2ª Edição | Revisada
EDUCAÇÃO DO PRECONCEITO ensaios sobre poder e resistência
Silvio Gallo Regina Maria de Souza organizadores
DIRETOR GERAL Wilon Mazalla Jr. COORDENAÇÃO EDITORIAL Marídia R. Lima COORDENAÇÃO DE REVISÃO E COPYDESK Catarina C. Costa REVISÃO DE TEXTOS Ana Maria Assis Rodrigues Paola Maria Felipe dos Anjos EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Fabio Diego da Silva Tatiane de Lima CAPA Leonardo Paiva Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Educação do preconceito: ensaios sobre poder e resistência / organizadores Silvio Gallo e Regina Maria de Souza. - Campinas, SP: Editora Alínea, 2016. 2ª Edição Vários autores. Bibliografia. 1. Educação - Filosofia 2. Educação Finalidades e objetivos 3. Preconceitos 4. Racismo 5. Sociologia educacional I. Gallo, Sílvio. II. Souza, Regina Maria de. 04-1262
CDD-306.432
Índices para catálogo sistemático: 1. Preconceito na escola: Sociologia educacional 306.432 2. Racismo na escola: Sociologia educacional 306.432 ISBN 978-85-7516-754-0 Todos os direitos reservados ao
Grupo Átomo e Alínea Rua Tiradentes, 1053 - Guanabara - Campinas-SP CEP 13023-191 - PABX: (19) 3232.9340 e 3232.0047 www.atomoealinea.com.br Impresso no Brasil
Sumário
Prefácio...................................................................................................................... 5 Introdução.................................................................................................................. 9 Silvio Gallo e Regina Maria de Souza Capítulo 1 Investigação Visual a Respeito do Outro................................................................. 27 Milton José de Almeida Capítulo 2 A Materialidade da Morte e o Eufemismo da Tolerância: duas faces, dentre as milhões de faces, desse monstro (humano) chamado racismo............................................................. 61 Carlos Skliar Capítulo 3 O Estrangeiro, o Racismo e a Educação.................................................................. 81 Caterina Koltai Capítulo 4 E se o Outro é o Professor? Reflexões Acerca do Currículo e Histórias de Vida.... 91 Maria do Carmo Martins Capítulo 5 Sócrates e Foucault Professores: entre o ensino do já sabido e a busca por ensinar diferentemente......................... 105 Walter Omar Kohan
Capítulo 6 Nietzsche e Wittgenstein: alavancas para pensar a diferença e a pedagogia................................................... 117 Alfredo Veiga-Neto Capítulo 7 Infâncias e Cultura: semelhanças e diferenças....................................................... 131 Angel Pino Capítulo 8 O Debate Sobre o Fim da Infância e a Psicanálise: da Pedagogia moderninha à renúncia educativa.................................................... 147 Leandro de Lajonquière Capítulo 9 Pistas em Repentes: pela reinvenção artística da educação, da infância e da docência.......................... 159 Sandra Mara Corazza Sobre os Autores.................................................................................................... 167
Prefácio
A obra que ora apresento tem origem na série de colóquios realizados no segundo semestre de 2002, na Faculdade de Educação da Unicamp. Os colóquios foram pensados como parte do Curso de Pedagogia, inseriam-se em disciplinas de pós-graduação, e eram parte da programação que marcou os trinta anos da Faculdade de Educação. Com tal proposta, os colóquios tiveram uma frequência variada, misturando professores, alunos de pós-graduação e de graduação da Faculdade e de fora dela. Parecia mesmo uma universidade. Não vi passar a lista de frequência, mas o salão esteve sempre lotado. Com a lembrança dos colóquios, em especial de algumas exposições que tive a oportunidade de ouvir, e diante do convite para fazer a apresentação do livro, passei a ler os textos em suas versões finais. Desde o primeiro momento, tive, para mim, a certeza de que a tarefa era mais que ousada. Coloquei mãos à obra. Acredito que não me cabe apresentar os autores situados cada um deles em espaços próprios do conhecimento das humanidades. De historiadores a filósofos, de psicanalistas a escritores, cada um olhando O outro, o racismo e a educação, do seu lugar, fazendo uso de suas ferramentas de análise, de reflexão e de sua imaginação. Os pretextos usados para pensar o tema revelam a imensa extensão desse campo complexo cujas fronteiras oscilam constantemente – a educação. Encontra-se desde o estudo das Exposições Universais, realizadas em Paris no século XIX, onde se busca compreender a educação da memória por meio de um projeto estético e político, até o interior da escola, onde se analisa a construção dos currículos, chegando a penetrar o homem em seu inconsciente para encontrar o outro nele mesmo. O livro oferece histórias sempre renovadas da busca empreendida pelos grupos sociais ou mesmo pelos homens individualmente, de seu espelho, do mesmo, de seu igual, no mesmo movimento em que realizam a distinção, se não, o distanciamento do diferente, este outro que lhe é estrangeiro. Procuro na minha biblioteca e não encontro o já gasto exemplar de Massa e Poder, de Elias Canetti. Quero rever a passagem na qual ele apresenta o fenômeno da massa em fuga, em que trata do desconforto que sentimos quando, no ônibus
