Encontros inesquecíveis: relatos de cuidado e ética by Editora Átomo

relatos de cuidado e ĂŠtica

organizadoras Nely Aparecida Guernelli Nucci Maria Julia KovĂĄcs Karina Okajima Fukumitsu

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Encontros inesquecíveis : relatos de cuidado e ética / organizadoras Nely Aparecida Guernelli Nucci, Maria Julia Kovács , Karina Okajima Fukumitsu. -- Campinas, SP : Alínea, 2018. Vários autores. Bibliografia ISBN 978-85-7516-841-7 1. Cuidados de saúde 2. Depoimentos 3. Educação em saúde 4. Ética profissional 5. Histórias de vida 6. Humanização 7. Médico e paciente 8. Pacientes hospitalizados - Cuidado e tratamento 9. Profissionais da saúde - Formação I. Nucci, Nely Aparecida Guernelli. II. Kovács, Maria Julia. III. Fukumitsu, Karina Okajima. 18-16281 CDD-610.7 Índices para catálogo sistemático: 1. Profissionais da saúde : Narração das memórias e aprendizados : Humanização : Educação em saúde 610.7

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

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Sumário

Apresentação: um sonho real Maria Julia Kovács

11 Introdução Nely Aparecida Guernelli Nucci

Agruras de uma analista abandonada Ana Célia Rodrigues de Souza

Dias que valeram viver Ana Claudia Quintana Arantes

O dia de Maria Ana Lúcia Coradazzi

A morte do filho: luto de um pai Elaine Gomes dos Reis Alves

No limiar da vida e da morte Elisa Maria Perina

Transformando retalhos Gabriela Casellato

Transformando experiências ruins em coisas boas Jussara de Lima e Souza

Transformar dor em amor: possibilidade para reverenciar o inesquecível Karina Okajima Fukumitsu

A liberdade é um pássaro de asas quebradas Marcelo Guernelli Nucci

Eu apenas queria que você soubesse... Maria Júlia Paes da Silva

103 De mãos dadas... Nely Aparecida Guernelli Nucci

115 A flor que o destino me ofertou Regina Paschoalucci Liberato

127 Lúcia Vicente A. de Carvalho

137 Sobre os autores

Apresentação: um sonho real Maria Julia Kovács

Um sonho sonhado junto torna-se realidade, assim escreve Nely Nucci no texto que introduz esta obra que agora se concretiza. Naquela tarde calorosa, em dezembro de 2016, num happy hour, Karina Okajima Fukumitsu e eu nos juntamos nesse sonho, que passou, então, a tomar forma. Cada uma de nós escolheu pessoas que se tornaram parceiras ao compreenderem o espírito da obra. Profissionais de saúde com grande experiência nos seus campos de atuação foram convidados para compartilhar encontros com seus pacientes ou pessoas sob cuidados, para escrever não sobre técnica, mas, sim, sobre arte e é principalmente desse prisma que, nesta obra, os valorizamos como especialistas. Encontro – reunião de duas ou mais pessoas em que afeto, toques, conforto circulam pelos olhos, mãos e alma e compartilham energia. Tem grande proximidade com amor, amizade. Neste caso, se configura como encontro entre profissionais de saúde e seus clientes em hospitais, ambulatórios, consultório e no domicílio, quando necessário. 5

