trata das vivências de mulheres com câncer de colo de útero, entretanto, se mostrou, inicialmente, uma tarefa complexa. Que caminho seguir para apresentar esta pesquisa? Que parte do texto destacar? Cercado por essas e outras questões, resolvi, então, escrever sobre aquilo de que mais gostei no trabalho das pesquisadoras,
6 Prefácio desde a primeira vez que li a tese de doutorado que dá origem a este livro que ora prefacio. Escrevo, então, sobre os sentidos da corporalidade, as vivências das colaboradoras e outras reflexões que o trabalho nos evoca. A primeira reflexão que nos traz o texto se refere ao momento em que vivemos e que se caracteriza pela negação da finitude humana e da fragilidade do corpo. Somos constantemente bombardeados por mensagens publicitárias que nos trazem a sensação da juventude ou da vida eterna. Anestesiados por essa ideologia do corpo saudável, nos esquecemos de nossas limitações, dos ganhos e perdas ao longo da vida. Com base nas discussões presentes no texto, somos levados a refletir acerca das consequências de não se atingir o padrão de corpo valorizado pela sociedade, de se adoecer etc. O sujeito é, então, responsabilizado pelos sucessos e fracassos no trato de sua corporalidade, por isso, o adoecimento é visto como uma derrota do próprio sujeito que “não se cuidou” ou “não seguiu a dieta correta”. Essa questão coloca-se mais firmemente em relação à sexualidade e ao feminino. Desde a Antiguidade, a corporeidade da mulher tornou-se território de vigília e de estudo. Vários discursos firmaram-se ao longo do tempo como verdades sobre as mulheres, dizendo como elas devem comportar-se, cuidar de si mesmas, expressar suas emoções etc. Nessa linha de raciocínio, as mulheres que não investem no autocuidado, em dietas, regimes e outras práticas estéticas são colocadas na esteira das “descuidadas”, “relapsas” etc. Dessa maneira, criamos uma cultura de negação do envelhecer e do adoecimento na qual a recusa dos próprios limites corporais representa a negação da finitude e da
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finalização de todo o projeto humano. Para as autoras, a consciência de nossas dificuldades favorece a adaptação diante das limitações do adoecimento, pois o sujeito abre a possibilidade de se ocupar da reapropriação do mundo, do reconhecimento dos objetos e da ressignificação do próprio corpo. Amparadas pelo método fenomenológico e pelas ideias do filósofo Maurice Merleau-Ponty sobre o corpo, as pesquisadoras teceram seu caminho para analisar os sentidos que as participantes do estudo constroem do diagnóstico de câncer de colo de útero neste contexto atual, onde corporeidade, beleza e saúde alcançam grande relevância social. Ao se aproximarem desse universo, recortado pelo peso do diagnóstico de uma doença tão grave como o câncer, as autoras surpreendem-nos com a diversidade de sentidos que esse tema assume para as colaboradoras da pesquisa. Uma questão para a qual convergem os relatos das entrevistadas diz respeito ao seu papel social como mães, uma vez que o útero representa a possibilidade de gerar uma nova vida. As colaboradoras têm a percepção de que o modelo familiar no qual viveram foi promotor de repercussões nas suas crenças a respeito do próprio corpo e da sua vida afetiva. A vivência da maternidade surge, de certo modo, com o sentido de aprisionamento do corpo feminino ao ser-mãe. Conforme a análise dos relatos das vivências afetivo-sexuais dessas mulheres com câncer de útero, as pesquisadoras desvelaram que todas relataram não perceberem o próprio corpo. Essa percepção deve-se ao lugar alienado atribuído a mulher no decorrer de séculos, ou seja, a ideia de que seu corpo é e/ou está sempre submisso e a disposição de outras
8 Prefácio pessoas (marido, filhos, ciência etc.). Nesse processo, ressaltam as autoras, muitas mulheres se relacionam com seu corpo como algo estranho a si, por meio de percepções e vivências negativas do ser-mulher, em razão de padrões, valores e conceitos construídos no contexto familiar que ressoam as construções sociopolíticas e históricas. Além dessa problemática que envolve a corporeidade feminina como território da maternidade, as pesquisadoras fizeram emergir das histórias das colaboradoras outros sentidos. Observaram que os companheiros das entrevistas alteraram sua percepção sobre o processo de adoecimento, ressignificando sua perspectiva do cuidado com a parceira. As entrevistadas também reelaboraram suas percepções sobre o ser feminino e, ainda, como isso interfere na vivência da afetividade, sexualidade e cuidado com o corpo. Ao apropriar-se de sua corporeidade, recuperando cada trajetória até o adoecimento, as colaboradoras constroem um discurso sobre si e, ao falarem, apreendem seus próprios sentidos. Apreender a multiplicidade de sentidos em torno do corpo e do adoecer é fundamental para se estabelecer uma aliança terapêutica satisfatória entre paciente e equipe de saúde. No que diz respeito a esse assunto, o texto traz uma importante contribuição ao apontar que o modo pelo qual se estabelece a relação médico-paciente é determinante para o sucesso e para a adesão ao tratamento em que o paciente passa a se perceber; na valoração então atribuída a seu corpo; ao local de tratamento; aos procedimentos etc. Ao compreendermos os sentidos do feminino, poderemos constituir estratégias de saúde que ressignifiquem o corpo e a
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sexualidade da mulher como um território de promoção de saúde e não meramente como objeto de intervenção para se tratar doenças e evitar a morte. Finalizo assinalando que estas foram apenas algumas das reflexões, emergentes da leitura do texto, que cabem aqui neste espaço destinado ao prefaciador. Prof. Dr. Edmar Henrique Dairell Davi Membro do Grupo de Pesquisa Sexualidadevida/USP/CNPq