6 Prefácio lotado, somos obrigados a deixar que nosso corpo seja tocado pelo corpo de um estranho ou de quantas vezes nos desculpamos por, sem querer, termos roçado um desconhecido. Ele nos lembra da repulsa ao corpo do outro. Ainda de memória, sem ter comigo a obra, me vem à mente a discussão sobre o julgamento e a operação de distanciamento daquele que julga do objeto ou pessoa julgada. O afastamento do suspeito coloca aquele que julga em posição superior, como alguém que pode conceder a graça. Neste ponto, começo a associar os comportamentos dos juízes, dos racistas e aqueles comportamentos mais comuns em relação ao estrangeiro; neles encontro o mesmo vigor do universo acadêmico, onde os diversos campos do conhecimento disputam um lugar na hierarquia de prestígio. Discussões ditas acadêmicas, racionais, objetivas procedem a desqualificação do discurso do outro, fazendo uso de linguagens científicas herméticas, aparatos técnicos, tabelas e gráficos quantificadores do valor de cada um. Como nos meios e tempos racistas, quem escreve a história é o homem branco, no mundo acadêmico a pena está na mão de cientistas cujos métodos não deixam dúvidas, cujas fórmulas são inquestionáveis. Kohan (em capítulo deste livro) ajuda a compreender certa política do pensamento e do ensino ao apresentar um Sócrates que “ecoa a pretensão totalitária de um mestre que já sabe, antecipadamente, o que o aluno deve saber; alguém que pensa para e pelos outros”. A lógica dos que já alcançaram a verdade legitima os que julgam por meio de seus pareceres circunstanciados, determinando quem pode e quem não pode o quê. O texto citado provoca um mal-estar no primeiro momento, dado que toca a educação, a academia, a escola que, de todas as maneiras, são os lugares privilegiados do saber. E quando se fala de educação e especialmente de escola ou professor, estamos sempre tentados a tratar de um espaço redentor e de pessoas que, além de sábias, estão comprometidas unicamente com o outro e com a dignidade humana. Entretanto se a escola é o lugar do bem e os professores verdadeiros símbolos de virtude, como explicar o racismo e a discriminação nesse espaço produtor do discurso da igualdade, da justiça social e da democracia? Pelo discurso, muito dificilmente chegaremos a compreender o que se passa, pois esse é justamente o lugar do bem pensar. Talvez sejam as práticas instauradas na escola, espaço por excelência da disciplina, que não combinam com o discurso que nela se produz. A distinção é a melhor matéria produzida no processo de escolarização. As avaliações, cada dia mais populares, partem sempre de um modelo ideal, de instituição ou de indivíduo e saem medindo tudo o que encontram pela frente, criando indicadores, critérios e instrumentos capazes de verificar o quanto cada um se desvia do padrão ideal estabelecido por quem tem poder.
Prefácio
7
Num livro que se chama Educação do Preconceito: ensaios sobre poder e resistência não se pode desconsiderar essas táticas modernas de poder que a tudo e a todos compara com o mesmo, o já conhecido e o esperado por quem tem o domínio das instituições no mundo contemporâneo. A avaliação já foi um produto tipicamente escolar, hoje se confunde com as estratégias de gestão do trabalho, ganhou autonomia e virou política educacional e até campo de conhecimento, com direito a GT em Congresso de Educação. A avaliação, quando se restringia a um sistema de exames, já produzia um estrago enorme, distinguindo uns dos outros, classificando os estudantes na escala geral das oportunidades sociais. Atualmente, ao adquirir o estatuto de ciência ou de técnica, é apresentada como algo indispensável, sem o que o mundo moderno não pode mais funcionar. Falar contra a avaliação é politicamente incorreto, pois revela o medo de ser avaliado, e ‘só os medíocres temem a avaliação’. Até é possível fazer críticas a uma tal avaliação específica, feita pelo MEC, pela Capes ou outra instituição qualquer, porém perguntar pela natureza da avaliação, isso já não faz parte do jogo. A avaliação é a mais nova política capaz de definir quem tem acesso às verbas públicas, quem pode gozar do privilégio de conseguir bolsas de estudos, quem pode seguir trabalhando. A avaliação substituiu o supervisor na fábrica, o cronometrista, o capataz. Ao modo civilizado da escola, vai medindo e normalizando os que conseguem permanecer, dispensando os outros. Essa herdeira do tecnicismo e do taylorismo, joias preciosas criadas pelo capitalismo, não consegue esconder suas origens, mesmo tendo sido desenvolvida pela escola, instituição símbolo da sociedade republicana. Ela tem o mérito de excluir, responsabilizando o próprio excluído que passa a colecionar classificações e busca cumprir o modelo, para, quem sabe, um dia deixar de ser o outro. De volta ao princípio, não gostaria de deixar de assinalar a subversão da ordem escolar promovida pelos colóquios que deram origem a esta obra, que, como disse no início, ousaram misturar professores e alunos, de cursos diversos e múltiplas áreas do conhecimento, sem fazer qualquer demonstração de discriminação positiva ou negativa. Ousando na forma e no discurso, os colóquios enraizaram um tema cuja ausência marcava o espaço de pesquisa da Faculdade de Educação. Enfrentar a discussão sobre racismo, num universo branco e bem-vestido, requer coragem, exige delicadeza e sensibilidade aguçadas.
Agueda Bernardete Bittencourt Faculdade de Educação da Unicamp