2ª Edição | Revisada
Psicologia Cognitiva CONSTRUÇÃO DE SIGNIFICADOS EM DIFERENTES CONTEXTOS
Lourdes Meireles Leão e Mônica Correia | orgs.
DIRETOR GERAL Wilon Mazalla Jr. COORDENAÇÃO EDITORIAL Marídia R. Lima COORDENAÇÃO DE REVISÃO E COPYDESK Catarina C. Costa REVISÃO DE TEXTOS Bruna Oliveira Gonçalves Lilian Moreira Mendes EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Fabio Diego da Silva Tatiane de Lima CAPA Camila Lagoeiro Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Psicologia cognitiva - construção de significados em diferentes contextos / Lourdes Meireles Leão e Mônica Correia, organizadoras. - - Campinas, SP: Editora Alínea, 2016. 2ª Edição Vários autores. Bibliografia. 1. Cognição 2. Psicologia cognitiva 3. Significado (Psicologia) I: Leão, Lourdes Meireles. II. Correia, Mônica. 07-9349
CDD-153
Índices para catálogo sistemático: 1. Psicologia cognitiva 153 ISBN 978-85-7516-764-9 Todos os direitos reservados ao
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Sumário
Prefácio.........................................................................................................................5 Introdução: a reconhecida relevância do processo de construção de significados para o funcionamento cognitivo..........................................................7 Lourdes Meireles Leão e Mônica Correia Capítulo 1 Linguagem, Significado, Atividade, Sujeito e Cognição: noções que orientam estudos sobre o processo de construção de significados...........15 Mônica F. B. Correia Capítulo 2 Significando e Ressignificando: construindo significados.........................................27 Lourdes Meireles Leão Capítulo 3 Negociações, Rupturas e Renegociações do Contrato Didático: refletindo sobre a construção de significados numa sala de aula de Matemática, na perspectiva dos fenômenos didáticos..............51 Anna Paula de Avelar Brito Menezes e Marcelo Câmara dos Santos Capítulo 4 A Construção de Significados em Álgebra com Base em Uma Sequência de Ensino: um olhar para a sala de aula........................................................................................73 Mônica Maria Lins Lessa e Jorge Tarcísio da Rocha Falcão
Capítulo 5 Cognição, Afetividade, Subjetividade: analisando a construção de significados na sala de aula de Matemática..................105 Claudia Roberta de Araújo Gomes e Jorge Tarcísio da Rocha Falcão Capítulo 6 Processos de Compreensão de Textos e Habilidades Metacognitivas: estudos com universitários........................................................................................131 Patrícia Maria Uchôa Simões e Maria Helena Santos Dubeux Capítulo 7 Relações entre Leitura, Matemática e Construção de Significados..........................145 Síntria Labres Lautert e Sandra Patrícia Ataíde Ferreira Sobre os Autores.......................................................................................................159
Prefácio
A Psicologia Cognitiva construiu para si mesma, como disciplina, ao longo de todo o século XX, uma enorme confusão conceitual e metodológica acerca dos muitos sentidos possíveis do problema do significado. A esse respeito, Jerome Bruner, em Atos de significação1, ofereceu uma excelente síntese, abordando tais confusões, e mostrando como as ciências cognitivas abandonaram, em larga escala, seus mais nobres problemas, entre eles o do significado, deixando de perguntar-se: existem como, para quê, com quem e em que condições? Cerca de quarenta anos antes da publicação mencionada, à mesma época em que um primeiro Bruner propunha uma ciência computacional da mente que ele mesmo viria a contestar mais tarde, um segundo Wittgenstein se desfazia de seu próprio modelo original de significados fixos na linguagem, de acordo com o qual, acerca daquilo de que se não pode falar, tem que se ficar em silêncio (Tratado Lógico ‑Filosófico), a fim de propor uma virada radical, linguística, das noções de mente e dos significados humanos, afirmando que Para uma grande classe de casos – ainda que não para todos – nos quais empre gamos a palavra “significado” ela pode ser definida assim: o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem (Investigações Filosóficas).