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Inesquecíveis são aqueles que não podem, não conseguem e não querem ser esquecidos. Fazem parte significativa da vida dos profissionais que, convidados, aceitaram compartilhar sua experiência. Os autores falaram de seus sentimentos, temores, tentativas, dúvidas e do quanto foram tocados pela dor, sofrimento, sensibilidade no seu trabalho. São psicólogos; médicos de várias especialidades − psiquiatras, geriatras e neonatologista − e enfermeira. Seus nomes: Ana Célia Rodrigues de Souza, Ana Cláudia Quintana Arantes, Ana Lúcia Coradazzi, Elaine Gomes Reis Alves, Elisa Maria Perina, Gabriela Casellato, Jussara de Lima e Souza, Karina Okajima Fukumitsu, Marcelo Guernelli Nucci, Maria Julia Paes da Silva, Nely Aparecida Guernelli Nucci, Regina Liberato, Vicente Augusto de Carvalho. Foram eles os escolhidos e todos aceitaram. A recomendação foi contar a história de um encontro inesquecível. Proposta igual, respostas diferentes, singulares, com a tonalidade oferecida pela história vivida. É um livro importante para terapeutas em busca de caminhos, a sua ênfase não é teórica, é experiencial. Os capítulos apresentam o relato acrescido das reflexões de seus próprios autores. A obra não tem a pretensão de apresentar perspectivas convergentes, mas de abrir um leque para que cada leitor realize suas próprias compreensões. O que todos os relatos têm em comum é o fato de mostrarem que os encontros estimularam aprendizagens e transformações significativas na vida dos autores. São histórias de pessoas com câncer em momentos de diagnóstico, no tratamento com feridas, com sofrimento, em situações de proximidade da morte, nas tentativas de suicídio para eliminar a angústia. São narrativas de profissionais em conflito com dilemas diante de várias alternativas de tratamentos, impasses, reconhecimento de propostas inadequadas de tratamento, de impotência. Normalmente, temos acesso a obras em que sucessos são ressaltados. Nesta, em vários capítulos, são apresentados ‘erros’, cujo confronto permitiu aos autores que se aproxi6

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massem, realmente, da história de seus clientes e não do que supunham ser a verdade. São relatos de transformação. Sem cometer invasão nos textos apresentados, pude viajar com os autores e trazer alguns fragmentos, que recolho para continuar na apresentação da obra. Como se sente uma psiquiatra que se vê abandonada por seu cliente é o tema do capítulo de Ana Célia Rodrigues de Souza. Um toque de impotência que leva a profundas reflexões. Ressalta a importância da empatia mútua, que, quando não ocorre, dificulta estar junto e também a necessidade de autoconhecimento. Como analista junguiana, recorre aos mitos para aprofundar a sua compreensão do processo psicoterápico e de suas intercorrências. Ana Claudia Quintana Arantes leva-nos aos corredores de instituições onde ocorrem recursos de Cuidados Paliativos. Ressalta a necessidade de conhecer a fundo essa qualidade de procedimentos ativos, que trazem, além da sensação de carinho e cuidado, as formas efetivas de lidar com a dor e outros sintomas incapacitantes. Como caminhar de um tratamento intensivo, pleno de procedimentos invasivos para uma intensificação dos cuidados ao acolher, com precisão, as necessidades e desejos de um paciente, é o que escreve a paliativista Ana Lúcia Coradazzi. A mudança de trajetória relatada foi indicada pela paciente cuidada pela médica. Não há como medir a intensidade da dor e dizer que uma dói mais que a outra. Entretanto, há certa unanimidade quando se considera a perda de um filho. Elaine Gomes Reis Alves nos conduz por esse caminho doloroso da perda e do lento trabalho de luto e construção de significado, que permite continuar vivendo com essa ausência. Adolescência é a fase de desenvolvimento com importantes aquisições, na qual a incidência de câncer interfere de forma intrusiva. Elisa Maria Perina relata o seu trabalho com um jovem no encontro entre ambos, que possibilitou ao adolescente, senão a cura, a possibilidade 7

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de elaboração do seu processo e, à terapeuta, a significância do seu trabalho. Perdas acontecem na vida, porém algumas delas nos levam a intensa reorganização psíquica. Gabriela Casellato conta a sua experiência como terapeuta, que facilita o reconhecimento da perda e a autorização do luto, possibilitando experiência transformadora para enlutados e para a terapeuta. Mortes fazem parte da vida, mas tornam-se impactantes ao nascimento. A experiência da profissional Jussara de Lima e Souza, médica neonatologista, se compõe também desses momentos. A autora apresenta em seu capítulo como essa situação repercute na vida dos pais e na equipe de saúde, e ressalta a necessidade de acolhimento, para, se possível, diminuir a dor da perda, proporcionando momentos de encontro entre bebês falecidos e seus pais. Suicídio é, dentro do espectro da morte, uma das situações mais dolorosas para aquele que vive o processo, para seus familiares e amigos sobreviventes dessa tragédia. Karina Okajima Fukumitsu conta a história de um atendimento que teve a duração de vários anos e promoveu elaborações importantes em cada etapa dessa trajetória. Para a terapeuta, apresentaram-se o medo e a culpa de não dar conta, caso o risco não pudesse ser diminuído e ocorresse a morte pelo suicídio. Os agradecimentos são compartilhados entre cliente e terapeuta, numa aprendizagem de vida. Maria Julia Paes da Silva relata o que aprendeu e ensinou, na graduação em Enfermagem, sobre a aproximação da morte no contato com pacientes, alguns deles com feridas com odores, que, num primeiro momento, provocam repulsa e tornam a aproximação um desafio. Essas feridas de corpo e alma acompanham pessoas que buscam cuidados e que, ao serem tratadas, aproximam de forma intensa profissionais e pacientes, configurando encontros que dificilmente serão esquecidos. 8