Usamos com frequência a questão do significado a fim de atestarmos nosso entendimento acerca dos enunciados no discurso, acerca da linguagem. Mas tal entendimento e os significados não são algo que se “tenha em mente”, no mesmo sentido em que dizemos “ter dinheiro no bolso”. Ao invés disso, entendimento diz respeito à linguagem como uma forma de ação, efetivada pelo uso que dela se faz; isso posto, torna-se desnecessário atribuir à mente uma capacidade representacional (às vezes traduzida pela expressão ‘ter em mente’), pela qual as palavras referem-se a objetos ou eventos no mundo. Em outras palavras, agimos e pensamos linguisticamente sem a necessidade de representarmos o mundo e depois expressá-lo em palavras, como se estas fossem recipientes ou veículos para os significados. 1. Bruner, J. (1997). Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas.
6 Prefácio Assim como no embate pontuado da ação pela linguagem versus a linguagem como representação da ação, os textos oferecidos neste livro apresentam mais problemas que soluções para o debate acerca da construção de significados, da produção de sentidos, do entendimento. A coletânea, assim, nos conduz com maestria ao mundo impreciso e dinâmico da construção de significados, sem pretensões a uma ciência das soluções, mas cumprindo uma função especialmente nobre à Psicologia Cognitiva: a de criar problemas, por meio dos quais a inovação e o sentido tornam-se possíveis na atividade científica. Luciano Meira
Introdução a reconhecida relevância do processo de construção de significados para o funcionamento cognitivo Lourdes Meireles Leão e Mônica Correia
A construção de significados nos caracteriza como seres pensantes e possibilita a emergência de processos cognitivos mais complexos, sendo, portanto, um processo cognitivo de extrema relevância e, por isso, objeto de análise para a Psicologia. As expressões “construção de significados” ou “significação”1, apesar de comuns aos discursos psicológico e pedagógico, não se encontram bem definidas, ainda que existam várias análises que reflitam sobre a complexidade do processo de construção de significados (PCS), sua importância para o desenvolvimento da cognição humana e suas relações com outros construtos, conceitos ou noções. Antes da chamada revolução cognitiva – em meados dos anos 50 –, já havia uma ênfase sobre a relevância do significado na configuração dos fenômenos psicológicos. As análises de estudos realizados há décadas, ou neste contexto histórico, enfatizam a necessidade de se tomar o PCS como objeto de estudo da Psicologia e de se avançar nas investigações com relação às funções mentais superiores e aos processos que as constituem. A importância do PCS para a constituição da mente vem sendo assinalada por muitos estudiosos dessa área do conhecimento, tais como: Wittgesntein (1968); Frege (1978); Marková (1990); Piaget (1990); Vygotsky (2001); e Bakhtin (2002). Todos eles concordam que o significado representa o principal aspecto da cognição humana e é um problema-chave da Psicologia Cognitiva. Esta tem, como um dos seus principais desafios, compreender como o significado é construído e usado em diferentes contextos sociais e culturais. Fazer sentido (ou interpretar) é necessariamente uma operação social, já que o sujeito nunca constrói o sentido-em-si, mas sempre para alguém (ainda que seja ele mesmo). Assim, construir sentido implica em assumir determinada perspectiva sobre uma cena, perspectiva que é também mutável no próprio curso da encenação (Salomão, 1999, p. 63). 1. Expressões sinônimas na literatura.
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Segundo Suchman (1987, p. 50), o que a ciência psicológica tradicional toma como fenômeno cognitivo tem uma relação essencial com o mundo disponível, colaborativamente organizado por artefatos e ações, dos quais as significações e os métodos pelos quais essas significações são disseminadas têm uma relação essencial com suas circunstâncias concretas particulares. Por conseguinte, na medida em que as ações são sempre situadas em circunstâncias físicas e sociais particulares, a situação é crucial para a interpretação da ação. Com isso, Suchman demonstrou a importância de se incluir a situação material na análise da interação e cognição humana, como um fenômeno situado. A cognição humana não somente é influenciada pela cultura e sociedade, mas é, em sentido fundamental, um processo cultural e social. Assim sendo, estes são aspectos que devem ser considerados num estudo sobre construção de significados (Hutchins, 1996). A situação na qual a construção de significados ocorre é, quase sempre, uma situação social, definida pelos membros de um grupo de indivíduos com objetivos comunicativos. É um processo sociocultural desenvolvido em atividades essencialmente interacionais, necessitando, assim, da participação do outro. Por meio de atividades comunicativas, verbais ou não verbais, os significados são colaborativamente construídos e articulados, na e pela interação. Portanto, o processo de construção de significados apoia-se em dois pilares básicos: os processos comunicativos e os processos de negociação. O mundo em que vivemos é basicamente um mundo de pessoas. A maioria das nossas ações para com os outros e as dos outros para conosco são atos comunicativos, mediados simbolicamente, quer ou não alcancemos a expressão verbal ou não e quer ocorra de fato essa intenção ou não. As ações comunicativas, entendidas em sua acepção mais vasta, estão, sem dúvida, na base de todas as nossas relações subjetivas e constituem o verdadeiro ponto de apoio de toda a nossa atividade pensante. As organizações humanas são sistemas de operações que constroem interativamente as informações que permitirão a ação eficiente. Por conseguinte, a comunicação é um processo fundamentalmente social, da mais ampla relevância no funcionamento de qualquer grupo, organização ou sociedade. Entre os processos comunicativos, a linguagem verbal é o “processo” por excelência. De acordo com Austin (1962), linguagem é ação e “dizer é fazer”. McNeil (1988), da mesma forma, considera a linguagem como ação, que tem como pano de fundo a atividade maior na qual o indivíduo está inscrito. A linguagem é parte dessa atividade e não pode ser retirada dela. Em sentido comum, ‘interação’ significa ‘comunicação entre pessoas’. Clark (1992), porém, vê a interação como “arenas do uso da linguagem” ou teatros de ação, nos quais as pessoas fazem coisas com a linguagem. Ele concebe o seu uso como uma
Introdução
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atividade humana na qual a interação é mais do que pessoas produzirem e compreenderem uma série de sentenças com significado particular: é uma classe de atividades coletivas na qual o significado do falante desempenha um papel indispensável. Ele lista três propriedades básicas que caracterizam uma interação: • É uma atividade coletiva, em que há sempre duas ou mais pessoas envolvidas; • Sua função é a realização de algum processo social, sendo a linguagem ajustada a cada tipo de processo; • Requer ações coordenadas de todos os participantes. Suchman (1987) utiliza os dois termos, ‘comunicação’ e ‘interação’, intercambiavelmente, querendo significar ‘inteligibilidade mútua de ação’ ou ‘compreensão partilhada’. Apesar de as discussões sobre a importância dos processos de construção de significados para a mente humana estarem presentes no cenário da Psicologia, sobretudo entre autores cujas filiações teóricas aproximam-se das chamadas correntes sociointeracionistas ou culturalistas, as tentativas de demonstrar suas dimensões e importância não se restringem a essa área do conhecimento, uma vez que o problema tem frequentado vários discursos e assumido diferentes “vozes”, constituindo-se como uma questão multidisciplinar. Estudos empíricos que tentam mapear o processo, entretanto, ainda são escassos na literatura. Aqueles encontrados, tais como os de Goodwin (2000); Meira e Lerman (2001); Leão (2002); Correia (2005), têm ilustrado, com base em diferentes contextos de análise, a multidimensionalidade do PCS. As análises de Goodwin (2000), de interações entre garotas jogando “amarelinha”, em um momento, e de arqueólogos em seu trabalho de escavações, em outro, são utilizadas para demonstrar a criação de campos semióticos2 e o envolvimento de diversos meios dessa mesma natureza nas ações sociais humanas. De acordo com esse autor, a produção e a interpretação das ações sociais humanas é constituída pelo desenvolvimento simultâneo de diversos desses meios e envolve justaposições dinâmicas e temporárias de campos semióticos. Goodwin aponta a linguagem e a estrutura material do ambiente como compo nentes integrados de um processo comum para a produção social de significado e ação (p. 1490)
e declara que procura identificar disposições particulares e situadamente relevantes de campos semióticos, que estariam em um processo contínuo de mudança para produção de significados e ação.
2. Campos semióticos são campos que se justapõem para mutuamente se aperfeiçoarem; uns são considerados relevantes (e adicionados) e outros irrelevantes (e abandonados).