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A loucura sempre desafiou a humanidade. Como compreender comportamentos estranhos, que podem colocar em risco a pessoa e seu entorno? Marcelo Guernelli Nucci, psiquiatra, nos conduz pelo mundo da psicose, trazendo a possibilidade de um encontro inusitado e, por isso, inesquecível. Uma grande dose de empatia e tolerância é necessária para aprofundar os encontros entre cliente e terapeuta nessas circunstâncias. Um diagnóstico de câncer pode virar a vida do avesso, existindo, muitas vezes, a esperança de haver algum engano. Na fria certeza da doença, o acolhimento e a escuta dos medos mais íntimos trazem segurança num universo de insegurança. Nely Ap. Guernelli Nucci apresenta a significância do encontro, da atenção mais centrada na pessoa do que na doença. A doença não se cura, mas a pessoa se recupera, pode encontrar uma presença na solidão, com mãos entre mãos e olhos que se cruzam. O suicídio faz parte do encontro relatado por Regina Liberato, em que há sincronicidade entre o local de atendimento, sua antiga proprietária e a cliente, que protagoniza esse encontro especial. Um evento significativo para uma terapeuta junguiana. Vicente Augusto de Carvalho conta sua experiência de atendimento a uma pessoa que recebeu a notícia de que teria poucos meses de vida, mas viveu vários anos. Milagre? Possivelmente, sim, promovido por um encontro consigo e com um terapeuta atento e sensível. A publicação exige sigilo e não identificação, por isso o nome é fictício, mas o autor tem, na sua alma, o nome da pessoa com quem teve esse encontro especial. Ao se lerem essas histórias, observa-se o quanto as pessoas atendidas puderam se desenvolver com esses terapeutas especiais. E eles escolheram, entre tantas possíveis histórias que viveram, estas, que se configuraram como encontros especiais, inesquecíveis e que agora compartilham abertamente conosco. Tornam-se especiais também para nós, leitores. 9

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Nestes textos, podemos ver como diagnósticos que provocam rupturas na vida e prognósticos sombrios podem se transformar em processos especiais de recuperação. Com a relação profunda e amorosa, encontros inesquecíveis ajudaram pessoas a trilhar caminhos pedregosos. As pedras podem não sair do caminho, mas o caminhante pode subir nelas, rodeá-las e vê-las menores, com menor perigo. O terapeuta não tira as pedras da vida de seu cliente, mas pode dar a mão, segurar, ajudar no equilíbrio, quando este se torna precário, fortalecer, onde se observa fragilidade, e reconhecer, onde há recursos. Não é fazer pelo outro, mas, sim, com o outro. Em várias das histórias, não houve curas: aconteceu o que na língua inglesa chamamos de healing, palavra pode ser entendida em português como recuperação, restauração e reequilíbrio. Uma grande emoção nos acompanha ao ler os capítulos e coordenar esta obra. É um livro em que a didática, envolvendo terapia e cuidados, se reveste da emoção e da sensibilidade que aprofundam a competência dos seus autores. Esperamos que estudantes e profissionais com vários níveis de experiência possam se beneficiar dos profundos conhecimentos e da aprendizagem significativa que essas histórias nos trazem. Que os encontros inesquecíveis que compõem o livro não permitam que ele seja esquecido nas prateleiras.